espaços conceituais virtuais
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1 ESPAÇOS CONCEITUAIS VIRTUAIS Uso de tecnologias computacionais como ferramentas auxiliares no processo projetual e de análise de espaços arquitetônicos e urbanos. Luciene Pessotti de Souza Departamento de Arquitetura e Urbanismo Faculdade de Aracruz – UNIARACRUZ [email protected] RESUMO Este artigo problematiza o uso das tecnologias computacionais como ferramentas auxiliares no processo projetual de arquitetos e urbanistas. O uso destas tecnologias requer a criação de um repertório arquitetônico e urbano que é uma das formas de sedimentar uma base conceitual necessária ao desenvolvimento do projeto. Palavras-chave: Tecnologias computacionais, projetos de arquitetura e urbanismo, teoria e história da arquitetura. ABSTRACT Este artigo problematiza o uso das tecnologias computacionais como ferramentas auxiliares no processo projetual de arquitetos e urbanistas. O uso destas tecnologias requer a criação de um repertório arquitetônico e urbano que é uma das formas de sedimentar uma base conceitual necessária ao desenvolvimento do projeto. Palavras-chave: Tecnologias computacionais, projetos de arquitetura e urbanismo, teoria e história da arquitetura. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS As questões abordadas neste artigo inserem-se na Grande Área de Conhecimento das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; área de Arquitetura e Urbanismo, e subárea, dos Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo e, especialidade em História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo. A problemática apresentada visa investigar o uso das tecnologias computacionais como ferramentas auxiliares no processo projetual e de análise dos espaços arquitetônicos e urbanos, com o objetivo de colaborar com as problematizações sobre o tema. PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS A busca de meios de representação que simulem a realidade vem desde o Renascimento com a perspectiva, sendo que um dos maiores expoentes foi Filippo Brunelleschi (1337-1446). Segundo Santillana (1981), Brunelleschi deve ser considerado o cientista e artista mais criativo da época, “[...] uma vez que não havia então quase nada que poderia receber o nome de ciência criativa” (p.29). Uma das principais características do Renascimento é a homologia entre ciência e arte. Na obra do domo da igreja de Florença, Santa Maria del Fiore, Bruneleschi, o mais excepcional artista do Renascimento, apreendeu o aspecto metafísico do espaço, mantendo a inflexível vontade ao longo de sua vida, de relacionar a ciência e a arte, ao procurar realizar uma síntese entre perspectiva longitudinal, implicando transcendência, e a perspectiva central, que significou para ele uma organização intrínseca do espaço, ou em termos filosófico, imanência (Figura 01). 3 FIGURA 01: Igreja de Santa Maria del Fiore, Florença, Filippo Brunelleschi. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascen%C3%A7a_italiana. Na contemporaneidade, algumas pesquisas indicam que o uso das tecnologias computacionais restringe-se apenas a uma forma de reproduzir e automatizar os atuais meios de representação, usando-se estas tecnologias basicamente na produção de desenhos. A compreensão de que a representação da arquitetura e da cidade pode ser feita por modelos mais completos e complexos, é o cerne da possibilidade de mudança que as tecnologias de informação oferecem aos arquitetos e urbanistas para a prática projetual (PEREIRA, 2000) e, para a análise de espaços. Segundo Amorim (1997): “[...] a habilidade humana de representar computacionalmente um problema, através de um modelo formalizado mediante uma estrutura de dados adequada, e, a criatividade no desenvolvimento de uma metodologia para o tratamento ou processamento desses dados, traduzidos segundo um algoritmo capaz de resolver eficientemente o problema proposto, constituem a tênue fronteira entre o desejado e o possível”. A possibilidade de solucionar problemas computacionalmente está diretamente afetada pelas ferramentas de que dispõe para consultar, armazenar, manipular, analisar e visualizar dados e informações. A atividade de se criar espaços virtualmente é complexa, multidisciplinar, exige organização de dados e 4 informações, criatividade nas soluções e