E-Book: Formação de líderes

Transcrição

E-Book: Formação de líderes
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
gustavo pinto da silva
luis aquiles martins medeiros
paulo roberto cecconi deon
(Organizadores)
formação de líderes - uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
1ª edição
São Vicente do Sul
Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul
2011
instituto federal farroupilha –
campus são vicente do sul
Luiz Fernando Rosa da Costa
Diretor Geral
Luis Aquiles Martins Medeiros
Diretor de Ensino
João Flávio Cogo Carvalho
Diretor de Produção
Deivid Dutra de Oliveira
Diretor de Administração e Planejamento
Gustavo Pinto da Silva
Diretor de Extensão
Organizadores do 3º Encontro Internacional de Líderes e Animadores Sociais
Intercâmbio de Experiências sobre Formação de Líderes para o Desenvolvimento
Rural:
Carla Caroline Moraes Rodrigues
Celso Gonçalves
Cléber Tonetto
Gustavo Pinto da Silva
João Flávio Cogo Carvalho
Jomar Donadel
Luis Aquiles Martins Medeiros
Luiz Fernando Siqueira
Luziane Guerra
Paulo Roberto Cecconi Deon
Tatiana Aparecida Balem
Tiago de Oliveira Buligon
Vilmar Anibale Guerra
livro organizado pelo grupo de pesquisas em inovação e desenvolvimento local
São de responsabilidade exclusiva dos autores a precisão e a validez dos dados e
informações, assim como as opiniões expressadas nos artigos, não manifestando necessariamente o ponto de vista do Instituto Federal Farroupilha – Campus
São Vicente do Sul.
© Gustavo Pinto da Silva, Luis Aquiles Martins Medeiros e Paulo Roberto Cecconi Deon.
Diagramação e Ilustração: Marcelo Kunde
Revisão da Língua Portuguesa: Cândida Martins Pinto
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, em qualquer meio, sem a
permissão prévia dos autores.
Publicação elaborada a partir do Edital n.° 35/2010, referente a Apoio a Publicação de
Livros, oriundos a partir de iniciativas de ensino, pesquisa e extensão dos Grupos de
Pesquisa do Campus São Vicente do Sul.
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E-mail: [email protected]
Dados de catalogação na fonte:
F723
Formação de líderes – uma mudança cultural: novas
experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai. / Gustavo Pinto da
Silva, Luis Aquiles Martins Medeiros, Paulo Roberto Cecconi
Deon, (organizadores). – São Vicente do Sul, RS: IFFarroupilha
– Campus São vicente do Sul, 2011.
Publicação digitalizada: il. : color. ; 14x21cm.
ISBN 978-85-63319-04-3
1. Extensão rural. 2. Desenvolvimento regional –
Experiências. 3. Líderes – Formação. 4. Mercados – Construção.
5. Associativismo – Cooperativismo. I. Silva, Gustavo Pinto da. II.
Medeiros, Luis Aquiles Martins. III. Deon, Paulo Roberto Cecconi.
CDU 300
Fernando Scheid CRB10/1909
sumário
Introdução........................................................................................................................9
O que foi o 3° Encontro Internacional de Líderes e Animadores Sociais........................13
Brasil...............................................................................................................................15
Sistematizar para construir.........................................................................................17
Identidade cultural, mercados agrícolas e desenvolvimento social na América Latina..33
A construção social de mercados na agricultura familiar: um processo de animação social.43
Experiências do Brasil .........................................................................................................65
Capital social e a experiência de organização de pequenos produtores familiares:
o caso da cooperativa coodercana.........................................................................................67
Superação e sucesso: a experiência da produção e comercialização de vassouras na comunidade de barro preto..............................................................................................................81
Alternativas para o desenvolvimento da agricultura familiar – o caso das parcerias entre
agricultores e supermercados para a produção de hortigranjeiros........................................87
A implantação do proeja fic na comunidade quilombola de Cambará em Cachoeira do
Sul/RS: um relato de experiência..............................................................................................93
Recuperação de vertentes em São Pedro do Sul....................................................................99
Oficinas de artesanato com papel jornal com mulheres rurais assentadas no município de
Capão do Cipó: um relato de experiência..............................................................................103
Uma experiência familiar de produção artesanal de alimentos: agroindústria familiar Deva Delicias Naturais......................................................................................................................111
Grupo unidas do lar de Capão Grande/Nova Esperança do Sul/RS: um exemplo de busca por
uma melhor qualidade de vida..............................................................................................119
Uruguai........................................................................................................................123
Desarrollo regional......................................................................................................125
La sucesión como un problema de sustentabilidad en empresas familiares.............131
Experiências do Uruguai.............................................................................................136
Una experiencia de desarrollo local: “Grutur San Pedro”.....................................................137
Experiências do Paraguai.............................................................................................143
Técnica de propagación de menta, cedrón Paraguay y burrito en el distrito de Pedro Juan
Caballero...............................................................................................................................145
Resumo do currículo dos autores...............................................................................151
Introdução
A iniciativa de realizar um encontro entre as pessoas que vivenciam atividades
de desenvolvimento rural no mercosul foi de pesquisadores e extensionistas
do Brasil, Argentina e Uruguai, no ano de 2007. No Brasil, a iniciativa foi do professor Hugo Vela da Universidade Federal de Santa Maria. A Argentina contou
com a liderança do Extensionista Cezar Valentinuz, Coordenador da área de Extensão da Estação Experimental do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Província de Paraná. E o Uruguai através do Professor Pedro de Hegedus
da Universidade de La República Uruguai.
A proposta do evento era a de que pudessem se reunir em um mesmo ambiente físico, pesquisadores, agentes de desenvolvimento e, principalmente, os
atores sociais que fossem envolvidos com algum tipo de experiência de desenvolvimento rural nesses três países. Nesse espaço, seriam discutidos projetos e
experiências que tivessem trabalhado com formas de qualificação, voltadas para
o empoderamento das pessoas, em que elas próprias tivessem sido precursoras
em identificar suas capacidades para resolver problemas, propor alternativas viáveis, bem como se sentindo capazes de encontrar um signicado para o que fazem.
Os eventos teriam o propósito não s ó de discutir trabalhos e estudos científicos
voltados à organização e ao desenvolvimento rural, mas também como espaço
possível para intercambiar e conhecer melhor a cultura local.
A riqueza de um evento dessa natureza consolida-se no fato de que os participantes deveriam ficar reunidos em um mesmo ambiente, participando de vários
momentos de integração, seja no alojamento, no refeitório ou simplesmente na
roda de chimarrão, mas que daí pudessem surgir diversas discussões e que de alguma forma fossem precursoras de novos fatos. Para os animadores e estudiosos
do assunto, a participação dos atores sociais permite as condições para o constante movimento de construção e desconstrução no aprendizado de trabalhar com
processos de desenvolvimento rural. E para os agricultores, é uma oportunidade
de verem, ouvirem e analisarem que as experiências e palestras criam um movimento dinâmico de diferentes possibilidades de adaptação ou mesmo simplesmente para todos sonharem que é possível dar um sentido para a vida.
O título do evento denominado de “Encontro de Líderes e Animadores Sociais”, tem para todos um significado profundo. Líderes porque corporeificaram,
nas experiências apresentadas, um projeto de vida e de uma sociedade mais justa,
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mais fraterna e mais igualitária. Animadores porque algumas pessoas têm a capacidade de dinamizar os processos, “dar alma, dar ânimo, coragem, dar vivacidade, dar
movimento, dinamismo, cobrar esperança e resolver-se, decidir-se”. Reunir-se para
discutir é uma forma de dar mais força para esses movimentos endógenos.
O primeiro evento aconteceu na cidade de Entre Rios, Província de Paraná
na Argentina, onde participaram brasileiros, argentinos e uruguaios. O segundo
evento foi na cidade de Colônia no Uruguai, onde também participaram brasileiros,
argentinos e uruguaios. O terceiro evento foi realizado na cidade de Jaguari – RS –
Brasil, conforme será evidenciado nesta publicação. A definição de cada Encontro
publicar um livro foi no sentido de dar publicidade a essas experiências, pois mesmo que já haja muita informação disponível em termos de desenvolvimento rural,
muito ainda se tem a avançar nesse sentido. Esta aí uma das áreas carentes em registros do que é realizado pelos extensionistas. Muito se faz, mas pouco se registra.
O livro relacionado ao 3° Encontro Internacional de Líderes e Animadores
Sociais está estruturado de acordo com a representação de cada país, bem como
com as palestras e principais temas que foram apresentados e discutidos no decorrer do evento.
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O QUE FOI O 3° ENCONTRO INTERNACIONAL DE
LÍDERES E ANIMADORES SOCIAIS
A 3ª Edição do Encontro Internacional de Líderes e Animadores Sociais foi realizada no Campus de Jaguari, Unidade Avançada do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul, durante os dias 26, 27 e 28 de outubro de 2009.
Nesses três dias de evento, os participantes, que compreenderam representações
do Brasil, Uruguai e Paraguai, ficaram acomodados nas dependências do Campus,
mesmo local onde foram realizadas as atividades relativas ao encontro. Como nas
edições anteriores, na Argentina e no Uruguai, o evento teve uma programação
que não foi somente científica, mas também gastronômica, artística e cultural.
O eixo principal das palestras e das experiências foi a discussão dos mercados, inclusão e as diferentes formas pelas quais os agricultores têm se organizado para construir a sua participação nesses mercados. Também houve um
forte debate em torno do processo de sucessão nas propriedades, centrando-se
na discussão da família e a continuidade das atividades rurais. O evento contou
com palestras de quatro importantes profissionais, sendo dois brasileiros - Prof.
Paulo Roberto Cardoso da Silveira e Prof. Hugo Vela, ambos da Universidade Federal de Santa Maria, e dois uruguaios - Prof. Pedro de Hegedus da Universidad
de La Republica e Julio Perrachon do Plan Agropecuário. Foram apresentadas
19 experiências de desenvolvimento, advindas de diferentes municípios do Rio
Grande do Sul, Paraguai e Uruguai.
A experiência visitada pelos participantes do Encontro foi a Rota Turística
Nostra Colônia de Jaguari, melhor descrita no decorrer desta publicação. A programação cultural contou com apresentações musicais, bem como apresentações
de talentos regionais em diferentes áreas.
Durante os três dias, passaram pelo Campus Avançado de Jaguari mais de
130 pessoas, entre pesquisadores, estudantes, docentes, agricultores, assentadas
de reforma agrária, donas de casa, presidentes de sindicatos, prefeitos, secretários,
líderes de movimentos sociais e técnicos da Emater Ascar RS. A participação estrangeira contou com 13 uruguaios e um representante do Paraguai.
Ao terminar mais um encontro, fica a certeza de se ter atingido todos os objetivos propostos. O evento foi profícuo e, ao analisarmos a avaliação dos participantes, quando foi solicitado para escrever em uma frase o que sentiram ao término do
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
evento, algumas nos fazem acreditar que, mesmo diante de algumas adversidades,
vale sim acreditar nesse tipo de atividade. Os participantes consideraram ser um
evento dinâmico, de público heterogêneo, realizado em um formato que permite
a troca de experiências e a construção de novos sentidos, tudo dentro de uma lógica motivadora e alegre. Afirmaram que raramente, antes de traçar novos planos,
procura-se analisar os erros e acertos das experiências passadas. A participação de
estrangeiros é uma oportunidade para avançar em outros intercâmbios em torno
da temática do desenvolvimento rural.
Por essas razões que se pode afirmar que o evento mais uma vez foi profícuo e que mesmo que a temática do desenvolvimento rural, da agricultura familiar e dos assuntos a ele relacionados tenha uma bibliografia, por vezes podendo
se acreditar farta, muito ainda tem a ser feito, pois cada situação apresenta características próprias e que não podem ser relegadas ao segundo plano. A conjugação de esforços de grupos sociais através de eventos dessa natureza torna-se
um instrumento importante na promoção do desenvolvimento rural e de fatores
que sejam predisponentes, pois é realizado tomando por base o que aperfeiçoa
todas as estratégias sólidas e emancipacionistas no que tange a natureza do desenvolvimento, ou seja, nas próprias relações sociais que saem sempre mais solidificadas quando se conclui um evento.
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sistematizar para construir
Gustavo Pinto da Silva1
Paulo Deon2
A busca pelo desenvolvimento dos territórios, das comunidades e das respectivas
unidades de produção impõe uma série de desafios não somente para os agricultores, como também para as instituições de ensino, instituições de pesquisa,
agentes públicos e, principalmente, para os agentes de assistência técnica e extensão rural. A cada época vivida temos um contexto diferente que exige respostas
e posturas diferentes. Isso evidencia necessidade de alterações no processo de
gestão, nas formas de se relacionar com o mercado, na relação entre os próprios
agricultores, nas atividades desenvolvidas nas propriedades e também na configuração do próprio espaço econômico e social das regiões.
As instituições e entidades responsáveis por mobilizar a sociedade em torno de novos projetos de desenvolvimento vêm sofrendo o contínuo desaparelhamento estatal, evidenciado, por exemplo, pela diminuição da EMATER ASCAR RS3.
Algumas Prefeituras Municipais também não possuem em seus quadros pessoas
capacitadas para o exercício dessa difícil tarefa, que exige tempo, conhecimento, dedicação e persistência. Em outros casos, canalizam tempo em constituir
uma proposta de desenvolvimento voltada para atender mais as expectativas
ou planos individuais dos próprios agentes interventores do que propriamente
dos agricultores envolvidos. Até muitas das próprias organizações dos próprios
agricultores encontram-se fragilizadas pelo projeto de capital desenvolvido por
empresas e entidades da iniciativa privada, atuando mais a favor dessas do que
dos próprios agricultores.
1
Zootecnista, Me. Extensão Rural, Professor do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente
do Sul, E-mail: [email protected].
2
Eng. Agrônomo, Me. Agronegócios, Professor do Instituto Federal Farroupilha – Campus São
Vicente do Sul, E-mail: [email protected].
3
emater ascar rs – Empresa Rio-grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural do Estado do Rio Grande do Sul.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Além disso, existe um conjunto de iniciativas malsucedidas no meio rural e
que envolvem diretamente o projeto de vida dos agricultores, ao ponto que estes
vão se tornando indiferentes quando da ação de agentes extensionistas, auxiliando, inclusive, a perderem o próprio espírito empreendedor típico da diversidade da agricultura familiar. Desse modo, ocorre a mudança do eixo da racionalidade dos agricultores para outros tipos de projetos e sonhos, tal como ver seus
filhos sair da propriedade, atuar em cadeias produtivas fechadas, buscar canais
de circuito longo de comercialização, atuar isoladamente dos outros, quando não
o próprio rompimento do modo de vida camponês.
Essas são algumas das forças excludentes que exigem uma nova postura
de todas as instituições e entidades envolvidas com o desenvolvimento rural. O
papel do agente externo é o de ajudar os indivíduos a serem protagonistas de
seu próprio desenvolvimento, acompanhar o processo de análise das situações e
decisões a serem tomadas sem, contudo, intervir diretamente nos projetos pessoais dos indivíduos.
Este artigo tem a finalidade de discutir a metodologia de sistematização
de experiências como forma de minimizar as diferenças e fazer surgir ações de
desenvolvimento em consonância com a racionalidade dos agricultores, em um
ajuste entre os seus projetos pessoais, como também com os projetos coletivos.
Dentro desse imbricado contexto, parece não haver mais espaço para ações de desenvolvimento isoladas e que não estejam envoltas pelo princípio da solidariedade entre as pessoas. Nesse sentido, vimos o processo de sistematização também
como um elemento propiciador do recomeço, dentro de ações de desenvolvimento alinhadas com o princípio da cooperação. A sua aplicação, além de buscar um
efeito explicativo de tudo que ocorre, também tem o papel de atuar nos fatores
que predispõem os indivíduos a cooperar.
Desse modo, pretendemos propiciar a reflexão aos agentes de desenvolvimento e dos próprios atores sociais envolvidos com essa temática, para que antes
de qualquer iniciativa se possam discutir os elementos condicionantes da situação atual e entender a racionalidade que está por trás disso. Essa é a base que
deverá sustentar outras formas de intervenção, que sejam mais coletivas, e com o
entendimento de que as pessoas são capazes de construir suas próprias situações
de desenvolvimento e inserirem-se como sujeitos protagônicos de sua história.
Para tanto, este artigo foi estruturado em três eixos principais: o primeiro
evidencia a racionalidade do agricultor; o segundo, a metodologia da sistematização de experiências; e um terceiro demonstra como acontece a definição de
projetos coletivos de desenvolvimento.
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A RACIONALIDADE DO AGRICULTOR E A SUA
RECONSTRUÇÃO
Cada região tem especificidades em relação a forma como se organiza para desenvolver uma atividade econômica, para se relacionar com o mercado, de como
se organizam as cadeias produtivas, de como desenvolver estratégias de comercialização, como organizar-se espacialmente no território, dentre outros aspectos. De um lado, encontra-se a natureza, com toda a sua base biogeofísica, fonte
de recursos naturais, onde ocorrem as relações e os processos ecológicos vitais
para a produção dos alimentos e para a manutenção da vida no planeta. De outro, o homem, com uma trajetória individual e uma racionalidade própria que,
segundo Barros (1994), é resultado, ao mesmo tempo, de raízes genéticas ou biológicas e sociais, não podendo ser relegadas a segundo plano, sob pena de não
se entender certas formas de comportamento humano que se manifestam. Não
obstante, somado a essas sobreposições, o componente antrópico ainda se encontra submetido a uma constância de processos econômicos e sociais, além de
pressões internas e externas. As pressões internas são advindas de uma série de
fatores, tais como o número de membros que compõem a família, a idade, o estado de saúde, a necessidade de educação, os desejos, as necessidades, a trajetória
individual, a experiência e o conhecimento de agricultura. As pressões externas
à unidade de produção correspondem às leis, regulamentos, padrões, requisitos,
políticas, estruturas de comercialização, que regulam os diferentes setores e que
estão fora do alcance direto dos indivíduos (SILVEIRA, 1994).
É nesse contexto que o agricultor expressa a sua racionalidade, devendo
ser levado em conta que o mesmo busca um equilíbrio entre a organização interna da sua unidade de produção e o sistema social global no qual está inserido.
Salienta-se que a manifestação dessa racionalidade dá-se pelas diferentes formas
e práticas de como o mesmo se organiza socialmente.
De acordo com Silveira (1994), na sua análise da obra de Pierre Bourdieu, o
sistema de produção seria um conjunto de práticas definidas na interação entre
o habitus e a situação. O primeiro seria fruto de uma trajetória particular do
agricultor, sua história pregressa; a segunda caracterizar-se-ia pelas variáveis
ecossistêmicas (típicas da base geobiofísica sob a qual se assenta) e as variáveis
socioeconômicas micro (recursos disponíveis na Unidade de Produção Agrícola)
e macro (o contexto das políticas de preço, crédito, comercialização, grau de associativismo, etc.) que condicionam a ação do agricultor.
O habitus é uma manifestação individual de uma construção coletiva, pois
se forma na interação do indivíduo com a estrutura social envolvente. Tal fato é
importante porque define um padrão de comportamento entre agricultores de
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um mesmo grupo social e que agem sob uma mesma base geobiofísica. A este
padrão Vieira & Weber (1997) denominam de modo de apropriação, “o estado de
um sistema de relações natureza-sociedade”. É desse modo de apropriação que a
diversidade acontece no meio rural e que se criam as diferenças na forma de se
relacionar com o mercado, na forma de produzir, na escolha do que produzir, para
quem produzir e assim sucessivamente.
Além disso, também está presente no projeto de vida do agricultor familiar
o que Brandenburg (2010) denomina de projeto de vida moderno-camponês. A
racionalidade do agricultor inclui valores da modernidade. Para o autor, planejar
uma vida no campo é projetar um modo de viver que subordina a eficiência, a racionalidade econômico-instrumental ao gozo da vida, às aspirações do agricultor
enquanto ser individual, e não ao contrário. Isto quer dizer, trabalhar não apenas pelo prazer de produzir, de modernizar, de consumir, de ampliar os meios
de produção e de acumular bens, mas trabalhar ou produzir para se viver uma
condição de vida em que a liberdade, a autonomia, o reconhecimento, as várias
dimensões do indivíduo se expressem e se realizem.
O resultado de tudo isso é que as experiências de desenvolvimento não são
homogêneas, pois enquanto em uma região os atores sociais apropriam-se do
meio e organizam-se de uma forma, em outras pode acontecer estratégias completamente diferentes. Porém, quando falamos em desenvolvimento, o certo é
que cada experiência, cada ação é carregada de uma quantidade imensa de riquezas acumuladas, de elementos, valores e crenças que expressam justamente essas
racionalidades. Tais situações não podem ser desconsideradas pelos agentes de
desenvolvimento sob pena de estar fomentando e construindo iniciativas totalmente desconectadas da realidade dos agricultores, bem como de aspectos fundamentais de desenvolvimento territorial. Por outro lado, também não podem
deixar de ser foco da análise crítica dos próprios agricultores, pois desse modo
podem passar a compreender em que contexto estão vivendo, como chegaram
a ser as pessoas que são, como devem se relacionar com os demais, que controle
têm sobre sua identidade, como superar mitos, cruzar fronteiras e analisar de
outra forma uma realidade que é tomada como inequívoca.
O esforço de buscar o entendimento de tudo isso por meio de uma metodologia específica, como a sistematização de experiências, busca justamente fazer
com que agricultores de forma individual e como grupo possam revisar com espírito crítico as suas racionalidades. A necessidade de analisar de que forma chegaram
onde estão, dentro das dificuldades vividas, tem a finalidade de fazê-los entender
de que o conhecimento se vai construindo a partir da realidade que cada um vive
e com o aporte de diferentes informações, ideias, vivências e experiências que as
situações de desenvolvimento oferecem. A expressão dessas racionalidades pode
ser percebida através da própria leitura dos diferentes caminhos que se escolhem
percorrer em cada situação.
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Nesse sentido, se entendermos que desenvolvimento deve partir das pessoas é fundamental que se crie justamente esse fórum do processo de harmonização para que se discutam realidades e problemas comuns, troquem experiências e opiniões, bem como estabelecessam vínculos mais fortes dentro do
próprio tecido social. Daí é que a sistematização não pode ser vista como fim,
mas justamente como o recomeço, de onde deverão surgir novas iniciativas e
ideias, quiçá mais solidárias, mais sustentáveis e com maiores possibilidades de
escolhas para os indivíduos estruturarem sua vida de uma melhor forma.
A SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS
Dentre as diversas formas e processos participativos e educativos de extensão
rural, uma das metodologias importantes trata-se da sistematização de dados e
da recuperação histórica dos processos vividos em desenvolvimento rural. Essa
metodologia, segundo Eckert (2008), tem o objetivo de facilitar que os atores sociais se envolvam em processos de aprendizagem e de geração de novos conhecimentos a partir das experiências, dados e informações anteriormente dispersos,
de forma que se desenvolva a capacidade para tomar melhores decisões, cada dia
com crescente autonomia.
A premissa fundamental dessa metodologia é a própria participação, pois a
partir dela permite uma inter-relação interdisciplinar e multissetorial, facilitando o surgimento de soluções mais criativas e ajustadas a cada realidade. Segundo Cordioli (apud BROSE, 2004), a participação não é somente um instrumento
para a solução dos problemas, mas também uma necessidade do homem se autoafirmar, de interagir em sociedade, criar, realizar, contribuir, sentir-se útil. É
um instrumento muito eficaz para aumentar a motivação e o entusiasmo das
pessoas, contribuindo para a expressão do pleno potencial de uma organização.
Através de um processo participativo é possível não somente a elaboração de
propostas mais ajustadas à realidade, mas também mudar comportamentos e
atitudes, com os quais os indivíduos passem a ser sujeitos ativos e não objeto
do trabalho dos outros. Freire (apud MURAD, 1993) salienta: “participação é uma
prática transformadora e libertadora, que leva o indivíduo a discutir, analisar e
assumir atitudes, sem as marcas da subordinação oriunda do assistencialismo.”
Para Gohn (2001), os novos experimentos participativos desempenham também
papel educativo aos seus participantes, à medida que fornecem informações,
capacitam-nos para a tomada de decisões e desenvolvem uma sabedoria política
capaz de gerar inovações, contribuir para minorar as desigualdades existentes e
aprofundar o processo democrático, ampliando a esfera pública, demarcando-a
com práticas associativas igualitárias e de caráter solidário.
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Segundo Eckert (2008), a sistematização de experiências iniciou como uma prática de educação popular na década de 1980, no México, quando profissionais vinculados
ao Centro de Estudos do Terceiro Mundo (CEESTEM) começaram a sentir a necessidade
de recuperar e comunicar experiências sobre as quais vinham trabalhando há alguns
anos, gerando lições que não estavam sendo devidamente divulgadas e tampouco replicadas. Nesse momento, organizações de educação popular começaram a teorizar e
a implementar iniciativas de experiências que, a princípio, se aplicavam sobretudo aos
programas de educação popular em que trabalhavam.
Trata-se de um processo de autorreflexão e análise crítica sobre um processo vivido na relação direta entre grupos e organizações científico acadêmicas (ensino, pesquisa e extensão) com comunidades rurais, com o objetivo de aprender
e socializar (ABA/AGROECOLOGIA, 2009). Quando se fala de sistematização, estamos nos referindo a experiências práticas concretas, experiências vitais carregadas de uma enorme riqueza acumulada: de elementos, valores e crenças que em
cada caso representam processos inéditos e irrepetíveis (SIMON, 2010). O mesmo
autor, citando Holliday, salienta que a sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução,
descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatos que intervieram no dito
processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo. Para o
autor, pode-se adicionar, ainda, que a sistematização produz um novo conhecimento, possibilita a generalização, converte a própria experiência em objeto de
estudo e de interpretação teórica e ao mesmo tempo em objeto de transformação.
Ao sistematizarem, as pessoas recuperam de maneira ordenada o que já
sabem sobre sua experiência, descobrem o que não sabem sobre ela e o que
não sabiam que já sabiam. Assim, é um processo de reflexão crítica de uma experiência concreta, com o propósito de provocar processos de aprendizagem.
Não se trata apenas de comparar experiências, mas compartilhar resultados
que surgem das interpretações dos processos, das reflexões coletivas sobre as
contribuições e os ensinamentos que se aprendem a partir do que foi vivido por
cada um em particular (SIMON, 2010). Isso produz um agenciamento entre a
prática e o aprofundamento teórico, uma troca de saberes radicalmente diferente
e superior à classificação ordenada de experiências diversas. Partindo de um ponto
comum e coletivo, a sistematização atende questões cada vez mais complexas e de
maior nível de abstração, cujo valor explicativo é mais relevante e o que difere contribui tanto ou mais que o semelhante. Num esforço rigoroso e claramente teórico,
faz análise e síntese, indução e dedução, obtêm conclusões e verificações práticas,
criando novos conhecimentos que explicam as mudanças que se processam.
Há necessidade de ter muito claro que, acima de tudo, é um processo metodológico que se baseia na ideia de “organizar” ou de “ordenar” um conjunto
de elementos (práticas, conhecimentos, ideias, dados, entre outros) que até o
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
momento estavam dispersos e desordenados. Desse modo, por meio da sistematização, torna-se possível compreender melhor a experiência, extraindo ensinamentos para o contínuo aprimoramento de futuras ações, além de organizar
esses aprendizado, e a produção de documentação específica para outros grupos
que realizam práticas similares.
O desenvolvimento da técnica deve ocorrer com a participação de representantes de todos os atores envolvidos nas experiências, de forma que se possa
apreender as variadas percepções e interpretações dos participantes sobre a prática vivenciada em comum e o significado de seus resultados (ABA/AGROECOLOGIA,
2009). Segundo Chaves-Tafur (2006), um processo participativo também permite
aproveitar as habilidades das diferentes pessoas para desenvolver distintas atividades, como buscar informações secundárias, entrevistar a quem participou na experiência, preparar a informação que deve ser apresentada em forma de quadros,
diagramas ou fotos, e redigir de maneira clara e concisa.
A outra definição importante é o recorte temporal dessa experiência a ser
sistematizada, a delimitação do espaço territorial, bem como de seus antecedentes. Quem são as pessoas que estão disponíveis a essa atividade, entendendo sua importância, as limitações e as possibilidades de avanços. Esse cuidado
deve ser tomado para que não haja necessidade de recompilar informações desnecessárias ou desconectadas do contexto, pois nem todas as informações que
se têm disponíveis podem contribuir para a análise ou a extração de lições. Os
passos seguintes podem ser resumidos na definição do ponto de partida, na
delimitação da experiência, a descrição da experiência, a análise e a redação
final de um documento (CHAVES-TAFUR, 2006). A definição do ponto de partida
corresponde a determinar quem participará, quem coordenará, que recursos
existem, quais são os prazos, quais informações já estão disponíveis, quais se
devem buscar, para que e para quem, como a equipe se estruturará, qual o cronograma e quem são as outras organizações e entidades que apoiarão o trabalho. A delimitação da experiência corresponde a definir quais são as diferentes
linhas de ação que vamos sistematizar, o âmbito da intervenção, os participantes, os objetivos, as estratégias de intervenção e o contexto geral. A descrição
da experiência é a fase de listar todo o realizado, contemplando os resultados
esperados, os não esperados, bem como todas as dificuldades encontradas. A
análise é o momento mais importante e delicado, pois não se pode tratar simplesmente da descrição de uma experiência. Nesse momento, cabe definir parâmetros adequados, de onde possam surgir indicadores que permitam explicar
um determinado resultado alcançado, bem como fazer surgir daí as principais
lições e recomendações que se depreendem do que foi realizado. Certamente é o
momento mais difícil, pois é preciso expressar opiniões, críticas e juízo de valor
sobre o realizado, e não simplesmente olhar os resultados isolados.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Ao final, antes da redação de um documento sistematizador ou elaboração
de um vídeo que possa comunicar os aprendizados e os conhecimentos gerados
para também beneficiar e ensinar outras pessoas, é fundamental identificar
quais lições foram apreendidas que não se sabia antes da sistematização da experiência. Esse é o momento rico de todo o processo, pois é na análise crítica das
práticas, na transformação do cotidiano em pensamento reflexivo, na visualização dos caminhos e descaminhos e no entendimento de como se expressava a
racionalidade em cada momento que nascem os novos aprendizados coletivos
para aprimorar a experiência, comparar com outras ou mesmo fazer surgir novas intervenções. Nessa fase, é fundamental fomentar o exercício da criatividade
e fortalecer que aconteça a autoavaliação de si e de seu grupo como potenciais
forças da própria mudança social. Para as organizações e entidades envolvidas
é um momento de análise e reflexão, entendendo os processos vividos, capazes
de desconstruir, construir e buscar subsídios para novas políticas públicas. Para
as instituições de assistência técnica e extensão rural e para a prática extensionista é um bom instrumento para reavaliar seus métodos de extensão rural, bem
como para melhorar as formas de intervenção no meio rural.
A sistematização de experiências como metodologia participativa de “reconstruir o construído” consegue descobrir a lógica do processo vivido, mas não
cumpre integralmente o seu papel se não comunicar os resultados a todos aqueles que possam ter interesse sobre a prática. Ainda que se possa considerar como
razoável a documentação existente em torno da temática da agricultura familiar,
do desenvolvimento e da extensão rural, não se pode eximir da complexidade
existente em torno desses temas e do pouco hábito de se fazer registros. Mesmo
em programas e projetos orientados para um determinado fim, mesmo que se
atinjam os resultados desejados, raramente fica documentado o meio ou o método que se recorreu para se chegar até eles. Somente quem participou é quem tem
em sua memória os resultados e os caminhos percorridos. Essa é a razão pela
qual uma sistematização não pode ficar sem documentação.
A SISTEMATIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE
FORTALECIMENTO COLETIVO
A discussão em torno da temática do desenvolvimento sempre tem como um de
seus pressupostos básicos de realização, o envolvimento dos sujeitos sociais em
tudo que é proposto. Segundo Veiga (apud MIRANDA, 1998), o desenvolvimento rural é um fenômeno intrinsecamente regional. As regiões que melhor conseguem se
desenvolver são aquelas que apresentam maior capacidade de organizar os fatores
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
endógenos, direcionando-os para o fortalecimento da organização social, para o aumento da autonomia local na tomada de decisões, para o aumento da capacidade de
reter e reinvestir capitais, para o aumento da inclusão social e para o aumento da
capacidade de regenerar e conservar o meio ambiente.
A participação é o elemento que permite que as pessoas desenvolvam o
sentimento de pertencimento e compromisso para mudar suas realidades a partir das próprias capacidades, valores e vontades. Acresce-se a essa prerrogativa
o papel desempenhado pela necessidade do fortalecimento da organização de
pessoas em torno de estratégias de natureza coletiva, que possam resolver mais
do que problemas individuais, mas de grupos, que mesmo muitas vezes com trajetórias diferentes, tenham interesses e objetivos semelhantes. A organização
representa assim o caminho da mobilização social para o aumento da autonomia,
a possibilidade não somente de inserção econômica e social, mas de fortalecimento do poder de negociação, da contraposição das tendências excludentes, e
inclusive da facilidade do próprio controle sobre as instituições de desenvolvimento que distribuem recursos e serviços à sociedade.
É fundamental entender que o desenvolvimento, bem como a criação de
seus fatores predisponentes, dificilmente manifestar-se-á autonomamente
quando se deseja criar um processo que nasça a partir do espírito empreendedor
e solidário das comunidades. As pessoas precisam ser desafiadas a encontrar e
desenvolver elementos voltados para uma ação que não seja pela via individual
e dentro de um processo que, como Veiga denomina, seja intrinsecamente regional. O objetivo de um processo de sistematização nesse caso, como metodologia
de construção e reconstrução, é sensibilizar os atores sociais para um processo de conscientização4 que esteja baseado na necessidade de resolver os seus
problemas através da participação, cientes da insuficiência que possuem em agir
individualmente, encaminhando para a ação coletiva, numa perspectiva de pensar
territorial. Para isso há que se recorrer a capacidade que o grupo possui em criar
conhecimento, de forma a diagnosticar os seus próprios problemas e objetivos, decidindo e se predispondo a criar ações coletivas para solucioná-los, além de criar o
talento para avaliar e propor novas ações.
