o idiomatismo nas composições para percussão de luiz d

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o idiomatismo nas composições para percussão de luiz d
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS
O IDIOMATISMO NAS COMPOSIÇÕES
PARA PERCUSSÃO DE LUIZ D’ANUNCIAÇÃO,
NEY ROSAURO E FERNANDO IAZZETTA:
ANÁLISE, EDIÇÃO E PERFORMANCE DE OBRAS SELECIONADAS
Eduardo Fraga Tullio
Orientadora: Profª. Drª. Sônia Marta Rodrigues Raymundo
Goiânia
2005
ii
EDUARDO FRAGA TULLIO
O IDIOMATISMO NAS COMPOSIÇÕES
PARA PERCUSSÃO DE LUIZ D’ANUNCIAÇÃO,
NEY ROSAURO E FERNANDO IAZZETTA:
ANÁLISE, EDIÇÃO E PERFORMANCE DE OBRAS SELECIONADAS
Trabalho Final (artigo e recital) apresentado ao Curso de
Mestrado em Música da Escola de Música e Artes Cênicas da
Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Música.
Área de Concentração: Criação e Expressão
Linha de Pesquisa: Performance Musical e suas Interfaces
Orientadora: Profª. Drª. Sônia Marta Rodrigues Raymundo
Goiânia
2005
iii
EDUARDO FRAGA TULLIO
O IDIOMATISMO NAS COMPOSIÇÕES
PARA PERCUSSÃO DE LUIZ D’ANUNCIAÇÃO,
NEY ROSAURO E FERNANDO IAZZETTA:
ANÁLISE, EDIÇÃO E PERFORMANCE DE OBRAS SELECIONADAS
Trabalho Final (artigo e recital) defendidos em 28 de Março de 2005, e aprovados pela
Banca Examinadora constituída pelos professores:
____________________________________
Profª. Drª. Sônia Marta Rodrigues Raymundo
Presidente da Banca
___________________________________
Prof. Dr. Gilmar Goulart
___________________________________
Prof. Dr. Estércio Marques Cunha
iv
A minha companheira Paula, pelo carinho, ajuda e ser o principal motivo para a
conclusão desta etapa.
v
Agradecimentos
A uma força superior por me carregar nos braços e dar forças nas horas que mais
precisei.
A Paula, pelas sugestões e leituras dos trabalhos.
Ao Philipe, pelo companheirismo, ajuda, empréstimo de livros e instrumentos e pelos
longos debates sobre música.
Aos professores Gilmar Goulart e Estércio Cunha pelas valiosas observações.
Aos meus pais pela estrutura familiar.
A Teresa Raquel e família por me receberem na sua casa.
Ao João Heli, D. Lúcia e família por me receberem em Goiânia.
A família Callegari pela estadia em Uberlândia.
A Profª.Drª. Sônia pelas orientações.
Ao Prof. Dr.Sérgio Barrenechea pela atenção na coordenação.
Ao Maurício Orosco pela amizade e apoio.
Ao Flávio Anunciação pelo scanner musical.
A todos amigos e amigas que direta ou indiretamente me ajudaram nesta etapa.
Ao pessoal da Universidade Federal de Uberlândia, alunos, professores e secretárias
pela amizade.
vi
RESUMO
O presente trabalho discute o idiomatismo nas obras para percussão de três
compositores brasileiros contemporâneos: Luiz D’Anunciação (n. 1926), Ney Rosauro
(n. 1952) e Fernando Iazzetta (n. 1966). Esta pesquisa teve como objetivo principal
discutir aspectos idiomáticos da percussão e demonstrá-los em obras selecionadas. O
trabalho é organizado em duas partes principais. A Parte A, que consiste na
apresentação de um recital cujo repertório inclui obras discutidas na pesquisa ora
apresentada, além de outras obras de compositores brasileiros e estrangeiros. O recital
apresentará obras para percussão solo e de câmara, executadas com a participação do
percussionista Philipe Davis que forma (com o autor) o Duo Perc-Ação!; e a Parte B, na
qual é apresentado o artigo. Durante a revisão bibliográfica realizada no início deste
trabalho, detectou-se que antes que os aspectos específicos das obras dos compositores
em questão pudessem ser discutidos, uma definição, ainda que funcional do conceito
idiomatismo, teria que ser traçado. Constatou-se que no Brasil houve uma intensificação
na relação entre intérpretes e compositores nas últimas décadas, gerando obras cada vez
mais idiomáticas para vários instrumentos. Particularmente na percussão, isto se deve ao
fato de que muitos compositores são também intérpretes das próprias obras. Assim, o
artigo ficou estruturado como segue: 1. Os Compositores; 2. O Termo Idiomático; 3. O
Idiomatismo em composições para percussão; 4. Breves considerações sobre as obras
selecionadas e 5. Considerações sobre os aspectos idiomáticos na percussão
selecionados em obras de D’anunciação, Rosauro e Iazzetta, além de três anexos
trazendo Partituras (em manuscrito e editadas/editoradas), Correspondências e um
Glossário ilustrado de instrumentos de percussão.
vii
ABSTRACT
The present work argues the idiomatism in the works for percussion of three
Brazilian composers contemporaries: Luiz D'Anunciação (n. 1926), Ney Rosauro (n.
1952) and Fernando Iazzetta (n. 1966). This research had as objective main to argue
idiomatic aspects of the percussion and to demonstrate them in selected works. The
work is organized in two main parts. The Part A, that it consists of the presentation of a
recital whose repertoire includes works argued in the presented research however,
beyond other works of Brazilian and foreign composers. The recital will present works
for solo percussion and of chamber, executed with the participation of the percussionist
Philipe Davis who forms (with the author) the Duo Perc-Ação!; and the Part B, in
which is presented the article. During the carried through bibliographical revision in the
beginning of this work, it was detected that before the specific aspects of the works of
the composers in question could be argued, a definition, that still functional of the
concept idiomatism, it would have that to be traced. One evidenced that in Brazil it had
an intensification in the relation between interpreters and composers in the last decades,
generating more idiomatic works each time for some instruments. Particularly in the
percussion, this if must to the fact of that many composers are also interpreters of their
own works. Thus, the article was structuralized as it follows: 1. The Composers; 2. The
Idiomatic Term; 3. The Idiomatism in compositions for percussion; 4. Brief
considerations on selected works and 5. Considerations on the aspects idiomatic in the
percussion selected in works of D'anunciação, Rosauro and Iazzetta, beyond three
annexes bringing Partitions (in manuscript and edited/editored), Correspondences and
an illustrated Glossary of percussion instruments
.
viii
SUMÁRIO
RESUMO
vi
ABSTRACT
vii
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
x
PARTE A
1
Programa do Recital de Defesa de Mestrado
Notas de Programa
Encarte com a gravação em CD do Recital de Mestrado
Outros Programas de Recitais Relacionados ao Trabalho
2
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PARTE B (Artigo)
O IDIOMATISMO NAS COMPOSIÇÕES PARA PERCUSSÃO DE
LUIZ D’ANUNCIAÇÃO, NEY ROSAURO E FERNANDO IAZZETTA:
ANÁLISE, EDIÇÃO E PERFORMANCE DE OBRAS SELECIONADAS
8
INTRODUÇÃO
9
1. OS COMPOSITORES
1.1 Luiz D’Anunciação (1926)
1.2 Ney Rosauro (1952)
1.3 Fernando Iazzetta (1966)
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2. O TERMO IDIOMÁTICO
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3. O IDIOMATISMO EM COMPOSIÇÕES PARA PERCUSSÃO
3.1 Técnica de quatro baquetas
3.2 Exploração de timbres diferentes
3.3 Teclados
3.4 Instrumentos de caráter popular no Brasil
3.5 Rulo
3.6 Acessórios
3.7 Rudimentos (ornamentos)
3.8 Combinação de instrumentos (percussão múltipla)
3.9 Instrumentos de pele (tambores diversos)
3.10 O pedal no vibrafone e a técnica de abafamento
3.11 Uso de vários tipos de baquetas
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4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS OBRAS SELECIONADAS
4.1. Obras de Luiz D’Anunciação
4.1.1. Motivos Nordestinos (Suíte para marimba, flauta, piccolo,
berimbau e vibrafone)
4.1.2. Divertimento para berimbau e violão
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31
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ix
4.1.3. Divertimento para Tom-tons
4.1.4. Dança para pandeiro estilo brasileiro e oboé
4.1.5. Dueto para Bloco chinês e Tom-tons
4.1.6. Pequena Suíte para Vibrafone
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4.2.Obras de Ney Rosauro
4.2.1. Cenas Ameríndias nº I e II
4.2.2. Sonata Ciclos da Vida
4.2.3. Três Prelúdios para marimba solo
4.2.4. Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra
4.2.5. Suíte Popular Brasileira para marimba solo
4.2.6. Cadência para berimbau
4.2.7. Rapsódia para percussão solo e Orquestra
4.2.8. Seven Brazilian Children Songs
4.2.9. Bem – Vindo
4.2.10. Variações sobre um tema do Rio Grande
4.2.11. Variações para quatro tom-tons
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4.3. Obras de Fernando Iazzetta
4.3.1. Unka
4.3.2. Prakatá
4.3.3. Cage-Abertura para duo de percussão
4.3.4. Promenade
4.3.5. Urbanas II
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40
5. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS IDIOMÁTICOS NA PERCUSSÃO
SELECIONADOS EM OBRAS DE D’ANUNCIAÇÃO, ROSAURO E IAZZETTA
5.1. Técnica de quatro baquetas
5.2. Exploração de timbres diferentes
5.3. Instrumentos de caráter popular no Brasil
5.4. Combinação de instrumentos (percussão múltipla)
5.5. Rudimentos (ornamentos)
41
CONCLUSÃO
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
84
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
89
ANEXO I – Partituras (em manuscrito e editadas/editoradas)
ANEXO II – Correspondências
ANEXO III - Glossário ilustrado de instrumentos de percussão
41
52
61
66
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x
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
Exemplo nº 1 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Baião). comp. 28 a 32.
Exemplo nº 2 e nº 3 - D’Anunciação, Luiz. Motivos Nordestinos (Cantiga de Violeiro), comp. 11 e 36.
Exemplo nº 4 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág 9.
Exemplo nº 5 - Rosauro, Ney. Rapsódia, comp. 99 a 101.
Exemplo nº 6 - D’Anunciação, Luiz. Motivos Nordestinos (Cantiga de Violeiro), comp. 20 e 21.
Exemplo nº 7 - Rosauro, Ney. Prelúdio nº 3, comp. 26 a 29.
Exemplo nº 8 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba, III mov., comp. 1 a 4.
Exemplo n. 9 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba, II mov., comp. 3 e 4.
Exemplo nº 10 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Baião), comp. 1 a 6.
Exemplo nº 11- Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Maracatu), comp. 20 e 21
Exemplo nº 12 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 6.
Exemplo nº 13 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 4.
Exemplo nº 14 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 13.
Exemplo nº 15 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 7.
Exemplo nº 16 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 80.
Exemplo nº 17 - Rosauro, Ney. 5 Cirandas Brasileiras, comp. 1 e 2.
Exemplo nº 18 - Rosauro, Ney. Prelúdio nº. 3, comp. 1.
Exemplo nº. 19 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 de Marimba, III movimento, comp. 22 a 26.
Exemplo nº 20 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 7.
Exemplo nº 21 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág.7.
Exemplo nº 22 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 1.
Exemplo nº 23 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 595 e 596.
Exemplo nº 24 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 600 a 603.
Exemplo nº 25 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 592.
Exemplo nº 26 - Rosauro, Ney. Sonata Ciclos da Vida (Canto), comp. 1.
Exemplo nº 27 - Rosauro, Ney. Sonata Ciclos da Vida (Canto), comp. 87.
Exemplo nº 28 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, tema, comp. 1.
Exemplo nº 29 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 1, comp. 1.
Exemplo nº 30 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 2, comp. 1.
Exemplo nº 31 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 3, comp. 1.
Exemplo nº 32 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra, I mov., comp. 91.
Exemplo nº 33 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 7.
Exemplo nº 34 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 26.
Exemplo nº 35 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 11.
Exemplo nº 36 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, pág 5.
Exemplo nº 37 - Rosauro, Ney. Cadência para berimbau, legenda, pág. 7.
Exemplo nº 38 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 357 e 358.
Exemplo nº 39 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 3.
Exemplo nº 40 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 3.
Exemplo nº 41 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 4.
Exemplo nº 42 - D’Anunciação, Luiz. Dança para pandeiro estilo brasileiro e oboé, comp. 1.
Exemplo nº 43 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, performance notes. 1. vibrafone, 2.
tom-tons, 3. caixa-clara, 4. repinique, 5. prato china, 6. três pratos suspensos, 7. triângulo, 8. cowbells, 9.
reco-reco, 10. castanholas, 11. temple blocks, 12. wood blocks, 13. três copos de cristal e 14. apitos de
pássaros.
Exemplo nº 44 - Rosauro, Ney. Cenas Brasileiras nº 1 e 2, Baião, comp. 1.
Exemplo nº 45 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
Exemplo nº 46 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 1.
Exemplo nº 47 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
Exemplo nº 48 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
Exemplo nº 49 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
Exemplo nº 50 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 1.
Exemplo nº 51- Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias I, pág. 1.
Exemplo nº 52 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias II, pág.1.
Exemplo nº 53 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias I (Brasiliana), comp. 1, 2, 3.
Exemplo nº 54 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias II (Eldorado), comp. 1.
xi
Exemplo nº 55 - Iazzetta, Fernando. Promenade, folha de rosto.
Exemplo nº 56 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, legenda.
Exemplo nº 57 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 4.
Exemplo nº 58 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 7.
Exemplo nº 59 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 33-34.
Exemplo nº 60 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 40 e 41.
Exemplo nº 61 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 477 a 479.
Exemplo nº 62 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para Berimbau e Violão, comp. 1 a 4.
Exemplo nº 63 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra, II mov., comp. 9 e 10.
Exemplo nº 64 - D’Anunciação, Luiz. Dueto para Bloco Chinês e Tom-tons, comp. 1 a 3.
Exemplo nº 65 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 4.
Exemplo nº 66 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Caboclinhos), comp. 18 e
19.
Exemplo nº 67 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 40.
Exemplo nº 68 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, seção 1.
Exemplo nº 69 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 21.
Exemplo nº 70 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 37.
Exemplo nº 71 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 39.
Exemplo nº 72 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 73.
PARTE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE E ARTES CÊNICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM MÚSICA
Auditório Belkiss Carneiro de Mendonça – CAMPUS II – UFG
Data: 28 de Março de 2005 às 20.00 hs
RECITAL DE MESTRADO
Candidato:
EDUARDO FRAGA TULLIO, percussão
Convidado:
PHILIPE DAVIS, percussão
Programa
Cage – Abertura para duo de percussão (1991)
Fernando Iazzetta (n. 1966)
Cenas Ameríndias nº 1 (Brasiliana) (1986- 87)
Ney Rosauro (n.1952)
Carrousel (1987)
David Friedman (n 1947) e
David Samuels (n.1948)
Dança Negra
Camargo
1993)
Guarnieri
(1907-
(Arranjo para marimba com dois executantes) Philipe Davis (n.1975)
Dueto para Bloco chinês e Tom-tons (1978)
Luiz D’Anunciação (n.1926)
Oração para São Francisco de Assis
João Catalão (n. 1978)
Pequena Suíte para vibrafone (1996) – II Mov. Lundu
Luiz D’Anunciação (n.1926)
Túcu Túcu Tá Tum (1997)
Philipe Davis (n.1975)
Recital apresentado por Eduardo Fraga Tullio ao Curso de Mestrado em Música da Escola
de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para
2
obtenção do título de Mestre em Música, sob a orientação da Profª. Drª. Sônia Marta
Rodrigues Raymundo.
3
NOTAS DE PROGRAMA
O repertório para o recital final foi definido em função dos instrumentos disponíveis para a
execução das obras. As obras dos compositores Luiz D’Anunciação, Ney Rosauro e
Fernando Iazzetta que estão no programa foram descritas no Artigo que faz parte do
trabalho final do mestrado. Além destas obras, este recital contém obras de compositores
nacionais e estrangeiros e foram escolhidas para este recital por serem obras consideradas
idiomáticas (tema central do Artigo final), de importantes percussionistas-compositores e
por fazerem parte do repertório do Duo Perc-Ação!. O recital conta com a participação do
percussionista Philipe Davis, que junto com Eduardo Tullio forma o Duo Perc-Ação!.
Cage – Abertura para Duo de percussão (1991)
Composta em Novembro de 1991, a obra é dedicada ao Duo Contexto, formado pelos
percussionistas Eduardo Leandro e Ricardo Bologna. A obra apresenta uma introdução em
que os percussionistas tocam em uníssono executando o tema inicial em sextinas. Após
uma seção com pequenos motivos rítmicos, outras duas frases em sextinas dão seqüência,
passando a uma seção em que os percussionistas deixam de tocar em uníssono. Seguindo
com uma base rítmica na mão direita e motivos rítmicos na mão esquerda com “pergunta e
resposta” entre os percussionistas, é estabelecido um ostinato rítmico, característico da
música afro, que serve de base para os improvisos dos intérpretes. Apresenta uma seção
final onde o andamento dobra, mostrando virtuosidade e a intenção de vigor da obra. A
performance nesta obra se torna de grande importância, pois os percussionistas tocam um
de costas para o outro.
Iazzetta é natural de São Paulo. Graduou-se em percussão pelo Instituto de Artes da Unesp
em 1988, tendo atuado a partir de 1985 em orquestras paulistas e grupos de câmara. Foi
pesquisador associado e professor no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da PUC-SP de 1997 a 2002. Realizou seu doutorado em
Comunicação e Semiótica pela PUC-SP com a tese “Sons de Silício: Corpos e Máquinas
Fazendo Música”. Atualmente é professor na área de Música e Tecnologia do
Departamento de Música da Escola de Artes da Universidade de São Paulo e Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Artes da mesma universidade.
