GERONTOLOGIA v. 10 – n. 2 - Portal do Envelhecimento

Transcrição

GERONTOLOGIA v. 10 – n. 2 - Portal do Envelhecimento
GERONTOLOGIA
v. 10 – n. 2
São Paulo
dez., 2007
GERONTOLOGIA
v. 10 – n. 2
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 1-267
ISSN 1516-2567
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri/PUC-SP“
Revista Kairós : gerontologia / Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SP. Ano 1, n. 1 (1998) – São Paulo : EDUC, 1998Anual até 2000
Semestral a partir de 2001 (v. 4, n. 1)
Cadernos Temáticos: Estética e envelhecimento (2002); Psicogerontologia: contribuições da psicanálise
ao envelhecimento (2002); Memória Viva-Cidadania Ativa (2005).
ISSN 1516-2567
1. Gerontologia – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Núcleo de Estudo e Pesquisa
do Envelhecimento (NEPE). Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia.
CDD 618.97005
Publicação do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SP
Indexada no Index Psi Periódicos (www.bvs-psi.org.br); na base de dados LILACS – Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde/BIREME e na base de dados em Ciências Sociais e Humanidades CLASE (UNAM – México).
Editoras Responsáveis
Beltrina Côrte e Suzana A. Rocha Medeiros
Editora Assistente
Vera T. Brandão
Secretária
Maria Bernadete Maciel Correia
Conselho
Alexandre Kalache (Ageing and Life Course Noncommunicable Diseases Prevention and Health Promotion
(NPH) World Health Organization, Geneva), Andre Chevance (Université de Picardie Jules Verne/Faculté
de Philosophie Sciences Humaines et Sociales), Anita Liberalesso Neri (Unicamp), Diana Singer (Universidad Maimónides/Argentina), Ecléa Bosi (USP), Edvaldo Souza Couto (UFBA), Jack Messy (Université Paris
12/França), José Ferreira-Alves (Universidade do Minho/Portugal), Maria de Lurdes Quaresma (Gerontologia
Social do ISSSL/Portugal), Marília Smith (Unifesp/EPM), Nara Costa Rodrigues (ANG), Sára Nigri Goldman
(UFRJ), Sergio Antonio Carlos (UFRS), Teresinha da Silva (Harvard University), Vani Moreira Kenski (USP),
Verónica Montes de Oca (Instituto de Investigaciones Sociales/México)
Pareceristas
Adriana Frohlich Mercadante (UF do Paraná), Amparo Caridade (Unicap/PE), Ana Maria Ramos Sanchez Varella
(Unip/SP), Ângela Machado (USP/SP), Célia Pereira Caldas (UnATI/RJ), Delia Catullo Goldfarb (Cogeae/SP),
Deusivania Vieira da Silva Falcão (USP/SP), Edvaldo Souza Couto (UFBA/BA), Elisabeth F. Mercadante (PUC/SP),
Eucenir Fredini Rocha (USP/SP), Jacy Marcondes Duarte (UNISA/SP), Leila Marrach Basto de Albuquerque
(Unesp/Rio Claro), Liliana Souza (UA/Portugal), Marcia Pontes Mendonça (UFSC/SP), Maria das Graças Leal
(Sedes Sapientiae/SP), Maria Helena Villas Boas Concone (PUC/SP), Marisa Pereira Gonçalves (UnB/DF), Nadia
Dumara Ruiz Silveira (PUC/SP), Otávio de Tolêdo Nóbrega (UCB/DF), Pedro Celso Campos (Unesp/Bauru),
Ricardo Iacub (Universidade de Buenos Aires/Argentina), Rosa Helena Porto Gusmão (FEMB/PA), Rosa Maria
da Exaltação Coutrim (UFOP/PE), Rosana Soares Lima (USP/SP), Roseli Vasconcelos (Uniban/SP), Ruth G.
da Costa Lopes (PUC/SP), Sergio Antonio Carlos (UFRGS/RS), Silvana Tótora (PUC/SP), Suzana A. Rocha
Medeiros (PUC/SP), Tomiko Born (SBGG), Ursula Karsch (PUC/SP), Vânia Gico (UFRN/RN), Vera Lúcia dos
Santos Alves (Santa Casa/SP), Vicente Faleiros (UCB/DF), Virginia Viguera (FHCE-UNLP/Argentina), Vitória
Kachar (IMES/ABC), Wania Regina Lima (UFP/Portugal), Wilson Madeira Filho (UFF/RJ)
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Miguel Chaia
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão de Textos em Português
Sonia Rangel
Revisão de Textos em Inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Rua Monte Alegre, 971 – sala 38CA
05014-001 – São Paulo – SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085
E-mail: [email protected]
Site: www.pucsp.br/educ
Editoração Eletrônica
Waldir Antonio Alves
William Martins
Capa
Sara Rosa
Secretário
Ronaldo Decicino
Revista Kairós
A revista Kairós, surgida em 1998, é o resultado da dedicação e do empenho
de um grupo de pesquisadores ligados ao Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento
(Nepe) e ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, da PUC-SP, com
o objetivo de publicar estudos relacionados ao tema envelhecimento.
Ela funda-se na interdisciplinaridade, pretendendo romper com concepções
estereotipadas e fragmentadas. Seu propósito primordial concentra-se na busca de uma
visão de síntese, considerando a velhice como totalidade.
Pretende ser um veículo de divulgação de um novo saber relativo ao processo de
envelhecimento e da velhice e está aberta à participação de todos os estudiosos que, com
suas reflexões, ajudem a superar a carga pejorativa que tem acompanhado essa etapa
da vida humana.
O nome dado à revista é uma homenagem ao professor Joel Martins, que demonstrou com sua vida que o ser humano pode sempre se desenvolver. Que não somos apenas
Cronos, um tempo determinado, mas Kairós, energia acumulada pelas experiências
vividas.
Em 2001, a revista, que era anual, passa a ser semestral e, a partir de então,
toda edição lançada em junho ganha uma apresentação editorial diferenciada, uma
vez que sempre será a socialização dos resultados obtidos, sistematizados e impressos das
Semanas de Gerontologia, eventos realizados anualmente pelo próprio Programa e que
fazem parte de um novo método de trabalho acadêmico, a partir da troca de idéias e a
permanência da crítica intelectual ante os desafios que nos impõe a longevidade.
Portanto, um dos números, sempre o ímpar (n. 1), da revista, que tem a intenção
de resgatar e atualizar o papel da teoria a partir de debates, mesas-redondas, depoimentos, histórias de vida, etc., em uma perspectiva interdisciplinar, terá um formato
editorial diferente, não diferindo, contudo, no plano da preocupação teórico-intelectual
das revistas científicas em Ciências Humanas, que incluem artigos, pesquisas, resenhas,
como se enquadra a edição número par da Revista Kairós.
Caderno Kairós
O Caderno Temático da revista Kairós é mais uma modalidade de apresentação
dos trabalhos desenvolvidos no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia,
da PUC-SP. Ele nasce com a intenção de ser um veículo de fácil circulação, ágil e de
leituras temáticas, buscando refletir sobre as múltiplas dimensões do envelhecimento e
da velhice vivida.
Longe de representar qualquer solução de continuidade ante o perfil já consagrado
da revista, o lançamento de edições centradas na análise e reflexão de temas específicos é
uma resposta, do Programa, às demandas explicitadas, em várias ocasiões, por alunos,
professores e por muitos dos que participam das atividades promovidas pelo Nepe.
Dentre os objetivos dos números temáticos, ocupa lugar central a socialização dos
exercícios interdisciplinares realizados por diversas atividades do Programa, alicerçados
em três dimensões da existência humana – Família, Comunidade e Estado. Espaços
especialmente ricos, criativos e estimulantes que buscam a edificação de um novo saber
sobre a velhice e o processo de envelhecimento. Exercícios que vêm perseguindo, ao longo do
tempo, a difícil tarefa de promover a superação das tradicionais fronteiras que separam
e isolam os saberes específicos.
Por isso, os artigos reunidos em cada número do Caderno Temático da revista
Kairós devem ser pensados como parte de um movimento que, estreitamente afinado
às diretrizes que norteiam o Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia,
orienta-se na e pela construção de um pensamento complexo. De um pensamento que,
em nome da recomposição do todo, sabe, como bem salientou Edgar Morin, que não é
nem onisciente, nem completo, nem certo; que é sempre local, situado que está em um
tempo e um lugar.
As opiniões emitidas não expressam necessariamente a posição da revista/caderno.
Reprodução permitida desde que citada a fonte.
Política editorial
A revista Kairós tem se consolidado como um veículo de divulgação de
um novo saber relativo ao processo de envelhecimento, promovendo uma outra
percepção da velhice, a qual procura entender o sentido dessa etapa da vida
humana muito além das fronteiras da biologia, da genética e da fisiologia.
A proposta editorial da revista/caderno temático Kairós funda-se,
portanto, na interdisciplinaridade a partir da troca de idéias e do exercício da
crítica intelectual ante os desafios que nos impõe a velhice como totalidade
e a longevidade, concentrando-se na busca de uma visão de síntese, uma vez
que se orienta na e pela construção de um pensamento complexo.
A publicação periódica de artigos que trazem o universo novo de conhecimento gestado pela Gerontologia e que fazem uma reflexão sobre essas
etapas da existência humana tem resgatado e atualizado o papel da teoria a
partir de debates, mesas-redondas, depoimentos, histórias de vida, relatos,
além de artigos, pesquisas e resenhas.
Editorial
Sumário
Editorial .......................................................................................13
Artigos (Articles)
Medo de envelhecer ou de parecer?................................................19
(Fear of growing old or of looking old?)
Maria Helena Villas Bôas Concone
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza
na efemeridade dos corpos ............................................................45
(A brief essay on the acceptance of beauty
in the ephemeralness of the bodies)
Marilda Silveira Lopes, Rodrigo Caetano Arantes e
Ruth Gelehrter da Costa Lopes
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? .................................63
(Turning green – aging: what combination is this?)
Adriana Barin de Azevedo e Ricardo Niquetti
Imagens cinematográficas da velhice:
um enfoque gerontológico ............................................................75
(Movie images of old age: a gerontological approach)
Denise Mendonça de Melo, Fabiana Regina Chinaglia
de Freitas Di Nucci e Paula Casalini Domingues
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 1-267
10
Editorial
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas
sociais da pessoa idosa em Fernando de Noronha –
Nordeste do Brasil ........................................................................91
(The invisibility of the social demands of the elderly in
Fernando de Noronha – Northeast of Brazil)
Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva, Eduardo Maia Freese
de Carvalho e Carlos Feitosa Luna
Conselhos de Representação: espaços para os idosos
se organizarem na defesa de seus direitos ....................................107
(Representation Councils: spaces for the social organization
of the elderly in the defense of their rights)
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
Educação permanente na atenção à saúde de idosos . ...................123
(Permanent education in the care of aged patients)
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
Formador de formador: características educacionais
e profissionais de acadêmicos que ensinam na formação
continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil .......................135
(Teacher of educators: The educational and professional
characteristics of academics teaching post-graduate courses
on gerontology in Brazil)
Tereza Lins
O impacto da informática na vida do idoso .................................153
(The impact of information technology on the life of the elderly)
Rosana Alfinito Kreis, Vicente Paulo Alves,
Carmen Jansen Cárdenas e Margô Gomes de Oliveira Karnikowski
Lazer e tempo livre na “terceira idade”: potencialidades
e limites no trabalho social com idosos ........................................169
(Leisure and free time in “third age”: potentialities
and limits in the social work with aged people)
Solange Maria Teixeira
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 1-267
Editorial
11
Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia
de revascularização do miocárdio em mulheres idosas . ................189
(Psychosocial Implications of Aging: the case of myocardial
revascularization surgery on aged women) Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um
programa de assistência domiciliária no município de São Paulo ....205
(Clinical and demographic profile of patients assisted by
a homecare program in the city of São Paulo)
Carina Corrêa Bastos, Naira Dutra Lemos e Andréia Nóbrega Mello
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis . .........225
(Quality of life in a group of elderly people from Veranópolis)
Waleska P. Farenzena, Irani de L. Argimon, Emílio Moriguchi e
Mirna W. Portuguez
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório
para o processo digestivo dos idosos ............................................245
(The importance of the good functioning of the masticatory
system for the digestive process of the elderly)
Fernando Luiz Brunetti Montenegro, Leonardo Marchini,
Ruy Fonseca Brunetti e Carlos Eduardo Manetta
Resenha (Review)
A roda da vida ............................................................................259
(The wheel of life)
Lenina Lopes Soares Silva
Normas para publicação ............................................................265
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 1-267
Editorial
13
Editorial
Organizar uma edição é sempre tarefa árdua. Primeiro, poucos
são os editores científicos (raríssimos) remunerados para executar tal
trabalho. Segundo, separar um tempo (e que tempo) para isso, entre
orientações, aulas, casa e filhos (especialmente as mulheres), não é fácil.
Fins de semana, feriados e muitas noites devoram esse fazer. Tudo por
amor à ciência. No caso, à Gerontologia, que tem no Brasil raríssimas
publicações. E que devoção! Organizar uma revista científica conta pouco ou quase nada para a produção individual do pesquisador/editor.
Assumido o trabalho (quase sempre solitário) de edição, o editor
fica às voltas com vários artigos. Muitos não entram por problemas de
espaço e de prioridade, outros, por questão de qualidade. Todos querem
publicar, pois hoje essa produção é muito valorizada no meio acadêmico. Apesar das dificuldades esta é uma etapa enriquecedora, quando
e-mails vão e voltam entre pareceristas, editores e autores, na tentativa
de sempre melhorar o texto, de torná-lo mais compreensível, completo
e agradável. Uma vez selecionados os artigos, passa-se à outra fase,
organizando-os em uma ordem de leitura. Qual deles colocar em primeiro lugar? Como traçar um caminho a ser percorrido pelos leitores? Essa
é uma empreitada difícil, uma vez que, ao se falar em envelhecimento e
velhice, tudo parece ser prioritário. Mas não dá para pensar muito, pois
os prazos de gráfica e editora pressionam. Como fazer? Nesta edição,
os artigos foram organizados por temas afins.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 13-17
14
Editorial
É assim que abrem a revista as reflexões de uma antropóloga
que envelhece e rejeita cada vez mais as secas reflexões que parecem
colocar o ser humano sob um microscópio, como se não fizéssemos
parte daquilo que analisamos. Trata-se do artigo intitulado “Medo de
envelhecer ou de parecer?” Nele a autora tece considerações sobre o
medo do envelhecer apoiadas em experiências, conversas e crônicas,
embora não exclusivamente, para depois buscar uma abordagem mais
acadêmica, mas que complete, uma vez que mergulho e descolamento
são complementares.
Reflexão que, em “Verdejar-envelhecer: que combinação é essa?”,
discorre sobre o envelhecimento como acontecimento em cujo contexto
a velhice é traçada a partir de uma noção de envelhecer associada à de
verdejar, a qual propicia meios de criar saúde na produção de diferentes
modos de vida. Como é o caso de “Um breve ensaio sobre a aceitação
da beleza na efemeridade dos corpos”, texto que identifica a relação
entre a beleza corporal e a longevidade por meio dos paradigmas que
ligam o culto do corpo e a estética da beleza nas relações sociais. Nessa
perspectiva, a opinião dos idosos é essencial para uma compreensão do
significado da beleza nesse momento de suas vidas.
Não só. O significado da velhice pode ser dado também pela
conjugação do conhecimento gerontológico com as influências culturais da produção cinematográfica, articulando as diversas facetas do
envelhecimento humano na complexidade de seus aspectos biológicos,
psicológicos e sociais. É o que trata o artigo “Imagens cinematográficas
da velhice: um enfoque gerontológico”, tendo como referencial as teorias
life-span e life-course, com a exposição imagética da velhice, no início do
século XXI, por meio do filme Lições para toda vida.
Não devemos falar em velhice, mas em velhices. E é delas que
trata o texto “A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais da pessoa idosa em Fernando de Noronha – Nordeste do
Brasil”. O artigo apresenta informações epidemiológicas e reflexões
sobre os padrões e as desigualdades no processo de envelhecimento
com base em uma pesquisa e uma leitura crítica, analisando o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), a prevalência de déficit cognirevista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 13-17
Editorial
15
tivo, as taxas de envelhecimento e condições de vida encontradas na
ilha. Tópicos que reforçam o tom de invisibilidade e negligência das
demandas sociais do segmento mais velho da população no conteúdo
das políticas públicas do país.
Bases fundamentais para o surgimento de organizações sociais
que fortalecerão o segmento, destacando o grande valor dos Conselhos
de Representação como espaços de participação e mobilização do idoso
na defesa de seus direitos. Por isso, o artigo “Conselhos de Representação: espaços para os idosos se organizarem na defesa de seus direitos”
observa as normas jurídicas no Estado Democrático de Direito, que têm,
entre outros objetivos, regular o convívio social, estabelecer obrigações
e direitos no relacionamento interpessoal e na relação das pessoas com
o Estado. Independentemente do seu conteúdo, a aplicação efetiva das
normas jurídicas é que vai determinar seu alcance, sua relevância.
Já o artigo “Educação permanente na atenção à saúde de idosos” discute a formação de profissionais na atenção à saúde do idoso.
Com base na escuta de gestores da saúde e na análise dos dados confrontados com a literatura, evidenciaram-se dois eixos norteadores:
qualidade de vida e competência profissional. A inter-relação dos
dois eixos pode constituir uma estratégia operacional de capacitação
profissional permanente.
É o que, em certa medida, o artigo “Formador de formador:
características educacionais e profissionais de acadêmicos que ensinam
na formação continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil” procura
analisar. Esse estudo apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o
perfil do formador de formadores da formação continuada em Gerontologia no Brasil, com base em dados de acervo documental. Os resultados
mostram que os formadores de formadores apresentam muitas características em comum e que, no Brasil, há indícios de um “perfil-tipo” do
formador de profissionais educadores de adultos maiores, que ensinam
nos cursos de Gerontologia stricto sensu. Cursos que têm como propósito final atingir as pessoas idosas, grupo emergente obrigado a lidar
diariamente com a proliferação das tecnologias comunicacionais. Daí o
interesse em saber qual é “O impacto da informática na vida do idoso”.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 13-17
16
Editorial
Esse texto aborda as transformações das tecnologias de comunicação e
de informação, uma vez que elas têm despertado um grande interesse
entre os idosos quanto ao aprendizado, especialmente da informática,
considerando os benefícios que pode oferecer às suas vidas.
Muitas vezes, esse aprendizado se dá na ocupação do tempo livre
ou como simples lazer, como abordado no artigo “Lazer e tempo livre na
‘terceira idade’: potencialidades e limites no trabalho social com idosos”,
apresenta uma crítica aos programas dirigidos à terceira idade que visam
a ocupação do tempo livre com atividades de lazer e recreação com base
nas crítica aos fundamentos teóricos e ideológicos que os orientam e de
onde emanam as potencialidades no trabalho social com idosos.
A compreensão dos significados e impactos da intervenção cirúrgica também faz parte desta edição, que procura também identificar
as “Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia de
revascularização do miocárdio em mulheres idosas”. Com base em
uma revisão da literatura científica, esse texto contribui para um conhecimento que objetiva a promoção de condições para o tratamento
de idosas que necessitam realizar essa complexa cirurgia.
Procura-se também identificar as características clínicas e demográficas de pacientes inseridos no Programa de Assistência Domiciliar
ao Idoso (PADI), discutido no artigo “Perfil clínico-demográfico dos
pacientes inseridos em um programa de assistência domiciliária no
município de São Paulo”, por meio de um estudo transversal descritivo feito mediante um questionário baseado no material de avaliação
multiprofissional inicial do programa.
São estudos que procuram verificar também o bem-estar do
segmento idoso, como é o caso do artigo “Qualidade de vida em um
grupo de idosos de Veranópolis”, o qual, por meio do WHOQOL-Bref,
avaliou um grupo e seus resultados apontaram ter ele boa qualidade
de vida por realizar atividades de lazer, não utilizar medicação diária
e estar livre de sintomas depressivos. E, por último, esta edição assinala “A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório
para o processo digestivo dos idosos”, fazendo uma correlação entre a
importância da boa função dentária e sua capacidade na ingestão de
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 13-17
Editorial
17
nutrientes-chave, de vital necessidade para o estado de saúde geral
que permitirá ao idoso enfrentar as prováveis vicissitudes da terceira
idade.
Encerramos este número com a resenha “A roda da vida”, pois
pensar a vida como uma roda é, com certeza, refletir sobre a circularidade
dos movimentos das pessoas vivas, em especial daquelas que ficaram
vivificadas em nossa memória e, de certa forma, compreender a vida
como uma travessia entre o nascimento e a morte, sem que esta última
signifique um fim. É nesse sentido que a médica psiquiatra Elisabeth
Kübler-Ross (1926- 2004), suíça radicada nos Estados Unidos traduz
sua vida na autobiografia intitulada A roda da vida: memórias do viver
e do morrer.
