Propostas para o Trabalho Digno e Emprego de Qualidade

Transcrição

Propostas para o Trabalho Digno e Emprego de Qualidade
Propostas para o Trabalho Digno
e o Emprego de Qualidade
Documento realizado no âmbito do Processo do Diálogo Estruturado da União Europeia
enquadrado na campanha Trabalho Digno para Tod@s.
Ficha Técnica
Coordenação
Negesse Pina
Autoria
Filipe Lamelas
Magda Nico
Manuel Gil
Design gráfico e paginação
Mom is Proud
Dezembro de 2014
ÍNDICE
Prefácio
4
Introdução
8
Parte I. Trabalho Digno e Emprego de Qualidade
12
3.1. Dimensão política
13
3.2. Dimensão legal
16
Parte II. Transição para o mercado de trabalho: a ponta do iceberg
4.1. A transição para a vida adulta: um conceito, múltiplas abordagens
4.2.1 Propostas
Parte III. Evolução do mercado de trabalho
18
19
22
28
5.1. Do modelo clássico ao modelo dualista
29
5.2. Precariedade e condições de trabalho
33
5.2.1 Precariedade Laboral
5.2.1.1. O tratamento constitucional e legal
5.2.1.2 A situação em Portugal
5.2.1.3. Propostas
34
37
39
40
5.2.2. Condições de trabalho
5.2.2.1. Combater a dualização e fomentar a participação
5.2.2.2. Propostas
5.2.2.3. Aprofundar algumas soluções específicas para melhorar as
condições de trabalho dos jovens
42
42
44
46
Parte IV. Os Jovens e os Regimes de Segurança Social: uma Relação Disfuncional 49
6.1. A segurança social em Portugal – uma conquista de Abril
50
6.2. O modelo de segurança social e a juventude em Portugal – uma relação
disfuncional
52
6.3. Uma segurança social para todos: a necessidade de uma mobilização
política e um diálogo intergeracional em torno de um novo modelo de
segurança social
55
6.3.1. Propostas
56
Parte V. Considerações Finais
57
Bibliografia
60
Anexo
65
Prefácio
O Documento Propostas para o Trabalho Digno e o Emprego de Qualidade resulta da
reflexão de um grupo de investigadores independentes criado no âmbito da campanha
“Trabalho Digno Para Tod@s”, promovida pelo Conselho Nacional de Juventude (CNJ),
desenvolvida no âmbito do Processo de Diálogo Estruturado da União Europeia e
englobada no quadro renovado de Cooperação Europeia no domínio da Juventude
2010-2018. Este quadro renovado de Cooperação Europeia define os princípios do
“Diálogo Estruturado” (DE) com os jovens e organizações de juventude de modo a que
seja fomentada a participação dos jovens na construção da Política de Juventude da
União Europeia (UE), e para que a opinião e a voz da juventude seja ouvida pelas
instâncias europeias.
O Diálogo Estruturado (DE) é um processo que promove o debate conjunto entre jovens
e decisores públicos sobre as prioridades, implementação e acompanhamento da
cooperação europeia no domínio da juventude. É um mecanismo de consulta e
auscultação que deve sustentar a política de juventude, tanto a nível nacional como
europeu.
A implementação do DE em cada Estado-Membro é coordenada pelos Grupos de
Trabalho Nacionais (GTN), cuja coordenação em Portugal cabe ao CNJ, incluindo
também decisores públicos e políticos, técnicos na área da juventude,
especialistas/académicos e representantes das organizações de juventude.
A Emancipação Jovem foi definida, em 2014, como área prioritária para a intervenção do
CNJ. Com efeito, este é um tema que assume toda a centralidade e relevância quando
falamos em juventude, designadamente num contexto de crise financeira e de aumento
do desemprego, particularmente o desemprego jovem, levando a que a autonomia dos
jovens possa estar seriamente comprometida a curto e/ou médio prazo.
Ademais, no que concerne a políticas de juventude, o tema da emancipação jovem é
atualmente um dos tópicos centrais da agenda das instituições europeias, que procuram
fomentar a plena autonomia, a capacitação e a participação dos jovens. Aliás, é desde a
revisão parcial das metas de Lisboa (Crescimento e Emprego 2005-2009), através da
adoção do Pacto Europeu da Juventude, que os Chefes de Estado e de Governo da
União Europeia reconheceram formalmente a importância de um investimento
estratégico em Capital Humano, com vista à prossecução de um desenvolvimento
sustentado e sustentável, baseado numa economia do conhecimento, e na formação
dos jovens europeus, como agentes promotores do empreendedorismo social e
económico.
O emprego jovem é, assim, um pilar estrutural na construção de um presente e futuro
mais sustentáveis para as novas gerações, e deve, também por isso, ser considerado não
apenas como uma ferramenta instrumental, mas como condição de realização pessoal e
coletiva, completado por mecanismos que permitam o desenvolvimento de um projeto
de vida, com partilha de risco, solidariedade, oportunidades e liberdade de escolha.
O CNJ tem sido um agente ativo no diálogo social e no quadro da sua concertação, por
entender que os jovens hoje – pelas dificuldades de acesso ao emprego, a prestações
sociais e a garantias de segurança social – têm claros constrangimentos no acesso à
habitação e à constituição de família, colocando-os à margem do sistema social.
Exemplo disso são as alterações efetuadas ao Código Laboral, bem como o aumento da
idade legal de reforma, que terão um forte impacto nas condições de vida dos jovens.
5
O fenómeno da crise está a agudizar a pobreza em alguns países da Europa,
especialmente no Sul. Consequência disso é o elevado número de jovens
desempregados no espaço europeu (23,7%), transformando-os, assim, na classe
menos protegida, implicando um aumento de vínculos precários neste segmento da
população.
A precariedade tem causado nos jovens um sentimento de instabilidade, que leva à
dependência em relação à família, à incerteza em relação ao futuro que não permite fazer
planos, à falta de segurança no trabalho, a salários desiguais entre homens e mulheres, à
dificuldade em conciliar a vida familiar e profissional.
Assim, o CNJ desenvolveu a campanha “Trabalho Digno Para Tod@s” que pretende
fomentar a discussão entre os jovens, empregadores, decisores políticos e a sociedade
em geral sobre questões relacionadas com a necessidade da criação de trabalho digno
e emprego de qualidade para os jovens em Portugal.
Objetivos Específicos para os Decisores Políticos:
• Incentivar a implementação de medidas que levem a que os jovens tenham as
mesmas condições de trabalho, remuneração e direitos que os outros
trabalhadores e que previnam a discriminação contra os jovens em razão da idade;
• Incentivar o Governo a combater mais eficazmente a utilização abusiva de todas
as formas de trabalho precário;
• Chamar a atenção dos decisores políticos para a importância de medidas que
promovam a conciliação entre a vida profissional e familiar.
Objetivos Específicos para os Jovens:
• Consciencializar os jovens sobre a importância do trabalho digno e do emprego
de qualidade;
• Incentivar a procura de informações sobre os direitos dos jovens no que diz
respeito às leis laborais;
• Estimular a participação dos jovens mais ativamente na luta contra a
precariedade no trabalho;
• Fomentar a discussão junto dos jovens sobre novas formas de combate à
precariedade laboral.
Objetivos Específicos para os Empregadores:
• Fomentar a discussão sobre trabalho digno e emprego de qualidade;
• Incentivar os empregadores a combater a precariedade na contratação;
• Motivar os empregadores para a aplicação da política não discriminatória no que
se refere ao salário. Trabalho Igual – Salário Igual.
6
No âmbito desta campanha, o CNJ assinalou o Dia Internacional do Trabalho Digno,
através da realização de um seminário, no passado dia 7 de outubro de 2014, em Cascais.
Deste dia resultaram vários contributos sobre os temas em discussão e que são alvo de
reflexão neste documento. As conclusões desde seminário, onde participaram sobretudo
jovens e dirigentes associativos, mas também responsáveis políticos e institucionais,
parceiros sociais e especialistas, encontram-se em anexo.
O presente documento resulta do trabalho desenvolvido por um grupo de
investigadores independentes, constituído por um conjunto de jovens peritos de
diferentes ciências sociais, contendo, por isso, diversos contributos que se sintetizam
numa linguagem técnica que não pode ser dissociada desses diferentes saberes. Tal
justifica, por exemplo, que em determinados momentos, a linguagem e os conceitos
presentes no documento tenham, por um lado, um cariz mais sociológico e noutros
surjam predominantemente associados a uma certa hermenêutica jurídica ou à própria
economia política. O conteúdo desde documento é, assim, da inteira responsabilidade
dos seus autores. O nosso muito obrigado ao Filipe Lamelas, Magda Nico e Manuel Gil
pelo seu contributo.
As propostas que aqui se apresentam são essencialmente pistas para reflexão e debate,
mas que se pretende que venham a ter uma consequência concreta, e são provenientes
de uma alargada diversidade de opiniões e perspetivas, dada a composição do Conselho
Nacional de Juventude. Queremos, com o documento que construímos, lançar um amplo
debate sobre como promover o Trabalho Digno e o Emprego de Qualidade para uma
juventude que cada vez mais precisa de políticas sectoriais concretas e objetivas.
Acreditamos que estas são aspirações reais da juventude, e queremos contribuir com
propostas que, não sendo a exigência inflexível do CNJ, são em si um meio para
ajudarmos a alcançar o objetivo central: construir em Portugal um futuro digno e de
qualidade para a Juventude.
Por último, reforçamos a intenção de discutir o conteúdo deste documento com
diferentes parceiros sociais, deputados, membros de governo, empregadores e os jovens
em geral, de acordo com o espírito do Processo de Diálogo Estruturado, criando, assim,
condições para que possamos tornar as propostas mais condizentes com a realidade do
país e a vontade dos jovens e das nossas organizações. Esta discussão alargada servirá
para que possamos sustentar as nossas tomadas de posição no âmbito do emprego que
se querem participadas, críticas e co-construídas.
A Direcção do Conselho Nacional de Juventude
7
Introdução
As questões contemporâneas sobre trabalho digno e qualidade no trabalho atravessam
o tempo e o espaço social. Dizem respeito a todas e a todos, ativos e inativos;
empregados e empregadores; em situações de emprego, subemprego ou desemprego;
com ou sem contrato; em situações mais e menos acentuadas, ou mais e menos
continuadas de precariedade; aos mais novos ou recém-chegados ao mercado de
trabalho e aos mais velhos e mais experientes.
As questões – preocupantes – relacionadas com as ameaças contemporâneas ao
exercício e ao direito a um trabalho digno correspondem a um fenómeno social total.
Independentemente das franjas mais direta ou acentuadamente afetadas, os fatores que
ameaçam a existência ou permanência de um trabalho digno exercem efeitos negativos
na qualidade de vida dos indivíduos de todas as unidades geracionais de uma sociedade
– sejam eles crianças, jovens, adultos ou idosos – em todas as esferas da vida e não
apenas na do trabalho/emprego ou rendimento/sustento (família, saúde, educação, etc.).
Os efeitos da experiência – socialmente desprotegida e legalmente impune – de um
trabalho não digno são, ainda, repetidos e/ou continuados no tempo, e de efeito
duradouro. Representando então uma espécie de polvo social, o trabalho, e a dignidade
com que o mesmo pode ser exercido, deve, por isso, reclamar a maior e mais urgente
atenção pública, política e científica. Este documento pretende precisamente dar um
pequeno contributo nesse sentido.
Mas por que motivos então falar de trabalho digno e emprego de qualidade num
documento que, aparentemente, e apenas aparentemente, diz respeito exclusivamente
aos indivíduos mais jovens? Estes prendem-se essencialmente com as três ordens de
motivos mencionadas anteriormente (aspeto holístico, aspeto intergeracional e aspecto
temporal), mas em associação (a) ao facto de o período da transição para a vida adulta
ser por natureza e por excelência “demograficamente denso”, isto é, um relativamente
curto período da vida onde grande parte dos acontecimentos demográficos (e não só)
geralmente ocorrem – acabar os estudos, entrar e tentar manter-se no mercado de
trabalho, sair de casa dos pais, viver conjugalmente, ter filhos – e, em segundo lugar, (b)
ao facto de qualquer dinâmica de exclusão social (entre as quais se sabe que o
desemprego, especialmente o continuado ou repetido; a precariedade; o assédio moral
no trabalho; a deficiente qualidade de vida no trabalho; etc. são exemplares) que seja
vivida enquanto criança ou jovem ter repercussões de maior duração, mais graves, mais
objetivas, mais profundas psicologicamente e, por fim, mais integrais, do que a ‘mesma’
dinâmica vivida em idades mais avançadas. É, por isso, não mais importante ou
necessário, mas simplesmente mais urgente, falar de trabalho digno a partir de uma
perspetiva da juventude.
São dois os motivos adicionais que justificam a urgência, e a importância, de um
documento desta natureza: por um lado, o facto das mudanças mais recentes no
mercado de trabalho em geral, e, em particular, em Portugal, – como a terciarização, a
flexibilização e a precarização – afetarem os recém-chegados ao mercado de trabalho.
Estes, por norma, são constituídos por indivíduos mais jovens que inauguram, sem a
experiência ou a informação necessária e, consequentemente, sem os instrumentos
adequados ou suficientes para a reivindicação dos seus direitos, as novas formas de
trabalho não digno, não obstante as suas mais elevadas qualificações médias por
comparação a outras gerações; acrescendo ainda o facto de os jovens serem das
camadas da população mais diretamente afetadas pela crise económica vivida em
Portugal.
Mas para além da pluralidade dos efeitos negativos da vivência de um trabalho que não
cumpra os requisitos do trabalho digno, também as definições de trabalho digno e de
9
qualidade de vida no trabalho são plurais. Desde definições top-down, como as
sugeridas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e mais dirigidas à questão do
trabalho digno e aos direitos do trabalhador e direitos humanos; até às definições
bottom-up, como as que são sugeridas por indicadores construídos – e amadurecidos –
após consulta aos indivíduos (entre as quais as do European Foundation for the
Improvement of Living and Working Conditions (EuroFound) devem ser inevitavelmente
mencionadas), mais direcionadas pela gradação, relação e ranking dos vários indicadores
de qualidade de vida no trabalho; passando pelos enquadramentos legais específicos a
cada contexto nacional, são muitos os aspetos considerados definições de trabalho
digno. A complexidade polifacetada – bem como objetiva e ‘subjetiva’ – do conceito é, de
certa forma, inversamente proporcional ao consenso encontrado para a sua definição e
para a sua operacionalização. A definição dada por Esping-Andersen ilustra esta
complexidade, ao afirmar que o grau de dignidade de um trabalho pode ser medido pelo
“grau segundo o qual aos indivíduos ou às famílias é possível manter um nível de vida
socialmente aceitável, independentemente da participação no mercado” (1990; 37); bem
como a de Hodson (em Cruz, 2010):
“A dignidade económica é concretizada pela posse de um salário que permita assegurar
todas as necessidades e pela igualdade de oportunidades. A dignidade é concretizada
mediante um número restrito de atos de resistência contra abusos e uma conduta que
permite aos trabalhadores sentir orgulho do seu quotidiano laboral.”
Antes das considerações sobre a natureza deste documento e do seu enquadramento,
são absolutamente necessárias duas notas sobre os grupos dos “jovens”, ambas
esclarecendo a posição equidistante dos autores relativamente às abordagens
geracionais e classistas no estudo das realidades e condições juvenis. Uma nota tem que
ver com o uso deste termo, necessariamente simplista e redutor de uma realidade
heterogénea. O uso deste termo neste documento não pretende negar a profunda
heterogeneidade social (e até etária) que o compõe. Apenas se pretende enfatizar os
aspetos que, independentemente das coordenadas sociais em que o indivíduo jovem se
move, são mais, ou com maior gravidade, experienciados por via da idade dos indivíduos.
Não se pretende, desde modo, negar a existência de desigualdades de género, território,
sociais, entre outras que, no interior da categoria dos “jovens”, operam. Por outro lado, e
esta seria a segunda nota, não se pretende igualmente exacerbar as desigualdades
geracionais ou o conflito intergeracional, mas sim abordar com mais veemência os
aspetos problemáticos que, sendo comuns a todas as gerações ativas e inativas, são
mais preponderantes ou urgentes entre os jovens.
Este documento segue, na sua natureza, dois grandes princípios associados ao desenho
de políticas de juventude. O primeiro refere-se à ideia de “knowledge-based youth policy”
que, por princípio, define que as políticas para jovens devem ser construídas em resposta
a questões identificadas por campos idóneos politicamente, entre os quais se pode
identificar o da investigação. Isto porque as políticas de juventude não devem
constituir-se como exercícios ideológicos. Além disso, a ideia de “conhecimento” em que
se deve basear o conteúdo dessas mesmas políticas é aqui encarado como
multidisciplinar e multimétodo, como aliás a composição da equipa que elaborou este
documento e a variedade de perspetivas e de tipos de dados: quantitativos, qualitativos,
documentais). Isto porque um só olhar disciplinar não poderia dar conta de um
fenómeno tão complexo e, simultaneamente, porque não apenas através de estatísticas
deve pensar-se e propor-se soluções para um problema social e/ou político. O segundo
princípio transversal a este documento é o da necessidade de “cross-sectorial youth
policy”. Ao longo do documento, não apenas da apresentação das propostas mas
também da apresentação dos conteúdos propriamente ditos, ficará claro o argumento
10
de que qualquer política, programa, ou ação pensados para resolver problemas que
parecem específicos à juventude ou específicos à esfera do trabalho, terão de ser
pensados interministerialmente e intersetorialmente (setor público, setor privado e
terceiro setor – onde muito do trabalho atípico se desenvolve).
