A Conceição

Transcrição

A Conceição
A Conceição:
moeda, medalha
e venera da
Padroeira de Portugal
1646 - 1996
Exemplar N.º
Separata de NVMMVS
2ª Série, Volume XXXVII, Porto, S.P.N., 2014
Sociedade Portuguesa de Numismática, Porto
Esta separata tem os textos modificados e novas fotos
Tiragem de 100 exemplares numerados e rubricados pelo autor (2015)
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
A Conceição:
moeda, medalha
e venera da
Padroeira de Portugal
1646 - 1996
PORTO • 2015
NVMMVS, 2.ª S., XXXVII, PORTO, S.P.N., 2014
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO ......................................................................................
PÁG.
9
PARTE I – A CONCEIÇÃO: FONTES DOCUMENTAIS,
ICONOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA ..........................
11
Da Restauração às Cortes de Lisboa de 1646 ...................................
11
A Conceição, moeda de um tributo nacional ......................................
14
As mais antigas crónicas da moeda da Conceição ............................
16
Os pagamentos do tributo do feudo de Portugal ................................
21
Os registos da Casa da Moeda de Lisboa ..........................................
22
Escritos numismáticos e catálogos do séc. XIX e XX .........................
23
PARTE II – UM INVENTÁRIO COLECCIONISTA
E UM ESTUDO NUMISMÁTICO .................................
60
Tipo CO 1 – A Conceição-Moeda de 1648: originais de D. João IV ...
61
Tipo CO 2 – A Conceição-Moeda: originais de D. Pedro II .................
68
Tipo CO 3 – A Conceição-Venera: réplicas de D. Pedro II ..................
69
Tipo CO 4 – A Conceição-Medalha de Oferta: originais de D. João IV.. 71
Tipo CO 5 – A Conceição-Medalha de Oferta: réplicas de D. João IV... 72
Tipo CO 6 – A Conceição-Medalha de Oferta: originais de D. Pedro II. 73
As recunhagens no reinado de D. Pedro II ....................................... 75
Os esmaltes heráldicos na numária portuguesa (séc. XVIII) ........... 76
Tipo CO 7 – A Conceição-Medalha de D. João IV: recunhagens ......... 77
Tipo CO 8 – A falsa Conceição de 1650: uma réplica moderna ........... 83
Tipo CO 9 – A Conceição de 1946: medalha comemorativa ................ 87
Tipo CO 10 – A Conceição de 1996: moeda comemorativa ................. 88
Tipo CO 11 – A conceição de 1996: medalha comemorativa ............... 89
Tipo CO 12 – Escultura múltiplo da Senhora de Vila Viçosa, 1996 ...... 89
PARTE III – CONCLUSÕES: AS DIFERENTES ÉPOCAS
DA CONCEIÇÃO, 1646 - 2046 ................................... 91
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
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RESUMO
O inventário e estudo das moedas e medalhas com a imagem da Virgem Imaculada
da Conceição de Vila Viçosa, padroeira de Portugal desde 1646, existentes em colecções públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, permitiu resolver um conflito de
opiniões sobre o estatuto e principais características dessas emblemáticas peças da
numismática portuguesa, que não foram só moedas de curso legal, mas também, veneras pendentes ao peito e medalhas de ofertas régias. O autor enumera e reproduz
na íntegra os principais documentos, crónicas e estudos publicados desde 1655, identifica as moedas e as medalhas cunhadas em nome de D. João IV e de D. Pedro II,
caracteriza as diferentes reproduções que foram feitas desde então em nome desses
dois soberanos, e revela pela primeira vez as falsas Conceição de 1650, terminando
por descrever as diferentes épocas por que passou a Conceição, desde a sua criação
até à última reprodução de 1946 e à moeda comemorativa de 1996.
PALAVRAS-CHAVE
Restauração de Portugal, A Conceição, Padroeira de Portugal, moedas e medalhas
da Conceição
ABSTRACTS
The study of the coins and medals with the image of the Virgin of the Immaculate
Conception of Vila Viçosa (Conceição), patron saint of Portugal and its overseas
dominions since 1646, from important numismatic collection in Portugal, Brazil and
elsewhere, allowed the author to solve a conflict of opinions on the status and main
characteristics of these emblematic pieces of Portuguese numismatics, that were not
only legal tender coinage, but also used as insignia and medals for royal offers. The
author lists the main documents, chronics and studies published since 1655, identifies
the coins minted in the name of kings John IV and Pedro II, and the different features
of the minted and cast reproductions that were made in the name of those two sovereigns since then, reveals for the first time ever the false Conceição dated 1650, ending by describing the different eras the coin-medal of the Immaculate Conception has
undergone, since its creation until the last replica made in 1946 as a commemorative
medal.
KEYWORDS
Restoration of Portugal, Our Lady of Conception, coins and medals of the Immaculate Conception
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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INTRODUÇÃO
Desde que apareceu ao público pela primeira vez em 1651, que esta
moeda nunca mais deixou de seduzir pelo seu ineditismo e vigor emblemático, transformando-se rapidamente numa insígnia da veneração de todo um povo à Senhora Imaculada de Vila Viçosa, a quem se
atribuía o êxito da libertação nacional do jugo espanhol.
A história da consagração de Portugal à imagem de Nossa Senhora
da Conceição de Vila Viçosa e a promessa que os senhores reis de
Portugal fizeram de defender, a todo o custo, o dogma de que a Virgem
Maria Mãe de Deus foi concebida sem pecado original, forma uma das
mais belas páginas do imaginário lusitano, que tem de ser recordado,
mesmo que sumariamente, para se poder entender a importância histórica das moedas da Conceição, cunhadas em nome de D. João IV e
de D. Pedro II, entre 1650 e 1685, e posteriormente reproduzidas em
varias épocas até 1946.
Durante mais de trezentos anos, nenhum estudioso, coleccionador,
numismata ou historiador, conseguiu explicar cabalmente as diferenças que separam as moedas originais da Conceição, das medalhas
posteriores. Tudo o que delas se sabia, para além das características
intrínsecas dos exemplares conhecidos, era o que vinha descrito na
legislação e nas crónicas, ou ilustrado nas gravuras da época, incluindo os escassos registos coevos da casa da moeda de Lisboa. Sendo
muito raros os exemplares originais, moedas e medalhas foram aparecendo misturadas nas principais colecções e catálogos numismáticos.
Dois exemplos muito actuais ilustram isso mesmo: -- no Museu do
Banco de Portugal em Lisboa figura, num painel em fotografia, uma
medalha de 1890, em vez da moeda original; -- no catálogo da colecção numismática de Carlos Marques da Costa, adquirida pelo Banco
Espirito Santo em 2008, pouco tempo antes da morte desse ilustre
coleccionador, aparece descrita como moeda original da Conceição
uma dessas réplicas do final do século XIX, não se apresentando o
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exemplar genuíno existente nessa colecção.
Um outro exemplo, bem mais sério, diz respeito aos dois exemplares
da Conceição hoje conhecidos com era de 1650, e que pertenciam até
há pouco tempo à colecção do banco Millenium BCP (uma delas vinha
da antiga colecção do banqueiro Artur Pinto de Magalhães, encontrando-se ilustrada no catálogo da colecção numismática do banco Mello.
O segundo exemplar foi leiloado em 2013 pela Numisma, juntamente
com os duplicados da colecção Millenium). São, em ambos casos,
exemplares falsos, de fábrica moderna e custa muito a entender como
é que grandes numismatas como Batalha Reis, Ferraro Vaz e outros,
não se aperceberam da sua falsidade, de tão notória que é, para quem
a tenha visto ao vivo, tocado e sentido nos dedos a sua modernidade.
Esta indefinição entre moedas e medalhas da Conceição termina
agora, como resultado do estudo e inventário que podemos fazer dos
exemplares leiloados nos últimos quarenta anos e nos existentes nas
mais importantes colecções nacionais e brasileiras. Nestas últimas,
há que fazer uma referência muito especial aos seis exemplares da
antiga colecção do comendador António Pedro de Andrade (Funchal
1839 – Rio 1921), que integra o valioso acervo numismático do Museu
Histórico Nacional. Por si só, esses seis exemplares resolveram uma
incógnita numismática que perdurou durante séculos.
O autor deseja agradecer a colaboração da anterior responsável
pelo Departamento de Numismática do Museu Histórico Nacional,
Dra. Eliane Rose Vaz Cabral Nery, cujo inestimável contributo tornou
possível este estudo. Os nossos agradecimentos vão também para
o Dr. João Ruas, bibliotecário do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, em Vila Viçosa; para a Dra. Maria Inês Cordeiro, directora da
Biblioteca Nacional, em Lisboa; para o Sr. Abel Rocha, da Fundação
Millenium BCP; e para a Sociedade Portuguesa de Numismática, na
pessoa do seu presidente da direcção, Dr. Rui Centeno, pelas facilidades prestadas no estudo de outra valiosa prova dos cunhos gravados
em nome de D. Pedro II.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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PARTE I – A CONCEIÇÃO: FONTES DOCUMENTAIS,
ICONOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA
Da Restauração às Cortes de Lisboa de 1646
No primeiro dia de Dezembro de 1640, um grupo de patriotas da
causa da independência nacional levou a cabo um levantamento contra a dominação filipina, que ficou conhecida como a Restauração de
Portugal. Duas semanas depois, o 8.º duque de Bragança era solenemente ajuramentado como D. João IV de Portugal (1604-1656), enquanto o país se preparava para o inevitável confronto armado com
os espanhóis. Uma guerra que duraria 28 anos e que se saldou por
espectaculares vitórias das armas lusas, face a um inimigo numericamente muito superior, embora desfalcado de meios e de homens
pelo seu envolvimento nos grandes conflitos europeus da época e na
repressão da revolta da Catalunha.
Desde Maio de 1644, com a retumbante vitória em terras alentejanas do Montijo, cerca de Badajoz, que se reacendeu o fervor religioso
da protecção divina à causa portuguesa, ligando a proximidade do
dia da Restauração ao dia 8 de Dezembro, da Imaculada Conceição,
cuja festa decorria na igreja de Vila Viçosa. Para esse dia 8 de Dezembro, mas de 1645, foram convocadas novas Cortes em Lisboa,
que só tiveram lugar em Janeiro do ano seguinte, durante as quais D.
João IV declarou solenemente que tomava a Virgem Nossa Senhora
da Conceição como padroeira do Reino e de todos os seus domínios,
oferecendo à igreja de Vila Viçosa, em preito de vassalagem, o tributo
anual de cinquenta cruzados de ouro, jurando ele, o príncipe herdeiro
D. Teodósio (1634-1653) e os três Estados reunidos, defender, à custa
da própria vida sendo necessário, que a Virgem Maria Mãe de Deus foi
concebida sem pecado original. Um dogma que só seria proclamado
mais de duzentos anos depois, a 8 de Dezembro de 1854 por Pio IX
(Bula “Ineffabilis Deus”).
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Uma promessa, juramento e vassalagem que seria mais tarde repetida solenemente pelo soberano, em voz alta e de joelhos, na sua
capela dos Paços da Ribeira, em Lisboa, e publicada em forma de lei
na seguinte provisão régia:
1646, Março 25 – Provisão Régia, tomando Nossa Senhora da
Conceição como Padroeira do Reino: «Dom João por graça de Deos Rey de Portugal, e dos Algarves daquém e dalém
mar em África, Senhor da Guine, e da Conquista, navegação,
e Comercio da Etiopia, Arábia, Pérsia, e da India etc. faço saber aos que esta minha provisão virem que sendo ora restituído por mercê muito particular de Deos nosso senhor, à Coroa
destes meus Reinos e senhorios de Portugal; considerando que
o Senhor Rey Dom Afonso Henriques meu progenitor e primeiro Rey deste Reyno, sendo aclamado e levantado por Rey, em
reconhecimento de tão grande mercê, de consentimento de
seus Vassalos, tomou por especial avogada sua a Virgem Mãi
de Deos Senhora nossa, e debaixo da sua Sagrada protecção
e amparo, lhe ofereceo todos seus sucessores, Reino, e vassalos com particular tributo em sinal de feudo e Vassalagem;
Desejando eu imitar seu santo zelo, e a singular piedade dos
senhores Reys meus predecessores, reconhecendo ainda em
mi avantajadas e continuas mercês e benefícios da liberal e poderosa Mãi de Deos nosso Senhor por intercessão da Virgem
nossa senhora da Concepção: estando ora juntos em Cortes
com os três Estados do Reino, lhes fiz propor a obrigação que
tínhamos de renovar e continuar essa promessa, e venerar com
muito particular afecto, e solenidade, a festa de Sua imaculada
concepção: E nelas, com parecer de todos, assentamos de tomar por padroeira de nossos Reinos e Senhorios, a Santissima
Virgem nossa Senhora da Concepção, na forma dos Breves do
Santo padre Vrbano 8.º, obrigandome a haver confirmação da
Santa See Apostólica, e lhe ofereço de novo em meu nome e do
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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Principe Dom Theodosio meu sobre todos muito amado e presado filho, e de todos meus descendentes, sucessores, Reinos,
Senhorios, e Vassalos, a sua Santa Caza da Concepção sita
em Vila Viçosa, por ser a primeira que ouve em Espanha desta
invocação, sincuenta cruzados de ouro em cada um ano em
sinal de Tributo e Vassalagem: E da mesma maneira prometemos e juramos com o Príncipe e Estados, de confessar e defender sempre (té dar a vida sendo necessário) que a Virgem,
Maria Mãi de Deos, foi concebida sem pecado original, tendo
respeito, a que a Santa Madre Igreja Romana, a quem somos
obrigados seguir e obedecer, celebra com particular ofício e festa, sua Santíssima e imaculada Concepção; salvando porem
este juramento no Cazo em que a mesma Santa Igreja resolva
o Contrario, esperando com grande confiança na infinita misericordia de Deos nosso Senhor, que por meio desta senhora
padroeira e protectora de nossos Reinos e Senhorios, de quem,
por honra nossa, nos confessamos, e reconhecemos Vassalos
e tributários, nos ampare e defenda de nossos inimigos, com
grande acrescentamentos destes Reinos, para gloria de Christo
nosso Deos, exaltação de nossa Santa See Catholica Romana,
conversão das gentes, e reducção dos hereges.
E se alguma pessoa intentar couza contra esta nossa promessa,
juramento, e vassalagem, por este mesmo efeito, sendo vassalo, o havemos por não natural, e queremos que seja logo lançado fora do Reino; E se for Rei (o que Deos não permita) haja sua
e nossa maldição, e não se conte entre nossos descendentes;
esperando que pelo mesmo Deos que nos deu o Reino e sobio
à dignidade Real, seja dela abatido e despojado. E para que,
em todo o tempo haja certeza desta nossa Eleição, promessa,
e juramento firmada e estabelecida em Cortes, mandamos fazer
dela três autos públicos, um que será logo levado à Corte de
Roma para se expedir a Confirmação da Santa See Apostólica,
e outros dous que juntos à dita Confirmação, e esta minha
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provisão se guarde no Cartório da Caza de nossa Senhora da
Concepção de Vila Viçosa, e na nossa Torre do Tombo.
Dada nesta nossa Cidade de Lisboa aos vintesinco dias do mês
de Março: Baltazar Roiz Coelho a fez, anno do nascimento de
nosso Senhor Jesu Cristo de 1646. P º Vieira da Silva a fez escrever: El Rey» 1
Como consequência deste juramento, nunca mais os reis de Portugal puseram a coroa na cabeça, que desde então aparece representada nos seus retratos régios assente ao lado sobre uma mesa. E
diz a tradição popular que Nossa Senhora passou a ser “a rainha de
Portugal”.
A Conceição, moeda de um tributo nacional
Terá sido deste preito de vassalagem que surgiu a ideia de se mandar cunhar uma moeda especial, alusiva à Senhora da Conceição,
para com ela se pagar o tributo anual de cinquenta cruzados de ouro
(24$000 réis).
Apesar de não existirem registos que nos orientem sobre as medidas
preliminares então tomadas, com vista à preparação dessa cunhagem
tão especial, concretizada em Dezembro de 1650, um olhar atento sobre as moedas portuguesas de ouro e de prata da época, fabricadas “a
martelo”, com o seu pobre desenho e pior acabamento, diz-nos que o
rei de Portugal não dispunha de gravadores habilidosos e experientes,
que abrissem os ferros necessários para uma gravura artística com a
imagem da Senhora, nem maquinaria própria para cunhar tão grande
e espessa moeda, além da força dos braços dos moedeiros.
No estrangeiro, particularmente nos estados da Alemanha, amoedações com grandes módulos, superiores a 44 mm e artísticas gravuras,
fruto de um florescente desenvolvimento das artes do Renascimento
(os famosos taler de prata), eram correntes durante todo o século XVI.
1 NEVES, Pe. Moreira das - Nossa Senhora da Conceição na Restauração de Portugal. Revista
dos Centenários. 19-20 (1940) 2-9. (http://hemerotecadigital.cmlisboa.pt/obras. Acesso em 20
de Maio de 2012)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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Já então essas moedas eram cunhadas por processos mecânicos, cujo
aperfeiçoamento resultaria na invenção do balancé de parafuso, cerca
de 1550, juntamente com o laminador de metal e o saca-bocados dos
discos a cunhar. O seu uso generalizou-se depois por toda a Europa
(primeiro na França, desde 1641; na Grã-Bretanha, desde 1652 e no
mesmo ano chegou aos estados Americanos), não sem antes ter sido
travada uma batalha com os moedeiros tradicionais, que viam os seus
postos de trabalho ameaçados pela nova máquina.
Sabe-se que um engenho desses, provavelmente um balancé de
média dimensão (com uma potência média de 10 toneladas de força), com os seus dois braços terminados em bolas de chumbo, foi
encomendado em França, juntamente com um cunho apenas, com a
imagem da Senhora da Conceição, tendo chegado a Lisboa em final
de 1649. Foi seu portador António Routier, conforme os documentos
que serão transcritos mais adiante.
Tudo indica que esse cunho francês da face alusiva e comemorativa
da Virgem Imaculada da Conceição, foi inspirado em desenhos feitos
em Portugal, neles constando uma complexa teia de atributos dos mistérios marianos e a era de 1648, do ano em que foram gravados.