Memórias que, certamente, percorremos cotidianamente e traçamos no nosso processo de envelhecer. Como cada um de nós a trilhará é
outra história, que contaremos no próximo número. Não deixe de ler!
Beltrina Côrte
Suzana A. Rocha Medeiros
Vera Brandão
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 13-17
Medo de envelhecer ou de parecer?
Maria Helena Villas Bôas Concone
RESUMO: com base em reflexões de uma antropóloga que envelhece e rejeita
cada vez mais as secas reflexões que parecem nos colocar sob um microscópio,
como se não fizéssemos parte daquilo que analisamos, este artigo tece considerações sobre o medo do envelhecer apoiadas em experiências, conversas e crônicas,
embora não exclusivamente, para depois buscar uma abordagem complementar,
mais acadêmica. Momento de mergulho/deslocamento.
Palavras-chave: medo; envelhecer; parecer.
ABSTRACT: Based on reflections of an anthropologist who is growing old and rejects
the arid reflections that seem to put us under a microscope, as if we were not part of what
we analyze, this article discusses the fear of growing old based on experiences, conversations
and narratives. Then, it searches for an academic approach that can complete the author’s
ideas on the subject, as immersing and distancing oneself are complementary actions.
Keywords: fear; to grow old; to look old.
Dividi este artigo em três tópicos. Começo com algumas considerações menos comprometidas com referências bibliográficas e mais
apoiadas em experiências, conversas e crônicas, embora não exclusivamente. No segundo e no terceiro tópicos buscarei uma abordagem mais
acadêmica. Mas são partes que se completam, mergulho e descolamento
são complementares. Rejeito cada vez mais as reflexões secas que parecem nos colocar sob um microscópio, como se não fizéssemos parte
Agradeço aos alunos da minha classe do Pós em Gerontologia, de 2007, pelas
contribuições ao texto.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
20
Maria Helena Villas Bôas Concone
daquilo que analisamos. Vejo a antropologia, que enriqueceu minha vida
intelectual e pessoal, como ciência, busca de interpretação, disciplina e
forma de pensar, instrumento que ajuda a refletir e viver. Se as nossas
opções intelectuais ou acadêmicas se mantiverem apenas nesse nível,
isoladas do cotidiano, serão opções de superfície, estéreis.
Desse modo, quero justificar a forma deste texto e avisar que não
se trata, ou não se trata exclusivamente, de uma reflexão antropológica
sobre o envelhecimento, mas sim de reflexões de uma antropóloga que
envelhece.
Medo de envelhecer
Um pequeno evento recente pode servir de ponto de partida
para algumas ponderações.
Na nossa Universidade, como em muitas outras, há os famosos
cursos para a terceira idade. Dois dias na semana, os elevadores lotam
de senhoras (sobretudo elas) de várias idades e formas, bem arrumadas,
cabelos azuis, unhas feitas. Entram e lotam, adonando-se, visivelmente
alegres, dos espaços universitários, para irritação mal contida, quando
não sarcástica, dos usuários habituais. Em um desses dias, num horário
tranqüilo, estava eu no elevador, quando entraram duas mulheres: uma
jovem, evidentemente aluna, e outra nem tanto, professora da área de
pós-graduação. Esta última entrou comentando com desaprovação a
questão dos elevadores lotados pela “turma da terceira idade”. Disse
então (talvez numa meia desculpa): “Resolvi ser solidária e ceder lugar,
porque afinal mais um pouco eu também estarei lá”. Sem dúvida, seu
pertencimento não parecia nada distante.
Essa postura, evidentemente, não é privilégio das universidades.
Ouvi de uma mulher, empregada doméstica, que declarava orgulhosa
seus insuspeitados 54 anos, reclamação equivalente: “Por que essa terceira idade não toma ônibus em outro horário? Por que ‘os velhinhos’
vão no horário de ônibus cheio, quando a gente tá cansada?”
O que esses episódios cotidianos podem revelar?
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 21
Primeiro, que “velho” ou “da terceira idade” é o outro; nos casos
acima, é aquele outro “fora do lugar”, que ocupa “os nossos espaços”,
que incomoda.
Ora, é inegável que os idosos estão na universidade porque esta –
por numerosas razões – abriu a eles seus espaços. Por princípio, têm
tanto direito de estar lá quanto qualquer outro aluno. Por que então
nos incomodam tanto? É inegável também o direito de qualquer pessoa
tomar o ônibus no horário que for necessário; é pouco provável que “os
velhinhos” escolhessem propositalmente o horário do rush para tomar o
ônibus. Mas, e se fosse esse o caso? Poderíamos estranhar a preferência,
mas nunca negar o direito de ir e vir (no caso, provavelmente, com
desconforto semelhante ao dos demais). Por que seriam “os velhinhos”
mais responsáveis que outros passageiros pelo ônibus lotado? O que
nos incomoda? Seguramente, não é a eventualidade de ter que ceder
lugar; isso praticamente não acontece.
Comentando esses fatos com uma gerontóloga, ela devolveu
retoricamente a pergunta – “o que nos incomoda tanto?” – e respondeu
ela mesma: “Creio que é medo da morte”.
Em outras palavras, a presença de idosos “nos nossos espaços”
nos confrontaria com a passagem do tempo para nós próprios, nos
obrigaria a encarar nossa fragilidade e nossa finitude.
A morte atemoriza-nos e a passagem dos anos aproxima-nos
dela. Parafraseando Marx, estamos habituados a pensar (ou teorizar)
sobre a “morte em si”, dificilmente sobre a morte “para si”. Negar o
idoso de carne e osso seria negar a finitude.
De carne e osso porque o “idoso idealizado” é objeto de respeito,
“pela sabedoria acumulada”, pela “experiência”, pela “memória”. A
idealização do idoso é a contrapartida e o reforço da negação de fato.
Nessa linha de idealização respeitosa jamais entraria em consideração
que um idoso no ônibus na hora do rush pudesse ser, por exemplo, um
“velho batedor de carteiras”... Por quê? Porque parece um contra-senso.
Afinal é um idoso, por definição indefeso e “bom”. No idoso de carne
e osso, entretanto, a sabedoria é relativa, a experiência ultrapassada, a
memória repetitiva e a bondade cansativa ou inexistente.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
22
Maria Helena Villas Bôas Concone
Creio que, realmente, o medo da morte deva ser um aspecto
de especial preocupação do gerontólogo (para me limitar a esse profissional). De fato, a não ser em casos especiais (grupos com pacientes
terminais), a morte não é assunto de discussão. Familiares, por exemplo,
não costumam falar da morte ou raramente sentem-se aptos a tocar
no assunto. Afinal, “não se fala em corda em casa de enforcado”... É
preciso disfarçar, animar, “pôr para cima”.
Há, entretanto, outras razões para o temor do envelhecimento.
Outras razões socioculturais. É dessas que quero falar mais à frente.
Por agora, uma última excursão pela conhecida verdade de que “velho
é o outro”.
Uma deliciosa crônica de Fernando Veríssimo no “Estadão” (10
de setembro de 2006), começa assim: “O primeiro sinal foi quando uma
senhora se levantou para me dar o lugar num ônibus”. Continua com o
estranhamento do autor, que diz, mais adiante: “A partir daí, passei a
notar que as pessoas me tratavam de um modo diferente.(...). Cheguei
a desenvolver algumas teorias. (...) Finalmente, na semana passada,
tudo se esclareceu”. Conta então que, no Rio, tendo tomado um táxi
para ir do aeroporto ao hotel, o carro teve um problema e “parou na
ensolarada Lagoa”; o motorista, pelo rádio, pediu ajuda a outro táxi e
enfatizou a urgência da situação: “Estou aqui com um idoso debaixo
do sol”: “Olhei em volta. Idoso? Onde estava o idoso? E então tive a
revelação. O idoso era eu!”
Essa crônica lembra história semelhante, contada com humor
por uma professora amiga. Também nesse caso a revelação do “estado
de idoso” veio dos outros. Todos nós, que chegamos no limiar da velhice (velhice, aliás, tem limiar?) já vivemos, num momento ou outro,
“revelações” semelhantes: um braço não solicitado que nos apóia na
escada, um lugar oferecido no ônibus (raro, mas pode acontecer) ou,
finalmente, o indiscutível direito de usar “a fila dos idosos” (no banco,
no supermercado ou onde quer que seja) indicada solicitamente por
algum funcionário. Quantos de nós já não resistimos antes de se valer
do indesejado “privilégio”?
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 23
Depois de algumas considerações sobre a palavra idoso (“Curiosa
palavra. O que acumulou idade... Se é que não significa alguém que está
indo, alguém em processo de ida. Em contraste com os que ficam, os
ficosos”), Veríssimo termina a crônica dizendo: “Preciso começar a agir
como um idoso. Dizem que entre eles idoso não fala em quem chega
à velhice como alguém à beira do túmulo. Dizem que está na zona de
rebaixamento. Vou ter que aprender o jargão da categoria”.
Velho é o outro, sem dúvida, pois o autor fala “deles”, não usa
nós; ou, no mínimo, está negaceando, protelando, o que parece inevitável: “mudar de categoria”. Morte aqui também está presente, seja na
interpretação (“idoso” como contrário de “ficoso”), seja na brincadeira
(jocosamente tratada como “zona de rebaixamento”). A jocosidade é
também uma forma de exorcismo...
A passagem do tempo, apontada pelos outros, colhe-nos de
surpresa; parece abrupta e não processual. Há alguns anos, numa outra
crônica, igualmente memorável, Mario Prata reclamava a necessidade
de reconhecer um período de passagem: assim como reconhecemos o
período de adolescência, como difícil ajuste entre a infância e a juventude,
deveríamos reconhecer um período de “envelhescência” equivalente – a
passagem da idade adulta para a senescência...
Nessas revelações há um desajuste, ou melhor, um descompasso
entre Cronos e Kairós. Cronos como passagem do tempo marcada pelo
acúmulo dos aniversários é detectada primeiro pelos outros (“Como envelheceu fulano! Como está acabada beltrana!”); nós mesmos envelhecemos conosco, nos acompanhamos, vivemos Kairós, enquanto deslizamos
pelo tempo cronológico sem grandes rupturas; nos reconhecemos, a
partir de dentro, sem saltos, de modo contínuo. O susto vem de fora.
Hoje, cada vez mais, pode vir desse alter ego que é o espelho... que
me compara comigo mesma. Reverso do retrato de Dorian Gray: não
me reconheço no reflexo. Não sou eu. Não sou mais eu mesma. Talvez
me reconheça de modo mais cabal nas fotos mais antigas...
O sentimento kairós é forte, entretanto, e abre a possibilidade
de uma avaliação atualizada, melhor, sempre renovada de si mesmo.
Há pouco tempo, uma amiga na casa dos setenta me disse: “Não penso
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
24
Maria Helena Villas Bôas Concone
em mim como velha, penso em mim como eu mesma; eu sou Fulana,
em outra fase da vida e mais realizada hoje”. Ela é, aliás, uma mulher
que completou o ensino médio depois dos 40, fez Universidade aos 50
e no final dos seus 60 anos defendeu um mestrado. Depois disso, ao
contrário da propalada queda inexorável marcada pelo envelhecimento (o envelhecimento seria, então, literalmente caduco), essa mulher
verdadeiramente desabrochou, pesquisando e escrevendo.
Exemplos semelhantes não são raros. Embora convivendo com
a diversidade individual (e, evidentemente, sociocultural, da qual trataremos mais além) do envelhecimento, há um generalizante modelo
social de velho, altamente medicalizado, construído em oposição ao
de jovem. É o que mostra Elisabeth Mercadante (para nos apoiarmos
no seu competente estudo) quando discute a velhice como identidade
estigmatizada:
O conhecimento da existência de um modelo social amplo e
geral de velho, presente no imaginário social, que se constrói
pela contraposição à identidade de jovem, levou-nos a pensar
sobre questões relativas à construção da identidade do idoso e
de como essa mesma identidade é sentida e vivida por aqueles
indivíduos classificados como velhos. (2003, p. 56)
Ora, os indivíduos assim classificados, eles mesmos, buscam
reconstruir as classificações gerais, nuançando-as e tecendo novas
classificações capazes de conter diferenças e, eventualmente, livrá-los
do estigma. Alguns depoimentos colhidos por aquela pesquisadora
(pp. 58-59) e que tomo agora de empréstimo, ilustram esse processo.
Para esses entrevistados (entre os 60 e os 80 e mais anos), ser
velho significa:
“Ter perdido a energia física, mas ter ganho em experiência”
(homem, 70 anos)
“Ficar sendo cuidado por outras pessoas” (mulher, 69)
“Ser fraco de corpo e forte de espírito” (homem, 68)
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 25
“Ser velho é não ter mais saúde, é ser um esclerosado”
(homem, 84)
“Ser velho é não ter mais lucidez” (mulher, 76)
“Ser velho é ficar doente e solitário” (homem, 63)
“Ficar cheio de rugas e depender dos outros é igual a velhice”
(mulher, 69)
“Ser velho é perder a beleza, a de fora e a de dentro” (mulher,
70 anos)
Como se pode notar nessas falas, colhidas ao acaso entre os depoimentos trazidos no trabalho acima citado, todos os entrevistados
usam um claro marcador para a velhice. Se há falas que reconhecem
algum ganho na passagem da idade (experiência, fortaleza de espírito), a
maioria sinaliza as perdas (vividas direta ou indiretamente e, sobretudo,
temidas). Paradoxalmente, são essas mesmas perdas, genericamente
identificadas, que podem separar o sujeito enunciante dos “verdadeiros
velhos” (não ter saúde e ser esclerosado, perder a autonomia, perder
a beleza, perder a saúde, perder a memória, perder o senso). É como
se essas falas dissessem que “ser velho é ser gagá, o que não é o meu
caso”, “é ser dependente, o que também não é meu caso”, e assim por
diante. As falas reconstroem as diferenças, repõem a individualidade.
Como foram sublinhadas por Mercadante, elas indicam, enfim, que
“velho é o outro”.
Há um esforço no sentido de escapar das generalizações e do
estigma da velhice, esforço que aparece no discurso, nas ações (“manter o corpo ativo e a mente alerta”), nos cuidados e, quando houver
a possibilidade, na interferência direta sobre as marcas corporais (o
crescimento da “cosmetologia” e das plásticas corretivas e estéticas é
um indicador importante).
Falar de cirurgias plásticas, recursos cosméticos e outros constitui ponto sensível. É
evidente que não se pode “condenar” tais recursos ou quem a eles recorre. Tratase de recursos importantes para manter ou recuperar a auto-estima (para falar só
desta). Não podemos esquecer que beleza sempre foi valorizada em toda e qualquer
realidade sociocultural e, embora haja variações culturais dos padrões valorizados,
alguns estudiosos apontam para certos traços universalmente considerados como
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
26
Maria Helena Villas Bôas Concone
As considerações dos depoentes, na sua maioria, assinalam de
fato características presentes no corpo como demarcadoras de idade
(perda de beleza, rugas, doenças, dificuldade de movimentos, etc.).
Nessas marcas, a perda da beleza (“do frescor” e “do viço”) aparece
como elemento primordial. É de se notar, também, que o padrão de
beleza implícito é o da juventude – beleza “perde-se”, não se admite
a possibilidade de outros padrões ou de padrões alternativos; não há,
para esse tópico, uma fala correspondente àquela que diz: “perde-se
energia, mas ganha-se experiência”.
O trabalho de Mercadante mostra, ainda, que os entrevistados
relacionam imediatamente corpo doente e velhice. Tal fato não seria
de admirar, dado que nosso modelo social de velho é fortemente biomédico. No que se refere a essa relação, entretanto, há ambigüidades
quando tomada a ótica do próprio idoso – se a doença genericamente
aponta para a velhice, esse não é o caso dos entrevistados, que vêm
“suas” doenças, “somente como doenças” e não como algo relacionado
à idade ou indicativas da sua própria condição de velhos.
sinais de beleza (rosto de proporções equilibradas, por exemplo, ou estatura masculina
elevada) e que estariam relacionados à necessidades da reprodução da espécie (levando
os indivíduos a acentuarem os indicadores do dimorfismo sexual, a buscarem sinais
considerados como indicadores de virilidade ou de feminilidade, de saúde ou, ainda,
de capacidade reprodutiva – quadris largos em mulheres, por exemplo). Esse é um
campo complexo, que não pode ser abordado apenas da perspectiva biológica e do
comportamento da espécie; exige uma abordagem que não perca tal complexidade
(basta um olhar para os padrões conflitantes em uma mesma sociedade, na qual
figuras andróginas convivem com a busca de acentuar o dimorfismo – implantes
de silicone nos seios, por exemplo – ou a figura feminina longilínea, “tubo”, que se
afasta do padrão “violão”). Esse será tema de outras reflexões. No momento, gostaría­
mos de reforçar a idéia de que, no que tange à velhice, o padrão de beleza continua
sendo o de juventude e nesse sentido podemos assistir a algumas distorções: busca
incessante de “retocar a juventude” (muitas vezes com riscos para a própria saúde,
causados pelo número de cirurgias ou outros processos mais ou menos invasivos),
produzindo máscaras constrangedoras; a depressão diante da perda do “viço juvenil”;
a desvalorização de si; a desistência de buscar significados mais duradouros para a
própria vida e assim por diante.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 27
“Tenho uma artrite que me incomoda muito, mas ela já está comigo há muitos e muitos anos. Minha mãe sofria dessa mesma doença.
Eu acho que herdei dela” (homem, 70 anos)
“Eu não tenho qualquer problema de doença. Não tenho colesterol, nada na urina e nada também no fígado. Talvez só um pouquinho
de reumatismo que não relaciono com a minha idade” (homem, 65)
“Eu sou uma pessoa muito saudável, não tenho qualquer doença
grave e as coisas que sinto e tenho de vez em quando, acho que acontecem
por problemas que vivo no dia-a-dia” (mulher, 68). (Ibid., p. 59)
Há, pois, um reconhecimento implícito de que saúde e doença
são “coisas próprias da vida”, independentes da idade: algumas doenças ou afecções são percebidas como idiossincráticas (“está comigo há
muitos anos”) ou familiares (“herdei da minha mãe”), são antes marcas
individualizadoras e não classificatórias.
Outro ponto que aparece bastante nos depoimentos citados (e que
pode ser ouvido também em conversas informais) indica um horizonte
temido: a perda da autonomia, a dependência dos outros. Há também
aqui uma certa ambigüidade, pois, embora haja uma concepção mais ou
menos implícita de que a dependência é um fato inescapável – “já que
é própria ou ‘natural’ da velhice” – os sujeitos enunciantes procuram
afastá-la de seu destino pessoal. De novo, a biografia familiar serve de
anteparo: “meu pai morreu com mais de 80, lúcido e ativo”. Assim,
a questão da “inescapabilidade” dessa condição (geralmente associada
mais à “natureza biológica intrínseca à humanidade” e menos a uma
construção sociocultural da velhice) pode, entretanto, admitir exceções
das quais “eu e minha família somos um exemplo”.
Relacionado a esse temor da dependência, o medo da solidão expressa-se também como decorrente de “um fato natural” e não social e
Claro que falar em “traços familiares” como heranças genéticas já faz parte das
concepções correntes, entrou para a linguagem comum; a mídia ajuda no sentido
de uma certa vulgarização da perspectiva científica e biogenética. A discussão desses
fatores exige reflexão específica. Por agora, quero apenas mostrar como padrões
classificatórios podem ser travestidos em sinais individualizadores na fala de pessoas
que ultrapassaram, ou quase, a marca dos 70 anos.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
28
Maria Helena Villas Bôas Concone
cultural, como realmente é: ser velho é estar à margem, não ser querido
por perto (o que seria “natural”). Como dizem alguns entrevistados da
pesquisa citada, “ser velho é ficar doente e solitário”, “velho não é uma
pessoa alegre, velho é recalcado”.
Discutindo o processo de medicalização do envelhecimento, que
leva a uma concepção da velhice como “uma doença em si mesma”, o
psicanalista argentino Ricardo Iacub, depois de várias considerações relativas às mudanças nas concepções de velhice na história do pensamento
no mundo Ocidental, mostra o surgimento, a partir do século XIX, de
mais uma limitação atribuída ao velho: a velhice é des-sexuada; nas suas
palavras, a “mudança na percepção da velhice produziu o aparecimento
de novos significados em sua erótica” (2007, p. 70).