4
Cenas Ameríndias I (Brasiliana)
Escrita entre 1986 e 1987 em Brasília, esta peça para percussão múltipla é baseada nos
ritmos e melodias dos índios nativos da América do Sul. Os instrumentos de percussão
usados em combinação com os instrumentos de teclados, além de adicionarem um rico
colorido
tímbrico,
tem
também
uma
importante
função
melódica
dialogando
constantemente com a voz principal. O uso de acordes aumentados e melodias com
intervalos de segundas e sétimas são algumas das ocorrências encontradas na peça.
Brasiliana, para marimba e instrumentos de madeira (temple blocks, wood blocks e chimes
de bambu) foi escrita em homenagem à cidade de Brasília e suas melodias tristes evocam a
memória do planalto seco e solitário, onde a cidade é localizada. Esta composição tem uma
estrutura simétrica que está diretamente relacionada com as formas geométricas em que a
cidade foi construída.
Rosauro é natural do Rio de Janeiro. Estudou entre 1972 e 1978 na Universidade de
Brasília fazendo o curso de Composição e Regência. Em 1976 começou seus estudos de
percussão sinfônica com Luiz D’Anunciação no Rio de Janeiro. Entre 1980 e 1982 fez
cursos de especialização em Percussão e Pedagogia Musical sob a orientação de Siegfried
Fink na Hochschule für Musik Würzburg (Alemanha), onde cursou o Mestrado em
Percussão (1985 a 1987). Concluiu seu curso de Doutorado em Percussão na Universidade
de Miami (EUA) em 1992, sob a orientação de Fred Wickstrom. Atualmente é chefe do
departamento de percussão da Universidade de Miami.
Carousel (1987)
A obra foi composta por Friedman e Samuels, dois importantes percussionistascompositores que formam o Duo Double Image. Esta peça gira em torno de um ostinato
rítmico-melódico cíclico tocado com escalas pentatônicas e executada pela técnica de
quatro baquetas na marimba e vibrafone. Em seguida são apresentados três solos, de
vibrafone, marimba e novamente vibrafone. Finalizando a obra o tema inicial é
reapresentado dando a obra uma forma cíclica.
David Samuels, natural de Chicago (EUA), é um importante marimbista e vibrafonista de
jazz. Já se apresentou e gravou ao lado de renomados artistas como Frank Zappa, Gerry
Mulligan, Stan Getz, Pat Metheny, dentre outros.
5
David Friedman, também vibrafonista e marimbista, atualmente é chefe do departamento
de Jazz da Hochschule der Künste em Berlim-Alemanha e autor dos livros Mirror From
Another e Vibraphone Technique, Dampening and Pedaling, literatura de grande
importância no estudo de vibrafone.
Dança negra (1998)
Este arranjo escrito para dois percussionistas em uma mesma marimba surgiu a partir da
obra original para piano solo de Guarnieri. De uma maneira generalizada, um
percussionista toca a parte da mão esquerda e o outro a parte da mão direita, com várias
adaptações para a técnica do instrumento. Na obra é usada a técnica de quatro baquetas e
para execução da obra é necessário uma marimba com a extensão de 4 oitavas e uma terça,
chamada na percussão de marimba em lá.
Philipe Davis (n.1976) é natural de Barbacena e iniciou-se na música primeiramente
tocando bateria, continuando seus estudos em percussão na Escola de Música Villa-Lobos
(RJ). Escreve arranjos e obras para percussão, já tendo suas músicas apresentadas pelo
grupo de percussão da Escola de Música Villa-Lobos. Suas obras obtiveram boa
classificação no Concurso para percussão da Percussive Arts Society (Brasil) em 2001.
Atualmente está concluindo a Licenciatura em Música na UniRio e integra a Orquestra
Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Dueto para blocos chineses e tom-tons (1978)
A obra utiliza cinco blocos chineses e dois tom-tons. É iniciada por uma frase nos blocos
chineses, seguida por uma imitação rítmica nos tom-tons. Escrita no compasso ternário, o
dueto é uma obra curta onde é trabalhado o contraponto rítmico entre os instrumentos.
D’Anunciação é natural de Sergipe e estudou percussão com os professores John K. Galm
na Universidade do Colorado, Phill Krauss em Nova York e José Bethencourt em Chicago.
“Pinduca” como é conhecido, é um dos pioneiros em composições solo para percussão no
Brasil. Atualmente está aposentado pela Orquestra Sinfônica Brasileira (RJ).
6
Oração para São Francisco de Assis (1999)
Este solo para vibrafone é uma fantasia sobre o tema da Oração de São Francisco de Assis.
Escrito no compasso 6;8, a obra utiliza técnicas fundamentais do vibrafone como o uso do
pedal e o abafamento.
João Catalão (n.1978) é natural de Brasília e formado em percussão pela Universidade
Federal de Santa Maria. Sua obra “Boa Vista” para quarteto de percussão obteve o segundo
lugar no concurso de composição da Percussive Arts Society (Brasil) em 2001.
Recentemente completou uma especialização em vibrafone com o vibrafonista Emmanuel
Sejourne na cidade de Strasbourg na França.
Pequena Suíte para vibrafone (1995-96)
Composta entre 1995 e 1996 a suíte é formada pelos seguintes movimentos: Acalanto,
Lundu, Schottisch e Toccata (Côco de Embolada). Estas peças constam no volume II –
Livro B, Caderno 3 do Manual de percussão do compositor e apresentam as dificuldades
compatíveis ao nível intermediário (Schottisch) e ao nível adiantado (Acalanto, Lundu e
Toccata). São obras curtas que apresentam contrapontos entre as vozes, melodias bem
definidas e síncopes características da música brasileira.
Túcu Túcu Tá tum (1997)
A obra foi originalmente escrita para solo de percussão sendo posteriormente arranjada
para duo de percussão. Esta foi a primeira obra composta por Philipe Davis e que motivou
a formação do Duo Perc-Ação!, que fez sua estréia em Novembro de 1997. A obra
apresenta uma introdução executada somente com voz e gestual, sendo seguida pelo
uníssono instrumental. Após uma seção de solos onde a performance se torna de grande
importância, o tema inicial é reapresentado levando a uma coda final.
7
PARTE B
O IDIOMATISMO NAS COMPOSIÇÕES PARA PERCUSSÃO DE
LUIZ D’ANUNCIAÇÃO, NEY ROSAURO E FERNANDO IAZZETTA:
ANÁLISE, EDIÇÃO E PERFORMANCE DE OBRAS SELECIONADAS
8
INTRODUÇÃO
O presente projeto de pesquisa surgiu justamente da preocupação do Duo PercAção! (formado pelo percussionista Philipe Davis e por mim), com a escolha de um
repertório exclusivo de obras brasileiras para percussão, as quais se encontram, em sua
maioria, carentes de revisão e edição. Nesta busca, a questão idiomática foi um dos
critérios principais de escolha, além da formação para duo e diversidade de instrumentos
envolvidos em cada peça. Numa pesquisa bibliográfica preliminar sobre idiomatismo na
música, constatou-se que apesar do termo “idiomático” ser amplamente empregado em
trabalhos da área, pouco se discute sobre o seu significado e aplicabilidade em música.
Vale ressaltar a ausência do termo em vários dicionários e enciclopédias de música em
português e inglês (exceção feita para o The New Harvard Dictionary of Music).
Alguns pesquisadores brasileiros têm feito da questão idiomática o centro de suas
questões de pesquisa. Projetos envolvendo a colaboração entre compositores e intérpretes,
a exemplo do “Pérolas e Pepinos do Contrabaixo” desenvolvido por Fausto Borém na
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – (Borém, 2000) e Técnica Expandida
para Violino na Música Brasileira, desenvolvido por Eliane Tokeshi na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – (Tokeshi e Copetti, 2004), têm gerado
composições mais idiomáticas, as quais têm chamado a atenção inclusive de iniciativas
editoriais, a exemplo da Goldberg e da Irokun, duas editoras que prestigiam obras recentes
de compositores brasileiros.
Outro trabalho que promove a aproximação entre compositores e intérpretes é
realizado no Rio de Janeiro através do grupo de compositores Prelúdio XXI, formado por
Caio Senna, Alexandre Schubert, Neder Nassaro, Heber Schünemann, José Orlando
Moraes e Sérgio Oliveira. Em 2004 o grupo participou no projeto Sábados Clássicos do
Sesc Flamengo-RJ, compondo obras para Quarteto (clarinete, violoncelo e duo de
percussão). Para a composição de tais obras, os compositores realizaram encontros com os
intérpretes para discutir aspectos inerentes a cada instrumento envolvido e buscar soluções
mais idiomáticas para suas idéias. Os resultados foram mostrados ao público ao final do
projeto.
No caso de composições para percussão há outra consideração a ser feita com
relação a disponibilização de material para o intérprete. As obras de muitos compositores
brasileiros são pouco divulgadas por carecerem de alguma forma de edição, problema
9
ainda agravado pela escassez de edições musicais no país. Obras de compositores
brasileiros em atividade, a exemplo de Luiz D’Anunciação (1926), Fernando Iazzetta
(1966), Tim Rescala (1961), Tato Taborda (1960), Ney Rosauro (1952) e Carlos Eduardo
Di Stasi (1962), dentre outros, apesar de estarem disponíveis, não são encontradas em
bibliotecas ou acervos públicos de partituras de música, sendo seu acesso dependente de
um contato direto com os próprios compositores ou seus alunos.
O presente artigo pretende discutir um conceito funcional do que seria idiomatismo
na música, relacionar aspectos idiomáticos de obras para percussão e apresentar um recital
com demonstrações das conclusões mais relevantes da pesquisa. Para também atingir os
ideais do Duo Perc-Ação!, inspiração primeira para o surgimento deste trabalho, as obras
escolhidas serão de três compositores brasileiros, representantes de gerações diferentes e
coexistentes no cenário nacional da percussão brasileira: Luiz D’Anunciação (1926), Ney
Rosauro (1952) e Fernando Iazzetta (1966). Numa dimensão mais ampla, o presente
trabalho pretende também colaborar com a difusão e ampliação da literatura para percussão
no país; ampliar as pesquisas que promovem a interação compositor/intérprete e
finalmente, contribuir com as pesquisas em performance musical relacionadas à editoração
e edição de partituras.
10
1. OS COMPOSITORES
1.1. Luiz D’Anunciação (1926)
D’Anunciação é natural de Sergipe. Estudou nos seminários de música da
Universidade Federal da Bahia entre 1955 a 1959, tendo como mestres Hans J. Koellreuter,
Sebastian Benda, Kurt Thomas, Damiano Cozzella e Ernest Widmer. Completou
posteriormente o estudo da percussão com os professores John K. Galm na Universidade
do Colorado, o de vibrafone com Phill Krauss em Nova York e o de marimba com José
Bethencourt em Chicago. É um dos pioneiros em composições solo para percussão no
Brasil. Suas obras demonstram uma utilização primorosa de recursos técnicos da percussão
e características da música nordestina. Podemos destacar no seu método para berimbau, a
sistematização da escrita para duas baquetas no berimbau e nas suas obras, o uso da
coordenação motora entre as quatro baquetas na marimba e o uso do pandeiro brasileiro na
obra Dança para pandeiro estilo brasileiro e Oboé.
Gravou cinco de suas obras no CD Mosaico editado pela Escola Brasileira de
Música no Rio de Janeiro. Participou em concertos com importantes músicos tais como:
Celso Woltzenlogel criando o Duo Instrumentalis e Sônia Maria Vieira no Duo Percussão
de Câmara. Também exerce intensa atividade como solista em percussão. Atualmente está
aposentado pela Orquestra Sinfônica Brasileira (RJ).
Dentre todas suas obras pode-se destacar: Um choro para Radamés (marimba solo 1992), Dança para pandeiro estilo brasileiro e Oboé (1991), Pequena Suíte para
Vibrafone (Modinha - 1995, Schottich - 1995, Lundu - 1995 e Toccata - 1996), Motivos
Nordestinos (Suíte para marimba, flauta, piccolo, berimbau e vibrafone - 1990) e
Divertimento para Berimbau e Violão (1989). Algumas destas obras têm sido muito
executadas por alunos e professores ligados a núcleos de ensino de percussão no Brasil,
principalmente, nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Santa Maria (RS) e
Uberlândia (MG).
1.2. Ney Rosauro (1952)
Rosauro é natural do Rio de Janeiro. Estudou entre 1972 e 1978 na Universidade de
Brasília fazendo o curso de Composição e Regência. Em 1976 começou seus estudos de
11
percussão sinfônica com Luiz D’Anunciação no Rio de Janeiro, com quem teve aula no
Colégio preparatório de instrumentistas da OSB até 1980. Entre 1980 e 1982 fez cursos de
especialização em Percussão e Pedagogia Musical sob a orientação de Siegfried Fink na
Hochschule für Musik Würzburg (Alemanha), onde cursou o Mestrado em Percussão (1985
a 1987). Concluiu seu curso de Doutorado em Percussão na Universidade de Miami (EUA)
em 1992, sob a orientação de Fred Wickstrom. Gravou cinco álbuns: Marimba Brasileira
(1989, em vinil), Rapsódia (1993), Grupo de Percussão da UFSM (1996), Ney Rosauro in
Concert (1998) e Brazilian Music for Percussion Ensemble (2000) que foram muito bem
aceitos pelo público e tem recebido críticas elogiosas da imprensa internacional.
Participou em importantes concertos solo, como na Convenção da Percussive Arts
Society de 1986, e com orquestras em vários países, dentre as quais, a Orquestra Sinfônica
Brasileira no Rio de Janeiro e orquestras dos seguintes países: Argentina, Uruguai, Cuba,
Colômbia, Venezuela, Guatemala, Porto Rico, México, Chile, Croácia, Polônia, Áustria,
Luxemburgo, Suíça, Suécia, Alemanha, Inglaterra, Escócia, Dinamarca, Espanha, Holanda,
Itália, França, Taiwan, China, Japão e nos EUA.
Dentre todas suas obras pode-se destacar: Suíte Popular Brasileira para marimba
solo (1980/82), Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra (1986), Cenas Ameríndias I e II
(1986/87), Rapsódia para percussão solo e Orquestra (1992) e Concerto para vibrafone e
Orquestra (1997). Suas composições já foram gravadas em cds e vídeos por artistas de
projeção internacional, como a percussionista inglesa Evelyn Glennie e a London
Symphony Orchestra. Seu Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra já foi tocado por mais
de 500 orquestras nos cinco continentes.
Rosauro, influenciado diretamente por Luiz D’Anunciação, fez o uso nas suas obras
de citações diretas de elementos usados na música popular brasileira, incluindo
instrumentos, melodias e ritmos tradicionais da música brasileira, além de aspectos
característicos da música folclórica. Muitas de suas composições são escritas para marimba
e vibrafone. A escrita utilizada nas composições de Rosauro é baseada em recursos
técnicos dos instrumentos a exemplo do uso de rulos independentes, toques repetidos e
alternados da técnica de quatro baquetas, diferentes manulações da técnica de caixa-clara e
diferentes sonoridades no vibrafone (através do uso do cabo da baqueta na tecla). O
compositor explora também diferentes instrumentações e é muito influenciado pela obra de
Villa-Lobos, fazendo em suas obras citações como no Prelúdio nº 2 para marimba solo,
dedicado a memória de Villa-Lobos, em que apresenta uma seção similar à harmonia e
12
melodia utilizada na Bachianas Brasileiras nº 4. Desde 2000 é o diretor dos estudos de
percussão na Universidade de Miami.
1.3. Fernando Iazzetta (1966)
Iazzetta é natural de São Paulo. Graduou-se em percussão pelo Instituto de Artes da
Unesp em 1988, tendo atuado a partir de 1985 em orquestras paulistas e grupos de câmara.
Foi pesquisador associado e professor no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da PUC-SP de 1997 a 2002. Durante esse período coordenou o
Centro de Linguagem Musical (CLM). Realizou seu doutorado em Comunicação e
Semiótica pela PUC-SP com a tese “Sons de Silício: Corpos e Máquinas Fazendo Música”.
Atualmente é professor na área de Música e Tecnologia do Departamento de Música da
Escola de Artes da Universidade de São Paulo e Coordenador do Programa de PósGraduação em Artes da mesma universidade.
Como percussionista, Iazzetta recebeu prêmios importantes por suas performances
de altíssimo nível em que podemos destacar o primeiro lugar no Prêmio Eldorado de
Música de 1986, como membro do Grupo de Percussão do Instituto de Artes do Planalto
(PIAP). Enquadra-se na geração mais recente dentre os três compositores abordados na
presente pesquisa. Trabalhou em suas obras a junção do aspecto aleatório combinado com
ostinatos rítmicos, e mais recentemente tem utilizado novas tecnologias e se concentrado
na produção de música de câmara e eletroacústica.
Sua obra é importante para o repertório da percussão em especial pela
instrumentação utilizada, como o güiro, tamborim de samba, almglocken (cowbell suíço),
logdrum (tambor de fenda), guizos, matraca, pratos hi-hat da bateria e o berimbau. Um
ponto característico é o tipo de escrita usada em Urbanas II e Promenade, utilizando a
grafia não-convencional. Suas obras apresentam seções para improvisos dos intérpretes e
exploram recursos técnicos dos instrumentos, como o uso da surdina nos tímpanos e o
berimbau tocado de uma forma não tradicional. Certas passagens nas obras requerem um
nível adiantado de execução e exploram dentre vários fatores, o uso dos rudimentos e
sonoridades comuns na música contemporânea, como raspar o tam-tam com baquetas de
triângulo. Uma de suas primeiras obras para percussão, que está inclusa na pesquisa é
Unka (1986) e foi escrita quando o compositor era ainda aluno do segundo ano de
13
graduação. Naquela época suas composições para grupos de câmara já apresentavam um
equilíbrio entre as partes, bem como a busca pela utilização de timbres inusitados como o
do güiro (instrumento da família dos raspadores). Dentre suas obras podemos destacar:
Cage-Abertura para duo de percussão (1991), Urbanas II (1991), Prakatá (1992),
Promenade (1997) e PerCurso (peça eletroacústica-1997), peças para formações de
câmara, além de arranjos para grupo de percussão, a exemplo do conhecido Jongo de Paulo
Belinatti e de Sons do Brasil II (uma seleção de canções brasileiras).