De acordo com Cittadini (1998), um modelo de grupo ideal é aquele que se
formou através de um forte protagonismo dos produtores, seus membros possuem afinidade social e produtiva, fortes vínculos prévios, sentimento de pertença comum a uma localidade, além de uma boa participação comunitária. Para
Abdalla (2002), ninguém se dispõe a cooperar como resultado de um simples
4
Conscientização é um processo pelo qual os grupos passam a compreender as relações sociais que se
estabelecem em uma sociedade historicamente determinada e a atuar criticamente ao nível dessas mesmas relações, extrapolando os limites de uma associação (AMMANN, apud MURAD, 1993).
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
decreto. Cooperar significa antes de tudo mudar o eixo fundamentador da racionalidade que até então vigora, onde a sociedade forma a maneira de pensar, de
agir, de conceber o universo, de entender a política, de relacionar-se com a natureza, dentre outros aspectos, caracterizando, assim, a presença do ser humano.
A sistematização de experiências como metodologia participativa de extensão rural apresenta em sua estrutura um conjunto de elementos que permitem, ao longo de sua execução, ser motivador para essa mudança de racionalidade, bem como para o resgate do papel e da capacidade individual e coletiva
da sociedade como agente de desenvolvimento. De acordo com Campanhola &
Silva (2000), para que as iniciativas possam emergir de modo coletivo, participativo e integrado e não de modo individual deve haver mecanismos para ativar e
estimular as atitudes, valores e orientações culturais, bem como determinadas
características da estrutura social. Ao mesmo tempo em que se desenvolve essa
técnica, e a descrição do vivido e do alcançado, também se está fazendo uma análise sobre si mesmo e sobre como estão chegando à situação que se encontram.
Nesse momento é que as pessoas também conseguem influenciar-se mutuamente, compartindo situações em comum e rumando a uma construção de relações
que favorecem o empoderamento para, de maneira conjunta, elaborar soluções
viáveis, comprometidas, críticas e objetivas. Por isso pode ser dito que a sistematização permite a capacitação política e organizacional, pois tende a corrigir os
rumos, o resgate e o aumento da autoestima e a construção de uma identidade5
enquanto grupo agente de desenvolvimento.
O ponto de partida é a mobilização da própria capacidade crítica dos sujeitos em analisarem as suas próprias situações, dentro da realidade que lhes coube
construir suas experiências de vida. Como se tornou o que é? Por que caminhos
passaram? Como os outros veem sua expressão na coletividade? Como se relacionam com o mercado? O que fez se com que se relacionassem com o mercado dessa
forma? Que controles possuem sobre sua identidade? Quais as dificuldades de ação
5
A identidade do grupo é o que permite intervir enquanto ator coletivo, observável nas relações
sociais. É uma lógica resultante de uma articulação instável entre um projeto coletivo diversamente
compartilhado e um projeto pessoal em continuidade ou ruptura com as socializações anteriores.
Dessa forma, a busca da construção desta identidade parte da capacidade de elaborar, mas também de reconhecer projetos enraizados na história pessoal e social: a busca de identidade supõe a
regulação de projetos, sendo esses socialmente definidos numa rede de interações e de instituições
múltiplas. De um lado, tem-se um projeto pessoal, resultado de uma história pessoal vinculada
aos grupos aos quais o indivíduo faz parte, um sistema de representações que permite ao sujeito
projetar-se numa “continuidade existencial”, “construir um horizonte temporal” e um significado de
identidade que preserva um apreço por si mesmo a partir do qual “as angústias e fracassos podem
ser canalizados”. De outro, tem-se um projeto coletivo, constituído por um sistema de representações compartilhado pela elaboração coletiva do projeto. (WAUTIER, 2001).
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
em um processo coletivo? Estas são apenas parte de algumas das perguntas que
cabe trazer para que em um processo de reflexão o sujeito comece a ver que possui
uma história que pode ser semelhante a de outros e assim construir um outro tipo
de conhecimento, de onde seja possível surgir novos processos de desenvolvimento.
Esta é a fase em que os atores sociais precisam fazer um diagnóstico de sua situação,
buscando fazer um exercício profundo de autocrítica, identificando suas trajetórias,
seus avanços, seus medos e suas incertezas. Parece que quando as pessoas identificam os fatores básicos de como chegaram onde estão, começam também a recriar
novas esferas de curiosidade e compreender que são capazes de construir seus próprios espaços e serem sujeitos de sua própria história. Somente podem estar em
condições de superar as restrições quem quer fazê-lo (VALENTINUZ e MAIN, 2007).
Segundo a Teoria das Expectativas, o envolvimento dos participantes em
uma organização seria função de três componentes: (1) uma expectativa de desempenho no sentido de que um esforço maior trará um bom desempenho (expectativa); (2) uma percepção de desempenho – resultado, no sentido de que um
bom desempenho trará certos resultados ou recompensas (instrumentalidade);
e (3) o valor ou atração de certa recompensa ou resultado para a pessoa (valência) (OLIVEIRA, 2002). Assim, conforme o autor, para que um indivíduo esteja
motivado, ele precisa dar valor ao resultado ou à recompensa, precisa acreditar
que um esforço adicional o levará a um desempenho melhor e que o desempenho
melhor, consequentemente, resultará em recompensas ou resultados maiores.
Nada melhor do que entender as razões que os levaram a chegar onde se encontram para ser o novo ponto de partida para uma nova caminhada, o que precisa
começar pelo reconhecimento das relações a que se encontram submetidos, buscando atuar criticamente ao nível dessas relações, extrapolando os limites além
daqueles naturais de uma comunidade. A partir daí, baseado nos elementos simultâneos entre pessoas e gerações (cultura local), busca-se definir um imaginário coletivo que possa ser alcançado.
Porém, não se podem prever ações de desenvolvimento envoltas no processo organizativo sem a mudança das relações que guiam a racionalidade das
pessoas. Para Abdalla (2002), isto significa perceber seus companheiros como o
outro que compõe o todo com ele de forma individual. Sem o outro se perde na
individualidade improdutiva e insignificante Com o outro passa a ser uma manifestação singular de uma totalidade dinâmica. A eliminação do outro representa
a perda de uma parte da totalidade que é, ao mesmo tempo, ele próprio e todos
os demais. O cuidado do coletivo seria, ao mesmo tempo, um cuidado consigo
mesmo e vice-versa. O eixo fundamentador da racionalidade precisa passar a canalizar energias para que os indivíduos busquem construir o seu próprio espaço,
venham a fazer cumprir seus direitos, melhorando principalmente a qualidade
de vida, dentro de uma forma solidária de visualizar esses processos.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Segundo Maslow (apud CARVALHO, 1995), o processo pelo qual as pessoas
aprendem a controlar suas próprias vidas surge ao se tornarem responsáveis por
si mesmas em relação ao grupo social. Isso significa que a autonomia do eu em
relação à homogeneidade do grupo torna-se possível à medida que a autoestima
do indivíduo aumenta ao assumir novas tarefas.
A construção de um planejamento de ações a serem desenvolvidas, ao final
do processo de sistematização, mostra-se de vital importância, pois mesmo que
não sejam fortes os laços de cooperação, nada impede que pontos em comum sejam
encontrados durante o processo, e a ação coletiva comece ser potencializada a partir daí. Esses pontos devem ser transformados em necessidades e, posteriormente,
em planos de metas, fornecendo aos integrantes uma probabilidade de atingir, seja
no curto, médio ou longo prazo. O processo de sistematização de experiências no
momento em que faz os sujeitos compartilharem a sua racionalidade é o amálgama
para que se comece a construção desse imaginário, dentro de um espírito de formação de capital social e cooperação. Aos poucos vai se identificando o nível que cada
agente encontra-se motivado, pois alguns já estão motivados, e outros estão em
busca de necessidades e desafios e precisam de motivação. Segundo Zamberlam e
Foncheti (1992), o verdadeiro grupo de cooperação, além de produzir com mais eficiência, reeduca as pessoas, faz crescer a consciência política, leva os trabalhadores
a se assumirem como classe e iniciarem a viver um jeito novo de sociedade.
Segundo Valentinuz e Main (2007, p. 14):
a medida que se profundizam los lazos entre los participantes, se comienza a reinstalar um nuevo relacionamiento em las proprias comunidades.
O espaço territorial é o ambiente capaz de catalizar esforços e vontades para se
transformar em projetos e ações, pois parte-se do pressuposto que há um clima grupal propício, e as pessoas já possuem um conjunto de sistemas e normas, bem como
um imaginário social compatível com a racionalidade dos sujeitos que compõem a
comunidade. Certamente o território é a unidade que melhor dimensiona os laços de
proximidade entre pessoas, grupos sociais e instituições que podem ser mobilizadas e
convertidas em um trunfo crucial para o estabelecimento de iniciativas voltadas para
o desenvolvimento (SDT/MDA, 2005).
A tendência é que, com o tempo, os atores sociais vão assumindo uma posição
ativa, de agentes de desenvolvimento, criando a capacidade de diagnosticarem e
analisarem seus próprios problemas, a capacidade de decidirem coletivamente sobre as ações para solucioná-los, além do desenvolvimento e avaliação de tais ações
(empoderamento6). Naturalmente ocorre a auto-organização social, estimulando a
6
Também denominado empowerment, significa a capacitação política e organizacional, que leva ao
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
prática de soluções colaborativas para problemas comuns e promovendo a participação e a abertura do diálogo também com outras lideranças e integrantes das
comunidades regionais. Isso é o que permitirá criar um processo de alavancagem
dos movimentos endógenos dos atores sociais e dos atores públicos, com vistas a
provocar mudanças nos cenários atuais de exclusão.
Assim, o objetivo desse investimento concomitante e integrado é criar as
condições para que o fenômeno do desenvolvimento ocorra: o surgimento de
novos e múltiplos laços de realimentação de reforço que façam com que o capital humano (conhecimento) gere mais capital social (empoderamento), que gere
mais capital empresarial (riqueza), que gere mais renda, que gere mais capital
humano, desencadeando círculos virtuosos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sistematização de experiências tem as condições necessárias para colaborar com
os grupos sociais no entendimento do caminho difuso de seus processos de desenvolvimento. No momento em que reúne objetivos condizentes com as inquietudes
e interesses dos grupos sociais, além de organizá-los e analisá-los, tem a capacidade
de fazer fortalecer o seu papel de protagonista para alterar essa mesma trajetória de
desenvolvimento. A superação desse quadro exige um esforço sistemático de identificação e análise crítica do já construído, de forma que seja extraído daí ensinamentos úteis ao aprendizado e à ação coletiva voltados ao pensar territorial.
Por outro lado, parece que dificilmente algum processo de desenvolvimento será capaz de proporcionar mudanças se não houver modificação na atividade
humana socialmente construída. A mudança ou a busca por entender a própria
racionalidade vigente e principalmente o direcionamento para a solidariedade e o
compromisso social intergeracional e intrageracional deverá estar à frente de todo
o processo que esteja realmente empenhado em realizar uma mobilização social
mais profunda em torno da temática do desenvolvimento. Somente através da participação e do envolvimento dos atores sociais organizados é que será possível criar
um processo de alavancagem dos movimentos endógenos dos atores sociais e dos
atores públicos, com vistas a provocar mudanças nos cenários atuais de exclusão.
A sistematização de experiências demonstra que durante a aplicação de seu
roteiro metodológico tem as condições para analisar as iniciativas das próprias
comunidades, no processo de produção e fora dele, fazendo a discussão interna,
resgate/crescimento da autoestima e a construção da identidade, assim como ao acesso a oportunidade de emprego e geração de renda, itens de grande relevância em uma conjuntura de desemprego
(GOHN, 2001).
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
para tomar novos direcionamentos. Nesse caminho de desconstrução e construção, da identificação de fatores motivadores e desmotivadores, de separação entre
pontos de convergência e de divergência, dentro do próprio grupo e do já realizado, vai-se criando as bases para novas identidades coletivas e para um desenvolvimento que deve ser mais territorial e mais sustentável. Segundo Wautier (2001,
p. 83) a necessidade é a construção conjunta de uma mesma visão de mundo e de
uma mesma lógica de ação. O desafio principal está justamente aí, construir uma
nova rede social, lógica de compromissos ou laços de cooperação dentro de uma
nova racionalidade, mas a partir da reconstrução das ações postas em outros momentos históricos. Novas iniciativas somente tenderão a se concretizar, quando
houver pessoas capazes de se comunicarem (interação), dispostas a contribuir
com a ação (cooperação) e reunidas para cumprir um propósito ou um objetivo
comum. Essa é a razão pela qual o eixo principal da técnica deve estar focado
no entendimento da racionalidade e na busca por elementos orientadores para a
criação de uma nova identidade.
Essa reflexão aponta para um desafio aos profissionais que se envolvem
na temática do desenvolvimento, como também para os próprios agricultores,
pois sistematizar para construir significa fazer reflexões sobre o que estamos
fazendo, corrigir definições ou conceitos de um determinado problema, modificar
a metodologia de trabalho para melhorá-la ou, se suas atividades têm resultados
positivos, seguir construindo a partir de seus acertos. Para tanto, um elemento é
fundamental, estar disposto para a reconstrução.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
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32
IDENTIDADE CULTURAL, MERCADOS AGRÍCOLAS E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA
Hugo Vela 1
INTRODUÇÃO
Esse texto busca provocar reflexões a respeito da necessidade de novos estudos
sobre como a cultura dominante se utiliza de elementos culturais próprios de
cada região, para aprofundar mais os alicerces do atual modelo econômico e político que se pretende estender ao mundo. Isso mostra, por sua vez, as numerosas
possibilidades e perspectivas que se apresentam como desafios a todos os envolvidos nos processos de desenvolvimento rural.
Assim, poder-se-ia dizer que, no mundo contemporâneo, dá-se por fato e realidade consumada a Globalização e, em especial, a globalização econômica, na nova
estratégia do Capital como relação social global. Entretanto, cabe aclarar que não
existe uma “teoria da globalização”, embora o ser humano, desde que começou a comercializar produtos, procurou sempre mercados não só onde vender, mas também
onde comprar. Muito embora, temos de convir que esse processo, a Globalização,
tal qual se observa, é recente, em marcha, e cujos resultados finais não se conhecem.
Portanto, não sendo ainda testado plenamente na prática social, e muito
menos possuído de uma aceitação geral de pensamento absoluto, é possível de
ser analisado desde várias perspectivas: políticas, sociais, culturais, ambientais e
obviamente econômicas, pois se trata, desde um princípio de um fato do desenvolvimento econômico da sociedade humana atual.
Nesse contexto, pode-se pensar que: A Globalização se caracteriza por ser
um processo mundial, com fins predominantemente econômicos, expresso pela
unificação alfandegária e “livre” transito das mercadorias produzidas pelo siste1
Prof. Associado do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da Universidade Federal
de Santa Maria. [email protected].
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ma capitalista, com conceitos e definições jurídicas e políticas no âmbito geopolítico das economias regionais dos países do mundo (1).
Assim, no discurso do Capitalismo contemporâneo encontram-se vários
conceitos correlacionados, aparentemente diferentes: neoliberalismo, globalização,
identidades, desenvolvimento sustentável, inclusão, etc. com uma ampla gama de
definições e suas variáveis, todas extremamente interligadas na práxis cotidiana.
Entretanto, essas redefinições das relações entre a economia e a sociedade
com sua cultura, têm uma diferença fundamental com a liberdade de mercado teorizada por Adam Smith na gênese do Capitalismo Liberal. Essa nova fase deverá
ser socialmente justa, economicamente viável, e ecologicamente sustentável.
De um lado, está o processo econômico da globalização das economias regionais com a sustentação ideológica do neoliberalismo, e de outro a proposta do
Desenvolvimento Sustentável como meio de se alcançar o estado do bem-estar
social, econômico e ambiental. Ambos no mesmo cenário, sem oposição clara e
definida, uma vez que tudo isso faz parte do mesmo modo de produção.
Mas como se verifica isto na realidade objetiva do cotidiano, e qual a situação
da identidade cultural nessa parte do continente conhecida como América Latina?
Por que devem agora os que trabalham com o desenvolvimento rural, não somente
conhecer técnicas e sistemas de produção agrícola, se não também a identidade e a
cultura das regiões? (2). E o que isto tem a ver com os mercados agrícolas?
Não é difícil de observar que o estágio alcançado pelo capitalismo nas últimas décadas fez com que o consumo e a lógica do capital sejam determinantes
não somente na produção agrícola e seus mercados, como também na produção
cultural. E nessa nova relação, a cultura e as identidades regionais somam-se aos
produtos como novos elementos de valor agregado.
Os processos sociais e culturais instituem vínculos pela inserção no mundo
do mercado simbólico (trocas), e os bens simbólicos, organizados conforme a lógica do Capital. Um claro exemplo de tal fato é que atualmente, o regional cresce
enquanto mercado de bens culturais. E como ocorre essa agregação dos valores
culturais simbólicos em bens culturais de mercado? Parece que a base inicial de
análise devem ser as novas exigências para os produtos agrícolas poderem competir nos mercados.
SOBRE AS NOVAS EXIGÊNCIAS DOS MERCADOS
AGRÍCOLAS
Até os anos 80 do século passado, a maioria dos estudos sobre o mundo rural na
América Latina, especialmente as abordagens econômicas, não mostrava interesse
sobre os aspectos da identidade e a cultura local, regional, ou de um território. Po34
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
rém, desde a segunda metade dos anos 90, os estudos sobre os mercados agrícolas
pelo mundo afora, descrevem sobre como se determina e se exige para os produtos
agrícolas e seus derivados o selo denominado IG, Indicador Geográfico, composto
de IP e DO ou Indicador de Procedência e Denominação de Origem, para que os
agricultores, individuais ou associados, possam comercializar seus produtos.
Tudo isso é regulado internacionalmente pelo ADPIC ou TRIPS: Acordo de
Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio. E nos trâmites
do processo, os aspectos da Identidade e da Cultura local e regional de um território têm fundamental importância.
Nesse contexto, para um universo de mais de 150 milhões de agricultores
na América Latina, que buscam sempre inserir-se nos mercados e suas regras,
cabem as perguntas: o que significam realmente essas novas siglas: IG, IP, DO,
ADPIC, TRIPS, em termos econômicos, em termos legais ou jurídicos? Como
chegar a eles para poder comercializar seus produtos? E, principalmente, o que
fazer, na pratica cotidiana, para conseguir as novas exigências?
Comecemos primeiro por tentar definir o que significam essas novas siglas,
os conceitos e enunciados que envolvem e, principalmente, as atividades que
propõem tais definições, a fim de alcançar os selos e a inserção no mercado globalizado, expressão atual do Capital como relação social global.
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA - IG
O referido Acordo (TRIPs) estabelece que a IG determine um produto como originário de um país, de uma região ou localidade de um território, quando determinada qualidade, reconhecimento ou outra característica do produto seja
indiscutível, fundamentalmente a sua origem geográfica.
O Brasil elaborou, como outros países, a partir de sua participação nos
acordos internacionais e sua adesão ao TRIPS, seu marco legislativo para conceder o IG, definido na Lei federal No. 9279/96, a qual regula os direitos e as
obrigações relativas à Propriedade Industrial, sendo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (IMPI) quem estabelece as condições para o registro das IG.
Sobre essa base, o reconhecimento das especificidades territoriais mediante Indicações Geográficas pode ser obtido de duas formas, a Denominação de
Origem e a Indicação de Procedência.
Denominação de Origem: É o nome geográfico de um país, cidade, região
ou lugar do seu território que designa o produto ou serviço e cujas qualidades ou
características derivem essencial e exclusivamente de fatores geográficos e dos
elementos humanos e naturais.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Indicação de Procedência: É o nome geográfico de um país, cidade, região
ou lugar do território conhecido como sendo o centro de extração, produção ou
fabricação que designa o produto ou serviço.
No contexto internacional, o Acordo TRIPS cria um regime que estabelece
um piso mínimo de proteção dos direitos de propriedade intelectual. O acordo
ainda estabelece um regime geral de proteção que pode ser utilizado por qualquer produto, embora delimite um regime especial para vinhos e outras bebidas.
Através da Normativa 134 de 1997, o IMPI tem ingerência sobre a instituição de formulários para apresentar os requisitos de registro para o IG. E a
Resolução 75 de 2000 estabelece as condições para o registro das IGs. Essa é de
natureza declaratória, donde o estabelecimento necessita do nome geográfico,
descrição do produto ou serviço, suas características, regulamento do uso do
nome geográfico em função de sua cultura e desenvolvimento, a história, o controle e o método de obtenção.
O reconhecimento de uma IG pode ser solicitado unicamente pelos produtores residentes ou estabelecidos na região demarcada geograficamente. Para atender
os interessados, o Brasil criou, mediante o Decreto No. 5351 de 2005, o Departamento de Propriedade Intelectual (DEPTA), tendo na sua estrutura uma Unidade
de Promoção e acompanhamento das IG no próprio Ministério da Agricultura.
IDENTIDADES CULTURAIS E NOVOS SELOS OU
CERTIFICAÇÕES
Ao estudar a chamada Identidade Cultural na América Latina deve-se partir de
um pressuposto básico: não existe uma única identidade cultural, mas identidades que se misturam procurando uma definição própria a partir da grande
miscigenação racial e cultural dos últimos 500 anos (3).
A rigor, o conceito de Identidade diz respeito à Qualidade de Idêntico, reconhecimento de que um indivíduo ou sociedade é ele ou ela própria. Na cultura
latino-americana, isso nunca existiu, nem mesmo antes da chegada dos povos
europeus e o episódio da conquista.
Entre os povos nativos indígenas, somente na Bolívia se contabilizam 99 grupos étnicos, somam-se a isso as etnias do norte e do sul do continente, como base
da nova civilização colonial, resultado do cruzamento com os povos europeus e africanos. Tal fato não somente pulveriza a identidade de um povo, de uma nação, de
uma região, como dificulta as possibilidades de uma unidade continental (4).
As diferenciações culturais são elementos decisivos não somente na separação das colônias e a formação dos atuais países depois da independência da Eu-
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ropa, como também é a base que gerou múltiples nuances de culturas regionais
claramente identificáveis nas sociedades contemporâneas.
Pode-se falar de formações culturais do Norte, Centro e Sul-América e até
mesmo de uma Caribenha. Todas subordinadas ao mesmo Modo de Produção,
idêntico nas premissas do atual processo de Globalização, mas com diferenças
objetivas do ponto de vista da cultura artística, musical, religiosa, mitológica,
comportamental até; e é nesse ponto que se podem identificar algumas correlações entre essas identidades e o atual processo de Globalização com os interesses
dos mercados e os novos selos.
Nesse leque de variâncias culturais das diferentes regiões, têm predominado basicamente duas identidades indissociáveis no processo de desenvolvimento
do capitalismo desses países: a cultura dominante, europeizada; e a cultura nativa, subordinada e apropriada de longa data, não somente pelo capitalismo como
também pelas ideologias socialistas.
A elite pós independência assumiu a identidade política deixada pelos colonizadores, como reflexo das propostas e ideias republicanas vindas da Europa.
Culturalmente, houve a liberdade para que o povo pobre da Europa se misturasse
à vontade com as populações nativas, o que não somente permitiu os diferentes
matizes, como também poderia permitir o surgimento de algumas características que supostamente deveriam dar-lhe uma identidade comum.
Mas não é isso que ocorreu. Isso não só gerou alterações na cultura nativa
em sua diversidade já existente, como formou novas formas culturais locais, regionais e até territoriais.
Como exemplos claros dessa regionalização pode-se citar o fato do território e
a cultura Platina, somente surgirem no período colonial. O caso da cultura musical
é mais emblemático dessa regionalização que demonstra a inexistência de uma única identidade na cultura latino-americana: se ouvimos música andina dizemos que é
latino-americana, mas aqui dentro ela é da América do Sul e da região dos Andes. Ao
ouvirmos música caribenha, dizemos que é latino-americana, mas ela se origina na
área Circuncaribe da América. O grito do Charro mexicano é latino-americano, mas
é exclusivo daquele país e, assim, poder-se-ia continuar com numerosos exemplos (5).
Por toda parte encontram-se pensamentos, ditados populares, musicas, vestimentas, culinária, danças, produtos agrícolas, bebidas, artesanato, etc. como
elementos que caracterizam a cultura de um lugar, uma região, um território. Tão
marcantes que não se precisa de nenhuma história para saber qual a origem de um
produto ou um bem imaterial. Ninguém nega que a tequila é mexicano, o churrasco
é do gaúcho da América do Sul, e que o bombo leguero é dos Andes Centrais.
Cada um tem seus elementos culturais próprios que caracterizam sua origem geográfica, sua procedência, sua denominação pelas origens, antes mesmo
de ter-se iniciado o processo de globalização e as novas exigências dos mercados.
37
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
E quando se chega mais perto das culturas locais no interior desses territórios conformados por um ou mais países, a diversidade das características
culturais que definem os produtos, sejam estes de origem agrícola ou artesanal,
aumenta. A cerâmica talavera, de Puebla, é famosa no México, La yuca com chicharrón, de Chalchuapa, é famosa em todo El Salvador, assim como las cachapas,
de Los teques, na Venezuela, são as mais conhecidas com toda a razão2. No Sul do
Brasil, como em outros estados, são famosos os doces, de Pelotas, no Rio Grande
do Sul, atraindo muitos turistas para sua feira anual.
Como se observa, os elementos culturais de um local, região ou território,
sempre estiveram atrelados a uma definição intrínseca da qualidade e quantidade na denominação dos produtos em função da sua comercialização. Mas isto
era dado como relação independente nos estudos econômicos, sem interesse nas
estratégias de mercado por produto. O que muda, então, agora?
Ocorrem mudanças, pois a formação de mercados comuns, de blocos econômicos regionais envolvendo vários estados nacionais como consequência do
processo de globalização, tende a imprimir novas influências à identidade ou
identidades culturais de uma localidade ou região. Esse fato mexe com a territorialidade, a tradição e a distinção, elementos determinantes na identidade
cultural de uma nação ou de uma região.
Tal fato provoca também mudanças nos padrões que configuram o regional, o modelo exemplar de identidade cultural. As tradições são frequentemente
inventadas ou reinventadas em épocas de transição social, política e econômica.
2
Portugal e Espanha trouxeram para a América também a arte do azulejo, primeiro, dos melhores de
sua época, com painéis históricos e doutrinários, mas também com fins paisagísticos. Logo foram
criados talheres nas colônias, especialmente na Nova Espanha (México), na Cidade dos Reis (Lima) e
também no nordeste brasileiro. No México e até fora dele é famosa a arte do azulejo maiolico, conhecido na cidade de Puebla como Talavera. A yuca com chicharrón, é uma comida de origem rural da
cidade de Chalchuapa, em El Salvador, feito com mandioca (yuca) cozida, molho de tomate e cebola,
pimenta e adereços com repolho e outros temperos como base para el chicharrón, uma espécie de
torresmo, somente que com mais carne, acompanhado de sucos ou refrescos de produtos próprios
da região. Tem um gosto tão especial que é famoso em todo o país e os turistas não deixam de experimentar. As cachapas, de Los Teques, são também de origem rural, uma espécie de panqueca de
milho bem tenro, semiadocicado, acompanhado de queixo do tipo frescal de minas ou com doce, encontrados num pequeno município da região metropolitana de Caracas, na Venezuela. Todo venezuelano ou não que vai para ali, experimenta ou repete como um ritual, a comida das cachapas. Só para
citar três exemplos claros do norte, centro e sul América, que demonstram a força cultural do lugar
para a comercialização de seus produtos. Pois há azulejos talavera em outras partes do México, mas
os melhores, por suas características gerais, são os de Puebla, e da mesma forma serve-se yuca con
chicharrón em outros lugares de El Salvador. Mas a melhor, pelos mitos e os ritos, é a de Chalcuapa, o
mesmo serve para as cachapas de Los Teques.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Não há cultura única e eterna, todas as sociedades geram cultura e, no caso dessa
associação entre agricultura, cultura e mercados, o que fica e o que desaparece das
culturas locais e regionais ou territoriais no contexto de transição globalizante?
Na cultura e identidade gaúcha, por exemplo, vários mitos foram apropriados por interesses hegemônicos, e a mídia dominante tem sido o canal de perpetuação e apropriação dos mitos e os ritos culturais ligados diretamente à territorialidade, a tradição da identidade cultural do Rio Grande do Sul. Atualmente,
essas resignificações ocorrem em função da reordenação capitalista advinda da
globalização da economia.
Cabe, então, aqui outra pergunta: quais são os elementos que dão identidade
cultural aos produtos próprios de um local, região ou território, que possam ser não
apenas critérios jurídicos e econômicos capazes de vender um determinado produto
com determinado selo exigido pelo mercado, mas essencialmente trazer a valorização
da cultura, como também os benefícios econômicos advindos de uma construção histórica de muitos anos, se não milênios, como nos casos do México e o Peru?
AS POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS
As oportunidades de desenvolvimento e melhoria de vida para os pequenos agricultores são cada vez menores. Sua subordinação ao Estado e sua relação com o
grande capital os deixam marginados e sempre em desvantagem, quase sempre
considerados como sujeitos incapazes.
Entretanto, as oportunidades que ainda possuem que não foram expropriadas, é o significativo legado patrimonial sobre seus produtos, sua gastronomia e
sua agroindústria, as quais, quando valorizadas pelos novos mercados, contêm
grande potencial para conseguir um desenvolvimento social local e regional.
Atualmente existem preocupações com o modelo de desenvolvimento, mas
já é sabido que o desenvolvimento é inimaginável se não preenche os requisitos
da sustentabilidade. Isso é um desenvolvimento comprometido com a tradição,
com a história e com o futuro do desafio ambiental e econômico, mas também e
principalmente o desenvolvimento social e cultural.
Nessa nova perspectiva dos mercados, não devem importar somente os
indicadores macroeconômicos e as percentagens de crescimento, mas também
demonstrar que se podem diminuir os desequilíbrios, ampliar os benefícios e estabelecer regras de competência mercantil e laboral que funcionem com esse fim.
Portanto, ao recuperar o fenômeno sociocultural como elemento de valor
agregado aos produtos com indicação de procedência e denominação de origem
nas propostas de desenvolvimento coloca-se a cultura como elemento central
nos processos que se articulam e dão sentido à vida comunitária, incluindo as
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
formas como se relacionam os indivíduos, a maneira de apropriar-se dos recursos, bem como as expressões simbólicas e os parâmetros para conceber a qualidade de vida do grupo.
Nesse contexto, os produtos com identidade possuem mais do que meras
expressões do patrimônio cultural, têm também a capacidade de impulsionar
e dinamizar a produção num grande número de atividades econômicas. A gastronomia, por exemplo, tem um notável poder para incidir sobre os processos
de desenvolvimento, especialmente quando possuem um eixo milenar e vigente,
imbricado na cosmogonia, na religiosidade, as tradições, os rituais, e as relações
sociais familiares de um povo.
Nesse universo maior de análise, onde cabem os aspectos antropológicos
e culturais, além dos econômicos, faz sentido reconstruir as relações entre as
diversas culturas em sua luta por formas de reconhecimento e de identidade
coletiva, institucional e pessoal. Nessa perspectiva complexa, nesse horizonte de
horizontes que abre a Globalização, há quem fale da globalização da solidariedade e de múltiplas possibilidades de cooperação entre os povos.
Portanto, se aceitamos que a globalização é mais do que mero neoliberalismo, faz sentido o discurso crítico normativo com pretensões de universalidade
e o diálogo intercultural dos povos em busca de motivos e formas de identidade
que apelem para a convivência humana e o desenvolvimento social.
É necessário, sob esta ótica, um pouco a revelia dos promotores, entender
a globalização como um processo de progressiva inter-relação entre diferentes
sociedades do mundo como um todo, nas esferas determinantes da dinâmica
social atual: social, cultural, política, econômica e ambiental. É um fato evidente
nos quatro cantos do mundo de que os cidadãos estão cada vez mais conscientes da herança libertadora do mundo moderno; a democracia, como sentido de
orientação moderna essencial à globalização.
Pela linguagem própria de cada cultura, nós abrimos e abrimos nossa cultura a outras culturas. E este é o grande filão das novas exigências dos mercados
os quais podem perfeitamente serem aproveitados para o desenvolvimento social.
Essa análise parte do estrito sentido fenomenológico, do “dar-se próprio
das coisas”, o mundo em sua multiplicidade de perspectivas e a sociedade na sua
diversidade de formas de vida. Procura-se que a descrição do “dar-se” não ocorra
por parte de um sujeito privilegiado, mas pelos múltiplos sujeitos participantes,
graças à sua própria linguagem, a partir de seus diversos modos de vida.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
CONCLUSÕES PRELIMINARES
No contexto supracitado, pode-se observar que, se partimos do pressuposto de
que a Globalização deve procurar a Democracia e a participação coletiva, o ponto
de partida para a constituição da coisa pública, para o exercício da política e a
constituição do Estado de Direito Democrático será, sem dúvida, a comunicação
dialógica com o outro, a inclusão do outro numa sociedade civil em que caibam
todos, com suas concepções de bem e da moral, com seus deuses e demônios,
costumes e tradições, enfim, com suas diferentes perspectivas de vida e mundo.
Pode-se, então, através da cultura comercializar os produtos, e não o contrário.
Entretanto, o direito à inclusão não se faz sem conflitos. Os movimentos culturais são lutas pelo reconhecimento social e constitucional do direito à diferença,
ou seja, da identidade na diversidade; quando isso não é possível, chega-se à desobediência civil, e a diversas formas de violência, como cronicamente tem acontecido
na América Latina com a questão dos nativos americanos ou ameríndios.
