Mobilidade e Sustentabilidade Local e Regional- O caso da
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Mobilidade e Sustentabilidade Local e Regional- O caso da
Mobilidade e Sustentabilidade Local e Regional- O caso da Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul Autora: Rosana Aparecida Guarese Orientador: Oscar Luis Ferreira Rosana Guarese MOBILIDADE E SUSTENTABILIDADE LOCAL E REGIONAL- O CASO DA AGLOMERAÇÃO URBANA DO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista. Curso de pós-graduação lato sensu em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística. Programa de Pesquisa e Pós-graduação. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília. Orientador: Msc.Oscar Luis Ferreira BRASÍLIA 2012 Agradeço aos colegas da AUNe, pelas informações, apoio e força em todos os momentos. Valeu ‘Aunos’! Aos colegas do curso Reabilita, especialmente os moradores de Brasília, que me acolheram em cada uma das viagens com muito carinho. II Sumário Resumo 1. Introdução 1.1. Justificativa 1 1.2. Objetivos e Metodologia 3 2. Mobilidade 2.1. Conceito 4 2.2. O domínio do automóvel e a restrição de uso 5 2.3. Mobilidade associada ao uso do solo 6 2.4. A importância do transporte coletivo 8 2.5.Transporte Ferroviário de Passageiros 2.5.1. Considerações 2.5.2. VLT ou Pré metrô 9 11 3. Sustentabilidade 3.1. Conceito 12 3.2. Mobilidade Sustentável 16 3.3. Mobilidade Sustentável no Brasil 18 3.4. Legislação sobre o tema 20 3.5. Abordagens sobre sustentabilidade analisadas 3.5.1. Transplus 22 3.5.2. Propolis 25 3.5.3. A nova Carta de Atenas 28 4. Estudo de Caso 4.1. Caracterização do território 29 4.2. Mobilidade na Aglomeração 4.2.1. Caracterização 34 4.2.2. Mobilidade local nas maiores cidades 37 4.3. Trem Regional da Serra Gaúcha 4.3.1. O que é o projeto 39 4.3.2. Delimitação do estudo 40 4.3.3. Uso do solo efetivo ao longo do ramal ferroviário 42 4.4. Análise por parâmetros de sustentabilidade 4.4.1. Diretrizes específicas para o projeto Trem Regional 50 4.4.2. Diretrizes para Mobilidade Sustentável 51 5. Considerações finais 54 Referências Bibliográficas 57 III Lista de abreviaturas ALL- América Latina Logística ANTP- Associação Nacional de Transportes Públicos AUNe- Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul. BCSD- Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável de Portugal BNDES- Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CBTU- Companhia Brasileira de Trens Urbanos CEU- Conselho Europeu de Urbanistas COOPE- Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia COREDE- Conselho Regional de Desenvolvimento CMMAD- Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Denatran- Departamento Nacional de Trânsito EIV- Estudo de Impacto de Vizinhança FEE- Fundação de Economia e Estatística IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Labtrans- Laboratório de Transportes e Logística MCidades- Ministério das Cidades PNDU- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNMU- Política Nacional de Mobilidade Urbana PIB- Produto Interno Bruto Propolis- Planning and Research of Policies for Land Use and Transport for Increasing Urban Sustainability RSC- Rodovia estadual ( Rio Grande do Sul) coincidente SMA- Secretaria de Estado e Meio Ambiente Transplus- TRANSport Planning, Land Use and Sustainability UFRJ- Universidade Federal do Rio de janeiro UITP- International Association of Public Transport UNESCO- United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization VLT- Veículo Leve sobre Trilhos IV Resumo Diversos debates e documentos estão sendo produzidos nas últimas décadas, tratando de desenvolvimento sustentável, e a mobilidade nos centros urbanos é um dos assuntos em constante discussão. O crescimento desordenado das áreas urbanizadas, aliado ao aumento da frota de veículos particulares, o foco no transporte rodoviário cada vez mais saturado, e a precariedade dos serviços de transporte público acabam por comprometer a qualidade de vida da população das cidades, gerando profundos impactos. Estudos apontam também a profunda relação entre soluções de transporte e planejamento do uso do solo e a necessidade de uma integração de políticas nestes aspectos. Algumas soluções alternativas aos modos de transporte brasileiros, muito calcados no transporte motorizado e individual, já estão sendo propostas, dentre elas o resgate do modo ferroviário, incentivado por políticas do Governo Federal. Este trabalho analisa a mobilidade através de um projeto para a Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul- AUNe, composta por 10 municípios da Serra Gaúcha, que propõe como solução de mobilidade local e regional o resgate do transporte ferroviário, ligando áreas urbanas dos três maiores municípios que são Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves. O projeto aproveita faixa ferroviária existente, podendo além de resolver questões de locomoção, reabilitar locais degradados e ociosos que hoje cortam áreas centrais destes municípios e, principalmente, ser o motivador de um enfoque abrangente de mobilidade sustentável. O método envolve análise da mobilidade local e regional, com foco no uso do solo ao longo do ramal ferroviário, além do projeto proposto. Através deste conhecimento, são retiradas de estudos europeus, diretrizes pertinentes à situação estudada. Também se fundamenta em levantamento de dados nas prefeituras municipais diretamente envolvidas, e em revisão bibliográfica. Os resultados mostram uma análise global da mobilidade na região e do uso do solo ao longo do ramal ferroviário, além de diretrizes de mobilidade sustentável baseadas nos resultados e recomendações dos estudos pesquisados. Espera-se assim contribuir tanto nas decisões para andamento do referido projeto, quanto oferecer subsídios para discussões de planejamento regional, no âmbito da AUNe. Palavras-chave Transporte sustentável, mobilidade, sustentabilidade V 1. Introdução Atualmente, a mobilidade nas grandes cidades está em crise, sendo que a falta de planejamento, ausência de transporte público eficiente e aumento da frota de veículos são apontados como algumas das causas. O modelo de cidade baseado prioritariamente em transporte rodoviário individual vem se mostrando insustentável, com problemas de congestionamentos, necessidade de grandes áreas de estacionamento e de constantes aumentos da capacidade das vias, além de elevado número de acidentes e poluição ambiental. No caso da Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul- AUNe, a falta de um transporte coletivo regional de qualidade aliado às curtas distâncias entre áreas urbanas e a questões culturais, leva a população a optar pelo automóvel individual. Também contribui para o problema a falta de políticas de mobilidade que reduzam a dependência ao automóvel e a inexistência de planejamento conjunto entre uso do solo e transportes. É fundamental um projeto de mobilidade regional antes que as vias de ligação entre os municípios cheguem à saturação. Em contrapartida, existe há vários anos, mobilização na região para viabilizar a utilização da faixa ferroviária existente, através da implantação de um trem, ligando as áreas urbanas com um transporte de passageiros. Entendendo que um projeto de transporte deva ser pensado sob a ótica da mobilidade, atrelado às diversas políticas integradas, é importante que o mesmo englobe parâmetros de sustentabilidade e planejamento regional, para que possa ser a solução mais viável para o futuro da região. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA (2011) sistemas de mobilidade ineficientes pioram as desigualdades sócio-espaciais e pressionam as frágeis condições de equilíbrio ambiental no espaço urbano. 1.1 Justificativa Desde o ano de 2008, houve grande engajamento dos municípios da AUNe na retomada do projeto denominado “Trem Regional da Serra Gaúcha”, ligando as cidades de Caxias do Sul e Bento Gonçalves, com inúmeras reuniões que definiram encaminhamentos e propostas. Um seminário foi organizado em 2008, pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos- CBTU, através da série de eventos Cidades nos Trilhos, que promoveu ampla discussão por diversos segmentos buscando unir esforços na região para dar andamento ao tema, que já possuía 1 estudo de viabilidade realizado (Simões, 2000). Como membro do comitê técnico da Aglomeração Urbana do Nordeste há sete anos, representando o município de Bento Gonçalves, busquei neste trabalho aprofundar o assunto, organizando e levantando dados e fazendo análises das propostas e da realidade local, segundo parâmetros de mobilidade e sustentabilidade. Percebe-se que, principalmente por parte da classe política envolvida, há uma idéia de que um projeto de transporte ferroviário regional consiste simplesmente em resolver os problemas de invasões das áreas e conseguir verbas para a infraestrutura ferroviária. Não são promovidas discussões sobre uso do solo no entorno e possíveis implicações com a inserção do novo modo de transporte, nem da relação entre a localização das atividades nas cidades com a necessidade de deslocamentos. Também não se desenvolvem ainda políticas que trabalhem a mobilidade dentro dos parâmetros hoje preconizados, com medidas de incentivo aos meios não motorizados e desestímulo ao uso do automóvel individual, atreladas ao projeto de transporte. Muitos municípios ainda possuem dificuldades em trabalhar o grande instrumento de planejamento, que é o Plano Diretor, de forma a realmente pensar um crescimento urbano sustentável, seja por pressões pela especulação imobiliária ou pelo excesso de trabalho do corpo técnico, que acaba focando pouco em planejamento e gastando muito tempo para resolver o dia a dia. Um grande projeto como o proposto pode ser uma oportunidade para trabalhar não só as áreas subutilizadas do extinto transporte ferroviário na região, mas resolver questões de ocupação irregular, qualificar espaços urbanos ociosos, planejar usos do solo futuros compatíveis com um crescimento ordenado e sustentável e qualificar a região, já tão próspera economicamente. Também pode ser uma forma de discussão conjunta de planejamento destas áreas e das políticas de mobilidade, com proposições locais e regionais que reforcem aspectos de sustentabilidade. Este trabalho está estruturado da seguinte forma: o segundo capítulo descreve o conceito de mobilidade e trata das questões relevantes para estudo do tema; o terceiro insere os conceitos de sustentabilidade e mobilidade sustentável, com breve relato sobre a situação e legislação no Brasil e descrição sucinta dos estudos analisados, além das diretrizes deles extraídas; o quarto capítulo é o estudo de caso do projeto Trem Regional da Serra Gaúcha com os resultados obtidos nas análises e o quinto trata das considerações finais. 2 1.2 Objetivos e metodologia O objetivo é o de apresentar o projeto Trem Regional da Serra Gaúcha, estudando através dele, e de dados coletados, a mobilidade nos municípios e na região, e comparar com estudos que relacionam mobilidade e sustentabilidade, buscando pontos de acordo e divergências. Deste modo deseja-se identificar aspectos e diretrizes que possam ser discutidos de forma local e regional. Também foi realizado levantamento de dados sobre o uso do solo nas áreas de entorno do ramal ferroviário, como subsídios para projetos futuros que possam aprofundar as análises. No momento, como não houve a entrega oficial do segundo estudo de viabilidade realizado, e os documentos disponíveis são o termo de referência (AUNe, 2012b), o estudo de viabilidade já realizado (Simões, 2000) e os resultados do Seminário Serra Gaúcha nos Trilhos (Tonus, 2008). Também existem estudos feitos pelo comitê técnico da AUNe, que possui representantes das prefeituras envolvidas e colaborou com os trabalhos até o momento, além de relatos dos participantes quanto ao andamento e definições preliminares. Entendemos ser possível o presente trabalho com este material, aliado ao acompanhamento pessoal de todo o processo e o conhecimento da região, permitindo um entendimento do que é proposto e suas implicações. Além disso, sendo a proposta de formulação de diretrizes globais baseadas no projeto e relacionadas ao tema mobilidade, os dados mostram-se suficientes. Foi realizado levantamento de dados junto à AUNe, além de entrevistas com técnicos de Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves, que são os municípios por onde o ramal ferroviário cruza os centros urbanos. Buscou-se desta forma identificar se os mesmos possuem estudos relacionando o projeto de revitalização da ferrovia com o planejamento local, além de dados de mobilidade de cada município e regional, e de uso do solo ao longo do ramal ferroviário. A partir das informações, foram escolhidos dois estudos europeus que trabalham a questão do transporte relacionada ao uso do solo para serem analisados, tendo como resultado a formulação de diretrizes para as questões locais e regionais. Também foi estudado o documento A Nova Carta de Atenas de 2003, por tratar de cidades em rede e ser bastante pertinente para análises da região no enfoque de planejamento regional. 3 2 Mobilidade Este capítulo trata da conceituação do termo mobilidade, segundo diversos autores, além dos conceitos adotados e que serão utilizados ao longo de todo o texto e que definem a forma como se aborda a apresentação do projeto AUNe e os estudos de caso. Apresenta também análise de aspectos relevantes no estudo do tema, como o domínio do automóvel, a associação entre planejamento de uso do solo e mobilidade, a importância do transporte coletivo e o transporte ferroviário de passageiros. 