Dentre as várias gravações de suas obras estão os álbuns Duos e Trios
Contemporâneos (selo LAMI, 2003) e Música Eletroacústica Brasileira (selo Sociedade
Brasileira de Música Eletroacústica, 1999). As obras de Iazzetta já foram executadas na
Bienal de Música Brasileira Contemporânea (1991, 1995, 1997 e 2003) e apresentadas nas
principais cidades e festivais de música do Brasil, sendo interpretadas por grupos de grande
expressão nacional como o Duo Contexto (percussão), Grupo Novo Horizonte (Orquestra
de Câmara) e Grupo Piap (percussão).
14
2. O TERMO “IDIOMÁTICO”
Na origem etimológica da palavra idiomático, idio significa elemento de
composição derivado de grego idio-, de ídios, isto é, próprio, pessoal, privativo (Cunha,
1997). Apesar de bastante usado em trabalhos sobre música, o termo idiomático não se
encontra neles profundamente discutido. Por outro lado, outras áreas o fazem com mais
freqüência. Na literatura, o termo está ligado às expressões e figuras de estilo, que deixam
claras em uma primeira leitura as características básicas de um estilo poético ou um
determinado autor. Na lingüística, uma expressão idiomática é uma lexia complexa
indecomponível, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição cultural (Xatara, 2001) e
pode também indicar um adjetivo, ou seja, indica aquilo que é relativo a ou próprio de um
idioma. Pode ser ainda a língua de uma nação ou a língua peculiar a uma região (Ferreira,
1999).
Na música, o que identifica o idiomatismo em uma obra é utilização das condições
particulares do meio de expressão para o qual ela é escrita (instrumento/s, voz/es,
multimídia ou conjuntos mistos). As condições oferecidas por um veículo incluem aspectos
como: timbre, registro, articulação, afinação e expressões. Quanto mais uma obra explora
aspectos que são peculiares de um determinado meio de expressão, utilizando recursos que
o identificam e o diferenciam de outros meios, mais idiomática ela se torna. Neste sentido,
se comparado à aplicação lingüística do conceito, o idioma de um instrumento musical
seria o equivalente a um fonema específico de uma língua falada.
A origem do virtuoso (tanto em cantores como instrumentistas) no século XIX é
associada com a crescente escrita idiomática, mesmo em músicas que não eram
tecnicamente difíceis. Obras mais idiomáticas têm sido escritas devido à intensificação da
relação entre intérpretes e compositores, principalmente.
Segundo Borém (2000) um dos objetivos do Projeto Contrabaixo para
Compositores iniciado em 1994 é o estímulo à colaboração compositor-contrabaixista no
desenvolvimento de uma escrita mais idiomática do instrumento e, conseqüentemente, na
ampliação qualitativa e quantitativa do repertório musical brasileiro. Outros trabalhos que
promovem a associação de compositores e intérpretes são as obras do compositor Estércio
Marques Cunha (n. 1941), em Goiânia e o do grupo de compositores Prelúdio XXI, no Rio
de Janeiro.
15
Estércio Marques Cunha é um compositor goiano que tem escrito obras através do
convite de instrumentistas. Nascido em Goiatuba (GO), no ano de 1941, iniciou seus
estudos musicais com aulas de piano, estudando posteriormente no Conservatório Goiano
de Música de Goiânia. Sua formação musical posterior inclui estudos no Conservatório
Brasileiro de Música no Rio de Janeiro e na Universidade de Oklahoma nos Estados
Unidos. Tem obras escritas para: piano solo, piano e flauta, canto e piano, quinteto de
sopros, violino e piano, trombone solo, orquestra de cordas, contrabaixo e orquestra, dentre
outras.
O trabalho realizado pelo Prelúdio XXI acontece através de um grupo de
compositores oriundos da UniRio, UFRJ e Conservatório Brasileiro de Música, visando a
criação de novas composições. Geralmente estas novas obras são apresentadas em uma
série de concertos chamada Música Nova na UniRio. Através de encontros dos
compositores com os intérpretes, são realizados workshops onde são exemplificadas as
possíveis técnicas dos instrumentos e colocações quanto à instrumentação disponível de ser
utilizada, bem como a extensão dos instrumentos.
Geralmente nestes trabalhos os intérpretes passam informações detalhadas sobre os
instrumentos, e às vezes ocorre um trabalho de composição coletiva quando as obras são
compostas, corrigidas e melhoradas inúmeras vezes. Este tipo de elaboração das obras
acaba se tornando muito produtivo para a escrita de obras idiomáticas. Supõe-se através
destas iniciativas (com resultados satisfatórios), que a tendência da união entre
compositores e intérpretes será acontecer cada vez mais em um âmbito maior.
Segundo Borém (2000), uma avaliação do resultado sonoro da partitura diretamente
com o intérprete, tanto isoladamente em cada instrumento quanto no contexto da
orquestração, ainda é a ferramenta mais útil no processo de confirmar, refinar ou excluir
partes da escrita imaginada pelo compositor. Borém comenta, “como eu e o professor
Fernando Rocha tivemos o privilégio de trabalhar diretamente com Lewis Nielson durante
uma semana antes da estréia de Danger Man, o processo de experimentação mostrou-se
muito proveitoso na realização das idéias do compositor, na confirmação das mudanças
negociadas e instruídas via Internet, no ajuste de articulações, timbres, andamentos e
caráter, para que finalmente, chegássemos à versão final da obra”. Concluindo, Borém
afirma que “a experimentação realizada diretamente no próprio contrabaixo, paralelamente
ao processo criativo, permitiu ao compositor checar o resultado sonoro de suas idéias e
16
incorporar técnicas e detalhes de instrumentação tornando obras mais idiomáticas e mais
confortáveis do ponto de vista de sua realização”.
Às vezes o idiomatismo pode parecer não estar presente de uma forma clara. Neste
aspecto pode-se citar dois exemplos: partituras manuscritas que apresentam dúvidas ao
intérprete na forma de execução, não demonstrando o idiomatismo presente, e segundo, o
compositor não deixa claro na notação da partitura a sua intenção ou forma correta de
execução.
Borém (2000) descreve quatro fatores fundamentais do ponto de vista da
interpretação musical que colaboram para uma obra se tornar parte de um repertório: 1)
exeqüibilidade de todos os parâmetros musicais: alturas, dinâmicas, articulações e timbres,
2) um nível razoável de conforto na sua realização, 3) satisfação para o intérprete que
estuda a obra e 4) interesse do ponto de vista do público. Borem conclui dizendo: “de fato,
poderíamos generalizar que, quando um ou mais desses fatores é negligenciado pelo
compositor, são menores as chances da obra se tornar parte do repertório”. Acredita-se que
composições com uma escrita idiomática, certamente se tornarão parte do repertório e cada
vez mais, executadas por um número maior de intérpretes.
Muitos compositores apresentam em suas obras aspectos idiomáticos devido a três
motivos: por tocarem o instrumento, pela experiência de composições anteriores ou pela
aproximação com os instrumentistas. O conhecimento do instrumento e sua técnica é que
fazem a escrita e a música se tornarem idiomáticas. Por exemplo, Steve Reich (n. 1936)
estudou percussão em Ghana no ano de 1970 e, conseqüentemente, suas obras se tornaram
muito idiomáticas para a percussão.
Outro ponto de discussão é o idiomatismo relacionado à música brasileira, e neste
aspecto notamos que alguns pesquisadores verificam a influência de ritmos brasileiros no
repertório de instrumentos solo ou em música de câmara. Pode-se citar a pesquisa de Ray
(1999) verificando a influência dos ritmos baião, choro e samba no repertório erudito para
contrabaixo. Nota-se também esta influência no repertório para a percussão, tanto pela
análise dos elementos musicais explícitos nas partituras, quanto pelo nome das obras: Um
choro para Radamés e Motivos Nordestinos do compositor Luiz D’Anunciação, Suíte
Popular Brasileira (Baião, Xote, Caboclinhos e Maracatu) e Cenas brasileiras para
quarteto de percussão (Baião e Frevo) do compositor Ney Rosauro.
Farias (2003) cita em seu trabalho: Muitos compositores brasileiros compõem ou
compuseram obras que remetiam às características inerentes da música nordestina,
17
escrevendo idiomaticamente dos conjuntos regionais para os conjuntos camerísticos e
sinfônicos.
Fazendo um histórico das primeiras obras para percussão no país que apresentavam
algum aspecto idiomático, é possível encontrar obras pioneiras como: Estudos para
instrumentos de percussão (1953) composta por Camargo Guarnieri, que utiliza
instrumentos tradicionais brasileiros como o reco-reco. Outra obra é Rhythmetron (1968)
do compositor Marlos Nobre. Composta por três movimentos a obra é escrita para dez
percussionistas e utiliza 38 instrumentos, muitos do folclore brasileiro. Esta música contém
ritmos do folclore nordestino como o maracatu no primeiro movimento e samba no terceiro
movimento. Mais uma obra que se pode citar é Divertimento para marimba e orquestra de
cordas (1982) de Radamés Gnatalli que se torna idiomática pelo uso de células rítmicas
características da música brasileira. Sua cadência foi escrita por Luiz D’Anunciação.
18
3. O IDIOMATISMO EM COMPOSIÇÕES PARA PERCUSSÃO
Nas composições para percussão, o idiomatismo se deve ao fato de que muitos
compositores são também intérpretes ativos. Existem obras para percussão em que os
compositores-intérpretes tocam diferentemente da versão da partitura, não as corrigindo. Já
Rosauro (apud Weiss, 1999) comenta que cada música que ele escreve para teclados é
tocada várias vezes antes de ser enviada para publicação, fazendo as correções necessárias
para que a peça se encaixe confortavelmente no teclados. Rosauro afirma ter aprendido
muito no processo de compor e de explorar detalhes que ajudaram-no a desenvolver a
técnica de quatro baquetas, peculiaridade de suas obras pra teclados em percussão.
Freqüentemente os compositores buscam explorar timbres característicos de um
determinado instrumento, fazendo assim com que o intérprete tenha a oportunidade de
pesquisar melhor a sonoridade em seu instrumento. Na percussão, os compositores
percussionistas demonstram preocupações em relação ao timbre, indicando com que
baqueta se deve tocar (o que é bastante comum nos últimos vinte anos, até as obras mais
atuais) bem como o uso de diferentes instrumentos, divididos entre os músicos executantes
de formas iguais. Na escrita para os pratos, por exemplo, pode vir especificado a região a
ser tocada - borda, cúpula ou meio, e é essa variedade de timbres de um mesmo
instrumento que faz a diferença no idiomatismo. Uma possibilidade de se utilizar
instrumentos de caráter popular no Brasil de uma forma idiomática é o uso das técnicas
tradicionais dos instrumentos. Por exemplo, berimbau e repinique são muito utilizados nas
obras de D´Anunciação e Rosauro, respeitando-se seu caráter de uso tradicional na música
brasileira.
Algumas escolhas dos compositores são fundamentais para uma escrita idiomática
para percussão. A seguir discorre-se sobre procedimentos idiomáticos para percussão
selecionados. Cabe ressaltar que cinco destes aspectos serão detalhados no item 5 do
presente trabalho.
19
3.1 Técnica de quatro baquetas
Existem três formas principais de segurar as quatro baquetas. A primeira chamada
“Tradicional” as baquetas ficam cruzadas na mão, apoiada pelo dedo mínimo. Na segunda
chamada “Burton”, a baqueta externa é pressionada contra a palma da mão apoiada pelo
dedo médio. Esta segunda maneira tem uma variação chamada “Extensão do grip Burton”
elaborado por Ney Rosauro. No estilo “Rosauro” a baqueta externa é apoiada pelo dedo
anelar – este estilo também merece menção, uma vez que é muito utilizado no Brasil por
ex-alunos dele. Na terceira chamada “Stevens”, as baquetas não se cruzam. A primeira
baqueta é segurada pelos dedos polegar e indicador e a segunda baqueta é apoiada pelos
dedos anelar e mínimo. Conforme demonstrado na figura nº1 abaixo.
Figura nº 1. Gianessella, Eduardo. Revista Cover Batera, Outubro, 1999, p. 54-55.
No uso da técnica de quatro baquetas, as quatro formas mais comuns estão descritas
a seguir:
A primeira, a harmonia é realizada pela mão esquerda e melodia pela mão direita
ou vice-versa. Os intervalos mais simples de serem executados na mão esquerda estão
20
entre uma segunda maior e uma sexta. Este fato se justifica em função das teclas
aumentarem significativamente de tamanho na região grave, exigindo maior abertura das
baquetas. Entretanto na mão direita, os intervalos mais simples de serem executados estão
entre uma segunda maior e uma oitava. Maiores intervalos são conseguidos com facilidade
na região aguda em função das teclas serem menores e exigirem menor abertura das
baquetas.
Na segunda maneira, as teclas são percutidas com as quatro baquetas em toques
rápidos e alternados. Neste caso, as baquetas são numeradas de 1 a 4, sendo o padrão mais
utilizado aquele que numera as baquetas da esquerda para direita. Assim, as duas baquetas
da mão esquerda são enumeradas 1 e 2, e as duas baquetas da mão direita são enumeradas
3 e 4. O uso de seqüências como 1234, 1243, 4321, 1324, 4312 são fortemente solicitadas
em obras para teclados, a exemplo de peças da compositora e percussionista japonesa
Keiko Abe (n. 1937), dos americanos Gordon Stout (n. 1952) e Mitchell Peters (n. 1928),
dentre outros. Estas seqüências são também apresentadas em vários métodos de percussão
como forma de aprimoramento da técnica e aquecimento para os intérpretes.
Na terceira maneira, o uso do rulo independente também é característico da técnica
de quatro baquetas. No rulo independente uma das mãos executa um rulo através de
movimentos alternados com as baquetas e a outra executa melodias ou ritmos. No caso de
melodias, uma possibilidade é um rulo com uma das mãos para sustentar a harmonia e a
outra mão executar melodias. Este tipo de rulo também é utilizado para passagens
melódicas no mais diversos intervalos, enquanto a outra mão ocupa-se de ostinatos de
sustentação desta melodia ou contrapontos. Outra possibilidade é um rulo em um prato
com uma das mãos e a outra executando ritmos em outros instrumentos.
Na quarta maneira, o uso de acordes é comum na técnica de quatro baquetas. Os
acordes podem ser usados em posição fechada (tríades ou tétrades em terças superpostas)
ou posição aberta. Os acordes podem ser também executados com rulo. Alguns acordes se
tornam difícies de serem executados devido à distância entre as mãos e/ou as notas a serem
tocadas. O uso de acordes é encontrado em muitas obras, sendo seu uso mais característico
na marimba e vibrafone. No xilofone e glockenspiel encontramos poucas obras que
utilizam a técnica de quatro baquetas.
Na execução de linhas melódicas simples pode-se combinar as baquetas 2 e 3 (mais
difundida entre os marimbistas), 2 e 4 (mais popular no vibrafone devido à influência de
Gary Burton), e as menos utilizadas 1 / 3 e 1 / 4. E finalmente, podemos incluir o emprego
21
de somente três das baquetas em certas passagens melódicas, para facilitar a execução
destas passagens – isto determina uma cuidadosa abordagem na escolha do baquetamento
destas passagens.
3.1.2. Exploração de timbres diferentes
O uso de sonoridades específicas de determinados instrumentos ou obtidas por
diferentes formas de se articular o instrumento ocorre em muitas obras para percussão. Os
recursos de variações de timbres são inúmeros e pode–se citar os mais utilizados nas obras.
O uso do cabo da baqueta nas teclas do vibrafone ou marimba (na partitura é indicado tocar
com o cabo ou rattan e outra forma de descrever este uso é a utilização de um “x” no
mesmo espaço da nota). Algumas baquetas de vibrafone e marimba são de rattan, uma
espécie de bambu, neste caso a sonoridade se torna incomum pelo som obtido, diferente da
ponta das baquetas de marimba e vibrafone, geralmente encapadas com lã ou linha. Ainda
nos teclados alguns compositores já empregaram vassourinhas, baquetas com chocalhos
colocados no cabo, fachos de bambu leve tocados na borda das teclas, entre outros
acessórios que diversificam o timbre natural da marimba, vibrafone e xilofone em especial.
Uma possibilidade é o uso de diferentes timbres de um mesmo prato, como borda,
cúpula e meio. Nos pratos, os sons graves são encontrados próximos à borda, os sons
médios no meio e os sons mais agudos na cúpula. Os pratos também podem ser tocados
por diversos tipos de baquetas como: baquetas de caixa, baquetas de marimba, baqueta tipo
vassourinha e baquetas de triângulo. O som obtido pelo raspar de baquetas de triângulo nos
pratos e no tam-tam são citados em algumas obras. Existem ainda os chamados “pratos
chuveiros”, que podem ser pratos comuns nos quais é colocado um acessório de metal
(como um esteira de caixa clara) para criar um efeito de zumbido – alguns pratos são
construídos especialmente para este efeito.
O som de metal do aro dos tambores, geralmente grafado com um “x”, é muito
usado em obras para caixa-clara e percussão múltipla, onde o percussionista toca com as
baquetas no aro do tambor. O recurso de ligar e desligar a esteira da caixa-clara durante a
execução de uma obra também já foi bastante utilizado. Outra possibilidade no som de
tambores é o uso de distintas regiões da pele. Este recurso é muito usado nos tímpanos e
tambores como no bombo e caixa-clara. O local de toque na pele dos tímpanos pode ser
dividido em regiões como no centro, na borda, e entre o centro e a borda. No livro Eight
22
Pieces for four timpani (1968) de Elliot Carter (n.1908) este recurso de timbre é muito
explorado. Existe a possibilidade de se explorar timbres em um mesmo instrumento através
do som do corpo do instrumento. Muitas obras requerem tocar no corpo dos tímpanos, ou
seja, tocar na lateral do instrumento.
Uso de instrumentos não convencionais como: panelas, frigideiras, garrafas de
vidro, pedaços de metal, apitos e sirenes são recursos no uso de timbres incomuns nas
obras para percussão. Sons de pedaços de ferro (o termo é muito usado em inglês, “anvil”)
e sons de sirene com dois timbres distintos (agudo e grave) são encontrados na obra
Ionisation (1934) de Edgar Várese (1883-1965).
De outra forma, o uso de recursos sonoros adaptados a instrumentos convencionais
como: temple bell (pequeno sino) sobre a pele caixa aparece na obra Canção simples para
tambor (1990) de Carlos Stasi (n.1962) e bolas de ping-pong colocadas sobre a pele do
bombo aparecem na obra Rumores I (1992) de Paulo Chagas (n.1953).