Os trabalhos de montagem e treino dos moedeiros na nova arte de
cunhar decorreram na Casa da Moeda de Lisboa por todo o ano de
1650, até à aprovação das amostras das moedas de ouro e de prata
enviadas ao rei e ao conselho da Fazenda, como era hábito fazer e
ainda hoje se pratica. Os trabalhos feitos terão envolvido, não só a
prática da estampagem mecânica, mas também o ensaio da melhor
qualidade dos discos metálicos a submeter ao cunho, seu diâmetro
e peso, para um bom enchimento das gravuras. Só depois de se ter
fixado o peso das moedas de ouro e de prata é que era possível atribuir-se-lhes um valor monetário, e não deixa de ser significativo que
a moeda da Conceição tenha acabado por ter um peso de prata e um
módulo rigorosamente conformes ao padrão dos “reales de A ocho”
hispano-americanos, já então de grande circulação (peso de 28 g; módulo de 41 mm).
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
A sua cunhagem regular teve início em Dezembro desse ano, muito
embora nessa ocasião com o fim específico de cumprir o pagamento
do tributo anual, devido no dia da Senhora da Conceição, ou para algumas ofertas reais.
Mais um ano passa e, em Outubro de 1651, em data próxima da
festa da Conceição, e já depois das últimas alterações no valor da
prata e do ouro, é promulgada a lei que dá curso legal à moeda com
a imagem da Padroeira de Portugal, a primeira com inegável carácter
comemorativo e também, a primeira a seguir a tendência artística dos
grandes dólares e escudos de prata europeus, ou seja, uma moeda
desenhada e cunhada com técnicas de medalha.
Daqui para diante, os registos oficiais são omissos e tudo o que dela
se sabe é o que rezam as crónicas.
As mais antigas crónicas da moeda da Conceição
A mais antiga narrativa destas moedas remonta ao ano de 1655, ou
seja, é contemporânea da sua cunhagem e lançamento em circulação,
nela se incluindo uma gravura completa do seu desenho, onde se notam as principais características do cunho original do anverso (escudo
nacional): -- bordadura dos castelos em campo liso; -- legenda titular
terminada em REX •, com ponto centrado na linha (fig. 1).
1655 – Notícias de Portugal, Manuel Severim de Faria: «Demos
felice remate a esta matéria com a insigne Moeda, que Sua Majestade mandou lavrar, depois que fez tributário o Reino de Portugal à Igreja da Conceição de Nossa Senhora da Conceição de
Vilaviçosa; mandou lavrar huma Moeda grande de prata de maior
circunferência, que os Cruzados de prata, que de huma parte tem
a Imagem de Nossa Senhora da Conceição, com os pés na meialua sob o globo; e de uma, e outra parte o Sol, e outros atributos
metaphoricos, porque é invocada da Igreja, como são o Sol, o Espelho, o Horto concluso, a Casa do ouro, a Fonte selada, a Arca
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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FIG. 1 - Desenho da moeda da Conceição original, publicado em 1655
por Severim de Faria. Note-se, no anverso, a bordadura dos castelos lisa
e o ponto final centrado na legenda
do Santuário, e as letras: Tutelaris Regni; e da outra as Armas
Reais, com Coroa cerrada postas no meio da Cruz da Ordem de
Cristo; e as letras: Ioannes Quartus D.G. Portugalliae, & Algarbiae Rex. Pesa esta Moeda 450 reis: outra mandou lavrar de ouro
com a mesma escultura, e letra, de valor de 12U000 reis» 2
Esta descrição foi depois reproduzida no tomo IV na conhecida obra
sobre a História Genealógica da Casa Real Portuguesa, juntamente
com a respectiva gravura, mas então na secção dedicada às medalhas, onde se acrescenta:
1738 – História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António
Caetano de Sousa: «Esta Medalha mandou bater ElRey D. João
IV de ouro, e prata, em louvor do Sagrado Mystério da puríssima
Conceição da Virgem Santíssima, de que foi cordialíssimo devoto, nela se vê a Imagem da Senhora com a letra: Tutelaris Regni;
e no reverso as Armas Reais com a Inscrição seguinte: Joannes
IV. D.G.Portugaliae & Algarbiae Rex. Mandou ElRey por uma Lei,
que corresse as de ouro por doze mil reis, e as de prata por seis
2 FARIA, Manuel Severim de - Notícias de Portugal, discurso IV: «Sobre as Moedas de Portugal», §. 34, p. 191, Lisboa: 1755. (http://www.archive.org/details/noticiasdeportug00fari>.
Acedido em 20 de Maio de 2012). De notar a incorrecção no valor da moeda de prata, que é
de 600 réis
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
tostoens; huma, e outra se conservão em poder de alguns curiosos, que vimos.» 3
Ao catalogar a moeda da Conceição como medalha, com a respectiva gravura da moeda original relegada para a secção das medalhas
(estampa EE), este autor lançou definitivamente a confusão, que se irá
prolongar pelos próximos séculos.
Outro importante cronista dessa época descreve a moeda da Conceição com mais pormenores sobre a sua utilização como moeda e
como venera, aspectos que são para nós de maior valia:
1745 – Mapa de Portugal, João Bautista de Castro: «Conceição.
Esta moeda mandou lavrar D. João IV em ouro, e em prata no
ano de 1648. A de ouro valia doze mil réis: tinha de huma parte a efígie da Senhora da Conceição com três símbolos deste
Mystérios de cada parte, e em círculo as letras Tutelaris Regni:
da outra parte estavam as Armas Reais no meio de huma cruz da
Ordem de Christo e na cercadura: Joannes III. D. G. Portugaliae
et Algarbiae Rex. A de prata tinha o mesmo cunho, mas era de
maior diametro, que os cruzados novos, e corria com o valor de
seiscentos reis.
A origem, que houve para se cunhar esta moeda, foy assim:
= Depois que o felicissimo Rey D. João IV fez tributario o Reino de
Portugal à Conceição da Senhora em cincoenta cruzados de ouro
cada anno, applicados para a sua Real Capella de Vila Viçosa,
jurando, e tomando neste Mysterio a Senhora por Protectora do
Reino em Cortes do anno de 1646 tratou logo de lhe pagar o
tributo em moeda especial, e para isso mandou abrir a França
hum cunho da forma, que temos dito, o qual trouxe, e fez António
Ruiter, a quem se deu tres mil reis, que dispendeo com a abertura
do ferro, como consta do liv. 1 do registo da Casa da Moeda, pag
256 vers. donde inferimos, que o primeiro ano, que El-Rey fez a
3 SOUSA, António Caetano de - História Geneológica da Casa Real Portuguesa, tomo IV, cap.
VII «Índex de todas as Moedas e Medalhas», p. 322, fol. EE – fig. 1, Lisboa: 1738. (http://purl.
pt/776. Acedido em 20 de Maio de 2012)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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sobredita oferta, foi no ano de 1648, por ser este ano o que se
vê expresso na sobredita moeda, a qual desde o ano de 1651
principiou a ser moeda corrente, pela ley que sahiu para isso. E
sem embargo de que no tom. 4 da Historia Genealogica da Casa
Real pag. 287 se diga, que humas, e outras moedas corrião com
o pezo de uma onça, foi equivocação; porque na mesma ley, que
vem no dito tomo a pag. 359 se vê, que as de ouro corrião com
o peso de doze oitavas, e valião por doze mil reis; e as de prata
com o peso de uma onça e corrião por seis tostões: e peso de
doze oitavas he onça e meya.
= ElRey D. Affonso VI continuou também a mandar lavrar as sobreditas moedas em todo o tempo do seu governo, e da mesma
sorte ElRey D.Pedro II. e nesta moeda se fazia a offerta de vinte
e quatro mil reis no dia da festa da Conceição, em cujo dia trazem pendente ao pescoço os tres Officiaes, que administrão a
Casa da Senhora, huma das taes moedas. No anno porém de
1685 teve fim a fabrica destas moedas, porque desde então nunca mais se lavrarão, entregando-se os referidos vinte e quatro mil
reis em outra qualquer moeda para a despesa da festa de Villa
Viçosa.» 4
Sendo o tributo anual a pagar de 50 cruzados de ouro, ou seja, no
valor de 24$000 réis (50x440 réis cada cruzado), tal equivalia, na época, à entrega de 2 moedas de ouro (12$000 réis cada) ou 40 moedas
de prata da Conceição (600 réis cada), à igreja da Conceição de Vila
Viçosa, no dia 8 de Dezembro, da sua festa.
Esta descrição enferma de vários erros de leitura e de interpretação
dos textos registados nos livros da casa da moeda, os quais, como se
verá mais abaixo, não permitem concluir que os cunhos gravados em
França sejam da autoria de António Routier, que terá sido apenas o
agente encarregado de adquirir a nova máquina de cunhar (balancé
4 CASTRO; João Baptista de - Mappa de Portugal, Antigo e Moderno, tomo I, parte 1.ª, cap.
XII «Das Moedas», p. 181, 2.ª edição, Lisboa: 1762. (http://purl.pt/436. Acedido em 20 de
Maio de 2012)
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
de parafuso) e o respectivos cunho gravado, e de a transportar até
Lisboa, certamente por via marítima, dado o estado de guerra com
Espanha.
Como bem notou Teixeira de Aragão, o ano de 1648 não corresponde ao do início da cunhagem destas moedas, mas sim, ao da abertura
dos cunhos pelo gravador francês, de cujo nome não reza a história, e
que pelo seu excelente trabalho recebeu a paga de três mil réis.
A importância do ano de 1685, da cessação da amoedação
Segundo este cronista, o pagamento deste tributo à Padroeira do
Reino, na sua moeda evocativa e comemorativa, continuou até ao ano
de 1685, quando a cunhagem terá sido suspensa, sem dúvida como
resultado das perturbações monetárias desse período, que culminaram com a grande reforma da casa da moeda de 1686 e no levantamento do valor do ouro e da prata portuguesa amoedada, decretado
em 1688.
Esta referência ao ano de 1685 assume especial importância na credibilização das cunhagens feitas em nome de D. Pedro II (rei desde
1668) e durante o seu reinado, inicialmente do mesmo tipo joanino, e
mais tarde com cunhos renovados, aptos a serem batidos na “fábrica
nova” instalada em Lisboa desde o ano de 1678, com recurso a novos
balancés de cunhar de parafuso e à inovação da virola, uma argola de
contenção da expansão do metal e que permitia ser gravada interiormente, formando belos desenhos no bordo das moedas.
A venera-insígnia da Confraria dos Escravos da Conceição
Outra importante referência que ali se faz, diz respeito ao uso destas
moedas como veneras, ou insígnias pendentes de fitas ao pescoço
dos três oficiais da Confraria dos Escravos da Conceição, uma congregação religiosa cuja fundação foi confirmada por D. Pedro II em
1694. Ou seja, o início do seu uso como venera é muito posterior à
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
21
época da sua cunhagem e circulação como moeda (1651-1685), o que
pode explicar a existência de cópias fundidas das moedas originais,
para servirem de insígnia da Confraria, no dia da festa da Conceição.
Os pagamentos do tributo do feudo de Portugal
Por outros registos sabe-se que o tributo à imagem da padroeira
de Portugal foi pontualmente pago até 1807, tendo cessado com a
invasão francesa e desde então não foi renovado, conforme as informações recolhidas por Alberto Pimentel:
1899 – O Culto de Nossa Senhora em Portugal, Alberto Pimentel:
«No arquivo da Regia Confraria de Nossa Senhora da Conceição
de Vila Viçosa faltam alguns livros de contas de anos remotos;
contudo, dos que existem pode concluir-se que o feudo que Sua
Magestade El-Rei o Senhor D. João 4º se obrigou a pagar anualmente, segundo a provisão de 25 de Março de 1646, à Casa de
N. S. da Conceição de Vila Viçosa, foi efectivamente satisfeito
até ao ano de 1739 na razão de 20$000 réis anuais; que de 1740
em diante esta quantia variou, sendo nuns anos de 37$500 réis,
noutros de 35$720 réis e ainda noutros de 31$800 réis, não constando o motivo destas alterações. Os últimos anos pagos foram
os de 1803 e 1804, lançados nas contas de 1807, ocasionando
naturalmente a cessação do pagamento a invasão francesa, que
se deu nesse ano.
Em alguns dos anos acha-se assim descrita a verba da receita:
“Do feudo que Sua Magestade El Rei o Senhor D. João 4º se obrigou a pagar não só por si, mas por todos os seus descendentes,
em acção de graças pela restauração do Reino”. De 1807 para cá
não há notícia de que à Régia Confraria tenha sido pago aquele
feudo.» 5
5 PIMENTEL, Alberto - História do Culto de Nossa Senhora em Portugal, Lisboa: 1899, cap.
VIII, nota p. 279. (http://www.archive.org/details/historiadocultod00pime. Acesso em 20 de
Maio de 2012)
22
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Os registos da Casa da Moeda de Lisboa
São escassos, mas importantes, os despachos, ordens e alvarás
que a esta moeda dizem respeito, todos eles publicados em 1877 na
conhecida obra Descrição Geral e Histórica das Moedas do Dr. Augusto Carlos Teixeira de Aragão, de quem também falaremos mais
abaixo:
1649, Dezembro 3 – Despacho sobre a máquina que veio de França:
«Diz Gaspar Pacheco, Juiz e Tesoureiro da caza da moeda desta
cidade, que lhe é necessário um despacho para que na dita caza
se Receba o engenho que Troise António Routier de França Para
a fabrica da dita caza, e que todas as despezas e custos que fizer
com o dito engenho lhe façam as despezas com os Escrivães da
caza, os quais lhes levaram os contadores em conta. E acim Mais
tres mil reis que gastou em mandar Abrir hum ferro para A imagem da nossa senhora da concepção. E.R.M. Gaspar Pacheco.
-- Despacho – O suplicante trate de recolher este engenho, e os
escrivães façam a despeza na forma que pede, e das ordens se
Sua Mgde. em Lix.ª a tres de dezembro de 1649. Com tres rubricas dos ministros do conselho da fazenda.» 6
1650, Dezembro 5 – Ordem de cunhagem das moedas da
Conceição: «Por quanto Sua Majestade foi servido mandar que
se lavrassem moedas de ouro e prata com a imagem santa da virgem santíssima nossa senhora da conceipção, feitas no engenho
que veio de frança; o juiz da moeda faça lavrar logo as ditas moedas, na forma e maneira que já se lavravão asin de ouro como
de prata, procurando se lavrem e fação algumas, as mais que
ser possa, athé oito deste mês de Dezembro, dia de conceipção,
para o que se lhe passará Alvará. Lix.ª 5 de dezembro de 650.
A coal ordem tem coatro rublicas dos menistros do conselho da
6 ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de - Descrição Geral e Histórica das Moedas..., Lisboa:
Imprensa Nacional, tomo II, 1877, p. 17, nota 4. Arquivo da casa da moeda de Lisboa, registo
geral, livro I, folha 256 v.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
23
fazenda.» 7
1651, Outubro 9 – Alvará que determina o curso legal das moedas da Conceição: «Eu ElRey faço saber aos que este Alvará
virem que Eu hei por bem e me praz que as moedas de imagem
de nossa senhora da conceipão, que ora houve por meu serviço
mandar se lavrassem, tenham de valor extrínseco as que forem
de ouro doze mil réis, tendo de peso doze oitavas e as que forem
de prata seis tostões, pondo-se pelo molde mais grosso, e tendo
cada uma de peso uma onça e que nesta forma poção correr
em meus Reinos e senhorios, como a mais moeda usual, vista a
informação do juiz e tesoureiro da casa da moeda desta cidade;
pelo que mando aos vedores de minha fazenda que na forma
acima dita fação cumprir a guardar o contheudo neste Alvará,
paçando para ese efeito as ordens que necessárias forem, com
todas as clausulas, condissois, pennas e obrigaçois, como se de
cada uma delas se fizera expreça menção e declaração. As quais
hei aqui por expreças e declaradas, e para melhor cumprimento
deste se farão publicar em minha chancelaria e registar nos livros
das casas da moeda, para a todo tempo se saber de como assim
o hei por bem, o qual quero que valha, tenha força e vigor, posto
que o seu efeito dure mais de um ano, sem embargo da ordenação do liv.º 2.º tít. 40 em contrario. Luís da costa correia o fez
em Lix.ª nove de outubro de seis centos sincoenta e hum annos.
E eu francisco guedes pereira o fiz escrever. Rei. o Conde de
Cantanhede.» 8
Escritos numismáticos e catálogos dos séculos XIX e XX
Para se evitarem repetições, transcrevemos apenas os comentários
ou outras novidades que sobre estas moedas e medalhas da Concei7 Idem, ibidem, p. 280, documento n.º 139. Arquivo da casa da moeda de Lisboa, registo geral,
livro I, folha 258.
8 Idem, ibidem, p.282, documento n.º 142. Arquivo da casa da moeda de Lisboa, registo geral,
livro I, folha 258 v.
24
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
FIG. 2 – Desenho de uma medalha da Conceição, publicado em 1857
por Lopes Fernandes. É uma prova documental de que o novo anverso,
com a bordadura dos castelos estriada, foi gravado muito antes
das recunhagens de 1890.
ção fizeram eco os principais escritores e historiadores numismatas
portugueses.
1857 – Memória das Moedas, Lopes Fernandes: «D. JOÃO IV MOEDAS DA CONCEIÇÃO – Ouro de 22 quilates, pesava a de
ouro 12 oitavas e a de prata, com igual cunho, pesava uma onça,
reputando o marco de ouro por 64000 réis, e o de prata 4800
réis.
Pela carta Régia remetida à Câmara do Porto, datada de 25 de
Março de 1646, lhe participou ElRei, que havia feito em Cortes
a escolha da Nossa Senhora da Conceição para Padroeira do
Reino. No registo da Casa da Moeda, Livro I, Pág. 256 v., consta
que António Routier trouxe de França um engenho com o qual
se lavrou em 1648 na Casa da Moeda de Lisboa as medalhas
de ouro e prata (sic), com tipos iguais, com a efígie da mesma
Senhora; as quais depois ordenou que corressem como moedas,
as de ouro por 12000 réis, e as de prata por 600 réis, como consta do Alvará de 9 de Outubro de 1651. No reinado de D. Pedro II
se reproduziu esta moeda com as legendas do Sr. D. João IV.»
= «D. PEDRO II – MOEDA DA CONCEIÇÃO – Na Casa da Moeda
de Lisboa existem uns cunhos da Moeda da Conceição em tudo
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
25
FIG. 3 – Excelente desenho da moeda original da Conceição,
publicado em 1861 por Lopes Fernandes no seu catálogo
das medalhas portuguesas
semelhantes à que lavrou o Sr. D. João IV, porém com a legenda
do nome do Sr. D. Pedro II. Talvez fosse medalha e não dinheiro,
porque não aparece a Lei que a mandasse cunhar.