O autor aponta, no correr do período do século retrasado até
nossos dias, noções que se modificam, mas se interligam: “As noções de
vida e sexualidade começaram a ser ligadas de um modo determinante
(sendo) a abstinência da sexualidade (vista como) um meio para evitar
o envelhecimento”. Numa segunda articulação, percebe-se a “velhice
como um retorno ao inorgânico”; haveria “um aumento da pulsão de
morte devido às mudanças biológicas associadas à sexualidade (assim)
concebeu-se o velho como um indivíduo carente de energia, que ao ir
se retirando gradualmente deste mundo, favorecia o desenvolvimento
da espécie humana”. Finalmente, um “conjunto de quadros patológicos
definiram o desejo sexual referido à velhice e foi construída uma peculiar
forma de perversão denominada ‘gerontofilia’” (ibid., p. 70).
Gerontofilia define, então, o interesse sexual pelo(a) velho(a) como
patológico. No nosso meio social, sem fazer concessão a patologias,
atribui-se imediatamente “segundas intenções” ou “interesses escusos”
Não é possível, quando se aborda o tema da medicalização, deixar de fazer referência
a um autor e a um livro seu poucas vezes lembrados. Trata-se de Ivan Illich, em A
expropriação da saúde. Nêmesis da Medicina (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1977).
No preâmbulo do livro, o autor avisa: “Neste ensaio eu encaro a empresa médica
como paradigma para ilustrar a instituição industrial”. Em que pesem as posições
extremamente polêmicas (e sem dúvida datadas) e às vezes radicais, o uso alargado do
conceito de iatrogênese e a análise da construção de uma “sociedade mórbida” graças
ao processo crescente de medicalização merecem ser visitados ou revisitados.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 29
àqueles que mantêm relações com pessoas “idosas” (ou que apresentem diferenças etárias superiores ao esperado). Normalmente, julga-se
haver por trás da relação um interesse financeiro. Até pouco tempo,
aceitava-se com maior facilidade que homens mais velhos se casassem
com mulheres jovens; era quase “natural”, embora a relação ficasse
sempre sob suspeita, por parte de familiares e da sociedade em geral
(mostra-se maior complacência quando a relação envolve homens mais
velhos, porém considerados bonitos e famosos). Esse quadro demorou
mais para ser aceito quando a parceria era entre homens mais jovens e
mulheres “maduras”. Algumas situações contemporâneas envolvendo
mulheres com amplo trânsito midiático parecem reverter em parte essa
situação de desigualdade entre os gêneros (embora os casos de grande
visibilidade sejam de mulheres famosas).
Patologia ou segundas intenções rondam aqueles que se aproximam romanticamente de pessoas “velhas”. E os próprios velhos?
Como são percebidos? “Tarado” ou “safado” são algumas das acusações
possíveis; há também a acusação de trouxa e “velho babão”. Mulheres
acima dos 70 causam ainda maior estranheza. Claramente, parece que,
em qualquer caso, mas sobretudo para as mulheres, está-se diante
de “herotismo fora do lugar”. A relação entre dois idosos (um novo
casamento, por exemplo), quase sempre é tratada com complacência –
a mesma que se mostraria para com duas crianças pequenas que se
querem (Que gracinha! Que bonitinhos!).
Creio que pudemos perceber que há um temor ligado ao envelhecimento, um medo de ser velho. Medo mais que justificado, dado que
o envelhecimento é visto quase que exclusivamente como uma fase de
perdas: perdas físicas, perdas sociais, perdas psíquicas, perdas afetivas.
Não deixa de ser um horizonte tenebroso que é necessário afastar.
Nesse sentido, a perspectiva antropológica pode nos ajudar a
“desnaturalizar a velhice”, mostrá-la como uma construção sociocultural e histórica. Cultural e socialmente variável no tempo e no espaço.
Velhice e envelhecimento não foram e de fato não são vistos sempre
da mesma maneira.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
30
Maria Helena Villas Bôas Concone
Velhice e envelhecimento como construtos
A velhice como construto sociocultural e histórico constitui,
assim, um ponto de importância na presente reflexão. Vou procurar
colocar rapidamente os pontos-chave da visão antropológica, antes
do terceiro e último item, mesmo correndo risco nos dois extremos –
descomplicar e perder a complexidade do fenômeno ou resumir perdendo clareza...
A cultura é sempre uma ação de construção do mundo, do mundo
dos homens, do mundo da cultura...
Nomear é uma ação criadora por excelência. Assim, toda cultura –
qualquer cultura – dá nomes, classifica, cria categorias, empresta sentidos. Toda e qualquer cultura sofre mudanças, modifica-se no correr
do tempo; novos arranjos societários, novos modos de trabalho, de
técnicas e conhecimentos dialogam entre si, reforçam-se, anulam-se
ou enfraquecem; há, enfim, um jogo contínuo que tece os processos
socioculturais.
Claro está que toda realidade sociocultural vive períodos de
maior ou de menor estabilidade, de mudanças mais lentas ou mais
aceleradas. É inegável que as culturas humanas, nos últimos dois séculos, mas especialmente de meados do século XX ao início do atual,
têm vivido um processo de intenso movimento, de intensas mudanças.
Tais mudanças aceleradas ocorrem de modo mais visível nas sociedades ditas modernas, sendo nelas especialmente notável o peso que se
atribui às mesmas mudanças. Como aponta Georges Balandier, dois
movimentos incidem sobre tais sociedades: o das mudanças reais e o
dos significados a elas atribuídos. Em outras palavras, as sociedades
modernas dão um peso positivo, valorizam as mudanças, as inovações,
o novo, enquanto as sociedades tradicionais dão um peso positivo à
permanência, à reprodução do mesmo, à tradição. Não significa que
nas primeiras não haja permanências e nem que as segundas não vivam
mudanças. Não se pode perder de vista, entretanto, que a valorização
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 31
positiva do “novo”, da “mudança”, da “inovação”, da “modernização”
torna-se, ela mesma, uma força de mudança, um importante fator a
um tempo cultural e ideológico.
Voltemos ao envelhecimento e à velhice. Não se pode ignorar
que a velhice é também uma construção sociocultural, isto é, sendo um
dado da realidade de qualquer sociedade humana, está sujeita às ações
nominadoras da cultura (atribuição de nome, classificação, significação,
etc.); a noção de velhice depende, basicamente, do estabelecimento de
demarcações socioculturais. Além disso, encontramos no envelhecimento aspectos universais (biológicos), conquanto seus ritmos variem
por numerosas razões (biológicas e outras). De fato, pode-se dizer que
o envelhecimento é a um tempo biológico e sociocultural. Assim, tal
como a noção de corpo (que, como se viu, é referência importante na
nossa percepção de velho), a noção de envelhecimento também goza de
uma dupla natureza: biológica e sociocultural. Essas duas dimensões se
imbricam, dialogam e digladiam. Além disso, as realidades da velhice
e do envelhecimento, embora submetidas às suas próprias lógicas, são
de fato interdependentes.
As construções de que falei são universais (porque presentes em
toda e qualquer cultura) e ao mesmo tempo variáveis (porque construí­
das com base em lógicas culturais e histórias sociais diversas). Alguns
exemplos podem clarear melhor esses pontos.
Comecemos com culturas bantos tradicionais.
Falando delas, o religioso e antropólogo Asúa Altuña (1974)
aponta que
[...] (as) primeiras associações banto brotam das divisões de
sexo e idade. Como estruturas sociais primárias estratificam a
vida social e colaboram na sua conformação, porque o acesso
a elas se vai realizando dentro de cada classe ou irmandade
etária. (...) Os indivíduos do mesmo sexo, geração e parentela,
formam as irmandades. (Estas) estruturam uma estratificação
paralela ao parentesco (e seus) fins são educativos, religiosos,
sociais políticos e, antigamente, guerreiros.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
32
Maria Helena Villas Bôas Concone
Segundo esse estudioso, tais irmandades ou classes de idade, na
sua forma mais generalizada compreendem quatro divisões, das quais
a “primeira abrange as crianças dos 3 aos 9 anos; podendo ir até os
12. A segunda (abrange) todos os iniciados nos ritos da puberdade,
ainda solteiros; os homens casados e pais de família formam a terceira;
a quarta, a mais respeitada e poderosa é a dos velhos”.
A passagem de uma categoria a outra implica um ritual de
passagem específico, que, no caso dos membros do sexo masculino, é
sempre obrigatório. Tais ritos são vistos como momentos públicos de
instrução e também tecem e fortificam os vínculos entre os membros
de cada classe etária (“o que não impede que no seu interior se estabeleçam alianças particulares”).
Nas classes etárias masculinas, as crianças não iniciadas são
consideradas “pré-homens, social, moral e religiosamente”; isso, evidentemente, não significa que não sejam protegidas e mimadas pelos
adultos. É um período de aprendizagem, pois o não iniciado é percebido como “algo inacabado”. Depois da iniciação, a criança passa para
a classe seguinte, sendo, a partir de então, um membro de direito e de
fato da sociedade. A grande liberdade sexual dos jovens é uma forma
de realização do ideal do grupo, pois “a possibilidade de procriar” é que
lhes dá a “plenitude vital e viril que os realiza individual e socialmente”.
A fase da juventude é também de aprendizagem dos trabalhos da vida
adulta e de cooperação nas atividades do grupo.
São os homens casados que “dão consistência ao grupo”, assegurando sua subsistência e sua sobrevivência como grupo.
Finalmente, os velhos (“classe de mais respeito e prestígio”),
são os conhecedores de toda a tradição, dominam o direito e formam
a assembléia política dirigente; são temidos por sua força vital e pelo
manejo competente da magia, são os “sacerdotes familiares” detentores
dos ritos comunitários. “Vivem com plenitude vital.”
Note-se que a classe das crianças inclui os membros entre os 3 e os 9 ou 12 anos,
isto significa que antes dos 3 não estão contidos em nenhuma classe; são preciosas
promessas para o futuro se podemos dizer assim.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 33
Nessas sociedades, as mulheres passam pelas mesmas classes
etárias e, segundo Altuña, “embora não desempenhem um papel social
decisivo” (em termos de parentesco ou em termos políticos – se bem
que é a matrilinhagem que define as pertenças), a “matrona é prestigiada e influente”.
Segundo o mesmo autor, a solidariedade banto é uma “exigência
natural e sobretudo estrutural da sua filosofia e religião”; fundamentase na unidade de vida, na relação recíproca entre descendentes de um
mesmo antepassado. “A solidão, o individualismo, além de repugnarem
e serem incompreensíveis, acarretar-lhes-iam o desespero e o aniquilamento.” Nessas sociedades, “o homem só não existe” (Asúa Altuña,
1985, p. 159 e ss).
Antes de Altuña, Tempels (1965), também falando sobre a filosofia banto, mostra que esses povos concebem o universo como feito de
energia (matéria é energia), e a energia ou força vital que está presente
em todas as coisas percorre os grupos familiares apresentando-se nos
vivos e nos mortos. As passagens de uma classe etária a outra implicam
crescimento de energia vital e, nesse sentido, os maiores depositários
dessa energia são os velhos (já cumpriram quase todas as fases) e os
ancestrais mortos (passaram pelo último rito: a morte). Sabedoria é
fator de energia vital e a sabedoria cresce no correr da vida, acrescenta-se a cada rito de passagem. O que diferencia vivos e mortos não é,
pois, a quantidade de energia vital – que é maior nos últimos –, mas
a possibilidade de agir no sentido de captar a energia existente. Só os
homens vivos podem fazê-lo e os velhos, como “sacerdotes familiares”,
garantem, graças ao seu conhecimento dos ritos, que a energia vital
dos ancestrais mortos fortaleça os vivos, permitindo, ao mesmo tempo,
que os ancestrais continuem a existir (a falta de descendência e, por
conseguinte, a ausência de ritos a eles voltados, acarretaria a verdadeira
morte dos ancestrais).
Ora, como se pode perceber, em sociedades que constroem seu
mundo a partir desses parâmetros, o significado de ser velho não é o
mesmo significado nosso. Aquelas idéias de perda e de degradação física
e social não têm, aqui, qualquer lugar.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
34
Maria Helena Villas Bôas Concone
No contexto da sociedade brasileira, que, majoritariamente, se
pauta pelos padrões das sociedades ocidentais modernas, vamos reencontrar nas religiões afro-brasileiras o reconhecimento do papel da
ancestralidade e o peso positivo da senioridade. Nos núcleos religiosos
em que a iniciação é um fator fundamental para o crescimento pessoal
e a construção de saber, a idade é fator de respeito social e religioso.
De fato, embora não haja, necessariamente, nos dias que correm, uma
superposição absoluta entre idade cronológica e fase de iniciação, nos
grupos mais tradicionais, graças ao tempo que medeia entre uma fase
iniciática e outra, a idade cronologicamente maior tem maiores chances
de coincidir com os estágios mais altos de iniciação. Nesse sentido, nesses
grupos, além do respeito merecido pelo velho enquanto tal (independentemente da sua posição religiosa e seu conhecimento), há o respeito pelo
saber acumulado daqueles que viveram sucessivos processos iniciáticos
e que acumularam não apenas idade, mas especialmente saber. Há, por
assim dizer, uma potencialização do respeito.
Em religiões não iniciáticas, mas igualmente hierarquizadas,
os cargos mais altos na hierarquia religiosa correspondem também,
de modo geral, aos mais velhos. A Igreja católica é um bom exemplo
da correspondência, mesmo que não absoluta, entre idade e posição
na hierarquia. Chegar a bispo ainda jovem é muito mais uma situação
festejada por sua excepcionalidade do que uma regra. Isso sem falar
em outras posições...
Exemplos de diversidade numa perspectiva temporal, histórica,
no mundo ocidental europeu, no que concerne ao significado das diferentes idades, podem ser encontrados nos ricos trabalhos do historiador
francês Philippe Ariès. Em sua História social da criança e da família, ele
discute a história da educação nos aspectos que “revelam o progresso do
sentimento da infância na mentalidade comum”. Se, na Idade Média,
a demarcação das idades não importava, no caminho da modernidade
assiste-se ao aumento da disciplina, do valor a ela atribuído e do papel
que devia representar na formação das pessoas, e, pouco a pouco, vão
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 35
se institucionalizando classes etárias; nesse processo, o papel desempenhado pela escola foi fundamental. Nas palavras de Ariès, na Idade
Média, as escolas e os colégios que
[...] eram reservadas a um pequeno grupo de clérigos e misturavam as diferentes idades dentro de um espírito de liberdade
de costumes, tornaram-se no início dos tempos modernos um
meio de isolar cada vez mais as crianças durante um período de
formação tanto moral como intelectual, de adestrá-las graças
a uma disciplina mais autoritária e desse modo, separá-las dos
adultos. (1981, p. 165)
Mais adiante, o autor indica que, no século XII, podiam-se
encontrar numa escola todas as idades da vida (pueros, adolescentes,
juvenes, senes), “pois não havia uma palavra para designar o adulto e
as pessoas passavam sem transição de juvenes a senes”. O mesmo autor
aponta que essa mesma situação podia ser encontrada no século XV e
que “essa mistura de idades continuava fora da escola” (p. 167).
O sociólogo alemão Martin Kohll (1989), que toma Ariès como
referência, apresentando um texto de discussão sobre “Ciclo de Vida”,
entendido por ele como uma instituição social (um construto), mostra
que o modelo de “institucionalização do curso da vida” por ele analisado constituiu um fato da sociedade moderna, paralelo à construção
da noção de individualização e acompanhando as transformações do
sistema de trabalho.
No que concerne ao nosso tema, Kohll destaca “a construção legal
e administrativa da demarcação das idades”, sendo o código napoleônico “o primeiro a introduzir precisas demarcações etárias” (1989). Se
a infância e a juventude como idades de vida separadas da vida adulta
são normatizadas a partir do sistema escolar e de demarcações legais
(responsabilidade civil, penal, política), a velhice é definida pelo sistema
de aposentadoria. Assim, a velhice “como idade distinta do ponto de
vista estrutural e cronológico é um produto bastante moderno”, diz o
sociólogo. A criação dos sistemas públicos de seguridade social (processo
que teve a Alemanha como precursora: primeira caixa de aposentadoria
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
36
Maria Helena Villas Bôas Concone
pública e obrigatória) ajudou a constituir um curso de vida “marcado
pela segurança e pela continuidade”, mas também aparece como “um
novo tipo de controle político e social”.
O mesmo sociólogo aponta, ainda, que depois dos anos 60 do
século XX há uma mudança significativa nas sociedades européias (que
toma como referência). Assiste-se, nessas sociedades, a um processo de
“desinstitucionalização” do curso de vida, uma nítida desinstitucionalização do ciclo familiar: variação nas idades de casamento e nas idades
consideradas adequadas para ter filhos, proporção crescente de pessoas
não casadas, queda de natalidade, entre outras variações motivadas
por escolhas pessoais. Há, ainda, flexibilização relativa da trajetória
profissional e mudanças no “código biográfico” graças a um crescente
processo de individualização.
Ora, embora o campo de reflexão de Kohll fosse a Europa dos
anos 80, não é preciso lembrar que tais mudanças são praticamente
universais. Também no Brasil, não obstante as nossas profundas diferenças internas (sociais e regionais), vivemos um processo de mudança
social e populacional de largo alcance. Do ponto de vista no qual nos
colocamos (o que é ser velho no Brasil, quando se é considerado velho
no Brasil), pode-se ver que a questão da aposentadoria não desempenha
mais o mesmo papel que já desempenhou, de demarcador importante
no ciclo de vida, no arranjo biográfico; isto é, do estabelecimento de
“um antes” e “um depois”. Seja pela mudança de composição etária
da nossa população, seja pelos baixos patamares das remunerações da
aposentadoria, seja pelas mudanças no sistema de empregos e de empregabilidade, seja pelo aumento da informalidade, o fato é que o ciclo
de vida institucionalizado está sofrendo mudanças. A demarcação das
idades não é a mesma de cinqüenta anos atrás. Houve um aumento do
período de dependência dos filhos, um atraso da idade adulta, maiores
exigências de escolaridade – freqüentemente incompatíveis com as posições de trabalho em oferta no mercado –, mudança nas expectativas
de constituir família, entre outros pontos a serem considerados. Num
panorama de retraimento do mercado formal de trabalho, cresceu o
número de aposentados, especialmente de mulheres aposentadas que
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 37
sustentam, com os magros recursos da aposentadoria, suas famílias
compostas de seus filhos, netos e outros dependentes; aumentou o
número de aposentados que continuam trabalhando para compensar
os baixos salários da aposentadoria e, finalmente, assiste-se também no
Brasil ao retraimento do Estado ante as obrigações sociais das políticas
de seguridade e de aposentadoria.
Ora, é inegável que essas mudanças vão repercutir nas definições
do que é ser velho nas sociedades modernas. O aumento significativo
da porcentagem de pessoas acima dos 60 anos na população mundial,
e também na brasileira, sem dúvida, é outro fator de mudança. Já
encontramos novas formas de perceber o “envelhescente” e o idoso,
formas que se insinuam insufladas pelas mudanças, pelas diferenças de
poder aquisitivo anteriores e posteriores à aposentadoria, e também por
uma certa “consciência de categoria” que de maneira mais ou menos
tímida vai se instalando. Malgrado as diferenças de poder aquisitivo e as
diferenças de valores das aposentadorias pública e privada, surge entre
nós um mercado (diferenciado segundo a clientela visada) voltado para
a “terceira idade” (viagens, oferta de produtos que vão de vestuário a
saúde e beleza); também os clubes, associações e grupos da “terceira
idade” (às vezes chamados “da melhor idade”) engrossam o movimento
na direção da “consciência de categoria”, consciência de pertencimento,
construção de uma nova perspectiva do envelhecimento.
Em um artigo onde discute envelhecimento e sentimento do
corpo, Alda Britto da Motta afirma que
[...] a modernidade capitalista construiu uma visão segmentar
das idades: periodiza as gerações, constrói e desconstrói idades,
quase a cada século inventa mais uma; (...) recentemente –
década de 60 – inventa uma “terceira idade”, inserção de um
novo período entre a maturidade e a velhice, ao mesmo tempo
negação desta. (2004, p. 38)
Pode-se dizer, então, que estamos em um período de mudanças.
Apesar disso, entretanto, não seria exagero afirmar que, no Brasil,
convivemos com dois tipos polarizados de representação sobre o ser
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
38
Maria Helena Villas Bôas Concone
idoso, como dissemos no início – de um lado há as representações que
o valorizam (respeito, sabedoria, etc.) e de outro, as que o desvalorizam (decadência, passadismo, etc.). As primeiras expressam uma visão
tradicional e extremamente formalizada, quase caricatural, e apontam
para um ideal de respeito (ou talvez de respeito ideal). As segundas, não
menos caricatas, de sabor mais contemporâneo, apontam para novas
concepções que trazem embutida uma ideologia positiva do novo e
da modernidade. Não por acaso essas representações “modernas” têm
igualmente um caráter biologizante.
Alda Britto da Motta afirma que “provavelmente a maior parte
dos estudos sobre o envelhecimento e a velhice, pelo menos no Brasil,
refere-se ao campo da saúde e áreas correlatas”. Reclamando da falta
de uma verdadeira conexão com “envelhescentes”, a socióloga assinala:
“A sensação é de encontrar neles corpos classificatoriamente naturais,
ao mesmo tempo simbolicamente descorporificados e mudos”.