O som de copos de cristal podem ser obtidos por baquetas muito finas ou pela
fricção dos dedos na borda que geram um som contínuo, sendo necessário haver água no
copo e que o instrumentista tenha os dedos molhados. O uso deste timbre é encontrado na
obra Rapsódia para solo de percussão e orquestra (1992) de Ney Rosauro. Mais um
recurso de timbres diferentes é a percussão corporal. Neste caso é usado o som de estalar
de dedos, sons da perna (na coxa e perto do joelho), som das palmas e assobios. Outra
possibilidade é o uso da percussão cênica, e como exemplo pode-se citar Bravo (1996) de
Tim Rescala (1961), escrita para músicos interpretarem uma platéia de concerto com
palmas em polirritmia e assobios.
Pode-se ainda mencionar os recursos de utilização da água nas músicas, como por
exemplo em Mitos Brasileiros para Quarteto de Percussão (1992) de Ney Rosauro, no
qual ele emprega uma bacia de água e copos para criar a ilusão de uma corrente de água
durante um dos movimentos.
A principal forma de descrição de todos estes recursos de timbres é pela inclusão de
legendas expostas nas páginas iniciais das músicas.
23
3.1.3. Teclados
Os instrumentos tradicionalmente chamados de teclados da percussão são:
marimba, vibrafone, xilofone e glockenspiel. Nos teclados da percussão existe a
possibilidade do uso de dois teclados simultâneos ou alternados por um mesmo
percussionista. No uso de teclados simultâneos, uma possibilidade é a realização da
harmonia na marimba e melodia no vibrafone. Pode-se citar como exemplo a música
Sonata Ciclos da vida (1993) de Rosauro que utiliza a junção do vibrafone com a marimba.
No uso de teclados alternados, outra forma distinta no uso destes instrumentos, é a
passagem do intérprete de um teclado para outro em uma mesma música. Várias obras
utilizam para um mesmo intérprete dois teclados. Uma das primeiras obras é o Concerto
para marimba, vibrafone e orquestra (1947) de Darius Milhaud (1892-1974) o qual
utiliza-se, no segundo movimento, da marimba e do vibrafone alternadamente.
Uma possibilidade sonora nos teclados é o uso de “dead strokes” (toque morto). O
“dead stroke” consiste em tocar a tecla e pressioná-la, com a cabeça da baqueta, de modo a
impedir que a tecla vibre. Este uso é encontrado em muitas obras, dentre várias pode-se
citar o Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra de Rosauro. Outra possibilidade sonora é
a região da tecla a ser percutida. Por exemplo, o som da tecla em cima do “nó” (local onde
passa a corda que sustenta as teclas) tem menos projeção sonora que o centro da tecla. Isso
ocorre pela posição dos tubos abaixo da teclas. Obras como Estudo nº 1 (1980) de
Smadbeck indica para que as baquetas venham gradualmente do nó até o centro da tecla.
Este recurso é muito usado para variações de dinâmica. No uso dos teclados pode-se citar
como referência: Estudos iniciais para barrafônicos (1993) de Rosauro, Contemporany
percussion (1970) de Brindle e Modern school for xilophone, marimba, vibraphone de
Goldenberg (1950), além das obras já citadas.
3.1.4. Instrumentos de caráter popular no Brasil
O berimbau, repinique e tamborim são instrumentos muito utilizados em obras para
percussão de compositores nacionais. O berimbau pode ser tocado na forma tradicional da
técnica do instrumento ou de diferentes maneiras, como, por exemplo, ser apoiado sobre
um cavalete. O repinique é um pequeno tambor usado com afinação aguda e pele plástica,
24
geralmente de 10 ou 12 polegadas. Em uma seqüência de quatro semicolcheias é tocado
por três notas com a mão direita e uma com a esquerda. Pode ainda ser tocado no corpo do
instrumento ou tocado na pele com o aro simultaneamente. Seu principal uso é no ritmo do
samba. O tamborim, também usado no samba, pode ser tocado da forma tradicional
segurado pela mão esquerda e percutido pela direita, ou preso em uma estante.
Há a possibilidade de se tocar de uma forma estilizada alguns instrumentos, como:
a zabumba, o surdo (usado no samba e frevo) e o triângulo. Neste caso o percussionista usa
uma bateria, onde o bumbo ou o tambor surdo representam a zabumba e o prato hi-hat
representa o “bacalhau” (que é a vareta tocada na pele inferior da zabumba). Para a
substituição do surdo, usado para marcar o tempo no samba e frevo, o bumbo da bateria
pode ser tocado com o som “aberto” (com ressonância) e “fechado” (sem ressonância). O
uso do som aberto e fechado são indicados pela escrita tradicional da percussão com
símbolos colocados em cima da nota. Geralmente estes símbolos são descritos nas páginas
iniciais das músicas com uma bolinha branca para o som aberto e uma bolinha escura para
o som fechado ou o sinal de “+” também para o som fechado. Usando ainda a coordenação
motora na bateria, podem ser tocados simultaneamente o bumbo, os pratos hi-hat e o
triângulo, segurado pela mão esquerda e percutido pela direita.
3.1.5. Rulo
Segundo Frungillo (2002) o rulo na percussão é uma técnica utilizada para executar
uma certa quantidade de toques no instrumento (sobretudo nos membranofônicos) de modo
que simule a produção de um som contínuo. O rulo é, de fato, a criação de uma ilusão
sonora semelhante ao um som contínuo através de uma sucessão de repetidos toques, em
velocidades apropriadas ao instrumento, ao registro (grave, médio ou agudo) e a dinâmica
desejada. Os tímpanos, por exemplo, não necessitam de rulos rápidos para notas graves p
ou pp – basta um movimento com velocidade suficiente para fazer a pele vibrar e projetar
um som que simule uma nota longa.
Algumas obras o indicam como trinado (tr.), mas nos teclados, o rulo descrito com
trinado pode ser facilmente confundido com o trilo entre duas notas adjacentes. Os rulos
são executados pela alternância das mãos ou rebotes das baquetas em movimentos rápidos.
Os tipos de rulos mais importantes são: simples (rulo de toques alternados, usados em
grandes tambores como nos tímpanos e bombos e também nos teclados), fechados (rulo de
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toques múltiplos, muito usado na caixa e tambores em geral é também chamado de rulo
orquestral, sinfônico ou “buzz roll” na nomenclatura inglesa) e abertos (rulo de toques
duplos, realizados pelo rebote da baqueta, ex. DDEE ou EEDD, onde “D” representa a mão
direita e “E” representa a mão esquerda). Todos estes podem ser executados nos tambores.
Nos teclados, os rulos simples são executados para prolongar uma melodia ou uma
harmonia. Nos pratos, acessórios e triângulo o rulo mais usado também é o simples,
podendo ser usados também o rulo fechado e aberto. Nos tímpanos somente o rulo simples
é executado dentro da técnica tradicional. Os outros tipos de rulos são possíveis de serem
realizados nos tímpanos, mas não fazem parte da técnica do instrumento. No pandeiro
sinfônico ou de samba pode ser usado o rulo de dedo, feito pela pressão dos dedos contra a
pele. Este tipo de rulo é também chamado de “thumb roll” na nomenclatura inglesa.
Os rulos também podem ser executados em dois instrumentos simultâneos ou
começar em um instrumento e terminar em outro. Há a possibilidade dos rulos serem
ligados ou desligados da nota posterior, ou seja, executados sem interrupção para a
próxima nota ou interrompidos antes da próxima nota. Através da técnica de quatro
baquetas nos teclados é possível realizar o rulo independente, que é a coordenação motora
entre as mãos, sendo que uma mão prolonga o som de uma ou duas notas e a outra executa
melodias, intervalos ou ritmos.
Têm-se como referências: Dicionário de percussão (2002) de Frungillo, Snare
drum method (1967) de Firth, Alfred’s Drum Method Book 1 (1987) de Feldstein, Método
completo de caixa-clara (2001) de Rosauro, Stick Control (1968) de Stone e a tabela
Percussive Arts Society drum rudiments (1984).
3.1.6. Acessórios
Dentre a grande variedade de instrumentos de percussão os mais comuns
denominados cotidianamente na percussão como acessórios são: pandeiros, triângulos,
pratos, sinos de vaca (cowbells), blocos sonoros (wood e temple blocks) e efeitos
(utilização musical de diversos materiais como: conchas, nozes, bambus, copos de cristal,
pedras, caxixis, apitos de pássaros e panelas). Estes instrumentos são muito usados em
obras para percussão e quase sempre usados na percussão múltipla. Todos estes
instrumentos são também muito utilizados nas obras orquestrais. Os pandeiros sinfônicos
se diferenciam do pandeiro de samba pelo número maior de platinelas e podem ser
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suspensos em estantes de prato. Os pratos também podem ser de vários tamanhos e tipos,
geralmente suspensos por estantes ou um suporte específico que coloca vários pratos em
uma só estante. Os pratos mais usados variam no seu tamanho de 10 a 22 polegadas. É
comum o uso de pratos chineses, tam-tans e gongos. Estes instrumentos têm um som
exótico e são oriundos da música oriental. Os cowbells são geralmente usados de um a três
com tamanhos graduais. Os blocos sonoros em geral são usados de um a cinco e tem a
sonoridade próxima a uma escala pentatônica. Os efeitos são instrumentos artesanais
geralmente tocados com a mão, mas é possível encontrar seu uso com baquetas como
acontece na música Cenas Ameríndias nº I (Brasiliana) de Rosauro onde se deve tocar o
chimes de bambu com as baquetas de marimba.
Como referência no uso de acessórios pode-se citar: Blades (1973), Whaley
(1982), Rosauro (1984) e Brindle (1970).
3.1.7. Rudimentos (ornamentos)
Os rudimentos são oriundos das mais antigas técnicas de caixa-clara e podem ser
executados em qualquer tambor de pele. Alguns rudimentos podem ser executados nos
teclados, acessórios e outros instrumentos. São divididos em Rulos (sustentação do som),
“Diddles” (combinações de manulações), “Flams” (apogiaturas simples) e “Drags”
(apogiaturas duplas). Os rulos são definidos pelo seu tempo de duração e são nomeados
por simples, fechados ou abertos se tocados com toques simples, múltiplos ou duplos. As
combinações de manulações são chamadas de paradiddle e podem ser simples, duplos e
triplos (sendo os duplos e triplos variações a partir do simples).
As apogiaturas podem ser simples, duplas, triplas ou quádruplas, sendo as duas
últimas combinações da simples com a dupla. As simples são chamadas de flam seguidas
de variações como, por exemplo, flam tap e flamacue. As duplas são chamadas de drag ou
ruff. As triplas e quádruplas ocorrem principalmente em obras orquestrais e são
consideradas ornamentos.
3.1.8. Combinação de instrumentos (percussão múltipla)
O uso simultâneo de instrumentos de peles (tambores diversos), teclados (marimba,
xilofone, vibrafone e glockenspiel), metal (triângulos, pratos e acessórios), madeira (wood
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blocks, temple blocks), efeitos e outros é denominado como percussão múltipla. O uso da
percussão múltipla se tornou constante principalmente nas obras do século XX. Alguns
compositores descrevem a montagem dos instrumentos (set-up), outros já não descrevem
deixando a cargo dos intérpretes um estudo visando a melhor montagem. Na percussão
múltipla os instrumentos são descritos através da uma legenda no início da música e/ou
através de símbolos que aparecem diretamente na partitura.
É comum em obras para teclados, mais especificamente marimba e vibrafone, o uso
simultâneo de acessórios como blocos sonoros, pandeiros, triângulos, pratos e cowbells.
Na montagem dos tambores existe uma diferença na posição dos graves para os agudos. Na
escola americana, mais utilizada, os graves ficam no lado esquerdo e na escola alemã os
graves ficam no lado direito.
3.1.9. Instrumentos de pele (tambores diversos)
Os instrumentos de pele podem ser usados com peles animais ou peles sintéticas.
Nas caixas e tom-tons em geral são usadas peles sintéticas e nos bongôs e tumbadoras são
usadas peles animais. Os tom-tons geralmente são usados em quatro tamanhos graduais.
Existem obras que requerem quantidades elevadas de tambores se tornando mais
complexas de serem executadas devido à dificuldade de disponibilização destes
instrumentos. Muitas obras para percussão múltipla requerem a junção de vários tambores.
Os mais utilizados são: caixas-claras e tambores militares, bongôs, tumbadoras, pequenos
bombos, tímpanos, tom-tons e bumbo tocado com pedal. O bombo sinfônico tem seu uso
mais restrito devido seu tamanho de proporções avantajadas, mas é empregado quando da
necessidade de seu som grave, de longa duração, e suave ou forte conforme a necessidade.
As caixas-claras podem ser utilizadas com a esteira desligada ou ligada e podem ser
escritas para mais de uma, sendo uma com afinação aguda e outra com afinação grave
(sendo então utilizados instrumentos com afinação diferenciada entre si). A caixa grave
geralmente é chamada de tambor militar (militar drum). No uso de instrumentos de pele
têm-se como referências: Goldenberg (1971), Blades (1973), Whaley (1982), Rosauro
(1995, 2001) e Keune (1975).
3.1.10. O pedal no vibrafone e a técnica de abafamento
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O uso do pedal do vibrafone e o recurso do abafamento (damping ou dampening)
são fundamentais na técnica do vibrafone, devido à sustentação sonora das teclas, que, por
serem feitas de metal, possuem grande capacidade de vibração. O uso destes dois recursos
serve basicamente para controlar a sustentação do som, sendo fundamentais para a clareza
de melodias e harmonias. Existem obras que descrevem de uma forma bem específica o
uso do pedal, como: sem pedal, meio pedal e pedal inteiro. A troca de pedal em músicas
para vibrafone ocorre basicamente de duas formas. Na primeira, o pedal é usado para a
troca da harmonia. Na segunda o pedal é usado em passagens melódicas para desenvolver
o fraseado musical, evitando a confusão da vibração simultânea de notas melódicas com
funções harmônicas diferentes.
O “damping” é uma técnica de abafamento com as baquetas que para a vibração da
tecla ao se tocar uma nota posterior para que o som fique claro. Geralmente intervalos de
segundas menores e intervalos dissonantes são abafados. O vibrafone dispõe de um motor
para o efeito do vibrato e pode ser aplicado em obras de acordo com instruções do
compositor ou à discrição do intérprete, podendo a velocidade do vibrato ser controlada
por meio de um botão.
Essa técnica também denominada dampening, “pressão da cabeça da baqueta na
tecla com o objetivo de cessar a vibração” (Friedman, 1989, p.1) é utilizada unicamente no
vibrafone e o torna um instrumento único.
Têm-se como referências os métodos e coletâneas com obras: A musical approach
to four mallet technique for vibraphone (1982) de David Samuels, Vibraphone Technique,
Dampening and Pedaling, Mirror From Another e A Collection of Solo Pieces for
Vibraphone de David Friedman, The Vibes Real Book (1996) de Arthur Lipner e artigos de
Rackipov (1998) e Mattingly (1999).
3.1.11. Uso de vários tipos de baquetas
O uso de vários tipos de baquetas em uma obra busca encontrar a melhor
sonoridade do instrumento e a procura por diferentes timbres junto aos instrumentos.
Dentre as baquetas mais utilizadas nas obras pode-se citar: baquetas de caixa-clara (feitas
de madeira), baquetas de tímpanos (com a ponta encapada por um feltro), vassourinhas,
baquetas de marimba e vibrafone (encapadas com lã e linha), baquetas específicas de
instrumentos como o do tamborim, de reco-reco, de triângulo.
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O uso de determinada baqueta se dá também pelo gosto musical do percussionista.
Em todas as baquetas existem vários tamanhos e com diferentes pesos. Baquetas mais
pesadas de caixa-clara são muito usadas em músicas marciais e baquetas médias e leves
são mais usadas em obras orquestrais. Baquetas de tímpanos, marimba, vibrafone e
xilofone podem ser divididas em três níveis básicos: macia, média e dura. O que determina
o uso de cada uma são as seções das músicas ou projeção sonora que se espera do
instrumento, e no caso particular da marimba, a região do instrumento que mais é utilizada
durante a obra.
Nos tímpanos o uso do cabo da baqueta na pele é um recurso muito explorado,
como por exemplo, nas peças de Elliott Carter. Algumas obras como, The Love of
L’Histoire de Charles De Lancey (1973) descriminam a baqueta mais indicada a ser usada.
Algumas obras dos anos 70 e 80 descreviam até o modelo e a marca como Felt sticks
Musser nº 4 (baqueta de feltro, da marca Musser, modelo nº 4) e Rubber hard Musser nº 8
(baqueta de borracha dura, marca Musser, modelo nº 8).
4. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS OBRAS SELECIONADAS
As obras foram selecionadas em função das seguintes questões: características
idiomáticas encontradas, importância no conjunto da obra do compositor, diferentes
formações instrumentais utilizadas, disponibilização das partituras e pela ocorrência dos
aspectos idiomáticos detalhados neste trabalho (parte 3).
Foi realizado um trabalho de revisão e edição das obras selecionadas do compositor
Fernando Iazzetta que se encontravam em manuscrito. Dentre os problemas detectados nas
obras pode-se destacar: ausência de notas explicativas sobre a forma de executar algumas
seções e notação musical gerando dúvidas. As correções foram realizadas como auxílio do
compositor através de correspondências via Internet disponíveis no anexo II.
Assim, estão relacionadas a seguir as obras selecionadas e as breves considerações
a respeito de cada uma delas.