2.1 Conceito Dois enfoques principais podem ser dados para a definição do termo mobilidade. O primeiro está relacionado diretamente às pessoas que transitam. Dentre estes, Jennifer M. Morris at al. (1979), define como a capacidade do indivíduo de se deslocar de um lugar a outro, dependente da disponibilidade de diversos modos de transporte, atrelando a acessibilidade ao conceito. Para Eduardo Vasconcelos (apud Boareto, 2003, p.48) a mobilidade é associada às pessoas e também aos bens, correspondendo às diferentes respostas de indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento, levando-se em conta as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidos. O segundo enfoque está relacionado às cidades e sua infraestrutura, sendo também definida, pelo Ministério das Cidades – MCidades (2006), como o resultado da interação dos fluxos de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, contemplando meios motorizados e não motorizados. É um atributo da cidade determinado pelo desenvolvimento socioeconômico, pela apropriação do espaço e pela evolução tecnológica, enquanto o transporte urbano refere-se somente aos serviços e modos de transportes utilizados nos deslocamentos. (MCidades, 2006). Na lei que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU (Brasil, 2012), o termo denota a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano. Portanto verifica-se que a mobilidade é entendida englobando todos os aspectos relativos à circulação, de forma mais ampla que o conceito de transporte, passando a agregar não só motoristas e veículos, mas também pedestres, ciclistas, e todos os diferentes modos de deslocamento no espaço urbano, ou seja, tudo aquilo que a infraestrutura implantada proporciona para 4 a circulação. Se pensarmos na situação atual de muitas de nossas cidades, principalmente nas mais densamente ocupadas, veremos que a capacidade de deslocamento está comprometida por congestionamentos, insegurança e degradação da qualidade da infraestrutura. Para o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável de Portugal (BCSD, 2005), a mobilidade nos espaços metropolitanos é hoje uma realidade complexa, marcada pela utilização do transporte individual e ineficiência do coletivo, que tem como conseqüências inúmeros problemas ambientais. A necessidade de grandes deslocamentos e o uso do automóvel individual são apontados como fatores que colaboram para este quadro, e no Brasil esta escolha pode ser atribuída às políticas públicas e questões culturais. 2.2 O domínio do automóvel e a restrição de uso Em nosso país, políticas públicas de incentivo à fabricação e venda de automóveis são estratégias para combater a crise que o mundo vem enfrentando. Raquel Mortari (2009) defende que deveria haver políticas públicas para resolver os problemas de congestionamentos dos grandes centros e que é necessário mudar o padrão de mobilidade. O volume da frota veicular que circula nas cidades acaba levando à necessidade de ajustes na operação e gestão do sistema viário, cada vez mais voltado ao transporte individual, já que como as vias não conseguem acompanhar a necessidade de espaço, o transporte coletivo acaba perdendo a competitividade. Para a Secretaria de Estado e Meio Ambiente de São Paulo- SMA (1997), os congestionamentos são a forma mais explícita da falência do sistema de planejamento de transporte público, pois impedem a grande finalidade do automóvel que é o rápido acesso a pessoas, bens e serviços. Ainda conforme o mesmo documento o automóvel é visto como símbolo de status, poder e riqueza e traz em si grande apelo de liberdade e privacidade e a possibilidade de ampliação do número de horas de lazer do cidadão, sendo um aspecto cultural. Na região em estudo percebe-se muito fortemente este traço, o que leva em municípios pequenos, com possibilidades de realização de deslocamentos por meios não motorizados pelas curtas distâncias, a um uso intensivo do automóvel tanto pela questão cultural quanto pela ausência de políticas para desestimular esta prática. Mortari (2009, p.21) defende que a questão não é a apologia ao não uso do veículo, mas sim ao 5 seu uso racional, mas isto significa mudar totalmente o padrão de mobilidade da maioria da população destas cidades. Mas outras políticas também definem este quadro, já que o planejamento das cidades, a cargo dos seus governantes, também é fator determinante desta situação, porque a localização das atividades pode facilitar ou dificultar o acesso aos bens e serviços, e gerar a necessidade de deslocamentos. 2.3. Mobilidade associada ao uso do solo Historicamente, as possibilidades de locomoção permitiram que as cidades se desenvolvessem de forma mais dispersa. Estudiosos e planejadores entendem, atualmente, que a análise da mobilidade deve ser atrelada à questão do uso do solo, já que o padrão de ocupação de um determinado território afeta diretamente o número de viagens realizadas ou necessárias àquela população. Renata Magagnin (2008, p.25) define que, para contrapor-se a este sistema de planejamento que não atende mais às necessidades urbanas e da população, disseminou-se um processo de planejamento mais integrado entre transporte e uso do solo, trabalhados de forma mais ampla e interligada. Muitos dos problemas de mobilidade se relacionam à falta de planejamento integrado destas variáveis. Também se constata que o desenvolvimento de determinadas regiões em detrimento de outras é determinado por diversos fatores, sendo que um deles é a acessibilidade. Maria P. Morais (2009, p.25) define a questão nestes termos, sendo que para ela a forma das cidades está ligada à evolução no sistema de transportes. Assim, a importância do planejamento de uso do solo atrelado à mobilidade é de determinar as exigências mínimas e controle para que estas áreas possam atender à população em suas necessidades. Mas este planejamento deve ser criterioso, já que José Carlos Mello (1981, p.215) entende que mesmo um sistema planejado, que melhore a acessibilidade de uma área em relação às demais, tenderá a aumentar a população ao longo do seu eixo, o que poderá levar à rápida saturação, além de ser um estímulo à especulação imobiliária. Para o Banco Mundial (2003), o crescimento urbano aumenta as distâncias percorridas e a dependência ao automóvel, mesmo que não aumente o comprometimento do orçamento doméstico no transporte, os tempos de viagem ou os congestionamentos. Renato Boareto (2003, p.48) reconhece o planejamento de uso do solo atrelado à mobilidade. O autor descreve que o problema de mobilidade não é resultado de deficiência técnica ou desajuste da oferta do transporte, mas de 6 um processo de urbanização que causa a fragmentação do espaço urbano, com bairros residenciais cada vez mais distantes dos locais de trabalho e de lazer e levando a população mais carente para a periferia. Defende ainda que esta ocupação gera vazios urbanos, e a estrutura construída para a circulação de automóveis ou transporte coletivo cria áreas degradadas física e economicamente. Ao mesmo tempo, observa-se também que a centralização de atividades, como a construção de pólos geradores de tráfego, muitas vezes acontece em locais distantes onde o acesso só pode ser feito por carro. Nazareno S. Affonso (2002) define esta lógica afirmando que “... a necessidade de movimentação urbana é ao mesmo tempo causa e efeito do desenvolvimento”. Verifica-se, portanto, a importância de um correto planejamento da expansão urbana, através de zoneamentos e localização das atividades, é essencial para a mudança dos padrões de mobilidade. O estudo Propolis (2004) reconhece esta situação complexa de forma muito clara, entendendo a relação direta entre a separação espacial das atividades e a necessidade de transportes. Já a relação inversa e como o desenvolvimento do sistema de transportes influencia nas decisões dos usuários é menos estudada, segundo este documento. O gráfico a seguir mostra esta interação entre as diversas variáveis. Gráfico 1. Ciclo de Interação uso da terra/transportes Fonte: Propolis (2004) adaptado por autora Esta abordagem mostra que a distribuição de usos da terra determina os locais das atividades humanas em geral, cujas interações espaciais requerem um sistema de transportes para superar as distâncias. A localização da infraestrutura de transportes cria oportunidades para interações espaciais, e pode ser medida como a 7 acessibilidade, e esta por sua vez, determina decisões de localização e desse modo, resulta em alterações no uso da terra. Os Estudos de Impacto de Vizinhança - EIV, determinados no Estatuto da Cidade como instrumento para localização de empreendimentos considerados pólos geradores de tráfego, são importantes recursos para o planejamento da ocupação do solo urbano, já disponíveis aos municípios. De acordo com Mello (1981, p.28), os resultados favoráveis de um plano de transporte dependem das medidas tomadas com relação ao uso do solo, restringindo a localização das atividades, ou criando meios que dificultem a construção de prédios que possam trazer transtornos à vida urbana. Isso é de possível aplicação atualmente pelos municípios através do instrumento EIV- Estudo de Impacto de Vizinhança, que deve ser previsto nos planos diretores. Os padrões de uso do solo afetam diretamente as definições de outra política essencial nos deslocamentos: o planejamento e gerenciamento do transporte coletivo. A localização das atividades define as inter-relações e os movimentos necessários, e as densidades de ocupação planejadas também permitem que toda a infraestrutura, inclusive os transportes, possa ser corretamente dimensionada. 2.4 A importância do transporte coletivo Quando a questão da mobilidade nas cidades é discutida, os meios de transporte coletivos são um dos assuntos em destaque na pauta. Uma das afirmações freqüentes é de que é preciso trocar o uso de transporte individual pelo coletivo. A prioridade ao transporte coletivo é parte das novas políticas de mobilidade, quando são considerados como uma alternativa para reduzir o excesso de veículos particulares nas vias públicas. Mas a situação não pode ser encarada de forma simplista, devendo ser essa opção parte de um conjunto de políticas e ações, e, se possível, em diferentes modos integrados e com planejamento de uso do solo. É importante lembrar que a acessibilidade maior que o transporte possibilita, leva a uma ocupação mais fragmentada do espaço. Boareto (2003, pg.48) explica que o transporte coletivo recebeu o papel de solucionar o problema de mobilidade das cidades, mas é preciso transpor distâncias de maneira rápida e o transporte, ao propiciar este deslocamento para cada vez mais longe, colabora para uma ocupação irracional, segundo o autor, criando-se um círculo vicioso, onde o transporte cria distâncias e obstáculos que só ele pode superar. 8 De qualquer forma, o transporte coletivo permite a otimização do espaço das vias públicas, e quando planejado dentro de um projeto global e com políticas adequadas, pode ser uma solução de deslocamento bastante eficiente. O Banco Mundial (2003) entende que o transporte público urbano pode contribuir para a redução da pobreza de forma indireta, pelo impacto que traz para a economia da cidade e o crescimento econômico, e de forma direta, suprindo uma das necessidades diárias dos mais pobres. Desde que aliado a políticas globais de planejamento e busca pela qualidade dos serviços, o transporte coletivo sem dúvida tem importante papel na mudança do padrão de mobilidade necessária para resolver as deficiências de nossas cidades. A melhoria das condições de mobilidade nas cidades pode ser efetivada através da adoção de medidas de gestão da mobilidade, dentre elas: incentivo ao transporte público em detrimento ao privado, implantação de legislação que regule a circulação do transporte, estabeleça critérios para a construção e manutenção do sistema viário, e incentive a utilização de modos de transportes mais sustentáveis, dando prioridade aos modos não motorizados (a pé e bicicleta) e coletivos. Além disso, a diminuição na dependência do automóvel está diretamente associada à reorganização do espaço urbano e à adoção de uma nova política de planejamento do uso do solo vinculada aos transportes, reduzindo a necessidade de grandes deslocamentos (Magagnin, 2008a). Uma das possibilidades para o transporte coletivo atender aos deslocamentos necessários para longas distâncias é a integração modal, e a possibilidade de resgate de um sistema abandonado em nosso país e que tem inúmeras vantagens como estruturador no transporte de passageiros e cargas. Trata-se da utilização dos ramais ferroviários desativados ou subutilizados, e que podem se tornar opção de locomoção com segurança, agilidade e conforto para usuários que hoje optam por veículos particulares em seus deslocamentos. 2.5 Transporte Ferroviário de Passageiros 2.5.1 Considerações As ferrovias representaram uma profunda alteração social em diversos territórios, na medida em que promovendo acessibilidade alteraram as relações econômicas e sociais, sendo responsáveis pelo surgimento de inúmeras cidades ao longo de suas linhas (Setti, 2008). Durante décadas foram grandes indutoras de progresso, e acabaram perdendo espaço com a chegada do automóvel, entrando 9 em processo de decadência, que, no Brasil, aconteceu na segunda metade do século XX. As diferenças de bitolas e deficiências nos traçados, além dos altos custos de construção e períodos longos de retorno dos investimentos, são apontados como motivos para a transferência para as rodovias do papel de destaque nos transportes em nosso país por Josef Barat (1978). Atualmente no Brasil, muitas ações estão se voltando ao resgate deste modo de transporte, além do aproveitamento de áreas abandonadas ou subutilizadas que restaram desta rede. IPEA (2011) entende que o transporte metroferroviário está vivendo uma fase positiva nos últimos dez anos, com investimentos federais na expansão dos serviços. Raul de Bonis Simões (1997) também ressalta que o setor ferroviário vem reconquistando sua imagem de alternativa ecológica, segura e capaz de proporcionar avanços significativos para a qualidade de vida. Esta possibilidade de reativação permite que se desenvolva uma nova modalidade que não ocupa as vias já sobrecarregadas, e permite aproveitar ramais que em muitos casos estão em posições privilegiadas nos centros urbanos para atender a população em seus deslocamentos. No Brasil, desde as primeiras ferrovias, o desenvolvimento do setor ocorreu de forma fragmentada, com ramais de ligação interna, sem uma integração global, e atendendo às demandas de chegada de cargas aos portos. Enfrentamos historicamente dificuldades de implantação relacionadas à falta de financiamentos internos e externos, e uma discussão sobre escolha de bitolas, que levou à adoção de diversas medidas pelo país, e que tira competitividade do transporte ferroviário na medida em que dificulta transportes em distâncias maiores (Setti, 2008). Hoje, o aproveitamento do espaço de alguns destes ramais existentes está sendo pensado inicialmente para atendimento de demandas locais, ligando cidades por onde passam os trilhos, não atrelados a um grande projeto global de integração nacional, que exige construção de novos trechos e maiores investimentos. De qualquer forma, para Simões (1997) o aproveitamento de trechos ferroviários ociosos através do estabelecimento de sistemas de atuação regional tem representado uma alternativa de grande potencial relativamente à prática de eliminação e abandono destes ramais. Uma das modalidades de transporte sobre trilhos é o Veículo Leve Sobre Trilhos- VLT, tendo sido escolhido como alternativa na reativação de diversos trechos no país, dentre eles o ramal da região em análise, que liga Caxias do Sul a Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. 