No texto anteriormente citado, Mercadante discute o processo de construção cultural da identidade do idoso mostrando que as
qualidades que lhe são atribuídas, embora amplas, são de modo geral
negativas, definindo-o como sujeito em declínio físico e social. A autora
problematiza assim a questão:
Tendo em vista esse modelo social ideológico, que atribui qualidades negativas aos velhos – degradação física e social – (e) que
ao fazer isso lhes nega um futuro, avaliamos como é possível
então para o idoso pensar novas formas de vida futura, novas
alternativas para a velhice. (2003, p. 56)
A construção de uma identidade social contrastiva, em que o
novo é o valor e a medida, é sem dúvida responsável pela dificuldade
de encontrar tais formas alternativas. Algumas considerações sobre esse
último tópico encerram estas reflexões.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 39
Medo de parecer
Se a velhice atemoriza e o único modelo apreciado socialmente é
(majoritariamente) de juventude, a questão que mobiliza grande parte
dos brasileiros “envelhescentes” é a de “retardar o envelhecimento” ou
apagá-lo.
Britto da Motta, citada acima, afirma que
[...] a ainda majoritária terceira idade começa a ser muito lucrativa para uma série de organizadores/gestores de atividades,
produtos e serviços para esta faixa etária (...) no cotidiano, entretanto, as idades ainda são percebidas principalmente como
parte do passar do tempo, mimetizando como duração e ritmo
os ciclos da natureza e as estações, o que é expresso no corpo
das pessoas. Diz-se “completar 15 primaveras”, “estar na flor
da idade”, “ainda viçosa aos 50 anos”, “bem conservado/a”, “no
inverno da vida”, etc.
Complementa a autora dizendo que o tempo da “natureza” é
expresso no universo da cultura, busca em seguida na literatura “imagens cruéis da velhice especialmente a das mulheres”.
Borges Pereira (2000), falando da linguagem do corpo na sociedade brasileira, afirma que o “progressivo desnudamento do corpo,
em especial do corpo feminino, está associado ao que a mídia chama
freqüentemente de ‘culto ao corpo’ o que nada mais é do que a exaltação
da beleza física em si, independentemente de atributos morais”.
Claro está que o corpo e os cuidados com o corpo sempre foram
objeto de preocupação dos homens e mulheres em todas as sociedades,
entretanto, as reflexões sobre o corpo ganham visibilidade ao longo
do último século. Ligia Amparo da Silva Santos, em preciosa tese
de doutorado, toma a si a tarefa de “pontuar as especificidades (das
questões referentes ao corpo) no mundo contemporâneo”. Entre tais
especificidades nos modos de pensar, representar e agir sobre o corpo,
Silva Santos destaca o papel da mídia e da tecnociência, a exposição e a
exploração da intimidade do corpo, as manipulações do corpo graças à
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
40
Maria Helena Villas Bôas Concone
biotecnologia (cirurgias plásticas, implantes, transplantes, mudança de
sexo), a engenharia genética, a reprodução artificial. Todo um campo de
saber e uma enorme área voltada à comunicação empenhadas, cada uma
a seu modo, em “libertar o corpo” de suas amarras anatômicas. Estamos,
diz a autora, diante de uma antropomorfia, reconstrução completa da
corporalidade em que há exibição contínua da transformação.
Além disso, se “prolongar a vida, preservar o corpo e a saúde
sempre foram preocupações da humanidade (...), no mundo atual tais
práticas contam com um aparato científico que produz incessantemente
novos recursos (...)”. O conceito de saúde se reatualiza, sendo entendido
não como um dado, mas como uma tarefa; saúde não é definida por
um estado e sim por um conjunto de comportamentos. Culto ao corpo
como autocuidado define a perspectiva contemporânea.
Lembra Ligia que, coerentemente com a centralidade do corpo no
mundo contemporâneo, “o corpo também é o marketing de si mesmo”:
“É na sua aparência, tonicidade, juventude e magreza que revelamos
quem somos, a chave do sucesso, mas também do fracasso”.
É difícil atingir metas tão exigentes e, sobretudo, é difícil manter
“tonicidade, juventude e magreza” independentemente do tempo e das
modificações corporais...
Em artigo que discute modernidade e velhice, Vera Almeida
(2003) afirma que encontrar na juventude modelo de ser e de agir é
uma tendência relacionada ao individualismo moderno e antecede os
anos 80. De fato, podemos dizer que vem de muito mais longe, o que
temos é um acirramento do modelo. Citando Lash, Almeida levanta
a questão de que os
[...] conteúdos individualistas da sociedade atual e o conseqüente
culto do eu seriam mais responsáveis que o “culto da juventude”
pelo horror à velhice. A personalidade narcísica dominante só
teria a perder com o declínio dos atributos mais valorizados
como beleza, encanto, poder, celebridade, atributos que segundo
Lash “geralmente declinam com o tempo”.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 41
Claro está que “culto à juventude”, narcisismo e individualismo
são faces da mesma moeda (que seria a identidade de idoso), a qual, por
sua vez, é uma das faces da identidade sociocultural contemporânea.
Não há porque afirmar, por exemplo, o declínio do poder (com o envelhecimento) fora de um modelo específico de sociedade e de cultura.
Os “nossos bantos” acrescentavam poder à medida que envelheciam.
Qualquer que seja a ordem desses fatores, entretanto, há nas
sociedades modernas – e o Brasil alia-se a essa tendência – um esforço constante de “retardar o envelhecimento”, aderindo a comportamentos mais descontraídos, roupas menos convencionais, buscando
saúde através de comportamentos “responsáveis” (controle alimentar,
exercícios, abandono de hábitos “pouco saudáveis”, etc.), recorrendo
à cosmetologia ou à cirurgia plástica, e assim por diante. O indivíduo
é representado como autônomo e responsável por suas opções; saúde
e doença, beleza e feiúra são de sua responsabilidade, dependem das
suas escolhas, das suas ações.
Como “velhice e doença” formam um par nas nossas representações, a busca do envelhecimento saudável fica entre a obrigação e a
contradição – a meta inalcançável.
Temos que reconhecer que, enquanto não construirmos um
forte modelo alternativo de velhice, os caminhos continuarão restritos.
Continuaremos a reproduzir modelos “exógenos” e estigmatizadores.
Não por convicção, mas por adesão.
Como fugir desse círculo? Como já dissemos antes, as mudanças
na composição etária da população mundial e nacional serão o fator mais
significativo para mudanças de concepção e busca de novas perspectivas
individuais e sociais. Derrubar mitos arraigados (feiúra, doença, taras,
demência, perdas, falta de memória, ausência de perspectivas, sala de
espera da morte) não é tarefa rápida ou fácil. Mas já está em andamento.
A geração idosa de hoje já é diferente daquela que a precedeu. Como
também já é diferente a geração jovem.
Há pouco, o jornal Folha de S. Paulo dedicou um caderno inteiro
à discussão das questões relacionadas à beleza. Numa entrevista rápida
com uma jovem apresentadora de TV e ex-miss Brasil, o entrevistador
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
42
Maria Helena Villas Bôas Concone
perguntou: “Você tem medo de envelhecer?”. A resposta foi incisiva:
“Sim”. Depois ela completou: “Acredito que até lá vou mudar minhas
prioridades”. Creio que esse é o melhor recado que uma jovem poderia
dar às gerações mais velhas e também às novas: mudar prioridades,
encontrar novos interesses, investir em outras capacidades. Note-se que
esse é um recado otimista: ela não fala em fim (como dizem alguns,
“encerrar o expediente”, “pendurar as chuteiras”) nem em “recomeço”,
mas em continuidade.
Pode-se aprender de muitas maneiras.
Para encerrar, vou voltar ao início, isto é, falar da relação kairós
e cronos. Através de outra cultura.
Num pequeno livro de comentários de um chefe de uma ilha do
arquipélago de Samoa, lemos o seguinte:
Todo Papalagui (o “branco” europeu) é possuído pelo medo de
perder o seu tempo. Por isso, todos sabem exatamente (e não só
os homens, mas as mulheres e as criancinhas) quantas vezes a
lua e o sol saíram desde que, pela primeira vez, viram a grande
luz. De fato, isto é tão sério que a certos intervalos de tempo
se fazem festas com flores e comes e bebes. (...) Ter tantos anos
significa ter vivido um número preciso de luas. É perigosa essa
maneira de indagar e contar o número das luas porque assim
se chega a saber quantas luas dura a vida da maior parte dos
homens. Todos prestam muita atenção nisso e, passando um
número muito grande de luas, dizem: “Agora, não vou demorar
a morrer”. E então essas pessoas perdem a alegria e morrem
mesmo dentro de pouco tempo.
(...)
Acho que o tempo lhe escapa tal qual cobra na mão molhada
justamente porque o segura com força demais. O Papalagui
não espera que o tempo venha até ele, mas sai ao seu encalço,
sempre, sempre, com as mãos estendidas (...) Mas o tempo é
quieto, pacato, gosta de descansar, de deitar-se à vontade na
esteira. (...) Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia (...)
Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto,
temos tempo que chega. Sabemos que no devido tempo o Grande
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Medo de envelhecer ou de parecer? 43
Espírito nos chamará quando for da sua vontade, mesmo que
não saibamos quantas luas nossas passaram.
Devemos livrar o pobre Papalagui, tão confuso, da sua loucura.
Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido do tempo que perdeu: “o
homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar” (Scheurmann,
s.d., pp. 51-52).
Referências
ALMEIDA, V. V. (2003). Modernidade e velhice. Serviço Social e Sociedade,
ano XXIV, n. 75.
ÁRIES, P. (1981). História social da criança e da família. 2 ed. Rio de
Janeiro, Zahar.
ASÚA ALTUÑA, R. R. (1974). Cultura tradicional Banto. Luanda,
Âncora.
BALANDIER, G. (1998). A desordem. Elogio do movimento. Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil.
BORGES PEREIRA, J. B. (2000). “A linguagem do corpo na sociedade
brasileira: do Ético ao Estético”. In: QUEIROZ, R. (org.). O corpo
do brasileiro. São Paulo, Senac.
BRITTO DA MOTTA, A. (2004). “Envelhecimento e sentimento
do corpo”. In: MINAYO, M. C. e COIMBRA Jr., C. (orgs.).
Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro, Fiocruz.
IACUB, R. (2007). Erótica e velhice: perspectiva do Ocidente. São Paulo,
Vetor (Col. Gerontologia, v. IV).
ILLICH, I. (1977). A expropriação da saúde. Nêmesis da medicina. 3 ed.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
KOHLL, M. M. (1989). “Le cours de vie comme institution sociale”.
In: Biographie et Cycle de Vie. F. Goddard e F. De Coninck, direção. Cahiers du CERCOM, n. 5, 1989, Marselha. (Association
Internationale de Sociologie).
MARTINS, J. (1998). “Não somos cronos, somos kairós”. KairósGerontologia, v.1, n.1.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
44
Maria Helena Villas Bôas Concone
MERCADANTE, E. F. (2003). Velhice: a identidade estigmatizada.
Serviço Social e Sociedade, ano XXIV, n. 75.
SCHEURMANN, Erich (s.d.). O Papalagui. Comentários de Tuiávii, chefe
da tribo Tiavéa, nos mares do sul. Rio de Janeiro, Marco Zero.
SILVA SANTOS, L. A. (2006). O corpo o comer e a comida. Tese de
doutorado. PEPGCS, São Paulo, PUC.
TEMPELS, P. (1965). La philosophie Bantou. Presence africaine. Paris.
Data de recebimento: 14/6/2007; Data de aceite: 20/7/2007.
Maria Helena Villas Bôas Concone – Antropóloga. Professora doutora titular
do Departamento de Antropologia da PUC-SP. Docente do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Gerontologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Ciências Sociais, ambos da PUC-SP. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44
Um breve ensaio sobre a aceitação
da beleza na efemeridade dos corpos
Marilda Silveira Lopes
Rodrigo Caetano Arantes
Ruth Gelehrter da Costa Lopes
RESUMO: o trabalho pretende identificar a relação entre a beleza corporal e a
longevidade através dos paradigmas que ligam o culto do corpo e a estética da
beleza nas relações sociais. Nessa perspectiva, a opinião dos idosos, ou seja, aqueles
acima de 60 anos de idade, será essencial para uma compreensão do significado
da beleza atribuído nesse momento de suas vidas.
Palavra-chave: beleza; longevidade; corpo.
ABSTRACT: This work considers the relationship between beauty and aging, shedding
light on this subjective value and enumerating the paradigms that link the cult of the body
and the beauty esthetics in social relations. It engages the concept of beauty by analyzing
techniques used to maintain, and several presentations of, beauty during people’s lives. From
this perspective, the opinions of those considered elderly in Brazil, i.e., those above 60 years
of age, are essential to an understanding of the meaning of “beauty” over our life spans.
Keywords: beauty; aging; body.Introdução.
Colaboração: Marina Silveira Lopes. Geógrafa, mestranda em Ciências da Religião
PUC-SP. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
46
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
Eu fiz um acordo com o tempo,
nem ele me persegue, nem eu fujo dele.
Um dia a gente se encontra.
(Mario Lago)
Durante o seminário “A família e o idoso”, realizado no curso
de mestrado em Gerontologia, na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), surgiu a necessidade de se conhecer a realidade
das instituições de longa permanência, para, assim, podermos adequar
nossos conhecimentos teóricos à prática. O fato que nos chamou atenção,
quando da oportunidade de visitas a essas instituições, foi que em duas
delas os idosos acamados eram notadamente bem arrumados, com os
cabelos penteados, roupas limpas e passadas, alguns perfumados. As
mulheres maquiadas ou apenas com um discreto batom, mas sempre
elegantes. Na segunda residência confirmamos a mesma situação: os
idosos se preocupavam com a aparência e como queriam ser vistos.
Discutimos a relevância dos aspectos econômicos, o tipo de instituição, a profissão que tiveram, a formação escolar e a origem cultural
dos moradores, constatando a necessidade de pesquisar o assunto. O
tema focado foi a beleza na longevidade. Ao levantamos as referências
bibliográficas, percebemos que havia pouco material disponível para
Cf. Tomiko Born, as Instituições de Longa Permanência (ILPI) são estabe-
lecimentos para atendimento integral institucional, cujo público-alvo são as
pessoas de 60 anos e mais, dependentes ou independentes, que não dispõem de
condições para permanecer com a família ou em seu domicílio. Essas instituições,
conhecidas por denominações diversas – abrigo, asilo, lar, casa de repouso, clínica
geriátrica e ancianato – devem proporcionar serviços na área social, médica,
de psicologia, de enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia e
em outras áreas, conforme necessidade desse segmento etário (SBGG/SP). Ver
em: www.chagas.redefiocruz.fiocruz.br/biblioteca/dados.tomiko.pt, acesso em
29.06.06.
Termo técnico utilizado na área da saúde para designar pessoas, principalmente
idosos, que estão debilitados fisicamente e precisam manter-se na cama por um
certo período.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 47
consulta. A maioria abordava o tema beleza associando-o à juventude
ou enfatizando os modernos recursos para retardar o envelhecimento,
contudo, nenhuma dessas abordagens esclareceu nossas dúvidas.
Em vários trabalhos na web encontramos a definição de beleza
como a percepção individual caracterizada, normalmente, pelo que
é agradável aos sentidos. Essa percepção depende do contexto e do
universo cognitivo do indivíduo que a observa.
Através da história, a humanidade vem considerando a beleza
como “aquilo que se aproxima do divino” e esse conceito vem se
alterando sincronicamente em relação à humanidade e se adequa aos
momentos histórico-sociais, como podemos perceber nas citações
abaixo, de vários poetas, filósofos e escritores renomados em suas respectivas épocas:
O que é belo é bom e o que é bom depressa será também belo.
(Safo)
Uma coisa bela persuade por si mesma, sem necessidade de um orador.
(William Shakespeare)
A beleza do espírito causa admiração; a da alma,
estima; e a do corpo, amor.
(Bernard le Bovier Fontenelle)
Site http://libdigi.unicamp.br/document/code=vtls000334513, acesso em
13/03/2006.
Para Platão, o belo é o bem, a verdade, a perfeição; existe em si mesmo, apar-
tado do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das idéias. A idéia
suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo. Ver Vale,
Lúcia de Fátima. www.espaçoacademico.com.br/046/46/cvale.htm, acesso em
29.06.06.
Pesquisa realizada na Web sobre o conceito de Beleza.Site http://pt.wikiquote.
org/wiki/Beleza. Acesso em 13/03/2006.
Poetisa grega da Ilha de Lesbos, 630 a.C-612 a.C.
Dramaturgo Inglês, 1564-1616.
Escritor francês, 1657-1757.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
48
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
A mulher que se preocupa em evidenciar a sua beleza anuncia ela
própria que não tem outro maior mérito.
(Jeanne Julie Eleonore de Lespinasse)10
A beleza ideal está na simplicidade calma e serena.
(Johann Wolfgang Von Goethe)11
As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão.
(André Gide)12
A beleza é uma contradição velada.
(Jean Paul Sartre)13
A atualidade trouxe-nos um discurso vigoroso e contagiante da
mídia, fazendo com que vários temas tratados pela sociedade, pertinentes ou não, sofram o crivo e a influência dos meios de comunicação.
O conceito contemporâneo de beleza não consegue escapar dessa rede
imaterial14 fluída e instantânea, que penetra no imaginário coletivo.
Enfrentar esses paradigmas será necessário, considerando o aumento
da população com 60 anos ou mais constituir a nova realidade social
na maioria dos países do século XXI.
Imagens côncavas e convexas
As conquistas científicas proporcionaram uma longevidade nunca
antes vivenciada, enfatizada por jornais, revistas, internet e televisão. No
amálgama de valores pululantes da contemporaneidade, expostos pela
mídia, o novo conceito ou preconceito da beleza chamou nossa atenção,
10 Escritora francesa, 1732-1776.
11 Escritor e filósofo alemão, 1749-1832.
12 Escritor francês, Prêmio Nobel de Literatura em 1947, 1869-1951.
13 Filósofo existencialista francês, 1905-1980
14 Rede composta pelos meios modernos de comunicação.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 49
pois ele não se apresenta como adjetivo de longevidade, mas sim como
uma metáfora visual da velhice, onde o importante é ser jovem. Isso nos
dá material para estudos futuros quanto ao significado de beleza.
Novos mitos de beleza foram criados, para Barthes, citado por
Bauer e Gaskell (2004): “o mito representa uma confusão imperdoável
entre a história e natureza”, “Mito é o meio pelo qual uma cultura a
naturaliza ou torna invisível suas próprias normas e ideologias”. Desmistificar ou desmascarar mitos de beleza é uma tarefa árdua, já que
eles privilegiam o frescor e a juventude, negando o belo que também
há na velhice. Pois o homem cria, produz constantemente fluxos, mas
se constitui socialmente pela imitação (Tarde, 1992, p. 40), assim reproduz os modelos aceitos pela sociedade para, dessa forma, sentir-se
pertencente a ela.
Da mesma forma que Sísifo,15 aqueles que buscam a beleza
eternizam uma rotina na tentativa da sua manutenção, mas o envelhecimento acontecerá independentemente de ser belo ou não. Mesmo
na certeza de que a rocha rolaria da montanha, Sísifo a conduzia com
vigor e obediência ao seu castigo. As narrativas para a manutenção da
beleza, obedecem a esse exemplo mitológico, conforme as afirmações
retiradas dos depoimentos a seguir:16
A beleza, por ser um encontro ou mesmo um resultado de
busca, será sempre o objetivo perene ao longo da nossa vida e
estará, portanto, sempre perseguida por todos. Isso porque uns
querem manter a beleza que alcançaram e outros sentem que
podem alcançar mais. Por isso, não vão parar de exercer essa
procura insatisfeita. Quando abandonamos essa busca, ficamos
aos cuidados, bastante cruel, do tempo.
15 Sísifo. Personagem que encarnou, na mitologia grega, a astúcia e a rebeldia do
homem ante os desígnios divinos. Sua audácia, no entanto, motivou o exemplar
castigo final de Zeus, que o condenou a empurrar eternamente, ladeira acima,
uma pedra que rolava de novo ao atingir o topo.
16 Os entrevistados mantiveram-se no anonimato.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
50
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
Tudo o que é bem tratado é bonito. A beleza é expressa por
um conjunto de coisas: corpo, rosto, cabelo, dentes e o modo
de se vestir.
É a pessoa jovem, bonita, e que tem saúde, disposição, quando
se está jovem e bonita é bom, a pele é boa, o cabelo também;
beleza é jovialidade.
É a pessoa se arrumar para ficar com uma aparência mais jovem
e elegante, se maquiando, vestindo roupas mais coloridas, e não
blusas de gola e vestidos grandes só porque é velho. Beleza é
tentar disfarçar as marcas da velhice com os recursos de maquiagem, passar batom, pois aí sim se fica bonita.