Sobre essas bases, poder-se ia dizer, então, que, atualmente, quando com a
globalização coexistem os nacionalismos, a pergunta sobre identidade cultural e
as novas exigências dos mercados não é mais defensiva do que construtiva, e nessa construção, o dilema que se impõe pelo mundo das diferentes culturas afora é:
Quem somos? O que somos? Qual o papel que nos cabe na história? Que
elementos distinguem nossa cultura? Até que ponto podemos nos equiparar com
outras áreas culturais? Quem decide nosso presente e nosso futuro?
Desde essa perspectiva, a globalização, quando vista para além do prisma
puramente econômico, mas como uma abertura de oportunidades não somente
na economia como também na cultura e na política, representa, mais do que um
perigo, um autêntico desafio de participação social e fortalecimentos de seus
recursos morais, culturais e democráticos.
Vejo três fatos objetivos para aceitar que a atual globalização da sociedade
tende a se aprofundar e como tal temos que apreender a trabalhar nela: a tendência humana de ocupação de territórios e ambientes, a característica ontológica
do capital como relação social global e a revolução nas comunicações.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Referências e comentários
Tenho discutido a temática da cultura latino-americana desde diferentes perspectivas e em diferentes fóruns com diferentes públicos ao longo dos últimos 15
anos, algumas das ideias aqui expostas estão mais desenvolvidas nos textos das
palestras citadas.
1 – Vela, H. Atualidade e Perspectivas para o Sistema de Conhecimentos Agrários no Contexto da Globalização. In Anais. XVI Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Ciências Agrárias. Santa Maria. Universitária. 1996 p 20
2 – Vela, H. A FORMAÇÃO DA CULTURA LATINO – AMERICANA E O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA. Palestra proferida no III Congresso Latino-Americano e do Caribe de Estudantes de Agronomia. UFPr-Curtiba. 18-01-1989.
3 – Vela, H. GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL NA AMÉRICA LATINA.
Palestra proferida no VI Simpósio sobre Comunicação e Cultura no Terceiro Mundo. 28 de Maio de 1999. UEL/Londrina. PR
4 – Vela, H. A COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NA SOCIEDADE GLOBAL. Palestra proferida no IX Simpósio sobre Comunicação e Cultura no Terceiro Mundo.
No dia 29 de Agosto de 2002. Universidade Estadual de Londrina
5 – Vela, H. COMUNICAÇÃO E CULTURA NA AMÉRICA LATINA - A MÚSICA
COMO COMUNICAÇÃO CULTURAL. Palestra proferida no IV Seminário sobre
Comunicação e Cultura no Terceiro Mundo. Universidade Estadual de Londrina PR/ Dia 23-05/1997
42
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE MERCADOS NA
AGRICULTURA FAMILIAR: UM PROCESSO DE
ANIMAÇÃO SOCIAL
Paulo Roberto C. da Silveira1
Introdução
Há mais de vinte anos trabalhando junto à agricultura familiar, seja em ações de
extensão, em espaços de formação ou em atividades de pesquisa, temos convivido com as dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares na esfera da
comercialização. Tais dificuldades são comumente tratadas sob um conjunto de
pressupostos que denominaremos aqui da forma tradicional de pensar o acesso
ao mercado. Nessa perspectiva, a relação produtor-consumidor somente é vista
como mediada pelas grandes indústrias processadoras, atacadistas e, mais recentemente, pelas grandes redes de supermercados.
Assim, os analistas da evolução da conjuntura agrícola e os agentes de desenvolvimento local, envolvendo governos, representações do setor e profissionais de
ATER têm trabalhado para viabilizar a inserção dos agricultores nas grandes cadeias
agroindustriais. Todo seu esforço tem sido pouco eficaz diante do caráter eminentemente seletivo dessas cadeias, onde os níveis crescentes de competitividade (medidos pela produtividade física e pelos padrões de qualidade estimados), exigidos
como critério de permanência em cada setor agroindustrial, têm levado a diminuir
o número de produtores e aumentar o produto gerado por unidade de produção.
As voltas com a elevação constante da produtividade, os agricultores familiares
procuram ser competitivos ao adotar tecnologias capazes de alcançar índices cada vez
mais altos de produtividade por área ou por unidade animal, mas suas rendas têm-se
1
Prof. do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da UFSM, coordenador do NEPALS
(Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Extensão em Alimentação e Sociedade); Zootecnista, Me. Extensão Rural, Dr. pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
demonstrado decrescentes. Enquanto a economia brasileira comemora índices elevados de crescimento com a participação destacada do setor agropecuário, aumenta-se
o endividamento dos agricultores (inclusive do setor denominado de agronegócio),
resultado da pressão por investimentos e custos de produção incompatíveis com as
receitas anuais obtidas. Nesse processo, muitas famílias abandonam a atividade agrícola ao não conseguirem responder aos padrões técnicos e/ou de escala exigidos.
A produção de comodities agrícolas exige cada vez mais área e rendimento
físico por hectare, o que não permite a todos os agricultores familiares condições para acesso ao mercado. Se pensarmos que devemos ter políticas capazes de
contemplar os excluídos das grandes cadeias produtivas, o esforço de pensarmos
alternativas se impõe. Mas, quando mencionadas outras possibilidades como os
chamados circuitos curtos de produção, distribuição e consumo, os quais envolvem as diversas formas de comercialização direta, no pequeno varejo ou em espaços dedicados a produtos diferenciados como alimentos ecológicos/orgânicos
ou artesanais (MALUF, 2004), os agentes de desenvolvimento costumam afirmar
que tais espaços de mercado realmente existem, mas que são insuficientes para
sustentar estratégias de fortalecimento da agricultura familiar. Admite-se, de
forma geral, que os agricultores familiares sempre atuaram nesses circuitos curtos, mas sua importância decai em uma economia globalizada e com o grande
varejo dominando a comercialização de alimentos.
Dessa forma, os circuitos curtos são desprestigiados e não estimulados pelas políticas públicas, apesar de algumas ações esparsas e sempre vistas como
marginais, trilharem esse caminho. Vistos como capazes de comercialização de
pequenas quantidades, esses mercados locais são menosprezados, mesmo que
frequentemente sejam relatados que representam uma renda mensal altamente significativa para os agricultores (ZAGO, 2002; SULZBACHER, 2009). Compreendemos que a ampliação desses mercados é desafiadora e, certamente, exigirá
apoio de políticas públicas e a ação determinada dos diferentes agentes de desenvolvimento. Mas, como estes, em geral, não valorizam esses circuitos curtos
e, assim, não os apoiam, tais estratégias são inibidas, ao invés de potencializadas.
Como examinaremos adiante, existem formas de organização dos atores de
um determinado recorte territorial2 que permitem acessar inclusive os grandes
mercados internacionais, caso dos Sistemas Agroalimentares Localizados enfocados por diversos autores3 e aplicados como unidade de análise em contexto do Rio
Grande do Sul por Silveira et all (2008). O que de comum existe nesses dois casos,
2
Utiliza-se recorte territorial, pois se presume que os atores em seu processo organizativo definem
um território pelas suas relações sócio-históricas, dimensionando determinada parcela do espaço
geográfico como sua área de referência.
3
Desjardins (2002); Gomez, Boucher e Desjardins (2006); Boucher (2008);
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
SIALs e circuitos curtos de comercialização, é a possibilidade de construção social do
mercado, ao invés da busca de inserção nas grandes cadeias agroindustriais, onde
os critérios de acesso estão definidos a priori sem a participação dos agricultores.
Nesse artigo, buscamos refletir as causas da permanência da forma tradicional de pensar e associá-la com determinada posição teórica em relação ao
conceito de mercado, sua mitificação e a negação de seu caráter de construção
social. Para isso, lançaremos mão dos referenciais disponibilizados pela chamada
economia socioterritorial que pretende dar conta do caráter plural4 da economia contemporânea e, também, da Sociologia Econômica, a qual desde o final
do século XIX tem ressaltado que os mercados precisam ser analisados de forma
social, política e culturalmente situadas. Contrastaremos esses referenciais com
experiências em mercados locais, alicerçados no estreitamento das relações entre agricultores e consumidores.
Buscaremos argumentar que os circuitos curtos podem ser potencializados e
que não são excludentes em relação aos circuitos longos, mas evidentemente complementares, desde que compreendidos em sua conformação específica e superada
a forma tradicional de pensar os mercados como entidades transcendentes e não
condicionadas pelas ações dos agentes responsáveis pelas transações comerciais.
A Forma Tradicional de Pensar o Mercado e
suas Fragilidades
Dois poderosos fatores, agindo de forma conjugada, fizeram que no século XX
fosse instituída “a forma tradicional de pensar” o mercado de produtos agrícolas:
a predominância da teoria econômica de corte neoclássica sobre demais abordagens da economia e a crescente concentração dos mercados agrícolas em poder
de um reduzido número de empresas transnacionais.
Os modelos abstratos da teoria econômica dominante (neoclássica) partem da crença de que os indivíduos, produtores ou consumidores, ao exercerem
suas preferências, estariam sendo racionais e dessa forma conduziriam a um
mercado capaz de autorregular-se. Nessa perspectiva,
“o mercado abstrato é o lugar adequado ao livre curso do comportamento, igualmente
abstrato, do homo oeconomicus, que age movido pelo único objetivo do ganho econômico
4
Na perspectiva desenvolvida adiante baseada nos trabalhos de Bernard Pecqueur e colaboradores,
Plural significa que envolve diferentes racionalidades econômicas em interação, a racionalidade capitalista, a racionalidade da reciprocidade e da redistribuição (PECQUEUR, 2009; LAVESQUÈ, 2009),
materializadas nas trocas mercantis, na chamada economia solidária e no dito terceiro setor.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
e de acordo com uma regra “econômica” de maximização do resultado de sua ação, proporcionalmente aos meios empregados (ou por meio da minimização dos meios para um
resultado dado)”.(STEINER, 2006, 33).
Nesse modelo, as ações racionais de todos os atores envolvidos nas transações realizadas garantiriam a racionalidade do mercado, esta compreendida
como equilíbrio entre oferta e demanda, refletida nos mecanismos de formação
de preços. Com base nos preços relativos, o agente econômico teria elementos
suficientes para tomar sua decisão e esta seria a melhor possível para o sistema
econômico como um todo (a economia agregada). Para esse modelo de equilíbrio
geral, qualquer oscilação na oferta ou na demanda, provocaria um reflexo nos
preços praticados e os agentes orientariam suas ações no sentido de reestabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda (STEINER, 2006).
Tal pressuposto demonstrou-se falso no contexto da crise mundial de 1929,
considerada como crise de superprodução, onde a oferta muito acima da demanda provocou a queda vertiginosa dos preços e deprimiu a lucratividade das empresas, o que provocou uma onda de falências com sua consequência negativa
para o nível de emprego e demais agregados econômicos. A saída da crise exigiu
medidas Keynesianas5, pautadas na necessidade da intervenção do Estado para
gerar renda em setores que não produziam bens de consumo, permitindo aumento de demanda sem gerar aumento de oferta. Seguiu-se a esse período um
processo de significativa intervenção do Estado na economia, questionando os
pressupostos de autorregulação dos mercados.
No entanto, tal crença na autorregulação retorna nos anos 1990 com o chamado neoliberalismo, já que a crise de financiamento do chamado estado do bem
estar social incita novas propostas de retirada da participação do Estado na economia, buscando evitar o que os economistas chamam de distorções no mercado. No entanto, em uma economia crescentemente globalizada, os mecanismos
5
Refere-se aqui às medidas defendidas pelo economista inglês John Maynard Keynes, o qual com
suas ideias de necessária intervenção do Estado na economia em investimentos de infraestrutura e
serviços públicos, além de investimentos nas forças armadas, como fatores de geração de renda que
aumenta a demanda, entendida como capacidade de consumo, sem gerar mais produção em um contexto que a velocidade de produção de bens ultrapassa em muito a demanda agregada. Essas ideias
inspiraram uma geração de economistas e gestores públicos comprometidos com um estado forte
capaz de sustentar altos níveis de crescimento econômico no pós-guerra e na criação do chamado
Welfare State (Estado do bem-estar social) europeu e do new deal norte-americano. Estas ideias
enfraquecem nos anos 1980 com a crise de financiamento desse estado, diante do volume elevado
dos gastos públicos, associados com cargas tributárias altas que passam a deprimir a taxa de lucro
média das economias nacionais e reduzir a taxa de investimentos privados (estes relacionados com o
aumento das taxas de juros, necessárias para financiar os déficits públicos crescentes).
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
adotados por cada governo e pelos blocos econômicos regionais para favorecer
o acesso de seus produtos ao mercado mundial e proteger seu mercado interno
imprimem uma dinâmica onde a autorregulação dos mercados não pode operar
no nível macroeconômico.
Verifica-se que políticas cambiais e fiscais, subsídios e barreiras alfandegárias e/
ou sanitárias impõem um contexto em que os mercados não podem operar somente
a partir de uma relação entre oferta e demanda a ser regulada por mecanismos de
preços. E, no caso dos mercados agrícolas, o domínio de um pequeno grupo de corporações transnacionais sobre as transações com comodities cria relações comerciais
que enfraquecem a possibilidade dos agricultores barganhar preço. Essas corporações,
verdadeiros impérios alimentares na denominação de Van der Ploeg (2008), gerenciam os estoques em nível mundial e definem os patamares de preço praticados.
Torna-se claro, no caso dos mercados agrícolas, que a autorregulação dos
mercados não tem correspondência na realidade empírica. Resta-nos perguntar
pela sua utilidade teórica. Segundo Steiner (2006), os estudos do economista
André Orlean alertam que esse modelo de autorregulação do mercado somente
pode funcionar se duas condições forem respeitadas:
a. que os indivíduos conheçam o repertório de bens disponíveis e não exista
qualquer incerteza quanto suas propriedades e qualidades;
b. que os indivíduos estejam a par do cenário futuro e sua probabilidade de
efetivação;
Nessas condições, a única informação relevante para o agente econômico seriam os preços relativos. Os agentes econômicos, em sua decisão-ação, não têm todas as informações sobre as propriedades e qualidade dos produtos, como também
é pouco provável que dominem os cenários futuros da economia e suas respectivas
probabilidades de efetivação. Desse modo, pode-se considerar que as relações mercantis não assumem uma dinâmica natural, mas são condicionadas por um conjunto de instituições que definem suas regras de funcionamento (STEINER, 2006).
Os estudos de Karl Polanyi e seus seguidores tornaram amplamente conhecida a ideia de enraizamento das ações econômicas em contextos sociais específicos, retomada pela nova sociologia econômica com a demonstração da inserção estrutural dos mercados (Granovetter, 1985) e a inserção político-cultural
dos mercados (Fligstein, 2001). Para a nova sociologia econômica, os mercados
são construções sociais temporal e espacialmente situadas, sendo necessário
atentar para as motivações não-econômicas das ações dos agentes econômicos
(SWEDBERG, 2004; RAUD-MATTEDI, 2005).
Nessa linha interpretativa, resgatam-se os estudos da história das relações mercantis, onde se demonstra que pari passu com as relações mercantis
desenvolvem-se relações de reciprocidade e redistribuição, regradas por meca-
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
nismos socioantropológicos, distantes do interesse egoísta do agente econômico
abstrato da teoria econômica (STEINER, 2006; PECQUER,2009). A reciprocidade
está ligada às práticas sociais motivadas pela colaboração e pela expectativa de
retribuição (SABOURIN, 2009).
Como exemplo poder-se-iam citar as tradicionais práticas de ajuda mútua
entre agricultores, os mutirões, onde cada agricultor colabora com o vizinho na realização de tarefas que exigem maior capacidade de trabalho que a família dispõe,
sempre na expectativa de retribuição em momento que esse esforço coletivo seja
necessário em sua unidade de produção. Também as conhecidas doações de alimento aos vizinhos, parcela da carne de um animal abatido, por exemplo, as quais significam em outro momento receber de volta um equivalente como retribuição.
A Redistribuição, compreendida por mecanismos coletivos de gestão do
produto social, seja através do Estado, de formas cooperativas ou organizações do
chamado terceiro setor, as ONGs, coordenam o acesso aos bens e serviços àqueles que não possuem, partindo do montante produzido por determinado grupo
social. Certamente, pode-se perceber que contemporaneamente temos exemplos
dessas práticas na agricultura, como o Programa de Aquisição de Alimentos do
Governo Federal - PAA, o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE ou
os projetos de desenvolvimento sustentável, onde ONGs ou cooperativas aglutinam a produção para depois redistribuir em produto ou dinheiro aos participantes, independente da contribuição individual de cada um.
Tais mecanismos não são gestados na ótica da troca mercantil e, assim
como as formas de reciprocidade, pautam-se pela solidariedade social e não pela
expectativa de lucro econômico. No entanto, é importante advertir que isso não
significa dizer que inexista motivação econômica, pois estas obviamente estão
presentes quando se trata de necessidade de consumo, mas que a forma como
estas são materializadas fogem a pura troca mercantil (REDIN e SILVEIRA, 2010).
Nos estudos de Karl Polanyi e seus seguidores, a expansão das relações
capitalistas de produção na passagem do século XIX para o século XX teriam
deslocado a reciprocidade e a redistribuição em favor do predomínio da troca
mercantil (VINHAS, 2003; STEINER, 2006). Desse modo, seus estudos se voltavam para sociedades ditas não plenamente capitalistas, onde esses mecanismos
teriam um papel fundamental na organização de sua vida econômica. Deve-se
a Mark Granovetter, considerado o fundador da Nova Sociologia Econômica
(SWEDBWRG, 2004; RAUD-MATEDI, 2005), a formulação de que mesmo na sociedade contemporânea, onde predomina a troca mercantil como forma de relação
econômica, existe uma inserção social dessas relações, implicando na permanência da influência de relações sociais e do quadro institucional no comportamento
dos agentes econômicos (RAUD-MATEDI, 2005).
Como demonstram Fonseca (2002), Silveira e Guivant (2009) e Silveira
(2010), as convenções cívico-domésticas permanecem lado a lado com as conven48
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ções jurídico-mercantis na operação dos mercados agrícolas no contexto da agricultura familiar ou nos mercados de produtos orgânicos. Mostram os autores,
que nos chamados circuitos curtos, onde a maior proximidade entre produtor e
consumidor influencia nas transações comerciais, as convenções cívico-domésticas exercem papel fundamental no comportamento dos agentes econômicos.
Deve-se salientar aqui, que mesmo em circuitos longos de mercado, nas
transações com comodities, é comum verificar-se a presença das convenções cívico-domésticas na operação dos mercados junto a agricultores familiares, como
já argumentava Ricardo Abramovay (2002), ao referir-se à inserção parcial em
mercados incompletos. Em estudo sobre a fumicultura, Redin e Silveira (2010b)
demonstram que as relações entre agricultores e a indústria fumageira são mediadas por fatores relacionados à confiança estabelecida em anos de convivência
e a mecanismos relativos a acordos tácitos entre as partes. Assim, os agricultores
não decidem em função de preços ou serviços prestados em um momento dado,
mas dentro de um quadro de lealdade estabelecida, em que mecanismos de reciprocidade operam decisivamente.
Mas o que são convenções cívico-domésticas e como são constituídas? Na
definição de Fonseca (2002), seriam:
“aquelas em que os atores estão reunidos por um forte conhecimento interpessoal e suas
ações são fundadas na confiança, as compras dos consumidores se efetuam mais diretamente e de maneira fiel junto aos produtores, na fazenda, sobre o mercado ou por meio
de cooperativas de consumidores” (fonseca, 2002,p. 09).
Em resposta a como são constituídas poder-se-ia, de forma provisória, argumentar que se fundam no interconhecimento entre os produtores e consumidores
no esforço cotidiano de comprar e vender. Vários autores têm avançado na busca
de elementos teóricos que possam explicar esse processo constitutivo e mais sua
permanência no mundo contemporâneo, os quais examinaremos a seguir.
Para os teóricos da economia das convenções, como Boltanski e Thévenot
(1991), existiram seis principais lógicas de ações (convenções) perceptíveis no
agir dos atores sociais: Mercantil (baseada na concorrência), Industrial (baseada
na eficiência), Cívica (baseada nos valores da coletividade), Doméstica (baseada
na confiança), de Inspiração (baseada na inovação) e de Opinião (baseada no
renome) (LEVÉSQUE, 2009). Assim, as convenções cívico-domésticas seriam relacionadas a valores compartilhados socialmente, a preocupação com o interesse
público, mais do que o individual, e a relação de confiança típica da esfera doméstica (relações face-a-face marcadas pela pessoalidade, características na família,
na vida comunitária e nas relações intragrupos de pertencimento social). Tais
relações de confiança que se originam dos laços fortes na terminologia de Granovetter (1995) ou o capital cívico e social para Putmann (1996).
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Já as convenções Jurídico-mercantis referem-se às “transações comerciais
pautados em mecanismos de mercado (preço, quantidade, qualidade, regularidade) e os referentes a contratos pautados nas regras jurídicas presentes no país”
(SILVEIRA e GUIVANT, 2010, p. 03).
Para compreendermos os mercados agrícolas contemporâneos, analisando sua
evolução, recorreremos aos referenciais da Economia Socioterritorial, procurando demonstrar que a forma tradicional de pensar o mercado pode e necessita ser superada.
Para Além da Forma Tradicional de Pensar os
Mercados
Nos anos pós-segunda guerra mundial, a economia capitalista atingiu elevado
nível de crescimento, baseado em um regime fordista de acumulação, no qual a
produção massiva de bens de consumo e a elevação do poder de compra da massa trabalhadora compõem sua mola mestra. Adicionados a políticas de estado
voltadas ao bem-estar social, ocorrem investimentos em serviços públicos de
qualidade que visavam deprimir os gastos dos trabalhadores em saúde, educação, vestuário, transporte, lazer e demais necessidades básicas, gerando mais
capacidade de consumo de alimentos e bens duráveis.
Esse modelo fordista trouxe um grande crescimento da produção industrial, cada vez mais capaz de fornecer produtos a uma massa crescente de consumidores ao menor preço possível. Isso ocorre, também, no setor de alimentos
com a estruturação de um segmento agroindustrial poderoso, o qual desenvolve
um novo padrão de consumo alimentar, subordinando à produção agrícola as
suas necessidades (POLLAN, 2008).
Pode-se afirmar que:
“Este modelo produtivo dominante visava, com efeito, negar a diferenciação dos produtos,
valorizando mais a capacidade dos produtores para produzir bens e serviços idênticos e
padronizados com os menores custos possíveis” (pecqueur,2009, p. 90).
Esse modelo fez com que as grandes empresas agroindustriais se movessem pelo mundo, a partir dos anos 1970, em busca de menores cargas tributárias,
incentivos fiscais e menores custos em matérias-primas, mão-de-obra e serviços,
o que significaria vantagem comparativa em preços (PECQUEUR, 2009)6. Essa mi6
Mesmo que esteja ausente da interpretação do autor citado, a pressão em relação aos problemas ambientais causados por essas grandes empresas via legislações mais rígidas e ações dos movimentos
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gração do capital agroindustrial pelo mundo trouxe várias consequências:
a. Gerou a desconexão entre produção e consumo, quebrando o vínculo fordista entre crescimento da massa salarial e aumento nos níveis de consumo, o qual representava suporte ao crescimento da produção;
b. Intensificou o comércio internacional, acelerando o processo de globalização dos mercados, possibilitando o consumo de bens produzidos em pontos distantes do globo, criando um padrão de competitividade mundializado e desconectando da produção de alimentos em ecossistemas específicos,
o que os avanços na base técnica da agricultura já colocavam como possibilidade (VAN DER PLOEG, 2008);
c. Impôs um padrão de competição mundializado que levou as regiões dos países centrais, as quais se tornam não-competitivas em preços, precisarem
apostar na diferenciação de seus produtos como forma de acessar novos
mercados, processo acompanhado por altos subsídios que, ainda hoje, buscam viabilizar segmentos agrícolas e agroindustriais que praticam elevados
custos de produção em consonância com a formação de blocos regionais;
d. Enfraqueceu a capacidade de regulação dos estados-nação, diante da crescente mobilidade de bens, serviços e capitais;
Diante desse processo, as tradicionais vantagens comparativas são substituídas pelas chamadas vantagens diferenciadoras (PECQUEUR, 2009). Da crise
desse regime fordista de produção e consumo surge, na busca da diferenciação
de produtos e serviços, um modelo da qualidade em substituição ao antigo modelo da produtividade, o qual caracteriza-se por: a manutenção de preços elevados; globalização da produtividade; caráter específico dos produtos; governança
local e atores pluridimensionais; fuga da concorrência como estratégia; lógica de
territórios em substituição da lógica de firmas (PECQUEUR,2009).
Nesse contexto de crise do regime fordista de acumulação, emerge a economia dos territórios, baseada na percepção que cada território, entendido
como criação social dos atores locais, poderá obter vantagens diferenciadoras
segundo sua capacidade de ativar recursos específicos, atribuindo-os valor de
mercado (PECQUUER, 2009). Segundo o autor, deve-se salientar que a ativação
de um recurso existente em determinado território é processo que envolve a
organização de atores e a criação de instituições de coordenação territorial.
Ou seja, os níveis tradicionais de administração pública, federal, estadual e
municipal tornam-se insuficientes, além de exigir-se uma consertação entre
diferentes atores envolvidos na produção, processamento e comercialização
ambientalistas mundiais e locais influenciaram na migração daquelas em direção a países menos
exigentes na proteção ambiental.
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de alimentos, incluindo-se, também, os consumidores (SILVEIRA et all, 2008;
SILVEIRA ET ALL, 2009).
Nessa perspectiva da economia dos territórios (ou socioterritorial), a globalização não significa homogeneização entre os diferentes espaços geográficos,
mas sim diferentes possibilidades de articulação entre local e global, política e
socialmente situadas, ou seja, dependentes de cada conformação organizacional e institucional em um território específico. Assim, a construção social dos
mercados já surge como possibilidade real, substituindo a forma tradicional de
pensar o mercado como algo dado e transcendente ao contexto político e social.
Mas ainda podemos avançar.
A Transformação no mercado de alimentos
Em um cenário de globalização da economia, processo radicalizado a partir de
1990 com a liberalização dos mercados motivadas pelas políticas de corte liberal
(período dominado pelo chamado Neoliberalismo), é comum ouvirem-se discursos em favor da soberania dos mercados, favorecidos pela pouca capacidade de
regulação desses, demonstrada pelos estados-nação. Nesse discurso, caberiam
aos produtores agrícolas dos diferentes países buscarem ser competitivos e atenderem as exigências postas nesses mercados globais. Assim, sejam exigências
sanitárias, sejam exigências de certificação de respeito à dimensão ambiental,
sejam padrões específicos de qualidade passam a regular as transações comerciais e orientarem o comportamento das cadeias produtivas.
No entanto, como advertia o geógrafo Milton Santos (1996), a racionalidade hegemônica do capital gera contrarracionalidades e estas assumem a forma
de mercados locais/regionais, onde as regras de participação fogem aos padrões
estabelecidos nos grandes circuitos de produção-distribuição-consumo. Ativados na esteira de menores custos de transação que favorecem a fornecedores
locais/regionais, os circuitos curtos de produção-distribuição-consumo captam
melhor as diferentes demandas dos consumidores, as preferências de segmentos
específicos por alimentos de qualidade superior (WILKINSON, 2006). Aqui falamos de alimentos, pois este será o escopo de nossa análise.
As mudanças nos padrões de consumo, orientados cada vez mais pela saúde, pela preocupação com o meio-ambiente, pelo prazer de experimentar as gastronomias tradicionais, tem feito que alimentos orgânicos/ecológicos, os ditos
produtos coloniais caracterizados pela dimensão artesanal e os produtos com
apelos sociais como os do comércio justo ou provenientes de assentamentos
da reforma agrária, quilombos ou projetos de desenvolvimento sustentável ganhem, cada vez mais, espaço junto aos consumidores (SILVEIRA, GUIMARÃES E
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GENRO, 2008; SILVEIRA, 2010; SILVEIRA ET ALL, 2011). Mesmo que esse espaço
de mercado ainda seja pequeno (menos que 3 % do consumo total de alimentos
no Brasil (SILVEIRA e GUIVANT, 2009), seu crescimento potencializa esses circuitos curtos pela sua maior capacidade de fornecer tais produtos.
Por outro lado, fica cada vez mais difícil o acesso dos agricultores e processadores artesanais de alimentos aos grandes circuitos de comercialização, hoje dominados pelas grandes redes de supermercados. Em trabalho recente, demonstramos
as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos processadores de alimentos e bebidas
orgânicas ao buscarem espaço junto a essas grandes redes com suas regras e exigências (SILVEIRA, 2010) e verifica-se o domínio de empresas distribuidoras na comercialização de produtos orgânicos/ecológicos in natura, devido a estrutura em
logística e escala alcançada pela aquisição junto a inúmeros fornecedores (IPARDES,
2007). Deste modo, resta aos agricultores familiares envolvidos com a produção
desses produtos diferenciados a operação nos circuitos curtos de comercialização,
mesmo que não excludente de sua participação em circuitos longos.
Pois, mesmo que teoricamente, tais circuitos curtos possam dar vazão a
uma imensa variedade de produtos, sabe-se que em determinados casos pode
ser interessante operar nas cadeias produtivas tradicionais. Talvez, o exemplo
mais contundente seja o da produção de leite, onde predominam agricultores familiares que entregam o leite para as grandes indústrias processadoras e podem
articular essa atividade com outras voltadas aos circuitos curtos.
Nesse debate, muito também tem sido citadas as feiras de agricultores como
sinônimo de circuito curto e tem se constado sua decadência. Precisam-se tecer
algumas considerações sobre essas afirmações. Primeiro, que as feiras, mesmo reconhecendo-se sua relevância para grupos de agricultores muitas vezes excluídos
dos circuitos tradicionais, não são sinônimo de circuito curto. Como observa Maluf
(2004), os circuitos curtos abrangem uma rede da qual fazem parte os agricultores
familiares, suas cooperativas e associações, o pequeno varejo, os supermercados
locais e as organizações de consumidores, além das diferentes estratégias de comercialização direta das quais as feiras de agricultores são, apenas, um dos componentes importantes. Assim, mesmo que os espaços das feiras estejam em decadência,
novas formas na relação produtores-consumidores continuam a ser explorados e
recriados constantemente.
Essas relações criadas e recriadas constantemente dependem da capacidade dos atores sociais em constituírem novos espaços de mercado, estes regidos
por regras (convenções) definidas por seus participantes. Esse processo de construção social de mercados, contando com a participação efetiva dos diferentes
atores envolvidos constrói canais de comercialização, antes inexistentes. O mercado não é mais algo que se apresenta pronto e no qual se pode acessar, mas sim
um processo aberto à invenção e ao aprendizado social.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Amarrando as pontas entre o teórico e o
empírico: o ressurgimento da Capacidade
Criativa dos Atores locais/regionais
Através da menção a algumas experiências por nós estudadas, tentaremos mostrar como a ação dos agricultores familiares pode construir mercados segundo
suas expectativas e necessidades. Deve-se considerar que anos de operação da
forma tradicional de pensar erodiu a capacidade organizativa dos agricultores e os
colocou de forma subordinada diante dos ditames de agentes econômicos com
poder de definir as condições de comercialização de seus produtos. Isso implica
em que a ação dos agricultores familiares, muitas vezes, precisa ser potencializada pelos agentes externos, instituições que apoiem o processo em seu “start” inicial. Nesse caso, como veremos abaixo, trata-se de estimular, organizar, formar.
Um trabalho de animação social.
Antes de adentrarmos nas experiências analisadas, cabe retomar a perspectiva da economia socioterritorial, onde a existência de recursos potenciais para
geração de trabalho e renda em determinado território, sejam recursos naturais,
infraestrutura, capacidade produtiva ou mesmo capital social acumulado, precisa
sofrer um processo de ativação. Caso contrário, podemos ter um território que
possua recursos e estes não sejam mobilizados em favor do desenvolvimento territorial (SILVEIRA et all, 2009). Para Pecquer (2005; 2009), ativar um recurso e
transformá-lo em ativo é um processo em que os atores sociais de um território
criam formas de desenvolver produtos ou serviços, buscam qualificá-los e conectá-los com os consumidores destes, muitas vezes, tendo que articular diferentes
instituições públicas e privadas, superar as barreiras legais impostas pelo Estado,
operar estratégias de marketing e criar novas forma de governança local.
A ativação de um ou mais recursos de um território ocorre pela ação concreta e efetiva dos diversos atores sociais, determinados a buscar vantagens competitivas com outras regiões (territórios mais ou menos organizados) e enfrentando relações conflitivas, cooperativas e colaborativas7. Identificados os recursos
7
Como exposto em Silveira e Guivant (2010), ações cooperativas são aquelas que envolvem atores que
têm objetivos comuns e podem definir estratégias de decisão e ação coletiva. São típicas no âmbito
interno de cooperativas, associações, sindicatos ou movimentos sociais. Já as ações colaborativas
ocorrem entre atores ou instituições com objetivos diversos, mas que obtêm benefícios em determinadas ações conjuntas. Trata-se de uma aliança pontual, a qual tende a desaparecer cessada a ação
desenvolvida e obtendo-se os resultados esperados. São típicas entre agricultores e organizações extensionistas públicas, privadas ou de terceiro setor, com instituições do chamado sistema S (SENAR,
SESI, SENAC, SEBRAE, SENAI), com empresas de comercialização, fornecimento de insumos ou
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
existentes, trata-se de promover um processo de ativação, o qual pode ocorrer
de diversas formas, tanto a partir dos próprios agricultores, como estimulados
por políticas públicas ou programas de desenvolvimento rural conduzidos por
instituições privadas ou de terceiro setor.