Por fim, as propostas apresentadas ao longo deste documento devem ser encaradas
como linhas orientadoras, que, como um todo, pretendem começar a “cercar” legalmente
o problema do trabalho digno. Serve o presente documento, portanto, para oferecer
oficialmente estas propostas para discussão no espaço público e político.
11
PARTE I
Trabalho Digno e
Emprego de Qualidade
3.1. DIMENSÃO POLÍTICA
Existe, a nível europeu e internacional, um longo trabalho de concetualização e de
definição dos conceitos de Trabalho Digno e Emprego de Qualidade realizado pela OIT,
no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, lançada em 1999 1.
A promoção da Agenda do Trabalho Digno é o desígnio central da OIT e tem em vista o
acesso de homens e mulheres a um trabalho produtivo em condições de liberdade, de
equidade, de proteção e de dignidade humana. A Agenda assenta em quatro objetivos
fundamentais:
1) Promover o emprego através da criação de um ambiente institucional e
económico sustentável.
2) Desenvolver e reforçar medidas de proteção social – segurança social e
proteção dos trabalhadores – sustentáveis e adaptadas às circunstâncias
nacionais.
3) Promover o diálogo social e o tripartismo (governos, empregadores e
sindicatos).
4) Respeitar, promover e aplicar os princípios e direitos fundamentais no trabalho.
Este conceito é na sua essência um apelo à reforma da governação na era da
globalização, de modo a torná-la mais justa e inclusiva, sem que a dignidade das pessoas
tenha de se submeter a interesses económicos e financeiros2 . Esta noção pressupõe
também que o crescimento económico e a dignidade humana têm de ser pensados em
conjunto, e que os direitos dos trabalhadores devem estar no centro de todas as políticas
de desenvolvimento económico, financeiro e de proteção social.
Ao longo dos últimos anos, várias campanhas pelo Trabalho Digno foram lançadas pela
OIT (como o Fórum da OIT sobre o Trabalho Digno para uma Globalização Justa, em
2007, em Lisboa) e outras organizações internacionais de trabalho como a International
Trade Union Confederation e a SOLIDAR (entre outras3), com a campanha Decent Work,
Decent Life4 , entre 2005 e 2009. A necessidade de abordar os direitos laborais, de
emprego e a proteção social foi também incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do
Milénio como resultado do trabalho do movimento em torno do Trabalho Digno. Porém,
as ações deste movimento focaram-se muito na melhoria das condições laborais dos
países em desenvolvimento, tendo, por esta razão, refletido muito pouco sobre a situação
nos países desenvolvidos.
Com o início da crise financeira e económica em 2007/2008, esta situação alterou-se
consideravelmente, com numerosos relatórios da parte de organizações internacionais
como o FMI, a OCDE ou a OIT sobre a degradação das condições laborais em todo o
mundo, incluindo nos países desenvolvidos. Uma especial atenção foi dada à situação
1
2
3
4
http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guiada_02_pt.htm
http://2009.wddw.org/IMG/pdf/BookletCampaigning_mail.pdf (pagina 4)
International Trade Union Confederation, Solidar, the Global Progressive Forum, Social Alert International e a
European Trade Union Confederation
http://2009.wddw.org/IMG/pdf/BookletCampaigning_mail.pdf
13
laboral dos jovens pelo mundo, com vários relatórios apontando para a emergência de
uma geração perdida a nível mundial e para a necessidade dos governos criarem
oportunidades de trabalho e de formação de qualidade para mitigar o impacto da crise
financeira nas gerações mais novas5.
Devido às características laborais próprias aos jovens, o movimento pelo Trabalho Digno
associou-se aos movimentos existentes contra a precariedade laboral com várias
campanhas, resultando em alianças e parcerias entre movimentos tais como o Euro
MayDay em Itália ou o movimento dos “Indignados” em Espanha, com movimentos
ligados aos direitos laborais dos emigrantes ou contra a exploração laboral nos países em
desenvolvimento. As organizações de juventude como o Fórum Europeu da Juventude
(YFJ) e os Conselhos Nacionais de Juventude também contribuíram ativamente para
esse debate, lançando campanhas pela dignificação dos estágios profissionais, da
carreira de investigador jovem ou pelo reconhecimento do trabalho de juventude, entre
outras, tentando deste modo contextualizar o conceito de Trabalho Digno e Emprego de
Qualidade em torno da realidade diária dos jovens.
Com a crise económica e financeira, a subida considerável do desemprego e da
emigração jovem - qualificada e não-qualificada- em Portugal, os conceitos de trabalho
digno e de emprego de qualidade voltaram a ganhar preponderância no debate público
nacional. Efetivamente, são cada vez mais os jovens portugueses que sentem que as
oportunidades de trabalho digno e de emprego de qualidade escasseiam em Portugal,
levando muitos a emigrar, ou a considerar emigrar num futuro próximo. Entre os, ainda
raros, estudos sobre esta nova vaga de emigração portuguesa, a precariedade laboral, os
baixos salários, a falta de empregos que correspondam às suas qualificações e a falta de
perspetivas de um futuro melhor em Portugal são apontados como alguns dos fatores
principais que levam os jovens a ponderar essa solução6.
Nos últimos anos, o Governo Português, assim como outras entidades públicas e
privadas, têm procurado solucionar este problema, através de reformas estruturais
(revisão do código do trabalho, revisão do sistema de contribuições para a segurança
social, etc.) para facilitar o acesso dos jovens ao mercado laboral; ou pela implementação
de iniciativas de fomento de emprego, formação e empreendedorismo jovem como o
“Impulso Jovem” (agora integrado no programa Garantia Jovem da Comissão Europeia),
o “INOV Contacto” ou a mais recente “Aliança para a Juventude”, promovida pela Nestlé.
Estas iniciativas privilegiam a aposta na formação dos jovens, na flexibilização do
mercado laboral e no incentivo ao livre-empreendedorismo, de modo a criar
oportunidades de emprego de qualidade para a juventude portuguesa e, ao mesmo
tempo, fazer baixar a taxa de desemprego.
Contudo, e como já tinha sido denunciado anteriormente pelo CNJ e pelo YFJ, esta
abordagem à problemática do desemprego jovem é superficial e não tem na sua base
uma análise profunda sobre a qualidade das oportunidades de emprego e de formação.
A abordagem estritamente quantitativa da maioria destes programas contribuiu para
que o Estado Português e a União Europeia, através do programa Garantia Jovem,
adotassem a máxima segundo a qual “qualquer trabalho é um bom trabalho”, sem tentar
5
6
Alguns exemplos de tais estudos são ILO (2013) “Global Employment Trends for Youth 2013 – A Generation at Risk”,
International Labour Office, Geneva e OECD (2010), “Off to a Good Start? Jobs for Youth”, OECD Publishing, Paris.
http://www.agrafr.fr/Uploadfiles/files/OAM9-GGEK-348B-4JSP.pdf
http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=2&ved=0CC8QFjAB&url=http%3A%2F
%2Fwww.zurich.com%2Fportugal%2Fsaladeimprensa%2FEstudo_Emigracao.htm&ei=3LSyU9eGLImP7Abi04GAA
Q&usg=AFQjCNGfd720LAo4illwgbLCgYJPRiJNqA&sig2=vjEqWwx2AYmsJDtohoQUWA
14
perceber se essa reinserção no mercado de trabalho é permanente e de qualidade se ou,
ao invés, contribui ativamente para a já muito precária situação laboral da juventude
portuguesa. O atual enfoque de muitas das políticas de emprego para a juventude em
Portugal e na Europa, na rápida “ativação” dos jovens, consiste em inseri-los o mais
rapidamente possível7 no mercado de trabalho por via de oportunidades de trabalho,
estágio e de formação. Contudo essa ativação revela-se contra-produtiva na medida em
que é muitas das vezes concretizada através de trabalhos mal remunerados, precários e
com poucas perspetivas de carreira.
A falta de um trabalho digno e de um emprego de qualidade para a maioria dos jovens
portugueses é uma ofensa grave aos seus direitos enquanto cidadãs e cidadãos de
Portugal e da União Europeia. Também as definições de trabalho digno e de qualidade
para os jovens têm-se revelado insuficientes na caracterização do problema por
precisamente não terem em linha de conta as especificidades dos jovens. É por esta
razão que é fundamental iniciar um debate construtivo sobre o que realmente constitui
7
O projeto Garantia Jovem, inspirado no caso finlandês, pretende reintegrar os jovens em menos de quatro meses
após o fim dos estudos ou do período de desemprego.
3.2. DIMENSÃO LEGAL
A relação laboral caracteriza-se pela desigualdade de armas entre os sujeitos, tanto no
momento da celebração do contrato de trabalho como na estipulação das cláusulas que
o integram. Precisamente porque o trabalhador tem como única forma de subsistência o
seu salário, a legislação laboral tem procurado, ao longo dos anos, atenuar o referido
desequilíbrio contratual, autonomizando e acentuando o caráter específico do direito do
trabalho.
A nível internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Humanos (DUDH) preceitua,
no seu artigo 23.º, que todos têm direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a
condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. De
igual modo, prevê que para trabalho igual deverá ser pago salário igual, sem qualquer
discriminação, bem como o direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe
permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada,
se possível, por todos os outros meios de proteção social.
Também a Carta Social Europeia (CSE) prevê um conjunto de direitos e garantias no
âmbito da relação de trabalho, como a liberdade de emprego, dignidade, justiça e
igualdade do trabalho. Mais do que isso, vincula os Estados signatários à adoção de
medidas que concretizem essas orientações e princípios, constituindo esse
compromisso uma obrigação no sentido de garantir o exercício efetivo do direito ao
trabalho de uma forma plena.
Por sua vez, o Estado Português, enquanto membro da OIT, também se encontra
vinculado a um conjunto de convenções que também integram o acervo do direito do
trabalho internacional. A convenção n.º 111, relativa à discriminação em matéria de
emprego e profissão, nos termos do seu artigo 2.º, obriga os Estados signatários a definir
e a aplicar uma política nacional que tenha por fim promover a igualdade de tratamento
em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda a discriminação.
Também a convenção n.º 122, referente à política de emprego, compromete os Estados
signatários a desenvolver políticas ativas destinadas a promover o pleno emprego,
produtivo e livre. Prevê, ainda, o dever de os respetivos Estados, no âmbito das suas
políticas económicas e sociais, tomarem as medidas necessárias para o cumprimento
desse objetivo, inclusivamente através da criação de programas específicos. O
tratamento normativo internacional desta matéria assume ainda maior relevância visto
que o nosso ordenamento constitucional prevê a sua integração na ordem jurídica
portuguesa.
Ao nível interno, o contrato de trabalho surge definido no Código Civil (CC) como “aquele
pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade
intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”. Além disso, o
artigo 12.º do Código do Trabalho (CT) elenca um conjunto de indícios que permitem, em
caso de dúvida, qualificar a relação como um contrato de trabalho ou não,
nomeadamente, o local de trabalho, a utilização de equipamentos e instrumentos de
trabalho pertencentes ao empregador, a definição de um horário ou o pagamento de
uma retribuição periódica.
Também a Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra um conjunto de
direitos específicos dos trabalhadores (artigos 53.º a 59.º), tanto na sua vertente
individual como coletiva.
Desde logo, o artigo 58.º obriga o Estado Português a desenvolver políticas de pleno
emprego, tendo em consideração a promoção da igualdade, bem como a formação
cultural e técnica, e a valorização profissional dos trabalhadores.
O direito à segurança no emprego (artigo 53.º) é outro desses princípios estruturantes e
significa que, além da proibição dos despedimentos sem justa causa, a contratação a
termo ou temporária encontra-se restringida a situações excecionais e apenas é
admissível quando se verifique uma justificação legalmente prevista, ou em instrumentos
de regulamentação coletiva de trabalho. O mesmo é dizer que, nos termos da CRP, os
contratos sem termo são a regra e que os demais contratos atípicos apenas se podem
verificar excecionalmente e quando forem devidamente motivados.
Por outro lado, o artigo 59.º consagra o princípio da igualdade salarial de acordo com a
quantidade, natureza e qualidade, de forma a garantir uma existência digna, ao mesmo
tempo que prevê o direito à organização do trabalho de modo a facultar a realização
pessoal e a conciliação entre a vida familiar e a atividade profissional.
A dimensão coletiva de alguns dos direitos previstos no âmbito das relações de trabalho
visam, acima de tudo, privilegiar uma vivência democrática no seio das organizações
produtivas. Incentivar a participação dos trabalhadores, nomeadamente através da
promoção da negociação coletiva, da institucionalização de um conjunto de estruturas
de representação coletiva mas, também, da previsão expressa do direito à greve, é outro
dos fins pretendidos por estas normas.
O elenco de direitos associados à prestação de trabalho não se esgota nestas
disposições específicas. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, por
exemplo, enformam todo o ordenamento constitucional bem como o próprio
desenvolvimento legislativo nesta matéria. Os direitos acima enunciados encontram-se
ainda sujeitos a um regime de proteção que vincula o Estado e as entidades privadas.
Estes direitos só podem ser restringidos quando se verifiquem situações que o
justifiquem, sempre respeitando os princípios da adequação, proporcionalidade e
necessidade.
“Trabalho Digno e Emprego de Qualidade”, numa perspetiva jurídica, pode ser entendido
como a relação de trabalho 8 legalmente constituída e que respeite, de forma estrita, o
conjunto de disposições normativas que a regulam. Nesse sentido, pode dizer-se que é
o cumprimento das normas – tanto na dimensão internacional, comunitária,
constitucional ou legislativa – que permite a qualificação de uma relação de trabalho
como digna e de qualidade. No entanto, esta “neutralidade legislativa” é insuficiente se
desconsiderarmos as demais dimensões no âmbito da definição de políticas públicas
nesta matéria.
8
Através da celebração de um contrato nos termos do qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas
PARTE II
Transição para o
mercado de trabalho:
a ponta do iceberg
4.1. A TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA:
UM CONCEITO, MÚLTIPLAS ABORDAGENS
As mais recentes abordagens à chamada transição para a vida adulta advogam o seu
carácter holístico. Tal sucede porque o desenvolvimento do curso de vida nas “três caixas
da vida” – mercado de trabalho, habitação e família – são profundamente
interdependentes. Analiticamente elas são organizadas por dimensões como a da esfera
privada - a passagem da família de origem à nova família ou agregado doméstico,
comummente reconhecido como “a saída de casa dos pais” ou “independência
residencial” - , a das relações - de relações de dependência para relações de
independência - , a das competências - da imaturidade à maturidade - e a da esfera
pública, que se caracteriza sumariamente pela transição entre a educação de nível
básico, secundário ou superior e o mercado de trabalho remunerado - seja porque
formato ou vínculo contratual for (Blatterer, (2009 [2007]). Esta separação cumpre
fundamentalmente propósitos analíticos, porque na realidade coletiva e de cada um dos
indivíduos, as decisões e os constrangimentos neste período da vida comummente
chamado transição para a vida adulta têm em conta uma multiplicidade de fatores,
encarados como interdependentes, cujos efeitos recíprocos são fortes e evidentes.
TRANSIÇÕES
FAMILIARES
TRANSIÇÃO
HABITACIONAL
TRANSIÇÃO
ESCOLA - TRABALHO
Figura 1. Interdependência entre as esferas de transição para a vida adulta
As recomendações para o desenho e operacionalização de políticas de juventude a nível
europeu têm este mesmo princípio já incorporado, nomeadamente, através da ideia de
que qualquer política de juventude deve ser, ou é por natureza, transetorial,
eventualmente implicando cooperação interministerial na sua operacionalização. A título
de exemplo, no White Paper de 2001 é referido que “Todos os temas mencionados
durante o exercício de consulta, como emprego, educação, aprendizagens formais e não
formais, integração social, racismo e xenofobia, imigração, consumo, saúde e prevenção
do risco, ambiente, igualdade de oportunidades para homens e mulheres, etc. requererão
coordenação entre várias autoridades, tanto ao nível nacional como Europeu; e no
European Youth Capital Policy Tool Kit do European Youth Forum, é assegurada a defesa
de que “políticas de juventude são políticas transetoriais e integradas direcionadas aos
jovens, emergidas das necessidades dos jovens e que cobrem um leque abrangente de
áreas das políticas. Para uma política de juventude coerente e construtiva, as autoridades
devem abordar os assuntos da juventude de uma forma integrada e deve haver
cooperação entre os vários setores das políticas”. Em Portugal, mais especificamente, foi
criada, em 2007, a Comissão Interministerial da Juventude (Lei n.º 77/2007, de 4 de
Junho) que reconhece “a necessidade da transversalidade nas várias áreas de
governação, designadamente, educação, proteção social e habitação num contexto
nacional de racionalização económica” em prol de uma estratégia de política de
juventude coerente, pluridimensional e complementar e mais eficiente.