Também ali existem uns cunhos dos Portuguezes de Ouro do Sr.
D. Manuel, conhecendo-se perfeitamente que foram moedas reproduzidas, porque a fabrica e letras das legendas são do mesmo
caracter das moedas lavradas pelo Sr. D. Pedro II ou pelo Sr. D
João V.» 9
Com este autor dá-se um fenómeno curioso e bem sintomático da
confusão reinante entre moedas e medalhas da Conceição: -- nesta
obra de 1857, dedicada às moedas portuguesas, Lopes Fernandes
reproduz o desenho de uma medalha (do tipo com a bordadura dos
castelos estriada - fig. 2); -- e, na obra de 1861, sobre as medalhas
portuguesas, reproduz o tipo da moeda original joanina (do tipo com a
bordadura dos castelos lisa, e legenda do anverso terminada em REX
•, com ponto centrado), a que chama de “medalha” (fig. 3).
No entanto, a Memória de 1857 é uma obra preciosa pelo que revela, que a medalha da Conceição já existia muito antes das recunhagens de 1890. Ou seja, estas recunhagens tardias mais não fizeram
9 FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes - Memória das moedas correntes em Portugal...,
Lisboa: Academia Real das Ciências, 1857, pp. 183 e 229.
26
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
que continuar uma tradição que vinha do passado.
Infelizmente, Lopes Fernandes era também o autor mais citado por
todos os leiloeiros nacionais e internacionais, que mais não fizeram
que seguir a sua orientação, catalogando as medalhas como moedas,
e as moedas originais como medalhas.
1861 – Memória das Medalhas, Lopes Fernandes: «Conceição de
ouro e de prata, n.º 15 – Estas medalhas são excessivamente
raras, e as que temos visto cunhadas são as reproduzidas na
casa da moeda de Lisboa no tempo do Senhor D. Pedro II, e
vem estampadas na Historia Genealógica da Casa Real, Tomo
IV, Taboa EE, Fig.1.»
= «Medalhas das ofertas – Desde o tempo do Senhor D. João
IV que os nossos Reis costumam oferecer umas medalhas em alguns dias festivos na capela Real, guardando-as depois e dando
em seu lugar, em alguns desses dias, certas quantias em dinheiro
(6 de Janeiro; 24 de Março; 10 de Outubro). Em 8 de Dezembro,
dia de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira do Reino. (...)
Na catedral da Sé de Lisboa se guardam vários exemplares de
duas qualidades destas medalhas que servem nas ofertas, são
de prata, e outras de cobre dourado. Umas de prata fundida, em
tudo semelhante às medalhas de Nossa Senhora da Conceição
do tempo de D. João IV, já descritas nesta Memória, e as outras
com um anjo e uma cruz no reverso.» 10
A gravura reproduzida (fig. 3) representa o desenho do modelo original da moeda da Conceição, como já se disse, mas é aí apresentada
como sendo a medalha da Conceição, internacionalmente conhecida
como “LF 15”. A referência às medalhas “que temos visto cunhadas
são as reproduzidas na casa da moeda de Lisboa no tempo do Senhor
D. Pedro II”, aumenta mais ainda a confusão: serão as que têm a bordadura dos castelos lisa, ou estriada?
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FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes - Memória das medalhas e condecorações
portuguesas..., Lisboa: Academia Real das Ciências, 1861, pp. 13 e 28, estampa 5 n.º 15
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
27
É possível e natural que tenha havido cunhagens deste primeiro modelo no reinado de D. Pedro II, com recurso aos cunhos originais, mas
a evidência numismática da colecção do MHN e do museu da SPN
mostra que também houve abertura de novos cunhos em nome de
D. Pedro II, de que se conhecem dois tipos muito diferentes: 1- com
a bordadura dos castelos do escudo, em campo liso; 2- com a bordadura dos castelos tracejada. Mais adiante apresentamos a separação
destes dois tipos.
A referência às medalhas de oferta da Conceição, de D. João IV, de
prata fundida, é importante e vem resolver uma incógnita que pairava
sobre dois exemplares com essas características, da colecção António
Pedro de Andrade, do MHN, ilustrados na segunda parte deste trabalho.
1872 – Diccionário de Numismática, Amaral do Toro: «CONCEIÇÃO
- Não conhecemos nenhum exemplar da medalha de ouro; e o
que damos gravura é de prata de 916 milésimas, e pertence à
colecção do Sr. Comendador Eduardo Ferreira Carmo». 11
A gravura publicada reproduz o desenho de uma moeda original de
D. João IV.
1874 – Descrição Geral e Histórica das Moedas, Teixeira de Aragão (tomo I): «NOTÍCIA SOBRE AS CASAS DE MOEDA PORTUGUEZAS – N´um gabinete sujo e acanhado, junto à entrada
d´estas oficinas (casa da moeda na rua de S. Paulo, em Lisboa),
existem, dispostos chronologicamente nas vitrines, a maior parte
dos cunhos e ponções de moedas e medalhas abertas em Portugal desde o reinado de D. João V. Como excepção apenas se
conserva de epocha anterior o cunho que D. Pedro II mandou
11 TORO, José B. Amaral do - Diccionário da Numismática Portuguesa, Porto: 1872, p. 39. A
gravura mencionada é do tipo original joanino. Ver DIAS, Pedro Augusto – Catálogo da collecção de moedas e medalhas portuguezas e outras pertencentes a Eduardo Luiz Ferreira Carmo.
Porto: 1877. Conceição n.º 357 (mod. e peso n/d).
28
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
FIG. 4 - Desenho da moeda original publicado em 1877 por Teixeira de Aragão
reproduzir para a medalha da Conceição.
O do portuguez em ouro de D, Manuel, de que existe uma prova
na colecção numismática do mesmo estabelecimento, é obra moderna (5 exemplares cunhados em 1718 e outros tantos em 1723
e em 1837, nota n.º 2).» (p. 67)
= «A Antonio Ruiter, que dissemos a pag. 61 haver trazido de
França um engenho para a cunhagem da moeda, se atribui a
abrição dos cunhos para a medalha da Conceição; não achamos indicio algum que o confirme; na medalha acha-se inscripto
o anno de 1648, o despacho para se receber o engenho é de
3 de Dezembro de 1649, e por isso consideramos Ruiter o machinista que veio incumbido de assentar e ensinar a funcionar o
engenho.» 12
1877 – Descrição Geral e Histórica das Moedas, Teixeira de
Aragão (tomo II): «D. JOÃO IV – As moedas com a imagem de
Nossa Senhora da Conceição (estampa XXX, n.º 13), têm gravado 1648, ano em que foram abertos os ferros, pois só a 3 de
Dezembro de 1649 o Conselho da Fazenda autorizou a Casa
da Moeda a receber o engenho vindo de França, em que depois
as cunhou. As moedas de oiro e prata com a dita imagem de
Nossa Senhora da Conceição foram mandadas lavrar, por ordem
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ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de - Descrição Geral e Histórica das Moedas..., op cit,
tomo I, Lisboa: 1874, p. 91
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
29
do Conselho da Fazenda, em 5 de Dezembro de 1650, dizendo:
faça lavrar logo as ditas moedas, na forma e maneira que já se
lavraram, assim de oiro como de prata. Poucos deviam ser os
exemplares cunhados neste ano de 1650; provavelmente alguns
ensaios, distribuídos como medalhas; pois só a 9 de Outubro de
1651 se decretou o seu valor monetário, sendo 12$000 réis para
as de ouro e 600 réis para as de prata.»
= «D. PEDRO II – D. Pedro II mandou reproduzir como medalha, provavelmente pelo abridor Roque Francisco (nomeado em
1681), a moeda da Conceição, conservando-lhe o tipo do cunho
primitivo, mas muito mais perfeito, o qual se acha arquivado na
Casa da Moeda. Não existe a mais insignificante notícia desta
reprodução se haver feito correr como dinheiro; mesmo a que
se lavrou no reinado de D. João IV esteve pouco tempo em circulação: assim se deduz das leis posteriores que aumentaram
o valor à moeda de prata, onde, citando-se todas as nacionais
da fábrica antiga e nova, nenhuma alusão se faz às moedas da
Conceição de ouro ou prata, o que nos convence haverem-se
cunhado poucas e essas conservarem-se em poder de particulares como curiosidade ou devoção.» 13
A gravura reproduzida na estampa XXX, n.º 13, mostra a moeda do
tipo original joanino, muito embora o artista não tivesse reproduzido
a haste superior da cruz de Cristo no segundo plano por debaixo da
coroa, e todo o seu debuxo seja de má qualidade.
Este autor teve uma influência directa e negativa no aparecimento
das falsas réplicas da Conceição com a era de 1650, ao afirmar que:
«Poucos deviam ser os exemplares cunhados neste ano de 1650; provavelmente alguns ensaios, distribuídos como medalhas». A eles voltaremos em devido tempo.
Os cunhos referenciados, tanto por Lopes Fernandes, como por Teixeira de Aragão, permanecem no arquivo da casa da moeda de Lis���������
Idem, ibidem, tomo II, Lisboa: 1877, pp. 17 e 66, estampa XXX n.º 13
30
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
boa, tendo sido inventariados em 1960, como segue:
1960 – Catálogo Geral dos Cunhos, Casa da Moeda de Lisboa:
«MEDALHAS – Comemorativas da Consagração de N.ª S.ª da
Conceição, como Padroeira de Portugal.
N.º 1 – 1648. Cunho-reverso. TVTELARIS REGNI. Imagem de
N.ª S.ª da Conceição sobre o globo, que tem a serpente enroscada e a data de 1648, e em cima a meia lua; à direita o sol, a casa
de ouro e o horto, e à esquerda o espelho, a arca do santuário e
a fonte selada. Lopes Fernandes n.º 15.
N.º 2 – S/data. Cunho-anverso. IOANNES • IIII • D •· G •
PORTUGALIAE • ET ·• ALGARBIAE • REX . Armas do reino assentes sobre a Cruz da ordem de Cristo. Lopes Fernandes n.º
15.
N.º 3 – S/data. Cunho-anverso. • PETRVS • II • D • G •
PORTUGALIAE • ET • ALGARBIAE • REX . Armas do reino assentes na Cruz da ordem de Cristo» 14
Tivemos a oportunidade de ver estes cunhos e não temos dúvidas
de que os cunhos 1 e 2 foram os utilizados nas recunhagens de 1890.
Teremos ocasião de ver mais adiante que o cunho 2 (em nome de
João IV), com a bordadura dos castelos estriada, terá sido aberto no
reinado do rei Magnânimo, cerca de 1720; e que o cunho 3 (em nome
de Pedro II), foi utilizado nas réplicas da Conceição fabricadas no reinado desse soberano.
Quanto ao cunho 1, da imagem da Senhora, com a linha de fractura
atravessando toda a parte inferior, permanece a dúvida: será o cunho
original gravado em França, ou um novo cunho aberto já em Lisboa?
A evidência numismática que apresentamos permite responder a essa
questão, é de facto o cunho original de 1648.
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CASA DA MOEDA - Catálogo Geral de Modelos, Punções, Matrizes, Cunhos, Galvanos e
Clichés, que serviram ao fabrico de: moedas, medalhas, títulos, valores selados, fórmulas de
franquia e outros trabalhos, Lisboa: Casa da Moeda, 1960, p. 155. O seu autor foi o guarda do
Museu Numismático, Avelino Dias Peixoto.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
31
De notar que o autor deste catálogo (Avelino Dias Peixoto, guarda
do Museu Numismático Português, com quem ainda privei), colocou,
na descrição tipográfica desse cunho 3, um ponto centrado antes e
depois do nome do rei, • PETRVS • II, em vez de
PETRVS •
II, omitindo os quadrifólios com âmago, que aparecem em todos os
exemplares conhecidos deste soberano, para preencher os espaços
vagos pela menor dimensão do seu nome, como veremos na segunda
parte.
1897 – Colecção Numismática, Medalhas e Condecorações Portuguesas, Alexandre dos Santos Leitão.
Uma das colecções de referência do século XIX, que deixou o registo de um ensaio de estanho bifacial de uma Conceição de João IV.
Seria uma prova das recunhagens como medalha. 15
1916 – Medalhas Portuguesas, Arthur Lamas: «A respeito desta
moeda (da Conceição) sabe-se o seguinte: os cunhos estão datados de 1648; a 3 de Dezembro de 1649, autorizou-se a Casa da
moeda de Lisboa a receber um engenho, trazido de França por
António Routier, no qual se supõe que ela se cunhou; na gravura
de um ferro para a Imagem da Virgem gastaram-se três mil réis;
por Aviso do Conselho da Fazenda, de 5 de Dezembro de 1650
mandaram-se cunhar alguns exemplares, de ouro e de prata, o
maior número possível, depreendendo-se do referido Aviso que
outros exemplares haviam sido anteriormente cunhados; e por
Decreto de 9 de Outubro de 1651 ordenou-se que ela corresse
como moeda, valendo cada exemplar de ouro, 12$000 réis, e de
prata 600 réis. Consta, além disto, que a cunhagem da mesma
moeda se continuou durante os reinados de D. Afonso VI e de D.
Pedro II, e que este ultimo mandou reformar os cunhos, provavelmente pelo abridor Roque Francisco.» 16
15 LEITÃO, Alexandre José dos Santos – Collecção Numismatica. Medalhas e condecorações
portuguesas e estrangeiras referentes a Portugal. Porto: Typographia Central, 1897
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LAMAS, Arthur - Medalhas portuguesas e estrangeiras referentes a Portugal, parte I: me-
32
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Nesta síntese, de admirável rigor e precisão, o autor consultou as
obras e os autores atrás mencionados. A dedução de que alguns
exemplares haviam sido anteriormente cunhados (ao Aviso de 1650),
tem de ser enquadrada no processo de fabrico normal de uma oficina
monetária, com as suas regras próprias, que incluíam a prévia aprovação pelo monarca e pelo conselho da fazenda, de amostras das
várias espécies cunhadas de novo (ou seja, pela primeira vez). Um
procedimento abundantemente documentado ao longo de séculos nos
registos da casa da moeda de Lisboa.
Novamente, a pequena referência à reforma dos cunhos por D. Pedro
II, só agora faz sentido: -- esses cunhos reformados existiram mesmo,
do anverso e também do reverso, plasmados que ficaram numa medalha de prata da colecção António Pedro de Andrade, como veremos
adiante. Mas os cunhos de aço reformados desapareceram, não são
os que estão guardados no arquivo da Casa da Moeda.
1909/1927 – Os leilões Jacques Schulman, de Amesterdão 17
São vários os exemplares da Conceição, originais, recunhagens e
ensaios destas últimas, que foram aparecendo desde finais do século
XIX nas grandes casas leiloeiras europeias. Depois de vendidos, terão integrado colecções públicas e privadas, alguns teriam regressado
à praça dez, vinte ou trinta anos mais tarde, em leilões da primeira
metade do século XX, e novamente, passados outros tantos anos, regressado à praça, fazendo então parte dos catálogos publicados mais
recentemente, das décadas de 1990 até à actualidade.
Dessa época de início do século XX, a mais importante firma leiloeira
das grandes colecções numismáticas, portuguesas e brasileiras, era
a casa de Jacques Schulman, em Amesterdão, cujos catálogos são
um imenso repositório de grandes e pequenas raridades e uma fonte
dalhas comemorativas, Lisboa: na oficina de Adolpho de Mendonça, 1916, p. XVII
17 SCHULMAN, Jacques – Collection de Mr. Alvaro de Araujo Ramos, de Bahia. 15 Março
1909; Collection de Feu le Dr. Jules Meili à Zurich. 23 Maio 1910. Parte I e II; Portugal et
Brésil, catalogue 56. Abril de 1912 ; Portugal et Brésil, catalogue 76. Abril de 1921; Catalogue
d´une collection importante de médailles et jetons Portugais formée par un Amateur Portugais
Distingué, résidant à Paris. 31 Outubro 1927
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
33
documental da maior valia histórica. Aqui deixamos um breve resumo
dos exemplares da Conceição encontrados nos catálogos que conseguimos consultar.
1909, Março – Colecção Álvaro Araújo Ramos, lote 308, Conceição
de 1648, prata, peso 31,5 g, soberba.
1910, Maio – Colecção Jules Meili, Parte I, Moedas: lote 539, Conceição
de 1648, prata, dia. 41 mm, peso 31,5 g, soberba, da ex-colecção
Álvaro Araújo Ramos da Bahia (lote 308), leilão de Março de 1909.
Voltou a aparecer em 1927, ilustrada, confirmando-se o que o seu
peso já indicava, que se tratava de uma réplica de 1890 (ver abaixo); lote 540, Conceição de 1648, prata, peso 21 g, BC (ver na
parte II o exemplar CO 4.01, com o mesmo peso).
1910, Maio – Colecção Jules Meili, Parte II, Medalhas: lote 2765,
Conceição de 1648, bronze, dia. 40,5 mm, bela (este “bronze” é o
cobre dos catálogos portugueses) ; lote 2766, Conceição de 1648,
prata, dia. 40,5 mm, peso 28,3 g, MBC; lote 2767, Conceição de
1648, prata, fundida, dia. 40 mm, peso 26,6 g, quase BC
1912, Abril – Portugal e Brasil: lote 538, Conceição de 1648, prata,
dia. 40 mm, peso 26,6 g, fundida, BC. Pela descrição e pelo estado, parece ser a mesma moeda do leilão Meili de 1910 (lote 2767),
ou seja, uma moeda original, bem desgastada, cunhada sobre um
disco mal fundido.
1921, Abril – Portugal-Brasil: lote 357, Conceição de 1648, prata, fundida, dia. 40 mm, peso 34,2 g, bela. Pelo peso se vê que não é a
moeda original.