A experiência da produção de amora em encruzilhada do sul
Nesse caso, documentado em Silveira et all (2009b), trata-se de um conjunto de
ações desenvolvidas em relação a viabilizar mercado para a amora (rubus brasiliensis), a qual era um recurso disponível em inúmeras unidades de produção
agrícolas familiares do município de Encruzilhada do Sul. O desenvolvimento
dessa atividade produtiva tinha ocorrido no início da década de 1990, quando
empresas da serra gaúcha incentivaram com apoio da extensão rural oficial, o
plantio de várias espécies frutíferas, destacando-se o pêssego, a uva e a amora,
aproveitando-se das favoráveis condições climáticas existentes.
No entanto, é no ano de 1997 que um programa do governo federal, “Programa de Fruticultura Irrigada da Metade Sul” realiza no município investimentos em aquisição de mudas, equipamentos para irrigação, máquinas agrícolas e
insumos para o cultivo, que a fruticultura tem um novo incremento em número
de produtores e área de plantio. Mas a ativação desse recurso, a Amora, somente
inicia em 2006, quando um agente facilitador vinculado ao SEBRAE passa a atuar
junto a Associação de Fruticultores de Encruzilhada do Sul (AFRUTES).
O trabalho desenvolvido com o grupo de produtores teve início no mês de agosto do ano
de 2006, através de uma parceria estabelecida entre AFRUTES, Prefeitura Municipal de
Encruzilhada do Sul, Emater – Escritório Municipal de Encruzilhada do Sul e Programa
Juntos para Competir8 (SEBRAE, SENAR e FARSUL). A esse grupo de instituições, aos
quais eram denominados de “parcerias”, cabia o papel de apoiar o desenvolvimento das
atividades que fossem definidas pelo coletivo (SILVEIRA et all, 2009b).
industrialização, com instituições de pesquisa; entre cooperativas, entre estas e movimentos sociais
e destes entre si.
8
O Juntos para Competir é impulsionado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no
Rio Grande do Sul (SEBRAE/RS), em parceria com a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul
(FARSUL) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). O programa busca organizar e
aprimorar as cadeias produtivas do agronegócio no Rio Grande do Sul, como a bovinocultura de corte, a suinocultura, a ovinocaprinocultura, a fruticultura, a floricultura, a vitivinicultura, a apicultura
e a cultura da cana-de-açúcar e seus derivados.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
O trabalho focou-se na superação da condição de dependência em que
se encontravam os agricultores, pois não percebiam como poderiam agir no
sentido de valorizar seu produto. Se pensado o mercado como espaços de comercialização conhecidos e geridos por um conjunto de regras objetivas, os
agricultores vinham visualizando nos últimos anos poucas possibilidades de
acesso no caso da Amora, já que apenas um comprador de Pelotas acabou adquirindo a maior parte da produção. Tratava-se de buscar novas alternativas
de comercialização e, para tanto, criar novos espaços de mercado. Tal ideia é
nova, sendo a adesão a ela uma construção necessária pelos agentes envolvidos no projeto.
Assim, resgatando o papel proativo dos agricultores, surgem estratégias
para potencializar a atividade produtiva, sempre focando a cadeia produtiva e seus
gargalos. Tratava-se de “fortalecer a AFRUTES, para que os agricultores se sintam um
grupo coeso e capaz de gerir espaços e ações, de forma mais cooperativa do que individualmente, passou a ser um dos elementos fortes do trabalho” (SILVEIRA et all, 2009b).
Dentre as atividades desenvolvidas, destacam-se aquelas que levam a fortalecer a identidade do grupo (por exemplo, as normas e padrões para produção
e comercialização da amora, definidas coletivamente, de forma participativa); as
atividades de formação e qualificação, as quais são fundamentais, pois:
Os agricultores constroem formas de inserção no mercado e de resistência aos padrões
estabelecidos, porém a qualificação e a formação são necessárias para que eles passem de processos ingênuos de apreensão para processos críticos e sugestivos (SILVEIRA et all, 2009b).
Nesse caso, podem-se citar reuniões técnicas, viagens de estudos, cursos,
sempre buscando o aprendizado coletivo e a troca de experiências, permitindo
aos agricultores definirem quais estratégias podem adotar para melhorar o preço
recebido pelo produto e as diferentes possibilidades de mercado. Dentre essas,
surge a compreensão de que a agregação de valor é uma estratégia fundamental,
pois evita que os agricultores tenham apenas na venda do grão in natura para
indústria seu espaço de colocação do produto no mercado.
Para agregar valor, buscam-se formas diferenciadas de oferecer o produto
ao consumidor, seja na venda direta in natura, em polpas, geleificados ou sucos.
Desse modo, surge a criação de uma estrutura própria de agroindustrialização
como um caminho a ser percorrido pela AFRUTES. Assim, define-se que, paralelo ao tradicional mercado junto à indústria processadora, deve-se trabalhar no
sentido de constituir uma unidade de processamento de sucos e geleias. Enquanto investe-se na melhoria do sistema de frio para permitir a qualificação da fruta
no pós-colheita, age-se na busca de outros mercados.
Nesse sentido, traça-se uma estratégia de divulgação do produto e atração
de consumidores. Foram realizados: Amostra e Feira da Amora e Derivados, concurso local de pratos a base de amora, com a criação e divulgação de uma mascote
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
para divulgação do evento; realização de um jantar com pratos à base de amoras;
participação em feiras regionais; elaboração e distribuição da Cartilha de Propriedades Nutracêuticas da Amora.
Todo esse conjunto de ações gerou um espaço de mercado, ou seja, novas
oportunidades de distribuição e consumo, as quais, enquanto não se torna realidade a agroindústria legalizada para processamento de sucos e geleias, viabiliza
que os associados da AFRUTES possam comercializar sua produção com maior
preço obtido e com volumes crescentes de produção sem depender apenas do
canal tradicional junto às grandes indústrias. Ademais, como resultado desse
trabalho, a Amora de Encruzilhada ficou conhecida em todo estado e até fora
dele, contribuindo com a consolidação da fruticultura na região.
A amora torna-se um ativo com valorização pelos consumidores (os quais
passam a conhecer outras formas de consumo do produto) e até pelos próprios
agricultores, os quais até pouco tempo atrás duvidavam da viabilidade de seu
cultivo de forma rentável e competitiva. Mas esse processo somente pode ocorrer pela articulação e envolvimento das várias instituições que iniciaram o trabalho de construção de mercado e de outras que foram se agregando. Em 2007,
quando da análise realizada, havia quarenta famílias envolvidas com cultivo da
amora, significando 120 toneladas de produto in natura e envolvendo mais de
200 pessoas de forma direta e indireta.
Com essa experiência se quis demonstrar que novos espaços de comercialização
podem surgir da ação proativa dos produtores, articulados com as instituições de desenvolvimento rural, em processos de construção social de mercados. Assim, a forma
tradicional de pensar que advoga a existência ou não de mercados como resultado de
pesquisa junto aos consumidores e os espaços de distribuição de alimentos pode ser
contrarrestada por casos onde o mercado é pensado a partir das questões: quem seriam
possíveis consumidores, atuais ou potenciais? Como podemos alcançar esses consumidores? E como devemos agir para conquistar novos consumidores e torná-los cativos?
As Experiências com Feiras de Agricultores – o caso de Santa
Maria – RS
Inúmeras experiências que envolvem a criação de espaços de comercialização
direta agricultor-consumidor poderiam ser aqui citadas, variando os níveis de
organização e apoio de agentes de desenvolvimento, os produtos envolvidos e
os prazos de duração, desde as mais recentes9 até iniciativas com vinte anos de
9
Pode-se citar aqui a feira dos assentados de Pedras Altas, município do sul do estado. Essa experiência
surge em contexto de descrença devido a tratar-se de pequeno centro urbano. No entanto,quando aos
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
existência10. O mais importante nessas experiências é a relação de confiança que
se estabelece entre agricultores e consumidores, o que cria uma credibilidade e
uma demanda cativa. Também, observa-se o papel definidor da presença de animadores sociais, os quais promovem as ações de organização, motivação, apoio
logístico, divulgação e controle de qualidade.
Aqui comentaremos de forma sintética uma experiência que pode indicar
elementos para compreendermos a força que pode adquirir a construção social
dos mercados. Trata-se de uma experiência desenvolvida em Santa Maria – RS,
no governo municipal de Valdeci Oliveira, partido dos Trabalhadores, na qual se
decidiu levar acabo um Programa de Abastecimento Popular – PAP.
A motivação de tal programa partiu da percepção de que na periferia da cidade
os hortigranjeiros que chegavam ao consumidor eram de péssima qualidade e que as
feiras aconteciam na região central, onde havia mais consumidores e o poder aquisitivo médio era superior. O eixo central era aproximar os agricultores dos consumidores
dos bairros e vilas. Assim, decidiu-se por estimular as feiras existentes, através de
sua estruturação e qualificação, além de criarmos novos espaços de comercialização11.
Muitas feiras já existiam na cidade de Santa Maria – RS, mas não contavam
com infraestrutura adequada (bancas e recipientes para acondicionar os produtos),
nem havia um processo de acompanhamento da qualidade dos produtos comercializados (hortigranjeiros, produtos coloniais, artesanato). O diagnóstico dos feirantes era que o movimento vinha caindo devido à concorrência dos supermercados,
nos quais a presença de variedade de produtos e serviços atraía os consumidores.
profissionais de ATES desafiamos agricultores assentados a realizarem uma feira quinzenal com apoio
logístico da Prefeitura Municipal, rapidamente obtém adesão de mais de trinta famílias, as quais são surpreendidas pelo sucesso alcançado, e os produtos ofertados eram todos comercializados ainda pela criação
de um canal de fornecimento junto ao comércio local. A potencialização do hortomercado de Santiago – RS,
onde uma estrutura financiada com recursos do governo estadual e gestada pela Prefeitura Municipal enfrentava problemas de funcionamento, os quais passam a ser resolvidos quando se cria uma associação de
feirantes e estabelece-se um processo de qualificação dos produtos, aumenta-se sua diversidade e criam-se
novos horários de funcionamento, conectados às preferências dos consumidores.
Nesse caso, é paradigmático o caso do Feirão Colonial do Projeto Esperança-Co-Esperança, vinculado a Diocese de Santa Maria, o qual ocorre todos os sábados pela manhã, em local com infraestrutura para comercialização de mais de 200 expositores e existente a mais de 20 anos. Também, pode-se
citar o Programa de Qualificação das Feiras de Santa Maria – RS, operada pela Secretaria Municipal
de desenvolvimento rural nos anos de 2001-2004.
10
Além do Programa de Qualificação das Feiras de Agricultores, o PAP consistia em um conjunto
de dezesseis ações articuladas que buscavam estreitar a relação entre agricultores e consumidores.
Destaca-se nesse conjunto a criação através de lei municipal, do Serviço de Inspeção Municipal –
SIM, o que permitiu a legalização e fiscalização dos estabelecimentos dedicados ao processamento
de produtos de origem animal no município.
11
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Dentro do PAP, foi definida como ações estratégicas a formação dos feirantes, através de cursos de Boas Práticas de Fabricação. Desde procedimentos
de higiene na manipulação de alimentos até cuidados no transporte e acondicionamento final dos produtos foram trabalhados em parceria com SENAI e
SEBRAE, resultando em novas normas de ação estruturadas como orientações
para controle de qualidade. Desse processo de controle normativo de qualidade,
onde se definem as normas pelos próprios produtores, partindo da realidade
vivenciada (GUIMARÃES e SILVEIRA, 2007) surgiu a necessidade de investir-se
em embalagens apropriadas, bancas adequadas (estruturas móveis que podiam
ser transportadas por vários pontos de feira), recipientes para transporte de produtos, rotulagem, uniformes, envolvendo roupas e bonés, o que foi viabilizado
pelo governo municipal em parceria com o governo estadual, programa PANPA
(Programa de Apoio a Novos Produtos Alternativos).
Ocorreu, também, um processo de organização dos feirantes, na qual se
criou o Conselho dos Feirantes composto por um representante de cada feira, ao
qual coube gestar o Programa de Qualificação das Feiras. Dentre as ações realizadas, esteve a discussão e aprovação de um regulamento para as feiras, com a
qual se envolveu o setor de fiscalização da prefeitura municipal, a secretaria de
finanças, a vigilância sanitária e o Serviço de Inspeção Municipal- SIM. Esse regulamento buscou estabelecer regras de funcionamento das feiras, definindo-se
as obrigações dos feirantes, tanto nos aspectos sanitários como tributários, ao
mesmo tempo, que regrava a ocupação dos espaços públicos. Esse regulamento
chegou até a mesa do prefeito, o qual por mudanças na Secretaria de Desenvolvimento Rural acabou não assinando o decreto que o instituía, mas o processo de
discussão estabelecido passou a regrar informalmente as relações nos espaços de
feiras, repercutindo em sua qualificação e legitimação diante dos agentes públicos.
O Conselho de Feirantes também definiu estratégias de divulgação das
feiras, realizando-se promoção nos dias de feiras, envolvendo shows musicais,
sorteios, utilização de carros de som (propaganda), oferta de produtos diferenciados (peixes na semana santa, por exemplo). Também, buscou-se utilizar a imprensa como espaço de divulgação de todo programa, a impressão e distribuição
de folhetos sobre os produtos e horários das feiras.
Outra ação relevante foi a criação de novos dias e horários, sendo criado espaço de feira à tarde, superando a tradição de feiras pela manhã e oportunizando que
as comunidades, ao chegar do trabalho, possam visitar as feiras. Essa experiência
foi altamente bem sucedida, sendo muito significativa a participação do público e
evitando que os feirantes tenham que sair de casa de madrugada e preparar a feira
no dia anterior. Houve grande resistência por parte dos feirantes nessa mudança,
pois a tradição de feiras pela manhã é muito forte. No entanto, o horário da tarde
atraiu novos consumidores às feiras, já que após período de trabalho a população
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dispõe de tempo para visitá-las, inclusive como espaço de lazer. Sabe-se que pela
manhã os compromissos de trabalho impedem as pessoas de visitar as feiras.
O balanço desse processo de fortalecimento das feiras é extremamente significativo, pois se revitalizou esses espaços de comercialização e ampliou-se o número
de consumidores. Sem dúvida, caso esse processo não tivesse ocorrido, muitos agricultores teriam abandonado esta forma de comercialização e até espaços de feiras
teriam sucumbido. Apoiar e estimular os feirantes, sem dúvida, construiu mercado
para seus produtos, incentivando produzir mais e adquirir produtos dos vizinhos,
estimulando a produção local e fomentando o desenvolvimento rural. Salienta-se
que Santa Maria tem tradição na produção hortigranjeira e produtos coloniais, mas
dificuldades de acesso a mercado vinham sendo um entrave a esse setor produtivo.
Considerações Finais
Nesse espaço, não pudemos explorar a diversidade empírica já analisada por pesquisadores do NEPALS – Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Alimentação e Sociedade. Experiências de construção de mercado, como a ocorrida
na comunidade de Barro Preto, São Luiz Gonzaga, onde o apoio de animadores
sociais e articulação de várias instituições permitiram organizar e ampliar a produção de Vassouras (experiência documentada neste livro por Jaqueline Hass e Jairo
Boelter)12. Também poderíamos citar a experiência de artesanato em papel jornal
com mulheres assentadas da reforma agrária de Capão do Cipó, também relatada
neste livro, onde se desenvolve nova atividade produtiva e de geração de renda.
No entanto, nosso objetivo foi demonstrar que a descrença dos agentes de
desenvolvimento e dos agricultores em relação à possibilidade de criar espaços
de comercialização, construindo mercado aparentemente inexistente, tem fundamentação em uma forma tradicional de pensar o conceito de mercado. Nessa
perspectiva tradicional, alicerçada na economia de corte neoclássica, os mercados assumem dinâmica própria, sendo que suas regras são vistas como independendentes da ação dos agentes produtores ou consumidores.
O que tentamos demonstrar é que o mercado não é transcendental, mas uma
construção social. Os animadores sociais e as comunidades de agricultores familiares podem gerar processos onde novos mercados são criados e/ou ampliados, sendo
a busca de canais entre produção e consumo uma necessidade dos projetos de desenvolvimento rural que proponham o fortalecimento da agricultura familiar.
Trata-se do projeto: “Cuidar de Gente e do Meio Ambiente: a produção e comercialização de vassouras na comunidade de Barro Preto como alternativa”, coordenado pela Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul – UERGS e financiado pelo Banco Real,desenvolvido de 2005 a 2007.
12
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Como implicação importante da aceitação da ideia de construção social
de mercados, temos a perspectiva de olharmos o futuro da agricultura familiar
para além dos vínculos com as grandes corporações que dominam o comércio de
alimentos. Sem desconhecer sua relevância, acredita-se que experiências de desenvolvimento local e regional possam ser construídas voltadas para os circuitos
curtos de comercialização e baseados na diferenciação de produtos diante dos
consumidores. Certamente, tais experiências exigirão criatividade e mobilização
dos agentes sociais envolvidos, pois a construção social dos mercados implica em
um processo de animação social e aprendizado coletivo.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
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64
Capital Social e a experiência de organização
de pequenos produtores familiares:
O caso da Cooperativa Coodercana
Paulo Roberto Cecconi Deon1
Rogério Reolon Anese2
Gustavo Pinto da Silva3
RESUMO
Este artigo tem por objetivo relatar a experiência da Cooperativa Coodercana,
contextualizando sua estruturação, os fatores motivadores que levaram o grupo de produtores a fundar essa organização, e ainda os aspectos que podem ser
apontados como indutores do sucesso e/ou fracasso das ações até agora executadas. Destaca-se a capacidade de organização do grupo, ressaltando a importância
do capital social no contexto da cooperativa e para o desenvolvimento regional.
Trata-se de um estudo de caso cujas informações foram obtidas a partir de observações junto às reuniões realizadas com o grupo, do diálogo com os produtores
e com as entidades envolvidas, além de levantamentos em fontes secundárias.
1
Professor e Diretor do Depto. de Desenvolvimento Regional / IF Farroupilha Campus São Vicente
do Sul. Pesquisador do Grupo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. E-mail:
[email protected]
2
Professor e Coordenador de Curso / IF Farroupilha Campus São Vicente do Sul. Coordenador do Grupo
de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. E-mail: [email protected]
3
Professor e Diretor de Extensão / IF Farroupilha Campus São Vicente do Sul. Pesquisador do Grupo
de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. E-mail: [email protected]
67
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
INTRODUÇÃO
Dentre as diferentes atividades da agricultura na região centro ocidental riograndense, especificamente nos municípios de Jaguari, Mata e São Pedro do Sul, o cultivo da cana-de-açúcar em pequenas propriedades faz parte da matriz produtiva
a mais de 80 anos, servindo para a alimentação animal ou para a produção de derivados como açúcar mascavo e principalmente cachaça. Essa atividade tem forte
identificação com a agricultura familiar sendo uma importante fonte de renda.
Em relação à estrutura fundiária, os três municípios (São Pedro do Sul, Jaguari
e Mata) se caracterizam por possuírem grande quantidade de pequenas propriedades, sendo que, em média, 85% das propriedades são compostas por áreas inferiores
a 20 ha. A característica negativa e agravante da grande maioria das propriedades é a
forte dependência das atividades tradicionais, especialmente o arroz irrigado, e mais
recentemente, a soja, significando em sua maioria a aferição de baixa renda, pela
necessidade de escala de produção. Complementa o cenário de dificuldades que esse
setor vem vivenciando a massificação da cultura do fumo na região.
Apesar de satisfatória, a comercialização da produção (em especial dos derivados da cana-de-açúcar) historicamente ocorre por um processo de venda com
características de informalidade e ilegalidade em função da desorganização do setor produtivo, além das restrições impostas pelo modelo tributário vigente. Atualmente, pelo incentivo do poder público municipal da região e pela inserção nestes
territórios de instituições como Sebrae, Senar, Farsul, IFFarroupilha – Campus São
Vicente do Sul, entre outros, está se construindo condições para que o pequeno
produtor da região de São Pedro Sul, Mata e Jaguari participe de forma organizada
e formal, no mercado da cachaça de qualidade, produzida em alambique, além dos
outros derivados, podendo auferir ganhos maiores com a comercialização de sua
produção. Essa organização do produtor e a sua qualificação permitem explorar outros mercados como o de bebidas, que na região central do Estado do Rio Grande do
Sul movimenta algo em torno de U$ 17.000.000,00 /ano.
Porém, promover novas alternativas de comercialização e melhoria do processo de produção passou, necessariamente, pela realização de investimentos em
infraestrutura física, como a adequação dos alambiques às exigências do Ministério
da Agricultura, pois os alambiques dos pequenos produtores não cumpriam os aspectos legais mínimos para seu funcionamento. Desta forma, a alternativa tem sido a
construção de uma proposta de desenvolvimento que possa contar não somente com
os escassos recursos municipais, provindos de orçamento próprio e dos produtores,
como também com aqueles recursos oriundos de outros agentes imbuídos pela mesma causa. Nessa perspectiva é que foi necessário atrair recursos, materiais e humanos
(capital social), para a realização de um projeto baseado no saber-fazer da região com
foco nos elementos da matriz produtiva atual, que pudessem ser viabilizados econo68
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
micamente, gerar renda para o homem do campo e sua comunidade, preservar o meio
ambiente e propiciar qualidade de vida no meio rural. E tudo isso foi potencializado
por ações conjuntas que se deram em torno da fundação da cooperativa Coodercana.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA COOPERATIVA
O público prioritário desse projeto são os pequenos produtores rurais. O projeto partiu do pressuposto que esses possuíam interesses comuns e que eram
elementos concretos para dirigir esforços na comunicação entre eles (interação):
a disposição de contribuir com a ação (cooperação) e estar pré-destinados a cumprir com um propósito ou um objetivo comum.
O SEBRAE-RS, em parceria com o SENAR-RS e a FARSUL, desde 2004,
inseriu-se nas comunidades dos municípios envolvidos com o projeto através
do Programa Juntos para Competir, com o enfoque de estruturar a cadeia de
derivados de cana-de-açúcar. Dentro do Programa Juntos para Competir e da
carteira de oito projetos do Sebrae Centro, foi contratualizado em dezembro de
2007 o projeto Derivados de cana-de-açúcar na Região Centro, focado nos produtores de cachaça de alambique de São Pedro do Sul, Santiago, Jaguari e Mata. O
objetivo do projeto era ampliar a comercialização, aumentar a produtividade e
melhorar a qualidade dos produtos, buscando promover a consolidação da Cooperativa Regional de Derivados de Cana-de-açúcar (Coodercana).
A partir da interação com as comunidades rurais envolvidas na atividade
econômica da produção de derivados de cana-de-açúcar, ficou constatada a presença de dois fundamentos importantes para a organização e o desenvolvimento
de territórios4, os quais foram utilizados para dar suporte a todas as atividades
desenvolvidas naquele momento:
a. a forte presença de pequenos produtores, com especialização produtiva e com
algum processo de cooperação e interação entre si e os demais atores locais;
b. a presença de um capital social riquíssimo, desenvolvido e acumulado ao
longo dos anos a partir da experiência dos imigrantes italianos e alemães
que se instalaram na região.
4
O conceito de território aqui abordado, segundo Ambrosini et al (2008), constitui-se como o “locus” das
relações sociais, base dos recursos naturais e meios de produção, que, ao mesmo tempo em que o sentimento de pertencimento e a valorização de identidades formadas por uma história compartilhada reforçam laços sociais, encontram-se subjacentes e dinamizando as atividades econômicas o que leva Pecqueur
(1992, p. 74) apud Ambrosini et al (2008) a afirmar que “o território, resultante dessa configuração, emerge do reencontro de dois mundos : a sociedade... e a comunidade...”; em outros termos: da combinação
entre relações estritamente comerciais e formas de cooperação fundadas pela confiança.”
69
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Os produtores de cachaça de São Pedro do Sul, Mata e Jaguari, com o apoio
do Programa Juntos para Competir (SEBRAE, Senar e Farsul) e parceiros, após
um período de dois anos de análises e discussões, concluíram que para a organização do setor seriam necessárias ações de acesso/construção de mercado, fortalecimento e desenvolvimento da atividade da cana-de-açúcar e geração de renda, e tudo isso seria potencializado com a fundação e operacionalização de uma
cooperativa, voltada para esse segmento produtivo. Cria-se, então, em julho de
2007, a COORDECANA, cujo processo de formalização foi concluído no mês de
abril de 2008. A assembléia de fundação ocorreu no dia 12/07/2007, envolvendo
produtores dos quatro municípios, São Pedro do Sul, Santiago, Mata e Jaguari.
Cabe ressaltar que nessa fase a cachaça era tratada como o principal derivado da
cana-de-açúcar por ser comum a grande maioria dos cooperados.
No período compreendido entre 2004 e 2007, os produtores foram capacitados nas áreas tecnológicas, gerencial e de organização de grupos. Receberam
treinamentos de produção e manejo da cana-de-açúcar, técnicas de melhoria do
processo de fermentação e destilação do caldo de cana, além de orientação sobre boas práticas de fabricação. Participaram de missões técnicas, onde foram
contempladas visitas a produtores de cachaça de outras regiões, cooperativas de
cachaça de MG e RS, e feiras representativas do setor. Como forma de síntese de
toda a caminhada de qualificação e treinamento dos produtores de cachaça de
Jaguari, São Pedro do Sul e Mata, foi realizado o curso de Qualidade Total Rural.
Também foram implantados treinamentos no sentido de fortalecer a visão de
desenvolvimento do setor através de trabalho com foco na cooperação. A firmeza e maturidade que os produtores adquiriram permitiram que os mesmos, em
dezembro de 2006, decidissem pela implantação da cooperativa.
Essa foi a origem de uma organização de produtores rurais com o propósito de gerar renda através da agregação de valor com base em uma matéria-prima:
a cana-de-açúcar. Dentre os principais derivados, além do açúcar mascavo, rapadura e melado, a cachaça de alambique é, ainda hoje, o produto comum aos
cooperados e que representa grande potencial para atender tal propósito.
CAPITAL SOCIAL E A COODERCANA
A teoria do capital social pode ser importante para explicar os resultados alcançados
pela experiência aqui relatada, uma vez que foi a existência de pessoas motivadas
por interesses em comum que as levaram a criar laços de relacionamento, cujo processo de integração se materializou pela fundação da Cooperativa Coodercana.
A difusão do termo “capital social” é relativamente recente e ganha destaque entre os teóricos do desenvolvimento na década de 80. As diferentes in70
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
terpretações determinam uma heterogeneidade na maneira de abordar o capital
social, mas existe certa concordância que seu conceito é de natureza relacional
(NARAYAN, 1999), ou seja, não resulta de ações individuais, mas sim se potencializa nos relacionamentos que ocorrem dentro do território.
Pontes (1998) destaca que enquanto o capital econômico está em contas
bancárias das pessoas e o capital humano está dentro das cabeças; o capital
social é inerente a estrutura dos relacionamentos. Assim, para possuir capital
social uma pessoa deve se relacionar com outra e é esta outra, não ela mesma,
que é a fonte real de sua vantagem. Neste sentido, os relatos apresentados mais
adiante, materializaram as relações construídas por um grupo de pessoas que se
organizaram em torno de objetivos em comum.
Robert Putnam foi responsável pela popularização do conceito de capital social através de seus trabalhos empíricos onde relacionou o desempenho econômico
e institucional entre o centro-norte e o sul da Itália. Sua hipótese principal era que
as tradições cívicas presentes na região centro-norte eram suficientes para explicar
o seu melhor desempenho a partir dos anos 70 (CÉSAR e BANDEIRA, 2001). Com
base nestes estudos, definiu capital social como as “características da organização
social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 1996, p. 117).
Esse conceito vem ao encontro dos fundamentos pelos quais a cooperativa
foi organizada, no sentido de fomentar o desenvolvimento de uma atividade, que
se apresenta como potencial de geração de renda para as famílias envolvidas (caso
da produção de derivados da cana-de-açúcar), com base na organização do grupo
favorecido. Ressalta-se que esse contexto está estritamente articulado também
com o conceito de território abordado no projeto de criação da Coodercana.
A conceituação de Capital Social aqui abordada traz dois pressupostos implícitos: um primeiro diz respeito a redes (“redes de engajamento cívico”) e, um segundo, normas que estão associadas e têm importantes consequências econômicas
para a comunidade. Assim, pode-se pensar o capital social como tendo um papel
instrumental, ou seja, é um meio para o desenvolvimento local ou um recurso que
pode servir de meio para a melhoria das condições econômicas da população.
Outra questão importante na conceituação de Putnam é a confiança, que
por sua vez é alcançada quando os membros de uma comunidade têm conhecimento mútuo e forte tradição em ações comunitárias (ALBAGLI e MACIEL, 2002).
Merece destaque o tempo de maturação do projeto relatado, uma vez que a constituição da cooperativa ocorreu depois de o grupo ter passado pelo processo de
conhecimento mútuo. Destacam-se também as semelhanças socioculturais dos
envolvidos, o que facilita o entendimento e a circulação de informações. Entretanto, quanto ao aspecto confiança, merece destaque a atuação do presidente
atual da cooperativa. Trata-se de um indivíduo que incorpora traços de liderança,
71
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
com capacidades de diálogo tanto com seus pares quanto com os representantes
das instituições de apoio ao projeto. Pode-se dizer que esse tem sido, até então,
um dos elementos de êxito do projeto pela confiança que o mesmo transparece.
As associações cívicas representam interesses difusos e devem fazer a mediação entres esses interesses para permitir que desconhecidos cooperem, compartilhem valores e realizem atividades em comum. Esse é o capital social, ou
seja, como transformar os laços familiares em associações que buscam interesses coletivos em prol do desenvolvimento. Nesse sentido, procurou-se mostrar
que o capital social existente na região está intrinsecamente envolvido, e é um
dos determinantes do processo de desenvolvimento da cooperativa Coodercana.
Capital Social e Desenvolvimento
Boisier (2004) afirma que em qualquer território organizado existe um amplo
conjunto de fatores que se somam aos “capitais intangíveis”. Essas variadas formas são e devem ser articuladas com força e direcionadas mediante o uso do
capital sinergético, de maneira a introduzir um alto nível de complexidade e sinergia no sistema, pré-requisito para o desenvolvimento.
O capital social pode facilitar o compartilhamento de informações reduzindo
os custos de transação, pelas relações de confiança e espírito cooperativo. Também,
a tomada de decisões coletivas garante melhor coordenação e maior estabilidade
organizacional. E, o mais importante, reduz o comportamento oportunista dos
agentes pela existência de maior conhecimento mutuo (ALBAGLI e MACIEL, 2002).
Assim, de maneira mais ampla, a cooperação entendida acima advém do
capital social existente na região. Entretanto, não deve ser visto com uma variável isolada que irá resolver todos os problemas. Soma-se a outras condições
existentes no território que irão determinar sua competitividade e capacidade
de engendrar o processo autônomo de desenvolvimento. Ressaltamos aqui o papel do poder público e de outras instituições que apoiaram efetivamente as ações
desenvolvidas pelo grupo de produtores da Coodercana.
A relação entre capital social e desenvolvimento, principalmente as práticas endógenas, calcadas em arranjos e pequenas empresas, pode ser feita à medida que a proximidade geográfica é um fator que pode facilitar o estabelecimento
de laços de cooperação entre os empreendimentos produtivos. Assim, a existência em uma localidade ou região de uma aglomeração de empresas especializadas
num mesmo ramo, atividade ou produto podem alavancar o desenvolvimento de
relações de parceria e cooperação entre estas empresas ou produtores. Isso porque a proximidade possibilita que os agentes se conheçam e estabeleçam relações
de confiança. Nesse sentido, ressalta-se como ponto positivo a proximidade geo72
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
gráfica existente principalmente quando focamos as localidades de concentração
dos alambiques dos cooperados no interior dos três municípios Jaguari, Mata e
São Pedro. Entretanto, por si só, observa-se que essa proximidade não tem sido
suficiente para proporcionar sinergia nas ações individuais dos cooperados, o
que resulta no surgimento de “subgrupos de interesse” dentro da cooperativa.
Deve-se considerar que em determinadas regiões as condições sociais estão
dispersas ou pouco mobilizadas e não conseguem dar uma resposta no sentido de
canalizar essas “sinergias” para os setores produtivos e, com isso, potencializar o
desenvolvimento local. O interessante é conhecer de que forma se apresentam as
condições sociais no território e de que forma o setor produtivo pode se beneficiar
desse entorno. Importam, também, identificar de que forma as políticas públicas
locais agem sobre estes fatores e a quem cabe a governança do processo. Nesse sentido, a experiência da Cooperativa Coodercana é uma iniciativa com potencial para
o desenvolvimento local, pois se propõe a promover a sinergia do capital social do
território em torno da organização de um grupo com interesses em comum.
A ORGANIZAÇÃO DOS PRODUTORES COMO
ALTERNATIVA DE SUPERAÇÃO DA INFORMALIDADE
EXISTENTE NA ATIVIDADE
A cachaça de alambique caracteriza-se como um processo de transformação a partir do produto cana-de-açúcar. Segundo Mior (2008), denomina-se esse tipo de
atividade de agroindústria: “forma de organização onde a família rural produz,
processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou pecuária, visando
sobretudo a produção de valor de troca que se realiza na comercialização”. Por
esse conceito, a produção de cachaça artesanal de alambique é uma Agroindústria
Rural. Soma-se a esse conceito o fato de a atividade ser característica da agricultura familiar, o que, então, se configura em Agroindústria Familiar Rural – AFR, em
função dos seguintes aspectos (PELEGRINI; GAZOLLA, 2008):
• a atividade de beneficiamento e/ou transformação da produção agropecuária que gera produtos alimentícios;
• o processamento que pode ser realizado numa estrutura física específica e/
ou na residência (lar) da família, localizada no meio rural;
• o grupo doméstico que é caracterizado pelas relações de parentesco, consaguinidade e/ou adoção. A família caracteriza-se pelo conjunto de pessoas
que residem na mesma unidade, participando de qualquer atividade relacionada à produção, trabalho e consumo.