10 2.5.2 O VLT ou Pré metrô O Veículo Leve sobre Trilhos – VLT é uma classificação que abrange, conforme Banco Mundial (2003) desde os bondes nas ruas da Europa Oriental e do Egito aos sofisticados sistemas elevados e completamente segregados de Cingapura. Suas principais vantagens estão no menor impacto na poluição do ar, na indicação de um compromisso com o transporte público e no fato de possuírem uma imagem que propicia apoio para medidas complementares. É uma tecnologia que utiliza trens leves, modernizando os antigos bondes, com características tanto de metrô quanto de trem suburbano, exigindo espaçamentos mínimos entre estações, circulando em geral em superfície e com alimentação por rede aérea. Com o crescimento da demanda, fica mais fácil a implantação de melhorias ou adaptação futura para metrô, por exemplo, já que o espaço já está preservado (Mello, 1981, pg. 99). Estes sistemas implicam grandes investimentos e elevado custo operacional sendo necessário recomendar um exame cuidadoso da sustentabilidade fiscal nos projetos. Sistemas de transporte de massa costumam gerar o maior benefício quando ajustados ao planejamento urbano e política de preços, e quando o custo total dos investimentos tenha sido avaliado antecipadamente (Banco Mundial, 2003). Para isso o passo inicial deste tipo de projeto é um estudo de viabilidade abrangente, que vai analisar as questões ambientais, físicas, econômicas e sociais da proposta. A escolha do modo ferroviário como sistema de transporte para a região em análise permite aproveitar, em grande parte, espaços existentes subutilizados, reduzindo assim o volume de desapropriações e custos de implantação, e trabalhar com uma forma de transporte independente das vias. A existência de áreas urbanas totalmente consolidadas e densas neste percurso necessita de uma solução que possa conviver com edificações próximas e circulação de veículos, com capacidade de integração com o meio urbano e baixo impacto ambiental, características apontadas para o VLT pelo MCidades (2007). O estudo de viabilidade em andamento deve apontar se esta modalidade é a mais adequada considerando outros fatores, como distância a ser percorrida relacionada à velocidade e tempo total de viagem. Para Mello (1981), um dos aspectos de grande relevância no planejamento dos transportes é justamente a escolha modal, já que cada tecnologia tem suas vantagens e limitações, e operam melhor em determinadas condições. 11 Com o correto entendimento do conceito de mobilidade e dos principais fatores que são essenciais para seu estudo, e verificando que os padrões de deslocamentos em nossas cidades não atendem satisfatoriamente estas definições sendo responsáveis por muitos problemas urbanos, busca-se entender de que forma esta situação pode ser revertida. Uma nova abordagem, presente em estudos europeus, relaciona a mobilidade e transportes aos conceitos de sustentabilidade, agregando princípios sociais, econômicos e ambientais em busca da redução dos impactos nos padrões de qualidade de vida das comunidades gerados pelos deslocamentos. 3. Sustentabilidade Este capítulo analisa o conceito de sustentabilidade através de diversos documentos, identificando os aspectos envolvidos, além do conceito de mobilidade sustentável, importante para o entendimento das conclusões deste trabalho. Discorre, ainda, sobre a mobilidade sustentável no Brasil e a legislação sobre o tema, e apresenta os estudos escolhidos para análise e as diretrizes dele extraídas. 3.1 Conceito Muito se discute sobre a forma de desenvolvimento que vem sendo adotada em nossa sociedade, especialmente após a revolução industrial, como sendo insustentável. Inúmeras conferências debateram questões globais e formularam documentos com ações possíveis para os problemas verificados e debatidos, trabalhando questões de sustentabilidade. O marco inicial deste processo aconteceu em 1972 em Estocolmo, Suécia, com a I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo resultado mais conhecido foi o Relatório “Nosso Futuro Comum”, realizado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento comumente conhecido como Relatório Brundtland, sobrenome de sua presidente, Gro Harlem Brundtland. Este documento projetou o conceito de desenvolvimento sustentável mundialmente, relacionando-o com crescimento econômico, mas deixando claro que o desenvolvimento sustentável exige que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto aumentando o potencial de produção quanto assegurando as mesmas oportunidades para todos. Outro marco significativo é a Conferência Rio 92, que gerou o documento denominado Agenda 21, além de desdobramentos locais. Para Ulisses Franz Bremer (2004), este encontro político encerra uma época de interesse eventual pelo 12 meio ambiente por parte dos governos de muitos países, mesmo sem uma imediata compreensão da complexidade dos temas discutidos. Rualdo Menegat (2004) defende que a Agenda 21 implica num compromisso ético das gerações atuais em relação às futuras e verifica-se no documento que o mesmo destaca este aspecto, defendendo a possibilidade de desenvolvimento sem destruir o meio ambiente e trazendo em si a idéia de uma união de todos os países para evitar a catástrofe global ambiental (BRASIL, 2000). Ignacy Sachs (apud Clóvis Cavalcanti, 1995) formulou princípios da nova forma de desenvolvimento voltado às questões ecológicas, com os seguintes aspectos: a) satisfação das necessidades básicas, b) solidariedade com as gerações futuras, c) participação da população envolvida, d) preservação dos recursos naturais, e) sistema social garantindo emprego, f) segurança e respeito às diferentes culturas, g) programas de educação. Cavalcanti (1995) define que o termo sustentabilidade significa a possibilidade de obtenção de condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas e seus sucessores em um determinado ecossistema, e que o conceito equivale à manutenção de nosso sistema de suporte à vida. Para o autor, a colocação do Relatório Brundtland, atribuindo a necessidade de elevação dos níveis de atividade econômica mundial para acabar com a pobreza, deve também respeitar os limites de sustentação do planeta. Defende a necessidade de mudanças profundas no sistema econômico vigente, com consumo mais consciente e um estilo de vida mais desapegado de bens materiais, um modo mais austero de vida, inclusive com renúncia ao desenvolvimento macroeconômico. Este entendimento voltado à questão dos recursos naturais que trata a expansão da atividade econômica como possível predadora e prejudicial evoluiu, e modernamente, a questão econômica é também um dos pilares da sustentabilidade. Isso se deve ao modo de vida capitalista desenvolvido pela sociedade ao fato de que na medida em que o processo de globalização traz ainda mais desafios às cidades, estas passam a competir economicamente com as demais. Mas uma variável não deve ser pensada isoladamente, sendo sempre atrelada aos demais aspectos envolvidos. A Agenda 21 (Brasil, 2000) destaca os aspectos econômicos e 13 sociais quando trata da sustentabilidade de assentamentos urbanos, cujo objetivo geral é melhorar a qualidade social, econômica e ambiental dos assentamentos humanos e as condições de vida e trabalho de todas as pessoas, em especial dos pobres de áreas urbanas e rurais. Outro aspecto envolvido no conceito de sustentabilidade é o social. Este modo de vida urbano que o ser humano desenvolveu, precisa de soluções tanto para que continue economicamente viável quanto para que proporcione qualidade de vida aos seus habitantes, já que as desigualdades na distribuição de recursos, um dos grandes problemas de nossas sociedades, tem levado a discussões de busca por gestões mais democráticas e participativas. Os governos estão cada vez mais sendo cobrados para que compartilhem com a sociedade as definições e decisões. MCidades (2006) defende que para alcançar a sustentabilidade, deverão ser buscadas novas formas institucionais ou procedimentos operacionais, além da participação dos usuários nas decisões e gestão dos sistemas. Também vemos este enfoque em documento da UNESCO (2004), onde sustentabilidade refere-se: a) às maneiras de se pensar o mundo e as formas de prática pessoal e social que resultam em indivíduos com valores éticos, autônomos e realizados; b) comunidades construídas em torno a compromissos coletivos, tolerância e igualdade; c) sistemas sociais e instituições participativas, transparentes e justas; d) práticas ambientais que valorizam e sustentam a biodiversidade e os processos ecológicos de apoio à vida. Bremer (2004) coloca a questão social através de um enfoque mais político, quando defende que a sustentabilidade passa pela administração democrática das cidades, pela função social da propriedade, e a adoção de mecanismos de manutenção dos atuais recursos para as gerações futuras. Entende ainda que é importante a garantia de prevalência dos interesses comuns sobre os direitos individuais e que os cidadãos participem nos processos de decisão, além do fortalecimento da autonomia dos governos locais. Estes princípios são garantidos pela legislação brasileira, através da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade (Brasil, 2005), que determina que os Planos Diretores dos municípios implementem a gestão democrática e a participação na gestão de seus territórios. A partir desta lei, e da elaboração dos Planos Diretores 14 participativos, verifica-se em muitos municípios a busca pela melhor forma de implementar estas determinações, que dependem de gestores e população capacitados e conscientes de direitos e deveres. A própria Agenda 21 (BRASIL, 2000), fala da importância das ações do poder público no âmbito municipal, colocando que as autoridades locais constroem, operam e mantém a infraestrutura econômica, social e ambiental, supervisionam os processos de planejamento, estabelecem as políticas e regulamentações ambientais locais e contribuem para a implementação de políticas ambientais. Estando mais próximas do povo, desempenham um papel essencial na educação, mobilização e resposta ao público (CNUMAD, 2012). Enfoques abrangentes relacionam os três aspectos e acrescentam novos componentes à discussão. Para Maganin (2008) o desenvolvimento sustentável associa e estabelece correlação entre as dimensões ambiental, econômica e social, garantindo eficácia econômica, proteção do meio ambiente, sem perder de vista as questões sociais como a luta contra a pobreza, as desigualdades, a exclusão e a busca da eqüidade. Hartmut Bossel (1999) acrescenta outras dimensões ao desenvolvimento sustentável da sociedade: material, ambiental, ecológica, social, econômica, jurídica, cultural, política e psicológica. Sem dúvida a definição inicial que tratava de aspectos puramente ambientais e buscava soluções para o esgotamento dos recursos naturais do planeta com um novo modelo de desenvolvimento, foi ampliada. A partir destas discussões vários países passaram a se comprometer, em maior ou menor grau, com as questões ambientais, e com o tempo melhorou o entendimento de que é possível conciliar o crescimento econômico com a equidade social e a sustentabilidade ambiental. Conforme UNESCO (2005), diversos interlocutores interpretaram de maneiras diferentes a definição do Relatório de Brundtland, mas o elemento humano é fundamental e a importância tanto das relações sociais e econômicas entre as pessoas e instituições quanto entre sociedade e recursos naturais para o progresso em direção ao desenvolvimento sustentável. Muitas áreas do conhecimento passaram a estudar estes conceitos sobre novos enfoques, buscando entender a sociedade sobre seus diversos aspectos e buscar as soluções aos seus problemas e desafios, dentre eles os relacionados à mobilidade de bens e pessoas nos meios urbanos. 15 3.2 Mobilidade Sustentável Sendo a mobilidade um dos parâmetros que possibilitam a análise do índice de qualidade de vida da população, pretende-se atualmente incorporar aspectos de sustentabilidade a este tema, gerando o conceito de mobilidade sustentável. Esta definição aparece em pesquisas realizadas na União Européia, no projeto PROPOLIS (2004) onde o desenvolvimento sustentável consiste nos três componentes de sustentabilidade interligados: ecológico ou ambiental, social ou humano e econômico, e onde o transporte urbano é um dos principais aspectos considerados na busca da sustentabilidade, tendo em vista os impactos gerados sobre as cidades. A mobilidade urbana sustentável, portanto é definida em função da existência de um sistema de transporte capaz de proporcionar oportunidades de cobrir as necessidades nesses três componentes, de forma eficiente e eqüitativa, permitindo deslocamento continuado de pessoas, bens e serviços, evitando os impactos negativos e os custos associados (Carmem L. Mollinedo, 2006; BCSD, 2005). Ambientes de qualidade que incentivem a locomoção a pé, de bicicleta e o uso de transporte público ajudam na interação social e cultural nas cidades, criando comunidades saudáveis, incentivando a responsabilidade social e promovendo o contato humano (UITP, 2003). Para a Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP (2003), Mobilidade Urbana Sustentável é o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizado de maneira efetiva, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Já o projeto Prospects (2001) define que um transporte urbano sustentável fornece acesso a bens e serviços de forma eficiente para todos os habitantes da área urbana, num enfoque também social. O projeto destaca também outros parâmetros, como a proteção ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e aos ecossistemas para a presente geração, e as possibilidades das gerações futuras para alcançar pelo menos o mesmo nível de bem-estar, incluindo o relacionado ao ambiente natural e ao patrimônio cultural. Vários autores também relacionam os transportes urbanos a um enfoque ambiental, verificando a direta relação entre a qualidade destes serviços e impactos como ruídos, emissão de poluentes e degradação do meio. Mello (1981) aponta um profundo relacionamento entre transportes urbanos e o meio ambiente e sugere que 16 os possíveis danos à natureza devem ser considerados