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4.1 Obras de Luiz D’Anunciação
4.1.1. Motivos Nordestinos: Suíte para marimba, flauta, piccolo, berimbau e
vibrafone - Composta em 1990 a obra tem os seguintes movimentos: Cantiga de Violeiro
(para marimba solo), Desafio (Interlúdio para flauta, vibrafone e marimba), Xaxado (para
piccolo, vibrafone e marimba) e Capoeira (para flauta, berimbau afinado em sol e
vibrafone). A Cantiga de violeiro é um baião onde compositor utiliza o recurso da técnica
de quatro baquetas na seção inicial com melodia na mão direita e harmonia na mão
esquerda. Posteriormente faz o uso das baquetas alternadas e com terças na melodia. O
Desafio é um movimento curto, apresentando basicamente uma melodia para flauta com
um acompanhamento harmônico feito pela marimba e vibrafone. O Xaxado é um alegre
baião, onde a marimba introduz uma condução harmônica para a entrada da melodia no
piccolo seguida em cânone pelo vibrafone. A Capoeira tem a forma “ABC” com passagens
solo entre as seções. A parte “A” é introduzida por uma melodia sincopada na flauta
seguida pelo berimbau. Na parte “B” o vibrafone apresenta uma melodia fazendo
posteriormente um acompanhamento harmônico para uma nova melodia na flauta. Após
um solo de berimbau uma Coda conduz ao final.
4.1.2. Divertimento para berimbau e violão (1989)- Inserido no Caderno berimbau,
do manual de percussão, volume I “A percussão dos ritmos brasileiros, sua técnica e sua
escrita” a obra é também uma amostragem prática da grafia para o berimbau. Inicia com
uma introdução lenta em rubato pelo violão com pequenas intervenções do berimbau. Após
um pequeno solo de violão, uma cadência para o berimbau é desenvolvida. Em uma
terceira seção os dois instrumentos seguem juntos onde o violão alterna acordes e
melodias, concluindo com uma cadência para o violão. A peça segue com uma quarta
seção seguindo juntos os dois instrumentos, levando a uma coda mais livre com temas
apresentados anteriormente.
4.1.3. Divertimento para tom-tons - A obra, escrita em 1986, é dedicada a Ney
Rosauro e utiliza quatro tom-tons discriminados pelo compositor como soprano, contralto,
tenor e baixo. Escrita no compasso 6/8 a obra apresenta um tema inicial e segue com
algumas variações. Utiliza alguns rudimentos como apogiatura dupla e rulo. Apresenta
uma passagem tecnicamente difícil, onde o compositor escreve uma seção em que o
31
baquetamento proposto leva a mão esquerda a ser usada no tambor agudo, ocasionando o
cruzamento das mãos.
4.1.4. Dança para pandeiro estilo brasileiro e oboé - Nesta Dança, composta em
1992, o pandeiro contrapontua o oboé, com um elemento rítmico característico do baquevirado do maracatu pernambucano, até surgir uma nova pulsação em três por oito,
sugerindo um scherzo que conduz, em diálogos e fragmentos de marcha-de-zabumba a um
finale súbito. A escrita utilizada é descrita no método de pandeiro e descreve os timbres
usados no pandeiro. A obra é dedicada a Marcos Suzano, importante percussionista
brasileiro conhecido por sua técnica de pandeiro.
4.1.5. Dueto para bloco chinês e tom-tons (1978) - A obra utiliza cinco blocos
chineses e dois tom-tons. É iniciada por uma frase nos blocos chineses, seguida por uma
imitação rítmica nos tom-tons. Escrita no compasso ternário, o dueto é uma obra curta
onde é trabalhado o contraponto rítmico entre os instrumentos.
4.1.6. Pequena Suíte para Vibrafone (1995-96) - A suíte é formada pelos seguintes
movimentos: Acalanto, Lundu, Schottisch e Toccata (Côco de Embolada). Estas peças
constam no volume II – Livro B, Caderno 3 do Manual de percussão. Com objetivos
didáticos apresentam as dificuldades compatíveis ao nível intermediário (Schottisch) e ao
nível adiantado (Acalanto, Lundu e Toccata) do estágio 4 da formação na Escola Brasileira
de Música. O propósito é avaliar o preparo técnico-musical e artístico necessários a esses
níveis. São obras curtas que apresentam contrapontos entre as vozes, melodias bem
definidas e síncopes características da música brasileira.
4.2. Obras de Ney Rosauro
4.2.1. Cenas Ameríndias nº. I e II - Escritas entre 1986 e 1987 em Brasília, estas
duas peças para percussão múltipla são baseadas nos ritmos e melodias dos índios nativos
da América do Sul. Os instrumentos de percussão usados em combinação com os
instrumentos de teclados, além de adicionarem um rico colorido tímbrico, irão também ter
uma importante função melódica dialogando constantemente com a voz principal. O uso de
escalas de tons inteiros, acordes aumentados e melodias executadas com intervalos de
32
segundas e sétimas são algumas das ocorrências divididas entre estas peças. Brasiliana
para marimba e instrumentos de madeira foi escrita em homenagem à cidade de Brasília.
Suas melodias tristes evocam a memória do planalto seco e solitário, onde a cidade é
localizada. Esta composição tem uma estrutura simétrica que está diretamente relacionada
com as formas geométricas em que a cidade foi construída. Eldorado para vibrafone e
instrumentos de metal é construída em três seções contrastantes (Samba, Afro e Lamento)
que representam aventuras e sonhos na busca pela mágica terra dourada. Foram estreadas
pelo compositor em 1988 no I Encontro Brasileiro de Percussionistas realizado na Unesp.
4.2.2. Sonata Ciclos da Vida - Esta sonata escrita para vibrafone e marimba (apenas
um executante) foi composta em Brasília no ano de 1985 e dedicada ao seu filho Gabriel.
Os quatro movimentos: Amanhecer, Brincadeira, Canto e Rondó representam os diferentes
períodos da vida de uma pessoa. No primeiro e último movimento o solista toca marimba e
vibrafone simultaneamente. O segundo movimento é um alegre baião para marimba solo
que representa a infância. O terceiro movimento é um solo para vibrafone que representa a
fase adulta. O compositor faz o uso nesta obra do motor do vibrafone ligado e desligado. A
sonata foi estreada pelo autor em 1985 na Duke Ellington School of Music em Washington,
USA.
4.2.3. Três Prelúdios para marimba solo - O Prelúdio nº 1 foi originalmente escrito
para violão e usa uma harmonia baseada na música flamenca. A versão para marimba foi
completada em 1983 e dedicada a Rose Braustein. Através dos três temas, o espírito da
música espanhola pode ser sentido e o terceiro tema lembra arpejos tocados no violão. Foi
estreado pelo autor em 1985 no Teatro Nacional de Brasília. O Prelúdio nº 2 foi escrito em
homenagem ao grande compositor Heitor Villa-Lobos, que é a principal fonte de
motivação de Rosauro a escrever música com raízes brasileiras. O tema 1 é um tributo ao
mestre e os temas 2 e 3 são baseados em seqüências melódicas que são características das
Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Foi estreado pelo autor em 1988 no I Encontro
Brasileiro de percussionistas realizado na Unesp. O Prelúdio nº 3 foi escrito em 1987 logo
após a chegada de Rosauro em Santa Maria-RS e dedicado a Luiz D’Anunciação. A
introdução e coda são apresentadas com rulos e no estilo coral. Durante a segunda parte,
dois novos temas são introduzidos pela rápida alternância das quatro baquetas, que
demonstram a virtuosidade do intérprete enquanto apresenta expressivas melodias. Foi
33
estreado pelo autor em 1988 no I Encontro Brasileiro de percussionistas realizado na
Unesp.
4.2.4. Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra – Este concerto foi escrito entre
Junho e Julho de 1986 em Brasília e dedicado ao seu filho Marcelo. Sua estréia aconteceu
no mesmo ano nos Estados Unidos com a Manitowoc Symphony Orchestra sobre direção
de Manuel Prestamo. Com o sucesso comercial da gravação do concerto em cd e vídeo em
1990 pela percussionista inglesa Evelyn Glennie com a London Symphony Orchestra, o
concerto rapidamente tornou-se conhecido com uma das maiores obras para percussão e é
considerado o mais popular concerto de marimba dos anos 90, tendo sido tocado por mais
de 500 orquestras em todo o mundo. A parte solo explora muitas possibilidades da técnica
de quatro baquetas. Originalmente escrito para marimba e orquestra de cordas, o concerto
contém quatro movimentos, diferente da forma de concerto tradicional (rápido, lento e
rápido) a terceira parte apresenta um tempo médio antes do final vigoroso. O modo
brasileiro pode ser sentido por toda a peça que contém fortes padrões rítmicos. A música
foi composta com a intenção da marimba liderar o material temático e com isso a parte da
marimba pode ser tocada quase como uma peça solo sem precisar do acompanhamento da
orquestra.
4.2.5. Suíte Popular Brasileira para marimba solo - A suíte é uma coleção de
danças brasileiras e foram escritas entre 1980 e 1982. A obra originalmente escrita para
marimba solo foi posteriormente arranjada para grupo de percussão, extendendo os
movimentos com algumas improvisações escritas. Esta foi a primeira obra para marimba
solo que Rosauro compôs. O Baião é baseado nos modos lídio e mixolidio e sua forma
pode ser definida como uma Introdução de caráter recitativo seguida pela forma ABCA’.
Inicia com o tempo rubato com um rulo independente na mão direita apresentando a
melodia na mão esquerda. Após uma chamada com ritmo do baião em tempo allegro o
primeiro tema é apresentado em oitavas. Na segunda parte o baixo e tocado em
contraponto à melodia com notas simples. Na terceira parte a melodia com intervalos de
sexta levam conduzem ao final com a melodia tocada com intervalos de terça. O Xote
nesta versão para marimba apresenta um ostinato rítmico nordestino com uma leve
influência do reggae. Sua forma pode ser dividida em cinco partes, ABC somado a volta de
BA para terminar. Caboclinhos, uma das poucas danças que tem origem dos índios nativos
34
brasileiros, inicia com o ritmo característico do caboclinho para em seguida apresentar a
melodia oitavada. São baseados na escala pentatônica e na segunda parte são acrescentadas
apogiaturas na melodia. Maracatu é um ritmo original de Pernambuco e nesta versão para
marimba pode-se dividir este movimento em três partes como ABC. Na introdução da
parte A uma frase característica do agogô do maracatu é apresentada, primeiramente na
mão direita com a melodia na mão esquerda e posteriormente ao inverso. Na parte B o rulo
independente é usado na mão direita enquanto a mão esquerda toca a frase do agogô
apresentada anteriormente. Teve sua estréia na Hochschule für Musik Würzburg em 1985
pelo compositor.
4.2.6. Cadência para berimbau - Composta em Würzburg – Alemanha no ano de
1981, esta peça foi à primeira peça que Rosauro compôs para percussão. Esta obra é
basicamente um solo de berimbau acompanhado de marimba, congas ou bongôs e surdo
(tocado de uma forma estilizada no lugar da zabumba). Teve sua estréia no IV Deutsche
Percussion Symposium em Hammelburg no ano de 1981, pelo compositor ao berimbau,
Mark Glentworth na marimba, Adel Shalaby nas congas e Mathias Schmitt no surdo. A
melodia e ritmo da obra ilustram a atmosfera da capoeira.
4.2.7. Rapsódia para percussão solo e orquestra (redução para piano) - Composta
em Miami entre 1991 e 1992 esta obra é baseada em uma simples melodia com a qual o pai
de Rosauro recitava seu poema “As espumas do mar”. Este motivo temático será repetido
ciclicamente e com variações no decorrer de toda a peça. A introdução é aleatória e o som
de copos de friccionados se mistura com diferentes apitos de pássaros e glissandos nas
cordas do piano criando um clima místico e mágico.
O tema principal é apresentado com um tempo lento pelo piano, seguido por uma
pequena cadência tocada pelo vibrafone. Para concluir a primeira seção da obra o tema
novamente é apresentado pelo piano e vibrafone. A segunda seção começa após uma
pequena ponte onde o tempo allegro é estabelecido com o vibrafone apresentando o novo
tema alternando os compassos 4/4 e 7/8. Um interlúdio em 9/8 é apresentado antes de cada
variação posterior. A primeira variação esta construída com o mesmo esquema ritmo do
tema. A segunda variação é apresentada em 4/4 e tem uma forte influencia do jazz. Indo
para uma tonalidade maior e um tempo rápido as próximas duas variações em 5/4 alternam
com um contraste linear da parte em 12/8.
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Na terceira seção, o piano apresenta um tema infantil (variação do motivo cíclico)
primeiro em uníssono e depois em quatro variações e sempre em um estilo imitativo. O
solista toca repinique e muitos outros instrumentos de percussão, adicionando colorido e
ritmos no seu desenvolvimento em que o tema cíclico é sempre lembrado. Após um solo de
piano, uma parte opcional começa para o solista, onde ele pode escolher entre tocar
berimbau ou outro instrumento de caráter popular de percussão que ele goste de tocar,
criando uma harmonia modal sobre uma nota pedal. Durante a cadência do solista alguns
do temas apresentados em toda a peça são desenvolvidos pelo vibrafone e outros
instrumentos de percussão. Após a recapitulação do tema principal a mesma atmosfera
mística do começo da obra é usado para conclusão. O solista toca: vibrafone, 2 tom-tons,
caixa-clara, repinique, 4 pratos suspensos, 5 temple-blocks, 2 wood-blocks, 2 cowbells,
castanholas, reco-reco, triângulo, 5 apitos de pássaros, 3 copos de água e berimbau
(afinado em sol) que pode ser substituído por qualquer outro instrumento caráter popular
de percussão. Teve sua estréia em 1992 na Universidade de Miami pelo compositor e Alan
Mason no piano.
4.2.8. Seven Brazilian Children Songs (solo de marimba) - Esta coleção de canções
são peças fáceis para quatro baquetas e foram escritas entre 1996 e 1997. O objetivo destas
peças é desenvolver a técnica e aspectos melódicos das quatro baquetas, bem como
apresentar algumas melodias e ritmos do folclore brasileiro. Em todas as canções a textura
utilizada é melodia com acompanhamento harmônico. As canções são: A Canoa Virou,
Ciranda Cirandinha, Pirulito que bate-bate, Terezinha de Jesus, O Cravo brigou com a
Rosa, A Moda da tal Anquinha e Vamos maninha.
4.2.9. Bem - Vindo - Composta em 1988 em Santa Maria-RS para o nascimento do
seu filho Ricardo, esta peça requer uma técnica avançada para sua interpretação e introduz
a técnica de tocar com cinco baquetas. O primeiro tema apresentado na abertura será
desenvolvido e repetido em forma de variações, tendo na maioria das vezes um ostinato
rítmico politonal como acompanhamento. Na seção final, outros dois pequenos motivos
irão aparecer intercalados pelo mesmo ostinato rítmico anterior, primeiramente no estilo
Bachiano de Villa-Lobos e posteriormente como citação de melodias gaúchas, referindo-se
ao local de nascimento de Ricardo. Foi estreada no Rio de Janeiro pelo compositor no XII
Panorama da Música Brasileira em 1989 e gravada no cd Rapsódia de Rosauro.
36
4.2.10. Variações sobre um tema do Rio Grande - Composta em 1993 em Santa
Maria – RS, estas variações são re-harmonizações e fantasias sobre o folclórico tema do
sul do Brasil: “Ai bota aqui o seu pezinho”. O tema principal é apresentado em dó maior.
A variação 1 é apresentada em lá menor no estilo imitativo. A variação 2 é uma expressiva
balada especialmente em sua segunda parte. A variação 3 lembra o estilo de Villa-Lobos e
tem como subtítulo “O pézinho do Caipira”. A variação 4 é apresentada na escala de tons
inteiros e com acordes aumentados. A variação 5, em fá maior é lenta e no “estilo coral”,
ou seja, tocada com rulos. A variação 6, dentro do modo lídio sugere um clima nordestino
e a variação 7 recapitula o tema principal em um final majestoso.
A obra foi estreada em 1993 pelo autor em Santa Maria (RS) e foi gravada no cd
Rapsódia de Rosauro e The World of Marimba de Gilmar Goulart para quem a obra é
dedicada.
4.2.11. Variações para quatro tom-tons - Composta em Brasília no ano de 1984 e
dedicada a Marco Vidal Donato, esta obra consiste em um Tema e 6 variações. A obra tem
uma finalidade didática. O Tema é apresentado no compasso 6/8 e tocado com baquetas de
tímpanos. A primeira variação é no compasso 4/4 e tocada com baquetas de caixa-clara. A
segunda variação é no compasso 5/8 e tocada com vassourinhas. A terceira variação é no
compasso 3/4 e tocada com baqueta de caixa na mão direita e baqueta de tímpano na mão
esquerda. A quarta variação é no compasso 3/2 e tocada com baquetas de tímpanos. A
quinta variação é no compasso 7/8 e tocada com os dedos. A sexta variação é no compasso
3/4 na primeira parte, tocada com baquetas de caixa, e no compasso 6/8 na segunda parte,
tocada com baquetas de tímpanos.
4.3 Obras de Fernando Iazzetta
4.3.1. Unka - Composta em 1986 para quarteto de percussão: güiro, xilofone e
marimba em lá (duas pessoas em uma mesma marimba) a obra foi estreada pelo Grupo
Piap em Julho de 1989. Unka demonstra equilíbrio entre os instrumentos utilizados,
juntamente com uma diferente formação camerista, utilizando timbres incomuns como o
güiro (instrumento da família dos raspadores). A obra apresenta uma linguagem atonal e
sua forma pode ser dividida em três seções. Na primeira seção, de caráter rápido, os
37
principais motivos são expostos seqüencialmente. Na segunda seção, contrastante e menos
movida, apresenta uma cadência solo para o güiro e posteriormente só os teclados são
utilizados com ornamentações e rulos. Já na terceira seção, de caráter rápido, os motivos
que foram apresentados na primeira seção são re-expostos com variações. Dentre grupos
que já a executaram citamos: Grupo Piap, Grupo de percussão da Escola Municipal de
Música de São Paulo e Grupo de percussão da Universidade Federal de Uberlândia. É
também freqüentemente executada em festivais de música.