73
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
• a mão-de-obra para a execução das ações de produzir e processar a produção agropecuária que é de origem familiar, podendo haver contratação
temporária (diaristas ou mensalistas) ou troca de serviços com vizinhos. A
gestão das atividades de produção e comercialização é coordenada pela família. De acordo com Santos (2005), as atividades gerenciadas pela família
não se resumem apenas ao emprego de força de trabalho na unidade para a
produção e processamento, mas também às decisões de planejamento e de
comercialização da produção, atuando em todas as etapas, com a complexidade e dificuldade inerente à cadeia produtiva;
• a AFR que pode ser desenvolvida cooperativamente (associações, cooperativas) ou possuir caráter individual (uma única família);
• a matéria-prima (produção agropecuária, bem como insumos complementares – aditivos, ingredientes - utilizados no processamento) que pode ter origem
própria (família) e/ou de terceiros. A aquisição de matéria-prima para industrialização pode ser complementada com a compra e/ou troca de produtos com
outros agricultores, seja por relações de parentesco, amizade, vizinhança ou
ainda, mediante a compra em estabelecimentos comerciais urbanos ou rurais.
Essas agroindústrias são atividades que geram uma série de benefícios
para as famílias envolvidas. Dentre tais vantagens, está a agregação de valor
à produção agrícola e a alternativa de renda familiar, a diversificação de suas
atividades produtivas, a replicação de conhecimentos técnicos familiares, como
instrumento de gestão de risco das atividades agropecuárias, e a retenção da família no meio rural (PELEGRINI; GAZOLLA, 2008; TRENTIN; WESZ JÚNIOR, 2006;
PREZOTTO, 2002). Entretanto, esse empreendimento da agricultura familiar se
viabiliza quando da efetivação da comercialização e/ou troca de seus produtos.
Tomando por foco a produção de cachaça nos municípios sede dos cooperados
que compõem a Coodercana, os dados do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2006)
apontam 123 estabelecimentos que produzem esse derivado, que contribui para um
valor bruto anual da produção da ordem de R$ 1.551.000,00. No contexto de que esses
empreendimentos de agricultores familiares se viabilizem enquanto atividade de geração de renda quando da efetivação da comercialização de seus produtos, sabe-se que
o mercado informal no comércio da cachaça tem sido uma realidade local.
Abramovay et al. (2003) considera que um dos maiores desafios para a agricultura familiar afirmar-se economicamente consiste na sua capacidade de organização, no que se refere à construção de novos mercados, bem como ao vínculo social
que mantém com os consumidores. Por sua vez, esse vínculo com os consumidores
pode ocorrer de maneira informal. Estar na informalidade entende-se como uma
atividade que não adota as normas e as regulamentações que prevalecem num determinado momento no setor em que opera. Essas normas e regulamentações, no
limite, podem representar a imposição de interesses específicos dentro do setor e
74
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
a simples criação de barreiras à entrada. Por outro lado, eles podem expressar valores ou objetivos compartilhados, mas para os quais existem opções alternativas de
normas e regulamentações. E, finalmente, essas normas e regulamentações podem
representar um “ideal”, refletindo valores e conhecimentos consensuais, tanto do
lado da produção quanto do consumo, mas cuja adoção implica custos proibitivos.
(WILKINSON e MIOR, 1999, p. 33). No caso da cachaça de alambique, são exemplos
dessas barreiras: os elevados tributos; a infraestrutura física e de equipamentos
exigidos para que a produção ocorra dentro de um conceito de “boas práticas de
fabricação”; o cumprimento da legislação ambiental, entre outras.
Wilkinson e Mior (1999), ao estabelecer interfaces entre o setor informal, a
produção familiar e a pequena agroindústria no Brasil, ressaltam que a existência de atividades agroindustriais no interior da agricultura familiar é tão antiga
quanto esta e chamam a atenção para a importância desta atividade para o surgimento de um novo tipo de valorização do espaço rural. Essa nova ruralidade passa
a ser vista pelos analistas como o resultado de uma recente estratégia de produção
agrícola em que a produção de produtos primários tende a ceder lugar a produtos
artesanais e de qualidade diferenciada. Nessa perspectiva, a produção familiar se
inclinaria para mercados de nicho, os quais lhes pagariam preços-prêmios.
Dorigon (2010), ao estudar os mercados informais de produtos coloniais
no oeste de Santa Catarina, conclui que parte dos agricultores estudados acabou
por conseguir condições (capacidade de investimento em infraestrutura, etc.)
que lhes credenciaram para o mercado formal.
Nesse contexto, as Agroindústrias Familiares Rurais dos municípios de São Pedro do Sul, Jaguari e Mata, que têm em comum a transformação da cana-de-açúcar
em derivados (sobretudo a cachaça), viram na organização em torno de uma cooperativa – a Coodercana – a possibilidade de criar uma estrutura capaz de fazer com que
seus produtos possam chamar a atenção de outros consumidores, que estariam dispostos a lhes pagar “preços-prêmios”. Essa forma de organização, dado as exigências
para a comercialização, principalmente da cachaça, seria alternativa para viabilizar
o processo de formalização da atividade. Passaremos a descrever agora as principais
ações realizadas e que tiveram como foco o fomento da Cooperativa Coodercana enquanto uma organização formal.
Adequação dos alambiques
Para a produção e comercialização de um produto de qualidade, os produtores de
cachaça deveriam cumprir normas mínimas de segurança alimentar, o que tornou necessária a adequação de alambiques às exigências mínimas do Ministério
da Agricultura, responsável pelo registro desse tipo de produto.
75
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Essa meta foi atingida graças aos recursos disponibilizados pelo Ministério de
Integração Nacional, através do Fórum MESOSUL, em convênio com as prefeituras
da região. Foram investidos R$ 594.300,00 em 29 produtores por meio de recursos
desse Ministério, para a aquisição de equipamentos. São necessárias também adequações que envolverão obras físicas, que será de responsabilidade individual de
cada cooperado, passando a integrar o projeto como recursos próprios.
Fundação da Cooperativa Regional
Os produtores de cachaça de São Pedro do Sul, Mata e Jaguari, com o apoio do
Programa Juntos para Competir (SEBRAE, SENAR e FARSUL) e parceiros, após
um período de dois anos de análises e discussões, concluíram que a organização
do setor da cachaça, ações de acesso ao mercado, fortalecimento e desenvolvimento da atividade da cana-de-açúcar e geração de renda, seria potencializado com a
fundação e operacionalização de uma cooperativa, voltada para esse segmento
produtivo. Dessa forma, o esforço e a união dos produtores de três municípios
resultam na criação de uma cooperativa regional, denominada COODERCANA.
Construção do centro de padronização
A criação dessa estrutura visa à padronização, na qual, a partir da cachaça produzida pelos associados, será elaborado um “blend” que será comercializado com
marca específica pela cooperativa.
Para a efetivação dessa etapa é necessário fazer uma série de investimentos em infraestrutura. Importante salientar que o terreno para a sua construção
foi doado pela Prefeitura Municipal de São Pedro do Sul e será construído às
margens da BR 287, no qual está destinado R$ 225.000,00 do Governo do Estado
do Rio Grande do Sul, através da Consulta Popular no COREDE Centro. Entretanto, faltam os equipamentos necessários para a padronização e um caminhão
para transporte das propriedades até a Unidade em São Pedro do Sul.
Desenvolvimento de ações de acesso ao mercado
Foi desenvolvido um plano de negócio para a cooperativa, que contempla ações
de mercado, com metas e prazos definidos, que vai contribuir para que o processo comercial da cooperativa esteja dentro de parâmetros previamente estabelecidos, ter controle e receber orientações e modificações quando necessário.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Ganha relevância e importância nessa forma de “trabalhar com o grupo” o
papel das parcerias, presentes através do poder público, instituições não governamentais e de outras instituições de cunho privado, que têm apoiado a organização e o desenvolvimento das atividades definidas pelos integrantes.
Como resultados dessa ação, a marca “Vale dos Engenhos” foi lançada na
Feira Agroindustrial de São Pedro em 2010 e encontra-se em fase de registro junto
ao Ministério da Agricultura. Também está previsto a realização de consultoria
especializada em vendas e prospecção de mercado e a execução de rodada de negócios para aproximar a área comercial da cooperativa e os futuros compradores.
Fomento à produção de açúcar mascavo
Tendo em vista diversificar o leque de produtos para além da cachaça, e cuja
estrutura básica de produção é comum aos outros derivados da cana-de-açúcar,
foi desenvolvido pelo Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do
Sul um projeto com o objetivo de dotar os associados da COODERCANA de condições para produzir açúcar mascavo com qualidade e eficiência. Para isso serão
realizadas ações que visam a:
• adequar as unidades produtivas para a produção de açúcar mascavo com
qualidade e em quantidade que permitam acesso ao mercado consumidor
da região e fora dela;
• divulgar e difundir os produtos, mostrando os benefícios para saúde, bem
como dispor ao público consumidor um produto seguro e de alta qualidade;
• qualificar os produtores para que possam atingir um mercado mais amplo
com seus derivados, com menor dependência de um único produto – cachaça;
• criar novas situações de desenvolvimento para a região;
• gerar oportunidades de emprego e renda na região.
Tais ações apresentadas representam etapas de fortalecimento da Cooperativa que se espera culminar em resultados positivos para os cooperados, a
começar pela formalização da atividade. Para que algumas dessas etapas pudessem/possam se concretizar foi/é necessário a captação de recursos, conforme se
pode observar no Quadro 1.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Quadro 1: Recursos totais executados ou em projeção para a implementação de ações de fomento da
cooperativa Coodercana.
Ações
Valores(R$)
Adequação dos alambiques – Recursos do Ministério da Integração Nacional – equipamentos já adquiridos; em andamento
a adequação das obras físicas.
594.300,00
Adequação dos alambiques – Recursos próprios dos cooperados – em andamento a adequação das obras físicas.
Variável em função das
necessidades individuais.
Em fase de Liberação – terreno a ser adquirido com recursos
da consulta popular.
225.000,00
Encaminhado ao Ministério da Integração Nacional - projeto
complementar para aquisição de equipamentos e veículo
tanque para o Centro de Padronização de Cachaça.
359.025,00
Encaminhado à prefeitura Municipal de São Pedro – Projeto
de fomento à produção de açúcar mascavo.
219.600,00
TOTAL
1.397.925,00
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este breve relato pretendeu-se contextualizar a criação da Cooperativa Coodercana como uma atividade socioeconômica alternativa para o desenvolvimento rural, focada em um público de agricultores familiares em uma região marcada
pela presença de atividades agrícolas tradicionais.
A teoria do capital social serviu de apoio para melhor compreender os resultados positivos alcançados pela experiência aqui relatada, uma vez que foi a existência de pessoas, motivadas por interesses em comum levando-as a criar laços de
relacionamento, que resultou na Cooperativa Coodercana. Essa mesma coordenação de ações é potencializada pelo capital social existente, marcado por um saber
fazer com características próprias que fazem da produção da cachaça de alambique e de outros derivados da cana-de-açúcar, alternativa de desenvolvimento para
a região. Tais aspectos estão intrinsecamente envolvidos na concepção do projeto
da Coodercana. Percebe-se que os cooperados, em sua maneira de compreender,
têm essa visão. Entretanto, as instituições parceiras são mais idealistas quanto
às possibilidades e benefícios potenciais dessa experiência, não só como geração
de renda para esse público, mas principalmente como intuito de fomentar alternativas que proporcionem melhoria nas condições de vida da comunidade local.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Por sua vez, essa organização de produtores contribui para que se viabilizem essas Agroindústrias como atividades formais, passando, assim, a se beneficiar das possibilidades de fomento que o poder público oferece, mas que também
passam a enfrentar desafios no momento em que são obrigadas a se adequarem
quanto às legislações ambientais, sanitárias, tributárias, etc.
Como fechamento, ressalta-se que o êxito obtido até então se deve, principalmente, à articulação de fatores como: o perfil dos cooperados (capital social)
que têm na liderança do presidente atual um forte elemento de coordenação das
ações; o interesse em comum dos cooperados; e o apoio permanente ao projeto de diferentes instituições. Esses fatores têm sido determinantes para o atual
estágio de desenvolvimento da cooperativa. Entretanto, para que essa experiência seja efetiva na consecução de seus objetivos, dentre os quais gerar renda
para os cooperados, as próximas etapas, a exemplo de ações para a construção de
mercados, representam imenso desafio, uma vez que exigirão dos produtores o
desenvolvimento de outras habilidades além daquelas relacionadas à produção
(as quais hoje dominam – são mestres).
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80
Superação e Sucesso: a experiência da
produção e comercialização de vassouras
na comunidade de Barro Preto
Jaqueline Mallmann Haas1
Jairo Alfredo Genz Bolter2
INTRODUÇÃO
No presente trabalho, realizaremos uma breve apresentação dos principais resultados alcançados no projeto intitulado “Cuidar de Gente e do Meio Ambiente: a produção e comercialização de vassouras na comunidade de Barro Preto
como alternativa”, desenvolvido pela Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul (Uergs), com apoio de entidades relacionadas ao meio rural.
O projeto em questão trata sobre a implantação de uma agroindústria de
vassoura de palha, na comunidade de Barro Preto, município de São Luiz Gonzaga/RS, no ano de 2005. A ideia do empreendimento surgiu após os resultados de
um diagnóstico da realidade da comunidade, realizado por acadêmicos da Uergs:
verificou-se a importância e necessidade da introdução de novas fontes de renda na comunidade. Essa ideia inicial foi transformada em um projeto, que foi
submetido a um concurso, a nível nacional, intitulado “10º Premio Banco Real
Universidade Solidária”.
Objetivo geral
Sensibilizar e capacitar a comunidade rural de Barro Preto para uma nova alternativa de geração de renda, fortalecimento e qualificação da agricultura fami1
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Santa
Maria. Mestre em Extensão Rural (UFSM) e graduada em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial (UERGS).Contato: [email protected]. Brasil
2
Mestre em Desenvolvimento pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), graduado em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial (UERGS). Atualmente aluno do
curso de especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo, (UFSM). Contato: [email protected]. Brasil
81
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
liar e da cadeia produtiva de Vassouras de Palha na localidade, contemplando as
questões sociais, econômicas e ambientais contribuindo na promoção de uma
economia solidária para um desenvolvimento local sustentável.
Objetivos específicos
• Sensibilizar e capacitar a comunidade para o trabalho solidário, como alternativa de renda com sustentabilidade ambiental;
• Capacitar a comunidade para a produção e comercialização de vassouras,
aumentando a agregação de valor sobre o produto;
• Criar um selo para identificar as vassouras produzidas em Barro Preto.
• Aproximar os acadêmicos, professores, comunidade rural, Emater e entidades de apoio e assistência técnica na busca de uma maior integração
entre as entidades na construção de um processo de endogenização, aproximando os atores e valorizando as potencialidades locais;
• Incentivar os produtores a produzirem de forma agroecológica, visando à
qualidade de vida e do ambiente;
• Gerar renda para a mão-de-obra local.
A REALIDADE DA COMUNIDADE ANTES DO PROJETO
Distante 17 km da sede do município, a comunidade de Barro Preto é constituída
por 23 (vinte e três) unidades de produção. Em diagnóstico, realizado no ano de
2003, identificou-se na comunidade um grande número de jovens residindo nas
propriedades, sendo que 71% da população possuía menos de 40 anos de idade.
Em relação à terra, 25% das propriedades tinham menos de 5 hectares, 43% possuíam entre 5 e 10 hectares, 24% possuíam entre 10 e 30 hectares e apenas 8%
possuíam mais de 30 hectares. A média das unidades de produção era de 4,52
hectares. Ainda 77% das unidades de produção eram ocupadas pelos proprietários, 15% eram terras cedidas e 8% terras arrendadas.
A atividade predominante era a agricultura, aparecendo em praticamente todas as propriedades. Entretanto, cerca de 35% também apresentavam outras
atividades, principalmente a criação de gado leiteiro. Na preparação do solo, predominava a tração animal, encontrada em 79% das propriedades, seguida pela mecanização, em 14% das propriedades, e a manual, encontrada em 7% das propriedades.
O alto índice de famílias que utilizavam agrotóxicos na produção era algo
82
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
preocupante, pois representava 70% do número total, utilizados tanto nos produtos para o consumo familiar, quanto nos destinados à comercialização. No
entanto, quase por unanimidade, os produtores afirmavam ter consciência dos
efeitos maléficos dos agrotóxicos ao meio ambiente e às pessoas.
Nos estudos desenvolvidos pela Universidade, a comunidade destacou-se
pela visível necessidade de nova alternativa de renda. Esta, que permitisse a sustentabilidade das famílias, tanto no que dissesse respeito à geração de renda, como no
cultivo agroecológico para garantir a sustentabilidade do meio ambiente, com ações
de sensibilização e alterações nas práticas de produção. Somava-se a isso o fato de
que a comunidade rural de Barro Preto apresentava propensões ao associativismo,
uma vez que 80% das famílias participavam de alguma forma de associativismo.
O estudo sobre a possível implantação de uma agroindústria de vassouras apresentou-se como uma alternativa de produção, capaz de gerar emprego
e renda para os agricultores da comunidade, uma vez que, a cultura do Sorgo
“Vassoura” não exigia grandes áreas e não era tão suscetível a doenças e pragas.
Essa cultura tornou-se viável para pequenas propriedades e, consequentemente,
diminuiu a necessidade do uso de agrotóxicos.
O estímulo à criação de uma associação para a constituição de uma Agroindústria de Vassouras de Palhas tornou-se uma boa alternativa para a comunidade, diante o olhar da universidade, pois demandava poucas áreas de terra para a
produção de matéria-prima e necessitava de mão-de-obra. Além disso, a vassoura de palha é bastante utilizada na região e é “biodegradável”, ou seja, não agride
o meio ambiente, ao contrário das vassouras que se constituem de materiais de
difícil dissolução como o plástico.
Em uma pesquisa realizada por alunos da Uergs, junto a estabelecimentos
comerciais no município de São Luiz Gonzaga, no ano de 2004, revelou um consumo elevado de vassouras por mês. Durante o período em estudo, elas eram
adquiridas de fornecedores externos a região. Também um contato inicial com
os comerciantes revelou o interesse destes em adquirir produtos do próprio município, a partir de uma conscientização pela promoção de um desenvolvimento
endógeno, valorizando as potencialidades locais.
Após todos os estudos, apresentou-se um pré-projeto para a comunidade.
Das 12 famílias que estiveram presentes, 10 demonstraram interesse imediato
pela proposta, que envolveria 28 pessoas. Após se efetivou a constituição do
projeto final para submissão ao concurso intitulado “10º Prêmio Banco Real Universidade Solidária”, promovido pelo Banco Real, no qual havia a possibilidade
de classificação do projeto para recebimento do valor de R$ 20.000,00.
A expectativa na comunidade era grande, especialmente nas mulheres que
viam na produção e comercialização de vassouras uma alternativa de renda para
a família, aliada a conservação do meio ambiente.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Passados dois meses da submissão do projeto ao concurso, obteve-se a confirmação da seleção do mesmo para o recebimento do recurso.
As atividades efetivas do processo de produção iniciam-se, então, com a
correção do solo, de acordo com análise de solo e posteriormente com o preparo
do solo com arado de tração animal. As áreas utilizadas para o cultivo do sorgo
foram disponibilizadas por quatro participantes do projeto, sendo que as mesmas não estavam sendo cultivadas, ou seja, encontravam-se em pousio.
Utilizou-se para plantio a cultivar IAC Catanduva, que deve ter seu plantio
realizado entre os meses de outubro e novembro. A colheita deu-se aproximadamente quatro (04) meses após o plantio.
PRINCIPAIS RESULTADOS DO PROJETO
O projeto apresentou significativas mudanças tanto na área social, ambiental,
quanto na econômica. Pode-se identificar uma qualificação do nível de vida, com
maior interatividade, integração e desenvolvimento do grupo e pessoal, quanto
ao aumento do conhecimento e modo de vida. Também pode-se identificar relações de uma maior valorização do trabalho conjunto entre as famílias.
Mudanças também ocorreram nas famílias e no contexto do mercado, pois
elas não apenas produzem um produto, mas, através da assistência técnica dos
parceiros e da Uergs, com cursos de gestão, ganham subsídios para fazer um
planejamento da atividade. Isso agrega valor ao produto primário, e as famílias
passam a perceber como funciona o jogo de mercado, o marketing e etc.
A comunidade também pode perceber qualidades relevantes que existem
entre as famílias, como a persistência, vontade, capacidade de criação, inovação
e adequação, qualidades que puderam ser observadas com o desenvolvimento do
projeto e foram ao mesmo tempo essenciais para o mesmo.
Outros benefícios proporcionados pelo projeto são a elevação da autoestima, e uma influente participação em feiras, exposições, seminários, de nível
local, regional e até estadual, espaços que ocasionam uma nova visão de horizontes, trocas de experiências, além da divulgação do local e da associação.
Ao longo do projeto, percebeu-se também o resgate dos mutirões, ou seja,
trabalhos em grupos, que passaram a ser utilizados não só nas atividades da
agroindústria, mas no dia-a-dia das famílias.
Ainda, um resultado muito importante foi a inclusão social dos atores na
comunidade regional, pois ganharam visibilidade com a divulgação do projeto
pelos meios de comunicação, bem como a ampliação das competências no gerenciamento da organização (do negócio), maior dimensão empreendedora, incremento de renda, aprimoramento das habilidades profissionais e aumento da
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
autoconfiança. Além da concretização de novas oportunidades de negócio, formalização das iniciativas (em cooperativas, associações, etc.), melhores condições de segurança e salubridade, comercialização (precificação, distribuição, comunicação), melhoria na produtividade, grau de organização dos grupos, novas
parcerias. Também houve mudanças no modo de plantio e manejo de pragas e
doenças, novas oportunidades de renda para jovens, mulheres e idosos, ampliação da participação em projetos sociais, aumento das parcerias para financiamento e a apropriação de práticas e tecnologias.
Pela associação estar funcionando há mais de um ano e pelo sucesso da experiência, o Banco Real contemplou a comunidade novamente com o valor de R$
20.000,00, desta vez para que o mesmo fosse empregado na construção de um
espaço específico (sede), para que se pudesse confeccionar a vassoura de palha
com uma maior qualidade. Essa sede servirá para que a matéria-prima não fique
mais acondicionada em galpões nas propriedades dos membros, muitas vezes
sem condições de armazenagem.
Essa melhoria no espaço de confecção resultou consequentemente em produtos de melhor qualidade, o que de certa forma acredita-se que influenciou para
hoje a associação ter um contrato com uma grande rede de supermercados, que
lhes adquire quase toda a produção.
Assim, a experiência aqui apresentada ressalta a importância da valorização e respeito da cultura, do conhecimento empírico acumulado por cada um,
principalmente por parte dos agricultores que transmitem seus conhecimentos
a seus sucessores.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
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Anexos
Figura 01: Foto das primeiras reuniões realizadas na comunidade de Barro Preto, para elaboração do
projeto.
Figura 02: Mutirão dos associados para a capina das áreas de sorgo, destinadas à fabricação da vassoura.
86
Alternativas para o Desenvolvimento da
Agricultura Familiar – O Caso das Parcerias
entre Agricultores e Supermercados para a
Produção de Hortigranjeiros
Janaína Balk Brandão3
INTRODUÇÃO
Este estudo faz alusão a uma alternativa crescente no âmbito da comercialização de
hortigranjeiros e refere-se ao sistema de parceria entre agricultores familiares e supermercados. Com o objetivo de fomentar a produção local e fazer com que a renda
gerada no município permaneça no mesmo, uma Cooperativa Agroindustrial4 do
interior do estado do Rio Grande resolveu investir num projeto que visava reduzir
gradativamente a compra de hortigranjeiros na CEASA5, substituindo os produtos
vendidos em seus supermercados pela produção dos agricultores familiares do município de Alegrete e região. Contudo, o cenário onde o projeto iria ser alicerçado
era de total desarticulação. Assim, toda a cadeia produtiva precisou ser organizada.
3
Engenheira Agrônoma; Mestre em Extensão Rural. Programa de Pós-Graduação em Extensão
Rural da Universidade Federal de Santa Maria. Doutoranda em Extensão Rural. Brasil. Email:
[email protected].
4
Esta cooperativa tem na sua carteira de sócios cerca de 800 agricultores em sua maioria produtores
de arroz e gado, o que confere uma característica inovadora neste projeto, pois trabalha prestando
assistência técnica e extensão rural de forma gratuita a agricultores familiares.
5
CEASA – Central de Abastecimento. O sistema tradicional de compras de hortigranjeiros passa pelas
Centrais Estaduais de Abastecimento – CEASAs. O setor distribuidor de hortícolas é composto pelas
empresas que comercializam produtos no atacado e que estão estabelecidas física e geograficamente
dentro do CEASA, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Em outubro de 2004, iniciou um processo de planejamento das ações, considerando que a região não possuía histórico produtivo na área de hortigranjeiro
e era preciso “montar” uma ambiente que tornasse possível a viabilização e o êxito da proposta. O passo inicial foi a contratação de um profissional que coordenaria toda a articulação, desde o contato com as principais empresas de insumos
até o levantamento da demanda mensal e anual por parte dos supermercados da
cooperativa para o posterior planejamento da escala de produção. A organização
e mobilização dos produtores ocorreram simultaneamente aos passos anteriores,
considerando a complexidade de estabelecer uma divisão justa entre produto/
valor/quantidade versus produtor.
O projeto foi denominado como Programa Produto da Terra da Gente, mesmo slogan do supermercado da Cooperativa. Esse programa existe há quatro anos
e participam em torno de 30 famílias de agricultores familiares e a estimativa é que
estejam envolvidas diretamente 180 pessoas. A área plantada avaliada é de 70 hectares. Todas as famílias envolvidas por esse Programa apresentam características
da agricultura familiar6, o que lhe confere um caráter inovador, considerando que,
historicamente, tem-se ignorado a presença da agricultura familiar nesse território.
A região em que se encontra o município de Alegrete é identificada, do ponto de vista agrário, por propriedades de grandes áreas, formadas por estâncias ou
fazendas oriundas nos moldes de distribuição das sesmarias, sendo o município
com maior extensão territorial no RS. Contudo, segundo o IBGE (2006), o número de estabelecimentos familiares no município de Alegrete representa 58,55% do
total. No entanto, a área ocupada representa 7,33%. Essas unidades de produção
familiares têm a maior parte da base produtiva alicerçada nas atividades de bovino de corte e ovinocultura, com utilização da mão-de-obra familiar. Nas áreas
mais próximas à cidade, predominam as produções de hortigranjeiros e de leite.
Segundo o INCRA/FAO (1995/96), os agricultores com renda baixa e quase sem
renda representam em torno de 36% do total dos estabelecimentos, indicando o
cenário em que se encontram boa parte dos agricultores familiares do município:
empobrecidos e com baixo nível de vida. A situação conjuntural da agricultura
familiar no país reflete a encontrada no ambiente do programa. A desarticulação
dos órgãos públicos e a falta de apoio e estrutura fazem parte da realidade.
Mesmo assim, segundo Guanziroli (2001), a agricultura familiar tem capacidade de adaptação a ambientes em rápidas transformações e mobilidade de
6
Schneider (2006) considera importante a utilização de uma definição mais abrangente para a compreensão da categoria social denominada agricultora familiar. Nessa perspectiva, procura-se romper
com o habitual reducionismo classificatório, pois se considera que nem o trabalho familiar estritamente, nem a contratação ou não assalariada, nem tampouco as relações com o mercado servem,
isoladamente, como critérios a natureza de uma determinada forma social.
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integrar-se com mercados em emergência. Dessa forma, o autor afirma que os
agricultores respondem às mudanças buscando novos produtos ou, então, nichos de mercados. Nesse sentido, um mercado emergente para estabelecimentos
familiares tem sido o de hortigranjeiros, pois apresenta produtividade relativamente elevada por área e muitos produtos possuem alto valor agregado.
Desse modo, a proposta desse trabalho é demonstrar alguns dados empíricos, específicos de uma experiência ocorrida em um município da região denominada Fronteira Oeste do estado do Rio Grande do Sul. O objetivo é evidenciar a
possibilidade de êxito de iniciativas que buscam fomentar a agricultura familiar
e a economia local e seus principais entraves.
ASPECTOS CONJUNTURAIS E SEUS CONDICIONANTES
A produção agrícola familiar sempre passou por dificuldades na comercialização.
Muitos agricultores, na maioria com unidades de produção familiar, já abandonaram o setor dos hortigranjeiros devido aos entraves de comercialização e competitividade de preço e escala de produção.
Contudo, em vários municípios do estado do Rio Grande do Sul, já é
possível identificar uma ampliação dos espaços de comercialização a exemplo
das feiras, associações e cooperativas de agricultores. Aliado a esse processo,
surge também uma rede de integração entre agricultores e supermercados na
busca de aproximar a produção de hortigranjeiros e os consumidores, reduzindo a polarização existente atualmente. Essa nova forma de comercialização tem gerado profícuos benefícios à realidade socioeconômica local. Pois, ao
mesmo tempo em que tem proporcionado a sustentabilidade de famílias no
campo, tem aquecido a economia local, garantindo que a renda produzida por
este setor fique depositada no município, gerando maior circulação de recursos para outros segmentos.
A possibilidade de comercialização de seus produtos tem incentivado a
diversidade da produção, promovendo, assim, uma maior segurança alimentar
à população que passa ter acesso de forma mais econômica e qualitativamente
a muitos produtos que no passado eram trazidos de outros locais. Essa dinâmica também auxilia na proximidade do consumidor com a fonte de produção,
pois é sabida a origem desses alimentos, dando garantia de procedência aos
produtos comercializados1.
1
De acordo com pesquisa realizada Brandão et al (2008), afirma-se que os consumidores mostram-se muito
receptivos a esta iniciativa, valorizando o apoio à produção local e a agricultura familiar no município.
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ALGUNS NÚMEROS REFERENTES AO PROCESSO DE PARCERIA
O fomento à agricultura familiar e ao desenvolvimento local são discussões
presentes nos debates acadêmicos e governamentais. Contudo, muitas regiões
ficam à mercê da maioria das políticas públicas e quiçá de qualquer projeto de desenvolvimento mais específico. No intuito de colaborar com o desenvolvimento
da comunidade onde estão inseridas, muitas empresas privadas acabam desempenhando um papel importante nesse sentido, através de suas articulações e iniciativas. Esse é o caso da experiência relatada. Após anos vendo milhares de reais
sendo escoados para as Centrais de Abastecimento na capital do estado, a cooperativa resolveu constituir uma proposta para que os agricultores de maneira
organizada e sistemática produzissem parte da demanda de seus supermercados.
Após constatar dificuldades conjunturais, a Cooperativa fomentadora do
projeto procurou criar uma atmosfera que preservasse a identidade local, valorizando as características da agricultura familiar e do território como um todo.
Corroborou, nesse sentido, a criação do selo Produto da Terra da Gente, que
além de identificar e diferenciar os produtos, procura despertar os consumidores
finais para a importância e valorização da produção e do agricultor.
No Gráfico 1, são demonstrados alguns resultados obtidos, no qual observamos a possibilidade de êxito desse tipo de iniciativa2. Mesmo em regiões com
pouco histórico produtivo se verifica uma ascendência na quantidade entregue e
respectivos valores recebidos pelos agricultores3.
Gráfico 1. Valores pagos pela cooperativa (em Reais) aos agricultores fornecedores de hortigranjeiros
de Alegrete, e quantidade entregue (toneladas) nas lojas de supermercados.
Fonte: Dados fornecidos pela Cooperativa. Elaboração da autora.
2
Com relação à produção e venda de produtos orgânicos o referido programa ainda não avançou.
3
Exceto o ano de 2007, que por fatores climáticos extremamente desfavoráveis na região reduziu
muito a produtividade.
90
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Entre os principais produtos produzidos pela agricultura familiar no município de Alegrete merecem destaque:
Quadro 1. Hortigranjeiros produzidos em Alegrete.
Abóbora Coroa;
Figo;
Brócolis;
Abóbora Gringa;
Mandioca;
Cebola; Cebola Roxa;
Abóbora Italiana;
Melancia;
Cenoura;
Abóbora Kabutiá;
Melão Cantalupe;
Couve chinesa;
Abóbora tronco;
Melão Carvalho;
Couve Flor;
Agrião;
Melão espanhol;
Espinafre;
Alface crespa;
Melão Orange;
Pimentão Verde;
Alface lisa;
Melão pele de sapo;
Rabanete;
Alface roxa;
Melão Gaúcho;
Repolho roxo;
Batata Doce Americana;
Morango;
Repolho verde;
Batata Doce;
Moranga verde;
Rúcula;
Beringela;
Pepino;
Radite;
Beterraba;
Pêssego; Uva;
Couve manteiga
Fonte: Dados fornecidos pela Cooperativa. Elaboração da autora.
Um ponto bastante interessante diz respeito à coesão do grupo de agricultores que estão envolvidos na parceria. O trabalho iniciou com a adesão espontânea
de vinte e cinco famílias e agora conta com trinta. Durante o decorrer do período
apenas duas famílias desistiram da participação e o grupo só não é expandido pelas limitações com relação à demanda de produtos por parte dos supermercados,
considerando que muitos produtos do município já abastecem 100% da demanda.
Com relação a aspectos menos tangíveis, relacionados à qualidade de vida
das pessoas envolvidas, percebe-se que, muitas famílias, além de melhorarem
a estrutura produtiva do estabelecimento - como poços artesianos, máquinas
e equipamentos, sistemas de irrigação, reformas de estufas, etc. - estão reformando (ou terminando) suas residências: colocando piso, forro; adquirindo uma
diversidade de eletrodomésticos (máquinas de lavar roupa, ar condicionado,
computadores, etc.); tendo acesso à internet em suas residências, entre outros
utensílios que atendem e ampliam a lista das necessidades básicas.