na formulação de políticas para a mobilidade, sob pena do comprometimento da qualidade de vida, a desvalorização de áreas residenciais, além de prejuízos à ecologia e aos usuários dos sistemas. Desta forma, não apenas a existência de meios de locomoção eficazes, mas também o planejamento de políticas nas diversas áreas associadas é essencial na busca pela sustentabilidade. Morais (2009) indica que a melhoria das condições de mobilidade e de gestão do uso do solo traz amplos benefícios sociais, econômicos e ambientais que contribuem para o combate à segregação espacial tornando as cidades mais seguras, harmoniosas, inclusivas e sustentáveis. Neste cenário, os acidentes de trânsito são responsáveis por expressivo número de mortes e mutilações em todo o mundo, causando grandes custos aos sistemas de saúde, sendo a questão da mobilidade importante na área de saúde e segurança. Segundo a International Association of Public Transport (UITP 2003), a relação direta entre o número de pessoas mortas ou mutiladas nas estradas e o número de viagens feitas de carro em uma comunidade demonstra a necessidade de promoção do transporte público de boa qualidade. O mesmo documento relaciona ao conceito de mobilidade sustentável três componentes da sustentabilidade: sociedade e qualidade de vida de seus membros; economia ligada ao desenvolvimento combinado com sistemas de transporte sustentável, e ambiente, com projetos a longo prazo respeitando todas as formas de vida. Defende que o transporte deve ser acessível, disponível e sustentável e destaca sua importância quando determina que a mobilidade sustentável é a pedra fundamental do desenvolvimento sustentável. Com o intuito de promover a mobilidade sustentável, o MCidades (2007) sugere que é preciso reverter o atual modelo brasileiro, por meio da integração entre mobilidade e gestão urbanística, incorporando princípios de sustentabilidade ambiental e promovendo a inclusão social. As cidades que implementam políticas de mobilidade sustentável promovem dinamismo nas funções urbanas, melhorando a circulação de pessoas, bens e mercadorias, que levam à valorização do espaço público e ao desenvolvimento econômico e social. (MCidades, 2006). O item a seguir apresenta de maneira sucinta a formulação desta política e sua implantação em âmbito nacional. 17 3.3 Mobilidade Sustentável no Brasil A opção histórica do país por políticas de incentivo ao uso do automóvel individual gera impactos sociais (exclusão social, individualismo, violência no trânsito), ambientais (poluições diversas) e econômicos (congestionamentos e perdas pelo setor de produção), e é uma das variáveis envolvidas na atual crise de mobilidade. De 1950 a 2005, conforme dados de IPEA (2011), a matriz de transporte no Brasil teve uma mudança de perfil, passando de essencialmente pública e movida à eletricidade (bondes e trens), para pública e privada e dependente de combustíveis fósseis. Em contrapartida, o uso do transporte público sofreu queda, com o aumento do uso do individual e, conforme Affonso (2009), esta política rodoviarista e focada no veículo individual, levou ao fim dos bondes, ao sucateamento das ferrovias urbanas e a redução de cerca de 20 bilhões de passageiros entre 1992 e 2005 no transporte público. Para Valério A.S.Medeiros (2009) o quadro atual é herança de um processo histórico de urbanização, em que a ausência ou ineficiência de políticas urbanas permitiu uma expansão da cidade sem que fossem observadas questões globais, e o legado à cidade contemporânea é uma fragmentação espacial sem precedentes. Aliado a esta base viária está o fato do crescente aumento de frota, apoiada em políticas de incentivo à produção e venda de automóveis, aumento do poder aquisitivo, falta de políticas para o transporte coletivo, e perspectivas de colapso de mobilidade com tempos de deslocamento cada vez maiores. Os dados do IPEA (2011) sobre divisão modal em 2007 em municípios com mais de 60.000 habitantes, confirmam um padrão de deslocamentos com grande predominância no automóvel individual, e a inexpressiva participação do transporte sobre trilhos e da bicicleta em nosso país. Foi constatado por este estudo que a frota circulante no ano de 2007 era de 20 milhões de veículos, sendo 15,2 milhões de automóveis e veículos comerciais leves (75,2%) responsáveis por aproximadamente 148 milhões de deslocamentos nas áreas urbanas desses municípios. O gráfico a seguir demonstra a divisão modal apontada neste estudo. 18 Gráfico 2. Divisão Modal em 2007 Fonte: IPEA(2011) O reflexo desta escolha é a perda de competitividade do transporte público levando a um aumento do uso do veículo individual, e um trânsito cada vez mais caótico, com necessidade crescente de espaço viário. Para a UITP (2003), os automóveis particulares são menos eficientes do que outros modos, pois consomem áreas urbanas para circulação e, especialmente, enormes quantidades de espaço para o estacionamento onde ficam a maior parte do tempo. O estudo aponta que o carro particular passa 90% (ou 22 horas por dia) da sua vida estacionado ocupando quantidades enormes de espaço urbano valioso. O gráfico abaixo demonstra o comparativo entre o aproveitamento do espaço público nos diferentes modos, conforme o espaço que estes ocupam, relacionado ao número de pessoas que atendem. Verifica-se que o veículo particular é a pior situação e o transporte de massa sobre trilhos tem o melhor aproveitamento. Gráfico 3. Número de pessoas que usam um espaço de 3 a 5 m de largura durante uma hora nos diferentes modos. Fonte Botma & Pependrecht (apud UITP,2003) 19 Os incentivos do governo federal à fabricação e venda de automóveis são defendidos como estratégia para combater a crise, mas por outro lado enchem as cidades de veículos individuais, não colaborando para a necessária mudança de cultura que precisamos para resolver os problemas de deslocamento nas cidades. Mortari (2009) entende é necessário mudar o padrão de deslocamentos por meio da definição de políticas públicas, mas é importante que estas sejam integradas nas diferentes esferas, e também nos diversos aspectos relacionados às cidades. Um exemplo pertinente desta necessária integração é o caso das políticas públicas de incentivo às habitações populares. Importantes para suprir a demanda por moradia, programas federais implementados nos últimos anos acabaram, em muitos casos, em ocupações com grande densidade em áreas menos valorizadas e distantes da infraestrutura, segregando usos e levando a uma demanda por locomoção e sobrecarga da rede viária tanto para estacionamentos próximos a estes empreendimentos quanto para circulação no entorno. Isso mostra a importância de uma visão sistêmica por parte dos governantes em relação à questão, além da necessária definição de marcos legais que estabeleçam os parâmetros e regras para o desenvolvimento dos setores relacionados à mobilidade, que começam a se delinear no país a partir do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2005) e seus novos instrumentos legais. 3.4 Legislação sobre o tema A legislação brasileira vem avançando na última década nas questões de planejamento urbano e mais recentemente de mobilidade. O Código de Trânsito Brasileiro – CTB, Lei Federal n° 9.503, de 23 de setembro de 1997, ao definir a constituição do Sistema Nacional de Trânsito, inclui a participação dos municípios no sistema e define as competências com relação ao planejamento, projeto, regulamentação e operação do trânsito. Dentre a legislação produzida, também o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2005), promulgado em 2001, (Lei Federal 10.257/2001) é responsável pela criação de alguns novos instrumentos de gestão urbana, dentre eles o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para pólos geradores de tráfego. A partir desta lei passaram a ser produzidos planos diretores que, na prática, pouco apresentam com relação à mobilidade, muitos apenas com diretrizes, além de estudos de estruturação básica do sistema viário com definições de hierarquia e gabaritos. 20 Em 2007, o Ministério das Cidades editou um caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (MCidades, 2007) obrigatório às cidades com mais de 500 mil habitantes. Em 03 de janeiro de 2012, foi promulgada a Lei 12.587 (BRASIL, 2012), que institui as diretrizes da política nacional de mobilidade urbana e torna obrigatória a execução de Planos Diretores de Mobilidade Urbana em três anos, para municípios com mais de 20.000 habitantes. Desta forma a abrangência do planejamento de mobilidade foi ampliada e as cidades serão obrigadas a discutir, planejar e repensar seus sistemas de transporte urbano e sua acessibilidade dentro dos próximos anos. Estes planos de mobilidade devem atender às premissas da legislação, como a prioridade para meios não motorizados e estímulo do transporte coletivo, contrapondo-se à política nacional ainda em vigor, de incentivo à indústria automobilística por meio da redução de impostos para a aquisição de veículos. Portanto, ainda é necessário integrar estas novas regras com a política geral do país, sob pena da legislação, mesmo aplicada, não surtir o efeito desejado. Devem ainda ser compatíveis com as políticas dos planos diretores municipais e o planejamento de uso do solo deve ser pensado também dentro desta ótica. É necessário ainda que o planejamento seja condizente com a realidade de cada município e suas reais necessidades, considerando que em municípios pequenos o transporte coletivo ainda pode ser inviável por questões de escala, mas por outro lado o deslocamento por meios não motorizados pode ser mais viável que em grandes centros. É importante lembrar que o sistema viário ultrapassa o limite das cidades, sendo necessária uma visão mais ampla e regional em alguns casos. BRASIL (2005) coloca que é desejável e necessária uma ação integrada entre municípios, especialmente no caso de Regiões Metropolitanas e dos Aglomerados Urbanos, que é o caso do objeto deste estudo. Logicamente, com regiões urbanizadas conurbadas e interdependentes, os problemas de deslocamento deixam de ser apenas de esfera local, e as definições conjuntas tendem a ser mais eficazes. Para isso, faltam políticas estaduais e nacionais que realmente fortaleçam e estruturem entidades regionais de discussão e planejamento, como a Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul. Apresenta-se a seguir dois projetos de mobilidade sustentável realizados na Europa a partir do ano 2000, que relacionam a mobilidade ao planejamento de uso do solo e funcionam como balizadores para o estudo de caso desta pesquisa. 21 Também é analisado o documento denominado “A nova Carta de Atenas”, que traz subsídios relacionados ao planejamento urbano e regional. 3.5 Abordagens sobre mobilidade e sustentabilidade analisadas Para a análise do estudo de caso deste trabalho, além das definições sobre sustentabilidade e mobilidade, foram pesquisados dois projetos europeus que relacionam diretamente estes conceitos, e que além de definirem programas e ações, possuem um conjunto de recomendações. Os projetos apresentados a seguir, Transplus e Propolis, foram escolhidos pela importância de seus resultados para a comunidade européia e também pela quantidade de informações disponíveis para pesquisa. 3.5.1 Transplus O Projeto Transplus - TRANSport Planning, Land Use and Sustainability (2003) foi financiado pela Comissão Européia com o objetivo de identificar as melhores práticas relacionadas a políticas de transportes e uso do solo, buscando padrões de sustentabilidade ligados à mobilidade. O trabalho desenvolveu estudos de caso de dez cidades européias, e tem como resultados indicadores e políticas integradas de uso do solo e transporte, e modelos de análise. Buscou mostrar os resultados de investigação de programas implementados nas cidades analisadas e sua eficácia, para interessados em estudar ou resolver os problemas de mobilidade. O projeto se propõe a estudar o tema transporte com o acréscimo de alguns outros aspectos, como uso do solo, participação e sustentabilidade. Dentre os resultados, são destacadas algumas diretrizes para a mobilidade sustentável, classificadas por assunto para melhor entendimento. a) Promoção do transporte coletivo - Trabalhar a acessibilidade e alternativas de transporte (caminhos de pedestres, transporte público, partilha de automóveis, etc.) estimulando a utilização mista dentro das cidades e reduzindo a dependência do automóvel e do transporte motorizado individual; - Criação de zonas “car free”, baseado no pressuposto de que para proprietários sem automóvel é mais atraente viver num ambiente em que o impacto dos automóveis nos níveis de ruído, qualidade atmosférica, segurança ou estética é reduzido ou inexistente; 22 - Criar regras de estacionamento na política de localização e nos regulamentos de construção, pensando o planejamento de novos empreendimentos com restrição ao automóvel. b) Políticas orientadas à redução da necessidade de deslocamento - Criar políticas locais e regionais que integrem uso do solo, orientadas para a redução da necessidade de grandes deslocamentos, mantendo a integração espacial e o acesso a serviços e oportunidades; - Estudar a estratégia de ‘concentração descentralizada’, que prevê a concentração do crescimento urbano em sub-centros em torno de nós ou corredores de transporte público. c) Promoção de meios não motorizados - Trabalhar as possibilidades de acesso por meios não motorizados com: políticas de criação de novos centros, regeneração de espaços abandonados, oferta de comércio, lazer e serviços em áreas próximas da habitação; - Desenvolvimento de uma estratégia para pedestres/ ciclistas: criação uma rede ciclável hierarquizada e adaptada à dimensão da cidade num ambiente atraente e que faça a ligação entre diferentes locais e facilidades, além de estar ligados às redes regionais. Simultaneamente, os conflitos entre ciclistas, pedestres e automóveis devem ser reduzidos; - Desenvolvimento da utilização mista das curtas distâncias: como a distância curta de deslocamento é a razão principal para a escolha de meios não-motorizados, a estrutura urbana é de importância primordial para a promoção de deslocamentos de pedestres e de bicicleta. d) Promoção de alternativas de transporte - Criar alternativas atraentes e amigas do ambiente para competir com os automóveis particulares mesmo para deslocamentos de longa distância; - Combinação de ferrovias para transporte de passageiros com esquema de taxação da via pública, encorajando uma maior utilização dos transportes