Na investigação sobre a transição para a vida adulta ainda se verifica muito esta
separação analítica. Os estudos sobre a família tendem a concentrar-se na autonomia
residencial, formas de conjugalidade e entrada na parentalidade; enquanto que os
estudos sobre transição para o mercado de trabalho tendem a estar mais próximos da
sociologia ou dos estudos sobre a educação. A sociologia tende a seguir um esforço,
nem sempre conseguido, de conciliação das várias correntes. Na lógica de um outro
princípio básico do desenho e produção de políticas de juventude – “knowledge-based
policy” – estas poderão beneficiar da identificação das grandes tendências
sociodemográficas que sugerem e reforçam a necessidade de uma perspetiva holística
na produção de políticas públicas dirigidas aos jovens. Entre estas encontramos:
1) A pluralização do curso de vida, processo através do qual os indivíduos,
nomeada e especialmente os mais jovens, tendem cada vez mais a acumular
vários papéis sociais ou profissionais ao mesmo tempo. Esta importante
sobreposição temporal afeta e é afetada pelo mercado de trabalho, especialmente
através de dois processos de conciliação: estudo-trabalho (os estatutos de
trabalhadores estudantes) e trabalho-família (conciliação entre o trabalho e a vida
familiar). Situações particularmente frequentes no chamado período da transição
para a vida adulta, devem ser tidas em conta no desenho e concretização de
políticas de juventude interministeriais.
O caso do Luís: conciliação escola - família - trabalho
“O primeiro dos “primos” sem curso superior, Luís decidiu seguir a sua vocação para uma
profissão criativa do mundo das artes. Foi com alguma estranheza que esta decisão foi
encarada no início, pelos pais, bem como o foi a sua decisão de ser pai aos 24 anos. Luís
quis ser pai apesar de saber que “tínhamos tudo contra nós”: a casa pequena, não ter
dinheiro para a creche, a insegurança laboral, querer continuar a estudar... Sabia que havia
um preço a pagar por estas duas decisões “adultas”, e paga-o todos os dias, numa
admirável conciliação dos seus objetivos de vida, também eles multidimensionais.
Organiza a sua vida por turnos: trabalha para se sustentar num emprego onde não se
revê, estuda e investe na sua vocação, e estrategicamente se desencontrou, nos turnos
diurnos e noturnos, com a cônjuge, para que a filha estivesse, até aos 2 anos, sempre com
um dos pais. Não há dinheiro para creches. E Luís não desiste de nenhum sonho. Aos
olhos das estatísticas, é apenas um trabalhador em part-time.”
Fonte: Nico, 2010
2) A acumulação de desvantagens sociais, situação caracterizada por
vulnerabilidades sociais acumuladas, expressas geralmente por exclusão social.
Também esta situação afeta e é afetada pelo mercado de trabalho. Veja-se, por
exemplo, o caso dos NEET (Not in Education, Employment or Training). As políticas
de empregabilidade devem adaptar-se à variedade de situações de
vulnerabilidade, precariedade e exclusão social, dando especial atenção aos casos
em que estas estão sobrepostas, por exemplo, baixas habilitações formais,
problemas de saúde, etc.. Em Portugal, o indicador NEET (ou NEEF em português)
é já reconhecido formalmente pelo INE. A análise da evolução por subgrupos
etários revela que tem aumentado o número de “jovens que se encontra numa
situação de estagnação económica e social quase absoluta”, com a exceção do
grupo etário que compreende os jovens dos 15 aos 19 e, pelo contrário, com maior
incidência nos jovens entre os 20 e os 24 anos (Observatório das Desigualdades,
2014).
3) E por fim, o prolongamento do período chamado transição para a vida adulta. O
facto de estes processos ocorrerem num intervalo etário maior e mais adiado do
que há algumas décadas atrás tem que ser levado em conta na identificação das
condições de acesso dos indivíduos a determinadas políticas de juventude e na
definição deste período do desenvolvimento humano propriamente dito,
nomeadamente no alargamento dos limites máximos de idade para o acesso a
determinadas políticas.
4.2.1 PROPOSTAS
A natureza multissetorial e informada em conhecimento ou dados empíricos da política
da juventude não deve:
1) Eliminar a necessidade de políticas especificamente direcionadas a um setor
– como é o caso, argumentar-se-á de seguida, do mercado de trabalho, ainda que
deva ajudar a contrariar as relações de poder que tendem a pautar as relações
interministeriais, colocando o Ministério que tutela as questões da juventude com
menos recursos objetivos e subjetivos para a ação).
Este primeiro ponto está relacionado com a centralidade objetiva e subjetiva que
o trabalho ocupa na vida dos jovens, ou com “o valor nuclear da autarcia financeira”
(Chaves, 2010). De facto, nas dificuldades sentidas na chamada transição para a
vida adulta, as financeiras e de autonomia económica são de primeira ordem, literal
e simbolicamente. Sem a perspetiva plausível de sustentabilidade e autonomia
financeira básica, todas as restantes transições para a vida adulta ou aquisição de
novos papéis sociais ou uma mais intensa, total ou engajada, participação na
sociedade, estão claramente comprometidas. É, neste sentido, que a autarcia
financeira por via do trabalho deve ser vista como a mais importante mas, ainda
assim, é apenas a ponta do iceberg da transição para a vida adulta.
2) Abolir a necessidade de adaptar essas mesmas políticas de juventude à
heterogeneidade de condições sociais em que esse grupo etário se encontra. A
relação entre ramos e tipos de qualificações e ritmos, padrões e interrupções no
mercado de trabalho é muito forte, sendo necessário então tê-la em conta nas
estratégias desenhadas para combater o desemprego, subemprego ou
precariedade e, talvez até sobretudo, na diversidade das mesmas.
Este segundo ponto está mais diretamente relacionado com a complexidade do
processo de integração e inserção no mercado de trabalho, causada
especialmente pela multiplicidade e heterogeneidade de canais pelos quais as
mesmas podem ocorrer.
Por exemplo, no relatório da OIT sobre tendências de emprego entre os jovens são
identificadas várias medidas que pretendem abordar diferentes escalas e tipos de
problemas e barreiras no acesso ao emprego, algumas mais no âmbito da
prevenção, outras mais da resolução de nível estrutural ou alternativamente
individual (o que por sua vez remete para escolhas inevitavelmente ideológicas e
políticas): o combate às barreiras do crescimento do emprego; resolução de
desencontros entre a oferta e a procura; promoção de jovens empreendedores e
aumento da proteção social (OIT, 2012). Ora, em Portugal, nesta data, a única
medida registada era apenas no âmbito da promoção do autoemprego, o que é
uma medida claramente insuficiente, de nível mais individual do que estrutural,
muito circunscrita a um determinado perfil de “jovem desempregado à procura do
primeiro emprego” – qualificado formalmente, e integrado em determinados
contextos económicos mais prósperos. O desemprego jovem tem várias causas e
afeta jovens com diferentes perfis sociais e educacionais. As políticas para o
emprego devem, portanto, ser plurais. Tal é ainda mais urgente se tivermos em
conta o aumento da taxa de desemprego e o decréscimo da taxa de emprego
sensivelmente na última década e meia, para as quais as respostas políticas têm
sido desadequadas ou parciais.
Figura 2. Evolução das taxas de emprego e desemprego jovem (15-24 anos), Portugal e UE27.
Fonte: Carmo e Cantante (2014)
O acesso ao emprego pelos jovens é variável não só ao longo do tempo (ao sofrer
influências de longo termo como as macroeconómicas entre as quais a atual crise é um
notável exemplo, e de mais curto impacto como as produzidas pela implementação de
determinadas políticas públicas), como também segundo as qualificações formais
detidas pelos jovens e, entre os que detêm qualificações superiores, segundo a área de
estudos (Escária e Madruga, 2012). Esta complexidade e heterogeneidade deve ser tida
em conta nas políticas dirigidas ao trabalho digno dos jovens, seja com caráter
preventivo e de acesso ao mercado de trabalho, seja com caráter corretivo da
precariedade no trabalho e no emprego (aspeto desenvolvido abaixo).
A desadequação entre o perfil académico ou vocacional de um trabalhador e o trabalho
ou tarefas que desempenha é sentido por muitos jovens como altamente desmotivante.
O trabalho é visto como meramente instrumental, não sendo capaz de engajar o
indivíduo para melhor desempenhar as suas funções ou contribuir para um bom
ambiente de trabalho. É apenas um meio para atingir um fim, e não um fim (para o bem
estar e a qualidade de vida) em si mesmo. É o caso de Jorge:
O caso do Jorge: arquiteto que trabalha num banco (pelo crédito bonificado)
Arquiteto de formação, Jorge descreve-se como um “oportunista” quando se refere ao
trabalho que desempenha como empregado bancário e ao facto de aos 30 anos
permanecer a viver com o agregado de origem. “Neste momento, é puro oportunismo.
Quando conseguir ter um contrato sem termo, terei acesso a crédito bonificado, dado
que sou empregado bancário. Por esse motivo, não sair de casa neste momento é puro
oportunismo. Se tiver o contrato daqui a três meses, saio de casa daqui a três meses, se
tiver daqui a oito, saio daqui a oito. .. Não faz de mim o melhor empregado bancário do
mundo mas...”. É um trabalhador sem identidade, motivação ou bem estar profissional.
Fonte: entrevistas realizadas no âmbito de Nico, 2011
Essa desadequação remonta muitas vezes ao próprio desacompanhamento e
desorientação vocacional a que alguns jovens foram sujeitos. É claramente o caso de
Telma que afirma:
O caso da Telma: “nunca soube o que ia fazer”
Telma, com origem social média baixa, admite que quando terminou a escolaridade
obrigatória, não sabia que o iria fazer de seguida. Então foi para um curso técnico de
administração, sem saber para que profissões esse curso a iria levar. “Eu nunca soube o
que iria fazer. Só queria trabalhar. Há pessoas que sabem o que querem ser quando forem
mais velhas. Eu nunca soube”.
Fonte: entrevistas realizadas no âmbito de Nico, 2011
Neste sentido, e tendo como objetivo permitir uma transição vocacionada para uma
inserção faseada mas plena no mercado de trabalho, destaca-se um conjunto de
propostas a adotar:
1) Criação de uma «Bolsa Jovem» para jovens à procura de emprego9:
A «Bolsa Jovem» consiste na atribuição de uma remuneração mensal aos jovens que
estejam inscritos no centro de emprego e que estejam ativamente à procura de emprego.
O objetivo desta medida visa facilitar a procura de trabalho proporcionando,
simultaneamente, uma fonte de recursos alternativa à família, permitindo assim uma
procura mais dinâmica e responsabilizadora para os jovens, ao mesmo tempo que
promove a mobilidade e a criação de uma independência em relação ao núcleo familiar,
tal como deve suceder, por norma, nas situações de transição.
2) Reformulação do funcionamento e organização dos centros de emprego
Esta proposta assenta na necessidade de criar departamentos vocacionados para as
necessidades dos jovens à procura de emprego e visa estabelecer uma relação de
proximidade entre os centros de emprego e os jovens. O seu principal objetivo é permitir
superar os períodos de espera e adequar as propostas de emprego ao perfil do jovem
desempregado ou em situação ativa de procura de emprego.
A medida indicada pressupõe, ainda, além dessa reformulação orgânica, uma formação
específica dos funcionários desses departamentos de forma a suprir as carências atuais
e orientar os jovens, de forma mais inovadora, dinâmica, célere e adequada às suas reais
necessidades e perfil académico.
3) Centralização das várias plataformas online de procura e oferta de emprego, bem
como de estágios ou voluntariado, num único site, através da criação de uma
interface acessível, permitindo, deste modo, uma melhor e mais eficaz divulgação das
ofertas e programas já existentes (tanto a nível internacional, como europeu e nacional).
4) Criação e desenvolvimento de regras precisas e concretas para a realização de
estágios
a) Propostas relativas a ambas as situações de estágio (curricular ou profissional):
i) Criação de um estatuto do estagiário e reformulação da figura do
Tutor/Orientador, com a delimitação clara e precisa das suas obrigações
9
Sistema similar ao existente em Inglaterra (Jobseeker’s Allowance –
https://www.gov.uk/jobseekers-allowance/overview).
(nomeadamente, além de responsável pela avaliação e pelo controlo da qualidade
do estágio, deve, também, ser a figura de referência para o estagiário,
competindo-lhe dar ordens e instruções, no âmbito do desempenho das funções
relativas à categoria profissional desempenhada pelo estagiário).
ii) Limite ao número de estagiários que cada empresa/entidade pode empregar
proporcionalmente ao número de trabalhadores efetivos (de forma a impossibilitar
que o recurso aos estágios se converta numa forma de suprir necessidades
permanentes de determinada empresa e, ao mesmo tempo, incentivar a
contratação sem termo).
b) Propostas específicas para os estágios curriculares:
i) Implementação da obrigatoriedade das instituições de ensino fornecerem
estágios curriculares sempre que tal seja solicitado pelos estudantes (de modo a
permitir um contacto com a realidade do mercado de trabalho ainda no âmbito da
formação), devendo para o efeito estabelecer protocolos com entidades
empresariais públicas e privadas e ainda com serviços públicos da administração
local e central.
ii) A duração dos estágios deve ser definida pela instituição de educação, não
devendo ser inferior a 60 dias nem superior a 6 meses (exceto nas situações em
que essa duração já se encontra prevista e expressamente regulada).
iii) Remuneração facultativa (contudo, se o estudante for bolseiro, a bolsa deve
continuar a ser atribuída durante a duração do estágio).
iv) A competência para a atribuição dos estágios curriculares ficará a cargo da
Instituição de Ensino responsável pela formação. A frequência do estágio deverá
ocorrer em áreas relacionadas com o plano de estudos e fomentada através de
parcerias e/ou acordos com entidades públicas e/ou privadas. Acrescerá a
possibilidade do aluno/estagiário propor o seu local de estágio, sendo que a
decisão relativa a esta faculdade competirá à instituição de ensino nos termos das
áreas lecionadas no âmbito do plano de estudos.
c) Propostas específicas para os estágios profissionais:
i) Remuneração obrigatória.
ii) Obrigatoriedade de o empregador, ao fim de um determinado número de
estágios, celebrar contratos de trabalho proporcionalmente ao número de estágios
efetuados neste âmbito e em que a dimensão da empresa poderá também servir
como critério na determinação dessa obrigação. Caso o empregador celebre
contratos sem termo, deverá ter acesso aos benefícios legalmente previstos para
estas situações, nomeadamente a nível tributário e de segurança social, sem
prejuízo de outras vantagens que contribuam para incentivar a contratação
permanente. Caso o empregador opte por celebrar contratos de duração
determinada deverá fazê-lo ao abrigo do denominado «contrato de jovem à
procura de primeiro emprego» (ver infra), sendo que, no entanto, também neste
caso, deverá, ao fim de um determinado número de contratos a termo ao abrigo
desta justificação, proceder à contratação sem termo desses trabalhadores
continuando a ter acesso aos benefícios legalmente previstos para esta situação.
iii) A contratação, a termo ou sem termo, dos estagiários deve ter como critério o
seu desempenho. De forma a aferir essa realidade de modo rigoroso e não
arbitrário, deve ser implementado um sistema de avaliação dentro da organização
vocacionado para a realidade dos estagiários, de forma uniforme e transparente. A
avaliação final de cada estágio deverá ser sempre acompanhada pelo parecer do
Tutor/Orientador e enviada para os serviços de emprego, permitindo, assim, a sua
consulta pelos interessados de modo a facilitar o controlo desta medida pelos
centros de emprego e pelos próprios interessados que terão acesso aos
documentos relativos à avaliação final.
5) Autonomização e reformulação da figura do contrato a termo para jovens à
procura de primeiro emprego, relativamente à legislação atual que prevê a contratação
de trabalhadores à procura de primeiro emprego, independentemente da idade).
Esta medida visa criar um novo instrumento contratual para as empresas ao mesmo
tempo que representa, para os jovens, um meio potencialmente eficaz para a sua
inserção no mercado. A criação desta modalidade contratual, a termo resolutivo, exige,
no entanto, a fixação de critérios objetivos e definidos de forma a prevenir abusos. Deste
modo, poderiam ser contratados ao abrigo desta nova figura, por um período mínimo de
6 meses e máximo de 18 meses:
• Jovens com idade entre os 18 e os 30 anos.
• Inscritos nos centros de emprego.
• Que nunca tenham prestado serviço sob a autoridade e direção de outrem, seja
através de contratos a termo ou sem termo.
• Impossibilidade de proceder a esta contratação nas situações em que o jovem à
procura de emprego já tenha prestado serviço, em concreto através dos
denominados recibos verdes, para a empresa que o pretende contratar ao abrigo
desta modalidade.
• Aplicação das demais regras dos contratos a termo, com especial destaque para
a proibição de sucessão entre estes tipos de contratos e os contratos de trabalho
temporário ou de prestação de serviços.
6) Criação de um «Guia de Direitos e Deveres Laborais» vocacionado para os jovens,
que deverá ser distribuído gratuitamente nos centros de emprego e disponibilizado
numa plataforma digital.