91
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo numa conjuntura que apresenta muitas limitações, verifica-se a possibilidade de êxito de ações de alcance local e regional no que concernem as alternativas de geração de trabalho e renda para a agricultura familiar. Nesse sentido, ponderamos que o desenvolvimento deve ser um processo de construção da realidade
desejada. A melhoria da qualidade de vida das famílias pode ser oriunda de iniciativas locais, inclusive de organizações privadas, conforme a realidade na qual estão inseridas, sem a adoção de receitas prontas e universais de desenvolvimento.
BIBLIOGRAFIA
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INCRA/FAO Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil Redescoberto. Brasília.
Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000.
Beltrão, P. C. (1965) Sociologia do desenvolvimento. Porto Alegre: Globo.
Brandão. J. B. Sa Brito, A. N. Dalbianco, V. P. A preferência dos consumidores por
produtos oriundos da agricultura familiar. In: Anais 2º Encontro Juventude, Consumo e Educação. Porto Alegre, RS. 2008
Delgado, G. Questão Agrária Brasileira no Pós Guerra e sua Configuração Contemporânea. 2001
Guanziroli, C. Agricultura Familiar e reforma agrária no século XXI. Rio de Janeiro.
Ed. Garamond. INCRA, 2001
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Muchagata A reconstrução da extensão rural pública no Brasil: novas questões. Brasília, DF; FAO, 2003
Pinheiro, A. C. A. e Carvalho, M. L. Economia e política agrícolas. Lisboa/ Portugal.
Ed. Silabo, 2003.
Schneider, S. Agricultura Familiar e desenvolvimento rural endógeno: elementos
teóricos e um estudo de caso. In: Desenvolvimento Rural: tendências e debates
contemporâneos. Diesel, V. e Froehlich, J.M. (Org.s). Ed. UNIJUÍ, 2006.
Wilkinson, J. A pequena produção e sua relação com os sistemas de distribuição. Instituições Coordinadas. Campinas, BR,2003.
92
A Implantação do PROEJA FIC na Comunidade
Quilombola de Cambará em Cachoeira do Sul/RS:
um relato de experiência
Letícia Mossate Jobim1
Taise Tadielo Cezar Atarão2
Luis Aquiles Martins Medeiros3
INTRODUÇÃO
A presente experiência descreve como se deu a aproximação do Instituto Federal Farroupilha, Campus São Vicente do Sul com uma Comunidade Quilombola
Rural, localizada no município de Cachoeira do Sul. Essa aproximação deus-e
devido à implantação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos,
na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental - PROEJA FIC com
o curso de Produção de Alimentos em Base Ecológica.
A partir dessa aproximação, estamos realizando um acompanhamento do
projeto, verificando se este atenderá tanto as suas prerrogativas político-pedagógicas, quanto às expectativas da comunidade.
1
Bacharel e Licenciada em Desenho e Plástica, Especialista em Gestão Educacional. Professora do
Instituto Federal Farroupilha, Campus São Vicente do Sul. E-mail: [email protected].
2
Graduada em Pedagogia, Especializanda em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Chefe do setor de Assistência Pedagógica do
Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul. E-mail: [email protected].
3
Dr. em Agronomia. Professor do Instituto Federal Farroupilha – Campus são Vicente do Sul. E-mail:
[email protected]. Brasil.
93
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Objetivo geral
• Acompanhar a implementação do projeto PROEJA FIC, verificando se este
atenderá tanto as suas prerrogativas político-pedagógicas, quanto às expectativas da comunidade.
Objetivos específicos
• Investigar as formas de organização política, social, econômica e cultural
da comunidade;
• Conhecer os sistemas de produção em uso, as formas de utilização da terra,
meios de comercialização e obtenção de renda;
• Buscar a integração entre os conteúdos da área profissionalizante e do ensino fundamental, de modo a articulá-los ao contexto social da comunidade.
Justificativa
Apesar do crescente aumento das políticas públicas criadas com o objetivo de integrar
grupos considerados excluídos socialmente, ainda persiste entre muitos destes a falta
de oportunidades e de participação plena na sociedade nos diferentes níveis: ambiental, cultural, econômica, política e social. Ou seja, falta-lhes o direito de exercer sua
cidadania. De acordo com Demo (1998, p.5), “formar cidadãos, é muito mais que proporcionar ao indivíduo sua sobrevivência física ou a superação da pobreza material, e
sim proporcionar-lhe o direito à vida no seu sentido pleno, o acesso a todas as formas
de pensamento, de arte, tecnologia e de conhecimentos”. A solidariedade ideal deve
ser a da partilha do conhecimento e não a de bens materiais, aquela que permite a
todos os cidadãos, e não somente à elite, intervir em todas as estruturas sociais, econômicas como ambientais, proporcionando-lhes o direito de emancipação e de ocupar
um lugar no mundo com dignidade, sem causar-lhes perda de identidade.
Os movimentos de inclusão social, político e econômico, por meio da
educação profissional, que, além de uma formação no/para o trabalho buscam
a aceleração na escolarização das pessoas, são propostos e desenvolvidos por
entidades diversas, no entanto, existem situações em que nem chegam a sua
efetivação. Tais processos geralmente são impulsionados por entidades de diversas e diferentes naturezas, podendo ser de iniciativa privada, como pequenas e
grandes-empresas, cooperativas, grupos de economia solidária, até mesmo multinacionais, bem como por órgãos públicos – os governos nas esferas: municipal/
estadual/federal, ou por organizações não governamentais.
94
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Quando os objetivos desses projetos educativos não partem dos sujeitos
em questão, corre-se o risco de não atender as reais necessidades de uma dada
comunidade. É preciso que aconteça uma escuta sensível, numa dimensão dialógica, para romper com as demandas do sistema capitalista, mercadológico, não
humanizador, e que muitas vezes nega as questões do “mundo do trabalho”.
Nesse sentido, buscar por uma inclusão mais efetiva, por meio da educação, torna-se extremamente problemático, quando se deseja que aconteça uma
mudança política e social, pois existe demasiada preocupação com os aspectos
formais e técnicos, ao pensar a operacionalização de determinados projetos educativos. Ressalta-se a exemplo os aspectos didáticos, como a sistematização e
registro de cargas horárias, dos processos de ensino-aprendizagem, entre outros
que tornam os fazeres inflexíveis, intransigentes e que desta forma nem sempre
provocam transformação seja no participante, seja na comunidade.
É preciso que se tenha maior atenção, especificamente, quando se tem o
foco nas comunidades periféricas e marginais como os quilombolas, porque são
segmentos sociais historicamente excluídos. Suas falas não foram, no tocante,
legitimadas pela sociedade, em que as possibilidades de acesso às informações
de cunho social, político, econômico e cultural são mais complexas e difíceis, o
que gerou condições de desfavorecimentos em diversas questões, como na produção, no trabalho, com relação à educação, dentre outras.
Assim, este projeto de pesquisa nasce da necessidade de compreender o
cenário político-pedagógico pelo qual o PROEJA FIC se desvela para/na comunidade em questão. Buscar-se-á refletir sobre o desenvolvimento deste projeto
educativo, verificando se existe articulação com o contexto social, político e econômico da Comunidade Quilombola Cambará, do município de Cachoeira do Sul,
de maneira que atenda as expectativas de seus sujeitos.
APROXIMAÇÃO COMUNIDADE QUILOMBOLA –
IFFARROUPILHA, CAMPUS SÃO VICENTE DO SUL
Ainda percebe-se a existência de muitos sujeitos que percorreram um processo
histórico de exclusão social, econômica, política, cultural, entre outras. Dentre
estes, focamos nosso olhar, enquanto instituição de ensino, para a comunidade
quilombola Cambará, da cidade de Cachoeira do Sul, devido à disponibilidade do
município em formalizar a parceria com o Campus de São Vicente do Sul, para
desenvolver o programa. Esta comunidade vem ganhando maior visibilidade através da conquista de seus direitos, devido a sua organização política e social local.
A aproximação entre a comunidade e a Instituição ocorreu devido à adesão
do Instituto Federal Farroupilha ao convite do Ministério da Educação – MEC,
95
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
por meio de sua Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC, para
participar do PROEJA FIC. O Ofício Circular nº40 expedido pelo Gabinete da SETEC/MEC para as Instituições Federais teve como assunto central o “convite às
Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
para implantação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental (PROEJA FIC)”.
A partir deste, verificou-se a importância e a necessidade em desenvolver
este programa com o máximo de coerência e cuidado, considerando os dados
existentes conforme consta na carta convite:
...conforme estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no Brasil,
em 2007, havia 9.133.900 de trabalhadores que procuraram emprego. Destes, apenas 1.676.000 possuíam experiência e qualificação profissional. Constata-se, assim,
uma demanda potencial de 7.457.800 de trabalhadores sem qualificação profissional em busca de uma oportunidade de se inserir no mundo do trabalho.
Nesse âmbito, o público alvo desta proposta de Educação Profissional na
modalidade de EJA são as pessoas com necessidades educacionais especiais, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social, privados de liberdade, populações do campo (agricultores familiares, extrativistas, ribeirinhos, caiçaras,
quilombolas, seringueiros) e indígenas.
Reconhece-se no processo histórico da Educação de Jovens e Adultos, um percurso de lutas de pessoas que se mobilizaram e se movimentaram em prol do direito ao
acesso e permanência nas instituições escolares, na busca de condições para continuidade dos estudos. Essa luta, na verdade, é originada por um longo período de incompreensões, bem como, injustiças sociais e políticas perante o público alvo em questão,
considerados em determinados contextos, como grupos excluídos socialmente.
Compreende-se por exclusão social a falta de acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade a seus membros. Os fatores econômicos podem ser decisivos para gerar a exclusão, mas isto não significa que pobreza e exclusão social
estejam intimamente ligados, uma vez que um trabalhador de uma classe social
baixa pode ser pobre e estar integrado na sua classe e comunidade.
É importante compreender que o fenômeno da exclusão social também
pode ocorrer por outros fatores que não só os econômicos. Segundo Amaro4, ela
acontece em seis dimensões, no entanto, a presença de uma delas ou mais já
pode constituir um processo de exclusão. São elas: O“não ser”, o “não estar”, o
“não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e o “não ter”.
Considerando essas dimensões, o Campus São Vicente do Sul, através da
implementação do Programa PROEJA FIC, pretende contribuir com a constitui4
Rogério Roque Amaro, www.triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.html
96
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ção dos sujeitos dessa comunidade, promovendo e desenvolvendo ações por meio
da integração entre a formação básica fundamental e a formação profissionalizante, proporcionando o resgate e/ou o fortalecimento das seguintes competências:
• Competência pessoal (SER): reforço de autoestima e da dignidade, autorreconhecimento, etc.;
• Competência social e comunitária (ESTAR): reativação ou criação das redes
e dos laços familiares, de vizinhança e sociais mais gerais, retomada ou
desenvolvimento das interações sociais, etc.;
• Competência profissional (FAZER): qualificações profissionais, aprendizagem de tarefas socialmente úteis, partilha de saberes-fazeres, etc.;
• Competências empresariais (CRIAR): capacidade de sonhar e de concretizar alguns sonhos, assumindo riscos, protagonizando iniciativas, liderando projetos (mesmo os mais simples) de qualquer tipo, etc;
• Competências informativas (SABER): escolarização, outras aprendizagens
de saberes formais e informais, desenvolvimento de modelos de leitura da
realidade e de capacidade crítica, fundamentação das decisões, etc.;
• Competências aquisitivas (TER): acesso a um rendimento e sua tradução
em poder de compra, capacidade de priorizar e escolher consumos, etc.
INTEGRAÇÃO: ENSINO FUNDAMENTAL E QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Para melhor compreender o cenário no qual pretendemos atuar, no que diz respeito
à efetivação de uma proposta de Educação Profissional a ser realizada dentro de uma
comunidade, vista no momento numa condição de exclusão social, é importante reconhecer o processo histórico que a Educação de Jovens e Adultos vem acontecendo.
Tem-se pensado cada vez mais em ações e políticas reparadoras para os jovens e adultos que vivem a margem das oportunidades políticas, sociais, educativas e econômicas. Estes são sujeitos que constituem uma demanda da sociedade
que merece ser reparada e reconhecida, por uma dívida social e histórica a qual
deve ser estudada a luz de ações legítimas e emancipatórias.
Dessa forma, se faz necessária a melhoria das condições de inserção social,
econômica, política e cultural dos jovens e adultos trabalhadores (ou potenciais
trabalhadores), que não concluíram seus estudos em tempo escolar por meio
de uma educação contextualizada, pois são estas ações que irão potencializar o
desenvolvimento local e regional.
É perene a intensificação de ações no que tangem a profissionalização desses
sujeitos, bem como a necessidade de superação de programas focais, fragmentais,
imediatistas, assistencialistas para aqueles jovens e adultos que não tiveram opor97
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
tunidades de concluir a escolarização em idade própria. Portanto, é fundamental
concretizar uma aproximação entre as realidades da educação e do trabalho.
Neste sentido, não é possível pensar somente na existência das políticas e
programas neste âmbito, é impreterível refletir sobre o cenário e os sujeitos a quem
se destinam estas propostas, bem como, na maneira como elas se efetivam nos contextos mais locais, potencializando o encadeamento de sucessivas transformações.
Podemos perceber que até pouco tempo não se reconhecia vínculo entre
educação escolar e trabalho, estando dissociada do saber intelectual (do pensar)
e associada com o fazer, com a produção, a instrução. Destinada as classes menos favorecidas, tinha por finalidade desenvolver apenas capacidades práticas,
associadas ao esforço manual e físico.
Hoje ela encontra-se assentada nas competências construídas na educação geral, sua concepção curricular deve ser interdisciplinar, contextualizada e
transdiciplinar, intercruzando conhecimentos e articulando a escola e o mundo
do trabalho. Dessa forma deve contemplar em sua formação, além de um bom
profissional, um ser humano-profissional, com autonomia intelectual e pensamento crítico, capaz de interagir, respeitar, entender, reconhecer e dialogar com
a diversidade de indivíduos e grupo de diferentes etnias e culturas.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso, nele serão utilizados um conjunto de técnicas
diferenciadas, entrevistas, registros fotográficos e filmagens. Será organizado
a partir do levantamento bibliográfico (informações secundárias) e entrevistas
semiestruturadas (informações primárias). Fundamentalmente, o trabalho de
campo será realizado a partir da observação participante na comunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEMO, Pedro. Charme da exclusão social. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1998.
Rogério Roque Amaro, www.triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.html.
Ofício Circular nº 40, GAB/SETEC/MEC.
Documento Base. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Formação Inicial e Continuada / Ensino Fundamental. MEC/SETEC, Brasília, 2007.
CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP, 1999.
98
Recuperação de Vertentes em São Pedro do Sul
Altamir Avila Dias1
Valter Rafael Dalla Pozza2
Luane Izabel Dias Milder3
INTRODUÇÃO
Toda a Administração Pública deve buscar alternativas para enfrentar problemas
sociais com criatividade e eficiência. A criatividade pode ser uma grande aliada
quando usada para construir, preservar e mudar a realidade que nos cerca. Com ela
podemos buscar alternativas viáveis para enfrentarmos problemas sociais mesmo
com a violenta crise que nos últimos semestres vem afetando nossa economia.
O programa “Recuperação de Vertentes” visa garantir água potável e de
qualidade para o consumo humano para a população rural que ainda não foi beneficiada com redes de água a um custo baixo e num curto espaço de tempo para
sua operacionalização.
A garantia de oferta de água para as comunidades rurais é de vital importância para a perpetuação dessas comunidades. A saúde e a economia dessas populações dependem da água. Além de resolver um problema social, estabelecem-se ganhos ambientais, pois as vertentes são preservadas contra contaminação
externa (física, química ou biológica) e evita-se, quando possível, a perfuração de
novos poços artesianos. A meta do projeto de recuperação de vertentes em São
Pedro do Sul é atender 40 famílias por ano.
1
Secretário Municipal da Agricultura e do Meio Ambiente, Prefeitura Municipal de São Pedro do Sul,
Brasil, [email protected], [email protected].
2
Técnico Agrícola, Secretaria Municipal da Agricultura e do Meio Ambiente de São Pedro do Sul, Brasil, Assessor Técnico, [email protected]
3
Eng. Florestal, Mestre em Economia e Política Florestal, Prefeitura Municipal de São Pedro do Sul,
Brasil, [email protected], [email protected]
99
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Objetivos
Objetivo geral
Garantir a qualidade de vida e a própria sobrevivência da população rural por
meio da garantia de água potável e própria ao consumo humano às comunidades
rurais, bem como a preservação do meio ambiente como um todo, que se beneficia com a qualidade da água para as gerações presentes e futuras.
Objetivos específicos
• Criar condições favoráveis para manter o homem no campo, com dignidade e qualidade de vida, garantindo água de qualidade para o consumo;
• fornecer materiais necessários para preservação e/ou recuperação das vertentes existentes nas propriedades rurais do Município;
• evitar perfuração de mais poços artesianos;
• fomentar a economia do município.
Justificativa
Chama a atenção da atual Administração Municipal de São Pedro do Sul e Secretaria
da Agricultura e Meio Ambiente o elevado número de pedidos para perfuração de poços artesianos (fonte hídrica perfurada no solo), para provimento de água a famílias
do campo. O programa “Recuperação de Vertentes” surgiu como uma alternativa para
resolver esse problema com um baixo custo e num menor intervalo de tempo.
A escassez de água potável nas residências de muitas famílias de agricultores, que até então buscam água de balde em períodos de estiagem (déficit hídrico), mostra-se um problema grave que exige busca por soluções imediatas.
Por outro lado, é necessário respeitar as exigências do órgão ambiental competente – DRH (Departamento de Recursos Hídricos do Estado). Portanto, a perfuração
de novos poços implica numa série de requisitos que resultam num elevado valor de
recursos, os quais o Município atualmente não disponibiliza para atender tal demanda.
Diante desta realidade e do avanço indiscriminado da poluição do meio ambiente por agentes físicos, químicos e biológicos, surge a necessidade de políticas
publicas que visem proteger os recursos naturais que ainda se encontram intocados
pelas ações maléficas do atual modelo produtivista imposto pelo homem moderno.
100
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Nesse contexto, aparece com maior importância a água: recurso natural
essencial para manutenção da vida em nosso planeta. Não existe plano de desenvolvimento em que a água não seja assunto fundamental. Porém, é sabido que
a qualidade de água existente no lençol freático vem sendo reduzida a cada ano
pela contaminação de por agentes externos.
Sendo assim, são de suma importância as políticas, os programas e/ou projetos de auxílio à proteção e preservação da água e por consequência a busca por
um meio ambiente preservado, com medidas voltadas para a garantia da vida às
gerações futuras.
METODOLOGIA DE TRABALHO
a. Os pedidos são anotados na Secretaria da Agricultura e Meio Ambiente na
sequência que são demandados;
b. são encaminhados para levantamento a campo onde são avaliadas as condições
atuais da vertente bem como o cálculo do material necessário para recuperá-la;
c. após levantamento em campo, é encaminhado o projeto contendo os materiais a serem usados na recuperação da vertente;
d. se aprovado, o projeto o valor sai para a associação e deve ser retirado pelo
presidente da mesma na presença do requerente, os quais assinam um contrato de repasse da verba a fundo não retornável aos cofres do município;
e. ao receber o material dentro de trinta dias, a obra será submetida a vistoria da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente;
f. a contrapartida exigida por parte do produtor é o plantio de árvores nativas e construção de cerca ao redor da vertente.
101
Oficinas de Artesanato com Papel Jornal com
Mulheres Rurais Assentadas no Município de
Capão do Cipó: Um relato de experiência
Vilson Flores dos Santos1
Paulo Roberto Silveira2
RESUMO: Este artigo apresenta o relato de experiência de oficinas de artesanato
com papel jornal com mulheres rurais assentadas em quatro assentamentos,
no Município de Capão do Cipó, localizado na região das Missões Jesuíticas do
estado do Rio Grande do Sul. Tais oficinas tinham por objetivo identificar e
propor estratégias de ocupação, trabalho e renda para estas mulheres. Para
fundamentar as proposições e questionamentos deste estudo, foram abordadas
considerações acerca do artesanato em papel jornal. Os recursos empregados foram encontros, relato, atividades de grupo, palestras e diálogos não dirigidos e
prática artesanal. Percebeu-se ao final desta experiência, que o artesanato em
papel jornal é uma alternativa relevante como fonte de renda para as mulheres
destes assentamentos rurais.
Palavras-chave: experiência, mulheres rurais, artesanato, renda.
INTRODUÇÃO
O relato que segue é produto da experiência de extensionistas da UFSM, pertencentes ao grupo de trabalho NEPALS, vinculado ao departamento de Educação
1
Mestre, Pesquisador do grupo NEMAD e NEPALS, da UFSM E-mail: [email protected].
2
Prof. do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural CCR / UFSM. Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Extensão e Pesquisa em Alimentação e Sociedade – NEPALS /UFSM. E-mail
[email protected]
103
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Agrícola e Extensão Rural, os quais se depararam com o desafio de organizar alternativas de ocupação, trabalho e renda para um grupo de mulheres assentadas,
abordando o artesanato com papel jornal, como alternativa para esta realidade.
Estas mulheres com faixa etária que varia entre 16 e 55 anos são moradoras de
quatro assentamentos da reforma agrária localizados em uma área contínua de
3.846 hectares, a leste do município de Capão do Cipó, no Estado do Rio Grande
do Sul. Esses assentamentos foram constituídos em períodos diferentes. O primeiro grupo de assentados chegou a esta localidade com a instalação do Assentamento Federal Nova Santiago, onde foram assentadas 43 famílias em 18/02/1987,
em uma área de 1000,57 ha. O segundo grupo veio com a instalação do Assentamento Federal Sepé Tiaraju, onde foram assentadas 25 famílias em 18/05/1992,
em uma área de 480 hectares. O terceiro grupo veio para o Assentamento Federal 14 Julho, onde foram assentadas 32 famílias em 18/05/1992, em uma área de
530 hectares. E o quarto e último grupo veio com a instalação do Assentamento
Estadual Nova Esperança, onde foram assentadas 100 famílias, em 11/12/2001,
com uma área de 1830, 77 hectares. Todos esses grupos de assentados vieram de
áreas consideradas de extrema pobreza rural.
Em todos os grupos que vieram para essa área estava presente um considerável número de mulheres, quer como companheiras de futuro beneficiários da reforma agrária ou ainda como proprietárias de glebas de terras por sua participação no
Movimento dos Sem Terra (MST). Esse contingente aumentou na medida em que
as filhas e os filhos desses casais foram constituindo novas uniões e permanecendo
na gleba. Ao longo de 20 anos de assentamento, as mulheres se constituíram em
importante ferramenta para a produção e desenvolvimento desse espaço agrário,
onde ainda enfrentam inúmeras dificuldades no campo social e econômico.
Desta forma, quando o autor principal era professor na escola do assentamento, levantou-se o seguinte questionamento: que alternativas de ocupação,
trabalho e renda podem ser viáveis para esses grupos de mulheres assentadas?
Apresenta-se assim como objetivos deste trabalho: a) promover alternativas ocupacionais e de interatividade entre as mulheres assentadas; b) possibilitar a realização de atividade artesanal individual e em grupo; b) favorecer a
adoção de práticas artesanais, como condição para a promoção de renda.
MULHERES RURAIS E AS RELAÇÕES COM A TERRA
As relações das mulheres com a terra datam dos tempos mais remotos da
história da humanidade. A mulher, ainda no período mesolítico (10000 – 7000 a.C),
era considerada figura divina, representante da fertilidade, razão pela qual devia
cultivar a terra, pois esta é aquela que alimenta, dá vida e não podia, portan104
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
to, ser cultivada por qualquer pessoa, mas, por aquela que tivesse boa relação
com ela. Assim, somente a mulher tinha essa identificação, somente ela podia
cultivar a terra, o que leva a crer, então, que as primeiras agricultoras foram as
mulheres (HILÁRIO & CHACOM, 1987, p. 42).
Para Cordoso & Malerba (2000. p.131 ), a mulher tinha nesse período um
papel fundamental no que se referia à família e à sociedade: a fêmea humana grávida era a metáfora central dos poderes da vida para povos que dependiam totalmente
das forças espontâneas da terra a fim de juntar comida.
Na Idade Média, as mulheres camponesas trabalhavam muito: cuidavam
das crianças, fiavam a lã, teciam e ajudavam a cultivar as terras. Aquelas com
um nível social mais alto tinham uma rotina igualmente atribulada, pois administravam a gleba familiar quando seus maridos estavam fora, em luta contra os
vizinhos ou em cruzadas à Terra Santa. Atendimento aos doentes, educação às
crianças também eram tarefas femininas. (RÉGINE PERNOUD, 1977.p.14)
Assim, ao longo da história humana, observa-se que em determinados períodos a mulher teve elevada importância e em outros participou como coadjuvante nos
processos de desenvolvimento social, mas sempre esteve ao lado do homem quando
não a sua frente, sempre buscando uma vida melhor para si e seus familiares.
June Hahner (1981. p. 15), estudando a história da mulher, aponta que sua história foi facilitada em grande parte pela ascensão da história social e pelo interesse
crescente pelos acontecimentos locais e pela vida familiar e cotidiana das pessoas.
A autora pondera que nos tempos atuais é possível fazer uma reflexão sobre
a história da mulher, porque nos últimos tempos está ocorrendo uma grande mudança nos hábitos e costumes do cotidiano feminino: elas estão participando mais e
discutindo com maior profundidade a relação homem/mulher e sua condição social.
Já Rachel Soihet (1978.p.278) aponta ser válido considerar que a ascensão
feminina na história também se deve a história cultural que, nas últimas décadas
do século XX, apostou em novas temáticas e se interessou por grupos sociais até
então excluídos do seu interesse, entre eles as mulheres.
Trabalhando ainda nesse viés, as ponderações de Michelle Perrot
(1998.p.186) são bem apropriadas quando destaca que: “[...] o silêncio sobre a
história das mulheres também advém do seu efetivo mutismo nas esferas políticas, por muito tempo privilegiadas como os locais exclusivos do poder”.
Assim, no tecido do tempo atual, existe uma diversidade nas condições em
que vivem as mulheres, mais nenhuma é tão diversificada como a das mulheres
que hoje participam de movimentos que envolvem as questões de Reforma Agrária; intensas mudanças têm-se processado nos últimos tempos em relação ao
crescimento e qualificação dos grupos femininos.
105
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
MULHERES RURAIS E REFORMA AGRÁRIA
O crescimento de grupos de mulheres assentadas e o aparecimento de lideranças têm reafirmado o aprendizado das mulheres. Assim, no processo de reforma
agrária, a mulher tem-se destacado na busca de melhor qualidade de vida para
si e para seus familiares. Essa busca tem propiciado a mulher assentada a buscar
cada vez mais novas alternativas que proporcionem meios para o aumento de
renda e maior estabilidade financeira, no espaço rural que lhe foi destinado.
Para Foucault (1994, p.21 ), a mulher assentada, que já foi uma mulher
acampada, é uma pessoa sofrida, que já teve uma trajetória de vida, mãe, religiosa, trabalhadora, que em situações adversas assume todos os compromissos da
propriedade familiar rural. A mulher assentada participa ativamente de todos
os acontecimentos relativos ao seu habitat conquistado. Essa realidade se processa nesses espaços rurais pelos mais diversos motivos, entre os quais podemos
destacar: fim de relação conjugal, viuvez, trabalho externo do cônjuge.
Neste sentido, Borges (1997, p. 132 ), com base em relatos, sustenta que algumas características comuns definem o perfil dessas mulheres que participam dessa
população nesses espaços rurais: “Há um traço comum que lhes confere uma identidade enquanto grupo – o nascimento na terra, o trabalho na terra, a peregrinação por outras
terras, a expulsão da terra, a vida na cidade e a volta a terra, onde era o seu lugar”.
Essa experiência da mulher vivida em diferentes estágios, faz com ela tenha
dinamismo frente às dificuldades do cotidiano nas áreas de assentamentos. Assim,
nos assentamentos rurais, as mulheres são mais instruídas que os homens, após
a chegada no assentamento, elas continuam a buscar cada vez mais instrução.
Trata-se de uma regularidade: as mães estudaram mais que os pais, e as filhas estudaram ou estão estudando mais que os filhos. Dessa forma, na grande maioria dos assentamentos, as filhas são mais escolarizadas que as mães, esta particularidade contribui para, através da instrução, uma transformação dos espaços rurais onde vivem.
O processo de reforma agrária da região das missões no Rio Grande do
Sul assume grande relevância, pois nas últimas duas décadas já se somam 49
assentamentos rurais nessa região. Neles está-se constituindo um considerável
número de mulheres, sendo que em alguns assentamentos os grupos femininos
são superiores aos dos homens, e em todos eles a atividade feminina é tida como
de muita importância para a estruturação e desenvolvimento local.
Nos assentamentos do município de Capão do Cipó, essa realidade não é
diferente, as mulheres estão buscando cada vez mais ocuparem espaços, participar do processo produtivo, social e econômico. Para isso buscam qualificar-se
e empreender práticas diversificadas que possibilitem o aumento de renda e a
agregação de valores em seus produtos.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
MÉTODO DE TRABALHO
As oficinas foram oferecidas a dois grupos de mulheres com idades entre 16 e 55
anos, formados por moradoras dos assentamentos da reforma agrária do município
de Capão do Cipó, com cerca de 20 participantes cada grupo. Esses grupos foram
coordenados por um professor da Escola Estadual Chico Mendes, localizada no interior do assentamento Sepé Tiarajú. As oficinas contaram também com a experiência de uma professora em artesanato da cidade de Santiago. Os encontros aconteceram às terças e quintas-feiras e tinham duração de 8 horas cada um, durante três
meses, totalizando 24 oficinas, sendo doze oficinas com cada grupo constituído. Em
cada uma dessas oficinas foram trabalhados temas através de palestras e diálogos,
sobre a terapia ocupacional, a gradativa orientação sobre a preparação de material
para confecção de peças artesanais com jornais e a confecção de peças artesanais
com jornais, (constituição da peça, acabamento e pintura). Foi trabalhado também
a importância do artesanato em jornal como fonte de renda alternativa (vendas de
peças individuais, vendas coletivas, participação em feiras e eventos rurais).
Nos encontros, aconteceram palestras, troca de experiências e orientações sobre a confecção de peças de artesanato, sendo que estes encontros ocorreram na Escola Estadual Chico Mendes e começavam por cerca de 9 horas e finalizavam às 17
horas; neles, cada uma das participantes trazia algum item alimentar previamente
combinado e era feito um almoço partilhado. Na última oficina, foi realizada uma festa
de encerramento que contou com a presença de todos os participantes e convidados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após um período de divulgação de que na Escola Chico Mendes do Assentamento Sepé Tiaraju iria acontecer oficinas de artesanato, começou uma intensa procura por informações, como: quanto custa, que tempo leva, que horas vai ser.
Essa procura resultou na organização de dois grupos, levando-se em consideração o assentamento em que moravam, sua disposição e interesse. Assim, foi
marcado o início do curso para o primeiro grupo e orientado as participantes de
que material deveriam possuir para o início da oficina. As vagas teriam que ser
limitadas devido a falta de espaço, e o tempo ser limitado.
Para a constituição dos grupos de assentadas foi necessário fazer uma inscrição prévia devido ao grande número de mulheres que queriam participar das oficinas.
Assim, ficou estabelecido a constituição de dois grupos de 20 mulheres cada um, que
serviriam, posteriormente, como tutoras de outros grupos que se formariam.
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Durante os encontros foi possível discutir alguns itens considerados importantes no processo de qualificação dessas mulheres como, por exemplo, a importância de uma terapia ocupacional e a interatividade com as outras mulheres
assentadas, item este muito bem aceito pelos grupos que chegaram mais recentemente aos assentamentos.
Para as mulheres assentadas teve muita importância discutir o cotidiano
de cada assentamento que contou com relatos de mulheres sobre o histórico dos
quatro assentamentos construídos no município, enfatizando aspectos relativos
à produção e modo de vida. Destacou-se nesses grupos a diversidade de idade,
promovendo, assim, uma maior interação na medida em que as experiências,
tanto em relação ao período de acampamento, quanto de assentamento, foram
sendo relatadas durante os encontros.
O desenvolvimento da atividade artesanal foi realizado com muito sucesso na
medida em que foram sendo constituídos os primeiros preparativos de cada grupo
no sentido de desenvolver as habilidades para preparação do material que iria constituir as peças artesanais, centro de interesse das oficinas. O interesse de cada um
dos participantes no aprendizado chamou a atenção na medida em que muitas das
assentadas tiveram dificuldades iniciais por terem as mãos rústicas do trabalho na
terra, que aos poucos foram sendo superados pela vontade de aprender.
A chamada preparação do material se constituía em: com uma haste de
metal (raio de bicicleta), fazer finíssimos canudos a partir de faixas cortadas de
jornal usado, preparadas considerando o tamanho e formato da peça. Usaram-se
nesse trabalho tesouras para constituir as faixas de jornais previamente cortados, cola de papel para colar o final da constituição dos canudos.
De posse desse material, começa então a constituição da peça artesanal,
que ao longo dos encontros iam tomando forma das mais diversas. Alguns componentes primavam por fazer pequenos porta cuias, outros por pequenas cestas,
outros por cestos mais consistentes e, dessa forma, surgiram as primeiras peças
artesanais, que trouxe emoção para muitas das participantes.
Durante o desenvolvimento das oficinas, foram confeccionadas diversas
peças artesanais por cada um dos participantes, que, embora tenham começado
de forma muito rústica, aos poucos foram tomando forma e se constituindo em
belas peças artesanais ecologicamente produzidas.