1927, Outubro – Colecção de um distinto amador português residente
em Paris (é a famosa colecção de Carvalho Monteiro, dito “dos
Milhões”):
-- D. João IV, lote 52, Moeda da Conceição de 1648, dia. 41
mm, peso 31,4 g, soberba, da ex-colecção Álvaro Araújo Ramos
da Bahia (lote 308), leilão de Março de 1909, e da ex-colecção de
Jules Meili (lote 539, ver acima). A ilustração publicada mostra à
evidência uma medalha das recunhagens de 1890, com bordadura
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
34
dos castelos estriada e uma extensa linha de fractura do reverso (daí o seu estado soberbo e o seu avantajado peso); lote 53,
Conceição de 1648, prata, fundição antiga, dia. 40,5 mm, peso 36
g, bela; lote 54, Conceição de 1648, bronze, dia. 40,5 mm, bela,
ex-colecção Jules Meili (lote 2565, ver acima); lote 55, Conceição
de 1648, bronze, dia. 40,5 mm, como o anterior mas MBC; lote 56,
Conceição de 1648, uma variante ligeira, com a legenda terminada em REX•, prata, fundição antiga, dia. 40,5 mm, peso 27,6 mm,
MBC. É a moeda da colecção Carlos Costa;
-- Conceição de 1650, lote 57, variante ligeira na gravura
e nas armas, e legenda com REX sem ponto, prata, dia. 42 mm,
peso 29,4 g, soberba. É a moeda da colecção Afonso Pinto de
Magalhães.
Nota do leiloeiro: «D´après Aragão page 17 il n´y a été frappés
que peu d´exemplaires avec la date 1650» (“Segundo Aragão, p.
17, com esta data de 1650 foram cunhados poucos exemplares”),
o que não corresponde ao texto de Aragão, já que este referia-se
aos exemplares com a era de 1648, que foram cunhados pela primeira vez em 1650, em pouca quantidade. Desde então esta falsa
Conceição de 1650 tem passado por verdadeira.
-- D. Pedro II, lote 58, Conceição sem data, do tipo do lote 52
anterior (bordadura dos castelos estriada), legenda PETRVS
II
D• G • PORTVGALIÆ • ET • ALGARBIÆ • REX •, prata, fundição
antiga, dia. 40,5 mm, peso 21,3 g, bela ;
-- D. Pedro II, lote 59, Conceição de 1648, híbrida, anverso
PETRVS •
II • D • G • PORTVGALIÆ • ET • ALGARBIÆ •
REX
Reverso da Conceição de D. João IV com a era de 1648,
ensaio de estanho, dia. 44 mm, peso n/d, bela.
1906, Março – Espólio de Joaquim Gomes de Souza Braga: 18
Neste catálogo aparecem duas referências com muita importância.
-- D. João IV, lote 734, Conceição de 1648, prata, moeda ori18 LOBO, Augusto de Souza – Espólio de Joaquim Gomes de Souza Braga – Catálogo da
collecção numismática pertencente ao mesmo espólio. Rio de Janeiro: Consulado Geral de
Portugal no Rio de Janeiro, 1906
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
35
ginal (anverso ilustrado), mod. e peso n/d, mas com gravuras bem
gastas, com obliteração dos castelos da parte inferior do escudo.
É o exemplar CO 1.03 deste nosso catálogo, da colecção do Museu
Histórico Nacional do Rio de Janeiro;
-- D. Pedro II, lote 976, Conceição 1648, prata, mod. e peso
n/d, um exemplar perfeitamente igual ao de D. João IV, com mudança apenas do nome do reinante. Tem dois furos.
É o exemplar CO 3.01 deste nosso catálogo, da colecção do Museu
Histórico Nacional do Rio de Janeiro.
1948 – Catálogo das Moedas Portuguesas, Portugal Continental,
1640-1948, Ferraro Vaz.
A moeda da Conceição de ouro com a era de 1648 é apresentada
em desenho, J4.01, o qual mostra a bordadura dos castelos estriada
e a legenda do anverso terminando em REX. (ou seja, o desenho reproduz uma medalha e não a moeda original). O autor acrescentou a
seguinte nota:
«Pesos e diâmetros:
1648, da época – < 41 mm; 28,7 g
1650, da época – 42 mm; 29,3 g
1648, recunhagem – 41 mm; 33,7 g
1648, medalha (1946) – 42 mm; 41,8 g»
É interessante a referência à “moeda de 1650, da época”, uma moderna falsificação que passou como moeda original desde que apareceu num leilão de Amesterdão, em 1927. Mais tarde, Batalha Reis irá
repetir este quadro de pesos e medidas.
No seu Livro das Moedas Portuguesas, tomo II (Braga, 1970), os
exemplares de prata vêm desenhados em J4.15 e J4.16 (este datado
de 1650).
1948 / 1951 – Os leilões da casa Augusto Molder, em Lisboa.
Uma breve referência aos exemplares vendidos nos leilões da casa
36
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Augusto Molder, de 1948 a 1951, pouco interessantes, dada a falta de
indicação metrológica e das características da gravura.
O primeiro exemplar apareceu no leilão n.º 7-8, de Maio de 1948,
lote 44 (módulo 40 mm), ficando por vender. Voltou à praça em Julho
e em Outubro de 1949; outro exemplar, ou o mesmo ainda, foi vendido
em Março de 1950 por 1.200$00.
Um segundo exemplar, em estado de Bela, atingiu o mesmo preço
em Abril de 1950. No leilão de Março de 1950 foi também à praça um
ensaio de cobre (módulo 43 mm, ou seja, uma prova das recunhagens
de 1890), retirado nessa venda e nas seguintes, onde voltou a aparecer, de Abril e de Julho de 1950.
Finalmente, um terceiro exemplar de 1648, módulo 41 mm e MBC,
apareceu nos leilões de Maio, Novembro e Dezembro de 1950, voltando a figurar nas vendas de Janeiro de 1951, sem indicação de ter
sido vendido. 19
1949 – O leilão da colecção do duque de Galiera, em Lisboa. 20
No grande e concorrido leilão da colecção do duque de Galiera, de
Abril de 1949, foi leiloado um “ensaio de cobre da Conceição de 1648,
à flor do cunho” (lote 430). Ou seja, pela sua flor se deduz que era uma
prova das recunhagens de 1890, em disco de bronze (e não de cobre),
tal como apareceram várias nos leilões em Amesterdão.
1956 – Preçário das Moedas Portuguesas, Batalha Reis: «MOEDAS
DA CONCEIÇÃO – «Chamamos a atenção dos coleccionadores
para a recunhagem da Conceição efectuada no século XIX, cerca de 1890, por ocasião da visita da Rainha D. Amélia à Casa
da Moeda, com os primitivos cunhos de 1648. Essa recunhagem
deu lugar a que os cunhos se fendessem, sendo claramente visível a fenda dos cunhos nesses exemplares, do bordo junto à
fonte, passando perto dos pés da Virgem até ao horto. Em 1946
19 A Moeda, publicação numismática da Casa A. Molder. Lisboa: 1948 a 1957 20 Moedas Portuguesas da Colecção do duque de Galiera. Lisboa: Almeida, Basto & Piombino, & C.ª, 1949
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
37
nova recunhagem se fez, havendo-se introduzido no reverso um
elemento novo: as datas de 1646 e 1946 entre os braços da Cruz.
Eis suas características:
1648, módulo de 41 mm e peso 28,8
1650, módulo de 42 mm e peso 29,3
1890, módulo de 41 mm e peso 33,7
1946, módulo de 42 mm e peso 41,8
Estas características e outras minudências foram por nós notadas em 1946 ao escrevermos O Culto de Nossa Senhora da
Conceição na Numismática, in Brotéria, vol. XLIII, 1946, de que
se fez separata.» 21
Pedro Batalha Reis (1906-1967) foi o primeiro conservador do Museu
Numismático Português, cuja fundação a ele devemos, pelo que as informações que nos deixou são da maior credibilidade. No entanto, não
podemos deixar de notar que o exemplar da Conceição de 1648 apresentado e fotografado nesta obra (nº 28, depois repetido nas estampas do seu Preçário das Moedas Portuguesas e em todas as edições
posteriores do autor, não é o original, mas uma recunhagem posterior,
facilmente detectada pela bordadura dos castelos estriada.
É importante a catalogação que faz de dois exemplares de D. Pedro
II, uma prova de cunho, de estanho, uniface do anverso (n.º 72, com
a legenda
PETRVS •
II e bordadura dos castelos lisa), o outro
de prata cunhado, sem data, (n.º 73, com a legenda PETRVS
II e
bordadura dos castelos estriada). Exemplar semelhante a este último,
mas não igual, encontra-se na colecção António Pedro de Andrade do
Museu Histórico Nacional (ver o tipo inventariado CO 6.01)
Ao contrário de que Batalha Reis supôs, a evidência documental e
numismática recolhida neste trabalho aponta para a conclusão de que
a recunhagem de 1890 não foi feita com o primitivo par cunhos de
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REIS, Pedro Batalha - Preçário das Moedas Portuguesas, 2.ª ed., Porto: Livraria Fernando
Machado, 1964, p. 64, nota de rodapé; estampa 68, n.ºs 28 e 29; p. 76, estampa 82, n.ºs 72 e
73 (são as estampas publicadas na sua Cartilha da Numismática Portuguesa, Lisboa: Bertrand
Irmãos, 1946-1952).
38
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
1648. O cunho do anverso (escudo), muito desgastado, foi substituído
por outro, aberto cerca de 1720 no reinado de D. João V, mantendo a
legenda titular original de D. João IV, mas apresentando a novidade da
representação das cores dos esmaltes heráldicos no escudo nacional:
riscado na horizontal = azul das quinas; riscado no vertical = vermelho
dos castelos.
A medalha comemorativa do 3.º centenário da Proclamação da
Padroeira de Portugal (1946).
Num artigo publicado na revista Brotéria em 1946, no ano das comemorações do 3.º centenário da proclamação da Padroeira de
Portugal, Batalha Reis dá-nos mais achegas para compreendermos a
grande confusão que reinava acerca das moedas e das medalhas da
Conceição, a propósito da cunhagem de uma medalha comemorativa
desse evento:
1946 – O Culto de N.ª Sra. da Conceição na Numismática, Batalha
Reis: (...) Além dos cunhos que se fizeram para os espécimes
que acabamos de descrever, outros se abriram em 1650, e que,
sendo aparentemente iguais, divergem estruturalmente em muitos pormenores como o leitor curioso destas velharias poderia
notar nas gravuras que ilustram estas linhas.
Com efeito, além da data ser diferente, verifica-se que os exemplares de 1650 têm maior relêvo do que os datados de 1648,
é mais perfeita a sua gravura, a faixa dos castelos é lisa e não
estriada, os cabelos da Virgem incomparàvelmente mais belos,
assim como muitas outras minudências se podem ver na comparação dos diversos elementos que as constituem, nomeadamente na figuração da casa do ouro, no espelho, na arca e na fonte. O
peso dêsses exemplares é de 29,3 gramas, e o diâmetro 42 mm.
Prata de excelente toque.
Posteriormente, no século XIX, cêrca de 1890, efectuou-se uma
recunhagem da Çonceição com os primitivos cunhos, do que tem
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
39
resultado, por desconhecimento do facto, serem tomados êsses
exemplares por espécimes originais de D. João IV, o que não é
exacto. Oportunamente, nos ocuparemos de novo dêste assunto,
esclarecendo-o técnicamente, como merece, a fim de que essas
peças sejam julgadas na sua verdade, e não apenas na sua aparência.
Entretanto, diremos que é nossa convicção, de que foi precisamente nessa ocasião que o cunho do reverso se fendeu, como se
verifica pela fotografia do exemplar de prata que reproduzimos na
estampa, junta sob o n.º 2. Estes exemplares pesam 33,7 gramas
e têm de diâmetro 41 mm.
Por último, importa falar na medalha que acaba de ser cunhada para comemorar o 3. ° Centenário da proclamação de Nossa
Senhora da Conceição para Padroeira do Reino de Portugal, e
cujos cunhos procuram reproduzir fielmente os originais, apenas
com a diferença de terem no anverso as datas de 1646 e 1946,
indicativas da referida comemoração.
Dêstes exemplares, que são espécimes exclusivamente adstrictos à Medalhística, e pertencentes ao grupo – aliás, o mais importante, das «medalhas comemorativas» – fizeram-se três emissões: uma de ouro, outra de prata, e finalmente uma de cobre:
É para lastimar que, desejando-se, e muito bem, comemorar o
3.° Centenário da Padroeira do Reino com uma medalha, tivesse
havido a inadvertência de se haverem utilizado da gravura dos
primitivos cunhos (como o curioso poderia certificar-se no disfarce que se procurou fazer da fenda, a que nos referimos, a propósito da recunhagem feita há meio século, assim como do defeito
no B de Algarbiae, ou ainda da lomba que se vê na faixa dos
castelos do lado direito, na altura do braço da cruz, e que se verificam simultâneamente nos exemplares que reproduzimos sob
os n.º 2 e 3), quando bem melhor teria sido repetir a Conceição,
mas com o dôbro do tamanho (80 mm) ou, pelo menos, com um
diâmetro nunca inferior a 60 mm. Assim já não haveria o perigo
40
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
(que existe!) de fàcilmente se adulterarem essas medalhas, para
as fazer passar pelas primitivas, além de criar, dêsse modo, uma
medalha, com sentido moderno, muito embora guardando todo
o sabor arcaico do seu antigo modêlo, o que inegàvelmeute lhe
dava uma sumptuosidade pelo seu avantajado módulo, que elas
infelizmente não têm.
Estas medalhas pesam: as de ouro, 80 gramas (?), as de prata,
41,8 gramas, e as de cobre 37,2 gramas. O diâmetro é de todas
o mesmo: 42 mm. (...)» 22
Neste texto Batalha Reis diz-nos, de forma clara, que as moedas
originais de 1648 tinham a bordadura dos castelos estriada e não lisa
(erro fulcral na confusão entre moeda e medalha); -- aponta significativas diferenças nas gravuras do exemplar datado de 1650, sem se
ter apercebido da sua modernidade; -- afirma que a recunhagem feita
cerca de 1890 utilizou os cunhos primitivos de 1648 (outro erro fulcral);
-- e, finalmente, ao falar da medalha comemorativa de 1946, confirma que as gravuras então abertas procuraram reproduzir fielmente as
gravuras dos cunhos guardados na casa da moeda, ou seja, o cunho
2 do anverso em nome de D. João IV tem a bordadura dos castelos
estriada.
1959 – Guia da mais notável colecção de medalhas portuguesas,
Batalha Reis.
Guia da exposição que teve lugar em Lisboa, da colecção de
Jerónimo Ferreira das Neves, considerada como a mais bela, extensa
e valiosa colecção de medalhas reunida em Portugal.
Nela encontramos uma enorme quantidade de peças leiloadas em
Amesterdão, na casa de Jacques Schulman, ao longo das décadas
precedentes. Numa das estampas vem ilustrada, segundo o autor,
uma “moeda-medalha” da Conceição de 1648 (estampa VII, n.º 25),
mas que é afinal uma moeda original, com bordadura dos castelos lisa
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Ibid, O Culto de N. Sra. da Conceição na Numismática Portuguesa. Revista Brotéria, XLIII
(1946), 619-624
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
41
A IMAGEM DA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE VILA VIÇOSA
42
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
A GRAVURA ORIGINAL DAS MOEDAS DE 1648
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
43
TIPO CO 1 – MOEDAS ORIGINAIS DE D. JOÃO IV
CO 1.01 e 02 – Museu Numismático Português, Lisboa (pesos 28,52 g e 28,20 g)
CO 1.03 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 27,90 g)
CO 1.04 – Câmara Municipal do Porto, Numismática (peso 28,2 g)
44
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
TIPO CO 1 – MOEDAS ORIGINAIS DE D. JOÃO IV
CO 1.05 – Banco Millennium BCP, Porto (peso 25,14 g)
CO 1.06 – Colecção Carlos Marques da Costa, Lisboa (peso 27,64 g)
CO 1.07 – Leilão USB 84/2010, Genéve, Suíça (peso 27,69 g)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
TIPO CO 1 – MOEDAS ORIGINAIS DE D. JOÃO IV
CO 1.08 – Leilão Numisma 86/2010, Lisboa (peso 28,11 g)
CO 1.09 – Leilão Westfälische 66/2013, Arnsberg, Alemanha (peso 24,62 g)
Os Escudos da moeda original (esq.) e das recunhagem (dir.)
45
46
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
TIPO CO 2 – A CONCEIÇÃO, MOEDA DE D. PEDRO II
Provas de cunhos para uma moeda de prata de D. Pedro II
CO 2.02 – Sociedade Portuguesa de Numismática, Porto (peso 38,24 g)
TIPO CO 3 – A CONCEIÇÃO COMO VENERA-INSÍGNIA
Réplica fundida de uma moeda de prata original de D. Pedro II
(com dois orifícios de suspensão)
CO 3.01 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 19,22 g)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
47
TIPO CO 4 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA DE OFERTA
Prata cunhada de D. João IV (peso muito inferior ao legal)
CO 4.02 – Leilão Künker 131/2007, Osnabrück, Alemanha (peso 21 g)
TIPO CO 5 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA DE OFERTA
Réplica fundida de uma moeda de prata original de D. João IV
CO 5.01 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 25,71 g)
48
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
TIPO CO 6 – MEDALHAS DE D. PEDRO II, s/d.
NOVO CUNHO DE ROQUE FRANCISCO
CO 6.01 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 15 g)
Em baixo: a nova escultura da Senhora da Conceição, de Roque Francisco,
de c. 1694 (à esq.) em comparação com a gravura de 1648 (à dir.)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
49
TIPO CO 7 – RECUNHAGENS DA CONCEIÇÃO
DE D. JOÃO IV (várias épocas até 1890)
CO 7.03 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 36 g)
CO 7.09 – Leilão Heritage World Coins, Nova Iorque, Jan2015
Em baixo: pormenor da grande linha de fractura do cunho, que atravessa toda
a gravura do reverso, principal característica das recunhagens de 1890
50
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
TIPO CO 7 – RECUNHAGENS DA CONCEIÇÃO
DE D. JOÃO IV
CO 7.04 – Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (peso 18,79 g).
Em baixo: pormenor da linha de fractura do cunho ainda pouco acentuada.
CO 7.05 – Museu do Banco de Portugal, ex-Gabinete Numismático da
Biblioteca Nacional de Portugal (peso 27,24 g). Pormenor do bordo da cópia.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
TIPO CO 8 – AS FALSAS CONCEIÇÃO DE 1650
CO 8.01 – Banco Millennium BCP, Porto (peo 29,34 g)
Em baixo: à esq., pormenores do anverso, REX sem ponto final;
à dir., pormenores do reverso, era de 1650 em letra fora da sua época
e empredado a substituir a relva (à dir.)