4.3.2. Prakatá - Composta em Março de 1992 a obra é escrita para dois
percussionistas e um pianista e foi estreada pelo Grupo Novo Horizonte no Teatro
Municipal de São Paulo em 12 de Abril do mesmo ano. Na capa do manuscrito a obra é
chamada de trio para percussão, pois além do piano ser um instrumento de percussão, o
pianista toca alguns instrumentos de percussão. Sua instrumentação completa é:
percussionista 1- 4 Tigelas, berimbau (apoiado sobre um cavalete), reco-reco, bongô;
percussionista 2- 4 Temple Bells, berimbau (apoiado sobre um cavalete), reco-reco, bongô;
percussionista 3 (pianista)- 4 Bells tune, matraca, claves, berrante e piano. Além de
apresentar uma grafia musical não-convencional, existem duas seções diferenciadas na
obra, que são: uma em que os percussionistas tocam clusters no piano e outra que utiliza
uma técnica diferente da tradicional no reco-reco, onde deve se tocar o reco-reco e o bongô
juntos. De acordo com Iazzetta (2003), a técnica utilizada no reco-reco apoiado no bongô é
da seguinte forma: cada nota raspada no reco-reco termina com uma nota no bongô. Sobre
os instrumentos pouco conhecidos usados na obra podemos citar: bell tune que são
pequenas barras de alumínio e tigelas de porcelana de tamanhos graduais que podem ser
percutidas com baquetas muito finas. Os berimbaus usados na música devem ser suspensos
por uma espécie de cavalete apoiados no chão.
4.3.3. Cage-Abertura para duo de percussão - Composta em Novembro de 1991
Cage é dedicada ao Duo Contexto (formado pelos percussionistas Eduardo Leandro e
Ricardo Bologna) e foi por eles estreada no III Encontro Nacional de Percussionistas em
Maio de 1992. A obra utiliza na sua instrumentação: dois bombos, dois pares de bongôs,
dois pratos chineses e 4 tom-tons. O desenho da montagem dos instrumentos é apresentada
no manuscrito, trazendo também a seguinte observação: a manulação nas partes em
uníssono deve ser a mesma para ambos os percussionistas. A obra apresenta uma
38
introdução em que os percussionistas tocam em uníssono executando a frase inicial da obra
em sextinas. Após uma seção com pequenos motivos rítmicos, outras duas frases em
sextinas dão seqüência passando a uma seção em que os percussionistas deixam de tocar
em uníssono. Seguindo com um ostinato rítmico na mão direita e frases rítmicas na mão
esquerda com pergunta e resposta entre os percussionistas, é estabelecido um ostinato
rítmico, característico da música afro, que serve de base para os improvisos dos intérpretes.
Apresenta uma seção final onde o andamento dobra mostrando virtuosidade e a intenção de
vigor da obra. A performance nesta obra se torna de grande importância, pois os
percussionistas tocam um de costas para o outro.
4.3.4. Promenade - Também dedicada ao Duo Contexto, a obra foi escrita para dois
percussionistas e tape e composta entre Julho e Setembro de 1997. Como o Duo Contexto é
formado por dois percussionistas de grande experiência, Promenade foi composta para ser
uma obra de nível avançado, tanto pela escrita, quanto pela instrumentação. Utiliza os
seguintes instrumentos: percussionista 1- Surdo ou tom-tom grave, tam-tam, almglocken
em fá sustenido (cowbell com afinação definida), chimes de bambu, pandeiro, tamborim de
samba, triângulo, dois tom-tons agudos, matraca, wood block (bem grave), wood block
(bem agudo), vibrafone e três gongos; percussionista 2- bumbo com pedal, prato chinês,
almglocken em lá bemol, log drum (caixa de ressonância de madeira também chamado de
tambor de árvore ou tambor de fenda), break drum (tambor de freio), triângulo, bongô, três
temple bells, güiro ou reco-reco, marimba (com a extensão em lá). Além destes
instrumentos os dois percussionistas devem escolher alguns chocalhos e chimes para
improviso aos dezenove segundos da obra. A minutagem da obra é descrita na partitura nas
principais entradas dos percussionistas e do tape. Passagens aleatórias são intercaladas com
ritmos e andamentos claramente descritos na parte. Pode-se dividir a obra em duas grandes
seções, a primeira seção, de maior tamanho, apresenta diálogos entre os percussionistas e o
tape, a segunda parte, de grande dificuldade de execução, apresenta um uníssono com o
tape, que traz o som de alguns timbres de percussão como: madeira, metal e de alguns
instrumentos de percussão como: vibra slap, triângulo, sino (som de bell), tam-tam
(também raspado com baquetas de triângulo). Apresenta grafia musical não-convencional.
39
4.3.5. Urbanas II – Trata-se de um sexteto de percussão com fortes influências da
Música Minimalista. Sua instrumentação completa é: percussionista 1- wood block grave,
wood block agudo, cowbell grave, cowbell agudo, vibrafone; percussionista 2- claves e
xilofone; percussionista 3- bongô e glockenspiel; percussionista 4- tímpanos;
percussionista 5- marimba; percussionista 6- guizos, prato chinês, bombo, dois tom-tons,
chimbau. Pode-se citar a análise feita por Cervo (2002), a obra inicia com a repetição de
um pulso introduzido por wood blocks, após o estabelecimento desse pulso, outros
instrumentos (claves, bongô e vibrafone) vão sendo introduzidos através de pulsos mais
lentos, que aceleram gradualmente até entrar em fase com o pulso principal inicial. A partir
da segunda parte, os instrumentos começam a serem explorados em gestos rítmicos que
sugerem “pergunta e resposta” e também em passagens solo. A obra tem ainda uma
terceira parte de caráter melódico baseada na escala de tons inteiros. A maneira sui generis
como Iazzetta utiliza-se das técnicas composicionais do Minimalismo, em mistura com
elementos livremente compostos, colabora para consumar essa obra de grande
inventividade, na qual a influência da rítmica da música brasileira é também marcante. Foi
estreada pelo Grupo Piap durante a Bienal de Música Brasileira Contemporânea em
setembro de 1991 no Rio de Janeiro. Apresenta grafia musical não-convencional e uma
folha de rosto como legenda descrevendo notas para a execução.
41
5. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS IDIOMÁTICOS NA PERCUSSÃO
SELECIONADOS EM OBRAS DE D’ANUNCIAÇÃO, ROSAURO E IAZZETTA
Esta parte do trabalho tem o objetivo de demonstrar diferenças e semelhanças em
obras selecionadas de D’Anunciação, Rosauro e Iazzetta, particularmente no tocante a
questão idiomática. Para esta análise foram selecionados cinco aspectos idiomáticos a
saber: 1) Técnica de quatro baquetas; 2) Exploração de timbres diferentes; 3) Instrumentos
de caráter popular no Brasil, 4) Combinação de instrumentos (percussão múltipla) e 5)
Rudimentos (ornamentos).
5.1 – Técnica de quatro baquetas
No uso da técnica de quatro baquetas algumas formas de utilização são requisitadas
com maior freqüência nas composições de uma maneira geral. Destas, foram selecionadas
quatro formas que são descritas a seguir:
5.1.1 - A primeira: a harmonia é realizada pela mão esquerda e melodia pela mão
direita ou vice-versa. Os intervalos mais simples de serem executados na mão esquerda
estão entre uma segunda maior e uma sexta. Este fato se justifica em função das teclas
aumentarem significativamente sua largura na região grave, exigindo maior abertura das
baquetas. Entretanto, na mão direita, os intervalos mais simples de serem executados estão
entre uma segunda maior e uma oitava. Maiores intervalos são conseguidos com facilidade
na região aguda em função das teclas serem menores em largura e exigirem menor abertura
entre os dedos das mãos ao segurarem as baquetas. Algumas obras são de extrema
dificuldade, pois na composição está implícita a facilidade de execução do compositor. Por
exemplo, o marimbista e compositor Gordon Stout é canhoto, em conseqüência, as notas
executadas pela mão esquerda nas suas obras são de extrema complexidade.
A forma de utilização da técnica de quatro baquetas pelos três compositores
apresenta semelhanças e diferenças. Para construir a harmonia, Rosauro e D’Anunciação
utilizam em geral, ostinatos rítmicos (quase sempre com ritmos da música brasileira) ou
toques alternados na mão esquerda. Na mão direita, melodias simples ou com intervalos de
42
até uma oitavada. Ney Rosauro, em algumas obras, constrói uma condução harmônica na
mão direita e melodias na mão esquerda, mas em trechos curtos. No exemplo nº 1 abaixo,
Rosauro utiliza a harmonia na mão esquerda com intervalos de quinta justa juntamente com
o ritmo de baião e a melodia oitavada na mão direita.
Exemplo nº 1 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Baião). comp. 28 a 32.
Nos exemplos nº 2 e nº 3 abaixo, D’Anunciação faz o uso da harmonia na mão
esquerda também com intervalos de quinta justa e com o ritmo do baião. A melodia na mão
direita primeiramente é tocada com notas simples e posteriormente com intervalos de terça.
Exemplo nº 2 e nº 3 - D’Anunciação, Luiz. Motivos Nordestinos (Cantiga de Violeiro), comp. 11 e
36.
43
Iazzetta utiliza a harmonia e melodia de uma forma diferenciada, com um pedal
harmônico contínuo na mão esquerda, não usando nenhum ritmo específico da música
brasileira ou toques alternados. Na mão direita são encontrados intervalos harmônicos ou
melodias, ambas com ritmos sincopados. Veja exemplo nº 4 abaixo.
Exemplo nº 4 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág 9.
Um destaque na obra Rapsódia de Rosauro é a condução harmônica na região aguda
do vibrafone com a melodia na região grave. Este uso é característico da obra de Rosauro,
não sendo encontrado nas obras para percussão de Iazzetta e D’Anunciação.
Exemplo nº 5 - Rosauro, Ney. Rapsódia, comp. 99 a 101.
Em relação ao uso das quatro baquetas, as questões idiomáticas presentes nestas
obras são os intervalos utilizados e a coordenação entre as mãos. Intervalos de quinta justa
e sextas maiores na mão esquerda são executados sem restrição na marimba. Estes
intervalos estão dentro da técnica estudada pelos percussionistas e confortavelmente
44
executada dentro de um contexto geral. Em contraponto, são evitados nas obras em geral,
intervalos maiores que uma sétima na mão esquerda e intervalos acima de uma nona na
mão direita. Nos exemplos nº 1 a nº 5 anteriores, os intervalos executados pela mão direita
e esquerda, estão dentro da técnica tradicional do instrumento.
Algumas obras pouco idiomáticas requerem poliritmias complexas entre as mãos,
muitas vezes não tendo bons resultados musicais. Na coordenação entre as mãos, os ritmos
apresentados nas obras se encaixam, não criando poliritmias entre elas e os intervalos
aumentados e diminutos são usados com restrição. De uma forma geral, quando se trata de
harmonia e melodia imagina-se a harmonia na região grave e melodia na região aguda. Na
obra Rapsódia, o uso da região aguda do vibrafone para o acompanhamento e a melodia na
região grave teve um ótimo resultado e de encaixe perfeito no uso das quatro baquetas.
5.1.2 - Na segunda maneira, os teclados são percutidos com as quatro baquetas em
toques rápidos e alternados. Neste caso, as baquetas são numeradas de 1 a 4, sendo o
padrão mais utilizado aquele que numera as baquetas da esquerda para a direita. Assim, as
duas baquetas da mão esquerda são enumeradas 1 e 2, e as duas baquetas da mão direita são
enumeradas 3 e
4. O uso de seqüências como 1234, 1243, 4321, 1324, 4312, são
fortemente solicitadas em obras para teclados, a exemplo de peças da compositora e
percussionista japonesa Keiko Abe (n.1937), dos americanos Gordon Stout (n.1952) e
Mitchell Peters (n.1928), dentre outros. Estas seqüências são também apresentadas em
vários métodos de percussão como forma de aprimoramento da técnica e aquecimento para
os percussionistas. Dentre os quais pode-se citar: Method of Movement for marimba (1979)
do marimbista Leigh Howard Stevens, Método para 4 baquetas de Ney Rosauro (1988) e
obras de Musser (1948, 1976) e O ’Meara (1990).
No uso da técnica com toques rápidos e alternados podemos citar Motivos
Nordestinos (Cantiga de Violeiro) de D’ Anunciação onde a melodia está dividida entre os
toques da mão esquerda (pauta inferior e as hastes das notas para baixo) e mão direita
(pauta superior e as hastes das notas para cima). No Prelúdio nº 3 de Rosauro a melodia
está presente na nota superior tocado pela mão direita. Exemplos nº 6 e nº 7 na próxima
página.
45
Exemplo nº 6 - D’Anunciação, Luiz. Motivos Nordestinos (Cantiga de Violeiro), comp. 20 e 21.
Exemplo nº 7 - Rosauro, Ney. Prelúdio nº 3, comp. 26 a 29.
O terceiro movimento do Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra de Rosauro é
iniciado com toques rápidos e alternados feitos pela seqüência das baquetas 1243. Esta
forma de utilização tem um efeito de moto perpértuo, ou seja, um ostinato rítmico e
harmônico contínuo que será o acompanhamento do tema que vem em seguida.
Exemplo nº 8 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba, III mov., comp. 1 a 4.
Nestas obras o idiomatismo se faz presente pelo fato de que todos os recursos
explorados são encontrados em métodos e livros de técnica utilizados por percussionistas
em vários países sem gerar grandes controvérsias quanto a sua essência, tratando-se,
portanto, de técnicas fundamentais e tradicionais. Ao mesmo tempo em que o músico
estuda a obra está se desenvolvendo tecnicamente.
46
5.1.3 - Na terceira maneira, o uso do rulo independente também é característico da
técnica de quatro baquetas. No rulo independente uma das mãos executa um rulo através de
toques alternados com as duas baquetas e a outra executa melodias ou ritmos. No caso de
melodias uma possibilidade é um rulo com uma das mãos para sustentar uma harmonia e a
outra mão executar melodias e/ou intervalos harmônicos. Outra possibilidade é um rulo em
um prato com uma das mãos e a outra executando ritmos em outros instrumentos. Um outro
emprego é quando o rulo está executando uma passagem melódica curta, com intervalos
idênticos (uma sexta, por exemplo), em contraponto a uma melodia da outra mão. O
percussionista Gilmar Goulart (1997), professor na Universidade Federal de Santa Maria
(RS), tem material para desenvolvimento de técnico para execução do rulo independente
em forma de apostila. Em geral, o rulo na mão esquerda é mais difícil de ser executado
pelos percussionistas destros, em função da pouca destreza na mão esquerda em relação à
mão direita.
O uso do rulo independente pode tornar a execução de alguns trechos um grande
desafio para o intérprete como o segundo movimento do Concerto nº 1 para marimba e
Orquestra de Rosauro, onde o rulo está na mão esquerda junto a intervalos melódicos
executados pela mão direita. Veja os exemplos nº 9 e nº 10 abaixo e na próxima página.
Exemplo nº 9 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba, II mov., comp. 3 e 4.
47
O rulo independente é usado na mão direita com a melodia em forma de recitativo
na mão esquerda.
Exemplo nº 10 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Baião), comp. 1 a 6.
No IV movimento da Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Maracatu) o uso
do rulo independente também está presente. O rulo na mão direita está executando a
melodia, tocado junto com a mão esquerda, que executa uma frase característica do agogô
do Maracatu.
Exemplo nº 11 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Maracatu), comp. 20 e
21.
A execução do rulo independente exige do percussionista um excelente domínio da
técnica, necessária para execução das passagens que, em alguns trechos, tornam-se de
grande dificuldade. A questão idiomática no uso do rulo está no fato de que os recursos
para a execução desta técnica podem ser extraídos da literatura de ensino de teclados de
percussão, apesar deste tipo de rulo ser considerado de alta complexidade em sua execução.
Dos compositores aqui analisados, Rosauro foi o que se dedicou mais à composição
de obras para marimba e ao uso do rulo independente em suas obras por ter uma formação
específica neste instrumento devido ao seu estudo na Alemanha, com Siegfried Fink. Nas
obras de Iazzetta e D’Anunciação não é encontrado o uso do rulo independente.
48
4.1.4 - Na quarta maneira, o uso de acordes é comum na técnica de quatro baquetas.
Os acordes podem ser usados em posição fechada (tríades ou tétrades em terças
superpostas) ou posição aberta (tríades ou tétrades não estando em terças superpostas).
Podem ser também executados com rulo, através do trêmolo com as quatro baquetas
simultaneamente. Alguns acordes se tornam difícies de serem executados devido à distância
entre as mãos e/ou as notas a serem tocadas – difícil por causa de certas posições exigidas,
que forçam os braços em direções opostas (afastando-se do corpo) ou muito comprimidos
contra o tronco.O uso de acordes é encontrado em muitas obras, sendo seu uso mais
característico na marimba e vibrafone.
Iazzetta usa acordes diminutos na marimba e no vibrafone, mudando somente a
posição do acorde. Acordes executados através de rulo na marimba e no vibrafone são
executados em diferentes posições (Lá diminuto). Exemplo nº 12 (abaixo).
Exemplo nº 12 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 6.
O exemplo nº 13 abaixo mostra uma variação do uso de acorde no vibrafone
deixando prolongar o som.
Exemplo nº 13 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 4.
49
O uso de acordes no vibrafone em Urbanas II está presente em passagens solo e
sustentação da harmonia da obra.
Exemplo nº 14 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 13.
Exemplo nº 15 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 7.
O uso de acordes está presente em muitas obras para teclados de Rosauro dentre as
quais pode-se citar Rapsódia para percussão e orquestra. Os acordes apresentam a
melodia, tema de toda obra, na nota superior do acorde. Exemplo n. 16 (abaixo).
Exemplo nº 16 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 80.
O uso de acordes no vibrafone é bastante comum e encontramos na obra 5 Cirandas
Brasileiras de Rosauro, junto com o uso da técnica de abafamento chamada damping
grafada com o “x”.
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Exemplo nº 17 - Rosauro, Ney. 5 Cirandas Brasileiras, comp. 1 e 2.
O uso de acordes sustentados pelo rulo estão presentes na seção inicial do Prelúdio
nº 3 para marimba solo de Rosauro. Neste caso está sendo realizado a harmonia e melodia
simultaneamente.
Exemplo nº 18 - Rosauro, Ney. Prelúdio nº 3, comp. 1.
O uso do acordes com o rulo esta presente também no III movimento do Concerto
nº 1 para Marimba e Orquestra. Rosauro através da abertura das baquetas muda o acorde
fazendo passagens melódicas.
Exemplo nº 19 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra, III mov., comp. 22 a 26
51
Pode-se dizer que os acordes foram usados idiomaticamente nas obras, por estarem
dentro da técnica tradicional do instrumento, pois a abertura das baquetas necessária para
execução dos acordes está no limite padrão da técnica com quatro baquetas, ou seja, as
notas dos acordes estão próximas, não havendo um grande distanciamento entre as mãos e
baquetas.
