II Sm 9 - Ary Júnior

Transcrição

II Sm 9 - Ary Júnior
Mefibosete, você e eu
(II Sm 9)
Por Pr. Ary Júnior
Numa fatídica batalha contra os filisteus morrem Saul e três
de seus filhos, dentre eles, Jônatas (I Sm 31:2-4).
Samuel já havia profetizado que a dinastia do primeiro rei de
Israel não haveria de subsistir (I Sm 13: 13-14). Foi precisamente o
que ocorreu.
Houve apenas uma tentativa - frustrada! - de se perpetuar
sua família no poder, com Isbosete, amparado por Abner, capitão do
exército de Saul.
Isbosete ainda chegou a reinar dois anos sobre Israel, à
exceção de Judá, que à época já estava sob o governo de Davi (II Sm
2:8-10).
O reinado de Isbosete, todavia, estava destinado ao fracasso.
A guerra entre a casa de Saul e a casa de Davi corroia as forças
daquela. Os exércitos de Davi, liderados por Joabe, eram
inquestionavelmente superiores (II Sm 2:17, 3:1).
Ademais, Isbosete era homem reconhecidamente fraco. Sua
permanência no poder, em certo sentido, dependia grandemente da
influência política de Abner, que, de tão elevada, ensejava o temor do
próprio rei (II Sm 3:6, 11).
Um golpe duríssimo contra a dinastia de Saul ocorreu quando
Abner fez aliança com Davi (II Sm 3:26-27). Mas nada comparável à
morte daquele pelas mãos do vingativo Joabe.
A notícia do falecimento de Abner fez fracassar a já frágil
coragem de Isbosete. O pânico se abateu sobre todo o seu reino (II
Sm 4:1).
Era o fim da casa de Saul, que foi totalmente removida. Quem
não morreu por circunstâncias várias, temeu pela chegada dos
vitoriosos filisteus e fugiu. Com uma única exceção: Mefibosete, o
Meribe-Baal de I Cr 8:24.
Quando os filisteus venceram a batalha contra Saul, também
ocuparam as cidades deixadas desertas pelos fugitivos desesperados.
1
Mefibosete tinha cinco anos quando tornou-se aleijado de
ambos os pés. Quando sua ama tomou notícia da morte de Saul e da
chegada do adversário, apanhou a criança nos braços e saiu com ela
às pressas. Na fuga, o menino caiu e ficou manco (II Sm 4:4).
Vale ressaltar que os reis antigos tinham o costume de
destruir completamente os membros da casa anterior. Tal
procedimento visava evitar futuras rivalidades, o que não deixava de
ser motivo de temores pela vida do único sobrevivente da família de
Saul.
Portanto, eis a sorte do menino: neto de rei, agora aleijado
dos dois pés e destinado à obscuridade de um exílio longe de sua
terra.
Mefibosete viveu sob os cuidados de um certo Maquir, homem
rico e influente, numa cidade chamada Lo-Debar, ao oriente do rio
Jordão.
O neto do rei viveu de favores muitos anos. Lembremo-nos
que ele foge aos cinco anos e em nosso texto (II Sm 9) ele já tem um
filho (9:11). Ou seja, passaram-se pelo menos cerca de duas
décadas...
Até que Davi se recorda de um juramento que havia feito a
Jônatas, seu pai: “não cortarás jamais da minha casa a tua bondade”
(I Sm 20:14-17, 42).
Movido pelo pacto e pelo amor a Jônatas que sempre nutriu,
Davi localiza, através de um servo de Saul, chamado Ziba, Mefibosete
e manda chamá-lo.
Podemos imaginar os receios que se passaram na mente do
homem. Imaginou que Davi o teria descoberto para exterminá-lo.
Ledo engano!
O rei restitui-lhe todas as terras de Saul, incumbiu a Ziba de
administrar sua casa e prover-lhe cabalmente e lhe trouxe à sua
própria mesa, “como um dos filhos do rei”.
Como favores especiais sempre humilham quem os recebe,
Mefibosete referiu-se a si mesmo como um “cão morto”, como a nada
mais que uma coisa absolutamente inútil e sem valor: “Quem é teu
servo, para teres olhado para um cão morto tal como eu?” (9:8).
Pois bem, as reflexões acerca desta pérola das Escrituras me
fizeram ver, em cores vívidas, pelo menos três experiências
conhecidas dos crentes.
2
Primeiro, a história de Mefibosete é um retrato do que chamo
de redenção circunstancial, coisa que não raro experimentamos.