CO 8.02 – Leilão Numisma 95/2013, Lisboa (peso 27,95 g)
51
52
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
TIPO CO 9 – MEDALHA COMEMORATIVA DE 1946
(Note-se e falta da dupla cercadura e do apoio do lado esquerdo do espelho)
CO 9.01 – Medalha de ouro (peso 69,65 g)
CO 9.02 – Medalha de prata (peso 40,43 g)
CO 9.03 – Medalha de bronze (peso 37,2 g)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
53
TIPO CO 10 – MOEDA COMEMORATIVA DE 1996
Autor: escultor Helder Batista
CO 10.01 – Moeda comemorativa de 1996 (prata, 1000 esc., 40 mm, peso 28 g)
TIPO CO 11 – MEDALHA COMEMORATIVA DE 1996
Autor: escultora Clara Menéres
CO 11.01 – Medalha de bronze niquelado
54
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
APRESENTAÇÃO DA CONCEIÇÃO DE 1996
Moeda, medalha e escultura comemorativas
(12 de Dezembro de 1996)
Os duques de Bragança foram presenteados com as peças produzidas em 1996
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
TIPO CO 12 – ESCULTURA COMEMORATIVA DE 1996
Autor: escultor João Paulo Trigueiros
CO 12.01 – Múltiplo comemorativo (dim. 110x90x50 mm; peso 1.400 g)
55
56
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
ORDEM MILITAR DE Nª Sª DA CONCEIÇÃO DE VILA
VIÇOSA (1818) - Insígnias pessoais de D. João VI (P. N. da Ajuda)
O duque de Bragança teve ocasião de dirigir palavras de apreço ao escultor
João Paulo Trigueiros (à dir. na foto)
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
57
e legenda com REX •.
Um olhar atento permite observar várias mossas nos bordos e um
risco sobre a Arca, defeitos esses coincidentes com os mesmos defeitos que apresenta o exemplar da colecção Carlos Marques da Costa
(número CO 1.07, abaixo). 23
1991/2013 – Moedas Portuguesas, Alberto Gomes.
Nas sucessivas edições daquele que viria a ser o catálogo de referência das moedas portuguesas e do território português antes da
fundação da nacionalidade, figuram as seguintes fotografias de peças
da Conceição:
D. JOÃO IV – Moeda 105.01, era de 1648; moeda 105.02, era de
1650. Ensaios E1.01, estanho, uniface do reverso; E1.02, cobre,
bifacial (recunhagem). Duvidosas, J4 01.01, prata, medalha com
era de 1650, módulo 42 mm.
D. PEDRO II – Ensaios, E9.01, prata sem data, com esmaltes
heráldicos, legenda PETRVS
II ; e E9.02, estanho, uniface do
anverso, sem esmaltes heráldicos, legenda
E9.03, estanho, bifacial. 24
PETRVS •
II; e
A conclusão mais interessante a retirar destes registos diz respeito
aos “ensaios de estanho”, unifaces (o nome correcto seria “provas de
cunho”). O ensaio do reverso E1.01, com a linha de fractura do cunho
bem visível, será uma prova do cunho original de 1648, que poderia
ter sido utilizado tanto com cunhos do anverso em nome de João IV,
como em nome de Pedro II.
O aparecimento de uma nova prova de cunho bifacial, de estanho,
destas duas gravuras (J4 E1.01+P2 E7.02), muito oportunamente recolhido para o museu da Sociedade Portuguesa de Numismática, é
mais uma importante peça a juntar a este puzzle histórico.
23 REIS, Pedro Batalha. Guia da mais notável colecção de medalhas portuguesas reunida em
Portugal. Lisboa: Almeida, Bastos e Piombino e C.ª, 1959
24 GOMES, Alberto – Moedas Portuguesas. Lisboa: edição do autor, e da Associação Numismática de Portugal, 1987-2013. A última edição de 2013 alterou substancialmente a numeração do autor.
58
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
No reverso nota-se com muita clareza a grande linha de fractura do
cunho, o que significa que essa prova bifacial foi tirada dos cunhos na
casa da moeda cerca de 1890. Talvez seja o exemplar que foi vendido
no leilão da casa Schulman, de Amesterdão, em Outubro de 1927, dito
híbrido de Pedro II e João IV (lote 59).
Merece também uma referência o facto de Alberto Gomes ter catalogado duas peças de 1650, uma como genuína e outra como falsa, duvidosa, ou fantasia. De facto, são duas as peças de 1650 que existem,
mas são ambas falsas. Alberto Gomes deu com elas em duas colecções diferentes no Porto, uma na antiga colecção do banqueiro Pinto
de Magalhães (peso 29,4 g, proveniente do leilão Schulman de 1927,
lote 57) e a outra provavelmente na colecção do Banco Português do
Atlântico, tendo catalogado a primeira como verdadeira e a segunda
como duvidosa.
Muitos anos depois, o segundo exemplar foi leiloado pela firma Numisma Leilões, em Março de 2013 (peso 27, 9 g, lote 812), juntamente
com os duplicados da colecção do banco Millenium BCP, que integrou
todas as antigas colecções de moedas e de medalhas dos extintos
bancos do Porto, e do Banco de Angola. Voltaremos a estas falsas
Conceição de 1650 mais adiante.
2006 – A Numismática Portuguesa Continental no Museu Histórico
Nacional. Dulce Cardoso Ludorf e Rejane Lobo Vieira:
«D. JOÃO IV – Da moeda Conceição, existe na coleção do Museu
Histórico Nacional um exemplar cunhado e outro fundido. A data
1648, que aparece nas peças, refere-se à abertura do cunho e
não à cunhagem propriamente dita, que só se realizou em 1650,
após a chegada da prensa monetária adquirida à França. O engenho, trazido por António Routier, não teve maior êxito do que a
prensa de João Gonçalves, limitando-se apenas à cunhagem da
moeda Conceição (...)
D. PEDRO II – Com o nome de D. Pedro II existe na coleção
do Museu Histórico Nacional um exemplar da moeda Conceição
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
59
muito semelhante ao exemplar fundido mencionado no reinado
de D. João IV, com a diferença de ser o módulo maior e o disco
mais leve, apresentando acima, ladeando a imagem de Nossa
Senhora da Conceição, dois furos vedados.
Comenta Aragão que: “D. Pedro II mandou reproduzir como medalha, provavelmente pelo abridor Roque Francisco, a moeda da
Conceição, conservando-lhe o tipo do cunho primitivo, mas muito
mais perfeito, o qual ainda se acha arquivado na casa da moeda
(...)”.
O exemplar do Museu Histórico Nacional não parece enquadrarse entre os referidos por Aragão como obra de Roque Francisco.
Trata-se de peça fundida, semelhante a outro exemplar de D.
João IV, do qual tem a mesma data, 1648. Consta do catálogo
inédito da coleção Guilherme Guinle, nº 1.324, cujo manuscrito se
encontra no Departamento de Numismática do Museu Histórico
Nacional. Sua descrição vem acompanhada da seguinte observação: “O presente exemplar procede da coleção Souza Braga,
em cujo catálogo figura sob o nº 976”». 25
De facto, são dois os exemplares da Conceição do acervo do MHN
cuja proveniência pode ser traçada até ao espólio de Souza Braga:
-- a moeda original de D. João IV (CO 1.03), e a venera-insígnia com
dois furos de D. Pedro II (CO 3.01), de que damos conta no inventário
que segue.
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LUDORF, Dulce e VIEIRA, Rejane Lobo - A Numismática Portuguesa Continental no Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2006, pp. 106 e 129-130.
Guilherme Guinle (1882-1960) foi um dos maiores coleccionadores de moedas brasileiras e
portuguesas. Entre 1921 e 1925 doou ao Museu Histórico Nacional mais de 3.000 exemplares
de ouro e prata e condecorações. Outro grande benemérito foi o comendador António Pedro
de Andrade (Madeira 1839-Rio 1921), que duou a totalidade das suas colecções, biblioteca e
mobiliário à Biblioteca Nacional do Brasil, mais tarde integradas no acervo da Museu Histórico
Nacional. A sua doação foi contabilizada em 12.165 peças numismáticas.
60
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
PARTE II – A CONCEIÇÃO: UM INVENTÁRIO
COLECCIONISTA E UM ESTUDO NUMISMÁTICO
Para a elaboração deste estudo consultamos os museus nacionais e
os maiores coleccionadores portugueses, as principais firmas leiloeiras
e os gabinetes de numismática das capitais europeias, além do grande acervo do Museu Histórico Nacional, do Rio de Janeiro (MHN).
Pelas relações e catálogos publicados, sabemos que não existem
moedas da Conceição nas grandes colecções de moedas portuguesas
da Universidade de Leiden, na Holanda (hoje integrada na colecção
nacional dos Países Baixos, no Banco Central em Amesterdão), nem
na Biblioteca Nacional de Paris, em França, nem no Museu Britânico,
em Londres.
Em Portugal, obtivemos informações dos exemplares nas colecções
do Museu Numismático Português (moedas originais e medalhas recunhadas); no museu da Fundação da Casa de Bragança, em Vila
Viçosa (medalha recunhada); no gabinete de numismática municipal
do Porto (moeda original); na colecção Carlos Marques da Costa (original e recunhagem); e na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa
(um exemplar catalogado como uma moeda original por Leite de
Vasconcelos em 1911).
Nesta última, fomos informados que todo o grande e antigo acervo do Gabinete Numismático tinha sido transferido para o museu do
Banco de Portugal em 2009, não estando, por isso, disponível para
estudo. Consultado o museu do nosso banco central, obtivemos a informação pretendida em Outubro de 2014, pelo não pode figurar no
artigo publiucado na Nvmmvs, mas que é agora apresentada, bem
como, as fotografias de táo peculiar espécime (que não é nem moeda
original, nem recunhagem, mas uma cópia muito tosca)
Apresentamos também as descrições e fotografias das moedas e
medalhas que apareceram à venda nos mais recentes leilões nacionais e internacionais, como é o caso da Numisma Leilões, referindo o
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
61
seu peso e módulo, sempre que tenham ficado registados nos respectivos catálogos.
Critérios da descrição numismática
A inventariação que se segue tem início pelos dois exemplares originais do Museu Numismático Português, que estiveram expostos em
1983 durante a 17.ª Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura,
quando foram fotografados e por mim estudados. No mesmo museu
nacional da moeda portuguesa também existem, perfeitamente identificadas, duas recunhagens de 1890, que, em confronto e sintonia com
os exemplares da Museu Histórico Nacional, do Rio de Janeiro, e com
a prova de estanho da Sociedade Portuguesa de Numismática, do
Porto, permitiram refazer a leitura sobre as moedas, as medalhas e as
veneras com a imagem da Conceição de Portugal.
A descrição numismática é apresentada uma única vez e de forma
exaustiva para cada tipo, para se evitar repetições nos exemplares
inventariados, nos quais apenas se indicarão as variantes, pesos e
dimensões.
Para cada imagem indica-se o módulo, a espessura (quando conhecida) e o peso da peça em causa, além do metal de que é feita ou
outras características mais significativas. A sua ilustração foi deliberadamente ampliada, para facilitar a observação dos pormenores das
gravuras e das legendas.
TIPO CO 1 – A CONCEIÇÃO COMO MOEDA:
ORIGINAIS DE PRATA DE D. JOÃO IV, DE 1648
Bordadura dos castelos lisa
Anverso: IOANNES • IIII • D • G • PORTUGALIÆ • ET • ALGARBIÆ •
REX • (João IV pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves), na
orla circular, com os pontos intercalares e final da legenda centrados,
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
62
dentro de uma cercadura dupla lisa canelada. Ao centro do campo, a
cruz da Ordem de Cristo, de braços equilaterais e de formato filipino,
carregada pelo escudo real coroado, prolongando-se até à orla superior
sobre o braço superior da cruz, com a coroa fechada sem forro, de cinco
arcos visíveis terminados em flores-de-lis, com diadema, as quinas e os
castelos em campo liso
Reverso: TUTELARIS // REGNI (Protectora do Reino), nas orlas laterais. Ao centro do campo, a imagem da Senhora da Conceição, de corpo
inteiro, envergando túnica pregueada e com as mãos postas em oração,
a cabeça aureolada por sete estrelas (o número da vida e da iniciação
mariana), os longos cabelos soltos nas costas, os pés poisados sobre
uma meia-lua (símbolo da excelência da mulher) assente no mundo com
a era de 1648, rodeado por uma serpente que dá um nó (a redenção do
pecado original); e circundada lateralmente, no sentido dos ponteiros do
relógio, pelas invocações da ladainha da Virgem: o Espelho de Justiça,
ligeiramente inclinado à esquerda, com três botões; a Arca de Noé ou
da Aliança; a Fonte selada dos enfermos, e o Jardim fechado ou Horto
plantado, em fundo de terreno com ervas; o Templo sede de sabedoria
ou Casa de Ouro; e o Sol, símbolo da divindade, cujos raios interrompem a cercadura exterior. Bordo liso, muito relevado.
Valor legal: 600 réis
Características intrínsecas médias: módulo entre 40 e 41 mm; espessura de 3 mm no bordo, e entre 3 e 4 mm ao centro; pesos entre
27 e 28,6 g (pesos muito inferiores desqualificam o exemplar como
moeda original); prata de toque legal 916‰.
Principais características da gravura: campo limitado por cercadura
dupla canelada. No anverso, as palavras da legenda estão separadas por pontos centrados na linha e a legenda termina com um ponto
centrado na linha. Ao centro, as quinas e os castelos da bordadura
repousam em campo liso. No reverso, o Sol interrompe a cercadura;
no exergo, um campo com ervas.
Acentuado desgaste pela circulação, nos pontos altos da gravura.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
63
CO 1.01 – D. João IV, 1648. Moeda original. Museu Numismático
Português, INCM, Lisboa: prata, cunhada, módulo 40
mm, peso 28,52 g. Inventário 9556
CO 1.02 – D. João IV, 1648. Moeda original. Museu Numismático
Português, INCM, Lisboa, colecção de D. Luís I: prata, fundida, módulo 40 mm, peso 28,20 g. Inventário
5164
Os dois exemplares têm pesos muito próximos do legal (28,68 g),
apresentando um bordo alto, superior a 2 mm (existem exemplares
com espessura do bordo superior a 3 mm). O reverso está muito bem
conservado (um pouco de desgaste no nariz da Senhora) e bem cheio;
e, no anverso (escudo), notam-se evidentes sinais de circulação.
A legenda do anverso é pontuada ao centro da linha; a haste superior da cruz de Cristo é perfeitamente visível por debaixo da coroa;
o escudo real tem a base de formato joanino, arredondada com um
ligeiro bico, as quinas e a bordadura dos castelos não apresentam os
tracejados representativos dos esmaltes heráldicos.
No reverso, a figura da Senhora é toda ela proporcionada; os raios do
Sol atravessam a cercadura circular do campo; o Espelho, de formato
oval com três botões de apoio, está ligeiramente inclinado à esquerda; o Horto, de formato rectangular com suas redes e as plantas no
interior bem nítidas, desaparece por debaixo da meia-lua. Pormenores
que fazem toda a diferença quando se estudam réplicas posteriores.
O exemplar da colecção de D. Luís I apresenta nítidos sinais de
fundição no disco de prata, características que também se notam no
outro exemplar, muito embora menos visíveis. É provável que o disco
de prata tenha sido fundido e depois cunhado, sem ter sido laminado
(ver exemplar CO 1.04)
CO 1.03 – D. João IV, 1648. Moeda original. Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro, colecção António Pedro de
64
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Andrade: prata, módulo 41,6 mm, espessura do bordo
2,7 mm, espessura ao centro 3,04 mm, peso 27,90 g.
Inventário N.º Património (SIGA) 183320
Neste exemplar nota-se o elevado grau de desgaste sofrido na circulação, com os castelos da metade inferior apagados. Mesmo assim,
tem um peso muito próximo do legal, apenas perdeu 78 miligramas de
metal. Sabe-se que o título da prata cunhada era de 11 dinheiros, ou
seja, 916,6 milésimas, uma liga muito susceptível de desgaste pelo
uso continuado.
A espessura do bordo de 2,7 mm é inferior à espessura do relevo das
gravuras no centro da moeda, que varia entre 3 e 4 mm nos exemplares conhecidos, uma situação que indica claramente que estas moedas foram fabricadas com técnica de medalha e que na sua cunhagem
não foi utilizada uma argola de contenção, ou virola, outra inovação da
cunhagem mecânica que só seria introduzida em Portugal depois de
1678.
CO 1.04 – D. João IV, 1648. Moeda original. Gabinete de Numismática
da Câmara Municipal do Porto, colecção João Allen:
prata, módulo 41,2-41,5 mm, espessura do bordo 2,27
mm, espessura ao centro 3,5 mm, eixo 12 h, peso 28,20
g. Data apagada. Inventário 1978.A.0640
Exemplar muito antigo, proveniente da colecção de João Allen, que o
terá adquirido para o seu museu entre 1835 e 1849, conforme consta
na ficha do Gabinete de Numismática.. Apresenta um desgaste moderado nas superfícies relevadas (escudo, rosto e data, esta apagada.
Perda de 48 mg peso de metal), bem como, evidencia sinais de imperfeições superficiais do tipo de fundição.
A esse respeito, note-se uma referência interessante (e importante)
nessa ficha: «Moeda produzida por cunhagem mecânica, com engenho monetário. Atendendo à sua espessura, o disco metálico terá sido
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
65
obtido talvez por moldagem, para posterior cunhagem mecânica dos
motivos das duas faces, com engenho monetário».
Este pormenor faz toda a diferença, quando se estudam vários exemplares e se descobre que, muitos deles, apresentam evidentes sinais
de fundição no campo da moeda. Um pormenor que aparece claramente referenciado em vários catálogos dos leilões de J. Schulman
como “coulée en argent” ou “argent, fonte ancienne” (fundida em prata, ou fundição antiga de prata).26
A questão que se deve colocar, é saber se são exemplares fundidos como réplicas de outros originais; ou, se são exemplares originais
cunhados sobre discos moldados (fundidos e não laminados). Está
neste caso, por exemplo, o exemplar CO 1.02 do Museu Numismático
Português (inv. 5164)
CO 1.05 – D. João IV, 1648. Moeda original. Banco Millenium BCP,
ex-col. Afonso Pinto de Magalhães, ex-col. União de
Bancos Portugueses, ex-col. Banco Mello: prata, módulo 40 mm, peso 25,14 g. Peso muito inferior ao legal
(ver CO 1.09 e 5.01)
Um excelente exemplo de uma intensa circulação como moeda, sem
contudo perder os principais traços da gravura original joanina, quer
no anverso quer no reverso.