capacidade de síntese das condicionantes e variáveis envolvidas (Figura 02). FIGURA 02: Esta imagem demonstra como informações coletadas e atualizadas podem ser manipuladas e transformadas em dados digitais a partir de softwares. As bases de dados descritivos e as bases gráficas tridimensionais são tratadas em ambiente de geoprocessamento, abrindo a possibilidade de refletir sobre o ambiente construído. Fonte: Rocha (2000). Segundo Rocha (2000), “[...] no ensino de projeto, a criação de um repertório arquitetônico e urbano é uma das formas de sedimentar uma base conceitual através da qual o estudante possa interagir com o objeto de conhecimento de modo que, a partir do estabelecimento de relações com o mundo arquitetônico, desenvolva conteúdos que ajudem a aprimorar suas idéias para conceber o seu projeto”. Logo, o aluno das disciplinas de ensino do projeto arquitetônico e urbano deve ter tido, inicialmente, acesso às disciplinas que abordam o repertório que fundamentam histórica e teoricamente a produção do espaço ao longo da história, para que possam, então, utilizar os recursos das tecnologias informacionais nas atividades projetuais. 5 Entretanto, um dos maiores desafios para o aluno é estabelecer as relações deste repertório com a criação e descrição do objeto e do espaço que projeta. Tais aproximações representam “[...] a elaboração mental cuja abstração durante o processo vai permitindo incursões gráficas no sentido de concretizar a realidade mais precisa do objeto através do projeto” (ROCHA, 2000). O uso das tecnologias computacionais para criação de modelos espaciais bidimensionais e tridimensionais no ensino de projeto deve ser uma ferramenta para auxiliar a reflexão dos diferentes conceitos que o espaço projetado pode assumir com o mundo real. Este desafio se torna mais agravante quando se trata de áreas das cidades onde há o interesse de preservação do patrimônio ambiental urbano. Ressaltamos, ainda, que os tradicionais sistemas de representação gráfica apresentam limitações especialmente quanto à representação fragmentada em vistas ortogonais. O modelamento tridimensional retoma a questão do objeto real e da sua representação gráfica para diversos usos, ressaltando-se a análise e estudo do objeto gerado. Logo, tais modeladores permitem a construção de modelos virtuais de objetos, os quais podem ser visualizados sob as mais diversas condições e submetidos a uma gama de análises no sentido da verificação e validação do mesmo no mundo real. Conforme afirmam Amorim e Rêgo (1997), as tecnologias computacionais são utilizadas, também, para modelagem da estrutura urbana existente e auxiliam nos estudos e análises das cidades, descrevendo e quantificando o que é permanência e até o que existiu em suas configurações – equipamentos, edifício, etc - fornecendo instrumentos de análise espacial da morfologia e da paisagem atual e do passado. Logo, o uso das ferramentas computacionais permite automatizar as informações que de alguma forma estarão vinculadas a um determinado lugar no espaço, prioritariamente, por coordenadas. Atualmente, os principais softwares que utilizados para elaboração de objetos bidimensionais é o AUTOCAD. Para a criação de modelos tridimensionais são 6 indicados os Sistemas de Informações Geográfica (GIS/SIG), que são sistemas que reúnem maior capacidade de processamento e análise de dados espaciais. Tais sistemas visam à coleta, armazenamento, manipulação, análise e representação de informações sobre entes de expressão espacial. Citamos o exemplo do software MAPTITUDE, considerado uma das melhores ferramentas na contemporaneidade para mapeamento digital. O MAPTITUDE consiste em uma combinação de software e dados geográficos (tais como do sítio de implantação da cidade, elementos arquitetônicos, etc) e oferece múltiplos usos na geração de mapas e análises espaciais. Estas análises podem ser apresentadas em um único mapa ou diferentes mapas temáticos (Figura 03). FIGURA 03: Nesta imagem tem-se diferentes mapas temáticos elaborados através do software Maptitude. Fonte:.http://www.caliper.com/maptovu.htm. Para além destas considerações teóricas, há na contemporaneidade, conforme afirma Duarte (2004), um debate sobre as transformações das qualidades espaciais resultantes de mudanças nas extensões tecnológicas do homem. As tecnologias do virtual