ferroviários de passageiros e gerando receitas para pagá-los. 23 e) Aspecto social/participação da comunidade - Reduzir as disparidades de custo de vida, deslocamentos e prestação de serviços públicos, sem dificultar o desenvolvimento das economias urbanas e regionais; - Facilitar o acesso a um leque maior de empregos no mercado de trabalho local; - Reforçar as ligações entre as diferentes esferas e instituições através da cooperação, assim como com parceiros privados e comunidade, buscando redes de discussão de transporte e uso do solo e participação integrada para decisão de políticas, atividades de planejamento, implementação e monitoramento; - Manter o processo totalmente participativo, com a população envolvida e com informação sobre as discussões e definições, criando redes de discussão permanente entre diversos segmentos sociais nos setores de transportes e uso do solo. f) Integração de políticas - Promover a integração entre os responsáveis pelo planejamento dos transportes e do uso do solo nos municípios, para que a estrutura administrativa colabore com a adoção das novas políticas coerentes nos dois setores com um objetivo comum; - Facilitar a implementação de programas de cooperação regional em que cidades com problemas e objetivos semelhantes se associam para atingir objetivos semelhantes; - Facilitar a transposição de formas institucionais cuja eficácia já se encontre comprovada (por exemplo autoridades regionais, projetos de associações públicoprivadas, formas de associação intermunicipal,etc.). g) Aspecto Ambiental - Definir objetivos para a qualidade do ar na região destinados a evitar, impedir ou reduzir os efeitos nocivos à saúde humana e ao ambiente em geral e avaliar a qualidade do ar na região com base em métodos e critérios comuns; - Promover a utilização de veículos de emissões reduzidas para os transportes públicos; - Renovação de estações ferroviárias e das áreas circundantes às estações constituindo novos centros e portas de entrada para a cidade. A regeneração do edifício da estação, incluindo a preservação de estruturas históricas, pode melhorar a sua integração no ambiente urbano endossando uma diversidade de utilizações 24 perto da estação, por exemplo, locais de trabalho, habitação, comércio, facilidades de lazer ou culturais e serviços, etc. h) Planejamento uso do solo - Promover um desenvolvimento regional mais equilibrado através da redução das disparidades nas atividades econômicas e da manutenção da viabilidade das comunidades rurais e urbanas - Políticas de usos do solo para aumento da densidade urbana ou do uso misto de solo, integradas com medidas que tornem os deslocamentos de automóveis mais caros. A conclusão global do documento destacada no projeto é a necessidade de promover redes de discussão entre políticos, funcionários públicos, representantes de interesses privados, ONGs e grupos de cidadãos, investigação especializada e universidades com competência nos setores de transportes e usos de solo, visando um trabalho conjunto facilitando a implementação das políticas. Por isso são destacadas diretrizes específicas de troca de experiências entre os envolvidos, listados a seguir. a) Transferência de boas práticas - Estabelecimento e manutenção de bases de dados de instrumentos de políticas, boas práticas, etc.; - Organização de “workshops”, mesas redondas, visitas individuais, em que os responsáveis pelo planejamento ou os decisores políticos das diferentes autoridades (nacionais, regionais e locais) se encontram e trocam as suas experiências sobre práticas dignas de nota; - Promover redes regionais para aumentar a acessibilidade a conhecimentos partilhados por parte dos envolvidos no planejamento de mobilidade e usos do solo. 3.5.2 Propolis O Propolis Planning and Research of Policies for Land Use and Transport for Increasing Urban Sustainability é um projeto de pesquisa que iniciou em 2000 e realizou estudos em diversos países, pesquisando e avaliando políticas e estratégias de desenvolvimento. Foi financiado pela União Européia e faz parte do programa 25 temático: Energia, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Teve como objetivos pesquisar, desenvolver e testar o uso integrado da terra e políticas de transporte, ferramentas e metodologias de avaliação global, para definir estratégias de sustentabilidade e demonstrar os seus efeitos em cidades européias. Buscou encontrar políticas que poderiam melhorar simultaneamente as três dimensões de sustentabilidade. Analisa, através de indicadores próprios, cada uma das sete cidades estudadas em diversos países, e faz comparações entre elas nos resultados obtidos. De maneira geral, conclui que o transporte e o uso do solo devem ser encarados como um todo, e que a sustentabilidade do sistema pode ser melhorada através de fatores conjugados, como oferta de transporte público, com restrição do uso do carro e políticas de uso da terra. O estudo também se propõe a demonstrar que tipo de políticas tem propensão a dar resultados positivos, e entende que consegue verificar resultados similares em cidades com culturas e realidades diferentes, mostrando uma abordagem que pode ser avaliada para outras realidades. Dentre as conclusões deste estudo, destacam-se diretrizes relacionadas a diferentes aspectos relacionados à mobilidade sustentável, listados abaixo: a) Promoção do transporte coletivo - Melhorar as políticas de transporte público, aumentando a velocidade de serviço e redução de tarifas. b) Alternativas de transporte -Limitar a disponibilidade de estacionamentos para novos empreendimentos e nos centros urbanos, atrelando com políticas para melhorar estes locais e aumento dos impostos sobre os combustíveis para desestimular uso de veículos. c) Aspecto social/participação da comunidade - Promover a transparência no processo de planejamento e decisão. d) Integração de políticas -Buscar políticas locais, coordenadas com os níveis estadual e nacional; 26 -Planejamento de transporte ser parte de políticas combinadas com: incentivo ao uso do transporte público e desestímulo ao uso do automóvel no trecho, contribuir para o aumento da oferta de transporte público, com nível ideal definido localmente; - Abordagem do projeto de forma multisetorial no âmbito local e regional com planejamento ao longo prazo e coerência nos vários projetos, relacionando uso do solo e transporte, sempre de acordo com as condições locais; - Usar sempre as combinações de políticas, ou seja, políticas de preços de carros e melhorias simultâneas de transporte público através de tarifas reduzidas e melhoria da velocidade de serviço. e) Aspecto ambiental - Políticas de incentivo financeiro para mudanças para veículos menos poluentes, ou locais com prioridade de estacionamento para veículos ecológicos; - Limitar o acesso às áreas urbanas priorizando veículos com combustíveis limpos e com alta ocupação. f) Planejamento uso do solo - Desenvolver um plano de uso da terra para apoiar a nova necessidade das pessoas de viver perto de áreas centrais, em cidades-satélite ou ao longo de corredores bem servidos de transportes públicos, e a necessidade de aumentar a oportunidade de usar o transporte público. g) Políticas orientadas à redução da necessidade de deslocamento - Desenvolver políticas que induzam a redução dos tempos e viagem através de horários de trabalho flexíveis; - Densificar áreas residenciais existentes onde sejam possíveis atividades de lazer e morar próximas o bastante para meios não motorizados. Considerando que a mobilidade sustentável está relacionada aos padrões de uso do solo do território, é importante também que seja estudado o aspecto do urbanismo neste contexto. O documento denominado A Nova Carta de Atenas apresenta uma nova forma de concepção das cidades com pressupostos de cidade compacta e eficiente e de participação da sociedade nas decisões, numa crítica ao urbanismo até então praticado. Pode trazer subsídios ao presente estudo agregando 27 diretrizes relacionadas ao planejamento de uso do solo e formas de implementar a participação. 3.5.3 A Nova Carta de Atenas O documento que ficou conhecido como Carta de Atenas, que em 1933 se constituiu em um paradigma para os urbanistas e trouxe o conceito de zoneamento urbano, propunha a organização da cidade a partir de funções básicas: trabalhar, habitar, circular e recrear. Este novo documento denominado: A Nova Carta de Atenas apresenta uma visão do Conselho Europeu de Urbanistas – CEU, sobre as cidades do século XXI, propondo uma cidade coerente, com conjuntos urbanos policêntricos organizados em rede, mas que preservem sua identidade e com foco nos aspectos de sustentabilidade. Também define que devem ser desenvolvidos novos sistemas de governo com envolvimento dos cidadãos no processo de decisão, colocando como foco do planejamento os habitantes das cidades e suas necessidades. Algumas diretrizes retiradas deste documento relevantes ao presente estudo: a) Participação da sociedade - Melhoria da comunicação e maior participação da comunidade nos processos de decisão; - Criação de áreas de domínio público, lugares onde o senso de comunidade, a vitalidade e atividade social devem ser desenvolvidos. b) Planejamento de uso do solo - Assegurar a hierarquia e as claras funções nas relações intra-urbanas e regionais; - Desenvolvimento de cidades em rede, compostas por centros urbanos policêntricos conectados por um transporte eficiente, cada uma com sua identidade. c) Integração de políticas - Aliar criatividade e competitividade com complementariedade e cooperação entre as cidades; A partir da revisão bibliográfica dos temas mobilidade e sustentabilidade, e do estudo de trabalhos que mostram a importância de uma visão integrada de transportes a diversos fatores, é possível formular subsídios para analisar o caso de 28 uma região que apresenta problemas relacionados à mobilidade e propõe um projeto de reativação ferroviária como solução de transporte regional. A região estudada, a Aglomeração Urbana do Nordeste, e o projeto Trem Regional, são apresentados no próximo capítulo, buscando demonstrar aspectos que possibilitem um entendimento do território e seus padrões de mobilidade. Desta forma, é possível comparar políticas existentes com as diretrizes verificadas para alcançar a mobilidade sustentável e qualificar o projeto de reativação do transporte ferroviário. 4 Estudo de caso Este capítulo apresenta o objeto de estudo, que é o recorte denominado Aglomeração Urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul, através da caracterização e localização do seu território e dados sociais e econômicos. É analisada a mobilidade local em três cidades por onde passa o ramal ferroviário, com estudo de uso do solo no entorno, e apresentado o projeto Trem Regional da Serra Gaúcha. Por fim, são demonstradas as diretrizes para a mobilidade local e regional estudadas. 4.1 Caracterização do território Para facilitar o planejamento conjunto e a discussão dos temas comuns, são criados recortes regionais, com áreas cujas características são similares, como os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) e as Aglomerações Urbanas. Os Coredes no Rio Grande do Sul são atualmente em número de 28, e a região em estudo está dentro do Corede Serra. Esta instância é usada como fórum de discussão para definição de políticas para o desenvolvimento regional com participação da comunidade. 29 Figura 1. Conselhos Regionais de Desenvolvimento-RS Fonte: Atlas sócio econômico – (RS, 2000) Em outro recorte o Estado conta com a Região Metropolitana de Porto Alegre e com outras três Aglomerações Urbanas: do Sul, instituída em 1990, do Nordeste, em 1994, e do Litoral Norte, em 2004, com o objetivo de trabalhar o planejamento integrado em áreas conurbadas ou em processo de aglomeração de suas áreas urbanas. Conforme AUNe (2012a) aglomeração urbana é o agrupamento de municípios limítrofes que apresentam tendência à conurbação da malha urbana, complementariedade de funções e população urbana mínima de 200 mil habitantes (em 1980, quando o conceito foi criado pelo governo estadual do Rio Grande do Sul), exigindo planejamento integrado e recomendando ação coordenada dos entes públicos. Os critérios utilizados para a definição destes recortes foram de três tipos: físico-territoriais, relacionados ao processo de conurbação existente ou em andamento; de integração funcional, medido pelo grau de complementariedade das funções das cidades envolvidas, e ainda critérios demográficos, verificados pelo grau de urbanização e efetivo populacional (Aune, 2012a). A Aglomeração Urbana do Nordeste - AUNe, é a segunda maior aglomeração urbana do Estado, destacando-se pela concentração populacional e pelo desenvolvimento econômico. 30 Figura 2. Região Metropolitana e Aglomerações Urbanas- RS Fonte: Atlas sócio econômico – (RS, 2000) Situa-se na área denominada Serra Gaúcha, cuja localização permite a proximidade e o fácil acesso aos estados da região sul e suas capitais, bem como aos países vizinhos: Argentina, Paraguai e Uruguai. A maior cidade, que possui status de pólo regional, é Caxias do Sul, que possui 435.564 habitantes, seguida por Bento Gonçalves com 107.278 habitantes. No total, a Aglomeração possui 716.427 habitantes, pelos dados do IBGE de 2010. O recorte territorial é uma instância de planejamento regional, criada com a finalidade de articular as ações públicas de interesse comum, formada por 10 municípios: Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Nova Pádua, Santa Tereza e São Marcos. Sua estrutura é composta por um conselho deliberativo, formado pelos prefeitos e presidentes das câmaras de vereadores dos municípios participantes, e por um comitê técnico, que possui representantes do quadro técnico das prefeituras que se reúnem semanalmente para discussão de projetos de interesse regional. 31 Figura 3. Localização AUNe Fonte: base cartográfica e Atlas sócio econômico – (RS, 2000) adaptado pela autora Os primeiros estudos da Aglomeração foram realizados no início da década de 70, pela Universidade de Caxias do Sul e pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE RS. Nos anos 80 foi decisiva a interveniência do Governo do Estado através da Secretaria Executiva do Conselho Estadual de Desenvolvimento Urbano e da Secretaria de Planejamento Territorial e Obras, bem como do Poder Executivo e Legislativo dos municípios envolvidos. Foi instituída pela Lei Complementar 10.335, de 28 de dezembro de 1994, com base no Art. 16 da Constituição Estadual, e a participação dos municípios foi autorizada através de Leis Municipais, aprovadas nos anos de 1995 e 1996 (AUNe, 2012a). 