Beleza para mim é algo que chama atenção. É admirar o que
está a minha volta e me encantar como feições bonitas: rosto,
dentes e cabelo.
Em primeiro lugar, porém, devemos reconhecer a natureza
radical dessa crise da imaginação. Parece haver uma concordância
geral sobre, de certa forma, termos perdido a proteção das estruturas
de mito anteriormente aceitas. Sofremos o que Jung denominou “um
empobrecimento sem precedentes de símbolos”, pois os que valem são
somente os veiculados pela mídia.
As imagens são projetadas, para o olhar do outro, ininterruptamente pelos meios de comunicação. Mulheres e homens independentemente da idade e conscientes do seu próprio reflexo tornam-se alvos
fáceis para os discursos ideológicos de reconstrução.
O aspecto delineado nessa investigação é o envelhecimento
com a consciência de uma nova estética, isto é, a beleza própria desse
processo fisiológico natural e não apenas os parâmetros mitificados da
beleza da juventude.
O padrão da estética e da beleza baseado somente na ótica do
jovem e com a contribuição global da mídia condena o envelhecimento, exalta a juventude e negligencia a longevidade. O homem repete
suas ações ancestrais que não percebiam sua finitude. Até que, em
dado momento, sente a iminente necessidade de enterrar seus mortos,
enganando-se assim quanto às proposições adquiridas.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 51
Atualmente, turva-se a percepção de outros padrões naturais,
como, por exemplo, os cabelos grisalhos, que são rejeitados e substituídos por tinturas sintéticas que os disfarçam ou mesmo as cirurgias
plásticas, que fazem as marcas de expressões desaparecerem. Todos
esses reparos corporais são realizados na tentativa de aplacar os “males”
do tempo e resgatar o padrão de beleza instituído na sua cultura e na
sua sociedade.
Os mitos da beleza
A humanidade criou mitos sobre o envelhecimento que podem
vir de várias fontes: desconhecimento sobre o assunto, falta de contato
próximo com pessoas acima de 60 anos ou até medo de ficar velho,
traduzindo-se em um distanciamento em relação aos idosos. A falta
de interação entre gerações dá margem a certa intolerância de ambos
os lados, que reforça a manutenção desses mitos. Independentemente das origens, os mitos são afirmações ou
narrativas inverídicas que, em relação ao envelhecimento, geralmente
o associam à doença e a uma regressão à infância. Além disso, uma
visão estereotipada sobre o envelhecimento leva a uma série de outros
mitos (Mercadante, 1997), tais como:
1) os idosos não são capazes de aprender coisas novas;
2) os idosos dificilmente mudam o comportamento após certa idade,
mesmo que essa mudança traga benefícios à saúde e bem-estar
geral;
3) o fator genético seria uma garantia de envelhecimento com qualidade
de vida,17 sua importância seria grande o suficiente para deixar de
lado os fatores sociais e comportamentais sobre o estado geral de
saúde e funcionamento do idoso;
17 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), qualidade de
vida é a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro do contexto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em relação a seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito muito amplo,
que incorpora de uma maneira complexa a saúde física de uma pessoa, seu estado
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
52
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
4) não se devem administrar tratamentos médicos mais agressivos aos
idosos, com base somente na idade cronológica, independentemente
dos benefícios que poderia ter ou das condições gerais favoráveis ao
tratamento;
5) os idosos são geralmente não produtivos e não servem para nada.
Em decorrência desses mitos, existe também uma excessiva
valorização dos jovens, em detrimento dos mais velhos, em todas as
esferas da sociedade. A supervalorização do potencial da juventude
em detrimento do potencial da idade madura e da velhice é atribuída
à própria cultura, sendo as idades mais avançadas interpretadas como
improdutividade e decadência.
Os estereótipos mudam de tempos em tempos; entretanto,
podem ser responsáveis pelo menor investimento do governo em
programas para idosos, pois o orçamento público, ao invés de ser destinado à população mais velha, iria para indivíduos mais jovens, uma
vez que o retorno do investimento seria maior, tanto a curto como a
longo prazo.
O combate a esses mitos se faz, primeiramente, com um trabalho de educação e esclarecimento da população sobre as realidades a
respeito do envelhecimento, com informações adequadas sobre o que
vem a ser esse processo do ponto de vista biológico, social e econômico.
Mostrando que, apesar de o envelhecimento ser um processo natural
e universal, a história de vida de cada um, incluindo o autocuidado
com a saúde e o bem-estar geral são em grande parte determinantes
da maneira como cada um irá passar por essa fase da vida. É também
fundamental o reconhecimento da diversidade da população idosa e
das múltiplas influências na saúde e no funcionamento de cada idoso
(Ory et alii, 2003).
O poder do referido mito provém, como todo mito social, “da
ambigüidade e da mistificação”. Sua eficácia comunicativa é tal que ele
psicológico, seu nível de dependência, suas relações sociais, suas crenças e sua
relação com características proeminentes no ambiente.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 53
faz circularem significações, valores e maneiras de ver motivados por
poderosas ideologias, que parecem normais, naturais ou simples bomsenso. Existe, no cerne de todo mito sociocultural, um vazio semântico
capital. O mito funciona por meio de uma alternância constante entre
a plenitude e a ausência.18
A repetição incessante da mesma imagem e da mesma mensagem
facilita a criação de mitos culturais e populares, o olhar a si próprio
e os conceitos estabelecidos ao longo do tempo com relação à velhice
e seus aspectos intrínsecos à estética mostram a força de uma cultura
para criar seus mitos.
No conto de fadas Branca de Neve e os sete anões, a protagonista
da trama é uma bela jovem com todo o frescor de sua adolescência e
arrebatada por muita candura e bondade. A personagem de oposição
é caracterizada pela madrasta, que, apesar de bela, também morre de
ciúme da enteada. A madrasta, por ser mais velha, é a menos bela. O
duelo que se trava é pela preservação da beleza. E, quando a madrasta
tenta ganhar, para tal emerge, ainda, seu lado mais cruel, personificado
por uma velha feia, corcunda e bem enrugada, ou seja, a bruxa. Ao
analisarmos esse conto sob o prisma do belo e o do feio, notamos que
desde a infância é incutido em nosso inconsciente que a velhice está
ligada à feiúra, à maldade e ao desprezo.
Segundo Campbell (1990), “não há um sistema definitivo de
interpretação dos mitos e jamais haverá algo parecido com isso”. Então,
como será que as mulheres e as meninas saberiam, em seu comportamento, resistir às mensagens veladamente estigmatizadas da velhice
nesse mito? Saberiam ou poderiam dizer não às tentações dos sistemas
políticos e socioculturais? Estamos habituados à circulação de imagens
predeterminadas, que mostram a beleza na experiência cotidiana de
18 Ver Louise Forsytm, em: www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/ web/bras/louise1.
htm, acesso 13/03/2006.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
54
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
todos e de todas, como se o critério vigente de beleza fosse geneticamente
respeitado pelas imposições da moda. “Vontade de poder”19 e “Eterno
retorno do mesmo”, ou seja, ser belo é fundamental.
Pessoas que buscam uma longevidade ativa precisam procurar
viver com qualidade e isso faz a diferença entre tempo cronológico e o
biológico. Um ponto de vista considera que os limites do corpo devem
ser respeitados e entende que investimentos na preservação da vida de
forma mais sintonizada com a natureza possibilitarão realizações para a
humanidade. Esse enfoque, que defende um curso de vida natural como
maneira mais saudável e apropriada de viver, recebe de Featherstone e
Hepworth (2000) críticas, no sentido de que essa visão “retifica uma
determinada imagem cultural do corpo natural” e que a “tecnologia
não é algo que está fora da natureza e da cultura”.
Os avanços da ciência e da tecnologia estão presentes em nosso
cotidiano, impondo, de forma intensa, modelos de velhice cada vez
mais veementes na contemporaneidade, envolvendo uma diversidade ainda maior de experiências de envelhecimento. No que se refere
à comunicação, o desenvolvimento da realidade virtual associada à
Internet possibilita a construção de novas formas de contato social,
independentes da presença física.
No ciberespaço,20 a identidade pode corresponder a qualquer
imagem desejada, abrindo oportunidade para uma verdadeira infinidade de personas21 para uma mesma pessoa, em interações totalmente
personalizadas, únicas. Afastando-se do modelo da comunicação de
massa, esse tipo de tecnologia propiciaria a diluição do modelo de
velhice e de envelhecimento presente no curso de vida moderno, o
que vale para todos os grupos sociais. Também o acesso a um grande
19 Dois conceitos andam aliados ao conceito de vida. Um deles implica o devir
(Heráclito): “Vontade de poder”. O outro implica a permanência (Parmênides):
“Eterno retorno do Mesmo”.
20 Ciberespaço é o ambiente criado de forma virtual. Através do uso dos meios de
comunicação modernos, destacando-se entre eles a Internet.
21 Máscaras utilizadas pelos atores, no ato da representação dos antigos teatros
gregos. Definição utilizada na psicologia junguiana com relação aos vários papéis
que a pessoa precisa interpretar no seu dia-a-dia na sociedade.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 55
volume de informações, particularmente sobre o corpo, pode possibilitar um automonitoramento do mesmo e também do processo de
envelhecimento. Quanto às tecnologias de intervenção no corpo biológico, a cirurgia plástica, os transplantes e implantes, as clonagens e as
interconexões com máquinas poderão trazer transformações corporais
de grande repercussão sobre os limites do corpo, do tempo de vida, da
vida e da morte.
Aspectos metodológicos
A escolha dos idosos foi feita aleatoriamente, em duas regiões
do Brasil, sendo 10 idosos da cidade de Arcos (MG) e 13 da cidade
de Vitória (ES). Os idosos abordados para a pesquisa teriam 60 anos
ou mais e mostraram-se dispostos a responder a um questionário que
continha onze perguntas, desde data de nascimento, profissão, cidade
onde residem até conteúdo propriamente do estudo, como o conceito
de beleza era visto e como se encaixavam nesse contexto no momento
atual de suas vidas.
No total, 23 idosos responderam ao questionário, sendo 5 homens
e 5 mulheres de Minas Gerais e 6 mulheres e 7 homens do Espírito
Santo. Os nomes adotados são fictícios, como maneira de preservar o
sigilo dos entrevistados.
Análise dos dados
A idade dos sujeitos de pesquisa varia entre 70 e 86 anos (dados
válidos para o ano de 2006, em que foi realizada a pesquisa), 23 nascidos
no Brasil e um na Grécia. Há heterogeneidade na formação escolar: dos
23 idosos, apenas 2 nunca freqüentaram escola, 4 concluíram o ensino
superior, 7 cursaram até a quarta série do ensino fundamental, 1 até a
sexta e outros 2 concluíram esse ciclo letivo. Dos idosos, 7 cursaram o
ensino médio completo, 3 deles com especializações (ensino técnico).
Das 23 pessoas, 6 não praticam atividade física e 17 exercem
algum tipo.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
56
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
O que é beleza para você?
Número
O que é beleza
11
beleza física, sendo que um acrescentou o disfarce à velhice
beleza como subjetividade e valores como: a vida, a saúde, a paz, a
12
família, o amor, os sentimentos e a harmonia com o corpo
O que você tem a dizer sobre a beleza ao longo da vida?
Número
13
04
05
01
Beleza x Velhice
Disseram que a beleza ao longo dos anos se retrata nos sentimentos,
nos valores e nos prazeres
A beleza ao longo da vida vai se declinando
O cuidado permanente com a saúde e a busca pela boa forma os
fizeram sentirem-se mais belos
Beleza é primordial
O que você tem a dizer sobre os muitos mais anos
que se vive atualmente e a beleza?
Número
11
04
05
02
01
Beleza x Longevidade
Atribuição aos avanços da ciência, qualidade de vida, cuidado com o corpo,
exercícios físicos, alimentação, reposições hormonais, cirurgias plásticas,
tecnologia, e condição financeira uma condição melhor no envelhecimento
Sofrimento e angústia, por não serem mais belos, sendo que um se redefiniu
dizendo que o que conta é a felicidade
Cinco disseram que a importância da beleza está nos sentimentos como
felicidade, fé, amor, tranqüilidade, curtir a vida
Colocaram-se no passado, mencionando que, antigamente tudo era mais
saudável e hoje nada é natural
A beleza que se procura é beleza ainda não alcançada, portanto, que
continuar buscando essa beleza nos capacitando, sempre, todos os dias
Como você está se sentindo neste momento
em relação ao tema deste questionário: beleza?
Número
14
01
O que é beleza para você
Traços fisionômicos harmônicos, aparência saudável com pele, cabelos e
dentes de boa aparência e comportamento alegre
A beleza começa pelo interior da pessoa e é um conjunto de coisas como:
paz de espírito, bondade, compreensão, ajuda ao próximo, fé que se
transmite, a saúde do corpo e a expressão de felicidade que se torna beleza
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 57
Os dados mostraram que há uma boa aceitação, por parte dos
entrevistados, de sua beleza atual.
Ao analisar as respostas dos questionários, notamos que o conceito
de beleza é referido com diferentes conotações com o passar dos anos.
Ele abrangeu desde os atributos físicos aos espirituais.
Esse questionário foi aplicado em idosos de diferentes formações
escolares e níveis socioeconômicos. Com relação ao gênero e à escolaridade, esse conceito não apresentou grandes diferenças nas respostas.
Número
14
01
O que é beleza para você
Traços fisionômicos harmônicos, aparência saudável com pele, cabelos e
dentes de boa aparência e comportamento alegre
A beleza começa pelo interior da pessoa e é um conjunto de coisas como:
paz de espírito, bondade, compreensão, ajuda ao próximo, fé que se
transmite, a saúde do corpo e a expressão de felicidade que se torna beleza
Pelo estudo realizado, dividiu-se o conjunto geral de respostas
em duas categorias listadas abaixo. As duas categorias emergiram
com base na leitura das transcrições das respostas dos questionários e
ilustram as posições dos idosos.
Categoria A: a beleza como algo peculiar à juventude
e como estado de espírito
Os idosos abordados neste estudo, ora responderam ao questionamento sobre a beleza como algo caracteristicamente presente
em indivíduos jovens e inexistente na velhice e ora como um fator de
sentimentos de engrandecimento do espírito, como o amor, a amizade,
a paz. Isso pode ser conferido conforme as citações abaixo:
Beleza é a pessoa jovem, bonita e que tem saúde, disposição.
Quando se está jovem e bonita é bom, a pele é boa, o cabelo
também. Beleza é jovialidade.
Acho que a beleza tem que vir de dentro para fora. Temos que ter
amor no coração e ser feliz. Assim ficaremos pessoas bonitas.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
58
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
Categoria B: a beleza como busca
Os idosos relataram beleza como uma busca constante e que, em
alguns casos, essa busca se torna algo jamais encontrado.
A beleza pode ser um encontro ou mesmo um resultado de
busca, será sempre o objetivo perene ao longo da nossa vida e
estará, portanto, sempre perseguida por todos. Isso porque uns
querem manter a beleza que alcançaram e outros que sentem
que podem alcançar mais. Por isso, não vão parar de exercer essa
procura insatisfeita. Quando abandonamos essa busca, ficamos
aos cuidados, bastante cruel, do tempo.
Com os recursos de hoje, só fica velho e feio quem não tem
muito dinheiro, pois existem plásticas e produtos de beleza
para ficar mais bonito, mas não pode é ficar parado, tem que se
exercitar. Isto tudo para não se acabar e assim ficar mais bonito
mesmo com a idade.
Considerações finais
Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida.
Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma
experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida,
no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser
e da nossa realidade mais íntimas, de modo que realmente sintamos o
enlevo de estar vivos.
(Joseph Campbell)
A análise minuciosa dos dados remete-nos a pensar como a beleza
é vista pelos idosos. Quando o assunto é beleza e envelhecimento, os
relatos principais, feitos pelo grupos de idosos questionados, independentemente da região onde moram ou da condição socioeconômica, é
que beleza é associada a algo jovial, algo exclusivo aos jovens.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 59
A vaidade nos idosos não é adquirida repentinamente nesse momento de suas vidas e sim uma característica mantida desde quando se
era jovem, ou seja, os idosos que se mostravam muito vaidosos, eram
assim desde sua juventude.
Com todos os relatos colhidos, podemos finalizar dizendo que
deve haver um compasso entre a idade cronológica e biológica, e o
ideal é que se tenha consciência disso para não se deixar corroer por
modismos impostos pela mídia e por conceitos como o de que só o que
é jovem é belo.
Referências
AUGRAS, M. (1974). Opinião pública. Teoria e pesquisa. Petrópolis,
Vozes.
BARTHES, R. (1957). Mythologies. Paris, Seuil.
BAUER, M.W. e GASKELL, G. (2004). Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho G. Guareschi. 3 ed. Petrópolis, RJ, Vozes.
BERGER, J. (1972). Ways of seeing. Londres, Penguin.
CAMPBELL, J. (1990). As transformações do mito através do tempo. Tradução
de Heloysa de Lima Dantas. São Paulo, Cultrix.
(1990). O poder do mito. Tradução de Carlos Felipe Moisés. São
Paulo, Palas Athena.
(1997). O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral.
São Paulo, Cultrix.
CANETTI, E. (1995). Massa e poder. Rio de Janeiro, Companhia das
Letras.
CÔRTE, B.; MERCADANTE, E. e ARCURI, I. (orgs.) (2005). Velhice,
envelhecimento, complex(idade). São Paulo, Vetor.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. (1996). Mil platôs: capitalismo e
esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de
Oliveira, Lúcia Cláudia e Suely Rolnik. Rio de Janeiro, Editora 34.
DETIENNE, M. (1967). Os mestres da verdade na Grécia Arcaica. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
60
Marilda S. Lopes, Rodrigo C. Arantes e Ruth G. da Costa Lopes
DIXSAUT, M. (2001). Métamorphoses de la dialectique dans les
dialogues de Platon. Paris, Vrin.
DURKHEIM, É. (1983). Les règles de la méthode sociologique. Paris, PUF.
FEATHERSTONE, M. e HEPWORTH, M. (2000). “Envelhecimento,
tecnologia e o curso da vida incorporado”. In: DEBERT, G. G.
e GOLDSTEIN. Políticas do corpo e o curso da vida. São Paulo,
Sumaré.
GOLDSCHIDT, V. (1970). A religião de Platão. São Paulo, Difusão
Européia do Livro.
HOPPER, S. R.(2001). “Mito, sonho e imaginação”. In: CAMPBELL, J.
(org). Mitos, sonhos e religião. Tradução de Angela Lobo de Andrade
e Bali Lobo de Andrade. Rio de Janeiro, Ediouro.
KLEIN, N. (2002). Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido.
São Paulo/Rio de Janeiro, Record.
LANE, R. e SEARS, D. (1966). A opinião pública. Rio de Janeiro, Zahar.
LIPPMAN, W. (1922). Public Opinion. Nova York, Macmillan.
MERCADANTE, E. F. (1997). A construção da identidade e da subjetividade
do idoso. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. São Paulo, PUC.
NEGRI, A. e GUATTARI, F. (1987). Os novos espaços de liberdade (seguido
de Das liberdades na Europa, de Guattari e de Carta arqueológica,
de Negri). Coimbra, Centelha.
NIETZSCHE, F. (1974). Considerações intempestivas. Tradução de Lemos
de Azevedo. Lisboa, Presença (Col. Síntese).
ORY, M.; HOFFMAN M. K.; HAWKINS M.; SANNER B. e MOCKENHAUPT, R. (2003). Challenging aging stereotypes. Strategies
for creating a more active society. Am J Prev Méd, n. 25 (3Sii).
Princeton, Elsevier.
SODRÉ, M. (1994). A máquina de Narciso: televisão, indivíduo e poder no
Brasil. São Paulo, Cortez.
TADEU, T. e KOHAN, W. (1988). Dossiê: “Entre Deleuze e a Educação”
diferença e repetição. Tradução de Luiz Orlandi e Roberto Machado.
Rio de Janeiro, Graal.
TARDE, G. (1992). A opinião e as massas. Tradução de Luís Eduardo de
Lima Brandão. São Paulo, Martins Fontes (Col. Tópicos).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 61
THEMUDO, T. S. (2002). Gabriel Tarde – Sociologia e subjetividade. Rio
de Janeiro, Relume Dumará.
VERNANT, J. P. (1977). As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo,
Difel.
VIÄ, S. C. (1993). Opinião pública – Técnica de formação e problemas de
controle. São Paulo, Loyola.
WOLF, N. (1991). The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used
against Women. Toronto, Vintage.
Filme
As garotas do calendário (Calendar Girls, 2003). Dirigido por Nigel Cole.