são um potente instrumento dessas mudanças, introduzindo 7 transformações na apreensão do novo tipo conceitual de espaço, os espaços virtuais. O autor (DUARTE, 2004), indica então, dois caminhos nas mudanças de apreensão do espaço a partir das tecnologias digitais: (1) o epistemológico, que busca entender como a imersão em ambientes virtuais resulta em alterações na percepção espacial quando o observador está dentro desse universo, que possui fluxos e fixos próprios e exclusivos; (2) o campo conceitual, onde universos tecnológicos distintos se imbricam. Neste terreno, afirma o autor, não nos é permitido separar distintos sistemas de objetos, de ações, tecnologias ou linguagens. Neste universo podem-se encontrar duas matrizes espaciais em diálogo e mesmo se alterando reciprocamente. Essas tramas informacionais costuram as cidades contemporâneas e lançam o desafio de nos inserirmos nos novos filtros culturais que comporão nossa experiência espacial num futuro próximo (DUARTE, 2004). Como principais referências destas experiências citam-se aquelas realizadas pelo grupo Knowbotic Research, que envolvem tecnologia, arte, arquitetura e ciência. Nelas se interpenetram os espaços informacionais e geográficos onde foram gerados o, “[...] instrumento e o conceito de interface [...] os knowbots. Os knowbots, para o grupo, são corpos de conhecimento, são agentes que transitam entre o território material e o território informacional, contaminando um com o outro, e requalificando a ambos” (DUARTE, 2004). OS DESAFIOS DO EMPREGO DAS TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS. As recentes pesquisas sobre ambientes virtuais demonstram a possibilidade de estruturar novas maneiras de dialogar com a arquitetura e o urbanismo, não apenas no sentido visual ou tridimensional do espaço, mas na possibilidade de se 8 aprofundar conceitualmente sobre as transformações que ocorrem ou ocorreram nas cidades. A partir destas possibilidades o espaço funciona como “[...] uma interface, um ponto nodal de fontes informacionais” (EICHEMBERG, 2003). Segundo Eichemberg (2003), entender a arquitetura ou a cidade digital como fonte de possibilidades e não apenas como projeção representacional de imagens é de extrema importância para o avanço teórico e prático não só da ação projetual, mas, das múltiplas possibilidades que uma realidade física atual e do passado. Assim, a arquitetura e o urbanismo digital compreendem a revalorização do pensar espacial em múltiplos níveis, viabilizando um diálogo entre o espaço urbano atual e suas conformações e transformações no passado. A utilização do modelamento tridimensional, devido às possibilidades de simulação e visualização do futuro objeto, contemplando desde a visão macro do objeto até pequenos detalhes com alto grau de realismo, pode ser configurado como aquela de maior influência na constituição de uma nova linguagem para o estudo da arquitetura e das cidades contemporâneas e na longa duração. Conforme demonstrou Rocha (2000) e Duarte (2004), o maior desafio na tarefa projetual do arquiteto e urbanista e do estudante de arquitetura e urbanismo é saber utilizar os referenciais teóricos e históricos, aliando-o, as novas formas de percepção e interação com os espaços virtuais. Através da Figura 03 podemos visualizar as diferentes possibilidades de uso do modelo virtual na atividade projetual tradicional dentro das atividades de ensino de projeto de arquitetura. 9 FIGURA 04: Neste exemplo, destacam-se as atividades dos alunos da disciplina de Projeto Arquitetônico IV, da Unisinos, que estudara, através de um modelo virtual tridimensional, o terreno e tipologia do entorno onde era proposto a inserção da edificação projetada subsdiando, também, os estudos de volumetria, tipologia e contexto (ROCHA, 2000). 10 As diferentes possibilidades de uso do modelo virtual na atividade projetual proposta pelo grupo Knowbotic Research, podem ser vistas através da Figura 04. FIGURA 05: Na proposta do grupo Knowbotic Research verifica-se a interpenetração dos espaços informacionais e geográficos. Neles os knowbots, estão presentes no território material e o território informacional. A proposta de trabalho era a construção de uma pequena embarcação com referência a formas geométricas preexistentes (DUARTE, 2004). 