32 Imagem 1. AUNe – Divisão territorial e vias de ligação regional Fonte: Base cartográfica adaptada pela autora Este recorte reúne cidades de médio porte como Caxias do Sul e Bento Gonçalves, e pequenas cidades com população em torno de 2.000 habitantes, como Santa Tereza e Monte Belo do Sul, que apresentam situações urbanas totalmente distintas tanto em termos populacionais quanto de aspectos urbanos. A tabela a seguir mostra a evolução da população local e regional nos últimos 40 anos, mostrando forte crescimento nas décadas de 70 e 80. Município Caxias do Sul Bento Gonçalves Garibaldi Carlos Barbosa Flores da Cunha São Marcos Farroupilha Nova Pádua Monte Belo do Sul Santa Tereza Aune crescimento % crescimento crescimento entre 1970 e 2010 Fonte: IBGE 1970 144.871 41.979 20.812 12.374 14.626 9.169 19.318 263.149 1980 220.566 58.941 23.041 13.665 15.479 11.824 28.995 1991 290.925 78.643 25.926 15.921 19.869 15.857 45.364 1996 323.488 82.782 28.179 18.882 20.420 19.292 52.543 2.355 2.818 1.959 2000 360.419 91.486 28.337 20.519 23.678 18.958 55.308 2.396 2.880 1.768 2007 399.038 100.643 28.791 23.960 25.307 19.641 59.871 2.484 2.766 1.815 2010 435.564 107.278 30.689 25.192 27.126 20.103 63.635 2.450 2.670 1.720 372.511 492.505 552.718 605.749 664.316 716.427 109.362 119.994 60.213 53.031 58.567 52.111 41,56 32,21 12,23 9,59 9,67 7,84 453.278 Tabela 1. AUNe – Evolução da população Fonte: IBGE (2012) 33 A região possui um padrão de desenvolvimento social e econômico bastante elevado no Estado e dos mais expressivos do País, conforme estatísticas oficiais. A situação sócio-econômica dos municípios é bastante homogênea, possuindo altos índices de desenvolvimento humano- IDH conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD 2012). Três dos municípios aparecem entre os 12 maiores no ranking de 2003. Caxias do Sul (12º lugar), Bento Gonçalves (4º lugar) e Carlos Barbosa (11º lugar) possuem índices entre 0,851 e 0,870, o restante dos municípios está em uma faixa de 0,800 e 0,850, todos maiores que a média nacional para o IDH, que é de 0,766. Com relação ao Produto Interno Bruto, Caxias do Sul figura em terceiro lugar no ranking estadual de cidades com maior PIB, e Bento Gonçalves em décimo quarto, duas cidades com segmento industrial bastante expressivo (Fundação de Economia e Estatística - FEE, 2009). Na questão da renda per capita, o Corede Serra, no qual a AUNe está totalmente inserida, é o primeiro em índice de Produto Interno Bruto per capita do Estado, mostrando o forte desenvolvimento e a renda da região. A base econômica é prioritariamente o setor da indústria, com forte pólo metal-mecânico e a agroindústria através das vinícolas, além do turismo bastante significativo e com expressão nacional. No aspecto de mobilidade, o alto poder aquisitivo leva a um grande volume de veículos particulares em circulação, com as cidades menores apresentando baixo uso ao transporte coletivo, que nem sempre é viável pela questão de escala, ou de formas de deslocamento não motorizados, que poderiam ser mais explorados. As ligações regionais acontecem por vias estaduais, sem muitos traçados alternativos devido às questões topográficas. As principais características da região neste aspecto são detalhadas a seguir. 4.2 Mobilidade na Aglomeração 4.2.1. Caracterização A região possui boa acessibilidade rodoviária, conectando-se ao Estado e ao país por rodovias federais e estaduais. As cidades são ligadas através de rodovias estaduais, sendo que são vias praticamente únicas, utilizadas para o transporte de cargas e passageiros, servindo de trânsito de passagem e local, já apresentando situação de sobrecarga, com projetos previstos de ampliação de alguns trechos. A abertura de novas ligações é dificultada pela topografia, bastante acidentada, e por 34 restrições ambientais como presença de corpos hídricos, topos de morro, locais de grande inclinação topográfica e bacias de captação. Desta forma, para evitar um futuro colapso do sistema, é preciso buscar uma solução que permita o acesso aos municípios sem maior sobrecarga ao sistema viário atual. Por outro lado, a frota de veículos é bastante elevada, com crescimento anual médio de 7%, impulsionada, dentre outros fatores, pelo desenvolvimento econômico da região e por uma cultura voltada à valorização do veículo particular como símbolo de status. A tabela a seguir demonstra o crescimento da frota nos últimos 10 anos, mostrando um crescimento constante nos últimos anos. 2001 Município Caxias do Sul Bento Gonçalves Garibaldi Carlos Barbosa Flores da Cunha São Marcos Farroupilha Nova Pádua Monte Belo do Sul Santa Tereza Total AUNe % crescimento 2007 2008 2009 2010 2011 131.289 192.904 208.419 221.736 237.469 255.207 35.945 52.210 55.754 59.535 63.121 67.023 10.860 15.426 16.475 17.631 18.697 19.897 7.504 11.498 12.361 13.225 14.151 15.031 10.224 13.944 14.938 15.928 16.980 18.133 8.593 11.064 11.629 12.232 12.935 13.736 20.678 28.027 30.140 32.129 34.309 36.706 914 1.275 1.319 1.377 1.474 1.496 882 1.209 1.278 1.323 1.378 1.461 432 599 620 660 679 720 227.321 328.156 352.933 375.776 401.193 429.410 1,44 1,08 1,06 1,07 crescimento 10 anos (%) 1,07 1,89 Tabela 2. AUNe – Frota de veículos Fonte: DENATRAN Com relação ao sistema viário regional para atender a esta demanda, nos projetos definidos como prioritários para a região pelo COREDE, em discussões com a comunidade, estão as duplicações da RSC 470 entre Carlos Barbosa e Bento Gonçalves e da RSC 453 em Farroupilha, mostrando a percepção e preocupação com a sobrecarga destas vias de conexão regional (COREDE 2012). Ligando as cidades de Caxias do Sul, Farroupilha, Carlos Barbosa, Garibaldi e Bento Gonçalves, há um ramal ferroviário, que corta as áreas urbanizadas, além de áreas rurais. Este ramal está em grande parte preservado, com algumas áreas de invasões, e parte do trecho sendo usada por um trem turístico. Desta forma, a utilização deste modo para transporte de passageiros ou de cargas é um grande potencial para a região, passando pelas áreas centrais das cidades e podendo 35 colaborar para a redução do volume de tráfego nas rodovias. Estudo de viabilidade está sendo elaborado para verificar as condições necessárias para esta reativação. A figura a seguir demonstra a ligação deste ramal com a malha ferroviáira do estado do Rio Grande do Sul. Imagem 2. Malha ferroviária RS Figura 4. Malha Ferroviária do RS Fonte: Atlas sócio econômico - RS (2000) adaptado por AUNe. O ramal se liga à rede nacional ao Norte da cidade de Bento Gonçalves, em sua área rural, por uma ligação que tangencia a Aglomeração Urbana do Nordeste passando pelos municípios de Santa Tereza, Monte Belo do Sul e Bento Gonçalves conectando desde a Argentina até São Paulo, operando atualmente com transporte de cargas pela América Latina Logística- ALL. Existe ainda o trecho que conecta Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa, com 23Km de extensão entre estações, sendo utilizado com um trem turístico (Maria Fumaça). Outros trechos presentes na aglomeração encontram-se desativados: - Ligação Carlos Barbosa – Farroupilha e Caxias do Sul - Ligação Carlos Barbosa – Montenegro, conectando a Porto Alegre e ao sul do Estado, que se encontra sem trilhos e dormentes e não faz parte do estudo em andamento atualmente. O mapa a seguir ilustra esta condição do ramal, relacionando com a localização das mais importantes vias de ligação regional. Verifica-se que os trilhos ligam as áreas urbanizadas cruzando todo o território da cidade de Farroupilha, e que entre as cidades de Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves a ligação 36 acontece por uma rodovia estadual. O mapa demonstra o crescimento das manchas urbanas entre 1975 e 2005, mostrando o sentido de crescimento das cidades que acompanha a localização dos trilhos e das vias de ligação. Imagem 2. AUNe – Situação ramal ferroviário Fonte: base e dados AUNe trabalhados por autora 4.2.2 Mobilidade local nas maiores cidades. Quanto à mobilidade local, as cidades ainda não possuem legislação específica (Plano de Mobilidade) e não desenvolvem políticas mais efetivas voltadas para o desestímulo do transporte individual ou uso de meios não motorizados como a bicicleta ou a caminhada. Apresentam trânsito com vias centrais sobrecarregadas em horários de pico, sendo que em Caxias do Sul já há pontos de congestionamento ao longo do dia, principalmente em função de pólos geradores de tráfego como escolas e universidades. A tabela a seguir demonstra diversos aspectos relacionados à mobilidade e transportes nas cidades estudadas. 37 Caxias do Sul Território Característica População Densidade hab Tipo de ocupação polo regional 435.564 (IBGE 2010) 264,89 hab/km² Centro e outras centralidades consolidados Farroupilha Bento Gonçalves 63.635(IBGE 2010) 176,57 hab/km ² 107.278 (IBGE 2010) 280,86 hab/km² centro consolidado centro consolidado com corredores de expansão projetados Dimensão territorial Sentido de crescimento Sentido dos trilhos 1.644,30 km² um deles para oeste oeste 360.392 km ² leste-oeste leste-oeste 381,96 km² norte-sul norte-sul indústria moveleira, turismo Base econômica polo metal mecânico serviços Planejamento uso do solo Plano Diretor-Lei complem. 290 de 24 de setembro de 2007 Plano Diretor- Lei Munin. 3464 de 18 dezembro de 2008 Plano Diretor-Lei complem. 103, de 26 de outubro de 2006 Incentivo a meios não motorizados Sim- bicicleta, mas como lazer. Estudo pra integrar bicicleta ao transporte municipal não possui não possui não possui Plano DiretorEstratégias e estruturação sistema viário não possui Políticas Plano de Mobilidade Mobilidade na legislação não possui Plano Diretorestruturação sistema viário e anéis viários Decreto 11478- pólos geradores Plano Diretor- Estratégias e estruturação sistema viário Projeto Trem Regional Estudos sobre integração modal Dimensão faixa ferroviária Número de interseções com vias urbanas no trajeto existente Usos ao longo dos trilhos projeto de estações de integração e transbordo (transporte coletivo) que pode integrar com trem não não 15.333,50m em área urbana 6.401,66 m urbana e 15.565,25m rural 66.735,84m incluindo área rural 22 14 em área urbana e 11 em área rural 11 em área urbana residencial,industrial, equipamentos de porte regional (shoppings, universidades...) parte urbana e parte rural, cruzando a área central residencial predominante, com grandes indústrias e tangenciando o centro Mobilidade local Caxias do Sul Secretaria própria (trânsito ou mobilidade) Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade Farroupilha Secretaria Mun. de Obras e Trânsito Bento Gonçalves Secretaria de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana 38 Caxias do Sul Farroupilha Bento Gonçalves 2 km Rua Atilio Andreazza não não 6 km implantados em 2012, para lazer aos domingos- Av Rubem Bento Alves não não 255.207( Denatran 2011) 36.706( Denatran 2011) 67.023( Denatran 2011) 0,58 0,57 0,62 Condições de trânsito trânsito intenso na área central e acesso aos bairros maiores. Boa rede viária mas sobrecarregada alguns pontos com sobrecarga apenas em horários de pico alguns pontos com sobrecarga apenas em horários de pico Possui políticas de restrição ao estacionamento não ciclovias Ciclofaixas Número veículos Relação veículos/habitantes não não Tabela 3. Transporte e mobilidade nas maiores cidades Fonte: dados das prefeituras municipais Nas questões locais, os três municípios apresentam situações parecidas, sendo que a maior cidade possui tanto um sistema de transportes mais estruturado quanto um maior planejamento neste aspecto, inclusive com estudos de estações de transbordo do sistema de transporte por ônibus fora da área central e uma possível interligação modal com o trem caso o mesmo seja implantado. Mas, o foco ainda é buscar soluções para o modo rodoviário, com poucas iniciativas realmente voltadas para a mobilidade sustentável. Uma solução interessante tanto para os deslocamentos locais quanto os regionais é o aproveitamento do ramal ferroviário para a demanda de transporte de passageiros, cujo projeto em discussão na região é detalhado a seguir. 4.3 Trem Regional da Serra Gaúcha 4.3.1. O que é o projeto O Ministério dos Transportes, o BNDES e a CBTU, propuseram, em 2007, a execução de estudos de viabilidade para alguns trechos determinados, visando identificar oportunidades de implantação de sistemas de trens para o transporte de passageiros em nível regional no país. A escolha dos trechos teve como referência 39 estudos anteriores desenvolvidos pela COPPE/UFRJ, em 2000, sendo que o ramal Caxias do Sul- Bento Gonçalves está entre eles (AUNe, 2012a). O atual estudo de viabilidade do trecho, em andamento, foi pago com verbas federais, sendo que ainda não foi entregue à comunidade pela contratada, a Universidade Federal de Santa Catarina, através do Labtrans- Laboratório de Transporte e Logística. Conforme responsáveis, todas as pesquisas e análises foram realizadas, e o material encaminhado a apreciação do Governo Federal, sendo o passo seguinte, após constatada a viabilidade e apresentação dos resultados à comunidade, é a elaboração do projeto executivo. Conforme Tonus (2008), as indicações da comunidade retiradas das discussões para o projeto são: que trabalhe passageiros e cargas, a integração com os demais modos de transporte, a extensão futura aos demais municípios da AUNe, ligações externas à região, utilização de tecnologias sustentáveis e adequação aos aspectos ambientais, sociais e econômicos. No tocante às estações, o objetivo é o aproveitamento das existentes, com a valorização de prédios históricos, como é o caso da estação central de Caxias do Sul, que já possui estudos de restauro. Para novas estações foram propostas edificações simples, com operação eficiente, com instalações - rampa de acesso e plataforma elevada, além de integração com bicicletários. 