Alguns acordes alterados são usados com restrição, e no caso das obras analisadas
não apresentavam nenhum acorde de execução restrita. Um exemplo de acorde usado com
restrição seria com as notas dó sustenido, ré, lá e si bemol. Neste caso a abertura dos braços
com quatro baquetas ficam desconfortável, isso dentro da mesma oitava, se for em oitavas
diferentes se torna ainda mais restrito.
Como os instrumentos de teclado têm reverberação curta, o rulo é usado para
prolongar o som dos acordes (vide exemplo nº 13 anterior). Por outro lado, o uso de
acordes estáticos para sustentar a harmonia da obra favorece a execução, pois a mudança
rápida de acordes, tanto de acordes naturais quanto acordes alterados, é extremamente
restrita devido à abertura e fechamento do ângulo das baquetas nas mãos.
52
5.2 Exploração de timbres diferentes
O uso de sonoridades específicas de determinados instrumentos ou obtidas por
diferentes formas de se articular o instrumento ocorre em muitas obras para percussão. Os
recursos de variações de timbres são inúmeros e pode–se citar os mais utilizados nas obras.
O uso do cabo da baqueta nas teclas do vibrafone ou marimba (na partitura é indicado tocar
com o cabo da baqueta ou rattan). Outra forma de descrever este uso é a utilização de um
“x” no mesmo espaço da nota. Algumas baquetas de vibrafone e marimba são de rattan,
uma espécie de bambu, neste caso a sonoridade se torna incomum pelo som obtido,
diferente da ponta das baquetas de marimba e vibrafone, geralmente encapadas com lã ou
linha.
Uma possibilidade é o uso de diferentes timbres de um mesmo prato, como borda,
cúpula e meio. Nos pratos, os sons graves são encontrados próximos à borda, os sons
médios no meio e os sons mais agudos na cúpula. Os pratos também podem ser tocados por
diversos tipos de baquetas como: baquetas de caixa, baquetas de marimba, baqueta tipo
vassourinha e baquetas de triângulo. Os sons obtidos pelo raspar de baquetas de triângulo
nos pratos e no tam-tam também são citados em algumas obras.
O som de metal do aro dos tambores, geralmente grafado com um “x”, é muito
usado em obras para caixa-clara e percussão múltipla, onde o percussionista toca com as
baquetas no aro do tambor. Outra possibilidade no som de tambores é o uso de distintas
regiões da pele. Este recurso é muito usado nos tímpanos e tambores como no bombo e
caixa-clara. O local de toque na pele dos tímpanos pode ser dividido em regiões como: no
centro, na borda, e entre o centro e a borda. No livro Eight Pieces for four timpani (1968)
de Elliot Carter (n.1908) este recurso de timbre é muito explorado. Existe a possibilidade de
explorar timbres de um mesmo instrumento através do som do corpo do instrumento.
Muitas obras requerem tocar no corpo dos tímpanos, ou seja, tocar na lateral do
instrumento.
O uso de instrumentos não convencionais como: panelas, frigideiras, garrafas de
vidro, pedaços de metal, apitos e sirenes são recursos no uso de timbres incomuns nas obras
para percussão. Sons de pedaços de ferro (o termo descrito em francês “enclume” é mais
usado em inglês, “anvil”) e sons de sirene com dois timbres distintos (agudo e grave) são
encontrados na obra Ionisation (1934) de Edgar Várese (1883-1965).
53
De outra forma, o uso de recursos sonoros adaptados a instrumentos convencionais
como: temple bell (pequeno sino) sobre a pele da caixa-clara aparece na obra Canção
simples para tambor (1990) de Carlos Stasi (n.1962) e bolas de ping-pong colocadas sobre
a pele do bombo aparece na obra Rumores I (1992) de Paulo Chagas (n.1953).
O som de copos de cristal podem ser obtidos por baquetas muito finas ou pela frição
dos dedos na borda que geram um som contínuo, sendo necessário haver água no copo e
que o instrumentista tenha os dedos molhados. O uso deste timbre é encontrado na obra
Rapsódia para solo de percussão e orquestra (1992) de Ney Rosauro. Mais um recurso de
diferentes timbres é a percussão corporal. Neste caso é usado o som de estalar de dedos,
sons da perna (na coxa e perto do joelho), som das palmas e assobios. Outra possibilidade é
o uso da percussão cênica, e como exemplo pode-se citar Bravo (1996) de Tim Rescala
(1961), escrita para músicos interpretarem uma platéia de concerto com palmas em
polirritmia e assobios. A principal forma de descrição de todos estes recursos de timbres é
pela inclusão de legendas expostas nas páginas iniciais das músicas. Temos como
referência autores que escreveram livros, obras e métodos como: Goldenberg (1971), Ney
Rosauro (1984,1992), Garwood Whaley (1982) e Brindle (1970), Zivkovic (1987), Abe
(1987) e Schinstine (1977).
Nas obras de Luiz D’Anunciação não se observa ênfase na exploração de timbres
diferentes. Este fato pode ser justificado pelo fato do compositor trabalhar com a escrita
tradicional para percussão e com instrumentos convencionais. Iazzetta, por outro lado,
utiliza na obra Unka para quarteto de percussão, o güiro (instrumento da família dos
raspadores) como instrumento solista. O güiro é um instrumento pouco utilizado e nesta
formação de câmara, teclados e güiro, sua sonoridade se torna de grande destaque. Segue
exemplo nº 20 na próxima página.
54
Exemplo nº 20 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 7.
Na obra Promenade, Iazzetta faz o uso de um outro diferente timbre através do som
do prato chinês e tam-tam raspados com a baqueta de triângulo. Este forma de utilização,
faz com que se tenha um som metálico e chiado. O uso deste timbre é característico nesta
obra de Iazzetta, não sendo encontrado nas obras de Rosauro e D’Anunciação.
Exemplo nº 21 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág.7.
No início da obra Rapsódia para percussão e orquestra, Rosauro utiliza o som de
copos de cristal friccionados pelos dedos apresentando a melodia que será o tema
desenvolvido por toda obra (ré, mi, fá). O som dos copos geram um som contínuo e distante
criando um efeito aural.
55
Exemplo nº 22 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 1.
Também na obra Rapsódia, Rosauro utiliza o som do rattan nas teclas do vibrafone,
descrita pela indicação na partitura em inglês (todas as notas com rattan). Na mesma
passagem uso do motor do vibrafone ligado é também descrito na mesma passagem. O
rattan é usado também para a execução da melodia. Este uso gera um som cristalino na
tecla do vibrafone.
Exemplo nº 23 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 595 e 596.
Exemplo nº 24 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 600 a 603.
56
Ainda em Rapsódia o rattan é utilizado nos pratos suspensos diferenciando o
timbre. Geralmente os pratos são tocados com baquetas cobertas por feltros, para se obter
um som mais suave, ou baquetas de marimba dura, para se obter um som com mais ataque.
Exemplo nº 25 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 592.
Na obra Sonata Ciclos da Vida, Rosauro descreve na partitura para que o motor do
vibrafone esteja desligado e posteriormente ligado, diferenciando o timbre no próprio
instrumento. O vibrato causado pelo uso do motor faz com que som do vibrafone fique
reverberando criando um efeito aural.
Exemplo nº 26 - Rosauro, Ney. Sonata Ciclos da Vida (Canto), comp. 1.
57
Exemplo nº 27 - Rosauro, Ney. Sonata Ciclos da Vida (Canto), comp. 87.
O uso de diversos tipos de baquetas pode ser encontrado na obra Variação para
quatro tom-tons de Rosauro. Nesta obra, o compositor, usa diferentes baquetas para cada
variação. Destaca-se o uso na variação três, dois tipos de baquetas (baqueta de caixa-clara
na mão direita e baqueta de tímpano na mão esquerda) e na variação cinco o uso dos dedos
e “dead stroke”. Estes diferentes usos de baquetas e recursos sonoros é que diferenciam o
timbre nas variações.
Exemplo nº 28 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, tema, comp. 1.
Exemplo nº 29 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 1, comp. 1.
58
Exemplo nº 30 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 2, comp. 1.
Exemplo nº 31 - Rosauro, Ney. Variação para quatro tom-tons, variação 3, comp. 1.
No Concerto nº 1 para Marimba de Rosauro o “dead stroke” é usado no primeiro
movimento, descrito pelo “x” e pela indicação na partitura. Este uso é característico na obra
de Rosauro. Além do uso no concerto pode-se encontrar seu uso no vibrafone na obra
Cenas Ameríndias II (Eldorado) na seção inicial da obra. Este uso faz com se tenha um som
seco da notas, se reverberação. Os outros dois compositores não utilizam o “dead stroke”
nas suas obras.
Segundo Iazzetta (2003), cada nota raspada no reco-reco termina com uma nota no
bongô. Esta técnica é muito pouco conhecida na percussão. Na Universidade Estadual de
São Paulo – UNESP, alguns percussionistas a conhecem devido ao trabalhado de pesquisa
em reco-reco desenvolvida pelo professor de percussão Carlos Stasi.
59
Exemplo nº 35 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 11.
A procura por timbres diferentes é uma constante na música do século XX. Rosauro
e Iazzetta souberam explorar de forma idiomática novos sons e novas formas de execução
em instrumentos do cotidiano da percussão. Pode-se dizer que foi muito bem explorado o
som dos pratos raspados com a baqueta de triângulo e a sonoridade do güiro. O uso destes
timbres é característico na obra de Iazzetta, não sendo encontrado nas obras de Rosauro e
D’Anunciação. O uso do rattan é característico na percussão porque muitas baquetas são
construídas com este material e seu uso nas teclas do vibrafone proporciona um timbre
cristalino. Rosauro explora muito este timbre em suas obras. O vibrato causado pelo uso do
motor faz com que som do vibrafone fique reverberando criando um efeito aural.
A escolha de diversas baquetas proporciona timbres diferentes ao tom-tons e faz
com que a performance na troca das baquetas seja um diferencial nesta obra de Rosauro. O
uso do “dead stroke” é um recurso dos instrumentos e foi muito bem explorado por
Rosauro nas suas obras.
61
5.3 Instrumentos de caráter popular no Brasil
O berimbau, repinique e tamborim são instrumentos muito utilizados em obras para
percussão de compositores nacionais. O berimbau pode ser tocado na forma tradicional da
técnica do instrumento ou de diferentes maneiras, como, por exemplo, ser apoiado sobre
um cavalete. O repinique é um pequeno tambor usado com afinação aguda e pele plástica,
geralmente de 10 ou 12 polegadas. Em uma seqüência de quatro semicolcheias é tocado por
três notas com a mão direita e uma com a esquerda. Pode ainda ser tocado no corpo do
instrumento ou tocado na pele com o aro simultaneamente. Seu principal uso é no ritmo do
samba. O tamborim, também usado no samba, pode ser tocado da forma tradicional,
segurado pela mão esquerda e percutido pela direita, ou preso em uma estante.
Há a possibilidade de se tocar de uma forma estilizada alguns instrumentos, como: a
zabumba, o surdo (usado no samba e frevo) e o triângulo. Uma possibilidade é o
percussionista usar uma bateria, onde o bumbo ou o tambor surdo da bateria representam a
zabumba e o prato hi-hat representa o “bacalhau” (que é a vareta tocada na pele inferior da
zabumba). Para a substituição do surdo, usado para marcar o tempo no samba e no frevo, o
bumbo da bateria pode ser tocado com o som “aberto” (com ressonância) e “fechado” (sem
ressonância). A execução do som aberto e fechado são indicados pela escrita tradicional da
percussão com símbolos colocados em cima da nota. Geralmente estes símbolos são
descritos nas páginas iniciais das músicas com uma bolinha branca para o som aberto e uma
bolinha escura para o som fechado. O sinal de “+” também pode ser usado para o som
fechado. Usando ainda a coordenação motora na bateria, podem ser tocados
simultaneamente o bumbo, os pratos hi-hat e o triângulo, segurado pela mão esquerda e
percutido pela direita.
Como referência de instrumentos brasileiros pode se citar os livros: Ritmos e
Instrumentos Brasileiros (1986) de Edgar Nunes Rocca, O Batuque Carioca (2002) de
Guilherme Gonçalves e Odilon Costa e A percussão dos ritmos brasileiros: sua técnica e
sua escrita (1992) de D’Anunciação e obras como: Cenas Brasileiras nº 1 e 2 de Ney
Rosauro, Divertimento para berimbau e violão, Dança para pandeiro estilo brasileiro e
oboé de D’Anunciação e de Iazzetta, Prakatá (1992) e Promenade (1997).
62
Na obra Rapsódia, Rosauro apresenta uma legenda no início da obra descrevendo a
escrita usada por ele para o berimbau (uma escrita simplificada), oferecendo ao intérprete
uma descrição das partes do berimbau visando uma correta execução no instrumento.
Exemplo nº 36 (abaixo).
Exemplo nº 36 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, pág 5.
Em sua primeira obra escrita para percussão, Cadência para Berimbau, antecessora
a Rapsódia, Rosauro apresenta outra escrita utilizada anteriormente por ele para o
berimbau.
Exemplo nº 37 - Rosauro, Ney. Cadência para berimbau, legenda, pág. 7.
No exemplo nº 38 na próxima página o uso de instrumentos da música popular
como o repinique de escola de samba e sua respectiva técnica é usada na obra Rapsódia.
Rosauro demonstra o conhecimento do instrumento pela sua escrita, inclusive usando o aro
do tambor descrito como “x”. O primeiro espaço na pauta representa três notas tocadas com
a mão direita e o segundo espaço representa a mão esquerda.
63
Exemplo nº 38 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 357 e 358.
Nos exemplos nº 39 e nº 40 abaixo, Iazzetta faz o uso do berimbau na obra Prakatá
de uma forma não tradicional. Segundo Iazzetta (2003) o berimbau é colocado sobre um
cavalete apoiado no chão e tocado como uma base rítmica. No exemplo nº 39, é tocado de
uma forma mais livre seguido pelos temple bells com uma notação não-convencional. No
exemplo nº 40, o berimbau é tocado junto com o temple bells e tigelas. Este uso faz com se
tenha um pedal rítmico com um som metálico do berimbau, combinado com uma frase
rítmica nas tigelas de porcelana. A soma destes dois timbres distintos se encaixa muito bem
nesta obra.
Exemplo nº 39 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 3.
64
Exemplo nº 40 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, pág. 3.
Em Promenade, Iazzetta usa o tamborim suspenso em uma estante, mas tocado
como samba, descrito pelo próprio compositor na partitura.
Exemplo nº 41 - Iazzetta, Fernando. Promenade, pág. 4.
No exemplo nº 42 na próxima página, D’Anunciação faz o uso de vários timbres
existentes no pandeiro, onde descreve quatro diferentes sons na legenda: membrana,
polegar, dedos, efeitos. Este tipo de escrita é usada no seu livro Manual de Percussão para
pandeiro.
65
Exemplo nº 42 - D’Anunciação, Luiz. Dança para pandeiro estilo brasileiro e oboé, comp. 1.
A inclusão de instrumentos tipicamente utilizados em arranjos de música popular
brasileira em composições para percussão é comum em obras de compositores/intérpretes,
como é o caso de Iazzetta, D´Anunciação e Rosauro. Esta integração entre as sonoridades
dos instrumentos é uma prática do cotidiano de percussionistas que não raro vivenciam o
universo dos instrumentos tradicionais de orquestras sinfônicas (pratos, teclados, bumbo,
etc.) e também aqueles de uso mais popular como: reco-reco, repinique, tamborim, etc.
O repinique, por exemplo, é requisitado na obra de Rosauro, respeitando-se seu
caráter de uso tradicional no samba. O uso do berimbau na obra de Iazzetta estabelece uma
outra forma de executar o instrumento, combinando perfeitamente seu timbre com outros
instrumentos. Iazzetta também usa o tamborim executando células rítmicas do samba
característico no instrumento. O pandeiro é muito bem explorado por D’Anunciação no seu
livro sobre pandeiro e na obra Dança para pandeiro estilo brasileiro e oboé. Nesta obra, a
grafia da parte do pandeiro é bastante complexa, porém visa com sua escrita a reprodução o
mais fiel possível do modo de como o instrumento deve soar, respeitando assim o
idiomatismo do instrumento.
66
5.4 Combinação de instrumentos (percussão múltipla)
O uso simultâneo de instrumentos de peles (tambores diversos), teclados (marimba,
xilofone, vibrafone e glockenspiel), de metal (triângulos, pratos e acessórios), madeira
(wood blocks, temple blocks, etc) efeitos e outros é denominado como percussão múltipla.
O uso da percussão múltipla tornou-se constante principalmente nas obras do século XX e
estabeleceu-se nas obras a partir dos anos 60. Alguns compositores descrevem a montagem
dos instrumentos (set-up), outros já não descrevem deixando a cargo dos intérpretes um
estudo visando a melhor montagem. Na percussão múltipla os instrumentos são descritos
através da uma legenda no início da música e/ou através de símbolos que aparecem
diretamente na partitura.
É comum em obras para teclados, mais especificamente marimba e vibrafone, o uso
simultâneo de acessórios como blocos sonoros, pandeiros, triângulos, pratos e cowbells. Na
ordem da montagem dos tambores, existe uma diferença na posição dos graves para os
agudos. Na escola americana, mais utilizada, a posição dos graves para os agudos vai da
esquerda para a direita e na escola alemã, os graves ficam no lado direito. No uso da
percussão múltipla tem-se como referência: Goldenberg (1971), Rosauro (1984), Whaley
(1982), Hougthon (2001) e Brindle (1970).
No exemplo nº 43 abaixo, a montagem dos instrumentos no palco (set-up) é
apresentada nas páginas introdutórias da obra demonstrando o conhecimento do compositor
para o melhor posicionamento dos instrumentos na execução da obra. O uso da combinação
de três timbres: madeiras (wood blocks, temple blocks, castanholas e reco-reco), metais
(triângulos e pratos), e peles (caixa, tom-tons e repinique) estão muito bem divididos em
toda obra. A obra ainda utiliza instrumentos considerados timbres diferentes como os copos
de cristal e apitos de pássaros.