7) Reforço da Inspeção Laboral nesta área, nomeadamente numa primeira fase através
de fiscalizações preventivas e ações de sensibilização e, posteriormente, através de um
controlo reforçado que vise combater as situações de manifesta ilegalidade, bem como
de um aumento do montante das coimas por incumprimento da legislação vigente
neste âmbito.
Em suma, as políticas públicas que incidam sobre o trabalho digno dos jovens:
• devem ser necessariamente interministeriais (cooperação ou coordenação entre
o Ministério da tutela da Juventude, do Trabalho e outros);
• e/ou devem ser concretamente direcionadas aos jovens, ao invés de estarem
direcionadas ao mercado de trabalho e serem os jovens meros instrumentos de
operacionalização de programadas reconversões ou reconfigurações do mercado;
• e devem espelhar a heterogeneidade dos fluxos de entrada no mercado de
trabalho (oferta, procura, e reconversão de competências).
Evolução
do
mercado
PARTE III de trabalho
5.1. DO MODELO CLÁSSICO AO MODELO DUALISTA
A relação de trabalho de carácter estável, duradouro10 e previsível, tradicionalmente
denominada como típica, teve o seu advento após a II Guerra Mundial, generalizando-se
nas décadas seguintes. Nesse período, foi abandonada a regulação orientada da
retribuição (downward adjustements) de cariz taylorista11 e, ao invés, processou-se a
transição para uma relação salarial de tipo fordista baseada na “procura de uma
permanente integração dos assalariados na economia capitalista” 12 que ocorre por via do
denominado círculo virtuoso de crescimento13, assente no consumo de massas permitido
pelo crescimento do salário nominal de forma equivalente ao aumento da produtividade.
A relação típica de trabalho assumiu-se como corolário dessa economia de base
industrial.
Até à década de 70, do ponto de vista empresarial, a unidade de produção reunia em si
todas as fases do processo produtivo, delimitando o próprio objeto da atividade
prestada pelos trabalhadores e a sua hierarquização, ao mesmo tempo que
14
proporcionava, através do sistema de categorias e respetivas carreiras, a estabilidade_
desejada, fundamental para a atividade das organizações representativas dos
trabalhadores15 que, verificando a consolidação deste modelo, concentraram as suas
reivindicações na matéria retributiva e procuraram assegurar o aumento contínuo dos
salários, visando a manutenção ou o crescimento do poder de compra, fundamental para
perpetuar o referido círculo virtuoso.
Na generalidade dos países ocidentais, na década de 1960, a prestação de trabalho
desenvolvida no seio de uma unidade produtiva específica, para um único empregador,
estável e segura, devido, nomeadamente, ao controlo administrativo ou judicial dos
despedimentos, dentro de um horário determinado, assente em funções específicas e
parcelares com conteúdo precisamente definido, encontrava-se generalizada. Também a
proteção sindical, o reconhecimento generalizado da negociação coletiva e o direito de
intervenção dos trabalhadores na vida da empresa, bem como o direito à reforma e a
prestações sociais e familiares, assumiam-se como caraterísticas marcantes deste
período.
10 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, «A mobilidade funcional e a nova redação do art.º 22.º da LCT», RDES, ano
XXXIX (XII da 2.ª série), n.ºs 1-2-3, Almedina, Coimbra, 1997, p. 53, caracteriza a relação de trabalho, por si e pelo seu
próprio regime, como “duradoura. Satisfaz interesses dos contraentes que se destinam a perdurar no tempo
(permanente mão de obra na empresa e, no que se refere ao trabalhador, necessidade de assegurar para si
próprio e para os familiares o salário, que constitui a sua base essencial de sustento)”. JORGE LEITE, «Direito do
Trabalho na crise (relatório geral)», Temas de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, p. 23, refere os
“empregos estáveis, a tempo completo, com certas garantias de carreira profissional, tendo a empresa como seu
lugar exclusivo ou privilegiado”. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, «Insegurança ou diminuição do
emprego? A rigidez do sistema jurídico português em matéria de cessação do contrato de trabalho e de trabalho
atípico», X Jornadas Luso-Hispano-Brasileiras de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1999, p. 94, define a
relação de trabalho típica como a “relação de trabalho empresarial e industrial, duradoura, com uma integração
plena do trabalhador na empresa e à qual está associada um certo nível de tutela”.
11 Sobre as diversas perspetivas relativas à organização do trabalho: KEITH GRINT, Sociologia do Trabalho, Instituto
Piaget, Lisboa, 1998.
12 BOAVENTURA S. SANTOS, J. REIS E MARIA L. MARQUES, «O Estado e as transformações recentes da relação
salarial», Temas de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, p. 142.
13 ROBERT BOYER, The Search for Labour Market Flexibility – the europena economies in transition, Clarendon
press, Oxford, 1988, p. 7 e ss. e BOAVENTURA S. SANTOS, J. REIS E MARIA L. MARQUES, «O Estado e as
transformações...», p. 143.
14 BOAVENTURA S. SANTOS, J. REIS E MARIA L. MARQUES, «O Estado e as transformações...», p. 143, refere, a este
propósito, a noção de mercado interno de trabalho.
15 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, «A mobilidade funcional...», p. 57, refere que a “categorização profissional
contribui para controlar o poder diretivo com genuíno acréscimo da capacidade sindical de intervenção”.
prestações sociais e familiares, assumiam-se como caraterísticas marcantes deste
período16.
As crises energéticas dos anos 70 do século XX desencadearam uma crise económica e,
a par da integração de inovações tecnológicas na atividade produtiva, alteraram de
forma profunda o padrão de inserção ocupacional e contribuíram para a alteração do
paradigma fordista de funcionamento e regulação do mercado de trabalho.
Efetivamente, no início da década de 1970 os pressupostos económicos que
sustentavam o modelo típico da relação laboral sofreram profundas alterações. Desde
logo, cessou a tendência de crescimento económico, deu-se o primeiro choque
petrolífero em 1973 e assistiu-se, paralelamente, ao eclodir de uma crise monetária e à
intensificação da concorrência internacional. Por sua vez, o aumento da taxa de inflação
revelou-se fatal para o círculo virtuoso: com a diminuição do poder de compra, o
consumo retraiu-se, agravando a já precária situação de algumas empresas.
O aumento do desemprego surgiu como uma consequência lógica dessa crise: as
empresas tentaram reduzir os custos de produção, nomeadamente, os custos da
mão-de-obra. Paralelamente, o modelo de produção assente numa estrutura
organizativa piramidal começou a ser abandonado e, concomitantemente, surgiu o
imperativo de um «novo» modelo, de «flexibilização», importado das Escolas de Gestão
para o mundo do trabalho.
Ao garantismo 17 , estabilidade e segurança das relações laborais, sucede o trabalho
atípico, o trabalho precário e novas formas de gestão de recursos humanos,
nomeadamente a mobilidade, tanto na dimensão funcional como geográfica: anuncia-se
o advento de uma nova era no mercado de trabalho, consequência da desagregação do
processo produtivo e singra a ideia de que “o garantismo não garante nada que a
economia não produza” 18.
Certo é que, nos últimos anos, a forma de prestar trabalho alterou-se drasticamente e a
realidade nacional revelou-se particularmente permeável na adoção de um conjunto de
medidas que modificaram de forma significativa o paradigma da relação de trabalho
típica e que, pese embora a sua generalização, faz-se sentir de forma mais intensa e
problemática nas categorias de trabalhadores mais jovens.
De uma perspetiva interna à própria relação de trabalho, entre outras tendências,
destaca-se a introdução e ampliação de normas que permitem maior mobilidade
16 AMÉRICO RAMOS DOS SANTOS, «Competitividade, Flexibilidade e Qualificação: vias para a coesão económica e
social na Europa comunitária», RDES, ano XXXIV (VII da 2.ª série), Outubro-Dezembro, n.º 4, Almedina, Coimbra,
1992, caracteriza este período enfatizando a estabilidade de algumas componentes, destacando: “rápido
crescimento do volume de emprego; especialização acompanhada de desqualificação e obsolescência
progressiva das qualificações em segmentos fundamentais da população ativa; crescimento do salário real mas
sem alteração profunda da repartição do rendimento; intervenção de parceiros sociais representativos e
intervenientes em processos de negociação de condições de trabalho de âmbito nacional; regulamentação
extensiva das condições de trabalho; intervenção forte do Estado, em particular na Europa e seguindo a tradição
keynesiana, no funcionamento do mercado de trabalho; generalização de sistemas públicos de garantia de
rendimentos mínimos e de proteção no desemprego.”
17 MÁRIO F.C. PINTO, «Garantia de emprego e crise económica; contributo ensaístico para um novo conceito», RDES,
ano XXIX (II da 2.ª série), n.º 4, Outubro - Dezembro, Almedina, Coimbra, 1987, p. 436. p. 437.
18 MÁRIO F.C. PINTO, «Garantia de emprego...», p. 437.
funcional 19 associada à dinâmica contratual – por oposição a uma visão estática do
contrato de trabalho – e que possibilitou uma relativamente pacífica implementação de
novos procedimentos, técnicas ou equipamentos através do desempenho alternativo –
ou, por vezes, cumulativo – de diversas funções pelos trabalhadores que laboram em
determinada organização produtiva.
Do mesmo modo, a estrutura do trabalho passou a assentar na dinâmica de grupo, que
pressupõe novos modelos de avaliação dependentes, maioritariamente, da
contabilização do desempenho e da produtividade sem que, muitas das vezes, se
revelem de forma clara os critérios dessas avaliações. De igual modo, os vetores dessas
avaliações são, na maioria das situações, impostos pela própria empresa, sem diálogo
com os trabalhadores ou com as suas estruturas coletivas de representação e sem que
haja um mecanismo de supervisão e controlo desses mecanismos.
A par da tendência de «revitalização» da relação de trabalho, procurando adaptá-la às
novas realidades, flexibilizando-a20, surgiram – ou pelo menos, foram reabilitadas,
reconhecidas ou distinguidas com tratamento normativo –, do ponto de vista da
natureza do vínculo, novas formas de prestar trabalho que, além de constituírem um
recuo da tendência protetora característica da era fordista, subverteram o modelo
clássico da relação laboral. O surgimento, ou reinvenção, das «novas» formas de prestar
serviço, sob a autoridade e direção de outrem, centra-se em pilares comuns como a
«policefalia» de sujeitos, a variabilidade da duração da execução do trabalho, a
determinação e delimitação temporal da prestação 21 em oposição a uma tendente
perpetuidade do vínculo, ou o recrudescimento de formas de trabalho pretensamente
autónomas como meio de contornar a subordinação jurídica.
Assistiu-se, deste modo, à transição para um mercado de trabalho dualista, que o próprio
Direito do Trabalho reconheceu e legitimou, não só por força da exteriorização do
processo produtivo ou pelo recurso generalizado às formas de emprego atípicas mas
também porque, dentro do conjunto dos trabalhadores que prestam serviço para a
mesma empresa, verifica-se a existência de condições de trabalho distintas, seja no que
respeita à remuneração, horários ou funções. Essa dimensão dual distingue, numa
primeira linha, um núcleo central interno de trabalhadores, com uma relação de trabalho
estável e duradoura, de cariz clássico, surgindo na sua periferia um conjunto de
trabalhadores de «segunda linha», munidos de vínculos atípicos e/ou precários.
Igualmente preocupante é que, no que respeita às condições de trabalho, também se
verifiquem diferenças assinaláveis, fruto das sucessivas reformas legislativas que têm
19 A definição do leque de funções devidas pelo trabalhador constitui um elemento fundamental na gestão dos
recursos humanos, encontrando-se a necessidade da sua delimitação a montante das demais vertentes relativas
ao modelo de «flexibilização» e que dizem respeito à organização, no tempo e no espaço, da prestação de
trabalho. Sobre esta temática, entre outros, MONTEIRO FERNANDES, «A categoria profissional e o objeto do
contrato de trabalho», QL, ano V, n.º 12, Coimbra Editora, Coimbra 1998; BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER –
«A mobilidade funcional...»; JORGE LEITE, «Flexibilidade Funcional», QL, ano IV, Coimbra, Coimbra Editora, 1997;
JOSÉ JOÃO ABRANTES «Flexibilidade e Polivalência, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina,
Coimbra, 1998 e CATARINA CARVALHO, «O exercício do ius variandi no âmbito das relações individuais de
trabalho e a polivalência profissional», Juris et de Jure – Nos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade
Católica Portuguesa, UCP, Porto, 1998.
20 AMÉRICO RAMOS DOS SANTOS «Competitividade…», p. 266, distingue “A flexibilidade da tecnologia” que pode
ser “observada em três planos: tecno-produtivo (flexibilidade de inputs, volume, processo de produção,
variedades, tipos e gamas de produtos); funcional (flexibilidade dos conteúdos e das funções exigidas pelos
postos de trabalho) e organizacional (passagem de estruturas hierárquicas a estruturas orgânicas)” da
“flexibilidade do trabalho”, que pode ser atingida através de diversos instrumentos: “flexibilidade do emprego
(flexibilidade do nível de emprego, da duração e do ritmo de trabalho); flexibilidade salarial (flexibilidade dos
salários diretos, salários relativos inter-qualificações) e mobilidade (geográfica, profissional)”.
21 Ou pré fixação do tempo de vida do contrato, nas palavras de JORGE LEITE, «O direito do trabalho na crise...», p. 30.
pretendido fomentar uma batalha geracional: os trabalhadores com maior antiguidade
no seio de determinada estrutura produtiva mantêm um conjunto de direitos a que os
trabalhadores com menor antiguidade (ou em situação precária), na maioria das vezes
não têm acesso, sempre a pretexto de que a economia não permite sustentar a mesma
realidade para todos.
O que é inegável é que, no limiar do séc. XXI, a flexibilidade das normas laborais não
resolveu os problemas económicos 22 e tão pouco revitalizou os mercados mundiais. De
resto, nada faria prever que tal acontecesse até porque, na sua generalidade, as reformas
legislativas operaram num cenário de crise, de imediatismo e de resolução rápida. Ao
invés de ter promovido o aumento do emprego e a inserção ocupacional de diversas
franjas da população, fomentou-se a precariedade e as formas de trabalho atípicas,
olvidando-se que as relações laborais têm uma “natureza concomitantemente social,
económica, política e cultural”23 e que a subordinação da dimensão social do trabalho e
respetivo conteúdo normativo à flutuante realidade económica teve consequências
nefastas a diversos níveis, sendo evidente a falência do modelo da flexibilidade24.
Urge, por isso, que a relação típica de emprego deixe de ser encarada como uma área
jurídica de privilégio25, que convive pacificamente com demasiados ghettos laborais,
alicerçados na parca proteção jurídica do prestador de trabalho, para se tornar na
realidade dominante, promovendo-se deste modo, a dignidade da pessoa humana,
princípio estruturante do Estado português.
22 É clara a exposição de NUNO TELES, num artigo publicado no Le Monde diplomatique, n.º 14, II série, Dezembro
2007, quando salienta a “existência de uma taxa de desemprego natural (NAIRU, Non-accelarating Inflation Rate
of Unemployment), abaixo da qual a inflação dispararia. Tal taxa é calculada a partir do crescimento económico
potencial, que corresponde ao pleno uso dos fatores produtivos disponíveis numa economia. Se o crescimento
económico ultrapassasse o seu potencial, as empresas não conseguiriam responder ao aumento de procura com
um aumento de produção, reagindo, em alternativa, com um aumento dos preços”..
23 Parecer da CGTP-IN sobre o “Relatório do Progresso” da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, QL,
ano XIV, Coimbra Editora, 2007, p. 44.
24 Conforme refere NUNO TELES, no referido artigo publicado no Le Monde diplomatique, n.º 14, II série, Dezembro
2007, “um recente estudo comparativo dos países da OCDE conclui, que enquadramentos institucionais da
organização do trabalho radicalmente diferentes, no que diz respeito à proteção do trabalho, resultaram em taxas
de desemprego que não permitem alcançar qualquer correlação”, concluindo que “não existe assim qualquer
relação significativa entre a taxa de desemprego e a flexibilização laboral”.
25 A expressão é de RENATO SCONAMIGLIO, «Per una nuova filosofia del diritto del lavoro», Prospettive del Diritto
del lavoro per gli anni 80 – Atti del VII Congresso Nazionale di Diritto del lavoro, Milano, 1983, p. 45.
5.2. PRECARIEDADE E CONDIÇÕES DE TRABALHO
Conforme referido, a dualização do mercado de trabalho manifesta-se de duas formas
distintas. Por um lado, a que respeita à natureza do vínculo, isto é, entre trabalhadores
efetivos, pertencentes aos quadros da empresa, perfeitamente integrados na sua
organização produtiva e entre aqueles que se podem considerar periféricos, que
gravitam em torno dessa estrutura mas que, efetivamente, não a integram, ainda que
prestem serviço durante um longo período de tempo.