4.3.2 Delimitação do estudo Para que seja possível analisar os aspectos de mobilidade relacionados ao projeto, devido à importância do aspecto uso do solo, este item será investigado nos municípios por onde o ramal passa e onde o impacto é direto. A proposição original no termo de referência (AUNe 2012b) prevê a ligação entre as cidades através do caminho dos trilhos existentes, que percorrem as cidades de Caxias do Sul, Farroupilha, Carlos Barbosa, Garibaldi e Bento Gonçalves. Conforme informações do comitê técnico da AUNe este traçado pode apresentar problemas para implantação, já que possui 61Km, com muitas curvas e longo trajeto, que poderá ter viagem muito mais longa que pelo eixo rodoviário existente. Desta forma, estudos ainda preliminares, propõem alternativa que aproveita parte da área existente, principalmente nas áreas urbanas consolidadas das maiores cidades (Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves), e um novo traçado nas áreas rurais de Farroupilha e Garibaldi, encurtando o caminho em 40 13,40km. Ainda é possível realizar a correção do traçado antigo sinuoso, com retificações em pontos específicos. Este é o trajeto considerado neste trabalho, sendo que o definitivo será apontado pelo novo estudo de viabilidade que está sendo realizado. A tabela e a figura a seguir mostram a distância dos trechos ferroviários, original e proposto, e uma representação gráfica esquemática dos traçados rodoviário e ferroviário. Trechos Distância traçado original Distância traçado proposto Caxias do Sul- Farroupilha 20 km 20km Farroupilha- Carlos Barbosa 22 km Carlos Barbosa- Garibaldi 5 km Garibaldi- Bento Gonçalves 14 km 21,3 km 6,30 km Tabela 4. Trechos ferroviários e traçados Fontes: Simões (2000) e comitê técnico AUNe, adaptado por autora Imagem 3- Representação esquemática das malhas rodoviária e ferroviária do trecho Fonte: Simões(2000) adaptado pela autora Mesmo sem considerar ajustes pontuais, a correção de traçado proposta entre a área rural de Farroupilha e a cidade de Garibaldi permite uma significativa redução da distância e consequentemente do tempo de viagem no modo ferroviário. O novo traçado não passa pelas áreas urbanas de Garibaldi e Carlos Barbosa, que 41 são cidades menores e geram demanda menos expressiva, mas que podem ser atendidas através de integração modal. 4.3.3 Uso do solo efetivo ao longo do ramal ferroviário Considerando a importância da relação uso do solo e sistemas de transportes, o mapeamento a seguir foi realizado para analisar o uso do solo efetivo ao longo das faixas ferroviárias nos três municípios por onde passa o traçado corrigido. Os usos predominantes foram mapeados sobre imagens de satélite, através do aplicativo Google Earth e baseados no conhecimento dos municípios, com informações das prefeituras e vistorias locais quando necessário. O objetivo foi o de mapear estruturas ao longo deste ramal com potencial de atendimento regional, além de uso residencial de média e alta densidade e industrial de grande porte como possíveis usuários de um transporte de grande capacidade. Também de verificar os padrões de uso do solo predominantes, com vistas ao estudo e adequações necessárias no caso de reativação do ramal para que se trabalhem políticas de transporte e uso do solo compatíveis. Quanto ao aspecto regional, os trilhos passam em Caxias do Sul por áreas de uso urbano, determinadas pelo plano diretor vigente, até chegar ao limite com a cidade de Farroupilha. Nesta cidade os trilhos cortam a área urbana no sentido lesteoeste, e passam por áreas rurais. Seguindo ao norte da cidade de Bento Gonçalves, na área rural, os trilhos desativados passam por áreas com túneis e paisagens que podem ser exploradas como atrativos turísticos. O ramal local em sua porção na área rural, ao norte, permite a ligação com o ramal existente de cargas, em funcionamento através da empresa América Latina Logística (ALL). Esta situação regional é demonstrada no mapa a seguir, que apresenta os três municípios estudados em destaque com relação aos demais da região. 42 Figura 5- Traçado ramal ferroviário e uso do solo regional Fonte: AUNe adaptado pela autora Considerando a situação local, a cidade de Caxias do Sul tem grande parte do entorno do ramal ferroviário apresentando uso predominante residencial, além de áreas com grandes equipamentos regionais, como universidades e shopping-centers que possuem abrangência regional. Isto se deve à existência da via de ligação regional, que levou o estabelecimento destas ao longo da mesma pela existência de boa acessibilidade. O ramal ferroviário possui 22 interseções com vias urbanas nesta cidade, muitas destas em nível. As áreas predominantemente residenciais verificadas apresentam atividades comerciais de escala local, e de escala setorial especialmente nas vias coletoras, além de equipamentos sociais de atendimento à população e indústrias de pequeno porte compatíveis com proximidade de residências. Já as áreas industriais demarcadas apresentam atividade predominantemente industrial de médio e grande porte ou afins, como depósitos ou transportadoras. Os trilhos cortam uma bacia de captação que abastece parte da cidade. 43 Imagem 6. Uso do Solo efetivo Caxias do Sul Fonte: Secretaria de Planejamento adaptado por autora Foi considerado neste mapeamento patrimônio ambiental, turístico e cultural: universidade, praças, conjunto turístico religioso, parque e praça de lazer, parque poliesportivo municipal, áreas de preservação ambiental e centro histórico e cultural de Forqueta. Foram classificados como equipamentos especiais: quartéis, aeroporto, shopping-center, estádio, hospital, hotéis e universidade. Em Farroupilha e os trilhos cortam toda a cidade no sentido leste-oeste, passando por áreas urbanas e rurais, inclusive no centro. Possui elevado número de cruzamentos em nível com vias urbanas, sendo 14 na área urbana e 11 na área rural, o que se configura como um problema a ser estudado para reativação do ramal ferroviário. É o município que apresenta melhor conservação das áreas das faixas de domínio, com poucas áreas de ocupação irregular ao longo das mesmas. Verificam-se muitas áreas ainda desocupadas com infraestrutura implantada, que são novos loteamentos em processo de ocupação recente. 44 A cidade é constituída de uma área central que concentra as atividades comerciais, e áreas industriais e comerciais ao longo dos maiores eixos de circulação, que são principalmente as rodovias de acesso ao sul do estado e aos municípios da aglomeração. As áreas marcadas como industriais apresentam indústrias de grande porte, principalmente do setor metal-mecânico. Indústrias menores e em grande quantidade são encontradas em todo o tecido urbano, principalmente de malhas, calçados e vestuário. Foram apenas destacadas áreas residenciais cuja distribuição promove manchas contínuas, utilizando os mesmos critérios que foram seguidos nos outros municípios. Neste caso, encontram-se áreas pouco densificadas nas proximidades dos trilhos e do centro da cidade, que constituem novos loteamentos em processo de ocupação. O mapeamento das áreas de patrimônio ambiental, turístico e cultural demarcou áreas verdes presentes em todo o tecido urbano com abrangência local, além de um grande parque local que atende toda a cidade. Os equipamentos especiais demarcados se constituem de universidade, kartódromo, hospital e parque de exposições. 45 Figura 7. Uso do Solo efetivo Farroupilha Fonte:mapa base e dados da Prefeitura Municipal trabalhados por autora Em Bento Gonçalves é possível verificar que os trilhos cortam a cidade em seu sentido de crescimento, tangenciando a área central que concentra comércio e serviços a apresentando 11 cruzamentos com vias urbanas. Também se percebe a proximidade do ramal de indústrias moveleiras de grande porte, que são um dos fortes segmentos que movimentam a economia da cidade. Localizam-se ainda nas proximidades da faixa ferroviária, o campus universitário, faculdade, aeroclube e a rodoviária, podendo ser pensado no projeto do transporte ferroviário a integração através de um terminal inter-modal. A cidade também possui um centro que concentra as atividades comerciais e gera grande necessidade de viagens, e busca a descentralização através do adensamento ao longo de vias estruturais, promovido pelo plano diretor. Destaca-se a possibilidade de atendimento pelo ramal ferroviário dos deslocamentos no sentido Norte-Sul, que apresenta uma via de ligação em muitos trechos única e 46 sobrecarregada, denominada corredor Norte-Sul, além do fato do ramal tangenciar a área central do município. Figura 8. Uso do Solo efetivo Bento Gonçalves Fonte:mapa base e dados da Prefeitura Municipal trabalhados por autora O mapeamento de Bento Gonçalves demarcou as maiores áreas industriais, em sua maioria do ramo moveleiro e de grande porte. As áreas residenciais são caracterizadas por presença predominantemente da atividade 47 residencial, com comércio local e equipamentos públicos atendendo à população, e algumas indústrias, inclusive de médio e grande porte, convivendo neste tecido. Os equipamentos especiais demarcados são Embrapa, aeroclube, estádio, rodoviária, hospital e universidade. Com relação ao patrimônio ambiental, turístico e cultural são demarcados parques e quartel. A análise dos três municípios mostra que há áreas de diferentes usos ao longo deste ramal, com a presença de atividades residenciais, áreas centrais nas proximidades, residências e equipamentos de lazer. Em Caxias do Sul alguns equipamentos, como shopping, universidade e hotéis, possuem abrangência de atendimento regional, atraindo pessoas dos outros municípios da aglomeração. Nos três municípios aparecem áreas industriais de grande e médio nas proximidades do ramal ferroviário, já que a existência das vias de ligação regional ao longo deste eixo induz a ocupação por este tipo de atividade que requer melhor acessibilidade para cargas que chegam de outras regiões. Esta atividade também agrega grande número de viagens relacionadas aos deslocamentos de seus funcionários, o que pode ser estudado como potencial para transporte de passageiros. Também se verifica o potencial de transporte coletivo de passageiros, pela existência de grandes áreas residenciais, podendo atender tanto a situação de locomoção regional como a local, como um modo alternativo de transporte municipal nestas cidades, principalmente Farroupilha e Bento Gonçalves. É pertinente também pensar uma interligação modal para acesso às áreas turísticas que estão nas áreas rurais, e que são a característica da parte oeste da Aglomeração, destacando-se Bento Gonçalves com roteiros, como o Vale dos Vinhedos e Caminhos de Pedra, e Garibaldi e Carlos Barbosa que também atuam neste segmento. Também é possível o acesso regional através dos trilhos aos equipamentos especializados de Caxias do Sul como universidades, aeroporto, shopping-centers, hospitais e equipamentos culturais. As maiores dificuldades se referem ao grande número de cruzamentos dos trilhos com vias urbanas, muitas de tráfego intenso, e que requerem cuidado com as questões de segurança. Também o fato da proximidade de áreas centrais de ocupação densa exige soluções com baixo nível de vibração e ruídos, visando o conforto e qualidade de vida dos moradores próximos. Outra questão a ser considerada é a necessidade de que o projeto de reativação do ramal ferroviário 48 deve contemplar a manutenção de um trem turístico em atividade no trecho entre Carlos Barbosa e Bento Gonçalves. Imagem 4. Resumo análises municipais Fonte: dados municípios e base cartográfica trabalhados por autora Verificando que há muitas potencialidades neste projeto, é importante que o mesmo possa buscar não apenas como solução de transporte, mas sim um grande projeto de mobilidade regional sustentável. Neste sentido, os municípios deveriam agregar, de forma regional ou local, outras políticas que possam reforçar a utilização do novo modo, e que trabalhem todos os aspectos de sustentabilidade já relacionados. 49 4.4 Análise por parâmetros de sustentabilidade Dentre as diretrizes retiradas dos estudos europeus e que podem ser discutidas na região agregando a mobilidade sustentável às definições do projeto de transporte regional, estão as que seguem nas tabelas abaixo. 4.4.1 Diretrizes específicas para o projeto Trem Regional Considerando um projeto de transporte regional através de modo ferroviário, pode-se destacar medidas de: promoção do transporte coletivo e desestímulo do automóvel, de promoção de alternativas de transporte, de participação da sociedade na sua formulação e implementação, de integração de políticas, sob aspecto ambiental e de planejamento e uso do solo. As diretrizes foram organizadas na tabela a seguir, reunindo por assunto o resultado das análises dos três projetos estudados. Diretriz Projeto Promover alternativas de transporte Combinação de ferrovias para transporte de passageiros com esquemas de taxação da via pública, encorajando uma maior utilização dos transportes ferroviários de passageiros Transplus e gerando receitas para pagá-los; Social/participação Reforçar as ligações entre as diferentes esferas e instituições através de cooperação, assim como com parceiros privados e comunidade, buscando redes de discussão de Transplus transporte e uso do solo e participação integrada para decisão de políticas, atividades de planejamento, implementação e monitoramento. Manter o processo totalmente participativo, com a população envolvida e com informação sobre as discussões e definições, criando redes de discussão permanente entre diversos Transplus segmentos sociais nos setores de transportes e usos de solo; A Nova Melhoria da comunicação e maior participação da comunidade nos processos de Carta de decisão; Atenas Integração de políticas Planejamento do novo transporte sobre trilhos deve ser parte de políticas combinadas com: incentivo ao uso do transporte público e desestímulo ao uso do automóvel no Propolis trecho, contribuir para o aumento da oferta de transporte público, com nível ideal definido localmente; Facilitar a transposição de formas institucionais cuja eficácia já se encontre comprovada (por exemplo, autoridades regionais, projetos de associações público-privadas, formas Transplus de associação intermunicipal, etc.). Abordagem do projeto de forma multisetorial no âmbito local e regional com Propolis planejamento a longo prazo e coerência nos vários projetos, relacionando uso do solo e transporte, sempre de acordo com as condições locais; 50 Diretriz Projeto Usar sempre as combinações de políticas, ou seja, políticas de preços de carros e melhorias simultâneas de transporte público através de tarifas reduzidas e melhoria da Propolis velocidade de serviço; A nova Aliar criatividade e competitividade com complementariedade e cooperação entre as Carta de cidades Atenas Ambiental Renovação de estações ferroviárias e das áreas circundantes às estações, constituindo novos centros e portas de entrada para a cidade. A regeneração do edifício da estação, incluindo a preservação de estruturas históricas, pode melhorar a sua integração no Transplus ambiente urbano endossando uma diversidade