67
Exemplo nº 43: Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, performance notes. 1.
vibrafone, 2. tom-tons, 3. caixa-clara, 4. repinique, 5. prato china, 6. três pratos suspensos, 7.
triângulo, 8. cowbells, 9. reco-reco, 10. castanholas, 11. temple blocks, 12. wood blocks, 13. três
copos de cristal e 14. apitos de pássaros.
Em Cenas Brasileiras nº 1 e 2 é utilizado através da percussão múltipla uma
estilização da percussão do forró. Neste caso é tocada por um bumbo com pedal, os pratos
(hi-hat) e o triângulo. O bumbo imita o som grave da zabumba, o hi-hat imita a vareta na
pele inferior da zabumba e o triângulo completa a percussão. O tipo da escrita para o
triângulo é muito idiomática com notas brancas para notas soltas e pretas para notas
pressas. A legenda utilizada por Rosauro, com um pequeno desenho dos instrumentos no
início da partitura, é comum e muito utilizada em várias músicas e métodos de percussão
múltipla. Exemplo nº 44. (abaixo)
Exemplo nº 44 - Rosauro, Ney. Cenas Brasileiras nº 1 e 2, Baião, comp. 1.
Em Cage-Abertura para duo de percussão, Iazzetta descreve a montagem do set-up.
Os percussionistas tocam de costas um para o outro, nesta obra o entrosamento entre os
intérpretes é fundamental, e por esta razão se torna de grande importância a performance
nesta obra. Exemplo nº 45 na próxima página.
68
Exemplo nº 45 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
No exemplo nº 46 (abaixo) a escrita utilizada por Iazzetta em Cage demonstra a
distribuição nos tambores apresentando o fraseado do tema principal da obra presente no
primeiro compasso. A escrita utilizada por Iazzetta é a mais tradicional na percussão,
partindo dos tambores graves no primeiro espaço da pauta para os agudos em cada espaço.
O “x” indica o prato china, também descrito na legenda preliminar. O uso do “x e + ” para
os vários tipos de pratos é também o tipo de escrita mais tradicional.
Exemplo nº 46 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 1.
O fraseado e o manulação também é de grande importância em Cage. Na edição da
obra são colocados dois momentos com sugestão de manulação. Vide exemplos nº 47 e nº
48 na próxima página.
69
Exemplo nº 47 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
Exemplo nº 48 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
A notação usada por Iazzetta é descrita com uma legenda nas páginas preliminares
da obra.
Exemplo nº 49 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, folha de rosto.
O tipo da escrita descrevendo as quatro alturas para os tambores com linhas também
é usado na escrita para percussão. Esta instrumentação (quatro tom-tons) é uma formação
comumente utilizada em várias obras. No exemplo nº 50 na próxima página, os compassos
iniciais da obra Divertimento para tom-tons de D’Anunciação apresentam as alturas dos
tambores chamados pelo compositor de soprano, contralto, tenor e baixo.
70
Exemplo nº 50 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 1.
Em Cenas Ameríndias nº I (Brasiliana) Rosauro apresenta na legenda inicial a
montagem dos instrumentos, deixando claro para os intérpretes a melhor forma de
execução da obra, vide exemplo nº 51 abaixo. Na obra, Rosauro usa a marimba associada a
instrumentos de madeira e a combinação destes timbres se encaixa de forma muito distinta.
Em Cenas Ameríndias nº II (Eldorado) o vibrafone é associado a instrumentos de metal e
esta combinação de timbres também se encaixa de forma muito distinta. Vide exemplo nº
52 na próxima página.
Exemplo nº 51- Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias I, pág. 1.
71
Exemplo nº 52 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias II, pág.1.
A escrita usada por Rosauro na obra Cenas Ameríndias I (Brasiliana) separa a mão
direita na pauta superior e a mão esquerda na pauta inferior, intercaladas pelos instrumentos
de madeira usados na obra. A obra é considerada para percussão múltipla por acoplar
diferentes instrumentos junto aos teclados (marimba e vibrafone). Segue exemplo nº 53
abaixo.
Exemplo nº 53 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias I (Brasiliana), comp. 1, 2, 3.
A escrita utilizada por Rosauro em Eldorado, também divide a pauta do vibrafone
para mão direita e outra pauta para mão esquerda intercaladas pelos instrumentos de
percussão. Durante a obra o som dos pratos completam o final da frase tocada pelo
vibrafone.
72
Exemplo nº 54 - Rosauro, Ney. Cenas Ameríndias II (Eldorado), comp. 1.
Em Promenade, Iazzetta não descreve a montagem dos instrumentos, somente
apresenta o nome dos instrumentos junto com sua colocação na pauta. Promenade é uma
obra para percussão múltipla que utiliza uma grande quantidade de instrumentos e por isso
uma pré-localização dos instrumentos ajudaria o estudo dos intérpretes. Na marimba falta a
definição da extensão a ser usada, pois existem marimbas com diferentes extensões.
Exemplo nº 55 - Iazzetta, Fernando. Promenade, folha de rosto.
73
Na obra Urbanas II de Iazzetta é apresentada um tipo de grafia não-convencional,
sendo de fundamental importância uma legenda para que os intérpretes possam executar a
obra da maneira correta. No exemplo nº 56 abaixo a legenda que está inserida na obra.
Exemplo nº 56 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, legenda.
O idiomatismo presente nas obras dos três compositores no uso da percussão
múltipla está na instrumentação utilizada e pela forma de distribuição nas obras. Um ponto
fundamental é a informação sobre a montagem dos instrumentos, principalmente quando se
é usado em grande número.
Alguns compositores não descrevem a montagem em suas obras, deixando a cargo
dos intérpretes. Mas esta simples forma de organização da obra facilita em muito o estudo
dos intérpretes para execução. Rosauro ao descrever a montagem dos instrumentos, deixa
claro para outros músicos o melhor posicionamento, ou a localização prévia dos
instrumentos, pois outros músicos podem se sentir confortáveis com outra montagem
semelhante. Em geral os percussionistas adotam as montagens indicadas ou muito próximas
a elas, principalmente por terem sido escritas por compositores percussionistas.
A combinação de diversos timbres, obtendo resultados musicais satisfatórios, é que
tornam as obras importantes ao repertório da percussão. Como percussionistas trabalham
74
com a coordenação motora entre os quatro membros, a execução de até quatro instrumentos
se torna uma prática comum, como é o caso da obra Cenas Brasileiras nº 1 e 2 de Rosauro.
O que à torna idiomática é o fato de um percussionista poder executar ao mesmo tempo três
diferentes instrumentos, além de substituir os instrumentos originais usados no forró, com
um resultado satisfatório dentro do contexto da obra.
A expressão corporal é importante em qualquer interpretação, mas adquire papel de
destaque em obras na percussão. A obra Cage de Iazzetta, escrita para que os intérpretes
toquem de costas para o outro, exigem um trabalho intenso neste aspecto e também
caracteriza um idiomatismo em percussão.
5.5 –Rudimentos (ornamentos)
Os rudimentos são oriundos das mais antigas técnicas de caixa-clara e podem ser
executados em qualquer tambor de pele. Todos os rudimentos podem ser executados
nos teclados, acessórios e outros instrumentos. Foram delimitados em uma tabela pela
Percussive Arts Society Internacional em 1984 como 40 rudimentos. São divididos em
Rulos (sustentação do som), “Diddles” (combinações de manulações), “Flams”
(apogiaturas simples) e “Drags” (apogiaturas duplas). Os rulos são definidos pelo seu
tempo de duração e são nomeados por simples, fechados ou abertos se tocados com
toques simples, múltiplos ou duplos já descritos no item 3.1.5. As combinações de
manulações são chamadas de paradiddle e podem ser simples, duplos e triplos (sendo
os duplos e triplos variações a partir do simples).
As apogiaturas podem ser simples, duplas, triplas ou quádruplas, sendo as duas
últimas combinações da simples com a dupla. Podem aparecer com ou sem acento na
nota principal, que é a do tempo. As simples são chamadas de flam seguidas de
variações como: exemplo flam tap e flamacue. As duplas são chamadas de drag ou ruff
e as triplas e quádruplas ocorrem principalmente em obras orquestrais e são
consideradas ornamentos.
Peças para caixa-clara de estilo marcial apresentam o uso de vários rudimentos
e obras para percussão múltipla, teclados e tímpanos também apresentam vários destes
rudimentos descritos. Podem-se citar compositores-percussionistas que escreveram
obras e métodos usando rudimentos como: Firth (1967), Cirone (1966), Wilcoxon
(1969), Rosauro (1984, 1995), D’Anunciação (1986, 1989), Iazzetta (1991, 1992, 1997)
e Keune (1975).
Em Cage-Abertura para duo de percussão, Iazzetta faz o uso da apogiatura
dupla (drag) de um tambor para o outro e no mesmo tambor descrito no exemplo nº 57
abaixo. Faz o uso também da apogiatura tripla de um tambor para o outro descrito no
exemplo nº. 58 na próxima página.
Exemplo nº 57 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 4.
Exemplo nº 58 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 7.
Na obra Divertimento para tom-tons, D’Anunciação faz o uso de apogiatura
duplas em tambores diferentes e na parte fraca do tempo soando como uma síncope,
deslocando o tempo. Exemplo nº 59 (abaixo). O uso do rulo também está presente na
obra, neste caso, com toque simples, nos tambores. Exemplo nº 60 (abaixo).
Exemplo nº 59 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 33-34.
Exemplo nº 60 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para tom-tons, comp. 40 e 41.
No exemplo nº 61 na próxima página, temos a obra Rapsódia para percussão e
Orquestra, onde Rosauro usa de vários rudimentos como: a apogiatura simples e rulo no
primeiro compasso, paradiddle no segundo e apogiatura simples novamente no terceiro
compasso junto com o rim-shot (tocar simultaneamente no aro e pele da caixa). No uso
do paradiddle, a ordem das mãos está descrita na língua inglesa por “R” (right – direita)
e “L” (left – esquerda).
Exemplo nº 61 - Rosauro, Ney. Rapsódia para percussão e orquestra, comp. 477 a 479.
Na obra Divertimento para Berimbau e Violão, D’Anunciação usa os
rudimentos, apogiatura dupla e o rulo.
Exemplo nº 62 - D’Anunciação, Luiz. Divertimento para Berimbau e Violão, comp. 1 a 4.
O uso de apogiaturas simples e rulos são encontrados no Concerto nº 1 para
Marimba e Orquestra de Rosauro.
Exemplo nº 63 - Rosauro, Ney. Concerto nº 1 de Marimba, II mov., comp. 9 e 10.
O Dueto para Blocos Chinês e Tom-tons de D’Anunciação inicia com uma frase
nos tom-tons seguido de forma canônica pelos blocos chineses. O rulo está presente em
alguns compassos da obra.
Exemplo nº 64 - D’Anunciação, Luiz. Dueto para Bloco Chinês e Tom-tons, comp. 1 a 3.
Na obra Urbanas II, Iazzeta usa da apogiatura simples no bongô. O compositor
pede que as apogiaturas fiquem cada vez mais abertas até se tornarem colcheias.
Exemplo nº 65 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 4.
No III movimento da Suíte Popular Brasileira para marimba solo
(Caboclinhos), a apogiatura simples é executada pela baqueta 4 na mão direita e a nota
principal executada pela baqueta 3.
Exemplo nº 66 - Rosauro, Ney. Suíte Popular Brasileira para marimba solo (Caboclinhos), comp.
18 e 19.
A apogiatura simples está presente nos bongôs e tom-tons usados em Cage de
Iazzetta.
Exemplo nº 67 - Iazzetta, Fernando. Cage-Abertura para duo de percussão, comp. 40.
O uso do rulo está presente na primeira seção de Prakatá de Iazzetta.
Exemplo nº 68 - Iazzetta, Fernando. Prakatá, seção 1.
A apogiatura tripla é escrita para os tímpanos.
Exemplo nº 69 - Iazzetta, Fernando. Urbanas II, pág. 21.
Em Unka na seção lenta, as apogiaturas simples são escritas para o xilofone
como forma de ornamentação da melodia e os rulos na marimba como forma de
sustentação da harmonia.
Exemplo nº 70 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 37.
O rulo é usado no xilofone e nas marimbas com forma de prolongar o som da
melodia e harmonia.
Exemplo nº 71 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 39.
A melodia executada através de rulo na marimba 1 é a voz principal nesta seção
de Unka.
Exemplo nº 72 - Iazzetta, Fernando. Unka, comp. 73.
A questão idiomática no uso dos rudimentos advém pelos estudos tradicionais da
percussão. Todos os rudimentos usados nas obras aqui pesquisadas são estudados nos
vários métodos de percussão e estão presentes em qualquer programa de ensino da
percussão. Os rudimentos são executados por toques simples ou rebotes da baqueta,
técnicas desenvolvidas no estudo tradicional já citado.
A execução de uma apogiatura dupla pode ocorrer de três formas: pelo toque
simples, pelo toque repetido de uma das mãos ou pelo rebote de uma das baquetas
tocada antes da nota principal. As apogiaturas podem estar descritas nas obras como
ornamentos para o ritmo principal ou como forma de deslocarem o tempo forte da
música. D’Anunciação faz o uso de apogiatura duplas em tambores diferentes e na parte
fraca do tempo, que soam como uma síncope, deslocando o tempo.
A diferente combinação de mãos faz com que uma célula rítmica com
semicolcheias tenha um fraseado diferente na obra. Rosauro faz o uso de vários destes
rudimentos dando a sua obra um colorido, inclusive pelo uso do aro do tambor.
D’ Anunciação usa os rudimentos, apogiatura dupla e o rulo como uma forma
muito complexa na escrita do berimbau. Em geral, os percussionistas somente executam
a música de D’Anunciação após vários anos de estudo através do seu Método para
berimbau.
As apogiaturas simples (flams) no teclados são perfeitamente executáveis devido
a cada baqueta realizar uma nota. Os usos mais comuns feitos com apogiaturas simples
ocorrem em notas próximas, caso o percussionista esteja tocando com duas baquetas.
Na possibilidade de estar tocando com quatro baquetas a distância entre notas podem
ser maiores, como é o caso do Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra de Rosauro,
com intervalos de oitavas.
Os rudimentos, como apogiaturas e rulo podem ser usados com parte da frase
musical contida em uma obra. Rosauro e D’Anunciação exploram muito bem este
recurso, contudo, Iazzetta utiliza os rudimentos geralmente como uma forma de
ornamentação ao ritmo principal. Entretanto, em Urbanas II, Iazzetta usa a apogiatura
simples no bongô fazendo com que se torne ritmo posteriormente. O compositor pede
que as apogiaturas fiquem cada vez mais abertas até se tornarem colcheias.
CONCLUSÕES
Através da pesquisa bibliográfica preliminar constatou-se pouca discussão
acerca do termo idiomático e sua aplicabilidade na música de uma forma geral. Nota-se
que apesar do termo ser usado em vários trabalhos da área, existe pouca discussão
relacionada à sua definição e significado. Desta forma, uma breve pesquisa da origem
etimológica do termo se demonstrou de grande importância para o aprofundamento
deste trabalho.
Devido à escassez de literatura sobre o assunto, os trabalhos existentes no país
constituem-se de importante referencial para esta pesquisa. Com a existência de
relevantes trabalhos promovendo a interação compositor/intérprete na busca por
composições idiomáticas e a ampliação de outros trabalhos como este aqui presente,
espera-se que futuras pesquisas em música sejam beneficiadas. Verificou-se que, em
geral, as obras mais idiomáticas advêm da inter-relação instrumentista-compositor e
especificamente nas composições para percussão, se devem ao fato de que muitos
compositores são também intérpretes ativos.
Constatou-se que o idiomatismo na percussão se faz presente através de vários
aspectos. Dentre eles, a técnica de quatro baquetas, a combinação de instrumentos
(percussão múltipla) e os rudimentos tradicionais da percussão são freqüentemente
encontrados nas obras dos compositores aqui pesquisados. A revisão da literatura
demonstrou que a interação compositor/intérprete está contribuindo para a elaboração
de obras idiomáticas. A divulgação de trabalhos como este será importante para as
pesquisas em performance musical relacionadas à editoração e edição de partituras bem
como a difusão e ampliação da literatura para percussão no país.
Pode-se destacar que as obras de Luiz D’Anunciação, Ney Rosauro e Fernando
Iazzetta têm uma grande importância na música brasileira escrita para percussão por
apresentarem diferenças e semelhanças no uso dos aspectos idiomáticos. Acredita-se
que devido ao idiomatismo presente nestas obras, elas estejam sendo executadas
inúmeras vezes em Festivais de Música, Encontros de Percussão e nos núcleos de
ensino de percussão no Brasil.
O trabalho de análise das obras selecionadas foi concentrado nos aspectos
idiomáticos escolhidos para este trabalho e sua ocorrência nas obras. Das obras
selecionadas que necessitavam de revisão e edição, espera-se que as novas partituras
forneçam aos intérpretes uma partitura completa, possibilitando mais execuções
públicas e servindo para futuras pesquisas. Acredita-se que a análise idiomática das
obras venha a servir como referência para futuras pesquisas sobre percussão e que estas
informações possam contribuir no preparo para a interpretação das obras envolvidas
neste trabalho.
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ANEXO
Glossário ilustrado de instrumentos de percussão
Figura nº 1. Uma possibilidade de montagem para percussão múltipla.
Figura nº 2. Baquetas para caixa-clara e percussão múltipla.
Figura nº 3. Baquetas para bombo sinfônico.
Figura nº 4. Almglockens (cowbell suíço)
Figura nº 5. Vários modelos de baquetas para caixa-clara.
Figura nº 6. Vários modelos de baquetas para tímpanos.
Figura nº 7. Bongô.
Figura nº 8. Tambor militar.
Figura nº 9. Caixa-clara.
Figura nº 10. Glockenspiel.
Figura nº 11. Log-drums (tambor de fenda).
Figura nº 12. Güiro.
Figura nº 13. Marimba 5 oitavas.
Figura nº 14. Temple blocks.
Figura nº 15. Tímpanos.
Figura nº 16. Tom-tons sinfônicos.
Figura nº 17. Vassourinhas.
Figura nº 18. Vibrafone.
Figura nº 19. Wood blocks.
Figura nº 20. Bombo sinfônico e um tambor militar.
Figura nº 21. Temple bells.
Figura nº 22. Xilofone.

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