Por outro lado, – e tal pode suceder, inclusivamente no seio dos trabalhadores
permanentes ou ser apenas um reflexo da precariedade – é possível verificar que nem
todas as categorias de trabalhadores têm as mesmas condições de trabalho ou, pelo
menos, a capacidade de usufruí-las em pé de igualdade, seja porque através de
instrumento de regulamentação coletiva se prevê que um conjunto de direitos apenas
são atribuídos a determinada categoria de trabalhadores ou porque, na prática, a
efetivação desses direitos ou garantias é, algumas vezes, cerceada.
As categorias de trabalhadores mais expostos a ambas as vertentes desta denominada
dualização incluem os jovens, quer seja no que respeita à natureza do vínculo, quer no
que concerne às condições de trabalho).
A primeira dimensão desse dualismo será tratada, neste documento, a propósito da
precariedade, enquanto num segundo momento se procederá à análise de um conjunto
de matérias que refletem a dualização das condições de trabalho. Serão ainda referidas
algumas temáticas, cujo exercício carece de uma efetiva aplicação da lei, e que, ainda que
tenham uma vocação de aplicação universal, dizem particular respeito aos jovens.
5.2.1 PRECARIEDADE LABORAL
A precariedade laboral é um tema muito discutido na sociedade portuguesa, próximo de
outros processos característicos dos mercados de trabalho contemporâneos como a
terciarização do trabalho, ou a flexibilidade laboral, que por sua vez se caracteriza, no que
se refere ao trabalho, por mudanças rápidas na quantidade de trabalho necessário,
mudanças assinaláveis nas qualificações para desenvolver o trabalho, reflexividade nas
tarefas de trabalho que se executam; e no que se refere ao emprego, por acréscimos de
externalização do emprego: emprego temporário, subcontratação, enfraquecimento dos
contratos a termo incerto e práticas de gestão mediadas (Benner, 2002 in Cruz, 2010:
147).
Do ponto de vista analítico, a precariedade no trabalho e a precariedade no emprego
devem ser distinguidas. “A precariedade do trabalho reporta à realização de uma
atividade que gera sentimentos de insatisfação, de inutilidade social e, no limite, de
alienação. Já a precariedade do emprego refere-se à instabilidade e à insegurança
provocadas pela fragilidade do vínculo contratual e consequentemente pela restrição
dos direitos sociais decorrentes de uma relação contratual estável e duradoura típica das
sociedades de pleno emprego desde o pós Segunda Guerra Mundial até inícios dos anos
1970.” (Cruz, 2010:151). Benner propõe quatro ideais-tipo de integração laboral, baseados
na relação de dois eixos: a satisfação no trabalho e a estabilidade no emprego.
Estabilidade no Emprego
INTEGRAÇÃO
DESQUALIFICANTE
INTEGRAÇÃO
ASSEGURADA
Satisfação
no trabalho
INTEGRAÇÃO
LABORIOSA
INTEGRAÇÃO
INCERTA
Figura 3. Ideais-tipo de integração
Fonte: adaptado de Cruz (2010:152)
A precariedade laboral deve, contudo, ser entendida como “um fenómeno transversal do
ponto de vista social” que “condiciona, atrasando ou mesmo comprometendo, os
processos de transição para a vida adulta” (Nico, 2010). A precariedade deve também ser
entendida como um “fenómeno que não só ultrapassa as fronteiras do mercado de
trabalho, invadindo as restantes esferas da vida em transição, como é responsável pelos
estados de standby em que estas vidas se encontram, seja ao nível habitacional, familiar,
escolar ou mesmo identitário. A compreensão deste fenómeno não deve, portanto,
esgotar-se
esgotar-se na análise do mercado de trabalho” (Nico, 2010: 47). Este fenómeno afeta,
particularmente, embora não exclusivamente, os jovens e foi identificado no relatório
“Conhecer para Agir: Contributos das Ciências Sociais para o Livro Branco da Juventude”
como um dos três fatores que mais contribuem para situações de desigualdade e
exclusão social: “as condições laborais precárias, analisadas a partir das contratações a
termo certo, do trabalho a recibo verde (que parece constituir uma especificidade
portuguesa no contexto europeu), traduzidas em baixos salários, vividas sob a ameaça
do desemprego e gerando situações muito problemáticas no contexto circunscrito das
famílias desses jovens, na gestão das relações entre gerações ou na construção de
expectativas de futuro” (Almeida et al., 2011).
O caso da Leonor: na encruzilhada entre a estabilidade e a satisfação
“Caiu de paraquedas. Por acaso, foi sorte”. É assim que Leonor avalia parte da sua vida:
como algo que lhe acontece, por sorte ou azar. Esta incapacidade em avaliar o alcance
das suas ações impede-a de ser capaz de tomar decisões, vendo como irresolúvel a
organização das “próximas etapas da vida”. Leonor quer engravidar e ter um trabalho que
a faça feliz. Por um lado, gostaria de conseguir decidir avançar para uma gravidez mesmo
sabendo que o emprego onde é efetiva lhe proporciona elevados níveis de stress
profissional, contexto que considera inadequado para levar a cabo uma gravidez. Por
outro, não consegue abdicar da ‘estabilidade’ profissional que considera ser necessária
para avançar para a parentalidade. A situação está, deste modo, bloqueada pela
incapacidade de contrariar a sua ética de trabalho (que se baseia em fazer sacrifícios em
termos de qualidade do trabalho para se ser independentemente do ponto de vista
financeiro) para satisfazer o seu desejo de ser mãe.”
Fonte: Nico, 2010
O caso da Andreia: no fio da navalha
Encorajada pelos pais a ajudar no pequeno negócio de família, a ganhar o seu próprio
dinheiro, a conquistar a sua independência gradualmente, a adaptar-se ao que o
mercado de trabalho tivesse para oferecer (limpezas, biscates, balcão e mesa, etc.) e a
investir o seu tempo e expetativas num curso superior, Andreia, que trabalha desde os 16
anos, atualmente com 26 anos, trabalha numa loja de sapatos, sem qualquer vínculo
laboral. A independência habitacional que conquistou com a remuneração do seu
trabalho constrange as suas possibilidades de se inserir num mercado de trabalho
qualificado e de planear um futuro sequer a curto prazo. A gradual mas determinada
entrada no mercado de trabalho, o sucesso escolar e a vontade e concretização de
independência habitacional face aos pais vivem lado a lado com a precariedade da
ausência de qualquer vínculo laboral, do trabalho desqualificado, de um salário quase
mínimo e de uma vida vivida em torno das “contas para pagar” (e do pavor às dívidas que,
a qualquer momento, podem ser inevitáveis). Aos olhos das estatísticas, esta jovem nem
sequer trabalha.
Fonte: Nico, 2010
Embora a precariedade seja um fenómeno relativamente global, cujas respostas em
termos de movimentos sociais também se manifestam a esse nível, ela afeta, sempre
afetou, não só particularmente os recém-chegados ao mercado de trabalho – os jovens
em geral – mas também os jovens portugueses, por comparação aos seus pares de
outros países europeus.
Com base em dados do Eurostat é possível verificar que Portugal é um dos países onde
o desemprego juvenil é mais elevado e onde o período durante o qual a fragilidade do
vínculo com o mercado de trabalho é maior (Pappámikail, 2011).
A precariedade não olha a qualificações. Ela faz-se sentir, em diferentes ocasiões, com
diversos formatos e com intensidades distintas, entre os jovens com mais baixas
qualificações e com qualificações superiores. Enquanto que no primeiro são mais
frequentes os contratos de trabalho a termo, mas também mais recorrentes e longos os
episódios de desemprego, entre os mais qualificados são mais frequentes as inserções
não pagas no mercado de trabalho - os estágios não remunerados, por exemplo - , as
formas mais atípicas de vínculo contratual - bolsas de investigação, por exemplo - , mas
também os recibos verdes, os trabalhos por conta própria, combinados muito mais vezes
em regimes de tempo parcial e de pluriatividade (Nico, 2011).
Esta, juntamente com a falta de perspetivas de concretização de projetos de vida (Alves
et al, 2011.), será uma das causas das mais recentes vagas de emigração. Segundo os
dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o perfil típico do emigrante alterou-se
nos últimos anos no sentido de uma população mais jovem, mais qualificada e mais
equilibrada do ponto de vista do género (Pires et al., 2010 in Grazzi, 2012). Pode, com
alguma segurança, afirmar-se que é a falta de dignidade e de qualidade no trabalho e no
emprego a principal causa das “Fugas de Cérebros” ou dos "Tetos de Vidro" 26 que
caraterizam atualmente o mercado de trabalho qualificado, nomeadamente científico, em
Portugal (Delicado e Nunes, 2013).
26 Que se referem grosso modo às fortes mas pouco visíveis desigualdades de género no que se refere à progressão
na carreira mas também ao salário, à conciliação trabalho família, etc.
5.2.1.1. O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL
O sistema de direitos fundamentais consagrados na nossa ordem constitucional assenta
num princípio de unidade baseado no arquétipo da promoção da dignidade humana,
valor essencial do ordenamento jurídico nacional. Mas a sua efetivação nem sempre se
revela pacífica, antes demonstrando um conflito permanente e intrínseco, na medida em
que a realização dos direitos de cada indivíduo ou de um conjunto de sujeitos acarreta,
na maioria das vezes, uma constrição dos direitos de outras categorias de sujeitos ou de
valores comunitários também reputados de essenciais. No domínio laboral essa tensão
tem uma vitalidade própria e o conflito face a outras posições subjetivas é permanente,
nomeadamente no que diz respeito a realidades de pendor económico.
No caso das modalidades contratuais atípicas (v.g. trabalho a termo, trabalho temporário)
releva, sobretudo, a sua compatibilização com o direito à segurança no emprego27,
prescrevendo o artigo 53.º da Constituição que aos trabalhadores é garantida a
segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por
motivos políticos ou ideológicos.
A sua consagração constitucional comporta o reconhecimento de que o direito ao
trabalho comporta uma dimensão humana, de realização pessoal e como tal subtrai da
arbitrária disponibilidade 28 do empregador a livre cessação do vínculo laboral.
No seu âmbito de proteção a garantia constitucional abrange, ainda, “todas as situações
que se traduzam em precariedade da relação de trabalho”29, o que significa que a relação
de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e a contratação precária a exceção.
Mais do que isso, obriga a que esta modalidade contratual careça de uma razão de ser
objetiva, exigindo, paralelamente, um sistema de normas teleologicamente orientado
para a sua limitação30. Assim, é comummente referido que a excecionalidade da
contratação a termo “constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no
emprego” 31 . Tal consideração vale na sua plenitude e pela mesma ordem de razões para
o trabalho temporário.
Por outro lado, a liberdade de iniciativa económica privada assume duas vertentes
essenciais: o direito de criação de empresa e o direito de escolha do objeto e modo de
27 Que, encontrando-se inserido no capítulo dedicado aos Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores, está
sujeito ao regime de aplicabilidade direta do art.º 18.º da CRP.
28 Ou conforme é referido no Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional: “A garantia de segurança do emprego
(…) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de
emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal”. Em sentido próximo, GOMES
CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição..., p. 287, referem que o direito à segurança no emprego revela uma
“alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa” que, assim, “não goza de liberdade de disposição sobre
as relações de trabalho”.
29 GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição..., p. 289.
30 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005,
pág. 512, evidenciam “que uma situação de contratação diária que se prolongue no tempo, por vários anos, além
de não constituir uma forma de organização do trabalho em termos socialmente dignificantes, contende com o
princípio da segurança no emprego, com o qual se pretende assegurar ao trabalhador estabilidade no emprego.
Na verdade, uma contratação diária irrestrita e de duração global indefinida é (…) a negação de qualquer
segurança no emprego, uma vez que terminado o período laboral nenhuma garantia existe de que o contrato
continue a poder executar-se”.
31 Acórdão n.º 581/95 do TC, Diário da República, de 22.01.1996. Acrescentando-se que “a garantia constitucional da
segurança no emprego pressupõe e implica a garantia da estabilidade na relação laboral, do que resulta ser o
contrato de trabalho sem prazo (...) o tipo de contrato que melhor assegura aqueles interesses dos trabalhadores
e os fins sociais que a atividade laboral visa realizar”.
gestão da empresa32. Este direito de escolha do objeto e modo de gestão da empresa
constitui um direito fundamental do empresário e, nesse sentido, é-lhe lícito adotar
determinadas medidas que possam conflituar com o conteúdo do direito à segurança no
emprego, desde que tal se revele adequado, necessário e proporcional.
Os poderes do empregador, isto é, do sujeito contraparte no contrato de trabalho, são
conaturais aos interesses dos trabalhadores e continuam limitados pela matriz
estruturante do nosso ordenamento constitucional – a dignidade da pessoa humana – e
pelo conjunto dos direitos fundamentais destes. Por isso, nesta relação entre
empregador e trabalhador, não se verifica uma colisão de direitos, mas antes a
constatação da existência de limites intrínsecos à própria liberdade negocial do
empregador 33 , compreendendo-se, assim, o primado do direito laboral enquanto
conjunto de normas protetoras.
Nesse sentido, as modalidades de contratação temporalmente delimitadas (v.g.
contratação a termo e trabalho temporário) apenas se furtam à incompatibilidade com o
disposto na Constituição Portuguesa sobre a garantia da segurança no emprego porque
é reconhecido ao empresário o direito de escolher o objeto e o modo de gestão da sua
empresa. Contudo, verificando-se a colisão desses direitos, o direito do empresário de
organizar o fator de produção «trabalho» em determinados moldes encontra-se limitado
a situações apodíticas, justificadas por necessidades e motivos concretos, orientados
para a unidade e coerência dos valores constitucionais em apreço.
A concretização, ao nível legal, do princípio constitucional relativo à segurança no
emprego obriga a que sejam cumpridos um conjunto de requisitos formais e substanciais
de modo a garantir que as contratações a termo e temporária sejam válidas. Desde logo,
destaca-se a limitação temporal a que estes contratos estão sujeitos bem como a
existência de um conjunto de motivos que justificam a aposição de um termo num
contrato de trabalho.
32 Nesse sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, «Limites constitucionais à iniciativa económica privada»,
Temas de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, p. 425.
33 E como ensina JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República
Portuguesa, p. 285, “a diferença é importante (...) já que, a entender-se que não há conflito, a solução do problema
não tem que levar em conta o direito invocado, porque ele não existe naquela situação”
5.2.1.2 A SITUAÇÃO EM PORTUGAL
Apesar da limitação constitucional decorrente do princípio da segurança no emprego e
da sua concretização legal, a realidade dos números demonstra que uma percentagem
particularmente significativa dos jovens entre os 15 e os 30 anos (40,3%, no primeiro
trimestre de 201434) se encontra vinculada mediante a celebração de contratos a termo.
Além disso, cerca de 5,8% dos jovens dessa faixa etária encontram-se vinculados
mediante contratos de prestação de serviços: os denominados “recibos verdes”35.
Estas estatísticas parecem indiciar um abuso no recurso a esta modalidade de
contratação que, nos termos da lei, não tem como escopo a satisfação de necessidades
permanentes das empresas. Ora, a precariedade, de um ponto de vista laboral, contribui
para a “segmentação do mercado de trabalho” e para a “debilitação da posição dos
trabalhadores”, o que, por sua vez, resulta numa “distribuição desigual dos salários” e num
“sentimento de insegurança”36. De resto, os “trabalhadores contratados a termo auferem,
em média, 73% do salário dos trabalhadores com um contrato sem termo”37, o que é
ilustrativo dessa desigualdade. Tendo presente esta situação, urge adotar um conjunto
de medidas que visem combater esta segmentação, bem como a desigualdade criada
em virtude da celebração deste tipo de contratos.
34
35
36
37
Dados fornecidos pelo INE.
Dados fornecidos pelo INE.
Livro Branco das Relações Laborais, MTSS, 2007, p. 32.
Livro Branco das Relações Laborais, MTSS, 2007, p. 39
5.2.1.3. PROPOSTAS
Relativamente aos contratos de prestação de serviços (“recibos verdes”):
1) Acentuar a “dependência económica” do prestador de serviços face ao
beneficiário da prestação de trabalho como caraterística determinante ou
essencial para a qualificação da natureza laboral da relação.
2) Aproximar o regime legal de prestação de serviços (quando executada por
pessoa singular) do regime legal relativo ao contrato de trabalho
(nomeadamente: instituir os direitos a férias e ao descanso semanal para os
prestadores de serviço a título individual; introduzir um limite de horas diários à
prestação do serviço a título individual, à semelhança do que já sucede com os
direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no
trabalho).
3) Proibir o recurso a esta modalidade contratual quando, na estrutura
orgânica da empresa, as funções a desempenhar pelo prestador de serviços
correspondam também ao núcleo funcional de outros trabalhadores da
empresa.
4) Aumentar as contribuições para a segurança social devidas pelo beneficiário
da prestação de serviços e instituir, paralelamente, um sistema de percentagem
sobre o montante a descontar para a segurança social consoante o nível de
dependência económica do prestador de serviços relativamente ao
beneficiário da prestação.