GBR. Distribuição: Columbia Pictures
Sites
http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000334513, acesso
em 13/3/2006.
http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/web/bras/louise1.htm,acesso
em 13/3/2006.
http://pt.wikiquote.org/wiki/Beleza, acesso em 13/3/2006.
www.chagas.redefiocruz.fiocruz.br/biblioteca/dados.tomiko.pt. Acesso
em 29/6/06.
Data de recebimento: 23/3/2007; Data de aceite: 15/4/2007.
Marilda Silveira Lopes – Psicóloga. Especialização em psicossomática e mestranda em Gerontologia. Professora da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de
Misericórdia de Vitória (Emescam/ES). E-mail: [email protected].
Rodrigo Caetano Arantes – Fisioterapeuta. Especialização em Fisioterapia
Geriátrica e Gerontológica. Mestre em Gerontologia. Docente da Faculdade São
Lucas de Porto Velho (RO). E-mail: [email protected].
Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Psicóloga. Doutora em Saúde Pública. Vicecoordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da
PUC-SP. E-mail: [email protected].
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 45-61
Verdejar-envelhecer:
que combinação é essa?
Adriana Barin de Azevedo
Ricardo Niquetti
RESUMO: o modo como o campo problemático da velhice vem sendo discutido
convoca um questionamento quanto às linhas de pensamento que vêm balizando
tais discursos. O presente artigo discorre sobre o envelhecimento, a partir de seu
plano próprio, ou seja, afasta-se da lógica de oposição de predicados (velho/jovem)
para pensar o envelhecer como acontecimento. Nesse contexto, a velhice vai sendo
traçada com base em uma noção de envelhecer associada à de verdejar, a qual
propicia meios de criar saúde, na produção de diferentes modos de vida.
Palavras-chave: envelhecer; acontecimento; prudência.
ABSTRACT: The way in which the problematic field of old age has been discussed
summons a questioning about the lines of thought that have been delineating such discourses.
The present article approaches aging but it starts from its own plane. In other words, it
moves away from the logic of predicates opposition (old/young) and thinks of aging as an
event. In this context, old age is gradually outlined based on a notion of aging associated
with the one of turning green, which enables ways of creating health, in the production of
different ways of life.
Keywords: to grow old; event; wisdom.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
64
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
(João Guimarães Rosa, 1965, p. 241)
Quando tomamos como problema a questão do envelhecimento,
somos convidados a adentrar num campo de discussão que se ocupa de
um momento da vida de todos. Essa questão torna-se premente quando
o indivíduo se torna velho, pois diz respeito a um estágio em que se
evidenciam relações de fragilidade, incapacidade e doença.
Como o lugar do velho remete a todo esse conjunto de impotências, buscam-se meios de afastar essa condição limitadora e aterrorizante
que perpassa a velhice. Para isso, as ciências médico/biológicas concentram seus esforços na tentativa de controle das mudanças psicofísicas
ocorridas no processo de vida, buscando reduzir as alterações que um
corpo sofre ao envelhecer, ou seja, conservá-lo o mais sadio possível.
Dentro dessa lógica, vigora uma concepção de saúde diretamente relacionada a uma identidade jovem, sendo o problema posto a partir de
um princípio de oposição, em que a velhice é o pólo negativo.
A maioria das pesquisas realizadas no campo da Gerontologia
pauta-se por essa lógica de pensamento, simplificando assim tal problemática, numa relação de contraste do velho com o jovem, numa
oposição de predicados e enclausurando, na identidade de um conceito,
a diferença que lhe é própria.
Propomo-nos, neste artigo, fazer um passeio pela questão do
envelhecer a partir do campo problemático que ela engendra ou, melhor
dizendo, a partir das relações, afectos e forças que a velhice estabelece
consigo mesma. Nossa discussão afasta-se de uma leitura por representação, fazendo-se no próprio plano de pensamento dessa questão.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? 65
Verdejar-envelhecer
Como primeira abordagem, vamos discutir por onde passa o
envelhecer humano, no que diz respeito ao seu organismo. Ensaiaremos
algumas idéias partindo de uma perspectiva da filosofia da diferença,
a qual discute o campo problemático de produção de sujeitos.
O modo corriqueiro de pensar um organismo é a partir de seus
atributos: por exemplo, posso dizer que a árvore é verde; assim, o atributo verde é que define o sujeito árvore. Essa relação de um predicado
dizer algo de um sujeito é uma das maneiras de tomar a questão da
velhice. Posso dizer que tal pessoa é velha, o que significa que velha
define uma condição de vida, uma identidade.
No entanto, um sujeito-organismo não se constitui por atributos,
mas sim por singularidades pré-individuais que se engendram num
campo imanente a cada ser singular. Trata-se de um corpo inorgânico
envolvendo esse organismo, de uma multiplicidade de singularidades
povoando esse campo e se atualizando em diferentes modos de vida,
sendo a velhice um desses modos.
Retomando o exemplo da árvore, como sugere Deleuze, em Lógica
do sentido, dizemos que aquilo que a constitui é um verdejar, não mais um
A filosofia da diferença é uma corrente francesa da filosofia, que tem como pensador
ícone Gilles Deleuze. Esse filósofo, junto a outros pensadores dessa corrente, faz uma
crítica à teoria da representação, propondo uma nova imagem do pensamento.
A concepção de corpo orgânico e corpo inorgânico ou corpo sem órgãos aparece, na
obra de Deleuze, como dois campos enrolados um ao outro, coexistindo de tal modo
que um corpo inorgânico é imanente ao corpo orgânico (ou organismo) garantindo
a este último seu processo de diferenciação. As transformações de um organismo,
no que diz respeito aos distintos modos em que ele se arranja nas circunstâncias
de que participa, acontecem através de corpos sem órgãos produzidos neste plano
imanente. Encontramos a discussão do corpo orgânico e do corpo inorgânico em
diferentes obras deste autor, com destaque, em especial, a L’Anti-OEdipe (1972),
livro escrito em parceria com Félix Guattari.
Neste livro, de 1969 (trad. br. Luiz Roberto Salinas Fortes, 1974) , Deleuze discute
a noção de sentido, como subsistente a proposição. Trata-se de uma noção de acontecimento, que está na transpassagem de todas as relações. No capítulo-série “Das
Proposições” e, em outro intitulado “Da Gênese Estática Ontológica”, ele discute
a noção de “verbo no infinitivo” como expresso da proposição.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
66
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
predicado qualitativo como verde, mas um verbo no infinitivo. Podemos
compreender melhor se tomamos o universo da linguagem e entendemos
que o sentido subsiste numa proposição. Numa proposição, um predicado é que diz algo de um sujeito; no entanto, o sentido da proposição
só existe “na fronteira entre as proposições e as coisas” (Deleuze, 2003,
p. 23), ele é o acontecimento através do qual a árvore se singulariza, é
o que garante a ela individuar-se verde. Esse verbo no infinitivo, que é
o sentido que subsiste na proposição, é a variação de intensidades que
libera qualquer organismo da condição de estático, o que quer dizer que
todas as coisas sofrem variações por estarem vivas.
O verbo no infinitivo exprime o tempo do acontecimento, do
devir. É nele que o sujeito varia em velocidades e lentidões sempre
distintas, em múltiplos processos de individuação. É esse entretempo,
esse sentido que transpassa a proposição, que não está presente na
predicação. Envelhecer é o acontecimento que precede a “condição”
de velho atribuída a um sujeito.
Desse modo, pensamos o envelhecer como campo de diferenciação
que garante ao sujeito individuar-se velho. Trata-se da transpassagem
de um plano de singularidades pré-individuais na vizinhança das quais
o sujeito se constitui.
Verdejar e envelhecer são os movimentos de variação, da árvore
e do sujeito, responsáveis pelo processo de diferenciação pelo qual passa
toda a vida, como um devir velho da velhice e um devir verde da árvore,
verdadeiros criadores dos modos de ser árvore e de ser velho.
Essa leitura leva-nos a um outro modo de pensamento quanto ao
que se apresenta como “velho” no contemporâneo. Implica dizer que
o processo de envelhecer como transformação constante é constitutivo
de cada pessoa em particular, o que significa que não podemos tomar
a qualidade de “velho” como uma identidade, mas sim como processo
de criação de si.
Esse aspecto obriga-nos a pensar que as relações envolvendo a
velhice como um “lugar” de limitações, que salientam um universo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? 67
de incapacidades e doenças, principalmente quando comparado a um
universo jovem, desconsideram a complexidade do plano imanente
que a constitui.
O processo de envelhecimento precisa recuperar sua veia diferenciante, que garante encontrar, no seu campo de afectos e de encontros,
as linhas de criação de novos modos de vida.
Quando essa condição mostra-se fragilizada, são as ciências que
vêm acolhê-la de um ponto de vista externo a esse campo de intensidades.
É por esse aspecto que vale tomar como questão um campo intensivo
que percorre a velhice, nas suas relações de força e suas produções de
existência, e não mais depender de julgamentos externos, que resumem
a predicados o envelhecer.
Velhice-doença
Através dessa vertente de pensamento, ilustrada pela idéia de
verdejar/envelhecer, podemos investigar um dos mais fortes atributos
imputados à velhice, sua relação com a doença, doença essa amplamente estudada pelas ciências médico/biológicas. Interessa-nos aqui
problematizar se essa associação efetiva-se numa relação de oposição
de predicados, como discutimos anteriormente.
O conceito de plano de imanência ou plano de consistência é desenvolvido por
Deleuze em diversas de suas obras, apresentando uma diferenciação com um plano
de transcendência, o qual busca explicações superiores, que estão acima de todas as
relações. A imanência, como salienta Deleuze em seu último texto Imanência: uma
vida, “não está relacionada a Alguma Coisa como unidade superior a toda coisa, nem
a um Sujeito como ato que opera a síntese das coisas: é quando a imanência não é mais
imanência para um outro que não seja ela mesma que se pode falar de um plano de
imanência. Assim como o campo transcendental não se define pela consciência, o plano
de imanência não se define por um Sujeito ou um Objeto capazes de o conter”.
A noção de afectos é discutida por Deleuze em seus trabalhos sobre Espinosa; e
apresenta essa grafia com “c”, ao invés de ser escrito “afeto”, pois visa marcar uma
diferenciação com a noção de afeto vinculada a sentimento. O que Deleuze define
por “afectos” são modos de sentir que não pertencem a um sujeito, mas são como
blocos imanentes que o atravessam a todo o momento. Encontramos essas referências
em Espinosa: filosofia prática e no artigo Espinosa e as três éticas (1997).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
68
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
No âmago dessas ciências, percebe-se uma crença de que a doença
nada mais é do que alguma forma de distúrbio, transtorno, déficit ou
excesso que acontece no nível de funções e órgãos. Isso legitima uma
prática que compreende a diferença entre normal e patológico como uma
mera diferença quantitativa, como se os fenômenos patológicos fossem,
no organismo vivo, apenas variações quantitativas de base fisiológica.
Essa condição legitima ações ilimitadas de medicalização, já que
tudo o que se desviar da norma deve ser combatido e tratado. É nesse
ponto que a discussão de uma velhice normal torna-se importante,
pois essa idéia é imbricada numa concepção de saúde perfeita. Segundo
Canguilhem,
A saúde perfeita não passa de um conceito normativo, de um
tipo ideal. Raciocinando com todo o rigor, uma norma não
existe, apenas desempenha seu papel, que é de desvalorizar
a existência para permitir a correção dessa mesma existência.
(2000, p. 54)
Para avançarmos mais na discussão, poderíamos sugerir que a
elaboração desse ideal de velhice normal é profundamente influenciada
por características de um estereótipo jovem, o que se torna claro pelos
manuais de envelhecimento, os quais propagam a permanência de
características ditas joviais por toda a vida.
Tais afirmações parecem evidenciar que o binômio doença/
velhice defendido pelas ciências médico/biológicas é um esforço de
dominação e controle da vida, tentando evitar as modificações que
são inerentes a ela.
Trata-se, desse modo, de uma negação e desvalorização que
provoca algo ainda mais grave, que é o julgamento de toda forma de
vida. Essa atitude autoritária provoca a depreciação de todos os modos
de vida que escapam do modelo dominante, ignorando as estratégias
singulares de invenção de velhices.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? 69
Nesse sentido, torna-se claro que a filosofia dessas ciências continua
com uma relação de oposição de atributos (predicados), desconsiderando o
campo problemático que o envelhecer engendra a partir de si mesmo.
Afirmação da vida
Na esteira de uma filosofia da diferença, encontramos, num
filósofo alemão, toda uma teoria conclamando à afirmação da vida.
Nietzsche convida-nos a uma afirmação imbricada em acatar os movimentos e devires que potencializam nossas forças. Uma vida, nessa
perspectiva, alarga-se na medida em que os julgamentos, as negações,
as justificativas deixam de vigorar e o que permanece é uma vida que
luta consigo mesma fazendo seus próprios jogos e avaliações.
Para esse filósofo, a doença está ali onde se buscam remédios
prescritos por um julgamento exterior à própria vida.
Foi através dos meios de consolo que a vida recebeu o fundamental caráter sofredor em que hoje se crê; a maior doença
dos homens surgiu do combate a suas doenças, e os aparentes
remédios produziram, a longo prazo, algo pior do que aquilo
que deveriam eliminar. Por desconhecimento, os recursos momentaneamente eficazes, anestesiantes e inebriantes, chamados
de “consolações” foram tidos como os verdadeiros remédios,
e nem mesmo se notou que o preço pago por esses alívios
imediatos era freqüentemente uma piora geral e profunda do
mal-estar, que os doentes iriam sofrer as conseqüências da embriaguez e, depois, a privação da embriaguez, e, depois ainda,
uma oprimente sensação geral de inquietude, agitação nervosa
e indisposição. Atingindo um certo grau de doença, não havia
mais recuperação – disso cuidavam os médicos da alma, por
todos reconhecidos e adorados. (Nietzsche, 2004, p. 45)
Nessa mesma linha, Deleuze alimenta-se da fonte nietzschiana
para insistir que o modo pelo qual nos relacionamos com dificuldades,
mudanças e sofrimentos indica nossa postura diante da vida, seja ela
de superabundância ou empobrecimento.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
70
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
“Aqueles que sofrem da superabundância de vida” fazem do
sofrimento uma afirmação, como da embriaguez uma actividade; na laceração de Dionísio reconhecem a forma extrema da
afirmação, sem possibilidade de subtracção, de excepção nem
de escolha. “Aqueles que sofrem, pelo contrário de um empobrecimento de vida” fazem do sofrimento um meio de acusar a
vida, de a contradizer, e também um meio de justificar a vida,
de resolver a contradição. (Deleuze, s.d., pp. 26-27)
Podemos reconhecer todo esse movimento em algumas falas que
ouvimos com freqüência em nosso cotidiano. É tão comum alguém dizer:
“Tendo uma vida cheia de ocupações, não se envelhece!”ou “Você nem
parece tão velho assim!”, ou ainda “É um velho de espírito jovem!.”
Num primeiro momento, essas expressões não parecem dizer muito;
no entanto, sinalizam um modo de ver a velhice que sustenta toda uma
prática com relação ao lugar do velho no contemporâneo.
A crença em “estar ocupado” passa, por exemplo, por uma idéia
de que ter compromissos afasta a atenção com relação à velhice. É uma
maneira de evitar um momento penoso, criando, para isso, estratégias
de esquecê-lo.
Dizer que “alguém não parece velho” explicita que velho não
é uma qualidade positiva. Há todo um mito em torno da velhice que
insiste em provocar reações negativas com relação a ela.
O que percebemos é que a embriaguez com a vida, na forma como
ela vem, é constantemente negada por nós enquanto não aceitamos seus
processos. A busca constante pelo saber médico tira da complexidade
da existência sua potência própria de criação de saúdes. Ou seja, a vida
é passível de um julgamento exterior a si.
O que é tão perigoso em se embriagar nessa multiplicidade viva que
nos constitui? Não estaríamos buscando remédios que, ao invés de curar,
adoecem, na medida em que nos tornam anestesiados para a vida?
A grafia das palavras segue a edição portuguesa do livro citado Nietzsche e a Filosofia
(s/d).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? 71
Envelhecer tem suas relações peculiares com o sofrimento. Entretanto, cabe perguntar o que é grande demais nesse sofrimento: a
condição de ser velho e frágil perante a sociedade ou dar-se conta da
potência intensiva da própria vida?
Por que ser velho parece ser uma injustiça da vida? Que idéia
transcendente é essa que julga ser o imprevisível perigoso demais, a
ponto de nos munirmos de remédios a qualquer novo acontecimento
que nos convoca?
Esse empobrecimento de vida, de que fala Nietzsche, é a expressão
de uma fraqueza, materializada em julgamentos que não abrem espaço
ao acaso. No entanto, é em meio ao acaso que acontecem encontros,
plenos de intensidade, por onde passa o envelhecer. Esse verbo no
infinitivo é um intempestivo, que é a condição vital de nosso processo
de diferenciação.
O que seria então afirmar esta vida, senão inventar remédios a
partir dela mesma?
O sofrimento e algumas adversidades que transpassam esse
envelhecer tornam-se bons encontros, quando se aprende, com certa
prudência, a experimentar novos modos de sentir, novos modos de agir
e de criar vidas. É assim que se produz saúde.
É bem possível que se defender do imprevisível que nos afeta
seja bem mais pesado de suportar do que se entregar a ele.
O que vai aparecendo nessa discussão é uma nítida diferença
entre duas maneiras de tomar o problema do envelhecimento; são
dois modos de pensamento que fundamentam todo um sentido de ser
velho, um deles dentro de uma lógica da representação alicerçada em
oposições de predicados, e o outro a partir de uma filosofia da diferença,
fomentado por uma relação de força e afirmação da vida.
No fluxo dessa segunda perspectiva, perseguimos um movimento de variação, através dos afectos que se cruzam na vizinhança
dessa questão.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
72
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
Na leitura deleuzeana de Espinosa, somos iniciados no plano
dos afectos. Ele nos mostra que um corpo é um conjunto de afectos
em relação, que se estabelecem nos encontros ao acaso. Muitos encontros são simplesmente o das paixões tristes, nos quais não compreendemos a relação entre os afectos que nos atravessam, julgando
pelo bem e o mal nossos estados. Mas há também bons encontros,
quando compreendemos quais relações nos fortalecem e aumentam
nossa potência de existir.
Queremos com isso explicitar que o envelhecer é o movimento
por onde se combinam afectos, em que partes extensivas de um corpo se
compõem com partes extensivas exteriores a ele, engendrando relações
que exprimem os modos pelos quais cada vida se apresenta. Eis aqui
um aprendizado: descobrir quais relações aumentam e quais diminuem
a própria força, e esse processo em nada depende dos atributos que
definem um corpo, um sujeito.
Prudência experimental
Não temos aí uma velhice que represente um fim, uma limitação,
mas, ao contrário, um ponto de alargamento, de criação, numa luta
consigo mesmo, com a própria força. Força de um andarilho que sobreviveu a diferentes tempos: que atravessou guerras, que suportou vírus,
que aprendeu a cuidar de si. Isso porque colocou à prova os seus limites,
na medida em que acolheu a vida na multiplicidade de suas expressões.
Nesse sentido, entendemos que não é possível conservar-se, mas
sim acolher o que vem, diferenciando-se a partir de regras facultativas
germinadas de si. É isso um envelhecer como potência de vida, a invenção de uma grande saúde.
Envelhecer, nessa perspectiva, é diferenciar-se de si mesmo, é o
aprendizado de uma prudência. Prudência como sabedoria dos bons
encontros. Não se trata de abandonar o corpo, ignorar as características
que o definem, pois o corpo enquanto organismo é o substrato vital que
Discussão presente em Deleuze (2002).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? 73
garante seu próprio processo de diferenciação. É preciso cuidar desse
corpo, para que ele esteja aberto ao plano de intensidades que o corpo
inorgânico, imanente a ele, atualiza em novos modos de existência.
A prudência é uma arte que se aprende nos encontros da vida,
num amplo processo de experimentação. São movimentos fazendo-se
ora mais lentos, ora mais rápidos, buscando aproximações em meio aos
encontros, sentindo o quão longe se pode ir. Ser prudente é um cuidado
de si nas andanças pelos labirintos aos quais a vida nos convida.
A vida é um acontecimento, é esse processo de renovação, esse
envelhecer. Lembramos da serpente: “A serpente que não pode trocar de
pele perece. O mesmo acontece com os espíritos aos quais se impede de
mudar de opinião: deixam de ser espíritos” (Nietzsche, 2001, p. 283).
Envelhecer é também trocar de pele, recriar-se outro singular. É
esse afecto que ensaia um movimento de criar saúdes.
Produzir saúdes não depende de circunstâncias ideais para serem
engendradas. Entretanto, as ciências médico/biológicas ocupam-se
em definir um modelo de saúde que obedece a generalizações quanto
aos modos de vida, julgando quais circunstâncias são necessárias para
alcançar esse ideal.