CO 1.06 – D. João IV, 1648. Moeda original. BES Numismática
(Novo Banco), Lisboa, colecção Carlos Marques da
Costa, ex-colecção Jerónimo Ferreira das Neves, exleilão J Schulman de 1927 (lote 56): prata, módulo 40,1
mm, espessura do bordo 2,0 mm, peso 27,64 g
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Veja-se, entre outros, os catálogos Meilli de 1910, parte II, medalhas, lote 2767; PortugalBrasil de 1921, lote 357; de um Distinto Amador Português de Paris, de 1927, lotes 53, 56 e
58.
66
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Exemplar em bom estado de conservação, com uma gravura cuidada e bem cheia, apesar de ter várias mossas no bordo e um risco
sobre a Arca, defeitos esses que nos permitiram identificá-lo como o
exemplar ilustrado na Guia da mais Notável Colecção de Medalhas
Portuguesas (Batalha Reis, Lisboa, 1959), da colecção de Jerónimo
Ferreira das Neves, que o adquiriu em Amesterdão no leilão de J.
Schulman de 1927 (lote 56), onde consta ser “uma fundição antiga”,
pelos sinais que o disco apresenta. Tem peso abaixo do que seria de
esperar neste estado (perdeu cerca de 1 grama).
O excelente diapositivo que Alberto Gomes tirou e nos cedeu, há
mais de quinze anos, permite que este exemplar seja utilizado como
modelo, para a análise cuidada das gravuras originais de D. João IV,
nos pormenores do escudo e da cruz de Cristo gravada sob a coroa;
na pontuação a terminar a legenda; no Sol cortando a cercadura exterior; no Espelho inclinado com os três botões; no recorte da Serpente
e da era gravada, num fundo de relva.
No portal da Colecção do BES Numismática, esta moeda está representada e ilustrada, mas aparece descrita como sendo uma recunhagem: «Cunhada em 1890, quando da visita da rainha à Casa da
Moeda, utilizando os cunhos originais». 27
É mais um erro, dos vários praticados pelos dois catalogadores desta emblemática colecção.
CO 1.07 – D. João IV, 1648. Moeda original. Leilão USB 84/2010
(lote 1331), Genéve, Suíça: prata, módulo 40 mm, peso
27,99 g.
Exemplar muito desgastado no anverso, com vestígios de um orifício
soldado às 12:00 horas. Note-se, no entanto, que a perda de metal
apenas reduziu o seu peso em cerca de 70 miligramas face ao peso
legal.
27 Veja-se em: «http://besnumismatica.com/coleccoes/d-joao-iv-portugal/
conceicao/?moeda=2778»
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
67
CO 1.08 – D. João IV, 1648. Moeda original. Leilão Numisma 86/2010
(lote 58), Lisboa, colecção Elmano Costa, ex-col. Mário
Rui, ex-col. Jorge de Brito, ex-col. Eduard Marius van
der Niepoort: prata, mod. 41 mm, peso 28,11 g
Talvez seja este o exemplar catalogado na colecção numismática
de Eduardo Luís Ferreira Carmo, do Porto, em 1877. Com um grau
de conservação soberbo, apresenta uma perda de peso face ao legal
de 57 miligramas. Gravuras nítidas e bem recortadas, cunhadas num
disco com evidentes sinais superficiais de fundição.
CO 1.09 – D. João IV, 1648. Moeda original (?). Leilão Westfälische
66/2013 (lote 1390), Arnsberg, Alemanha: prata, mod.
41 mm, peso 24,62 g.
Apresenta um elevado grau de desgaste superficial e múltiplos pontos de corrosão, o que não justifica uma tão grande perda de peso face
ao legal (mais de 3 gramas). As gravuras são as dos cunhos originais,
sem a linha de fractura no reverso, pelo que o damos como moeda
original, com algumas reticências. Poderá talvez ser uma recunhagem
posterior a 1685-1688, quando a Conceição perdeu de facto o seu estatuto monetário e passou a ser cunhada como medalha de oferta.
CO 1.10 – D. João IV, 1648. Moeda original. Leilão J. Schulman de
1912 (lote 538), ex-colecção Meili de 1910 (lote 2767),
Amesterdão: prata, fundida, mod. 40 mm, peso 26,6 g,
quase BC
Mais um exemplar dado como medalha “coulée en argent” (fundida
de prata), não ilustrado e que talvez seja uma moeda original bem
desgastada, cunhada sobre um disco fundido. É bem um exemplo da
confusão entre moeda e medalha da Conceição.
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
68
TIPO CO 2 – A CONCEIÇÃO COMO MOEDA:
ORIGINAIS DE PRATA DE D. PEDRO II, ERA DE 1648
Bordadura dos castelos lisa
Não são conhecidos exemplares de prata que possam ser inventariados como moedas originais do tempo de D. Pedro II, com o cunho
do anverso gravado em seu nome, bordadura dos castelos lisa e um
peso correspondente ao valor legal anterior à reforma de 1688. Tudo
o que existe são reflexos dessas moedas originais, com a seguinte
descrição:
Anverso:
PETRVS •
II • D • G • PORTVGALIAE • ET • ALGARBIAE
• REX
(Pedro II pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves),
na orla circular, com três quadrifólios com âmago, que iniciam e terminam a legenda, com os pontos intercalares centrados, dentro de uma
cercadura dupla lisa canelada. Ao centro do campo, a cruz da Ordem
de Cristo, de braços equilaterais e de formato filipino, carregada pelo
escudo real coroado, prolongando-se até à orla superior sobre o braço
superior da cruz, com a coroa fechada sem forro, de cinco arcos visíveis
terminados em flores-de-lis, com diadema, as quinas e os castelos em
campo liso.
Reverso: TUTELARIS // REGNI (Protectora do Reino), nas orlas laterais. Ao centro do campo, a imagem da Senhora da Conceição, de corpo
inteiro, com a mesma gravura das moedas de D. João IV, era de 1648.
Bordo liso, muito relevado.
Peso próximo do legal: 28,68 g
CO 2.01 – D. Pedro II, 1648. Moeda original. Prata, cunhada. Não é
conhecido nenhum exemplar original
CO 2.02 – D. Pedro II, 1648. Prova de cunho bifacial. Leilão Permuta
Inter-Associados da SPN, Dezembro 2013 (lote 314):
estanho, cunhada, módulo do disco 43-44 mm, módulo
da orla 41 mm, espessura do disco irregular, 4 mm no
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
69
lado da parte inferior da cruz e 2 mm no lado oposto,
peso do conjunto 38,24g. Adquirida para o museu da
Sociedade Portuguesa de Numismática, Porto.
É bem possível que seja o mesmo exemplar leiloado em Amesterdão
em Outubro de 1927 (lote 59), dado como híbrido, por ter o reverso da
Conceição de 1648 de D. João IV e o anverso em nome de D. Pedro
II. Outras provas idênticas de estanho são conhecidas, mas unifaces
(Gomes P2 E7.02 e J4 E1.01).
A questão não é essa, mas sim o facto desse reverso apresentar
uma linha de fratura muito extensa e visível, a qual tem sido identificada como marca das recunhagens de 1890. E de facto assim é, mas
não só, como veremos mais adiante: -- desde o reinado de D. João
V que a Conceição foi recunhada de forma sistemática e constante,
como medalha de oferta dos reis de Portugal, com recurso a um novo
cunho titular e de armas, em nome de D. João IV, mas com a bordadura dos castelos em campo estriado.
O cunho original com a imagem da Senhora continuou a ser usado
nessas recunhagens, tendo-se fendido na parte inferior da gravura,
uma fenda que foi progressivamente ampliada ao longo dos anos, até
aparecer bem visível nas últimas recunhagens de 1890.
Assim sendo, é bem possível que estas provas de estanho, unifaces
ou bifaces, tenham sido tiradas na mesma ocasião, ou seja, cerca de
1890, testando os cunhos existentes na casa da moeda.
TIPO CO 3 – A CONCEIÇÃO COMO VENERA-INSÍGNIA:
RÉPLICA DE UMA MOEDA DE D. PEDRO II, ERA DE
1648. Bordadura dos castelos lisa
Com a mesma descrição numismática do tipo anterior, mas como
réplica fundida e com dois furos de suspensão, o próximo exemplar é
verdadeiramente excepcional, pelo que nos revela em duas vertentes
70
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
bem distintas: -- como imagem e reflexo de uma moeda original de
prata cunhada em nome de D. Pedro II; -- e como uma réplica ou medalha que serviu de insígnia pendurada ao pescoço.
CO 3.01 – D. Pedro II, 1648 (era quase ilegível). Réplica fundida,
com dois furos tapados ladeando a cabeça da imagem.
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, colecção
António Pedro de Andrade, ex-col. Guilherme Guinle,
ex-col. Souza Braga: prata, fundida, módulo 41,8 mm,
espessura ao centro 2,06 mm, peso 19,22 g. Inventário
N.º Património (SIGA) 183827
Analisemos em primeiro lugar, as gravuras – Sendo uma réplica fundida, é como um fóssil geológico, que já nada conserva do ser original
que lhe deu origem, mas dele retém uma impressão moldada na rocha
que o envolveu. A fundição de metais comporta-se da mesma maneira, o molde conserva a impressão do modelo original, que transmite
ao metal fundido, juntamente com o característico granulado da areia.
Neste caso, a réplica revela duas gravuras rigorosamente iguais às
das moedas da Conceição de D. João IV, mas com uma legenda titular
em nome de D. Pedro II, cujo nome aparece ladeado por dois quadrifólios com âmago e um terceiro a terminar a legenda, para preencher os três espaços deixados vagos pela troca das letras IOANNES
IIII (12 caracteres com espaço), pelas letras PETRVS II (9 caracteres
com espaço). Revela também um cunho do anverso muito desgastado, com um nítido ressalto na lateral esquerda do escudo.
Estamos perante uma moeda de prata em nome de D. Pedro II, até
agora desconhecida, já que a gravura da imagem da Conceição é absolutamente idêntica à original. O cunho do anverso terá sido gravado
com recurso a um punção reprodutor do motivo central (escudo assente na cruz de Cristo), como era habitual em moeda, sendo depois
acrescentada a nova legenda titular.
Este exemplar vem confirmar a cunhagem de moedas de prata da
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
71
Conceição no reinado de D. Pedro II e em seu nome, moedas que circularam e que se desgastaram no uso até ao ano de 1685.
Em segundo lugar, os furos – Tem dois furos de suspensão, com a
preocupação de não destruir a cabeça da Senhora, ou seja, foi utilizada suspensa de fita ou cordão pendurada ao peito, como uma venera
de uma congregação religiosa. Um facto que foi descrito pelo padre
Baptista de Castro em 1762: «e nesta moeda se fazia a oferta de vinte
e quatro mil reis no dia da festa da Conceição, em cujo dia trazem
pendente ao pescoço os tres Oficiais, que administrarão a casa da
Senhora das tais moedas».
O que nos permite sugerir que a data da factura desta réplica é posterior a 1694, uma vez que foi nesse ano que foi confirmada a Confraria
dos Escravos de Nossa Senhora da Conceição, que administrava a
casa da Senhora em Vila Viçosa, como nos conta Lopes Fernandes:
«continuando com a mesma devoção à Padroeira do Reino, o Senhor
D. Pedro II em 1694 confirmou a confraria dos Escravos de Nossa
Senhora da Conceição, erecta na igreja de Vila Viçosa.»
Em terceiro lugar, o peso – Com apenas 19,2 g de prata, muito longe
dos 28,68 g legais em moeda cunhada, revela que no seu fabrico por
fundição não houve preocupações monetárias, mas apenas de economia de escala: -- era para ser uma medalha, acabou como insígnia.
Estamos, assim, perante um dos elos que faltavam para completar
a história nunca antes contada da Conceição, que além de moeda e
de medalha, foi também venera religiosa e insígnia da Confraria dos
Escravos de Nossa Senhora da Conceição.
TIPO CO 4 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA DE
OFERTA: PRATA CUNHADA DE D. JOÃO IV, ERA DE
1648. Bordadura dos castelos lisa
O que distingue e separa o fabrico de uma moeda de curso legal, de
uma medalha de oferta, além do módulo, é sobretudo o seu peso.
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
72
CO 4.01 – D. João IV, 1648. Leilão J. Schulman da colecção Meili,
1910 (parte I, lote 540): prata, mod n/d, peso 21 g, BC.
CO 4.02 – D. João IV, 1648. Leilão Künker 131/2007 (lote 4375),
Osnabrück, Alemanha: prata, módulo 41 mm, peso
21,22.
Este segundo exemplar, em excelente estado de conservação, a ter
sido moeda teria que mostrar um peso correspondente ao legal na
época (28,68 g). Pelo seu baixo peso se vê que não é moeda original
do tempo de D. João IV, mas sim uma medalha de oferta, que foi fabricada com recurso aos dois cunhos originais, mas em data posterior
não identificada.
De notar que, à vista desarmada, a gravura do reverso não mostra
qualquer sinal de fractura do cunho.
TIPO CO 5 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA DE
OFERTA: RÉPLICAS FUNDIDAS DE D. JOÃO IV, ERA
DE 1648. Bordadura dos castelos lisa
CO 5.01 – D. João IV, 1648. Réplica. Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro, colecção António Pedro de Andrade,
N.º Património (SIGA) 183319: prata, módulo 40,7 mm,
espessura do bordo 2,7 mm, espessura ao centro 3,01
mm, peso 25,71 g
Companheira da medalha-venera anterior, este exemplar com aspecto poroso, fundido, é notável no sentido em que materializa a série
das medalhas de oferta a que se referiu Lopes Fernandes em 1861, e
que foi desconhecida por todos os autores e historiadores portugueses: «Desde o tempo do Senhor D. João IV que os nossos Reis costumam oferecer umas medalhas em alguns dias festivos na capela Real
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
73
(...) Na catedral da Sé de Lisboa se guardam vários exemplares de
duas qualidades destas medalhas que servem nas ofertas (...) Umas
de prata fundida, em tudo semelhante às medalhas de Nossa Senhora
da Conceição do tempo de D. João IV (...)»
A fundição revela que o modelo que serviu de molde era uma moeda
original da Conceição de D. João IV, enquanto que na venera furada
para servir de insígnia, o molde era uma moeda original de D. Pedro
II.
A questão que se deve pôr, perante estes testemunhos numismáticos conservados no MHN, é o de saber se os nossos reis utilizavam
medalhas da Conceição fundidas ou cunhadas, para as suas ofertas
à capela da Senhora de Vila Viçosa, no dia 8 de Dezembro de cada
ano. Uma primeira resposta aparece evidente: -- até 1685 terão sido
utilizadas moedas originais, cunhadas em nome dos dois soberanos;
-- posteriormente terão surgido as medalhas cunhadas e recunhadas
para ofertas régias ao longo dops anos, e, mais tarde, as medalhas
fundidas.
TIPO CO 6 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA DE
OFERTA: PRATA CUNHADA DE D. PEDRO II , SEM
DATA. Bordadura dos castelos estriada
Este tipo, ilustrado e catalogado como único tanto em Batalha Reis,
como em Alberto Gomes, mas do qual existem registos de pelo menos
dois exemplares, muito embora variantes do anverso, revela-nos um
par de cunhos totalmente diferente dos anteriores.
CO 6.01 – D. Pedro II, s/d. Medalha. Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro, colecção António Pedro de Andrade:
prata, cunhada, módulo 41,1 mm, espessura no bordo
1,9 mm, espessura ao centro 2,05 mm, peso 15,39 g.
Inventário N.º Património (SIGA) 212837
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
74
Anverso: PETRVS
II • D • G • PORTVGALIÆ • ET • ALGARBIÆ •
REX . (Pedro II pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves), na
orla circular, com um quadrifólio com âmago intercalado, legenda com
os pontos intercalares centrados, incluindo o ponto depois do numeral,
e o ponto final na linha inferior. Ao centro do campo, uma nova composição de maior dimensão, com o escudo real de base acentuadamente
bicuda, bordadura dos castelos e quinas estriadas (esmaltes heráldicos
vermelho e azul), espaço entre diadema e escudo também estriado.
Reverso: TUTELARIS // REGNI, nas orlas laterais. A imagem da
Senhora com maior volume, toda a composição mal definida e adulterada nos pormenores, o Espelho, direito, sem os três botões de apoio; o
globo sem a era. Bordo liso, menos relevado.
CO 6.02 – D. Pedro II, s/d. Medalha, variante de cunho de anverso.
Leilão J. Schulman de Outubro de 1927 (lote 58): prata,
fundição antiga, módulo 40,5 mm, peso 21,3 g, bela.
Anverso: PETRVS
II D • G • PORTVGALIÆ • ET • ALGARBIÆ • REX
. (Pedro II pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves), na orla
circular, como no exemplar anterior, mas sem o ponto intercalar depois
do numeral.
Reverso: Como no anterior
É o exemplar ilustrado em Gomes, P2 E7.01. A falta de pontuação
depois do numeral parece ser coisa de pouca importância, mas não é
bem assim, já que revela a abertura de dois cunhos distintos neste tipo
de D. Pedro II, pelo mesmo gravador e na mesma época.
O peso destes dois exemplares de prata (15,4 e 21,3 g) indica claramente preocupações de economia de fabrico, o que o coloca na categoria de uma medalha, para oferta ou usufruto particular. O exemplar
no acervo do MHN é claramente cunhado, ao passo que o exemplar
leiloado em 1927 é catalogado como uma fundição antiga. Além destas, a característica mais importante é não ter gravada a era no globo,
e mostrar o campo estriado na bordadura dos castelos do escudo na-
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
75
cional, a par de toda uma gravura renovada em ambas as faces.
Trata-se, assim, de um par de cunhos completamente novo, em
nome de D. Pedro II, muito diferente dos cunhos conservados no arquivo da Casa da Moeda. Talvez sejam estes os novos cunhos gravados por Roque Francisco, os quais, por razões que se desconhecem,
não foram guardados, talvez tenham ficado na posse do gravador.
As recunhagens no reinado de D. Pedro II
Lopes Fernandes e Teixeira de Aragão escreveram, sem apresentar
provas documentais, que a Conceição foi recunhada no reinado de D.
Pedro II, com a legenda titular de D. João IV: «No reinado de D. Pedro
II se reproduziu esta moeda com as legendas do Sr. D. João IV» No
entanto: «Na Casa da Moeda de Lisboa existem uns cunhos da Moeda
da Conceição (...) com a legenda do nome do Sr. D. Pedro II».