Relativamente aos contratos a termo:
5) Estabelecer um limite máximo do número de contratados a termo a prestar
serviço numa determinada estrutura orgânica ou secção, calculado
percentualmente atendendo ao número de trabalhadores efetivos que aí
prestem serviço, podendo esse limite ser desenvolvido através da contratação
coletiva, nomeadamente no que respeita a possíveis aumentos dessa
percentagem em determinadas situações que se prendam com os ciclos de
produção de determinada empresa ou setor, bem como a respetiva diminuição
quando os ciclos de produção o justifiquem.
6) Aumentar as compensações devidas pela cessação do contrato de trabalho
a termo por motivo não imputável ao trabalhador como forma de compensar a
precariedade e insegurança bem como a discrepância retributiva entre os
trabalhadores a termo e os efetivos.
7) Aumentar as contribuições para a segurança social devidas pelo
empregador no caso dos trabalhadores contratados a termo, com exceção das
situações relativas à contratação a termo para fomento de emprego.
8) Reforço da Inspeção Laboral nesta área, nomeadamente através de um
controlo ativo por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho,
implementado a obrigatoriedade de registo/envio destes contratos para este
organismo público, bem como de um aumento do montante das coimas por
incumprimento da legislação vigente neste âmbito.
Relativamente aos trabalhadores contratados por empresas de trabalho temporário:
9) Maior responsabilização das empresas na contratação com empresas de
trabalho temporário, bem como na própria execução dos serviços contratados,
nomeadamente: integração dos trabalhadores contratados pelas empresas de
trabalho temporário nos quadros da empresa utilizadora quando estas contratem
com empresas de trabalho temporário não titulares de licença para o exercício da
atividade; maior responsabilização das empresas utilizadoras em caso de
incumprimento do regime previsto para a prestação de trabalho temporário.
10) Aumentar as compensações devidas pela cessação do contrato de trabalho
temporário por motivo não imputável ao trabalhador como forma de
compensar a precariedade e insegurança bem como a discrepância retributiva
entre os trabalhadores temporários e os efetivos.
11) Aplicação de uma taxa (agravamento fiscal) às empresas utilizadoras de
trabalho temporário que tenham na sua estrutura um número de trabalhadores
temporários que exceda uma percentagem calculada tendo por base o número
de trabalhadores efetivos que nela prestem serviço.
12) Reforço da Inspeção Laboral nesta área, nomeadamente, através de um
controlo ativo por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho,
implementado a obrigatoriedade de registo/envio dos contratos de trabalho
temporário e dos contratos de utilização para este organismo público, bem como
de um aumento do montante das coimas por incumprimento da legislação
vigente neste âmbito.
5.2.2. Condições de trabalho
5.2.2.1. COMBATER A DUALIZAÇÃO E FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO
As condições de trabalho são, frequentemente, o resultado de um processo negocial
entre as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e dos empregadores e,
desse modo, encontram-se previstas em instrumentos de regulamentação coletiva de
trabalho.
A precariedade – que atinge cerca de 40% dos jovens entre os 15 e os 30, conforme foi
acima mencionado – inibe o exercício dos direitos, tanto na sua vertente individual como
coletiva. Efetivamente, tratando-se a precariedade de “uma vivência subjetiva, traduz-se
na impotência e no medo. E a incorporação do medo, por sua vez, dá lugar à aceitação
ou resignação, isto é, à auto-negação da luta pelos direitos”38. Não raras vezes, esta franja
de trabalhadores não exerce os direitos e garantias que decorrem do seu contrato
individual de trabalho, dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
aplicáveis, ou até da própria lei, porque, por um lado, desconhecem-nos ou porque,
mesmo tendo conhecimento, a atipicidade da relação de trabalho estabelecida, ou
melhor, a duração determinada do seu vínculo, impede-os de os usufruírem de uma
forma plena, por receio de represálias, mormente a cessação do contrato de trabalho.
Vejam-se atrás alguns exemplos de vida reais que exemplificam o poder de standby
forçado que a precariedade no trabalho exerce de forma holística sobre a vida dos
jovens.
A par desta realidade, a análise de alguns instrumentos de regulamentação coletiva de
trabalho, e também de algumas práticas empresariais, denota a existência de regimes
relativos às condições de trabalho que excluem do seu âmbito de aplicação – ainda que
não o façam expressa ou diretamente – um conjunto de trabalhadores cuja antiguidade
na empresa é menor, e que normalmente coincidem com os trabalhadores mais jovens. É
o que sucede, por exemplo, com a possibilidade de ingresso em determinadas categorias
e carreiras profissionais ou até do direito a diuturnidades. O mesmo se pode dizer
relativamente a matérias relacionadas com planos de saúde ou no domínio dos
complementos de reforma/pensões.
Os diversos governos ao longo dos últimos anos têm, de resto, dado o mote ao serem
percursores desta tendência nas sucessivas reformas legislativas como sucedeu, por
exemplo, com: a generalização de regimes de trabalho privado e, como tal, menos
garantidos, no seio da administração pública, aplicáveis por maioria de razão aos mais
jovens; as sucessivas alterações ao modo de cálculo das reformas, que só vigoram de
forma a afetar os mais jovens em determinado momento, formas de cálculo da
compensação devida pela cessação do contrato de trabalho distintas consoante a
38 Elísio Estanque, Relaciones Laborales y Ación Syndicale, Buiza, Alfredo y Perez, Enrique (coords.), Granada:
Instituto de Estudios Europeos da Universidad de Valladolid, pp.127-150. Não esquecer também a dimensão
indicada por Ana Paula Marques, Revista Portuguesa de Educação, 2009, 22(2), pp. 85-115, Universidade do
Minho, 2009: “a fragmentação das relações de trabalho, com incluídos e excluídos, estáveis e precários,
empregados e desempregados, ativos e inativos, jovens e idosos… A quebra de solidariedade entre estes
diferentes grupos, que pode exprimir, em simultâneo, vários daqueles processos de dualização, contribui para o
acréscimo de desigualdades sociais e para a «crise» do Estado Social. As transformações estruturais na natureza
do capital e na produção que caracterizam esta nova fase de desenvolvimento do capitalismo parecem inaugurar
uma reconversão ideológica para legitimar o modelo atual de mundialização do mercado de capitais, de
tecnologia e produtos e, por último, da força de trabalho”.
antiguidade na empresa – o que atinge, na maioria das vezes, os trabalhadores mais
jovens. Medidas que, por si só, acentuaram e agravaram a dualização das condições de
trabalho no mercado de trabalho nacional.
Esta é uma tendência que deve ser travada. Nada é mais excludente do que, no seio de
uma mesma estrutura produtiva, ter trabalhadores que prestam o mesmo serviço mas
que usufruem de condições de trabalho distintas em virtude da sua idade, ainda que não
se proceda a essa discriminação de forma direta, mas antes assentando em critérios de
antiguidade na empresa. E se há um conjunto de direitos cujo reconhecimento se
encontra ligado à antiguidade de um determinado trabalhador (é o caso das
diuturnidades) e que têm a sua razão de ser, não faz sentido, no entanto, pretender
excluir os trabalhadores mais jovens de ter acesso a essas mesmas condições. O esbater
dessa dualização das condições de trabalho não deve, contudo, ser feito à custa do
sacrifício dos direitos das gerações mais velhas mas sim através de mecanismos que
permitam aos trabalhadores mais jovens ter, igualmente, condições para aceder a esses
direitos.
Por outro lado, decorrência também do enfraquecimento da dimensão coletiva do
trabalho, os contratos individuais de trabalho têm assumido maior preponderância
enquanto instrumento privilegiado para estabelecer os termos da relação de trabalho.
Não raras vezes, incluem cláusulas que definem o local de trabalho como sendo “todo o
território nacional”, sem que haja uma justificação para esse efeito, ou o horário de
trabalho como sendo unilateralmente fixado pelo empregador num período
compreendido entre as 0h e as 24h. E se há determinadas categorias profissionais cuja
não fixação imediata do horário se pode justificar por motivos de produção, em grande
parte das situações tal não se verifica. Igualmente determinante para fixar o núcleo da
atividade prestada pelo trabalhador é a fixação de uma categoria profissional,
perfeitamente definida e delimitada. Estas são questões que, ainda que digam respeito à
generalidade dos trabalhadores, afetam a maioria dos jovens que ingressam no mercado
de trabalho. Ora, conforme é sabido, o trabalhador, quando assina um contrato individual
de trabalho, não dispõe, na maioria das vezes, de qualquer margem negocial e, como tal,
aceita o que lhe é proposto. No entanto, a falta de definição de um local de trabalho
identificável e real, o estabelecimento de um horário de trabalho ou a descrição das
tarefas que integram a atividade contratada acabam por gerar uma espécie de
precariedade das próprias condições de trabalho – e que já não diz respeito à natureza
do vínculo – porque, não se encontrando definidas, acabam sempre por depender de um
ato unilateral do empregador, ainda que a questão possa ser discutida judicialmente a
posteriori.
5.2.2.2. PROPOSTAS
Nesse sentido, propõe-se um conjunto de medidas de modo a otimizar as condições de
trabalho, evitando situações de dualização injustificada:
1) Ao nível das estruturas de representação coletiva:
a) Dinamizar a sindicalização dos trabalhadores jovens, nomeadamente através de
campanhas informativas.
b) Atribuir benefícios, de índole fiscal ou económica, à semelhança do que sucede
com as empresas que contratam trabalhadores jovens aos sindicatos que tenham
uma taxa de associados jovens acima de um determinado patamar.
c) Impulsionar o papel das secções de juventude das confederações sindicais,
nomeadamente através da criação e gestão de uma espécie de “passaporte
sindical” para os trabalhadores jovens que lhes permita, quando transitam de um
determinado setor de atividade para outro, manter a sua filiação sindical sem
necessidade de burocracias acrescidas.
d) Apoiar a formação de quadros sindicais jovens, nomeadamente através da
atribuição de bolsas para o efeito para a frequência de cursos relacionados com a
atividade sindical.
e) Aumentar o crédito de horas para atividade sindical quando a direção de uma
estrutura sindical for composta, em determinada percentagem, por trabalhadores
jovens.
2) Ao nível do conteúdo dos instrumentos de regulamentação coletiva:
a) Controlar a existência de cláusulas que limitem, para o futuro e a partir de
determinada data, o exercício de um conjunto de direitos e garantias em virtude da
data de entrada na empresa. Por exemplo, quando se pretender terminar o
ingresso numa determinada carreira ou deixar de atribuir diuturnidades para os
trabalhadores contratados a partir de uma determinada data, a empresa deve, em
primeiro lugar, formular alternativas ou, caso tal não seja possível, comunicar esse
facto ao Ministério com competência na área laboral, justificando a medida – seja
por razões estruturais, de mercado ou tecnológicas – de modo a que possa haver
um controlo efetivo dessas cláusulas.
b) Apoiar a inclusão de matérias que regulem, de forma mais favorável e tendo em
consideração as possibilidades da empresa, condições de trabalho que
normalmente afetam os trabalhadores jovens, nomeadamente a parentalidade e a
formação, através de apoio técnico por parte do Ministério com competência na
área laboral.
.
3) Ao nível do conteúdo dos contratos individuais de trabalho:
a) Limitar a existência de cláusulas relativas ao local de trabalho que não definam
com precisão um local(ais), estabelecimento(s) ou área geográfica circunscrita,
com o propósito de delimitar as situações de transferência. Essas cláusulas serão
admitidas quando a impossibilidade de definição de um local seja impossível em
virtude da atividade desempenhada.
b) Limitar a existência de cláusulas relativas aos horários de trabalho que não
definam com rigor o tempo de entrada e saída, bem como as respetivas pausas
legalmente obrigatórias. Essas cláusulas serão admitidas quando se verifiquem
situações de trabalho por turnos rotativos ou outras que, pela sua especificidade,
não permitam que os horários possam ser definidos ab initio.
c) Limitar a existência de cláusulas relativas às funções e categorias que não
definam de forma detalhada e rigorosa o conteúdo funcional da atividade a
exercer, seja por remissão para o conteúdo de uma categoria profissional existente
em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou para a lista de
categorias profissionais existente ou, na impossibilidade de ambas as situações, de
forma expressa no texto do contrato.
d) O tipo de cláusulas acima referidas poderão existir caso haja um instrumento de
regulamentação coletiva que as regulamente.
e) Atualização da lista de categorias profissionais de forma a incluir o máximo de
atividades desempenhadas e descrição completa do seu conteúdo funcional.
4) Ao nível da Inspeção:
a) Implementar mecanismos de controlo e inspeção no âmbito das propostas
supra referidas a executar pela Autoridade para as Condições do Trabalho e, no
caso das medidas relativas às estruturas de representação coletiva dos
trabalhadores e dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, pelo
Ministério com competência na área laboral.
b) Criação de uma Comissão especializada, à semelhança da CITE, de
acompanhamento técnico, com competência para formular pareceres e sugestões
no âmbito das relações de trabalho estabelecidas com jovens.
c) Criação de uma provedoria com competência específica no âmbito das relações
de trabalho dos jovens.
5.2.2.3. APROFUNDAR ALGUMAS SOLUÇÕES ESPECÍFICAS PARA
MELHORAR AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS JOVENS
Finalmente, cumpre referir que as matérias relativas aos tempos de trabalho, à
parentalidade e à formação, ainda que afetem a generalidade dos trabalhadores,
repercutem-se de forma particularmente significativa nas condições de trabalho dos
trabalhadores jovens. Desde logo, trata-se de domínios que contendem com a
conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.
Nesse sentido é, aliás, sugerido pelo relatório “Working conditions of young entrants to
the labour market” 39 que “além de medidas especificamente destinadas a gerar
oportunidades de emprego, é importante desenvolver medidas políticas que visem
melhorar a qualidade desses empregos, por exemplo, em termos de contratos, níveis de
salário, horários de trabalho, formação”.
No que respeita à formação, em particular ao estatuto de trabalhador-estudante, mais do
que enunciar um princípio geral de ajustamento do horário de trabalho à frequência de
aulas e realização de provas, deve ser concretizado um conjunto de medidas objetivas
que permitam o efetivo aproveitamento dessa condição, nomeadamente:
1) Proibição expressa de aplicação de regimes de adaptabilidade de horários a
nível individual (como o banco de horas individual e a adaptabilidade individual),
condicionando a aplicação destas modalidades, mesmo quando sejam de cariz
grupal ou coletivo, ao acordo dos trabalhadores-estudantes.
2) Redefinição do sistema de faltas aplicáveis ao trabalhador-estudante de modo
a incluir, além das provas de avaliação, a realização e apresentação de trabalhos
que tenham reflexo na avaliação final.
3) Possibilidade de o trabalhador-estudante poder usufruir de uma licença sem
vencimento, a seu pedido, sem que o empregador o possa recusar, com a duração
máxima de doze meses – caso o curso tenha a duração de 3 anos e calculada
proporcionalmente quando essa duração for inferior – podendo, no entanto, essa
duração ser interpolada por períodos mínimos de 1 mês durante os anos letivos, e
desde que comunicada com a antecedência mínima de 2 meses;
4) Possibilidade de o trabalhador-estudante poder prestar a sua atividade em
regime de teletrabalho, a seu pedido, sem que o empregador o possa recusar,
enquanto durar a formação, desde que este regime seja compatível com a
atividade prestada pelo trabalhador. Caso o empregador recuse com base na
incompatibilidade da prestação, deve justificá-lo por escrito e remeter essa recusa
para o órgão com competência inspetiva na área laboral.
Um dos elementos determinantes na compatibilização entre a vida profissional e a
vida familiar é o regime legal da parentalidade. Também nesta matéria há um conjunto
de soluções que devem ser melhoradas de modo a permitir a efetivação deste direito:
1) Apoiar e incentivar, através de mecanismos de cariz fiscal ou relativos às
contribuições para a segurança social, as empresas que tenham infantários ou
sistemas de baby-sitting.
39 Disponível em http://www.eurofound.europa.eu/ewco/studies/tn1306013s/index.htm.
2) Incentivar as empresas a estabelecer protocolos com infantários próximos dos
seus estabelecimentos, com condições de pagamento favoráveis aos seus
trabalhadores e prestadores de serviço.
3) Incentivar as empresas a proceder ao pagamento de um subsídio de infantário,
aos trabalhadores e prestadores de serviço, quando nenhuma das alternativas
anteriormente referidas seja possível.
4) Alargar o direito à dispensa de algumas formas de trabalho (adaptabilidade,
banco de horas, ou horário concentrado) a trabalhadores com filhos menores de 12
anos, de forma a permitir a efetiva conciliação entre a vida profissional e a vida
familiar.
5) Estabelecer um regime de compensação retributiva a cargo do empregador
quando, por determinação deste, o trabalhador com filho menor de 6 anos, em
virtude da prestação de trabalho suplementar, em regime de adaptabilidade ou de
banco de horas, tiver de pagar um acréscimo à mensalidade do infantário em
virtude de o menor ter ficado além da hora estipulada nesse estabelecimento.
6) Alargar o âmbito da proteção em caso de despedimento a trabalhadores que
tenham usufruído de alguns dos direitos e garantias previstos no capítulo relativo
à parentalidade do Código do Trabalho nos 12 meses anteriores a essa cessação,
nomeadamente estabelecendo a presunção de despedimento sem justa causa.