A euforia que tomou conta do processo de produção das peças artesanais em
papel jornal levou os participantes a buscar cada vez mais praticar sua confecção; assim,
elas confeccionavam peças em casa e traziam para serem observadas pela instrutora
ou ainda corrigidas quando necessário. Com o desenvolvimento das oficinas, alguns
componentes de cada grupo destacavam-se e terminavam por auxiliar os demais juntamente com a instrutora. Essa experiência terminou por unir cada vez mais os grupos
de mulheres que antes pouco se viam e algumas delas até, então, não se conheciam.
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Após esse período de aprendizagem, os grupos foram reunidos para tratarem
de uma exposição pública dos trabalhos. Foi feita uma explanação pelo coordenador de que todas deveriam participar de um evento que iria acontecer na sede do
Município de Capão do Cipó, no Ginásio de esportes da escola Julio Biasi, quando lá
estaria reunida toda a comunidade em torno da Amostra de trabalhos do Programa
União faz a Vida que é desenvolvido por este município. Surgiram muitas dúvidas,
medos, incertezas e muitas não queriam ir por achar que não iria dar certo.
Assim, a proposta era montar um destacado estante nesse evento onde seriam expostos todos os trabalhos e, se houvessem interessados, seriam, então, comercializadas as peças. O estande foi montado com antecedência e todas as participantes das oficinas estiveram presentes na montagem do local que aconteceu no dia
anterior ao evento. No dia do acontecimento, que se realizou durante todo o dia de
um sábado, elas estiveram presentes com seus familiares, (maridos, companheiros,
filhos, parentes e amigos), que vieram prestigiar, há de se destacar que essas participantes bem como suas familiais moravam a mais de 30 Km do local do evento.
Durante todo o evento aconteceu uma intensa visitação ao estande de artesanato, foram vendidos cerca de 45% do estoque apresentado. A esposa do então
prefeito realizou um contrato com algumas das artesãs para a confecção de peças que
até os dias de hoje são fornecidas para loja dessa proprietária no Capão do Cipó. Mais
tarde vieram outros convites para participações em feiras como São Borja, Santiago
e Itacurubi, além de participações em diversos eventos locais. Assim, aconteceram
as primeiras vendas de peças artesanais confeccionadas a partir de papel jornal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de oficinas de artesanato em papel jornal para mulheres dos assentamentos da reforma agrária do Capão do Cipó na região missioneira do estado Rio
Grande do Sul se constitui em uma experiência ímpar e de uma importância jamais
antes alcançada. Na medida em que esta atividade proposta ganhou importância
e passou a figurar como uma importante ferramenta no desenvolvimento da autoestima dessas mulheres, elas também encontraram no trabalho artesanal forma
de participação social. Com isso, passaram a tomar gosto por se produzirem mais,
de obter renda com esse trabalho que evoluiu e passou a figurar como importante
fonte de renda de diversas famílias. Percebe-se, também, o fato de que muitas dessas mulheres estão hoje ministrando cursos de artesanato para outros grupos dos
assentamentos e fora dos assentamentos. Esta última atividade vem sendo desenvolvida a convite da secretaria de ação social do município, que passou a ter nessa
experiência uma de suas metas de trabalho no campo municipal.
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Constituem-se, assim, a partir dessa experiência, alguns grupos de trabalho e grupos de convivência e com eles surgem novas ideias de valorização e
qualificação das mulheres no Capão do Cipó.
REFERÊNCIAS
CARDOSO,. Ciro Flamarion e MALERBA Jurandir (orgs.) “Representações: Contribuição a um debate transdiciplinar. Campinas , SP: Papiro Editora, 2000 – (Coleção texto do Tempo).
BORGES, Maria Stela Lemos. Terra, ponto de partida, ponto de chegada: identidade
e luta pela terra. São Paulo: Anita Garibaldi, 1997.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, 10ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1994.
HILÁRIO Franco Júnior, & CHACON, Paulo Pan. História Econômica Geral. São Paulo: Atlas, 1986.
HAHNER, June E. A Mulher Brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. São
Paulo: Brasiliense, 1981, p. 14.
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. INCRA. 2009
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa sobre Alimentação e Sociedade – NEPALS. 2009
RÉGINE PERNOUD , “O Mito da Idade Média”,(Edições Europa-América,), com o
título original “Pour en finir avec la Moyen Âge” (Seuil, 1977).
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 185.
SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion.; VAINFAS, Ronaldo.(Orgs.). Domínios da história. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 275.
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Uma experiência familiar de produção
artesanal de alimentos: Agroindústria
Familiar DEVA Delicias Naturais
Aline Weber Sulzbacher1
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, temos por objetivo apresentar um relato do processo de constituição e consolidação de uma experiência em produção artesanal de alimentos.
A agroindústria familiar rural DEVA Delícias Naturais iniciou o processo de legalização no ano de 2003 e constitui-se enquanto uma iniciativa de um grupo
familiar na busca pelo incremento de renda. O intuito da AFR veio a atender a
necessidade de aumento da demanda de produção e, do fato de que a atividade
vinha apresentando resultados ao agricultor, principalmente quanto à aceitação
do produto pela população local.
A família é composta por quatro membros, sendo que destes três se dedicam às atividades agropecuárias na propriedade. A horta desempenha papel fundamental na alimentação do grupo familiar, planta-se uma grande variedade de
legumes, verduras e temperos, produtos que eventualmente também são usados
na alimentação dos animais de pequeno porte (como as aves) e para a engorda de
suínos, destinados ao consumo da família. As compras mensais (na cidade) para
o consumo da família restringem-se à farinha, açúcar e arroz2; eventualmente
adquirem também alguma fruta ou verdura que não é produzida na propriedade
em função das características edafoclimáticas da região.
1
Geógrafa, Ms. Extensão Rural, Consultora Equipe Somar – UFSM/INCRA.
2
O cultivo de arroz é praticado eventualmente, sua colheita não é garantida e muitas vezes não existe
em função das características climáticas da região. Sendo assim, os agricultores optam pela compra
direta do produto.
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A principal atividade da propriedade familiar consiste na agricultura, praticada em consórcio com a pecuária (em menor escala) nos 11 hectares; destes, 4,7
ha são próprios. As explorações agrícolas (soja, milho, cana-de-açúcar, mandioca,
feijão) promovem a subsistência da família durante todo o ano. Na Figura 01, vista parcial da propriedade onde aparece o cultivo de cana-de-açúcar, milho e soja.
Figura 01 – Foto parcial de alguns cultivos do estabelecimento rural
Fonte: Trabalho de campo, 2007.
Além disso, cabe destacar que o grupo familiar já trabalhou com atividade leiteira, retirando-se desta em função da constante desvalorização do produto3 frente
às empresas agroindustriais, do aumento das exigências de modernização da produção e da necessária qualificação da produção. A desistência da atividade ocorreu
pelos altos custos de produção exigidos, representados no aumento de tecnologia e
pela escassez de força de trabalho na propriedade, principalmente durante o período do inverno quando há dedicação integral para o processamento na AFR.
Frente a esse contexto, permeado por uma crise socioeconômica, o agricultor (re)avalia seus fatores de produção (terra, trabalho e capital) e opta por
desistir da atividade leiteira. No entanto, no caso analisado, esse processo não
culminou no êxodo rural ou numa maior dependência da monocultura de soja.
Representou, antes disso, na busca por novas estratégias para a reprodução da
unidade de produção familiar baseadas em nichos de mercado local e na diferenciação de um produto culturalmente apreciado: o melado.
Cabe destacar que a emergência dessa alternativa deu-se num contexto de
crise, de falta de perspectiva e de grandes problemas econômicos do estabeleci3
Esse processo, numa escala de análise mais ampla, foi analisado detalhadamente por Farina; Azevedo; Saes (1997, p. 210): o “pagamento por qualidade além de transmitir um incentivo claro a padrões
mínimos do produto, associados à higiene, também valoriza a diferenciação dos produtos por escala”, desvalorizando e excluindo, consequentemente, o produtor de pequeno porte e que em geral não
tem condições de tecnificar a produção e melhorar a qualidade do rebanho leiteiro.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
mento rural, fatores que, em muitos casos, justificariam o abandono do campo.
Contrariamente, a busca pela alternativa vem ao encontro da análise colocada
por Caporal e Costabeber (2004): a unidade de produção familiar, inserida na esfera mercantil, sofre com os processos de transferência de renda para os setores
agroindustriais, comerciais e financeiros, “daí porque, para assegurar sua sobrevivência e reprodução ampliada, deverão se articular política e economicamente
com base em novas estratégias e táticas” (CAPORAL e COSTABEBER, 2004, p. 11).
A busca por novas estratégias considerou a existência de um mercado,
principalmente local, que vinha apresentando condições de absorver toda a produção artesanal de melado, bem como da sua ampliação.
Numa perspectiva de ampliar a produção, o grupo familiar passa a buscar
o apoio dos órgãos públicos, principalmente a Emater e a Prefeitura Municipal,
a fim de buscar recursos para a construção de uma infraestrutura básica para a
produção: nascia a agroindústria familiar rural DEVA Delícias Naturais.
A ORGANIZAÇÃO DA AFR DEVA DELÍCIAS NATURAIS
A produção de alimentos artesanais, a fim de garantir a subsistência da família,
não é novidade para o grupo familiar em questão. As práticas de processamentos dos mais diferentes produtos foi um processo de aprendizagem que passou
de geração para geração e constitui-se na contemporaneidade o acúmulo de um
saber social construído historicamente.
O saber social presente em torno dos laços que envolvem o grupo familiar
na produção artesanal de melado, rapadura, schmier foi perceptível durante a
realização da entrevista. Em geral, o grupo processa grande parte dos alimentos
que compõem a diversidade da dieta familiar, dentre eles, o queijo, o salame, a
compota de verduras, a ricota, dentre outros.
A opção pela produção ampliada de melado, rapadura, schmier e, eventualmente, açúcar mascavo ocorreu justamente a partir da percepção da existência
de um mercado de consumo em expansão, disposto a pagar por um produto com
identidade territorial de qualidade e diferenciado daqueles encontrados nas redes convencionais de comercialização. A percepção da existência desse mercado
foi possível através de um estudo das potencialidades de absorção da produção,
que é de fundamental importância realizar antes de optar pela atividade, como
destaca o representante da Emater:
“[...] diagnóstico e estudo de cadeia (...) é o básico para agroindústria, não
adianta produzir um produto de excelente qualidade e não ter para quem vender
ou, então, produzir custando um enquanto o mercado também só pagar um, daí
vai trabalhar de graça”.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Dessa forma, o caminhar em busca da legalização da atividade, a fim de
potencializar a ampliação da escala de produção, iniciou-se no ano de 2002. Nesse período, o grupo familiar já processava, de forma essencialmente artesanal,
em torno 300 kg de melado durante a safra (junho e julho). Os relatos do grupo
familiar e as imagens obtidas, Figura 02, apontam para as dificuldades iniciais
e as condições precárias4 em que eram realizavam o processamento do produto,
exigindo principalmente, após a calda fervida, o uso intensivo da força manual a
fim de misturar a calda até esfriá-la:
“[...] nós fazia o melado no galpão e todo mundo queria do nosso produto.
Assim, a demanda aumentou, nós continuava fazendo. Só que não dava mais, ou
nós parava ou fazia alguma coisa melhor, mais moderna. [...] O principal era bater
a calda até que ela está fria, esse era o principal problema, por que o resto é fácil”.
“[...] O pior era bater o melado “no braço” nós não aguentamos fazer em
grande quantidade, por que isso cansa muito, é muita mão-de-obra e a gente não
aguenta bate muito o melado num dia só...”.
Na Figura 02, pode-se visualizar alguns aspectos que envolviam a produção do melado e/ou schmier, incluindo a (a) fervura da calda; (b) o descasque
e o picar das frutas e verduras que compõem a schmier; (c) cuidado durante o
cozimento de todos os produtos. Ainda cabe destacar a importância do envolvimento de toda a família no processo de produção.
Figura 02 – Fotos do processo de produção antes da AFR DEVA
Fonte: Emater/Ascar, 2002.
4
As condições precárias aqui destacadas referem-se, principalmente, à falta de tecnologia disponível
que tornava o processo de produção bastante cansativo e oneroso, fato que não significa a falta de
higiene ou de qualidade do produto final.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Atualmente a agroindústria já está praticamente legalizada5 e, durante seu
processo de construção, foi beneficiada por um ambiente institucional favorável,
representado pelo programa Sabor Gaúcho, como relata a Emater:
“[...] está cadastrada como ‘agroindústria rural’, ela está enquadrada dentro
das normas ambientais só que, assim, quando foi feito o projeto da agroindústria de melado existia um acordo entre o órgão ambiental e a secretaria de agricultura para a agroindústria, era um programa para agroindústria familiar do
Estado, que hoje não existe mais...”
Frente ao grupo familiar, o processo de legalização representou a superação de vários obstáculos, colocados pelo pioneirismo desse tipo de atividade no
município, pela falta de recursos próprios e pela escassez de informações quanto
ao processo de constituição da agroindústria (legislação sanitária, ambiental, registro, etc). Atualmente, frente a uma avaliação de toda essa trajetória, o grupo
familiar ressalta a fundamental importância do apoio e orientação que receberam
da Emater; em um comparativo com o ‘antes e depois’ (Figura 03) destacam como
a agroindústria contribuiu para diminuir o esforço físico e aumentar a produção:
“[...] por exemplo, as horas de serviço são as mesmas, só que é mais fácil, a
gente não para de trabalhar, o serviço continua porque agora a gente tem mais,
porque na outra vez a gente fazia só em um tacho, agora tem dois, e nós fizemos
quatro por dia, e antigamente nós só fazia um tacho de melado por dia, e ainda
entrava noite adentro. Agora não, com essa instalação nós fizemos quatro tachada, as horas de serviço aumentaram, só que é mais fácil se antes dava 30kg por
dia, hoje dá 120kg. Se era para continuar como antes, nós não ia aguentar”.
Figura 03 – Foto que mostra estrutura anterior e a estrutura atual da produção artesanal
Obs.: foto ‘a’ o galpão onde o melado era produzido; ‘b’, atual construção da agroindústria.
5
Falta apenas concluir a elaboração do rótulo e encaminhá-lo para a aprovação dos órgãos competentes.
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Na Figura 04, buscou-se elaborar um organograma a fim de representar, de
forma ilustrada, o atual processo de processamento da garapa até o produto final.
Com o incremento de tecnologias simples, adequadas à realidade da exploração
familiar, foi possível ampliar a escala de produção e qualificar o produto, uma
vez que o batedor garante que o produto seja misturado de forma homogênea e
constante, fato não possível quando o trabalho é realizado manualmente. Esse
elemento ‘novo’ no processamento do produto artesanal garantiu inclusive a
melhoria da qualidade do produto, principalmente de sua aparência, fato que
também interfere na escolha do produto pelo consumidor, como já foi verificado
por Neumann et al (2006); Guimarães (2001); Prezotto (2002), dentre outros.
Figura 04 – Organograma representativo da organização do processo de produção do melado
Fonte: JORNAL DE CHAPADA (2006) ; Trabalho de Campo (2006).
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Ao observar a Figura 04, pode-se perceber que as instalações apresentam-se
de pequeno porte e com qualidade, onde os quesitos de higiene são sempre atentados. Nesse contexto, produzir em um espaço apropriado para o processamento
artesanal também garante ao produtor a própria organização da atividade de forma a alcançar melhor qualidade.
Dessa forma, percebe-se que o incremento de tecnologia, quando em consonância e adequada à realidade do pequeno estabelecimento rural, apresenta
grande potencialidade para qualificar a produção e, principalmente, diminuir o
uso da força manual. Concorda-se, portanto, com o raciocínio colocado por Graziano da Silva (1999, p. 17): “o homem necessita aumentar a sua capacidade de
produzir, porque isso lhe possibilitará, inclusive, trabalhar menos [...] sempre o
homem procurou inventar coisas que lhe facilitassem a labuta diária”.
Por fim, percebe-se que a agroindústria familiar rural DEVA Delícias Naturais foi construída a partir de um processo endógeno, marcado pela busca por
estratégias para garantir a reprodução da unidade de produção familiar. Ela foi
viabilizada graças à união de forças, representadas, principalmente, pelo esforço
e persistência do grupo familiar e pela contribuição dos órgãos públicos, como a
EMATER e a Prefeitura Municipal. O processo de constituição foi permeado pelas mais diferentes dificuldades, que foram paulatinamente superadas pelo (re)
apreender a produzir, fundamentalmente marcado pela relação dialógica.
O desenvolvimento da DEVA garantiu ao grupo familiar um acréscimo significativo de renda, o emprego da força de trabalho familiar e eventualmente dos
vizinhos ou parentes e, principalmente, permitiu a propriedade rural uma autonomia frente às empresas agroindustriais. A inclusão social foi decorrente de
todo esse processo, uma vez que com a venda direta do produto ao consumidor,
o agricultor passou a ampliar suas relações sociais passando a ser conhecido no
município como ‘tio do melado’.
Dentre os fatos que demonstram a aceitação do produto e credibilidade
que o grupo familiar passou a desempenhar frente aos munícipes, órgãos públicos e à imprensa local, cabe citar dois fatos: o primeiro quanto às reportagens
realizadas acerca da atividade. O segundo fato refere-se ao prêmio Destaque Rádio Simpatia, recebido em novembro de 2006, como destaque no ramo agroindústria. Este último marcou profundamente o grupo familiar uma vez que não se
esperava tamanho reconhecimento da população chapadense.
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Figura 05 – Reportagem sobre a AFR DEVA
Fonte: Jornal de Chapada, 23 de junho de 2006.
Figura 06 – Reportagem sobre o prêmio Destaque Agroindústria recebido pela família
Fonte: Jornal de Chapada, 24 de novembro de 2006.
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Grupo Unidas do Lar de Capão Grande/Nova
Esperança do Sul/RS: Um Exemplo de Busca
por uma Melhor Qualidade de Vida
Claudio Raimundo de Bastos Brasil 1
Introdução
Nova Esperança do Sul está localizada na região centro-oeste do RS e é bastante
conhecida pelo seu potencial industrial. Nesse pequeno município do Vale do
Jaguari existe um grande número de micro e pequenas empresas do setor coureiro-calçadista, e também um grande curtume que exporta seus produtos para
a Europa, Estados Unidos e Ásia, entre outros.
Mas, além de sua mão-de-obra qualificada, o município também divide
com alguns vizinhos do Vale do Jaguari o privilegio de possuir atrativos naturais
de exuberante beleza, como cascatas, trilhas, Igrejas de pedra, vales verdejantes,
rios de águas límpidas e o seu principal potencial turístico conhecido internacionalmente que é Gruta Nossa Senhora de Fátima, considerada uma das maiores
da América Latina em extensão de área coberta em rocha arenítica.
No interior do município, aproximadamente 6 km da sede, está localizada
a comunidade de Capão Grande, um local de fácil acesso, tranquilo e pacato como
a maioria das zonas rurais do interior gaúcho. No local, vivem pessoas simples,
honestas e batalhadoras, famílias predominantemente de agricultores de subsistência e alguns aposentados.
Somos sabedores que a população rural possui algumas características
como a união e a hospitalidade, talvez por isso um grupo de mulheres do Capão
1
Bacharel em Administração e Especialista em Marketing de Serviços (URI – Santiago) – Mestrando
em Ciências da Educação (Universidade Tecnológica Intercontinental de Asunção). Professor substituto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus São Vicente do Sul.
E-mail: [email protected].
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Grande resolveu unir-se e criou no ano de 1997 o Grupo Unidas do Lar, grupo
esse que tem por missão oferecer momentos de confraternização e troca de experiências pessoais e profissionais.
Objetivo Geral
Formar um grupo de senhoras, que possam se encontrar mensalmente, a fim de
propiciarem momentos de confraternização, descontração e troca de experiências entre seus componentes. Dessa forma, também melhorar a qualidade de vida
dessas moradoras e dessa localidade, reforçando ainda mais o elo de amizade entre as mesmas e inserindo-as cada vez mais no processo de desenvolvimento local.
Objetivos específicos
• Confraternizar mensalmente com as aniversariantes do grupo;
• Valorizar a comunidade local através das experiências individuais e do
grande grupo;
• Fortalecer os laços comunitários entre as mulheres e moradores da localidade;
• Tornar conhecida a potencialidade, a história e a cultura do local;
• Proporcionar oportunidades de ajuda e auxílio às famílias da comunidade
em momentos de necessidade;
• Divulgar e colaborar na organização das festas religiosas e eventos sociais
da localidade e do município;
• Conhecer, conviver, preservar e divulgar a natureza exuberante do local.
Justificativa
Como em toda comunidade interiorana, devido aos afazeres do dia-a-dia, as moradoras do Capão Grande possuem pouca disponibilidade de tempo e principalmente de acesso às atrações e eventos de lazer e recreação. No sentido de aumentar essa acessibilidade, e sabedoras do seu papel perante sua comunidade, essas
mulheres resolveram criar o Grupo Unidas do Lar, e para isso em 06 de abril de
1997 reuniram-se no Centro Social 24 de Julho, localizado naquela localidade, e
realizaram o seu primeiro encontro, fundando nessa data o referido grupo.
Inicialmente pretendiam apenas reunir-se mensalmente e comemorar o
aniversário umas das outras, e com isso fazer com que todas se conhecessem, se
unissem e se ajudassem ainda mais tanto em momentos de alegria quanto em mo120
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
mentos de maior necessidade. Também pretendiam nesses encontros criar jogos,
brincadeiras e atrações que viessem a propiciar momentos de lazer e confraternização a essas mulheres e as suas famílias em eventos e datas festivas ou especiais.
Ainda nos primeiros anos de fundação, o grupo e a comunidade fizeram
uma parceria com a prefeitura municipal e juntos reformaram o prédio da antiga
escola local que se encontrava desativado devido à municipalização da educação.
A partir daí passaram a realizar seus encontros mensais no referido prédio, o que
é feito até os dias de hoje.
Metodologia de trabalho
• Encontros mensais para confraternizarem e comemorarem os aniversários
das componentes do grupo;
• Participações nas olimpíadas rurais do município, representando a localidade, tanto nos jogos e atividades diversas quanto na escolha da rainha
que sempre é representada por uma componente do grupo;
• Auxílio aos produtores locais na época de colheita, preparando a alimentação dos mesmos no local de encontro do grupo;
• Organização da igreja e do clube local, sempre que acontecem velórios de
ex-moradores, alguém da localidade ou mesmo seus familiares;
• Revezamento entre as componentes do grupo, para auxílio às famílias do
local, quando alguém das mesmas adoece e precisa se ausentar ou não consegue fazer todos os serviços do dia-a-dia;
• Colaboração nas festas religiosas da comunidade e na tradicional festa da gruta, fazendo doces e preparando a alimentação necessária para esse evento;
• Apoio à campanha do agasalho e natal da criança pobre, coletando donativos e brinquedos na comunidade e entregando os mesmos para a equipe da
prefeitura municipal, que é responsável por essas campanhas;
• Passeios do grupo pelos atrativos naturais da localidade, visitação à cachoeira do macaco-branco e o poço da panelinha;
• Participação em cursos de alimentação, artesanato, turismo entre outros,
ofertados pela Prefeitura Municipal, EMATER e SENAR, onde as participantes após a conclusão dos mesmos repassam os ensinamentos às demais
componentes do grupo.
121
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Figura 01: Foto por ocasião da criação do Grupo Unidas do Lar.
122
DESARROLLO REGIONAL
Ing. Agr. Pedro de Hegedüs (Ph.D)1
Resumen: El artículo analiza las relaciones y significados de desarrollo, desarrollo regional, territorio y capital social. Vincula el rol de la extensión rural a
la construcción de capital social, señalando que en la actualidad la pregunta
relevante en una estrategia de intervención parece ser: ¿cómo cooperar entre
los actores? Jerarquiza la importancia del capital social económico para la sustentabilidad de los emprendimientos y la necesidad de que el mismo se amplíe
con contactos externos a la región, que permitan una reproducción ampliada.
Finalmente señala algunos ejemplos de desarrollo de capital social en Uruguay.
Palabras clave: desarrollo regional, capital social, capital social econômico
INTRODUCCIÓN: UN MARCO CONCEPTUAL
Se sabe que el concepto de Desarrollo, entendido como mejora en la calidad de
vida, va más allá de la dimensión económica de crecimiento. Lo incluye, pero
refiere también a otras dimensiones, como ser la social y la ambiental. Toda la
discusión sobre sustentabilidad esta presente en la manera como actualmente se
conceptualiza el desarrollo.
Las visiones tradicionales del desarrollo con énfasis exclusivo en lo productivo y en la mirada al predio van dejando su lugar a perspectivas más integrales.
Desde las últimas décadas del siglo pasado el concepto de región ha ganado fuerza en las ciencias sociales, como motor de desarrollo. Es decir, las regiones no
solamente son afectadas por la globalización2, sino que poseen potencialidades
1
Profesor del Departamento de Ciencias Sociales, Facultad de Agronomía, UDELAR, Uruguay.
[email protected]
2
Al respecto cabe señalar la inversión en Botnia. La iniciativa aplica mil quinientos millones de dólares y es la inversión mayor recibida en la historia de Uruguay y la mayor de Finlandia en el exte-
125
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
que pueden ser factores endógenos de desarrollo. Esto encierra la discusión de si
el desarrollo se genera de afuera hacia adentro (desarrollo exógeno) o de adentro
para impulsar el desarrollo (desarrollo endógeno).
Procuraremos definir desarrollo regional. Siempre es una abstracción definir una
región. Es un concepto relativo según la información que se cuente y los objetivos que
se persigan. Pero cuando hablamos de desarrollo regional, hablamos de un desarrollo
que procura capitalizar los recursos disponibles en una zona (transformar el espacio en
territorio) o que procura mejorar la infraestructura existente, mediante intervenciones
planificadas, a los efectos de mejorar la calidad de vida en esas regiones como objetivo final. El desarrollo local es parte del desarrollo regional; tiene un objetivo más centrado en
los aspectos sociales a nivel de una micro región. Lo local ha estado asociado a la acción
de las Organizaciones No Gubernamentales (ONGs) que valorizan la acción “local” y el
trabajo directo con la población (el espacio para la participación). Sin duda que la suma
de iniciativas locales de desarrollo contribuye al desarrollo regional.
Debemos tener presente que el desarrollo regional no es solo desarrollo
agropecuario. Los agrónomos hemos contribuido mucho a una lectura de lo rural como equivalente de lo agropecuario y residente en el campo (pero existen
ingresos derivados de otras actividades; y las personas viven en ciudades o pueblos). Es la discusión acerca del concepto de nueva ruralidad. Igualmente hay
un debate acerca de los límites que puede tener una propuesta basada en actividades no agrícolas en el medio rural (de más peso en Europa que en nuestro continente). Es decir, las actividades agrícolas son y continuaran siendo de enorme
importancia para la generación de ingresos.
El concepto de territorio significa justamente la integración de lo urbano y
lo rural, la articulación entre el predio y la región, tomando en cuenta a la pluralidad de actores institucionales (mercado, poder público, sociedad civil), que operan en un territorio determinado, con las asimetrías, contradicciones, problemas,
debilidades y fortalezas presentes. Intenta superar visiones del pasado en donde
existía escasa coordinación y los problemas eran tratados en forma sectorial.
El propio concepto de Desarrollo indica que el desarrollo regional supone el desarrollo de sectores con menores posibilidades: la producción familiar
y los asalariados. Es evidente la necesidad de políticas estatales de apoyo de la
Agricultura familiar / asalariados a diferentes niveles (producción para mercado
interno/ externo, acceso a cadenas, organización, capacitación, derechos). Estas
políticas y las potencialidades que las regiones presentan generan la sinergia
para establecer acciones de desarrollo.
rior. Esto representa un desafío a la fijación de políticas estatales, puesto que estos desequilibrios
regionales, productos de la reorganización de la producción globalizada, causan impactos difíciles
de contrarrestar.
126
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
El desarrollo regional se afirma sobre un territorio. El territorio es el espacio
que tiene un significado para las personas. Por eso el territorio no es un ente pasivo.
Tiene capacidades para reaccionar en forma activa ante políticas y propuestas, o
incluso de generar propuestas (de ahí la noción de espacios “emergentes”, o territorios “inteligentes”, o territorios “innovadores”, o territorios con competitividad, o
territorios ganadores, acuñadas recientemente). Es decir, surge con evidencia que
las regiones tienen potencial para desarrollarse, con cierto grado de autonomía de
los centros más dinámicos ubicados en general en las grandes ciudades.
Estas capacidades se vinculan fuertemente con la existencia de capital social
en el territorio: la integración de actores, personas, redes, trabajando para valorizar
las potencialidades de una región. El capital social implica reconsiderar otra vez la
importancia que los aspectos políticos, sociales y culturales tienen en las estrategias de desarrollo. En las últimas décadas del siglo pasado estos elementos permanecieron relegados por el dominio de una visión economicista, y ahora adquieren de
nuevo la importancia perdida. Son vistos como factores de apoyo para las estrategias de desarrollo, más que elementos “paralizantes” de esas estrategias.
El capital social supone relaciones sociales basadas en la confianza. ¿Alcanza
con estas relaciones para superar la pobreza? La cooperación entre familiares y amigos/vecinos ciertamente puede ayudar a las personas ante situaciones de vulnerabilidad, o en las etapas iniciales de establecimiento de un negocio. Pero para prevenir
estas situaciones de vulnerabilidad, o para ampliar las posibilidades del negocio el
capital social debe ser ampliado con contactos externos a la región, que permitan
una reproducción ampliada (ej., accesos al mercado)3. Las comunidades rurales en
África tienen alta solidaridad al interior de las mismas, pero viven en la pobreza.
¿Quien construye la cooperación? La región puede tener en forma natural una
actitud de cooperación entre sus actores. Pero el proceso puede ser impulsado (o iniciado) por acciones de Extensión4. Las mismas se enmarcan en políticas públicas o desde
actores privados (organizaciones, grupos). Podríamos decir que en el pasado la relación
extensionista – productor se caracterizaba por la pregunta: ¿cómo trasmitir el mensaje?.
En la actualidad la pregunta relevante parece ser: ¿cómo cooperar entre los actores?5.
La Extensión trabaja a los efectos de: i) promover a los sectores carenciados (fortalecimiento del capital humano)y ii) desarrollar el capital social, enten3
Ver Análisis multidimensional de la pobreza en 3 aldeas de Mozambique. Carlos Laucharde et al. p.
40-121. En Políticas publicas y desarrollo rural: Percepciones y perspectivas en Brasil y Mozambique.
J. Almeida (Org.). E-book. Porto Alegre, RS, Brasil: UFRGS.
4
La Extensión puede entenderse como un proceso educativo de trabajo con sectores carenciados con
fines técnicos y sociales.
5
Ver Chía E., Testut M, Figari M, y Rossi V., pag 80, 2003. Comprender, dialogar, coproducir: Reflexiones
sobre el asesoramiento en el sector agropecuario. Agrociencia, Vol. VII, No. 1, 77-91. Montevideo.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
dido como la construcción del tejido socio-organizativo, las vinculaciones entre
organizaciones (en un sentido amplio, desde aquellas legalmente constituidas
hasta grupos de interés) para generar sinergias.
La extensión promueve el capital social (el desarrollo de la capacidad de cooperación) desde una perspectiva integral, que incluye el desarrollo de valores “positivos”,
como participación, solidaridad, cooperación, actitudes favorables hacia la innovación, la organización, las buenas prácticas, y el respeto por el medio ambiente, la capacidad emprendedora (perspectiva “cultural” de capital social) y mediante la construcción de vínculos entre organizaciones para construir sinergias en el área económica, de
asesoramiento técnico y gremial (perspectiva “social” del capital social).
El énfasis en el desarrollo del capital social económico (vínculos entre personas y organizaciones económicas, que actúan en la producción, distribución
o el intercambio de bienes y servicios) es clave en propuestas de desarrollo regional. Esta concentración de actividad económica en una región o territorio,
de empresas, organizaciones y agentes públicos y privados que están próximos
geográficamente e interconectados, se denomina cluster o conglomerado.
Tradicionalmente, décadas atrás, la visión del desarrollo en A. Latina o se restringía al crecimiento económico, o descansaba exclusivamente en las fuerzas sociales. Un gran cientista social brasilero, Celso Furtado (1982) señalaba (subrayado
es nuestro): “... La experiencia ha demostrado ampliamente que el verdadero desarrollo es principalmente un proceso de activación y canalización de fuerzas sociales,
de mejoría de la capacidad asociativa, de ejercicio de la iniciativa y de la inventiva.
Por lo tanto, se trata de un proceso social y cultural y sólo secundariamente económico. El desarrollo se produce cuando en la sociedad se manifiesta una energía
capaz de canalizar, de forma convergente, fuerzas que estaban latentes o dispersas”
Si bien compartimos la base social que tiene el desarrollo, si no vinculamos
la misma en una direccionalidad económica que genere sustentabilidad, las experiencias se agotan rápidamente. Es la integración de lo social y lo económico lo
que genera la verdadera sinergia para generar desarrollo.
ALGUNAS EXPERIENCIAS EN URUGUAY
En Uruguay existen acciones especiales que desde el Estado (Ministerio de Industria, Energía y Minería) promueven el desarrollo de esta visión de conglomerados. Cabe señalar el Programa de Apoyo a la Competitividad y Promoción de
Exportaciones de la Pequeña y Mediana Empresa (Pacpymes) que opera desde
128
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
el 2006. Uno de los conglomerados que se apoyan es el de la quesería artesanal6.
Otro conglomerado es el hortifrutícola del Litoral Norte, básicamente el área de
influencia de la ciudad de Salto. Este conglomerado abastece de hortalizas y fruta
primor al mercado interno un mes antes que el resto de la producción nacional.