Porém, o que chamamos de criar saúdes não passa pelo julgamento dos bons comportamentos defendidos pela ciência. Para além
disso, essa criação acontece quando se pergunta pela potência presente
em cada sensação que se vive; pela potência presente numa doença que
afeta e que parece ser grande demais.
A vida segue esse ritmo de movimentos e afectos, de encontros
que se engendram ao acaso e que são mais ou menos potentes, dependendo da prudência com que cada um constrói seus passos.
Por isso, envelhecer é um devir, devir sempre outra coisa diferente de si mesmo. Devir-velho é devir um acontecimento, uma brisa,
é compor-se com o passo lento, é misturar-se com a abelha que pousa
em sua mão. Extrair partículas de si para tornar-se um amanhecer
outonal. É a composição de uma grande saúde.
Trata-se de aprender a verdejar, de aprender a envelhecer, de
aprender a criar saúdes.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
74
Adriana Barin de Azevedos e Ricardo Niquetti
Se pudéssemos medir o tempo necessário a uma vida, diríamos
que é o tempo de um aprendizado, de uma prudência, de uma afirmação, num modo de envelhecer alegre.
Referências
CANGUILHEM, G. (2000). O normal e o patológico. Rio de Janeiro,
Fonte Universitária.
DELEUZE, G. (1997). Crítica e clínica. São Paulo, Editora 34.
(2002). Imanência: uma vida. Revista Educação e Realidade - Dossiê
Gilles Deleuze, v. 27 (jul.-dez.), n. 2.
(2002a). Espinosa: filosofia prática. São Paulo, Escuta.
(2003). Lógica do sentido. São Paulo, Perspectiva.
(s/d). Nietzsche e a filosofia. Porto, RES Editora.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. (1972). L’anti-OEdipe. Paris,
Minuit.
NIETZSCHE, F. (2001). A gaia ciência. São Paulo, Companhia das
Letras.
(2004). Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. São Paulo,
Companhia das Letras.
ROSA, J. G. (1965). Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro, José
Olympio.
Data de recebimento: 15/8/2007; Data de aceite: 3/9/2007.
Adriana Barin de Azevedo – Psicóloga formada pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
Ricardo Niquetti – Professor de Educação Física, formado pela Universidade de
Passo Fundo (UPF). E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 63-74
Imagens cinematográficas da velhice:
um enfoque gerontológico
Denise Mendonça de Melo
Fabiana Regina Chinaglia de Freitas Di Nucci
Paula Casalini Domingues
RESUMO: este artigo objetiva conjugar o conhecimento gerontológico com
as influências culturais da produção cinematográfica, articulando as diversas
facetas do envelhecimento humano na complexidade de seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais, tendo como referencial as teorias life-span e life-course,
com a exposição imagética da velhice, no início do século XXI, através do filme
Secondhand Lions, traduzido para o português como Lições para toda vida, de Tim
McCanlies (2003).
Palavras-chave: envelhecimento; cinema; gerontologia.
ABSTRACT: The goal of this paper is to join the gerontological knowledge with the
cultural influences from the movie industry, connecting the many faces of human development
in the complexity of its biological, psychological and social aspects. The paper was based on
the life span and life-course theories and on the image of old age that was exposed, in the
beginning of the 21st century, by Tim McCanlies’ (2003) movie Secondhand Lions.
Keywords: Aging; Movies; Gerontology.
Introdução
O envelhecimento populacional, percebido como fenômeno
demográfico ocorrido no mundo inteiro, tem respaldado a elaboração
de um número considerável de trabalhos científicos sobre o tema. As
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
76
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
preocupações com o fenômeno do envelhecimento compõem a pauta
diária de profissionais de especialidades biológicas, psicológicas e sociológicas.
No que tange a biologia, diversas microteorias têm dispensado
esforços para explicar por que as pessoas envelhecem sob uma perspectiva genética (Jeckel-Neto, 2001) e uma medicina da longevidade.
Sobre as implicações psicológicas e sociológicas no envelhecimento,
as perspectivas life-span e life-course, respectivamente, além de outras
teorias, têm rendido discussões produtivas acerca da heterogeneidade
e multidimensionalidade do fenômeno, bem como outras proposições
não menos importantes (Siqueira, 2001; Neri, 2002; Sathler, 2005).
Toda essa produção de conhecimento tenta explorar os limites e
a extensão de uma etapa do desenvolvimento humano que se apresenta
multifacetada, multidimensional, multidirecional, multicausal, enfim,
heterogênea em toda a sua amplitude. Dessa maneira, há que se lançar
olhares sobre o fenômeno do envelhecimento através de várias lentes
concomitantes, tendo em vista suas múltiplas faces, como apontam
Von Simson, Neri e Cachioni (2003).
Algumas das lentes que retratam a complexidade do envelhecimento são as cinematográficas. O cinema é uma forma de expressão
cultural de determinada época que, articulado a teorias e pressuposições específicas, pode render um rico material de compreensão de um
acontecimento ou mesmo de um fenômeno, sendo utilizado de forma
diversa pelas ciências do homem (France, 1998). Especificamente sobre
o envelhecimento, Dias (2005) argumenta que, apesar de a velhice não
ocupar um espaço central na temática cinematográfica, inúmeros filmes
geram, em luz e sombra, múltiplas imagens sobre o envelhecimento
humano.
O cinema, segundo produto cultural mais consumido pelas
pessoas de qualquer faixa etária, apenas precedido pela televisão (Aranha e Martins, 2005), mostra imagens em movimento da velhice que
perpetuam e fazem pensar, construindo significados para o processo de
envelhecimento. As produções cinematográficas sobre a velhice burlam
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 77
a conspiração do silêncio que ainda possa existir envolvendo o tema,
como propôs Simone de Beauvoir (1970), promovendo mudanças de
atitude e perpetuando lições de sabedoria.
A Gerontologia, campo do conhecimento científico multiprofissional e multidisciplinar, visa a descrição e a explicação das mudanças
típicas do processo de envelhecimento e seus determinantes multidimensionais. Considera os níveis atuais e o potencial para o desenvolvimento
(Settersten, 2006; Neri, 2005; Staudinger, Marsiske e Baltes, 1995).
Analisa as diversas facetas do envelhecimento humano e suas imagens
sociais representadas, objetivando a saúde global do idoso.
A leitura gerontológica das imagens da velhice no cinema acrescenta caráter científico às percepções gerais e indica reflexões aprofundadas sobre atitudes, valores e práticas sociais com os quais os filmes
dialogam (Debert, 2005).
Este artigo pretende conjugar o conhecimento gerontológico
com as influências culturais da produção cinematográfica. Articulando
as diversas facetas do envelhecimento humano na complexidade de seus
aspectos biológicos, psicológicos e sociais, tendo como referencial as teorias
life-span e life-course, com a exposição imagética da velhice, no início do
século XXI, através do filme norte-americano Secondhand Lions, traduzido
para o português como Lições para toda vida, de Tim McCanlies (2003).
Lições para toda vida: o filme
Lições para toda vida, uma mistura de comédia e aventura, combina
a história de um tímido garoto urbano com as histórias fantasiosas da
juventude de seus tios idosos e solteiros com os quais passa o verão em
uma fazenda no interior do Texas, EUA, marcando um rico encontro
intergeracional.
No início dos anos 60, Walter (Haley Joel Osment), um garoto
de 14 anos, com aparência triste e preocupada, é deixado por sua mãe,
a personagem Mae, uma jovem negligente e ambiciosa, para passar
férias com seus excêntricos tios Hub (Robert Duvall) e Garth (Michael
Caine), com os quais ele nunca havia tido contato.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
78
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
As histórias sobre o sumiço dos dois irmãos, durante 40 anos,
além de uma fortuna escondida, são conhecidas de todos. Boatos insinuam que Garth e Hub teriam milhões de dólares escondidos. Como
não têm filhos, a fortuna é cobiçada por seus parentes mais próximos e
também desperta interesse de muitos comerciantes que desejam vender
seus produtos aos dois velhos ricos.
Percebendo o interesse de todos, eles vivem isolados e não permitem a aproximação dos parentes e vendedores: o caminho para a
velha casa está repleto de placas pintadas à mão proibindo a entrada
de estranhos e pedindo que mantenham distância. Aqueles que ousam
se aproximar são recebidos a tiros de espingardas.
Dentre os visitantes indesejados surge um outro sobrinho de
Hub e Garth, com sua esposa detestável e seus três filhos, interessados
apenas na herança que imaginam poder receber.
Mae (Kyra Sedgwick) deixa o garoto aos cuidados dos tios durante
o verão com o pretexto de fazer um curso de escrivã judicial. Na realidade,
pretende somente que o filho encontre o tesouro dos tios, recebendo
orientação de um companheiro amoroso bastante desonesto.
Em princípio, ocorre certo estranhamento entre o garoto, despreparado para a vida no meio rural, isenta dos recursos tecnológicos
urbanos, e seus tios, que argumentavam não saber lidar com uma
criança. Mas em pouco tempo a relação torna-se amistosa e agradável,
e a chegada de Walter faz com que a vida dos dois mude. A convivência
com o garoto traz ternura e um pouco mais de disciplina ao cotidiano
dos velhos, que vêem despertar a própria vontade de viver. A primeira
grande mudança acontece quando Walter os convence a comprar alguns
dos produtos oferecidos pelos comerciantes viajantes e eles se tornam
grandes consumidores interessados em novidades.
Garth, já adaptado à vida de aposentado, inicia um projeto de
jardinagem. Porém, Hub, cheio de energia e garra, rejeita totalmente
a idéia de envelhecer e permanece ranzinza e indisciplinado. Continua
a comportar-se de forma inconseqüente, tal como montar e pilotar um
avião sem habilidade suficiente, brigar com rapazes num bar e fazer
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 79
muito esforço físico, culminando em uma breve hospitalização. Seu
irmão diz que um dia ele terá que começar a agir de acordo com sua
idade, mas ele se recusa.
A relação entre eles começa a estreitar-se quando Walter pergunta
algo a Garth sobre uma foto antiga e começam a surgir histórias sobre
as aventuras que eles viveram na juventude, o que acaba por despertar
o espírito aventureiro do garoto. Ele se encanta com as histórias sobre a
guerra na Europa, o seqüestro na África, a Legião Estrangeira, o grande
amor pela princesa Jasmine, as perseguições de um sheik africano, a
grande recompensa em ouro.
Percebe-se a mudança do tímido garoto para alguém mais confiante a partir da compra do leão “de segunda mão” – do título original
do filme, Secondhand Lions – que foi abandonado por um zoológico. Na
verdade, trata-se de uma velha leoa, que se torna animal de estimação
de Walter e acaba salvando sua vida, atacando o ganancioso namorado
de sua mãe em uma visita bastante agressiva.
Nesse momento, a mãe leva o garoto da casa dos tios. Mas,
ao perceber que se tratava de um golpe, Walter foge e decide morar
definitivamente com eles, que fazem um acordo de “ficarem vivos” e
não persistirem com as atividades perigosas até que Walter se forme
na universidade.
Após alguns anos, quando Walter já é um homem feito e recebe
a notícia do falecimento dos tios, não se surpreende com a maneira
como isso acontece: dois velhos de noventa anos fazendo acrobacias
em um avião antigo. O importante é que eles morrem unidos, fazendo
o que gostavam. Walter fica com a herança, fruto daquelas estranhas
histórias, que são comprovadas no final.
Terminada a história contada no filme, entende-se que, com o
agradável encontro entre as gerações, o garoto, Walter, cria uma relação
profunda com os tios, modificando o processo de envelhecimento desses
idosos de forma saudável e tendo modificado também o seu processo
de desenvolvimento. Lições para toda vida é um belo filme sobre amor,
amadurecimento e desenvolvimento na velhice.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
80
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
Gerontologia e cinema: “lições para toda vida”
O filme Lições para toda vida trata do encontro entre a velhice e
a juventude, regado por amplo desenvolvimento e aprendizado. Essa
inter-relação mostra a transformação do garoto Walter, um menino
tolo, medroso, franzino e inseguro em um adolescente com elevada
auto-estima. Por sua vez, ocorre também a mudança de estilo de vida
dos tios, no envelhecimento e diante da vida. Idosos ranzinzas, os tios
não gostavam de conversar, não aceitavam aproximação das pessoas,
impediam a construção de uma rede de suporte social, vivendo de forma
monótona e associando a velhice somente a perdas e declínios físicos,
psicológicos e sociais. Após a chegada do garoto, aos poucos, eles começam a aproximar-se das pessoas através da compra de produtos de
vendedores ambulantes que os visitavam e a apreciar a velhice de um
modo diferente e saudável, como mostram as cenas do filme.
A transformação observada pode ser resultado da relação entre
essas duas gerações. Relação livre de interesses, repleta de afetos que
são construídos na convivência e prazerosa para todos os envolvidos. No
decorrer do filme, o garoto passa a admirar os tios e fica interessado em
aprender com eles e absorver o conhecimento que transmitem de maneira
informal, contando histórias antigas sobre suas vidas. O sobrinho quer
entender a história dos tios, mostra-se curioso, faz perguntas, interessase pelos registros de uma foto antiga e assim estabelece comunicação
e troca, resgatando a auto-estima dos tios, que se sentem valorizados
por serem ouvidos. Essa passagem do filme faz lembrar um importante
método de pesquisa das ciências sociais, utilizado também na pesquisa
gerontológica, chamado história oral.
A história oral, como método, compreende uma técnica de pesquisa qualitativa que se utiliza do relato oral de depoentes dos eventos
sócio-históricos buscando a quase totalidade dos ângulos apresentados
pelo fato social antes que o conteúdo seja perdido por não ter sido compartilhado com outras pessoas, impossibilitando a oportunidade de ser
registrado e documentado. O relato oral pode ser entendido como uma
grande fonte humana de conservação e difusão do saber no decorrer
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 81
dos séculos. Nesse contexto, os idosos são depositários privilegiados de
memória adquirida, cabendo a eles a função social de lembrar e transmitir seus conhecimentos (Queiroz, 1988; Park, 2005). Isso pode ser
observado na relação do menino Walter com os tios, na importância
do rememorar, lembrar e transmitir através das histórias que contam
fatos significativos e acontecimentos históricos.
O referido método objetiva capturar e compreender visões do
mundo e desejos de um grupo social. Os idosos beneficiam-se, no âmbito psicológico e social, ao desempenharem o papel de informantes.
O acúmulo de experiências permite que alguns idosos alcancem domínios em diversos campos de atividade, sendo um deles a capacidade
de narração. Tudo isso se faz visível no filme, quando os tios se sentem
valorizados pelo desejo de serem ouvidos pelo sobrinho, estimulando
a memória para a lembrança detalhada das heróicas histórias vividas
e podendo deixar um legado de coragem e determinação ao garoto.
Pode-se, portanto, afirmar que os benefícios adquiridos podem se estender à estimulação cognitiva, aumento da auto-estima e sentimento
de geratividade como função de revisão de vida (Von Simson e Giglio,
2001; Erikson, 1950). Todo esse trabalho é realizado, no filme Lições
para toda vida, por um jovem despreparado para tal tarefa, mas que a
executa com sucesso e adquire êxito junto aos idosos com quem convive,
evidenciando que, na relação intergeracional, a proximidade e o afeto
também cumprem um papel significativo na aquisição de dados orais,
não restrito a especialistas.
Na relação entre idosos e crianças ocorrem percepções positivas
e respostas afetivas importantes no processo de envelhecimento, como
bem demonstra o contexto do filme em análise.
No filme Lições para toda vida, o sobrinho, Walter, apesar de, em
princípio, estranhar os hábitos bizarros dos tios, não demorou muito
para estabelecer boa relação de troca e aprendizado com eles, a partir do
momento em que, ambos, os velhos e a criança, passaram a permitir essa
interação sem preconceitos. Segundo Santos (2003), velhos e crianças
conversam de igual para igual, em um ritmo próprio, sem preocupação com o tempo ou com as desigualdades educacionais e sociais. Esse
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
82
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
diálogo é embalado pela paciência e pelo afeto, fazendo com que as trocas sejam ricas e verdadeiras, não sendo reproduzidas as discriminações
presentes no tecido social e que afetam velhos e crianças.
Percebe-se que o filme enfoca um encontro entre a infância e a
velhice de forma cômica, agradável e imbuído de valores e possibilidades de reflexão sobre essas duas etapas do ciclo de vida. Argumenta-se
que tanto a infância quanto a velhice, segundo os valores da sociedade
ocidental, capitalista, que visa o lucro e o dinheiro, representam as duas
extremidades economicamente improdutivas na escala do desenvolvimento humano e que, a priori, são dependentes e demandam gastos.
Tanto o velho quanto a criança, por vezes, tornam-se objetos de negligência social e preconceito, ficando à mercê dos cuidados do Estado e
das políticas públicas. Nesse contexto, o velho encontra-se em posição
ainda mais desfavorável, pois a criança poderá render à sociedade bons
anos de produção no futuro, enquanto o velho não apresenta prognóstico de produção na visão capitalista. Sob esse enfoque, o idoso passa
a ser estigmatizado como incapaz, onerando tanto a família quanto o
Estado e passa a conviver com estereótipos e preconceitos que prejudicam sua qualidade de vida. Segundo Neri (2006), essas falsas crenças
participam de forma importante na constituição de atitudes negativas
em relação à velhice e favorecem a formação e o aprofundamento de
tensões no relacionamento das pessoas em processo de envelhecimento
e da sociedade para com os idosos.
No filme em questão, todavia, os idosos aposentados são possuidores de grande quantidade de dinheiro, de forma que, no decorrer da
trama, começam a movimentar a economia local com suas compras,
incentivados pelo garoto Walter, bem como se responsabilizam pela
educação do sobrinho e por todas as suas despesas. Esse é um fenômeno facilmente identificado na atualidade brasileira. Muitos velhos
assumem a educação e a responsabilidade financeira sobre netos e bisnetos, tendo por base os ganhos da aposentadoria, como demonstram
artigos e pesquisas realizadas com esse segmento. Assim como ocorre
na realidade, os tios Garth e Hub, retratados no filme, assumiram toda
a responsabilidade pela educação de Walter. Em Lições para toda vida,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 83
os tios passaram a educar o sobrinho em função da negligência da mãe
e pelo desejo expresso do garoto. Na realidade, principalmente no que
diz respeito ao Brasil, essa situação repete-se por uma série de motivos,
tais como a necessidade de os pais trabalharem fora, a separação do
casal acarretando o retorno para a casa dos respectivos pais junto com os
filhos, morte dos pais devido à violência, gravidez precoce, desemprego
e subemprego, tornando a aposentadoria ou pensão dos avós a única
fonte segura de renda familiar (Santos, 2003).
Essa imagem cinematográfica, portanto, remete às ponderações
de Debert (2004) também no que tange à velhice como novo mercado
de consumo. Os idosos que dispõem de uma aposentadoria satisfatória
são apontados como aqueles que incrementam a economia, trocando
os uniformes da época do trabalho por roupas da moda, diminuindo os
estereótipos ou movimentando a indústria do turismo, por exemplo.
O idoso, ora representando recurso, ora ônus social, denuncia as
diversas facetas do processo do envelhecimento que revela a heterogeneidade do fenômeno e as dificuldades do entorno social com relação
à velhice.
Envelhecimento e heterogeneidade: limites e possibilidades
O envelhecimento é um dos assuntos mais complexos para enfrentamento dos seres humanos e para a ciência que pesquisa e analisa
seus aspectos, em razão de ser amplamente heterogêneo, múltiplo e
diverso. O processo de envelhecimento é o resultado de inter-relações
ecológicas, de forma que uma base genética particular é expressa em
ambientes sociais e físicos específicos e modificada pelas capacidades
estratégicas da probabilidade de viver com qualidade ou não essa etapa
do ciclo de vida, mediada, dentre outros aspectos, pela subjetividade
(Birren e Schroots, 2001).
A junção dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais constrói
o ciclo de vida humano e indica como poderá ser a vivência do processo
de envelhecimento mediante diferentes cursos de vida e a experiência
particular que deles resulta. Soma-se a isso a vivência dos eventos de vida
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
84
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
normativos graduados por idade, normativos graduados por história
e não normativos, que definem as possibilidades de envelhecimento
normal, bem-sucedido, ótimo ou ativo e patológico (Rowe e Kahn,
1998; Neri, 2002; Aldwin, Spiro III e Park, 2006). A delicadeza de um
fenômeno bastante heterogêneo fica então evidenciada e segue sendo
ilustrada pelo filme Lições para toda vida.
Os dois idosos do filme foram jovens ativos, atuantes e corajosos
que, na velhice, decidiram se recolher à vida rural. Entretanto, um
desses idosos, o personagem Garth, tornou-se adaptado e satisfeito com
sua vida, enquanto o outro, Hub, permanecia sisudo, mal-humorado
e insatisfeito com seu envelhecimento.