Esta tese fez escola em todos os autores modernos, que associaram
as recunhagens da Conceição como tendo sido feitas com a legenda
titular de D. João IV, esquecendo o cunho em nome de D. Pedro II.
Os exemplares acima descritos, venera CO 3.01 e medalhas CO
6.01 e CO 6.02, em nome de D. Pedro II, vêm demonstrar outra ordem
dos acontecimentos:
1 – as moedas originais da Conceição foram cunhadas nos reinados
de D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II, até ao desgaste do respectivo cunho do anverso;
2 – no reinado de D. Pedro II foi gravado um novo cunho do anverso, em nome deste soberano, sem os riscados heráldicos no escudo,
utilizado na continuação da produção destas moedas até ao ano de
1685, mantendo-se operacional o cunho original do reverso com a era
de 1648 gravado em França;
3 – já perto do final desse reinado, novos cunhos do anverso e do
reverso foram gravados em nome do soberano reinante, para a produção de medalhas de ofertas da Conceição, apresentando os esmaltes
heráldicos no escudo nacional;
76
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
4 – a existência destes exemplares com legenda titular em nome de
D. Pedro II (venera e medalhas) demonstra a impossibilidade de terem
sido feitas outras recunhagens, no mesmo reinado, com legenda titular em nome de D. João IV;
5 – em conclusão, as recunhagens da Conceição com a legenda titular joanina original, bordadura de castelos estriada e era de 1648, são
posteriores e terão sido executadas já no reinado de D. João V.
Os esmaltes heráldicos na numária portuguesa do século XVIII
Segundo Teixeira de Aragão, o gravador Roque Francisco foi nomeado abridor da casa da moeda em 1681, teve acrescentamento de
ordenado em 1725, em 1740 ainda estava activo e faleceu em 1745.
Foi um dos responsáveis pelo melhoramento da qualidade da moeda
de cobre do reinado de D. João V, tendo também sido associado aos
novos cunhos para a Conceição. 28
Nunca vimos referido por nenhum autor este importante pormenor
da alteração heráldica das armas nacionais em moeda, com a introdução dos riscados dos esmaltes, cuja representação em moeda nacional está associada ao início da cunhagem mecânica em Portugal
(desde 1678), com recurso a balancés de parafuso e virola de contenção, para gravação da serrilha e do cordão ornamental no bordo das
moedas.
A representação do campo vermelho da bordadura dos castelos (riscado vertical) e do campo azul das quinas (riscado horizontal), aparece primeiramente em moeda de ouro na série dos escudos joaninos de
1722 e na nova moeda de cobre de D. João V de 1723, continuando
ausente nos cruzados de prata até 1778 (fig. 5 e 6).
Assim sendo, o cunho do anverso da Conceição com a legenda titular joanina, conservado no arquivo da casa da moeda de Lisboa e utilizado em várias recunhagens até 1890, teria sido gravado no reinado
de D. João V e em data próxima a 1722.
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ARAGÃO, Teixeira de. Descrição Geral e Histórica..., op. cit, tomo I, p. 73
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
77
FIG.5 e 6 – Desenhos das primeiras moedas de cobre e de ouro, do reinado de
D. João V, com a inovação dos esmaltes heráldicos no escudo real
TIPO CO 7 – A CONCEIÇÃO COMO MEDALHA:
RECUNHAGENS DE D. JOÃO IV, ERA DE 1648 (até
1890). Bordadura dos castelos estriada
Anverso: IOANNES . IIII . D . G . PORTUGALIÆ . ET . ALGARBIÆ .
REX . (João IV pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves), na
orla circular, com os pontos intercalares e final da legenda na linha inferior, limitada por cercadura de meia cana relevada. Ao centro do campo,
a cruz da Ordem de Cristo, carregada pelo escudo real coroado, com as
quinas e os castelos em campo estriado.
Reverso: TUTELARIS // REGNI (Protectora do Reino), nas orlas laterais. Ao centro do campo, a imagem da Senhora da Conceição, de corpo inteiro, circundada lateralmente, no sentido dos ponteiros do relógio,
pelas invocações da ladainha da Virgem: o Espelho, já sem o aro lateral
esquerdo e com um botão apenas; a Arca de Noé; a Fonte e o Horto
plantado, em fundo de terreno com ervas; o Templo e o Sol, cujos raios
não interrompem a cercadura exterior, assente no globo com a era de
1648. Atravessando toda a gravura, da direita para a esquerda, sobre a
Fonte, Lua e Horto, uma linha de fractura do cunho. Bordo liso.
Características intrínsecas médias: módulo entre 40 e 41 mm; es-
78
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
pessura de 3 mm no bordo e 4 mm ao centro; pesos entre 31 e 39 g,
existindo exemplares cunhados e outros fundidos. Ao maior peso deve
corresponder a menor antiguidade.
Principais características da gravura: campo limitado por um bordo
de meia cana, sem cercaduras. No anverso, as palavras da legenda
estão separadas por pontos na linha inferior, terminando do mesmo
modo. Ao centro, as quinas e os castelos da bordadura repousam em
campo estriado. No reverso, os raios do Sol não tocam o bordo; o
Espelho perdeu o aro esquerdo e dois pontos; a linha de fractura é
claramente visível nos exemplares de 1890. Estado de conservação
soberbo.
CO 7.01 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Museu
Numismático Português, INCM, Lisboa: prata, fundida,
módulo 40 mm, peso 37,0 g. Inventário 13569
Um exemplar semelhante, fundido, com 36 g de peso foi vendido em
1927 em Amesterdão (ver CO 7.10 c).
CO 7.02 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Museu
Numismático Português, INCM, Lisboa: prata, cunhada, módulo 40 mm, peso 38,65 g. Inventário 13570
Estes dois exemplares figuram no respectivo catálogo das moedas
do Museu Numismático Português, a par das moedas originais.29
Os números de inventário que lhes foram atribuídos, e que são
registados por ordem cronológica de entrada no respectivo livro de
inventário,30 situam claramente a sua entrega no reinado de D. Carlos.
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AMARAL, C. M. Almeida do - Catálogo descritivo das moedas portuguesas – Museu
Numismático Português, tomo II, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pp. 25-26
(descrição) e p. 70 (fotografias).
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CASA DA MOEDA - Livro de Inventário de Moedas e Medalhas. Manuscrito iniciado em
1872, regista todas as espécies em depósito no antigo Gabinete de Numismática, numeradas por
ordem cronológica de entrada.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
79
Ou seja, estamos perante as famosas recunhagens de 1890, a que
Batalha Reis alude, não existindo registos de entradas de medalhas
anteriores.
O exemplar CO 7.01, fundido, contrasta claramente com a limpeza
do campo do segundo.
No conjunto, salienta-se o seu grande peso nos exemplares mais
modernos, que tem a ver com o bom enchimento dos cunhos, numa
época em que as máquinas de cunhar já não eram balancés de parafuso, mas prensas a vapor de rótula, outra invenção alemã; e o bordo
mais uniforme do que nas moedas originais, resultado do uso de uma
argola de contenção na estampagem, ou virola.
CO 7.03 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro, colecção António Pedro de
Andrade: prata, cunhada, módulo 40,7 mm, espessura
no bordo 2,7 mm, espessura ao centro 4,05 mm, peso
35,90 g. Inventário N.º Património (SIGA) 212835
CO 7.04 – D. João IV, era de 1648. Provas de cunho c. 1890. Museu
Histórico Nacional, Rio de Janeiro, colecção António
Pedro de Andrade: estanho ou chumbo, cunhadas,
unifaces, módulo 41 mm, peso do conjunto 18,79 g.
Inventário N.º Património (SIGA) 212836
Mais uma vez, a colecção Andrade do MHN revela-nos um magnífico exemplar, desta vez das controversas recunhagens de 1890,
as quais apresentam a característica marca na gravura do reverso:
-- uma longa linha de fractura do cunho, que se prolonga de um bordo
ao outro, sobre o horto, a meia-lua e a fonte, claramente visível neste
exemplar.
Vem acompanhado por duas provas uniface de cunho, em chumbo
(?) ou talvez em estanho, depois coladas, que nos revelam o pormenor da gravura antes do início desta estampagem de 1890, como ain-
80
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
da hoje é hábito praticar no fabrico de medalhas, para verificação da
qualidade da gravura dos cunhos.
Mas neste exemplar surge um pormenor de grande valor documental, como se pode comprovar com um olhar atento para a gravura do
reverso: -- a prova de chumbo apresenta claros indícios da existência de uma fractura no cunho, ainda pouco perceptível e de pequena
extensão, localizada exactamente no mesmo sítio, sobre o bordo da
fonte, pelos pés da Virgem até ao horto. Uma linha de fractura que
se terá acentuado com as recunhagens de 1890, mas que já existia
anteriormente.
Ou seja, o novo cunho do anverso da Conceição com a legenda titular em nome de D. João IV, gravado no reinado de D. João V com a
bordadura dos castelos estriada, apresenta evidências de ter sido utilizado em várias recunhagens ao longo dos tempos. Uma dessas recunhagens aparece desenhada em 1857 na obra de Lopes Fernandes
sobre as moedas portuguesas.
CO 7.05 – D. João IV, era de 1648. Fundição grosseira. Gabinete
de Numismática da Biblioteca Nacional (inventário antigo n.º 355. Transferido para o Banco de Portugal em
2009): bronze(?), módulo 41,1 mm, peso 27,24 g, espessura no bordo 3,8 mm; e no centro 3,9 mm.
Este exemplar foi inventariado em 1911 por José Leite de Vasconcelos
(sob o n.º 355), que dele não deixou nenhum pormenor de gravura, ou
de peso.
Consta também do inventário das medalhas portuguesas do Gabinete
Numismático da Biblioteca Nacional, publicado em 1927 por Ernesto
Ennes (sob o n.º 2)31, mas ficamos sem saber se seria uma moeda
original ou uma recunhagem.
Em 2009 foi transferido para o Banco de Portugal, em conjunto
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ENNES, Ernesto - O Gabinete Numismático, II – Inventário das Medalhas Portuguesas.
Lisboa: Biblioteca Nacional, 1927
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
81
com todo o espólio do antigo gabinete de numismática da Biblioteca
Nacional, ao abrigo de um protocolo assinado entre as duas instituições, conforme informação prestada pessoalmente ao autor pela actual directora da Biblioteca Nacional, Dra. Inês Pereira.
O autor solicitou ao museu do Banco de Portugal informação sobre
as características deste exemplar vindo da Biblioteca Nacional, que
agora se divulgam. Agradecemos à Dra. Cristina Mota Gomes o envio
dessa informação e das fotografias do anverso, reverso e do bordo
deste exemplar, pela primeira vez aqui divulgadas ao público.
Não é uma moeda, nem uma recunhagem, mas sim uma cópia por
fundição muito grosseira, em cobre, de uma recunhagem em nome de
D. João IV (anterior às recunhagens de 1890), apresentando sinais
das duas faces terem sido soldadas, como se pode ver pelo pormenor
do bordo.
Será este o mesmo exemplar catalogado por Leite de Vasconcelos e
por Ernesto Ennes? Tudo indica que sim, o que é um facto bem intrigante e, talvez, bem revelador da confusão então reinante sobre esta
emblemática moeda da Conceição e das suas reproduções, provas e
cópias posteriores.
CO 7.06 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Fundação da
Casa de Bragança, Vila Viçosa, colecção de medalhas
de D. Luís I, Vila Viçosa: prata, cunhada, módulo 40 mm,
espessura do bordo 3 mm, peso 37 g. Inventário n.º 8
A história recente desta colecção é mal conhecida, para além do
testemunho que nos deixou Teixeira de Aragão em 1874. Sabe-se
que foi “nacionalizada” em 1911, deu entrada no Museu Numismático
Português e, com Oliveira Salazar, voltou à posse da Fundação da
Casa de Bragança, encontrando-se actualmente em Vila Viçosa.
Existe um catálogo dactilografado desta grande e bonita colecção de
medalhas portuguesas e estrangeiras, do senhor rei D. Luís I.
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
82
CO 7.07 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Banco Espírito
Santo, colecção Carlos Marques da Costa, Lisboa: prata, módulo e peso n/d. Catálogo n.º 105.01
Dos dois exemplares existentes nesta colecção, uma moeda original
e uma medalha, os catalogadores seleccionaram, para o livro editada
pelo BES em 2008, a recunhagem de 1890, que apresentaram como
sendo uma moeda original do reinado de D. João IV. 32
Como ficou dito, na colecção ilustrada no portal do BES Numismática,
vem ilustrada a moeda original de 1648, mas erradamente catalogada
como “réplica de 1890” (ver CO 1.06).
CO 7.08 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Leilão Numisma
86/2010 (lote 525), colecção Elmano Costa, Lisboa: prata, módulo 41 mm, peso não indicado.
Exemplar de excelente qualidade. Há que referir, de forma clara e
incisiva, a responsabilidade que recai sobre os leiloeiros, ao não publicarem as características físicas das moedas e medalhas que vendem,
um facto que prejudica o desenvolvimento dos estudos numismáticos
e escamoteia falsidades vendidas como verdadeiras.
CO 7.09 – D. João IV, era de 1648. Medalha, c. 1890. Leilão Heritage
World Coins, 3038/13Jan2015 (lote 36092), Nova Iorque:
prata, peso n/d.
Excelente exemplar, cunhado em alto relevo, cuja fotografia permite
observar todos os pormenores das recunhagens de 1890.
No anverso, a bordadura dos castelos estriada e o ponto terminal
da legenda titular na parte inferior da linha; e, na metade inferior do
reverso, a grande linha de fractura do cunho.
���Colecção Banco Espírito Santo .Colecção Carlos Marques da Costa. Lisboa: BES, 2008,
p. 93
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
83
CO 7.10 – D. João IV, era de 1648. Medalha, recunhagens.
Exemplares dos leilões J. Schulman, de Amesterdão,
de 1909 a 1927.
a. Prata, mod. 41 mm, peso 31,5 g (col. Álvaro Araújo
Ramos, 1909, lote 308; col. Meili, 1910, lote 539; Outubro
1927, lote 52).
b. Prata, mod. 40 mm, peso 34,2 g (Abril 1921, lote
357).
c. Prata, fundição antiga, mod. 40,5 mm, peso 36 g
(Outubro 1927, lote 53).
d. Bronze, mod. 40,5 mm (em vários catálogos)
Os dois últimos exemplares não foram ilustrados nos catálogos, mas
o seu elevado peso (36 g) coloca-os na categoria das recunhagens do
século XVIII e XIX, a par do primeiro exemplar, de todos o mais antigo
das recunhagens com a bordadura dos castelos estriada, iniciada no
reinado de D. João V, por ter um peso mais reduzido (31,5 g).
TIPO CO 8 – A FALSA CONCEIÇÃO DE 1650:
UMA RÉPLICA MODERNA
Quanto ao exemplar com era de 1650 (Cartilha e Preçário, n.º 29),
da ex-colecção do banqueiro Afonso Pinto de Magalhães do Porto,
posteriormente integrada na ex-colecção do Banco Mello,33 e actual
colecção do Banco Millenium/BCP, é nitidamente de fábrica moderna,
nada tem a ver com os exemplares originais.
Um primeiro exemplar foi leiloado em Amesterdão, em Outubro de
1927 (lote 57, peso 29,4 g).
Um segundo exemplar apareceu nas colecções do Millenium BCP,
certamente vindo dos acervos do Banco Português do Atlântico ou do
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FARIA, Miguel Figueira de. Colecção numismática do Banco Mello: história e património,
Porto: Banco Mello, 1997.
84
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Fonsecas e Burnay, tendo sido leiloado em Lisboa em Março de 2013
CO 8.01 – D. João IV, era de 1650. Falsa réplica moderna, finais do
séc. XIX, casa da moeda de Paris (?). Banco Millennium
BCP, ex-leilão Jacques Schulman de 31 de Outubro de
1927 (Amesterdão, lote 57), ex-colecção Afonso Pinto
de Magalhães, ex-col. Banco Mello, Porto: prata, cunhada, módulo 42,6 mm, peso 29,34 g. Catálogo n.º 125.
Este exemplar permanece nas colecções do banco Millennium
BCP.
CO 8.02 – D. João IV, era de 1650. Leilão Numisma 95/2013 (lote
812), das colecções do Banco Millennium BCP, Porto:
prata, cunhada, módulo 42 mm, peso 27,95 g. Falsa réplica moderna, finais do séc. XIX, casa da moeda de
Paris (?)
Refira-se a interessante descrição apresentada pelo leiloeiro neste
último leilão, tentando escamotear a falsidade da peça, mas que a
praça acabaria por reconhecer, obrigando à retirada do leilão da falsa
Conceição de 1650: «Estas moedas mercê da sua grande raridade
têm ao longo dos anos suscitado uma certa polémica entre os numismatas consagrados, Lopes Fernandes, João Bautista de Castro,
Teixeira de Aragão, Batalha Reis, Ferraro Vaz entre outros. O peso
deste exemplar está muito próximo do peso legal 28,68g. Ver a separata da revista Brotéria, 6 de Dezembro de 1946, o culto de Nossa
Senhora da Conceição na Numismática, por Pedro Batalha Reis».
Uma justificação necessária
No primeiro número de 2009, a revista Moeda publicou um conjunto
de textos sobre a moeda/medalha da Conceição de 1648, nos quais
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
85
colaborei com a apresentação de um primeiro inventário coleccionista
e museológico, onde se dava conta dos exemplares conhecidos e das
suas principais características. Era também conhecida a existência de
um exemplar datado de 1650 na antiga colecção do banqueiro Pinto
de Magalhães, hoje colecção do Banco Millenium BCP, no Porto.
Não tivemos então a oportunidade de estudar esse exemplar, do
qual foi publicada na revista uma ilustração antiga e de má qualidade.
O texto que a acompanhava dizia o seguinte: «É o único exemplar conhecido com era de 1650. Tem um módulo diferente do normal (40-41
mm) e um peso muito superior ao legal. Talvez por isso as gravuras
denotem um enchimento melhor, particularmente nos castelos e nas
quinas do escudo. Não é crível que tenha sido cunhado para servir
como moeda. Será talvez uma das medalhas mandadas cunhar em
Dezembro de 1650, antes de terem curso legal em Outubro de 1651.»
34
Damos por não dito tudo o que acima transcrevemos, que lamentamos por não corresponder à realidade dos factos, pelo qual pedimos
desculpa.