Las acciones del MGAP (Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca) tendientes a construir una nueva institucionalidad a nivel departamental mediante
la descentralización (con directores departamentales del MGAP) y la creación
de consejos agropecuarios departamentales y mesas de desarrollo rural (ambos
para alcanzar el desarrollo regional), representan también un ejemplo de construcción de capital social en las regiones. Los Consejos funcionarán en cada
departamento del país y participarán el MGAP con un representante que lo presidirá, uno de la Persona Pública no estatal con mayor incidencia en el Departamento, un representante del Instituto Nacional de Colonización y dos de las
Intendencias respectivas. Los roles serán de difusión, promoción, coordinación,
y apoyo a las Intendencias. Las Mesas de Desarrollo Rural funcionaran en cada
Departamento procurando articular lo publico y lo privado (las organizaciones
gremiales) con una visión territorial para generar procesos de desarrollo local.
CONCLUSIONES
Para finalizar, una de las principales ideas a trasmitir es que las potencialidades de una región no dependen exclusivamente de los recursos naturales con
que se cuentan. La presencia de actores sociales interactuando en conjunto para
alcanzar objetivos comunes mediante una red de relaciones que amplían las posibilidades existentes (condicionadas por los recursos naturales) en los diferentes planos (económico, político, y social) es un hecho determinante. Los actores
públicos (la extensión) pueden aportar mucho a este proceso de articulación público – privado, (vinculando también a actores que no pertenecen a la dinámica
cotidiana, y movilizando a las fuerzas sociales en lo que algunos definen como
un pacto/proyecto de desarrollo territorial.
Si analizamos los sistemas de extensión y transferencia de tecnología exitosos en el país, observaremos que se sustentan en la acción de actores y organizaciones que promueven o en su momento lo hicieron así, alternativas superadoras: i) los grupos lecheros de Conaprole (Cooperativa Nacional de Productores
Lecheros), ii) la articulación de actores en la cadena arrocera y la APA (Asocia6
En Uruguay hay mas de 2.000 Pymes (Pequeñas y Medianas Empresas) en quesería artesanal, en su
mayoría ubicadas en San José y Colonia, con superficies menores a 50 hás, que elaboran quesos en el
predio donde es producida la leche. Producen 9 millones de kilos de queso para el mercado interno.
129
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ción de Productores de Arroz) , iii) la red de grupos CREA articulados en torno
a FUCREA (Federación Uruguaya de Grupos CREA), iv) la difusión de Siembra
Directa a través de AUSID (Asociación Uruguaya de Siembra Directa), v) la red de
cooperativas agrarias del litoral, vi) la Comisión de apoyo vinculada a la Unidad
Experimental y Demostrativa de Young (Sociedad Rural Río Negro – INIA).
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Celso Furtado (1982). A Nova Dependencia, Paz e Terra, 1982, Sao Paulo, Brasil.
130
LA SUCESIÓN COMO UN PROBLEMA DE
SUSTENTABILIDAD EN EMPRESAS FAMILIARES
Julio Perrachon1
INTRODUCCIÓN
Las empresas familiares a nivel mundial, contribuyen en más del 75% del PBI. (1.7)
Sin embargo, apenas el 8% de los emprendimientos familiares, transitan
por la tercera generación, el resto desaparece.
Teniendo en cuenta estos antecedentes este articulo, pretende abordar el
problema de la sucesión de las empresas familiares e identificar cuales son los
posibles caminos para la continuidad de éstas en el tiempo.
Antes de continuar me gustaría compartir algunas frases, que he escuchado más de una vez:
“nadie hace las cosas mejor que yo…”
“…le doy todo y tampoco está conforme…”
“…tengo 30 años y nunca he tenido posibilidad de comprar en una feria o
entrar a un banco”
“…todo lo hacía papá y ahora que falta, ¿qué hago?...”
EMPRESA FAMILIAR
La agricultura familiar en Uruguay representa el 83% de las explotaciones agropecuarias a nivel nacional, abarcando el 24% de la superficie total, ocupando un
porcentaje importante de mano de obra.
1
Ing. Agr. Técnico Regional del Plan Agropecuario, E-mail: [email protected].
131
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
La sustentabilidad de la empresas familiares, está afectada por varios factores, como ser: problemas económicos - financieros, tenencia de la tierra, edad
de los responsables y la transición generacional.
La definición de empresa familiar agropecuaria, que se utilizará es la definida por Ducos et al, 2003 (citado por Thornton, 2005) como “una organización agro-productiva (comercial) cuyos integrantes, pertenecientes a más de una
generación, están vinculados por lazos de parentesco y que, además de aportar
capital, deciden sobre el manejo del negocio y su destino”.
SUSTENTABILIDAD
Según Tommasino et al (2006) (10), sustentabilidad implica permanencia en el
tiempo de formas de producción familiar, con niveles aceptables de calidad de
vida y beneficio económico.
Teniendo en cuenta la dinámica y la complejidad de los predios familiares,
se destaca como uno de los puntos críticos, la sucesión, la que en muchos casos
limita la sustentabilidad de esas empresas.
Los resultados de algunos trabajos a nivel nacional demuestran que, un
porcentaje importante de empresas no son sustentables en el mediano plazo.
Esto se desprende del estudio realizado por Tommasino et al (2006) en empresas
lecheras familiares, donde consultados los/as responsables del predio sobre las
expectativas de continuar ellos mismos o alguien de la familia (hijos/as, hermanos/as u otros) con la explotación; respondieron en un 19% que era poco o nada
probable la viabilidad de continuar en los siguientes 10 años. En otro trabajo,
llevado a cabo en la zona de La Casilla, departamento de Flores, se verifica que
solo el 63,7 % de los socios encuestados, ven probable su permanencia en el predio en un plazo de 10 años, un 23.1% responde que no permanecerá o es poco
probable. Estos datos demuestran que un porcentaje considerable entienden que
su permanencia en la empresa es poco o nada probable.
SUCESIÓN
Es oportuno definir a la sucesión, como la viabilidad de la continuidad de los predios
familiares, en relación a los recursos humanos disponibles en los siguientes años.
En la mayoría de los trabajos de investigación y extensión, el tema sucesión no es presentado como un problema a solucionar.
En cambio, algunos trabajos demuestran la preocupación planteada por
productores familiares, así lo confirma una encuesta realizada en la zona de La
132
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Casilla – Dpto. Flores, donde el 14% de los encuestados afirman que la sucesión
empresarial /familiar es la decisión medular en el mediano plazo.
En muchos trabajos que estudian la empresa familiar, aparece como tema
esencial la de su continuidad, por este motivo la sucesión representa la verdadera “prueba de fuego” para las empresas familiares. Es común que ésta no se
planifique, ni se elija con tiempo a sus sucesores.
Este fenómeno desde el punto de vista práctico, comienza al momento del
nacimiento de los hijos del fundador y no cuando estos ya son mayores de edad.
Por no tener en cuenta este punto, uno de los principales problemas a los
que se enfrentan estas empresas es la sucesión.
El éxito de la transición de la empresa, se ve favorecido en aquellos casos en que:
• se planifica ésta con la mayor anticipación posible y se elabora un plan de acción;
• el líder de la familia es la misma persona que dirige la empresa;
• existe una buena comunicación entre los integrantes de la empresa. Se
realizan reuniones periódicas entre los integrantes, para lograr un buen
entendimiento entre las partes;
• capacidad de delega. Es común el hecho de fracasar tratando de delegar,
esto hace que se refuerce el ego del que hizo el intento, y se escucha muchas veces la siguiente frase: “si no lo hago yo, no lo sabe hacer nadie”. Para
delegar adecuadamente debemos tener en cuenta los siguientes puntos:
estar convencido de que queremos delegar; encontrar la persona adecuada;
comunicar bien la tarea y mantenerse en contacto;
• se logra un ambiente cómodo para todos los integrantes de la empresa y el
reconocimiento hacia los colaboradores, de lo contrario se genera disconformidad, resentimiento, rencores y desmotivación;
• los sucesores tienen experiencia previa y están capacitados. Según Kertész, los niños comienzan su aprendizaje “alrededor de los 4 años, cuando
escuchan las conversaciones de sus padres sobre los avatares del negocio;
no quejas sino solución de los problemas”;
• la empresa sea atractiva para los herederos; e
• se logre la mejor sintonía entre familia y empresa, no confundir temas
familiares con los del negocio.
Esto es mucho más complejo, a medida que aumenta el número de nuevas
generaciones en una familia, debido a que se debilitan los lazos familiares y se
hace más difícil asegurar el afecto entre los miembros de la familia.
Por lo expresado anteriormente y testimonios de productores/as e hijos/as, es
necesario realizar un trabajo con las familias, donde se logre abordar la sucesión de las
empresas familiares y cuales son los posibles caminos de soluciones a estos conflictos.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
REFLEXIONES FINALES
Las empresas familiares son en la actualidad, el corazón del sector agropecuario,
por este motivo es importante la sustentabilidad de éstas, desde el punto de
vista económico, ambiental y social, tanto para la familia involucrada como para
toda la sociedad en su conjunto.
Este trabajo pretende realizar un pequeño aporte a estas empresas desde
el ámbito social, siendo la sucesión uno de los principales problemas que deben
de afrontar las diferentes generaciones, para que estas logren una permanencia
en el tiempo, con resultados acordes a los esfuerzos.
Es oportuno reconocer el papel que poseen estas explotaciones, en todo lo
concerniente al desarrollo sustentable. Thornton (9) lo afirma de manera clara,
expresando que “la empresa familiar agraria tiene responsabilidades en practicar
una agricultura sustentable e integrar cadenas agroalimentarias que respeten
las normas de la sostenibilidad ambiental, económica y social”. Estas empresas
además, “necesitan respetar y hacer respetar las legislaciones sociales y ambientales vigentes, respetar las costumbres sociales y la herencia cultural del lugar o
la región en los que está radicada la actividad”.
A nivel agropecuario es necesario un trabajo más profundo sobre el tema,
en forma participativa entre los involucrados (empresas familiares agropecuarias), instituciones de extensión e investigación, de manera de levantar esta limitante, que puede llegar a poner en riesgo la sustentabilidad de la empresa familiar.
Busquemos entre todos, evitar un viejo dicho:
“abuelo rey, padre príncipe, hijo mendigo”
La sucesión en empresas familiares, es el tema del trabajo final de la
Maestría de Desarrollo Rural Sustentable que comenzare a la brevedad, por
este motivo el autor agradece comentarios y/o experiencias a respecto. Por
favor enviar por carta a: Rivera 409 – Durazno o por correo electrónico a:
[email protected]. Muchas gracias.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Barbeito, S.; Guillén, E.; Martínez, M.; Domínguez, G. 2004. Visión europea del proceso de sucesión en la empresa familiar. Boletín Económico de ICE Nº 2821. del 25
al 31 de octubre. España.
Belausteguigoitia Rius, I. 2003. “Empresas familiares. Su dinámica, equilibrio y consolidación”, McGraw-Hill, México.
Gallo, M. 1998 “La sucesión en la empresa familiar”, Editorial Caixa, Barcelona.
Kertész, R.; Atalaya, C.; Kammerer, J.; Bozzo, R.; Kertész, V. 2006. Manual para la
Empresa Familiar. Editorial de la Universidad de Flores. Buenos Aires, Argentina.
Marqués, J.; González, L.; Oreggioni, W.; Pastorini, M. 2007. “Investigación Acción
Participativa en el Desarrollo del Cooperativismo Rural”. Sociedad de Fomento
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Marqués, J.; González, L.; Oreggioni, W.; Pastorini, M. 2008. Censo Institucional de
la Sociedad de Fomento Rural La Casilla (SFRLC) Proyecto “nuevas prácticas de
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Müller, M. 2008. Las empresas familiares, presentes en la muestra. Redacción de La
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Pereyra, E. 2001. Los 4 errores más comunes que se cometen en empresas familiares.
En Internet.
Thornton, R. 2005. La Empresa Familiar Agropecuaria en la era posmoderna. Editorial De Los Cuatro Vientos. Buenos Aires. p 192.
Tommasino, H.; González, M.; Franco, L. 2005. Sustentabilidad: indicadores socioeconómicos en la producción lechera familiar. En Extensión: reflexiones para la
intervención en el medio urbano y rural. Universidad de la República. Facultad de
Agronomía. pp 101 – 120.
135
Una Experiencia de Desarrollo Local:
“Grutur San Pedro”
Julio Perrachon1
PLAN AGROPECUARIO
A principios de este siglo, el país agropecuario atravesaba una crisis económica –
social muy importante – sin precedentes en el país –, la zona de San Pedro, en el
departamento de Colonia, no era ajena a esta realidad.
Haciendo frente a esta problemática, las familias de la zona priorizaron el
sentido de pertenencia, donde la historia, la cultura, sus antepasados y los recursos
naturales, fueron clave para la búsqueda de nuevas alternativas de desarrollo. La
localidad se ha caracterizado por estar integrada por un grupo de personas unidas
por un objetivo en común, el de fomentar el progreso del vecindario, porque todavía creen y quieren seguir siendo productores rurales, pero son conscientes de
la necesidad de unirse y apostar a rubros complementarios para lograr su anhelo.
Durante todo el año 2000, el Instituto Plan Agropecuario lleva adelante un trabajo novedoso para el país, denominado Proyecto MICRO – PLANIFICACIÓN PARTICIPATIVA, en seis localidades del interior, San Pedro fue una de las zonas elegidas.
Hoy, podemos decir que aquel puntapié inicial, ha sido un pilar fundamental para el desarrollo de esa comunidad, los resultados así lo demuestran.
UBICACIÓN
San Pedro está ubicada al litoral oeste del territorio nacional, en el departamento de Colonia a 15 km. al norte de la capital departamental, por ruta 21.
1
Ing. Agr. Técnico Regional del Plan Agropecuario, E-mail: [email protected].
137
formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Actualmente la zona abarca una superficie de 16.900 has. aproximadamente, ocupadas por productores que explotan predios de 100 has. promedio, en
su mayoría de tipo familiar donde el principal rubro es la lechería, seguida de
invernada vacuna. La base forrajera está constituida por pasturas artificiales en
rotación con cultivos forrajeros y de grano.
Es importante destacar que las familias viven en el predio, poseen un buen
nivel cultural y tecnológico, que unido al constante afán de superación, han logrado el reconocimiento por sus elevados indicadores productivos y el manejo
racional de los recursos naturales.
Existe una vasta red institucional consolidada, a la que están integrados,
donde coexisten escuelas rurales, iglesias, clubes deportivos, cooperativa agraria,
grupos nativistas y grupos de mujeres rurales.
PROYECTO MICRO – PLANIFICACIÓN PARTICIPATIVA
El proyecto fue elaborado y llevado adelante por el Instituto Plan Agropecuario,
donde los principales problemas a nivel nacional percibidos por la Institución
a fines de la década de los noventa fueron: la constante desaparición de las explotaciones familiares; bajo nivel educativo donde el 76,2% de sus titulares, a lo
sumo, tienen escuela primaria terminada (Revista Plan Agropecuario Nº 84 – julio 1998); escasez de programas de capacitación adecuados a la Familia Rural; desarticulación institucional y falta de formación de dirigentes a nivel de organizaciones. En base a las debilidades detectadas se elabora una propuesta por parte de
la Unidad de Desarrollo Rural del Plan Agropecuario, consistente en implementar
un trabajo socio-educativo de base, con dimensión comunitaria, orientado al autodiagnóstico y la identificación de alternativas.
El objetivo general fue; contribuir a la mejora de la calidad de vida de la
familia rural, a través de la capacitación, el estímulo a la iniciativa local y la calificación de la demanda a las instituciones de desarrollo. Como objetivo especifico
se plantea, generar condiciones propicias para que las familias analicen su problemática, identifiquen cursos de acción compartidos y avancen en su relación
con los programas de apoyo.
La estrategia metodológica se basó en reuniones tipo “taller”, con la participación de los diferentes integrantes de la sociedad, aportando elementos que
enriquezcan el análisis y mejoren la capacidad en la toma de decisiones.
Esta iniciativa apuntó a promover un proceso de auto – identificación de problemas, con la posterior elaboración de alternativas y puesta en práctica de planes de trabajo por parte de los involucrados; teniendo en cuenta las diferencias existentes entre
zonas y dentro de las mismas, facilitando la búsqueda de soluciones para cada grupo.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
La ejecución de este proyecto tuvo una duración de doce meses, donde trabajó un equipo multidisciplinario, integrado por un asistente social y un ingeniero agrónomo; el papel de este equipo fue presentar la propuesta, actuar como
facilitadores y acompañar el proceso.
LA EXPERIENCIA DE SAN PEDRO
A principio del año 2000, se inició el proyecto a nivel local, a partir de la propuesta del grupo de mujeres de la Cooperativa San Pedro (CASSPE), el que convocó
a una reunión informativa a todos los delegados de las organizaciones y actores
sociales existentes en la zona.
Luego de varias reuniones en las que se trabajó con metodología “taller”,
se definieron los principales problemas de la zona, destacándose la falta de empleo, merma de los ingresos, emigración de los más jóvenes a la ciudad y falta de
cooperación entre los habitantes. Tomando como base el diagnóstico elaborado
de forma participativa y teniendo en cuenta la buena ubicación geográfica que
posee la zona; se resolvió llevar adelante un proyecto de Turismo Rural, el cual
significaría un verdadero desafío para el lugar.
El grupo estaba integrado por personas que participaban activamente en
las reuniones y otras que lo hacían solo en determinadas actividades todas involucradas con el proyecto.
A partir de largas discusiones y varias propuestas el 23 de agosto de 2000,
se concreta el nombre de Grupo de Turismo Rural San Pedro (GRU.TU.R. San Pedro), el cual se conserva hasta la actualidad; con el fin de desarrollar un turismo
que sin alterar las tareas cotidianas del establecimiento, muestre la vida y las
actividades rurales respetando la naturaleza.
El objetivo de este proyecto fue; generar puestos de trabajo para la zona;
que los habitantes de San Pedro de una u otra forma se involucren en el desarrollo; lograr cambios socio culturales en la forma de vida y en la mentalidad de la
gente; mejorar los ingresos a partir de rubros complementarios y captar el 1% de
los turistas que vienen a Colonia.
Desde sus inicios el grupo se propuso trabajar sin apartarse de los siguientes cometidos:
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MISIÓN
que nuestros visitantes se sientan a gusto y logremos superar sus expectativas mostrando un rincón rural y el trabajo en familia. Lograr el desarrollo local para que las
familias queden en el medio rural. Ser un polo de desarrollo para ejemplo del país.
Durante el primer año y medio de preparación todo el grupo asumió tareas de capacitación permanente, sobre historia general y de la zona, atención
al cliente, entre otras. Otros integrantes se orientaron a temas más específicos
como: cursos de guía turística, artesanías, inglés, gestión y administración de
empresa. Además buscaron asesoramiento sobre Turismo Rural con profesionales de referencia y visitaron otros emprendimientos.
En este período se organizó un programa de difusión muy importante,
para hacer conocer los diferentes emprendimientos:
• la promoción de visitas gratuitas a las escuelas rurales, urbanas y vecinos
de la zona.
• jornadas de “puertas abiertas” invitando a las autoridades departamentales, nacionales y los principales agentes de turismo de la ciudad de Colonia del Sacramento como son: responsables de hoteles, micros y guías de
turismo.
• edición de folletería en forma conjunta, la que se distribuye en puestos de
información turística y en todas las actividades en que participan.
En la actualidad los establecimientos agrupados en GRUTUR San Pedro
que están abiertos al turismo y se pueden contactar por medio del correo electrónico [email protected]; son :
VIVERO – “Quinta Yatay”, recorridas por parques y jardines, más de 500
especies de árboles, arbustos y plantas de interiores.
MUSEO “Tourn”; museo de antigüedades, curiosidades y mecánica en general.
ESTABLECIMIENTO “Los Tres Botones”, paseos a caballo, caminatas al
arroyo y participación de tareas rurales.
PARQUE “Brisas del Plata”, camping con luz y agua, barrancas con depósitos paleontológicos sobre las costas del Río de la Plata.
Estos establecimientos están respaldados por un grupo importante de vecinos y otros emprendimientos turísticos, que se juntan a colaborar al momento
de trabajar por una causa en común.
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LOGROS ALCANZADOS
Los resultados alcanzados en este periodo de transitar juntos han sido varios y significativos, destacándose la realización de la “Fiesta del Campo” organizada durante tres años consecutivos con resultados extraordinarios para la zona, logrando la
visita de más de 5.000 personas. En los últimos tres años se ha participado en un
evento en la ciudad de Colonia del Sacramente denominado “El Campo es Patrimonio”, cuyo objetivo es hacer conocer lo que se hace en el campo, a través de muestra
de artesanías, demostración de variadas actividades rurales y conjuntos musicales.
GRUTUR San Pedro ha participado de diferentes eventos invitado por instituciones nacionales y departamentales, promocionando sus servicios en ferias
y congresos de turismo a nivel local, nacional e internacional.
Anualmente visitan los emprendimientos más de 4.000 turistas, de las más variadas procedencias, entre los que se destacan: europeos, norteamericanos, además
del turismo nacional que año a año se hacen presente atraídos por el buen trato de las
familias, el conocimiento de las actividades de campo y el contacto con la naturaleza.
En la actualidad participan en los “CLUSTER del QUESO ARTESANAL y
del TURISMO” y en la organización de las “RUTAS ALIMENTARIAS” junto a
otras instituciones.
Tal vez los más importantes logros, fueron muchas de las experiencias vividas a nivel personal y colectivas que cada integrante del grupo fue creando en
su interior en este proceso permanente de desarrollo.
Después de siete años, podemos decir que el grupo está consolidado, es de destacar que luego de finalizar el proyecto de Micro – Planificación Participativa y habiendo cesado el apoyo técnico, continúan trabajando en forma conjunta esto demuestra
su solidez y el tener claro cuales son los caminos para lograr sus propios objetivos.
COMENTARIOS FINALES
La modernización y la globalización han sido dos procesos que han afectado de
manera muy fuerte en las últimas décadas a nuestra región. A nivel de los predios familiares pequeños y medianos, los resultados de estos efectos han sido
en general negativos, debido a políticas dirigidas al Desarrollo Agropecuario, en
desmedro del Desarrollo Rural.
Es oportuno destacar tres cambios significativos ocurridos en el entorno
de los predios agropecuarios en estos últimos años, estos son:
Primero: el surgimiento de una “nueva ruralidad”, donde se valoriza lo rural, se rescata la cultura, las tradiciones, desapareciendo las fronteras entre lo
rural y lo urbano.
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
Segundo: la incorporación de actividades complementarias y/o trabajo fuera
del predio, denominada “pluriactividad”; causada por factores tan variados como
culturales, expresados en el intento de preservar la tradición familiar y no abandonar el campo; la presencia de los hijos en el predio y situaciones de crisis económicas.
Tercero: la presencia activa de mujeres y jóvenes, tanto en la participación de la comunidad como en la organización interna de cada establecimiento,
valores creados a partir de las escuelas rurales y cooperativas con el fomento
de grupos y la formación de líderes, principalmente en la década del setenta y
principio del ochenta.
El proyecto de Micro – Planificación Participativa, ha sido una apuesta a la búsqueda de las causas que generan los problemas de las familias rurales, siendo estas
el ingrediente esencial para la elaboración de estrategias de desarrollo participativas.
Este trabajo rescata que para generar un desarrollo a largo plazo es necesario involucrar el capital social (valores, cultura), capital humano (calidad de
vida, salud, educación), la producción y la conservación de los recursos naturales. Donde el desarrollo social es la base para el crecimiento y que los diferentes
actores comiencen a ser partícipes en la adopción de sus decisiones, logrando un
“empoderamiento social”.
A este proceso se hace necesario el acompañamiento de un equipo multidisciplinario, con el respaldo interinstitucional y el apoyo de Políticas Sectoriales
y Económicas acordes a las necesidades del Desarrollo Rural.
La zona de San Pedro, ha vivido grandes cambios, pero cada problema fue
tomado como una oportunidad y cada paso como un logro, siempre convencidos
que la única forma de salir adelante es el trabajo en equipo.
Ante la crisis económica – social vivida en al año 2002, el grupo fue el motor silencioso de la zona para que muchos otros realizaran nuevas experiencias.
“El grupo fue el que nos ayudó a arrancar, nos dio fuerza, coraje y entre
todos fuimos haciendo experiencia, el juntarnos nos permitió conocer y vincularnos con otras instituciones” (Valdito Negrín)
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Técnica de Propagación de Menta,
Cedrón Paraguay y Burrito en el
Distrito de Pedro Juan Caballero 1
Benito Armando Solis2
Ramón Martínez Ojeda2
José Quinto Paredes Fernández2
Victorina Barreto Pérez2
Isabelino Lezcano Sanabri2
Moisés Villalba González2
RESUMEN: Planta medicinal se refiere a cualquier vegetal que contiene sustancias
que la hacen útil para mejorar la salud de las personas o los animales, en una o más
partes (hojas, flores, frutos, semillas, corteza o raíz). A fin de generar informaciones
sobre la propagación de tres especies, fueron realizados experimentos en la finca de
productores del distrito de Pedro Juan Caballero, Amambay – Paraguay. Se puede inferir que cedrón paraguay, burrito y menta se multiplican fácilmente a través de estacas
(esquejes o pedazos de ramas) con dos yemas de la porción basal o media, plantada
en substratos comercial o convencional (suelo tamizado). Los parámetros estudiados
mostraron diferencias significativas para los efectos de localidad, especie y época; no
así para la porción de la estaca y el tipo de substrato empleado. Se consiguió 37.93%
de brotación, 1.77 brotes por estaca y 59.06% de contenido en materia seca. Además,
29.35% de estacas enraizadas con 4.59 raíces/estaca y 42.77% de contenido en materia
seca. Las condiciones climáticas del área de estudio permiten realizar la producción de
mudas y el cultivo de las tres hierbas durante casi todo el año; siendo que la producción
de mudas se realiza mejor en invierno. El uso del invernadero para la producción de
mudas favorece la cantidad de brotes por estaca, el enraizamiento y el número de raíz
por estaca, además del contenido de materia seca de los brotes y las raíces.
Palabras claves: Lippia citriodora, Mentha piperita, Aloysia polystachya.
1
Trabajo de investigación ejecutado por la Cooperativa Héroes del Chaco Ltda. con apoyo de la FCA/
UNA – PJC.
2
Ings. Agrs.; Docentes Investigadores de la Facultad de Ciencias Agrarias, filial Pedro Juan Caballero
(FCA/UNA – PJC). E-mail: [email protected]
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formação de líderes – uma mudança cultural:
novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
INTRODUCCIÓN
La historia del hombre está estrechamente ligada con las plantas medicinales
y aromáticas. Antes de conocer el fuego y domesticar a los animales, su subsistencia dependía en gran medida de las hierbas, los frutos, la miel y los jugos que
extraían de las plantas. Muchas plantas aromáticas y especies como hinojo, anís
y amapola se usaban ya desde 4000 años a. C. (Gómez, 2004).
Las plantas medicinales son vegetales que contienen unos productos llamados principios activos, que son sustancias que ejercen una acción farmacológica, beneficiosa o perjudicial, sobre un organismo vivo (Portalagrario, 2005).
También, cualquier planta que en una o más de sus partes (hojas, flores, corteza,
raíz, etc.) contiene sustancias que la hacen útil para mejorar la salud de las personas o los animales, según Jiménez (2007).
MATERIALES Y MÉTODOS
El ensayo bajo invernadero fue ejecutado en el local del Campo Experimental de la
Facultad de Ciencias Agrarias, ubicado en la localidad de Chirigüelo de la Colonia Raúl
Ocampos Rojas, distrito de Pedro Juan Caballero, situado a 24 Km de la mencionada
ciudad, Capital Departamental. Asimismo en Chirigüelo se instaló un ensayo a campo.
Las experimentaciones a campo fueron desarrolladas en la finca de los productores conveniados, socios de la Asociación de Hortigranjeros de la Feria Libre
de Pedro Juan Caballero. Las localidades donde se instalaron los ensayos en la
finca del productor fueron Cerro Cora’i (Marcelino de Souza); Potrero Sur (Severiano Benítez); Maffussi (Atanasio Mora) y Santa Clara (Gabriela Rojas).
El ensayo fue instalado en dos condiciones, una en ambiente protegido, bajo
invernadero construido con material plástico transparente y, otra en condiciones normales de campo abierto. Fueron utilizados substratos: a) Comercial, b) Convencional.
Las porciones de estacas utilizadas de las especies cedrón paraguay, menta y
burrito fueron la región basal y la región media de la rama. Las épocas en que fueron
instalados los ensayos corresponden a los meses de abril a mayo (periodo invernal)
y noviembre a diciembre (periodo estival). Obtenidos de productores colaboradores.
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
RESULTADOS Y DISCUSIONES
A continuación se presenta el análisis general de los resultados obtenidos
Brotación de las estacas
Estudiando el porcentaje de brotación de las tres especies de plantas medicinales en las condiciones experimentales se obtuvo un valor promedio de 37.93%.
La prueba de significancia (Prueba F) muestra que existen diferencias entre las
localidades, especies y épocas, mientras que la porción de estaca (basal y media)
y el substrato no influyen significativamente en los resultados alcanzados.
Número de brotes por estaca
Es importante señalar, que en los brotes generados por las estacas aparecen primero en las especies de burrito y cedrón paraguay para iniciar la actividad
fotosintética de la planta y para posteriormente dar inicio al enraizamiento, confirmando lo manifestado por Hartmann & Kester (1994) quienes indican que las
estacas deben contener por lo menos dos yemas.
Contenido de materia seca de los brotes
Los resultados experimentales de las variables estudiadas sobre el contenido de materia seca de los brotes , se observa que la localidad, especie y época
mostraron diferencias altamente significativas, sin embargo, no fueron detectadas para la porción de las estacas y el tipo de substratos utilizados.
El valor promedio de 59.06% de MSB es superior a lo encontrado por Barreto (2004) en propagación de cedrón paraguay, estudiadas en el periodo invernal,
con una media de 19,61% de materia seca de los brotes.
Enraizamiento de las estacas
El promedio general de enraizamiento obtenido fue bajo, hecho que se
puede atribuir a problemas de hidratación de las estacas, pues la mayoría fueron
instaladas en finca de productores y no contaban con un sistema automatizado
de riego. La importancia de la hidratación en la propagación de estacas fue relatada por Bautista et al., (1981).
Número de raíces por estaca
Los datos obtenidos para el número de raíces por estaca sometidos a análisis de variancia, muestran diferencias estadísticas para los ensayos realizados en
diferentes localidades, especies y substratos utilizados; y no así para las épocas
estudiadas y las porciones de las estacas empleadas en el experimento. El valor
promedio obtenido es de 4.59 raíces por cada estaca.
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CONCLUSIONES
Del análisis de los resultados presentados se puede inferir que el cedrón paraguay,
el burrito y la menta se pueden multiplicar vía propagación vegetativa, a través de
estacas (esquejes o pedazos de ramas) con por lo menos dos yemas de la porción
basal o media, plantadas en substratos comercial o convencional (suelo tamizado).
Los parámetros estudiados mostraron diferencias significativas para los
efectos de localidad, especie y época; no así para la porción de la estaca y el tipo
de substrato empleado.
La evaluación mostró 37.93 porciento de brotación, 1.77 brotes por estaca y
59.06% de contenido en materia seca, en valores promedios.
En media se obtuvo 29.35% de enraizamiento, 4.59 raíces por estaca y
42.77% de contenido en materia seca.
Las condiciones climáticas del área de estudio permiten realizar la producción de mudas y el cultivo de las tres hierbas durante casi todo el año; siendo que
la producción de mudas se realiza mejor en las condiciones de invierno.
El uso del invernadero para la producción de mudas favorece la cantidad
de brotes por estaca, el enraizamiento y el número de raíz por estaca, además del
contenido de materia seca de los brotes y las raíces.
BIBLIOGRAFIA
ACOSTA, L. 2003. Principios agroclimáticos básicos para la producción de plantas
medicinales. (en línea). Consultado en: www.bsv.sld.cu/revista/pla/vol8 1 03/
pla08103.htm
AGUADO, M. I.; NUÑEZ, M. B.; BELA, A. J.; SOSA, A. C.; SANSBERRO, P. A. 2007.
Ensayos preliminares en Aloysia polystachya (Griseb.) Mold. (Verbenaceae) y sus
tinturas. Latin American Journal of Pharmacy, Chaco, AR. 26 (3): 411-4 (2007).
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novas experiências do Brasil, Uruguai e Paraguai
ANEXOS
Figura 01: Entrevista con productor en su finca.
Figura 02: Invernadero construido en el Campo Experimental de Chirigüelo.
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RESUMO DO CURRÍCULO DOS AUTORES
Gustavo Pinto da Silva: Formado em Técnico em Agropecuária pela Escola
Agrotécnica Federal de São Vicente do Sul (1996), possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Mestrado em Extensão
Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Atualmente é Professor
Efetivo de Sociologia e Extensão Rural do Instituto Farroupilha – Campus de
São Vicente do Sul, atuando nas áreas de desenvolvimento rural, organização de
cadeias produtivas locais, extensão e sociologia rural.
Luis Aquiles Martins Medeiros: Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1990), Mestrado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1999) e Doutorado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (2004). Atualmente é professor de Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Farroupilha, Campus São Vicente do
Sul, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento sustentável
e produção vegetal em base ecológica.
Paulo Roberto Cecconi Deon: Possui graduação em Administração de Empresas pela Universidade Católica de Pelotas (1996), graduação em Agronomia pela
Universidade Federal de Pelotas (1997) e Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2002). Atualmente é professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Farroupilha – Campus São
Vicente do Sul, atuando principalmente nas seguintes áreas: Desenvolvimento
Rural e Produção Vegetal.
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Livro digitalizado composto em Chaparral por Marcelo Kunde em Junho de 2011.