11 Ressaltamos, também, a experiência do Projeto Missões, Computação Gráfica. Multimídia da Reconstituição computadorizada da Redução de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do Sul, Brasil, desenvolvido a partir de 1990, na Unisinos. No projeto foi reconstituído em modelo tridimensional a Igreja e Redução de São Miguel Arcanjo, possibilitando a leitura virtual de um dos mais representativos exemplares da arquitetura jesuítica, hoje em ruínas (Figura 05, 06, 07). Figura 06: Reconstituição computadorizada da fachada da Igreja de São Miguel Arcanjo. Fonte: Rocha (2002). 12 Figura 07 Figura 08 Figura 07: Reconstituição computadorizada do interior da Igreja São Miguel Arcanjo, com efeitos de luz e sombra. Fonte: Rocha (2002). Figura 08: Reconstituição computadorizada da implantação da Redução de São Miguel Arcanjo. Fonte: Rocha (2002). CONSIDERAÇÕES FINAIS Projetos da envergadura do Projeto Missões demonstram que as tecnologias computacionais podem ser utilizadas no âmbito do ensino e da pesquisa para o registro do patrimônio arquitetônico. Logo, a utilização dos softwares para elaboração de projetos arquitetônicos não deve se limitar à dimensão da intervenção do momento presente, da cidade contemporânea. O desafio é também, proporcionar aos estudantes de arquitetura e urbanismo o conhecimento da história da arquitetura através da simulação dos espaços do passado, para entendimento dos princípios que fundamentaram seu projeto e sua construção. A utilização de softwares, tais como o AutoCad e 3D Stdio Max, permitem a elaboração de restituição de ambientes e edifícios históricos, conforme o exemplo da Igreja e Redução de São Miguel Arcanjo, empregando-se a mesma metodologia de tratamento de informações para elaboração de projetos de novos edifícios e espaços urbanos (Figura 08). 13 Figura 08: Ambiente do software AutoCad indicando a criação de layer para digitalização da Igreja de São Miguel Arcanjo Fonte: Rocha (2002). O campo de conhecimento da arquitetura e urbanismo possuí os fundamentos da arte e das ciências exatas. Logo, cabe ao arquiteto vencer os desafios impostos por seu tempo, tal como o fez Filippo Brunelleschi, no século XV, estabelecendo uma homologia entre ciência e arte, em sua mais paradigmática obra, o domo da igreja Santa Maria del Fiore, em Florença. O projeto e obra são considerados, ainda hoje, um os mais excepcionais exemplos de engenharia e arquitetura. Exemplo que merece ser citado para exemplificar às novas gerações de arquitetos e urbanistas os desafios e as possibilidades seu ofício. 14 REFERÊNCIAS AMORIM, A.L. (1997) Tecnologias CAD no ensino de arquitetura e engenharia. Tese (Doutorado). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Bensant, C. B. (1985). AMORIM, A.; REGO, R. O Ensino da Representação Gráfica e CAD: Uma revisão metodológica. In: Anais III Seminário A Informática no Ensino de Arquitetura. Campinas: PUCCAMP, 1997. CD-ROM. DUARTE, Fábio. Pensar o espaço tecnológico. Revista Eletrônica. Vitruvius. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp216.asp>. Acesso em: janeiro de 2006. ISSN 1809-6298. EICHEMBERG, André Teruya. Arquitetura Digital. Entre a realidade e o esquecimento. Revista Eletrônica. Vitruvius. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq032/arq032_02.asp>. Acesso em: abril de 2006. ISSN 1809-6298 PEREIRA, G. Desenho, Ensino e Novas Tecnologias. In: Educação Gráfica. Bauru: Universidade Estadual Paulista, n.4, novembro/2000, p.09-22. ROCHA, Isabel Amália Medero. O processo de projeto de arquitetura em ambiente computacional. Uma experiência de ensino-aprendizagem no Curso de Arquitetura e Urbanismo-Universidade do Vale do Rio dos Sinos. In: I Congresso Virtual de Arquitectura. Rio Grande do Sul: Unisinos (Núcleo de Computação Gráfica), 2000. Disponível em: http://ncg.unisinos.br/cgrafica/ensaios/paper/paper1.html. Acesso em: março de 2006. ROCHA, Isabel Amália Medero. Projeto Missões, Computação Gráfica Multimídia da Reconstituição Computadorizada da Redução de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do Sul – Brasil. Rio Grande do Sul: Unisinos (Núcleo de Computação Gráfica), 2002. Disponível em: http://ncg.unisinos.br/cgrafica/ensaios/paper/paper3.htm. Acesso em: março de 2006. SANTILLANA, George de. O Papel da Arte no Renascimento Científico (The Role of Art in the Scientific Renaissance). São Paulo: FAUSP, 1981.