Anos depois tivemos a oportunidade de estudar melhor este primeiro
exemplar, e o segundo, de que desconhecíamos a existência, e ficamos estarrecidos com o que vimos: -- a Conceição de 1650 mais não
é do que uma réplica moderna, estampada segundo os modernos
preceitos da gravura e do fabrico de medalhas, muito ao género
das réplicas feitas em 1890 e em 1946.
Contudo, esta apareceu num leilão Schulman de Outubro de 1927,
daquela que foi sem dúvida a maior e mais completa colecção de medalhas portuguesas de que há memória escrita, a colecção de “Um
Distinto Amador Português Residente em Paris” (colecção de Carvalho
Monteiro)
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PEDRA, João Tavares, TRIGUEIROS, António Miguel, LEMOS, Andrade.
Moeda,Revista Portuguesa de Numismática e Medalhística, XXXIV, 1 (2009), 27-36.
86
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
Uma réplica fabricada em Lisboa ou em Paris?
Onde terão sido fabricadas estas réplicas modernas datadas de
1650? É aqui que o estudo industrial da casa da moeda de Lisboa,
que publicamos no nosso livro sobre a história do Escudo Português,
se revela de grande utilidade.
A falsa Conceição de 1650 revela uma gravura seca, uniformemente
perfeita, plasmada de cunhos requintadamente maquinados, que não
podiam ter sido obra feita em Lisboa, por duas razões simples: -- a
primeira, porque a sua produção deixaria um rasto documental e já
teria sido detectada; -- a segunda e mais importante, porque a casa da
moeda de Lisboa só teve a sua primeira máquina moderna de redução
de cunhos em 1912, o pantógrafo tridimensional Victor Janvier, donde
saíram os cunhos de todas as primeiras moedas republicanas.
Mas em Paris tudo era possível mandar fazer e, de facto, era em
Paris que desde finais do século XIX se mandavam abrir os cunhos
para moedas e para medalhas, tais como os das moedas comemorativas do Marquês de Pombal e da Guerra Peninsular, de 1910, ou os
cunhos das medalhas comemorativas de Almeida Garrett em 1899,
e os da Guerra Peninsular, em 1910, cunhos esses reduzidos mecanicamente de desenhos ou de esculturas, nos grandes pantógrafos
tridimensionais da casa Janvier, recentemente inventados. 35
Apesar de não existir qualquer prova documental, a observação
atenta das gravuras maquinadas das falsas Conceição de 1650, em
sintonia com o conhecimento do estado de evolução instrumental da
indústria da moeda nos finais do século XIX, permite-nos uma conclusão: -- as réplicas terão sido cunhadas em Paris, se não mesmo na
sua casa da moeda, eventualmente, por encomenda de um coleccionador português, talvez o mesmo “distinto amador residente em Paris”
do leilão de 1927, obcecado com a ideia de não ter na sua colecção
um desses raros ensaios de 1650, de que falava Teixeira de Aragão...
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TRIGUEIROS, António Miguel, A Grande História do Escudo Português, Lisboa: Colecções Philae, 2003 (2004), p. 71
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
87
Como foi possível que esta réplica moderna tenha sido considerada
como uma moeda original de 1650? Como foi possível que ninguém
tenha dado pelo engano? Como foi possível catalogar uma como duvidosa e a outra, igual, como boa?
O primeiro exemplar CO 8.01 tem um módulo e um peso muito superior aos originais, toda ele revela um perfeito enchimento dos cunhos,
ou seja, revela o recurso a poderosas máquinas de estampar medalhas. Não denota o mais pequeno desgaste nos pontos altos do relevo,
coroa, castelos e quinas do escudo, ou na cabeça e no panejamento
da imagem, toda ela está artificialmente patinada.
O segundo exemplar CO 8.02 apresenta umas mossas fingidas no
bordo, uma gravura algo puída, para lhe dar antiguidade. Mas os dois
exemplares provêm do mesmo par de cunhos.
A cópia é fiel e de grande qualidade. No entanto, alguns pormenores
da nova gravura destoam do original: -- a legenda titular termina sem
qualquer ponto; o espelho está direito; o sol não intercepta a cercadura
exterior, o relvado inferior não existe, substituído por uma espécie de
calçada; o Horto não desaparece por debaixo do globo; os algarismos
da era não correspondem ao desenho da época; as letras da legenda
são mais grossas, etc.
Podemos concluir que não existiu nunca nenhuma moeda da
Conceição com a era em que foi autorizada a sua cunhagem (1650),
o cunho original foi gravado em França em 1648 e todas as réplicas
e reproduções feitas posteriormente respeitaram essa data, muito à
custa de um grande desgaste do cunho original.
TIPO CO 9 – A CONCEIÇÃO DE 1946:
MEDALHA COMEMORATIVA
Por ocasião das comemorações do 3.º Centenário da Consagração
de Portugal à Senhora de Vila Viçosa, foram emitidas medalhas comemorativas reproduzindo as moedas de 1648, utilizando-se novos
88
ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
cunhos gravados pelos que se guardam no arquivo da casa da moeda,
posteriormente retocados para se adicionar as datas evocativas 1646
– 1946, ladeando os braços da cruz.
As medalhas estampadas evidenciam alguns pormenores do
desgaste do cunho original do reverso, na imagem da Senhora da
Conceição, pelo polimento da mesa do cunho, sendo que o mais visível é o Espelho, que já não apresenta o aro esquerdo e os dois botões
correspondentes.
CO 9.01 a 03 – D. João IV, era de 1648. Medalha comemorativa,
datada 1646//1946. Módulo 42-43 mm; ouro, peso 69,65
g; prata, peso 40,43 g; bronze, peso 37,2 g. Estampada
na casa da moeda de Lisboa
Refira-se que estas medalhas de 1946 são ainda hoje muito apreciadas pelos coleccionadores, e que nunca houve conhecimento de
que qualquer uma delas tenha sido adulterada para se fazer passar
por moeda.
TIPO CO 10 – A CONCEIÇÃO DE 1996:
MOEDA COMEMORATIVA DA REPÚBLICA
Em 1996, para comemorar os 350 anos da proclamação régia da
Senhora de Vila Viçosa como Padroeira de Portugal, o governo da
República Portuguesa emitiu pela INCM uma moeda comemorativa
corrente de 1000 escudos, de prata, com as mesmas características
dos “reales de A ocho” que inspiraram as amoedações joaninas (Fig.
7).
CO 10.01 – Moeda comemorativa, 1996. 1000 escudos, prata, módulo 40 mm, peso 28 g. Escultor Helder Batista.
Amoedação de 620.000 ex. correntes (prata 500‰) e
12.260 ex. de cunhagem especial “proof” (prata 925‰).
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
89
FIG. 7 - Desenho original do escultor Helder Batista, para a moeda comemorativa
de 1000 escudos de prata, de 1996 (arquivo do autor)
O autor teve o privilégio de ter sido o proponente da cunhagem desta moeda comemorativa alusiva aos 350 anos da proclamação da
Padroeira de Portugal.
TIPO CO 11 – A CONCEIÇÃO DE 1996:
MEDALHA COMEMORATIVA
Em simultâneo foi editada uma medalha comemorativa, com gravuras alusivas à Senhora de Vila Viçosa e aos seus atributos.
CO 11.01 – Medalha comemorativa, 1996. Cunhada, bronze niquelado, módulo 65 mm. Escultora Clara Menéres. Edição de
500 ex. Imprensa Nacional - Casa da Moeda
Nesta nova interpretação plástica da Conceição de 1648, a imagem
da Senhora é apresentada no anverso, em fundo de esplendor raiado,
e os seus atributos figuram espalhados no campo do reverso.
TIPO CO 12 – A CONCEIÇÃO DE 1996:
ESCULTURA COMEMORATIVA
A proclamação régia da Senhora de Vila Viçosa como Padroeira de
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Portugal, e o acto simbólico da sua coroação como Rainha de Portugal,
foi o tema para uma escultura comemorativa, de que se fizeram múltiplos pelo processo de fundição de cera perdida, nas oficinas da Casa
da Moeda de Lisboa.
CO 12.01 – Múltiplo comemorativo, 1996. Bronze, fundida (ceras
perdidas) e prata dourada (coroa), dimensões 110x90x50
mm, peso 1.400 g Com base de mármore verde de Vila
Viçosa. Escultor João Paulo Trigueiros. Edição de 500
ex. Imprensa Nacional - Casa da Moeda.
A Senhora é apresentada sentada, com o braço esquerdo estendido
em gesto de protecção da esfera armilar de Portugal, colocada na
base da figura, e segurando na mão direita a coroa real.
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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PARTE III – CONCLUSÕES:
AS DIFERENTES ÉPOCAS DA CONCEIÇÃO
De tudo o que ficou dito e, sobretudo, ilustrado, fica claro que a tradição de honrar a memória da Senhora da Conceição, Padroeira de
Portugal, com a reprodução de medalhas evocativas da grande moeda
joanina, quer por cunhagem, quer por cópia por fundição, prolongouse pelo reinado dos filhos do rei Restaurador, e também pelos reinados seguintes.
Lopes Fernandes transcreve parte do preâmbulo da lei que regulamentou em 1819 a Ordem Militar da Conceição, na qual se faz uma
longa referência à devoção mariana pelos reis de Portugal: «o Senhor
D. João V, por Carta Régia de 12 de Novembro de 1717, mandou
celebrar a mesma festividade (da Conceição) com toda a pompa; e a
Rainha a Senhora D. Maria I em 1751 se alistou na mesma confraria
dos Escravos da Conceição, havendo-se igualmente alistado na mesma o Senhor D. João VI, então Príncipe, no ano de 1769».36
Seriam em ocasiões festivas como essas, que as reproduções seriam mandadas executar, como medalhas de oferta, sendo também
usadas como veneras pendentes ao peito.
A data da carta régia de 1717, acima indicada, é interessante também na medida em que, nessa mesma época, Lopes Fernandes e
Teixeira de Aragão também falam da reprodução que então se fez
(em 1718) de outra rara moeda, o português de ouro manuelino: «mas
pela forma dos tipos se conhece que foram cunhadas nos tempos dos
Senhores D. Pedro II, ou D. João V, existindo ainda estes cunhos na
casa da moeda de Lisboa, onde não se encontram outros cunhos anteriores a estes reinados». 37
De facto, além dos cunhos existem provas de ouro, cuja semelhança
com a gravura das réplicas da Conceição é importante notar.
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FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes - Memória das medalhas e condecorações portuguesas..., op. cit, p.14.
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Idem, ibidem, p. 28
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
A história que os exemplares ilustrados nos contam é, assim, bem
diferente daquela que Lopes Fernandes, Teixeira de Aragão e Batalha
Reis nos transmitiram: -- a recunhagem da Conceição com o cunho titular em nome de D. João IV, só terá acontecido no reinado de D. João
V, em época próxima à determinação de 1717 e da grande reforma
numismática de 1722-23, quando as moedas começam pela primeira
vez a representar os esmaltes heráldicos no escudo das armas nacionais.
O primeiro desenho desse novo tipo da Conceição-medalha foi publicado em 1857, por Lopes Fernandes, enquanto que o primeiro desenho da moeda original veio à estampa em 1655, na obra de Severim
de Faria.
A estima e a devoção dos reis de Portugal eram tal que, em honra
da Padroeira, D. João VI criou em 1818, no Brasil, a Ordem Militar
de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, no dia da sua sagração. Não surpreende, assim, que a rainha D. Amélia tenha querido
continuar com essa tradição, cerca de 1890, quando foram feitas as
últimas recunhagens, com recurso ao cunho titular aberto no reinado
de D. João V.
ÉPOCA I: 1646 – 1650. Proclamação solene da Virgem Imaculada
da Conceição como Padroeira de Portugal e dos seus domínios ultramarinos.
É encomendada em França a abertura de um cunho alusivo
à imagem da Senhora de Vila Viçosa, com desenho feito em Lisboa,
para moeda equivalente aos grandes “reales de A ocho” hispano-americanos (peso de 28 g; módulo de 41 mm), bem como, de uma nova
máquina de cunhar, do sistema de balancé de parafuso, que chegou
a Lisboa em finais de 1649, sendo portador Antonio Routier. O contracunho, com as armas reais, terá sido gravado em Portugal.
Em 1650 são estampadas as primeiras provas de ouro e de prata das moedas da Conceição, sem utilização de virola ou argola de
contenção do bordo, e fixado o respectivo peso, de forma a permitir
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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um bom enchimento dos cunhos. As provas são levadas à apreciação
do conselho da Fazenda e do monarca. Em Dezembro desse ano são
encomendados os primeiros exemplares para fazer oferta na casa da
Senhora, em Vila Viçosa, no dia da sua festa. O seu peso define o seu
valor monetário.
ÉPOCA II: 1651 – 1685. A Conceição entra no giro monetário,
com curso legal definido por lei (12$000 réis para o ouro, peso de 12
oitavas ou 39,43 g; 600 réis para a prata, peso de 1 onça ou 28,68 g).
Os cunhos vão-se desgastando com o uso da nova maquinaria.
A necessidade de substituir o cunho original das armas nacionais, leva à abertura de um novo cunho, em nome do soberano reinante, Pedro II, em tudo semelhante ao anterior. O fabrico da nova
moeda continua até 1685, quando a sua cunhagem como moeda é
suspensa.
ÉPOCA III: 1694 – 1706. O estabelecimento da confraria dos
Escravos da Conceição obriga à estampagem de veneras e de medalhas de oferta em nome de D. Pedro II.
Novos cunhos do anverso e do reverso (sem a era de 1648)
são abertos pelos gravadores da casa da moeda, sob a orientação
do gravador Roque Francisco, que introduz a inovação dos riscados
heráldicos no escudo nacional. Os cunhos deixam de ser utilizados no
final desse reinado, sendo o seu paradeiro hoje desconhecido.
Os oficiais da casa da Senhora passam a reproduzir as moedas
originais por fundição, utilizando-as como medalhas ou como insígnias
pendentes de fita ao peito.
ÉPOCA IV: 1717 – 1807. São reproduzidas moedas dos reinados anteriores, como os Portugueses de ouro (1717-18), para o círio
pascal da capela real, e a Conceição de prata (cerca de 1720), para as
ofertas régias, com abertura de um novo cunho do anverso em nome
do rei Restaurador, copiado do cunho feito no reinado anterior, com os
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ANTÓNIO MIGUEL TRIGUEIROS
esmaltes heráldicos no escudo nacional.
A sua estampagem em prensas com utilização de virola de contenção, faz reduzir a espessura do bordo.
Sempre que necessário para as funções régias, novas reproduções vão sendo feitas nos reinados seguintes, por cunhagem e por
fundição, ao longo deste século, até às invasões francesas. O cunho
do reverso apresenta já indícios de uma fractura desde o bordo da
fonte até ao horto.
ÉPOCA V: 1818-1890. A devoção à Imaculada Conceição continua com a corte de D. João VI no Brasil, que em sua honra e em memória dos benefícios que a nação Portuguesa dela recebeu ao longo
dos séculos, cria e institui a nova Ordem Militar de Nossa Senhora
da Conceição de Vila Viçosa.
A última recunhagem das medalhas da Conceição tem lugar em data
próxima a 1890, com utilização do cunho original do reverso (imagem)
e o novo contra-cunho do anverso (escudo) aberto no reinado de D.
João V.
A sua utilização em modernas prensas de cunhar a vapor, de grande
potência, com uso de virola de contenção, amplia a fractura já existente no cunho do reverso, defeito que se transmite aos exemplares
estampados. Data dessa altura a estampagem de várias provas de
estanho e de bronze, dos cunhos 1, 2 e 3 guardados no arquivo da
casa da moeda.
Em 1927 apareceu no mercado numismático um exemplar de prata
da Conceição com a era de 1650. Catalogado por Ferraro Vaz em
1948, esta réplica moderna gravada em Paris enganou tudo e todos,
passando por moeda original de D. João IV.
ÉPOCA VI: 1946-1996. Em 1946, por ocasião do 3.º Centenário
da proclamação da Padroeira de Portugal, são estampadas medalhas
comemorativas de ouro, prata e bronze, reproduzindo as gravuras dos
cunhos existentes no arquivo da casa da moeda de Lisboa, já anterior-
A CONCEIÇÃO: MOEDA, MEDALHA E VENERA DA PADROEIRA DE PORTUGAL
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mente utilizados em 1890. Como elemento identificador, introduz-se
no reverso as datas de 1646 e 1946 entre os braços da Cruz.
Em 1996, para comemorar os 350 anos da mesma proclamação régia e sob proposta do autor deste trabalho, é cunhada uma moeda
comemorativa corrente de 1000 escudos, de prata, com as mesmas
características dos “reales de A ocho” hispano-americanos, com gravuras da autoria do escultor mestre Helder Batista.
Na cerimónia de apresentação da nova moeda comemorativa, que
decorreu nas instalações fabris da Casa da Moeda de Lisboa a 12 de
Dezembro de 1996, estiveram presentes os duques de Bragança, D.
Duarte Pio e D. Isabel de Herédia, o duque de Coimbra, D. Henrique
de Bragança e o duque de Viseu, D. Miguel de Bragança.
Na mesma ocasião foi lançado um múltiplo artístico fabricado na
Casa da Moeda pelo processo de fundição de cera perdida, de uma
escultura original de João Paulo Trigueiros, alusiva à Senhora da
Conceição de Vila Viçosa como Rainha e Padroeira de Portugal.
Completando a trilogia iconográfica e emblemática, foi também lançada uma medalha comemorativa da mesma efeméride, da autoria de
Clara Menéres, de bronze niquelado (dia. 65 mm; tiragem 500 ex.).
No átrio da Casa da Moeda esteve patente uma exposição alusiva à Ordem MIlitar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa,
com peças cedidas pelo Palácio Nacional da Ajuda (insígnias pessoais
da Ordem que pertenceram ao Senhor D. João VI) e pelos Arquivos
Nacionais da Torre do Tombo (decretos originais da creação da Ordem
e livros de registo das nomeações da Ordem).
ÉPOCA VII: 2046. Esta monografia também foi pensada para
servir como elemento de consulta pro-memória nas futuras comemorações nacionais do 4.º Centenário da Consagração de Portugal à
Senhora de Vila Viçosa, em 2046. Para que a geração desse futuro
não descure o que o passado realizou.
Lisboa, 8 de Dezembro de 2008 - 8 de Maio de 2015
Esta separata acabou de se imprimir em Outubro de 2015,
com tiragem de 111 exemplares (11 ex. depósito legal)
Depósito Legal: 395648/15
Impressão: Gto 2000, lda - Bombarral

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