7) Possibilidade de os trabalhadores com filhos menores de 12 anos poderem
prestar a sua atividade em regime de teletrabalho, a seu pedido, sem que o
empregador o possa recusar, desde que este regime seja compatível com a
atividade prestada pelo trabalhador. Caso o empregador recuse com base na
incompatibilidade da prestação, deve justificá-lo por escrito e remeter essa recusa
para o órgão com competência inspetiva na área laboral.
Os tempos de trabalho, isto é, o modo como a prestação da atividade é temporalmente
organizada, são igualmente determinantes na caraterização de um mercado de trabalho
que visa a promoção do emprego para os mais jovens, bem como a efetiva conciliação
entre a sua vida profissional e familiar.
Assim, por exemplo, o recurso ao trabalho suplementar de forma menos onerosa para o
empregador, como sucedeu na reforma laboral de 2012, é tendencialmente contrário a
uma política que vise incentivar a criação de novos empregos uma vez que o
empregador, ao invés de proceder a novas contratações para suprir eventuais carências
de mão-de-obra, pode alocar, de forma menos dispendiosa, recursos internos à
satisfação dessas necessidades. Diferentemente, a diminuição do período normal de
trabalho tem um efeito duplamente positivo: gera postos de trabalho e permite uma
melhor conciliação entre a vida profissional e vida familiar.
Nessa perspetiva, sugerem-se um conjunto de medidas que têm como escopo fomentar
essa dupla dimensão:
1) Diminuir o período normal de trabalho para as 39 horas semanais.
2) Procedimentar o recurso ao trabalho suplementar, nomeadamente estipulando
a obrigatoriedade de o empregador comunicar essa ordem por escrito, com uma
justificação sumária do motivo que fundamenta essa ordem.
3) Aumentar os acréscimos retributivos devidos pela prestação de trabalho
suplementar.
4) Garantir a obrigatoriedade de descanso compensatório quando o trabalho
suplementar prestado atingir o período correspondente ao período normal de
trabalho diário.
5) Quando num serviço/secção/departamento o cômputo do número de horas
suplementares efetuadas pelos trabalhadores perfizer um total igual ao número de
horas anuais de um trabalhador, e se a situação se mantiver durante dois anos
consecutivos e não resulte de lançamento de nova atividade, o empregador
procederá à contratação de um trabalhador com vínculo efetivo para a satisfação
dessa necessidade permanente, dando preferência a eventuais trabalhadores
contratados a termo a desempenhar funções nesse serviço.
6) Quando se verificar a prestação de trabalho suplementar e não exista transporte
público coletivo, os empregadores deverão assegurar o transporte do trabalhador,
mediante a utilização de veículo do serviço, quando exista, ou o pagamento da
despesa efetuada e devidamente comprovada, nomeadamente a resultante da
utilização de veículo próprio.
7) Procedimentar os regimes de adaptabilidade e banco de horas.
8) Quando o empregador pretender recorrer aos regimes de adaptabilidade ou
banco de horas, o número de trabalhadores contratados a termo ou
temporariamente não poderá exceder uma percentagem superior a 10% do
número de trabalhadores efetivos a desempenhar a sua atividade nesse serviço,
ou secção ou departamento. Tal só não se sucederá se 75% dos trabalhadores
efetivos declararem, por escrito, pretender ser abrangidos pelo regime de
adaptabilidade de horários.
Os Jovens e os Regimes
PARTE VI de Segurança Social:
uma Relação Disfuncional
6.1. A SEGURANÇA SOCIAL EM PORTUGAL
UMA CONQUISTA DE ABRIL
A emergência de um Estado-providência em Portugal é considerada por muitos como
um dos grandes legados da Revolução dos Cravos. Mesmo já existindo sistemas
rudimentares de assistência social antes da queda da ditadura40, a grande expansão do
sistema dá-se em sequência do golpe militar, com o alargamento dos beneficiários e
contribuintes para o sistema de pensões de reforma a populações não anteriormente
abrangidas (pessoal doméstico, população rural, etc.), com a expansão e universalização
do sistema escolar, assim como com a criação de um sistema universal de saúde
(Samouco, 1993; Pereirinha e Carolo, 2009; Royo 2012). Ao longo destes últimos anos, as
funções sociais do Estado foram alargadas por sucessivos governos,
independentemente da cor política, através da criação de apoios a segmentos
populacionais especiais ou desfavorecidos (população com deficiência, desempregados,
famílias numerosas, jovens, etc.) assim como a criação de um “rendimento mínimo
garantido” em meados dos anos 90 (Barreto 2002).
A expansão do Estado-providência em Portugal, nestes últimos 40 anos, foi essencial
para a aproximação do nível de vida dos portugueses com a média dos seus homólogos
europeus. O pesado legado do Estado Novo, tanto a nível social como económico, foi
consistentemente eliminado através de políticas económicas e sociais que permitiram ao
país recuperar, em algumas décadas, do seu grande atraso em relação à Europa. Um dos
exemplos mais claros, sobre o impacto positivo da expansão da segurança social, é a
redução da taxa de pobreza em Portugal.
Como podemos ver a partir da figura 4, em 2012, a taxa de pobreza em Portugal, antes de
quaisquer transferências sociais, atingia 44,9% da população total. Após a contabilização
dos benefícios sociais, essa mesma taxa baixa para 18,7% da população total (INE 2014).
Enquanto estes valores continuam a ser elevados em relação à média europeia,
continuam a ser uma prova do impacto benéfico do regime de segurança social vigente
na redução da pobreza e da desigualdade económica em Portugal. O impacto positivo
da expansão do regime de segurança social não se fica pela redução das desigualdades
económicas, pois também teve um impacto muito positivo na saúde (acesso à saúde,
taxa de mortalidade infantil, qualidade dos tratamentos) e na educação, com um subida
muito considerável do número de pessoas com o nível secundário e terciário
(universidade e ensino vocacional) nestes últimos 40 anos.
.
40 Nomeadamente o regime de Previdência Social, distribuído através do sistema corporativo (grémios, casas do
povo, casas dos pescadores, etc.) que enquadrava o total das relações laborais durante o Estado Novo
(Samouco, 1993; Pereirinha e Carolo, 2009).
Taxa de risco de pobreza (%) considerando as transferências socais,
Portugal, EU-SILC 2010-2013
Ano de referência dos dados
2009
2010
2011
2012 (Po)
Após transferências sociais
Após transferências relativas a pensões
Antes de qualquer transferência social
17,9
26,4
43,4
18,0
25,4
42,5
17,9
25,3
45,4
18,7
25,6
46,9
EU-SILC
2010
2011
2012
2013 (Po)
(Po) - Valor provisório
EU-SILC: Inquérito às condições de Vida e Rendimento
Figura 4. Impacto das pensões e de outras transferências sociais na
taxa de pobreza em Portugal (a 60% do rendimento médio)
Fonte: INE (2014) Relatório sobre Rendimento e Condições de Vida 2013.
Contudo, a rápida expansão e universalização do Estado-providência nestes últimos
quarenta anos foi acompanhada por vários problemas e desequilíbrios, muitos deles
causados pela evolução demográfica do país e exercendo efeitos muitos fortes e
específicos nas camadas mais jovens. Por exemplo, o número de pensionistas - de
invalidez, de velhice e/ou pensão de sobrevivência - em Portugal aumentou
consideravelmente, passando de 56.000 em 1960, para 800.000 pensionistas em 1975 e
chegando a 3 milhões em 2013 (Barreto 2002; Royo, 2012; Segurança Social, 2014). Outras
prestações, tais como o subsídio de desemprego, criado em 1975, ou o Rendimento
Social de Inserção, criado em 2003 41 , também tiveram uma evolução semelhante, o que
gerou enormes problemas para o Estado: por um lado, garantir um nível de qualidade e
de quantidade de serviços; por outro, garantir um acesso satisfatório para a generalidade
da população (Barreto 2002; Royo, 2012). Outro problema criado pela rápida expansão
do sistema foi o acréscimo do peso do regime de segurança social no orçamento do
Estado, passando de 9,9% do PIB em 1980 a 26,4% em 2013 (OCDE, 201442). Com a crise
financeira e económica de 2007/2008 e os problemas orçamentais criados por essa crise
ao Estado Português, começaram a surgir questões e dúvidas em torno da
sustentabilidade do modelo atual a médio/longo prazo do modelo vigente de
Segurança Social (Barreto 2002). Estas questões foram também alimentadas por uma
crescente preocupação com o equilíbrio entre contribuintes e beneficiários de um
sistema que, devido a uma taxa de natalidade e a um saldo migratório negativo, assim
como a uma taxa de desemprego elevada, encontra-se numa situação precária: com
cada vez menos pessoas a contribuir e mais pessoas a beneficiar do sistema.
Independentemente da abordagem ideológica, a pirâmide etária invertida e a
consequente pressão demográfica são consensualmente consideradas persistentes
desafios na construção de estratégias para a resolução dos problemas sistémicos da
segurança social. As camadas mais jovens (ou a respetiva expressão numérica relativa ao
nível do país) situam-se, por isso, e paradoxalmente, entre as causas e também entre as
consequências de muitos dos problemas circulares e de difícil resolução referentes à
segurança social, idealizada, exequível e/ou efetivamente concretizada.
41 O Rendimento Social de Inserção veio substituir o sistema de Rendimento Mínimo Garantido que tinha sido
criado em 1996.
42 http://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SOCX_AGG
6.2. O MODELO DE SEGURANÇA SOCIAL E A JUVENTUDE EM PORTUGAL
UMA RELAÇÃO DISFUNCIONAL
O relacionamento entre o modelo vigente de segurança social e a precarização das
relações laborais e de vida dos jovens não é um tema recorrentemente abordado nos
debates políticos sobre a reforma do Estado Social em Portugal. Para além da
complexidade do tema em si, o debate tem-se focado sobretudo em temáticas que, à
partida, não dizem diretamente respeito aos jovens mas sim à população mais idosa
(sistema de pensões de reforma, sistema de saúde), com necessidades particulares
(subsídios de sobrevivência, de apoio a pessoas com deficiência) ou que já esteja
plenamente integrada no mercado de trabalho (sistema contributivo, etc.). É, por isso,
compreensível que não exista uma forte mobilização política das camadas mais jovens
contra as medidas de reforma da Segurança Social como é mais presente noutras
camadas da sociedade portuguesa. Porém, o sistema de Segurança Social tem um
impacto indireto considerável na qualidade de vida pessoal, assim como profissional, dos
jovens em Portugal. Por outro lado, é incompreensível que as reformas da segurança
social não sejam sistémicas e/ou que tenham em conta de forma desproporcional
apenas um lado do problema, ou um dos extremos – o topo – da pirâmide etária.
Tal como no mercado laboral, os jovens, bem como as crianças e os idosos, representam
uma das camadas menos protegidas da nossa sociedade, com 31,8% dos jovens entre os
16 e os 24 anos em risco de pobreza em Portugal (Eurostat 201443). Muitos jovens, devido
à sua integração no mercado laboral feita maioritariamente através de contratos
temporários ou precários, ou sem a existência destes, e à falta de políticas sociais
direcionadas aos jovens mas, também, devido à própria lógica de funcionamento do
sistema de Segurança Social em Portugal, acabam por não beneficiar de certas
proteções sociais que podiam contribuir para que pudessem evitar ou ultrapassar com
mais eficácia situações de pobreza e de precaridade (Silva e Pereira 2012). Por exemplo,
em 2013, somente 11,4% dos jovens desempregados entre os 15 e os 29 anos puderam
beneficiar do subsídio de desemprego, o que indica que são raros aqueles que podem
beneficiar deste subsídio mesmo após um período de atividade (PORDATA, 2014).
Em muitos casos, tal deve-se ao facto de as regras de atribuição do subsídio de
desemprego não serem muitas vezes compatíveis com a realidade laboral dos jovens. De
acordo com a legislação vigente, para ter acesso a este subsídio é exigido ao trabalhador
um prazo de garantia mínimo de “360 dias de trabalho por conta de outrem com registo
de remunerações nos 24 meses anteriores à data do desemprego”. Contudo, dado que,
em 2009, 26% dos jovens portugueses tinham um contrato até um ano de duração e
muitos outros alternavam regularmente entre situações de emprego e de desemprego,
poucos são aqueles que obtiveram um subsídio por não cumprirem este prazo mínimo
(Silva e Pereira 2012; INE 2009).
Tal como o referem Pedro Adão e Silva e Margarida Pereira, isto deve-se ao facto de o
modelo atual ter sido “desenhado para um mercado de trabalho de natureza corporativa
– muito segmentado e com uma enorme dualidade entre o homem ganha-pão — com
emprego protegido e taxas de participação elevadas — e as mulheres e os jovens — com
menor proteção no emprego, salários mais baixos e menores níveis de participação”
(2012:140); não acompanhando assim a evolução do mercado laboral em Portugal no
sentido de um modelo mais próximo do “modelo liberal” (tema já abordado na parte IV.1
43 http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do
deste documento). Sendo o contrato de trabalho sem termo um dos eixos centrais do
modelo corporativista, o declínio nas últimas décadas deste tipo de vínculo laboral em
favor dos contratos ditos “atípicos” (recibos verdes, contratos a termo/a tempo parcial,
etc.) acabou por criar um desfasamento crescente entre o modelo de mercado de
trabalho e o modelo de proteção no desemprego vigente em Portugal (Silva e Pereira
2012). Isto reflete-se na tendência generalizada de declínio do rácio de proteção no
desemprego em Portugal desde 2000, passando de 80% dos desempregados
protegidos pelo sistema para apenas 44% em 2013 (ibid). Esta diminuição deve-se,
também, em grande parte, às sucessivas alterações das regras de acesso aos subsídios
de desemprego (em 2003, 2006, 2010 e 2012) assim como a um aumento considerável
do número de desempregados em relação ao número de beneficiários nesse mesmo
período (ibid). Contudo, três grupos principais destacam-se pela negativa: os jovens em
início de carreira, os trabalhadores com vínculos precários e os desempregados de longa
duração (ibid).
Outra consequência deste desfasamento, entre o modelo de mercado de trabalho e o
modelo de proteção no desemprego em Portugal, também se verifica na atribuição de
outros apoios. No caso do Rendimento Social de Inserção (RSI), muitos jovens
desempregados sem subsídio de desemprego não têm direito a este apoio devido ao
facto de integrarem agregados familiares com rendimentos ou bens imobiliários acima
do valor máximo previsto por lei (Carmo e Cantante, 2014). No mesmo registo, o sistema
atual de contribuições para a segurança social para pessoas com contratos “atípicos” ou
precários, como no caso dos trabalhadores independentes (20,4% em 2013), acaba em
muitos casos por não ser favorável em termos fiscais (29,6% para os recibos verdes
contra somente 11% para outros vínculos contratuais) devido aos baixos rendimentos,
levando muitos jovens a não declarar os seus rendimentos, pondo assim em risco a sua
carreira contributiva e a segurança na idade da reforma (Moreira, Marques e Gillot, 2014).
Verifica-se, portanto, que a legislação em vigor é pouco adaptada à realidade laboral dos
jovens em Portugal, privando-os do acesso a apoios que os poderiam ajudar durante a
procura de um novo emprego. Para além destas falhas e insuficiências na atribuição do
subsídio de desemprego, assim como outros apoios, aos jovens trabalhadores, o modelo
atual de Segurança Social em Portugal contribui de outra maneira para a precarização
laboral dos jovens, ao não promover uma rede de serviços sociais que lhes permita
emanciparem-se com o mínimo de segurança do seu núcleo familiar. Comparativamente
aos seus congéneres europeus, existem em Portugal poucas políticas sociais de apoio
aos jovens na sua transição para uma vida autónoma, tais como apoios à habitação que
permitam aos jovens adquirir ou arrendar casa própria a um preço acessível44, como nos
países escandinavos; subsídios de procura de trabalho semelhante a Jobseekers
Allowance45no Reino Unido, ou até uma rede pública de creches e de infantários públicos
que permitam aos jovens casais garantir um equilíbrio trabalho-família que seja saudável,
tal como em França ou na Alemanha (De Almeida et al, 2011). Como já foi previamente
discutido neste documento, as políticas governamentais de apoio aos jovens
focalizam-se sobretudo no perfil do “jovem à procura do primeiro emprego”- através do
apoio à qualificação dos jovens, à promoção do autoemprego e pela criação de
incentivos à contratação jovem pelas empresas – o que é claramente insuficiente face à
diversidade de perfis sociais e educacionais dos jovens desempregados e às várias
44 A exceção a esta regra é o Programa Porta 65, criado em 2007 para apoiar o arrendamento jovem e,
descontinuado em 2012, e que apresentava problemas graves desde a sua génese, por ser uma versão mais
limitada e complicada do inicialmente denominado “Incentivo ao Arrendamento por Jovens” do então IGAPHE.
45 Uma bolsa semanal de 57.53 libras atribuída pelo Estado britânico a todos os cidadãos britânicos acima dos 18
anos que estejam atualmente à procura de trabalho, que não estejam a estudar a tempo inteiro e que não
trabalhem mais de 16 horas por semana. (https://www.gov.uk/jobseekers-allowance/eligibility)
formas como o desemprego pode afetá-los. A falta de coordenação entre os poucos
apoios à disposição dos jovens portugueses, assim como a falta de uma Estratégia
Nacional para a Juventude (tal como existe noutros países europeus), também não
facilita a criação de um apoio eficaz e sistemático aos jovens nesse período de transição
para uma vida autónoma.