de utilizações perto da estação, por exemplo, locais de trabalho, habitação, comércio, facilidades de lazer ou culturais e serviços, etc.; Tabela 5. Diretrizes para o projeto Trem Regional Fontes: Transplus (2003), Propolis (2004) e A Nova Carta de Atenas (2003), adaptado pela autora 4.4.2. Diretrizes para mobilidade sustentável No aspecto de mobilidade sustentável, os três estudos trazem diretrizes diversas, que trabalhadas conjuntamente permitem, além da promoção e reforço do novo modo de transporte implantado, um conjunto de políticas integradas que visa mudar totalmente o padrão de mobilidade existente. Estas diretrizes são listadas na tabela abaixo, classificadas por assunto e reunindo os três estudos pesquisados. Diretriz Projeto Promoção do transporte coletivo Trabalhar a acessibilidade e alternativas de transporte (caminhos de pedestres, transporte público, partilha de automóveis...) estimulando a utilização mista dentro das Transplus cidades e reduzindo a dependência do automóvel e do transporte motorizado individual; Criação de zonas “car free”, baseado no pressuposto de que para proprietários sem automóvel é mais atraente viver num ambiente em que o impacto dos automóveis nos Transplus níveis de ruído, qualidade atmosférica, segurança ou estética é reduzido ou inexistente; Criar regras de estacionamento na política de localização e nos regulamentos de construção, pensando o planejamento de novos empreendimentos com restrição ao Transplus automóvel; Melhorar as políticas de transporte público, aumentando a velocidade de serviço e Propolis redução de tarifas; Políticas orientadas à redução da necessidade de deslocamento Criar políticas locais e regionais que integrem uso do solo, orientadas para a redução da necessidade de grandes deslocamentos, mantendo a integração espacial e o acesso a Transplus serviços e oportunidades; Estudar a estratégia de ‘concentração descentralizada’, que prevê a concentração do crescimento urbano em sub-centros em torno de nós ou corredores de transporte Transplus público; Desenvolver políticas que induzam à redução dos tempos de viagem através de horários Propolis de trabalho flexíveis; 51 Diretriz Projeto Densificar áreas residenciais existentes onde sejam possíveis atividades de lazer e morar próximas o bastante para meios não motorizados; Promoção de meios não motorizados Trabalhar as possibilidades de acesso por meios não motorizados com: políticas de criação de novos centros, regeneração de espaços abandonados, oferta de comércio, lazer e serviços em áreas próximas da habitação; Desenvolvimento de uma estratégia para pedestres/ ciclistas: criação uma rede ciclável hierarquizada e adaptada à dimensão da cidade num ambiente atraente e que faça a ligação entre diferentes locais e facilidades, além de estar ligados às redes regionais. Simultaneamente, os conflitos entre ciclistas, pedestres e automóveis devem ser reduzidos; Desenvolvimento da utilização mista das curtas distâncias: como a distância curta de deslocamento é a razão principal para a escolha de meios não-motorizados, a estrutura urbana é de importância primordial para a promoção de deslocamentos de pedestres e de bicicleta. Propolis Transplus Transplus Transplus Promoção de alternativas de transporte Criar alternativas atraentes e amigas do ambiente para competir com os automóveis Transplus particulares mesmo para deslocamentos de longa distância; Limitar a disponibilidade de estacionamentos para novos empreendimentos e nos centros Propolis urbanos, atrelando a políticas para melhorar estes locais; Social/participação Promover a transparência no processo de planejamento e decisão; Propolis Reduzir as disparidades de custo de vida, deslocamentos e prestação de serviços Transplus públicos, sem dificultar o desenvolvimento das economias urbanas e regionais; Facilitar o acesso a um leque maior de empregos no mercado de trabalho local; Transplus A Nova Criação de áreas de domínio público, lugares onde o senso de comunidade, a vitalidade Carta de e atividade social devem ser desenvolvidos; Atenas Integração de políticas Buscar políticas coordenadas nos níveis: estadual e nacional; Propolis Promover a integração entre os responsáveis pelo planejamento dos transportes e do uso do solo nos municípios, para que a estrutura administrativa colabore com a adoção Transplus das novas políticas coerentes nos dois setores com um objetivo comum; Facilitar a implementação de programas de cooperação regional em que cidades com problemas e objetivos semelhantes se associam para atingir objetivos semelhantes; Ambiental Definir objetivos para a qualidade do ar na região destinados a reduzir os efeitos nocivos ao ambiente em geral e avaliar a qualidade do ar na região com base em métodos e critérios comuns; Promover a utilização de veículos de emissões reduzidas para os transportes públicos Políticas de incentivo financeiro para mudanças para veículos menos poluentes, ou locais com prioridade de estacionamento para veículos ecológicos; Transplus Transplus Transplus Propolis Limitar o acesso às áreas urbanas priorizando veículos com combustíveis limpos e com Propolis alta ocupação; Planejamento uso do solo Desenvolver um plano de uso da terra para apoiar a nova necessidade das pessoas de viver perto de áreas centrais, em cidades-satélite ou ao longo de corredores bem Propolis servidos de transportes públicos, e a necessidade de aumentar a oportunidade de usar o transporte público; Políticas de usos do solo para aumento da densidade urbana ou do uso misto de solo, Transplus integradas com medidas que tornem os deslocamentos de automóveis mais caros; Promover um desenvolvimento regional mais equilibrado através da redução das disparidades nas atividades econômicas e da manutenção da viabilidade das Transplus comunidades rurais e urbanas; 52 Diretriz Projeto A nova Carta de Atenas A nova Desenvolvimento de cidades em rede, compostas por centros urbanos policêntricos Carta de conectados por um transporte eficiente, cada uma com sua identidade. Atenas Transferência de boas práticas Estabelecimento e manutenção de bases de dados de instrumentos de políticas, boas Transplus práticas, etc.; Organização de “workshops”, mesas redondas, visitas individuais, em que os responsáveis pelo planejamento ou os decisores políticos das diferentes autoridades Transplus (nacionais, regionais e locais) se encontram e trocam as suas experiências sobre práticas dignas de nota. Promover redes regionais para aumentar a acessibilidade a conhecimentos partilhados Transplus por parte dos envolvidos no planejamento de mobilidade e usos do solo; Assegurar a hierarquia e as claras funções nas relações intra-urbanas e regionais; Tabela 6. Diretrizes de Mobilidade Sustentável Fontes: Transplus (2003), Propolis (2004) e A Nova Carta de Atenas (2003), adaptado pela autora Verifica-se a relação próxima que os estudos apresentam dos aspectos de uso do solo e mobilidade, e a grande abrangência necessária no planejamento da mobilidade, muito além da questão apenas dos transportes ou deslocamentos. Destaca-se a questão da participação social nos processos de planejamento como preocupação européia, já presentes na legislação brasileira através do Estatuto da Cidade (Brasil 2005), e a colocação de formas de restrição às vagas de estacionamento em empreendimentos e nas cidades, um tipo de política bem distante da que vem sendo aplicada na região em estudo, onde as leis municipais exigem do empreendimento grande número de vagas internas, com o objetivo de reduzir o impacto sobre o sistema viário do entorno. Fica claro que a questão da mudança de padrão de mobilidade é complexa, e que a chave é a integração de diversas políticas sempre com o mesmo foco, reforçando e qualificando o transporte público e os deslocamentos por meios não motorizados, taxando a locomoção por automóvel individual, planejando os usos do solo de forma a reestruturar os deslocamentos e com preocupação constante na questão ambiental. Constata-se ainda que os aspectos social, econômico e ambiental relacionados ao conceito de mobilidade são atendidos pelas diretrizes. 53 5 Considerações finais A mobilidade é componente importante na busca pela sustentabilidade regional, na medida em que altas taxas de congestionamento, acidentes rodoviários, ruído e poluição do ar afetam a qualidade da vida diária dos cidadãos. A Aglomeração Urbana do Nordeste é caracterizada por uma conurbação já em grande parte consolidada, em uma região de bom poder aquisitivo e caracterizada por grande dependência do automóvel particular e por inúmeros impactos nas áreas urbanas causados pelos deslocamentos necessários. Com relação às questões de mobilidade, ainda precisa avançar em políticas mais abrangentes e focadas em mudanças de paradigmas. A legislação federal que trata de mobilidade levará os municípios a discutirem e planejarem este tema de grande relevância para a vida e bem estar nas cidades. Quanto às ações efetivas de mobilidade já implantadas, buscando mudar o padrão existente, os municípios estudados ainda não avançaram. Políticas que tratam de meios não motorizados de transporte e desestímulo ao veículo individual ainda são praticamente inexistentes na região, com pequenas ações pontuais no município de maior porte, Caxias do Sul. A região possui problemas nas ligações viárias entre os municípios conurbados, principalmente por serem vias praticamente únicas, sem muitas alternativas. Ao mesmo tempo, há ligando estas cidades um ramal ferroviário ocioso, cujo espaço pode ser aproveitado em um projeto de mobilidade que resgate o modo ferroviário de transporte. O projeto ferroviário proposto para a região da AUNe caracteriza-se pela possibilidade de atendimento a um grande número de usuários sem onerar as vias públicas existentes, podendo se tornar o estruturador de uma rede integrada de transportes e reduzir o número de viagens por carro particular no trecho. Também é uma oportunidade de implantar políticas públicas regionais discutidas em conjunto, trabalhando todos os aspectos relacionados à mobilidade sustentável e atrelando o planejamento urbano e o de transportes. As vantagens oferecidas pelo sistema ferroviário, como regularidade de horários, segurança, conforto e agilidade, além da possibilidade de revitalização das áreas ao longo dos trilhos, colaboram para que se melhorem os parâmetros de sustentabilidade regional. De uma forma geral, a proposição apresentada no termo de referência (AUNe 2012b) atende quesitos de sustentabilidade levantados, quando propõem a reativação de um novo modo de transporte de passageiros regional, e busca 54 esta solução de maneira integrada, agregando nas discussões dez municípios, mesmo aqueles onde os trilhos não passam, mas são indiretamente afetados e podem ser beneficiados por integrações modais. Não há dados que demonstrem o porquê da escolha do VLT, e não houve estudo prévio ou discussão com a comunidade para esta definição. É importante que o tipo de combustível que será usado, caso o trabalho técnico demonstre esta alternativa viável, seja uma solução sustentável, com uso de energias renováveis ou de menor impacto ambiental possível. Além disso, o VLT é apontado como um veículo de fácil inserção em tecidos urbanos consolidados, de baixo ruído e vibração, aspectos importantes já que passará por áreas centrais dos municípios. Proposta do comitê técnico da Aglomeração Urbana do Nordeste (Tonus, 2008) sugere que o projeto considere um grande corredor de transporte regional, com o planejamento e organização territorial nos diversos municípios de forma coletiva e continuada, agregando e integrando diversos modos de transporte. Este é um elemento importante nos aspectos de sustentabilidade estudados, trazendo o componente de planejamento do uso do solo ao projeto, que deixa de ser apenas uma solução de transporte, e passa a ser de mobilidade. A proposta expressa pela CBTU, um dos entes envolvidos, refere-se ao aproveitamento das estações existentes, com valorização dos prédios históricos, e construção de novas atendendo a todos os requisitos de acessibilidade e integradas a bicicletários (Tonus, 2008). O próprio termo de referência prevê ainda a existência de bicicletários em todas as estações, medida importante, mas que deve ser atrelada a políticas locais de incentivo ao uso da bicicleta e promoção de segurança nos deslocamentos. É importante que a seqüência do projeto Trem Regional da Serra Gaúcha agregue estudos e discussões onde parâmetros de sustentabilidade estejam presentes, trabalhando regionalmente as questões de uso do solo e políticas de incentivo ao novo modo e desestímulo ao uso do automóvel, dentro de um planejamento local e regional. Também podem ser trabalhadas políticas globais que tratem não só do projeto em questão, mas de todas as variáveis envolvidas na mobilidade, como acessibilidade, uso do solo, integração a outros modos e meio não motorizados de deslocamento. Todas as políticas devem ser coordenadas e coerentes com este objetivo, inclusive buscando apoio no Estado e Governo Federal. 55 Este projeto também permite que estas cidades que já possuem uma grande interação, possam buscar um novo modelo de desenvolvimento, formando uma rede de centros urbanos interligados por um transporte eficiente, de acordo com os princípios do urbanismo propostos pela Nova Carta de Atenas (2003) para cidades sustentáveis. Os interesses comuns, como a atividade turística que é característica forte na economia da região, podem ser reforçados mutuamente. Assim, se realizado, o projeto virá realmente representar um avanço para a região da Aglomeração Urbana do Nordeste, tanto na questão da mobilidade e no desenvolvimento de ações de planejamento regional, quanto na sua sustentabilidade. 56 Referências bibliográficas AFFONSO, N. S.(2002). Mobilidade e qualidade de vida. Revista dos Transportes Públicos. nº 96, 2002. A Nova Carta de Atenas (2003). A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do séc. XXI. CEU, Lisboa. AUNe (2012a) - Aglomeração Urbana do Nordeste do RS. Caderno Subsídios ao Planejamento Regional.Disponível em: http://www.aune.rs.gov.br/downloads. Acesso em 10/04/2012. AUNe (2012b)- Aglomeração Urbana do Nordeste do RS. Termo de Referência. Disponível em: http://www.aune.rs.gov.br/downloads. Acesso em 10/04/2012 ANTP (2003) Associação Nacional de Transportes Públicos. Secretaria diz como trabalhará a Mobilidade Sustentável. Informativo ANTP número 101. São Paulo. BANCO MUNDIAL (2003). Cidades em Movimento. 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