Essa é a saga de um homem que foi levado pelos ziguezagues
da vida à mais inexorável obscuridade, e relegado ao mais frio
esquecimento, mas que, em um dia como qualquer outro, foi objeto
da lembrança bondosa e imprevisível do Rei.
Aonde ele foi parar não esteve sob o seu controle. Tampouco
foi chamado a optar sobre seu futuro estado. Menos ainda pode
evitar a fatalidade que o aleijou. Ele era apenas uma criança quando
a tempestade fez soçobrar as perspectivas que lhe circundavam.
Mas as coisas concernentes à aventura de viver com Deus são
assim! Em um dia, no mais abjeto exílio, no outro, assentado à mesa
dos nobres.
É notável, sublinhe-se, a velocidade como Deus pode nos
proporcionar certas “viragens” na vida. Tudo demora até que, de
repente, acontece. Basta um balançar de olhos e o Soberano reverte
desdém em honra.
Aconteceu com Mefibosete. Em uma manhã feliz recebeu o
convite do rei para estar com ele. Aconteceu a Moisés. A sarça lhe
ardeu face a face após quarenta anos de deserto. Deu-se coisa
semelhante com José, “lembrado” após anos de masmorra. E,
certamente, acontecerá com você!
Segundo, Mefibosete ainda faz-nos lembrar a nossa própria
redenção espiritual.
Foi assim com ele. Foi assim conosco. Quando Deus resolveu
nos buscar, onde Ele nos encontrou? Na obscuridade de nosso
entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância, pela
dureza do nosso coração (Ef 4:18). Relegados ao esquecimento das
coisas espirituais: “naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não
tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2:12).
Aí estávamos quando Deus nos encontrou, exilados na mais
plena inutilidade espiritual. Se felizes ou infelizes, pouco importa! O
fato é que nem desconfiávamos da existência de toda uma riqueza
palaciana que viria a ser nossa.
Ressaltemos ainda, à luz de nosso texto, que se chegamos à
presença do Rei foi por que Ele mandou nos buscar. Os temores da
incredulidade não nos permitiriam jamais a aproximação. As velhas
pernas não achariam o Caminho das riquezas espirituais. “Ninguém
3
pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” e “se, pelo
Pai, não lhe for concedido” (Jô 6:44,65).
Ademais, nunca é demais relembrar que o palácio do Rei é
dos humildes. O Reino de Deus é dos pobres de espírito. A terra é dos
mansos. É ilustrativo o fato que as benesses reais foram dadas ao
menor da casa de Saul, o mais esquecido. Isbosete quis a realeza,
que lhe foi negada. Ao aleijado foi concedida a mesa do Rei. O palácio
foi gozado por quem jamais imaginaríamos. “O dono da casa disse ao
seu servo: sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para
aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (Lc 14:21).
Só mais um detalhe quanto a este ponto. Não menos do que
em relação a Mefibosete, o que fez o Rei lembrar-se de uns relegados
à obscuridade como eu e você foi um antigo Pacto, no qual Ele
empenhou Seu Nome e Sua santidade. “Uma vez jurei por minha
santidade (e serei eu falso a Davi?)” (Sl 89:35). Sim, somos filhos do
Pacto da Graça. Fomos salvos por que a Santíssima Trindade
empenhou-Se na salvação de gente como nós por amor de Seu
próprio Nome.
Finalmente, Mefibosete lança luz sobre a redenção final de
todos os crentes.
Em algum dia o Rei virá ao nosso encontro, ao ressoar da
última trombeta. Ou, talvez antes disso, partamos ao dEle. De
qualquer modo, uma coisa é certa: nosso exílio, como o de
Mefibosete, não é eterno. Eternos são os dias nos quais estaremos
para sempre com o Senhor.
Lázaro vivia na mais odiosa miséria, até que um dia “morreu e
foi levado pelos anjos para o seio de Abrão” (Lc 16:22).
Essa idéia faz a própria visão da morte nos ser terna e doce.
O Cristo que a venceu, igualmente no-la revelou sem o pavor com o
qual ela atormenta aqueles que não têm esperança.
Para nós, olhar um cadáver não nos faz concluir pela ausência
de vida. Antes, a certeza da vitória de Cristo sobre o último inimigo é
tal que ousamos afirmar com Paulo que morrer é partir e estar com o
Senhor. Mais que isso, também com ele, ousamos dizer em relação
aos que morreram que apenas dormem.
Portanto, morrer é também ser chamado pelo Rei e para o
Rei. É sair da obscuridade da prisão do corpo desta morte e achegarse às glórias eternas da Casa celeste.
Paz.
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