Um dos reflexos desta lógica de funcionamento do Estado Social em Portugal revela-se
na distribuição do orçamento da Segurança Social entre as diferentes vertentes do
sistema. Segundo a OCDE, o Estado português gastou em 2007 somente 0,6% do PIB
neste género de serviços sociais, quase 4 vezes menos que a média da UE (2,1%). No
mesmo período, o Estado português despendeu 21,4% do PIB nacional para financiar
pensões de reforma, o sistema nacional de saúde, assim como subsídios de desemprego
e outros complementos de vencimento, bastante acima da média da UE (17,8%)
(Conselho da Europa, 2014). Uma consequência visível do impacto desta distribuição
orçamental é a continuação da família como o principal suporte financeiro de recurso
disponível para os jovens em Portugal, permanecendo o único acesso para muitos jovens
a certos serviços sociais que lhes são usualmente providenciados pelo Estado noutros
países europeus (Adão e Silva 2002; De Almeida et al 2011). Segundo estatísticas
publicadas este ano pelo Eurofound, em 2012, 55% dos jovens entre 18 e os 30 anos de
idade ainda residem em casa dos seus pais ou de familiares, o que contrasta fortemente
com outras realidades europeias (Eurofound 2014). Entre os vários fatores apontados
pelos especialistas para explicar este fenómeno, destacam-se a precariedade no
emprego e os baixos salários mas, também, a falta de acesso ao crédito bancário (para
compra de casa própria), assim como a falta de políticas sociais e habitacionais
direcionadas aos jovens, sobretudo as de apoio aos dois primeiros anos de vida
autónoma (Adão e Silva 2002; De Almeida et al 2011, Young 2006). Tal como já foi
previamente discutido, esta situação leva a que muitos jovens em Portugal adiem os
projetos de vida indefinidamente até que a sua situação financeira e profissional melhore,
levando muitas vezes a sentimentos de frustração e de inferioridade – por não se
sentirem verdadeiramente como adultos, com casa própria, a constituir família, etc. – ou
mesmo até decidirem tentar a sua sorte no estrangeiro como já muitos fizeram desde
2010.
Assim, podemos afirmar que o sistema de Segurança Social vigente em Portugal assenta
num paradoxo: requer que os jovens cumpram o seu dever de contribuintes e
financiadores de um sistema do qual somente beneficiam alguns deles, enquanto
sobrecarrega as famílias portuguesas com o encargo de assegurar a segurança financeira
dos seus descendentes. Numa conjuntura de cortes nos subsídios e pensões do Estado,
de desemprego em massa e de redução dos meios financeiros à disposição das famílias
portuguesas, este modelo de “sociedade-providência” (ou “welfare family” na sua versão
inglesa) acaba também por não ser uma fonte de segurança financeira e estabilidade
para a juventude portuguesa mas sim uma fonte adicional de precarização e também,
não menos importante, de instabilidade pessoal e emocional. A falta de investimento do
Estado Português em políticas sociais de apoio aos jovens contribui, ainda, para a
continuação de desigualdades e de diferenciais de oportunidades entre jovens
provenientes de famílias com mais meios financeiros e os que não dispõem desses
meios, situação que é incompatível com uma sociedade justa e democrática46.
46 Os estágios não remunerados são um bom exemplo desta realidade. Enquanto o estágio é cada vez mais visto
como sendo essencial para o currículo de um jovem, o facto de muitos deles não serem remunerados impede
muitos jovens de os frequentar por falta de meios financeiros ou pelo menos sem um grande sacrifício pessoal e
da sua família.
Devido à enorme complexidade das questões relacionadas com os sistema da
Segurança Social, no âmbito deste documento foi apenas aconselhável e possível
abordar alguns aspetos do funcionamento do Estado Social em Portugal que afetam
diretamente os jovens, tais como a falta de políticas de juventude ou a falta de acesso a
certos direitos associados ao termo da relação laboral, como o subsídio de desemprego.
Contudo, e mais uma vez devido à imensa complexidade deste tema e aos inúmeros
relacionamentos entre os vários sistemas, subsistemas e áreas de ação abrangidas pelo
sistema de segurança social português, não nos é prudente nem fácil propor medidas
concretas de mudança do sistema atual, sem recorrer a um estudo mais aprofundado e
concreto do tema, investigação que transcende por sua vez os objetivos deste
documento. Deste modo, preferimos somente deixar algumas linhas muito gerais no
sentido da resolução de problemas específicos da condição juvenil e da promoção da
emancipação financeira e profissional dos jovens portugueses.
6.3.1. PROPOSTAS
1) Necessidade de pôr os jovens no centro das preocupações em torno do sistema de
segurança social.
a) Necessidade dos jovens e organizações de juventude consciencializarem-se
para a importância de se envolverem e serem consultados nos debates sobre as
reformas do sistema de segurança social.
b) Necessidade de um combate ao discurso do “conflito geracional” - jovens e mais
velhos têm interesses comuns na defesa do sistema de segurança social em
Portugal.
c) Necessidade de elaborar uma Política Nacional para a Juventude que tenha por
base fornecer uma estratégia de apoio consistente e eficaz aos jovens no período
de transição para uma vida autónoma.
d) Inclusão dos jovens no Conselho Económico e Social (CES) enquanto membros
de pleno Direito.
2) Maior investimento em políticas sociais, sobretudo aquelas que promovam a
emancipação dos jovens do seu núcleo familiar, principalmente nos dois primeiros
anos de vida fora de casa dos pais.
a) Criação de políticas de habitação jovem, seja pelo incentivo ao aluguer/compra
de casa através de linhas de crédito específicas, pela subsidiarização de parte do
aluguer por parte do Estado ou pelo incentivo à reabilitação de casas e/ou a
habitação comunal como previsto no programa Porta 65.
b) Promoção, por parte do Estado, de uma rede de creches e infantários que
permita aos jovens casais garantir um equilíbrio trabalho-família sem dependerem
de familiares.
3) Reformulação dos critérios de atribuição dos subsídios de desemprego aos
trabalhadores com contratos ditos “atípicos”.
4) Reformulação do sistema contributivo para que seja mais benéfico para os jovens
declararem os seus rendimentos à Segurança Social.
a) Estabelecimento de descontos por grupos etários ou criação de um regime
transitório de descontos a curto ou médio prazo para jovens trabalhadores.
5) Incentivos às empresas que criem fundos de pensões complementares à reforma;
6) Incentivos aos municípios na participação, elaboração e implementação de
políticas de apoio aos jovens;
a) Incentivar os municípios a criarem programas de apoio aos jovens da região,
com vista a retê-los na região.
b) Incentivar o desenvolvimento de políticas adaptadas ao contexto local em
coordenação com as políticas a nível nacional.
PARTE V Considerações finais
A questão referente à emancipação jovem não pode ser apenas reconduzida às
dificuldades que o mercado de trabalho apresenta aos jovens. Efetivamente, esta é
somente uma das dimensões do problema que, tal como foi referido, deve ser encarado
numa perspetiva holística, ou seja, integral. Nesse sentido, há que atender à
interdependência e complementaridade de um conjunto de políticas, nomeadamente,
no âmbito do ensino, habitação e família, relativamente ao mercado de trabalho. É a
própria natureza do problema que obriga a uma visão de conjunto e à adoção de
medidas que tenham em linha de conta todas as dimensões de modo a contribuir, de
forma efetiva, para uma emancipação plena dos jovens.
Tendo presente que as organizações internacionais têm, de resto, alertado – e
recentemente, com especial acuidade – para o problema do emprego jovem e do
trabalho digno, ao longo do presente documento procurou-se identificar e descrever um
conjunto de situações relativas ao mercado de trabalho português que afetam, de forma
particular, os jovens e, paralelamente, contribuir com um conjunto de medidas que
possam ser tomadas em consideração pelos diversos atores no processo de decisão
política. As orientações preconizadas no presente documento atendem, de forma
particular, à realidade nacional, procurando suprir algumas deficiências e carências ao
nível dos programas existentes e do próprio ordenamento jurídico. Contudo, o
diagnóstico e as propostas aqui vertidas devem ser encaradas como um complemento
das medidas sugeridas pela OIT47 no âmbito das políticas de emprego para a juventude.
As formas de inserção no mercado de trabalho são plurais e algumas delas apresentam
especificidades muito próprias. Por esse motivo, apenas, e de todo não por negação da
importância da existência de planos de ação também nessas áreas, não foram abordadas
as questões relativas nem ao empreendedorismo jovem nem ao trabalho de
investigação, nomeadamente ao trabalho desenvolvido através de bolsas de
investigação. Assim, considerou-se que o tema do empreendedorismo, ou a criação de
condições efetivas para esse desenvolvimento, na maioria das vezes relacionado com
questões de natureza empresarial, extravasa o âmbito das políticas atinentes ao mercado
de trabalho e, por essa razão, justifica uma abordagem distinta, que fica inevitavelmente
fora do âmbito deste documento. De igual modo, a temática do desenvolvimento da
atividade profissional da investigação, nomeadamente a que é desenvolvida com bolsas
de investigação, não foi igualmente abordada. A análise e eventual resolução dos
problemas inerentes à carreira de investigação extravasa uma abordagem
exclusivamente centrada em definições mais formais de mercado de trabalho. Por esse
motivo, aliado à complexidade que esta realidade profissional acarreta, esta temática fica
por agora também de fora. No entanto, tanto o empreendedorismo como a investigação
merecem uma reflexão profunda assente numa lógica que também reflita o paradigma
do “trabalho digno”.
O presente documento, procurou, assim, tratar de forma sumária, mas sistemática,
algumas das etapas cruciais para os jovens no que respeita à sua efetiva integração no
mercado de trabalho. Nas medidas respeitantes à fase inicial desse ciclo, abordadas a
propósito da transição, privilegiou-se o seu direcionamento num sentido que levasse em
consideração a realidade específica dos jovens, ao invés de abordar os jovens como
meros instrumentos de operacionalização de programadas reconversões ou
reconfigurações do mercado. Por sua vez, as propostas tratadas a propósito da
47 A título exemplificativo, sobre as medidas indicadas pela OIT, ver «The Youth Employment Crisis: A call for action»,
Resolution and conclusions of the 101st session of the International Labour Conference, Geneva, 2012, ou o
Relatório «Global Employment Trends for Youth», ILO, Geneva, 2012.
precariedade têm o seu fundamento na particular necessidade de proteção dos jovens
relativamente a este fenómeno, combinando medidas que são particularmente
orientadas para as suas necessidades com outras que, ainda que aparentem um carácter
mais genérico, atendendo ao nível de exposição dos trabalhadores mais jovens ao
problema da atipicidade e da precariedade, acabam por ter como destinatários este
conjunto de trabalhadores. O mesmo sucedeu no que se refere às condições de trabalho,
ou seja: a um conjunto de medidas especificamente vocacionadas para os jovens que
integram o mercado de trabalho somam-se outras, de carácter aparentemente mais
generalista, mas que, na realidade, acabam por dizer respeito maioritariamente aos jovens
trabalhadores. São, portanto, medidas que, além de constituírem manifestações do
“trabalho digno” de forma genérica, contribuiriam para corrigir as desigualdades (em geral
mas também e sobretudo geracionais) que decorrem das caraterísticas do mercado de
trabalho contemporâneo e do contexto histórico nacional e europeu que vivemos.
A necessidade de sensibilizar os parceiros sociais no sentido de debater esta
problemática em sede de concertação social – fazendo refletir esse debate tanto ao nível
nacional, setorial como empresarial – constituiu também uma preocupação que foi
sendo aflorada ao longo do presente documento. A promoção do emprego digno terá
necessariamente de passar pelo crivo da negociação coletiva, onde se deverá procurar
incluir as diversas temáticas relativas às condições específicas dos jovens no mercado de
trabalho, seja a nível nacional, em determinado setor ou na própria empresa.
Por isso, e ainda que pareça uma premissa básica, não é desajustado lembrar que o
trabalho não pode ser equiparado a uma mercadoria, a um serviço ou ao capital. Muitas
vezes, esse ensinamento tão essencial parece perder-se nas conceções estritamente
económicas. A relação de emprego, pela sua natureza humana, e muitas vezes pessoal,
não pode ser reconduzida a um bem transacionável, sujeito, sem mais, às flutuações da
oferta e da procura. É nesta especificidade que reside a necessidade de intervenção
pública nas relações de trabalho, tanto na sua vertente individual como coletiva. E é
também aí que essa ingerência se deve situar: na dimensão social do trabalho.
Mesmo que permeável a modificações estruturais nos modos de produção e a
flutuações do ciclo económico, é essencial que a intervenção pública nesta área traduza
a sua própria razão de ser: “a integração do conflito estrutural do sistema de produção
baseado na prestação generalizada de trabalho assalariado”48 e é, por isso, que os
mecanismos e a concretização das políticas nesta área não se podem converter num
mero instrumento de utilidade económica, alheado do seu fundamento social.
As políticas públicas na área do emprego jovem devem assentar num paradigma que
fomente essa vertente de cariz social. Importa, acima de tudo, contribuir para a
dignificação das condições de trabalho: por um lado, promover a uniformização das
relações laborais combatendo a dualização e, por outro, em situações específicas nas
quais que se justifique um tratamento distinto, contribuir, através de medidas de
discriminação positiva, para a plena integração dos jovens no mercado de trabalho.
As políticas relativas ao emprego jovem não devem, por isso, ser implementadas
sacrificando direitos e garantias que, comummente, são reconhecidas aos trabalhadores
que se encontram no mercado de trabalho há mais tempo. Pelo contrário, essa
«race-to-the bottom» deve ser evitada, promovendo-se, ao invés, o diálogo
intergeracional numa perspetiva que garanta o acesso universal ao acervo dos direitos e
garantias típicos de um Estado Social.
48 MANUEL CARLOS PALOMEQUE LOPEZ, Direito do Trabalho e Ideologia, Coimbra, 2001, p.33.
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Anexo
No decorrer do Seminário "Trabalho Digno Para Tod@s!” fomentámos a discussão entre
os jovens, patronato, decisores políticos e a sociedade em geral sobre questões
relacionadas com a necessidade da criação de trabalho digno e emprego de qualidade
para os jovens em Portugal.
Desta discussão, resultaram as seguintes reflexões:
1. Transição para o Mercado de Trabalho
• Criação da “bolsa jovem”;
• Centralização de plataformas online de procura e oferta de emprego, estágios,
voluntariado;
• Criação de regras precisas para os estágios;
• “Guia de Direitos e Deveres Laborais” vocacionada para os jovens;
• Reformulação do funcionamento dos centros de emprego;
• Reforço da inspeção laboral nesta área.
2. Precariedade e Relação com as Formas Atípicas de Trabalho e Mercado Dual
• Criação de um sistema de fiscalização e penalização para os empregadores que
não cumpram com as normas e leis;
• Deverá existir uma maior discussão sobre o tema do Trabalho Digno e Emprego
de Qualidade no seio da juventude;
• Deverão ser implementadas medidas que fomentem a produção nacional,
abrindo portas para a criação de emprego para os jovens;
• O empreendedorismo não deve ser visto como uma medida de combate à
precariedade;
• Deverá existir uma maior valorização do trabalho, independentemente das
qualificações;
• Devem ser implementadas medidas que fomentem o aumento gradual do salário
médio, tendo em conta o custo de vida;
• Os estágios profissionais deverão obrigatoriamente ser remunerados.
• Ao trabalho permanente, tem que corresponder um vínculo de trabalho efetivo.
3. Conciliação entre vida pessoal/familiar com a vida profissional
• Valorizar a pluralidade das famílias;
• Incentivar a partilha da licença de paternidade;
• Mais formação de gestores/líderes de empresas/instituições;
• Mais informação dos direitos laborais;
• Mudança de cultura organizacional em prol da
responsabilização dos trabalhadores e das trabalhadoras;
flexibilidade
e
da
• Considerar a redução progressiva da jornada de trabalho;
• Reformular o texto da proposta sobre a questão dos direitos de pais
trabalhadores com filhos até 3 anos;
• Promover a aplicação da lei atualmente existente e a sua fiscalização.
4. Regime Segurança Social – Que modelos?
• Valorizar e proteger o papel dos idosos também na promoção da emancipação
dos jovens;
• Proteger e promover a emancipação dos jovens;
• Considerar o poder local como possível resposta à questão do trabalho digno;
• Analisar o paradoxo do propósito original do sistema da Segurança Social e a sua
atual perceção;
• Analisar e rever a questão da sustentabilidade da Segurança Social e de outros
sistemas contributivos;
• Aumentar a fiscalização do Estado;
• Criação de um sistema fiscal especial como garantia de inserção do jovem no
mercado de trabalho;
• Incluir o CNJ no processo de concertação social;
• Valorização do salário para o sistema da Segurança Social;
• Aumentar a contribuição no quadro do regime de recibos verdes, para os
beneficiários da prestação de serviços;
• Majoração das reformas enquanto meio de apoio indireto aos jovens.

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