Em uma das cenas, o sobrinho Walter questiona os tios sobre seu
paradeiro nos últimos anos e Hub diz: “Não existe nada mais deplorável
do que dois velhos falando sobre o passado; aqueles dias já eram, assim
como nós”. Aqui é perceptível que ele demonstra muitos afetos negativos e frustrações com a vida, sendo possível notar que algum evento
passado o sensibilizou muito. Posteriormente, o garoto descobre que o
tio Hub passou por um evento não esperado: a mulher que ele tanto
amou e seu único filho haviam falecido na juventude. Esse evento de
vida não normativo ou evento de transição idiossincrático resultou em
maior impacto emocional, justamente por ser inesperado e incomum
(Neri, 2002). Eventos desse tipo exigem grande esforço psicológico
adaptativo para aquele que envelhece.
Na velhice, há que se destacar o assincronismo entre o envelhecimento biológico, social e psicológico. Esse assincronismo acontece, por
exemplo, quando os efeitos deletérios do processo de envelhecimento
São as influências biológicas e socioculturais associadas à passagem do tempo no
calendário; relacionam-se com a idade cronológica. Exemplo: eventos típicos da vida
adulta envolvendo família, educação e trabalho (Neri, 2002).
Eventos que são vividos por indivíduos de uma dada unidade cultural; relacionam-se
com mudanças biossociais que afetam todo o grupo etário. Exemplo: guerras, crises
econômicas (ibid.).
Eventos de caráter biológico ou contextual, que não atingem todos os indivíduos
de um grupo etário ao mesmo tempo. Exemplo: perda de emprego, ganhar na
loteria (ibid.).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 85
impedem ou dificultam a realização de desejos de cunho psicológico
ou social. O mesmo acontece no filme Lições para toda vida quando um
dos personagens idosos, o tio Hub, não aceitava o envelhecimento de
seu corpo físico, exercendo atividades físicas exageradas que, por vezes,
levavam-no à hospitalização e concomitante tristeza e afastamento das
pessoas por não ter a mesma força física da juventude. O outro idoso,
Garth, entendia que o irmão havia envelhecido, mas que sua mente
não e dessa forma ainda demonstrava desejos da juventude, quando
“tinha a força de 20 homens”. Ao mesmo tempo em que compreende
as frustrações do irmão, vivencia mais adaptativamente seu processo de
envelhecimento, selecionando, otimizando e compensando suas atividades (Baltes e Smith, 2003). Assim, Garth não se envolve em brigas
ou atividades muito desgastantes como na juventude, mas seleciona
suas atividades e sente-se feliz em cuidar de suas plantações e de seu
sítio de forma geral, otimizando essa tarefa, comprando equipamentos
que o ajudem a trabalhar, compensando eventual perda de força. Gatz
(1998) aponta para o fato de que, na velhice, enquanto a vulnerabilidade
biológica aumenta, a vulnerabilidade psicológica diminui, possibilitando a manutenção da qualidade de vida percebida apesar dos efeitos
deletérios inerentes ao envelhecimento.
Além disso, a teoria da atividade, uma das microteorias que compõe o grupo das teorias sociológicas do envelhecimento, fornece mais
uma leitura. A teoria da atividade, segundo Siqueira (2001), propõe
que, ao envelhecer, o indivíduo se depara com mudanças relacionadas
às condições anatômicas, psicológicas e de saúde típicas dessa etapa da
vida, mas suas necessidades psicológicas e sociais permanecem as mesmas de antes. Entretanto, o mundo social contrai-se, tornando difícil
para o idoso satisfazer totalmente suas necessidades. Acredita-se que a
pessoa que envelhece em boas condições é aquela que permanece ativa e
consegue resistir ao desengajamento social. No filme, apesar do desengajamento da vida social dos dois idosos ser demonstrado inicialmente,
ele se altera na convivência com o garoto, que traz a eles novas possibilidades de atividade, proporcionando a vivência de um envelhecimento
mais saudável. Apesar disso, nem todos os desejos psicológicos podem
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
86
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
ser atendidos, em função das perdas biológicas típicas dessa etapa da
vida, e, assim, ainda permanecem sem maiores relacionamentos sociais,
fato percebido durante todo o ciclo de vida deles e como característica
pessoal que, obviamente, não muda de modo absoluto no envelhecimento. Os traços da personalidade se mantêm na velhice. Dessa forma,
os protagonistas do filme, que sempre apreciaram grandes e perigosas
aventuras, morrem aos 90 anos enquanto pilotavam um velho avião.
Confirmam, assim, o que sempre foram em vida.
Considerações finais
O envelhecimento da população, de modo geral, configura-se como
conquista irrefutável da humanidade, mas representa também grandes
desafios e problemas a serem resolvidos (Garcez-Leme, Leme e Espino
2005). As conquistas exibem os progressos tecnológicos, científicos e
metodológicos das ciências que proporcionam o aumento da longevidade
e os desafios implicam reestruturação social e econômica, na busca pela
qualidade de vida no envelhecimento, dentre outros fatores.
As imagens da velhice veiculadas pelos meios de comunicação
podem favorecer ou prejudicar a superação dos desafios que surgem com
a alteração demográfica populacional. Nesse sentido, a Gerontologia
tem importante responsabilidade na interpretação coerente de imagens
socialmente construídas sobre a velhice e reproduzidas pelo cinema,
tanto em seus aspectos positivos quanto nos negativos. A Gerontologia
é responsável também pelo atendimento eficaz ao segmento idoso, de
modo a possibilitar a mudança das atitudes negativas, compassivas e
equivocadas com relação à velhice, como aponta Neri (2006).
O filme Lições para toda vida oferece rico material de análise do
envelhecimento humano. Passa noções de que a velhice não é sinônimo
exato de perdas, mas configura-se como passível de ganhos, estabilidade
e desenvolvimento contínuo. Algumas características do velho, ao contrário de serem perdidas, acumulam-se, promovem qualidade de vida
e crescimento pelas experiências vividas e saberes reunidos ao longo da
vida. O debate atual defende que o envelhecimento deve ser um período
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 87
para novas conquistas, em busca de satisfação e prazer. Os personagens
idosos da trama em discussão foram identificados como bons exemplos
de envelhecimento, não por serem velhos “alegres”, “bonzinhos” e “bem
humorados”, mas por demonstrarem que a velhice, como uma outra etapa
da vida, pode acrescentar experiências e saberes, e que existem fatores
da existência que, ao invés de se perderem, se acumulam, possibilitando
novas descobertas nesse momento fundamental da vida.
Referências
ALDWIN, C.; SPIRO III, A. e PARK, C. (2006). “Health, behavior and
optimal aging”. In BIRREN, J. E. e SCHAIE, K.W. Handbook
of the Psychology of Aging. 6 ed. San Diego, Cal., Academic
Press/Elsevier.
ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. (2005). Temas de
Filosofia. 3 ed. São Paulo, Moderna.
BALTES, P. e SMITH, J. (2003). New Frontiers in the Future of Aging:
From Successful Aging of the Young Old to the Dilemmas of the
Fourth Age. Gerontology 49, pp. 123-135.
BEAUVOIR, S. de (1970). A velhice: a realidade incômoda. São Paulo,
Difusão Européia do Livro.
BIRREN, J. E. e SCHROOTS, J. F. (2001). “History of Geropsychology”.
In: BIRREN, J. E. e SCHAIE, K. W. Handbook of the Psychology
of Aging. 5 ed. San Diego, Cal., Academic Press/Elsevier.
DEBERT, G. G. (2004). A reinvenção da velhice: socialização e processos
de reprivatização do envelhecimento. São Paulo, Edusp/Fapesp.
(2005). “A vida adulta e a velhice no cinema”. In: GUSMÃO, N.
M. M. Cinema, velhice e cultura. Campinas, Alínea.
DIAS, S. O. (2005). “As imagens da velhice no cinema”. In: GUSMÃO,
N. M. M. Cinema, velhice e cultura. Campinas, Alínea.
ERIKSON, E. (1950). Childhood and Society. Nova York, WW
Nostrand.
FRANCE, C. de. (1998). Cinema e antropologia. Campinas, Editora
da Unicamp.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
88
Denise M. de Melo, Fabiana R. C. de F. Di Nucci e Paula C. Domingues
GARCEZ-LEME, L.; LEME, M. D. e ESPINO, D. (2005). Geriatrics
in Brazil: A Big Country with Big Opportunities. American
Geriatrics Society, v. 53, n. 11.
GATZ, M. (1998). “Towards a developmentally-informed theory of
mental disorder in older adults”. In: LOMRANZ, J. Handbook
of aging and mental health. Nova York, Plenum.
JECKEL-NETO, E. A. (2001). “Tornar-se velho ou ganhar idade:
o envelhecimento biológico revisitado”. In: NERI, A. L.
Desenvolvimento humano: perspectivas biológicas, psicológicas
e sociológicas. Campinas, Papirus.
LIÇÕES PARA TODA VIDA (Secondhand Lions) (filme-video) (2003).
Direção de Tim McCanlies. EUA, New Line Cinema. PlayArte.
NERI, A. L. (2002). “Teorias psicológicas do envelhecimento”. In:
FREITAS, E. V.; PY, L.; NERI, A. L.; CANÇADO, F. A. X.;
GONZONI, M. L. e ROCHA, S. M. Tratado de Geriatria e
Gerontologia.1 ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
(2005). “Gerontologia/Gerontologia social/Geriatria”. In: NERI,
A. L. Palavras-chave em Gerontologia. Campinas, Alínea.
(2006). “Atitudes em relação à velhice: questões científicas e
políticas”. In: FREITAS, E. V.; PY, L.; CANÇADO, F. A. X.; DOLL,
J. e GONZONI, M. L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2 ed.
Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
PARK, M. B. (2005). “Memória coletiva”. In: NERI, A. L. Palavraschave em Gerontologia. Campinas, Alínea.
QUEIROZ, M. I. P. (1988). “Relatos orais: do ‘indizível’ ao ‘dizível’”.
In: VON SIMSON, O. M. Experimentos com histórias de vida.
São Paulo, Vértice.
ROWE, J. e KAHN, R. L. (1998). Successful Aging. Nova York,
Pantheon Books.
SANTOS, S. M. A. (2003). “Infância e velhice: o convívio que nos
abre caminhos”. In: GUSMÃO, N. M. M. Infância e velhice.
Campinas, Alínea.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico 89
SATLHER, S. (2005). “O que rima com idade? Identidade e sociabilidade
na velhice em tempos de transição”. In: GUSMÃO, N. M. M.
Cinema, velhice e cultura. Campinas, Alínea.
SETTERSTEN, R. (2006). “Aging and the life course”. In: BINSTOCK,
R. H. e GEORGE, L. K. Handbook of Aging and the Social
Sciences. 6 ed. San Diego, Cal., Academic Press/Elsevier.
SIQUEIRA, M. E. C. (2001). “Teorias sociológicas do envelhecimento”.
In: NERI, A. L. Desenvolvimento humano: perspectivas biológicas,
psicológicas e sociológicas. Campinas, Papirus.
STAUDINGER, U.; MARSISKE, M. e BALTES, P. (1995). “Resiliência
e níveis de capacidade de reserva na velhice”. In: NERI, A. L.
Psicologia do envelhecimento: perspectivas da teoria do curso da
vida. Campinas, Papirus.
VON SIMSON, O. R. de M. e GIGLIO, Z. G. (2001). “A arte de recriar
o passado: história oral e velhice bem-sucedida”. In: NERI, A. L.
Desenvolvimento e envelhecimento. Campinas, Papirus.
VON SIMSON, O. R. de M.; NERI, A. L. e CACHIONI, M. (2003).
As múltiplas faces da velhice no Brasil. Campinas, Alínea.
Data de recebimento: 5/8/2007; Data de aceite: 24/8/2007.
Denise Mendonça de Melo – Psicóloga, especialista em Desenvolvimento
Humano pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; mestranda em
Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail:
[email protected]
Fabiana Regina Chinaglia de Freitas Di Nucci – Psicóloga, mestranda em
Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail:
[email protected]
Paula Casalini Domingues – Fisioterapeuta, mestranda em Gerontologia pela
Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: paulinha_domingues@
yahoo.com.br
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90
A velhice não contemplada:
invisibilidade das demandas sociais da
pessoa idosa em Fernando de Noronha –
Nordeste do Brasil
Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva
Eduardo Maia Freese de Carvalho
Carlos Feitosa Luna
RESUMO: o objetivo geral deste trabalho é apresentar informações epidemiológicas e reflexões sobre os padrões e as desigualdades no processo de envelhecimento.
Os resultados da pesquisa sobre o perfil socioeconômico e epidemiológico da
população idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha (DEFN), PE, e
uma leitura crítica analisando o IDH, a prevalência de déficit cognitivo, as taxas
de envelhecimento e as condições de vida encontradas na ilha reforçam o tom
de invisibilidade e negligência das demandas sociais do segmento mais velho da
população no conteúdo das políticas públicas do país.
Palavras-chave: processo de envelhecimento; desigualdade social; saúde do idoso.
ABASTRACT: The main overall aim of this study is to present epidemiological information
and reflections on patterns of aging and inequalities relating to this process. The State of
Pernambuco has the tenth best human development index (HDI) in Brazil, according
to the ranking of cities in the country. The results of research on the “socioeconomic and
epidemiological profile” of the elderly population of the State District of Fernando de Noronha
(DEFN) – PE’, together with a critical reading that analyses the HDI, the Prevalence
of Cognitive Deficit, the Rates of Aging and the living conditions found on the island,
corroborate the invisibility and negligence regarding the social needs of the elderly sector of
the population in the public policy of the State of Pernambuco.
Keywords: aging process; social inequality; elderly health; invisibility.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
92
Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
Introdução
Historicamente, ao longo dos seus cinco séculos, desde e após
a ocupação portuguesa, o Brasil, além da tão propagada dimensão
continental, compreendendo uma extensa área geográfica e territorial
com suas imensas riquezas naturais, caracteriza-se também por sua
diversidade étnica e cultural, por grandes diferenças inter-regionais
e acentuadas desigualdades sociais, determinadas por um processo
contínuo de concentração de riqueza e renda. Esse processo histórico,
de exclusão social, traz no seu bojo inúmeras contradições políticas e
socioeconômicas entre as classes sociais e suas várias frações, impedindo
um desenvolvimento equânime da sociedade brasileira. Nessa compreensão, verifica-se no país, atualmente, um complexo e heterogêneo
perfil epidemiológico, historicamente configurado, que espelha o cotidiano e a qualidade de vida das diferentes comunidades/populações
que conformam contemporaneamente a sociedade brasileira (Carvalho,
1991, 2003).
Portanto, conhecer o Brasil significa viajar na história, pisar no
chão de cada lugar onde exista uma determinada população, encontrar
as pessoas e ouvir o que elas têm para contar, principalmente quando
quem fala é alguém que já viveu muitos anos. Nas últimas décadas, a
partir da ampliação considerável da proporção de pessoas idosas entre
a população geral, embora estas venham sendo gradativamente incluídas na pauta da agenda acadêmica e das políticas públicas, ainda são
escassos os estudos sobre as condições de vida e de saúde das populações
minoritárias, vivendo em situação especial. Esse é o caso dos ilhéus idosos de Fernando de Noronha, indígenas e quilombolas, por exemplo,
no estado de Pernambuco. Sem levar em consideração as demandas
sociais específicas de uma determinada população, o conteúdo dessas
políticas públicas carece de legitimidade, não servindo à proposta de
enfrentamento das desigualdades existentes nem causando impactos
verdadeiramente positivos na realidade em que se pretende intervir.
Analisando as características dos processos de envelhecimento
ocorridos em países desenvolvidos e em desenvolvimento, tendo como
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 93
referência o Brasil, observa-se que os processos de transição demográfica
e epidemiológica em nada se assemelham, por exemplo, aos ocorridos
nos países capitalistas europeus. Estes implementaram políticas de
industrialização conjuntamente com políticas de Welfare State, e ali
as mudanças ocorreram ao longo dos anos, principalmente do século
passado. Esse chamado Estado de “bem-estar social” decorreu das políticas públicas implantadas, principalmente, nas áreas de educação,
saúde e seguridade social, associadas a políticas de expansão econômica,
assegurando trabalho e renda (Carvalho et alii, 1998; Gordilho et alii,
2001).
Em países como o Brasil, a expectativa de vida começou a aumentar a partir de meados do século XX, de forma acelerada, em decorrência do emprego de tecnologias como imunização e ampliação da
cobertura assistencial pelos serviços de saúde, reduzindo drasticamente a
mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias (DIPs). Vale ressaltar
que não necessariamente tenha ocorrido uma acentuada melhoria na
qualidade de vida do conjunto da população brasileira.
O Brasil registra um dos maiores índices de desigualdades do
mundo. Em 2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% da renda nacional e o 1% mais rico concentrou 13,5% (Brasil, 2004). Tal realidade
irá marcar também as diferenças no envelhecimento das populações
nas diversas regiões do país. No Sul e Sudeste, verificam-se padrões
diferenciados, sendo a expectativa de vida mais elevada que a das regiões Norte e Nordeste. Entretanto, esses padrões ainda estão cerca
de 8 a 12 anos abaixo, quando consideramos a expectativa de vida dos
países desenvolvidos.
Atualmente, a população brasileira com idade a partir dos 60
anos é estimada em torno de 16 milhões de pessoas, representando
taxa de envelhecimento (TE) igual a 9,3% (ibid.). A expectativa de
vida estimada para a população brasileira é de 71,3 anos (IBGE, 2004),
sendo desigual entre os de raça asiática – que têm a maior esperança
de vida, 75,75 anos –, os de raça caucasiana (européia) – 73,99 anos –
e os descendentes afro-brasileiros (pretos e pardos) – com expectativa
de viver em média 67,87 anos (Pardini, 2004).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
94
Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
Envelhecer é inerente ao próprio ser humano, porém, o contexto em que ocorre é ponto fundamental de diferenciação na vida das
pessoas que atingem a sexagésima idade. Embora a discussão sobre o
tempo de ser idoso seja ampla e polêmica, atravessando historicamente
os campos da filosofia e da ciência, não se deve conceber o processo de
envelhecimento associado unicamente à dimensão tempo.
Entretanto, a idade cronológica é uma referência quantitativa
dos anos vividos por um indivíduo e o envelhecimento é um processo
determinado por fatores biopsicossociais e culturais, iniciado antes da
velhice, que é uma fase da vida humana, assim como infância, adolescência e fase adulta.
Apesar de, nas últimas décadas, a discussão científica sobre o
envelhecimento populacional ter sido ampliada, percebe-se nitidamente
que o aparato jurídico e as políticas sociais destinadas ao segmento
idoso da população adotam a idade cronológica como critério absoluto
e inviolável, negligenciando os determinantes e as desigualdades no
processo de envelhecimento.
Para efeito de contextualização, vale salientar que, em Pernambuco, existem 704.886 idosos, numa população geral de 7.918.344
habitantes, representando uma taxa de envelhecimento (TE) igual
a 8,9% e IDH de 0,705 ocupando o décimo oitavo lugar no ranking
nacional. Recife é a terceira capital do país em números relativos de
população idosa, com uma TE de 9,4% (IBGE, 2000, 2004).
Pernambuco abrange no seu território, ao mesmo tempo, Manari, município de menor IDH do estado e o décimo melhor no ranking
nacional, encontrado na ilha de Fernando de Noronha. O IDH, entretanto, por não ser um indicador específico para idosos, não permite dar
visibilidade à situação vivida pelo segmento mais velho da população.
Além disso, são escassas as políticas destinadas à melhoria na qualidade
de vida do segmento mais velho das populações, principalmente nas
áreas de saúde, educação, segurança e lazer.
Com base nos resultados da pesquisa sobre o perfil socioeconômico
e epidemiológico da população idosa do DEFN, serão destacados alguns
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 95
aspectos negligenciados do processo de envelhecimento ao se adotar o
IDH como referência para o planejamento das políticas direcionadas
ao referido segmento.
Material e método
O DEFN foi instituído pela Lei nº 11.304, de 28 de dezembro de
1995, que também aprovou a sua Lei Orgânica. Fernando de Noronha
também é o nome da ilha principal do arquipélago, onde a pesquisa foi
realizada, tendo sido presídio comum (1737/1938); presídio político da
União (1938/1942); destacamento misto durante a Segunda Guerra
Mundial (1942/1945); Território Federal (1942/1988); e reintegrado
ao estado de Pernambuco (1988). É a única ilha habitada, dista 545
km da cidade do Recife e possui uma área de 17 km2. No momento da
pesquisa em Fernando de Noronha, existia uma população fixa estimada
em 2.051 habitantes, entre os quais 88 idosos (IBGE, 2000).
O estudo sobre o perfil da população idosa insular foi realizado
entre os anos 2003 e 2004, caracterizando-se pelo desenho epidemiológico, de corte transversal, descritivo, em população especial. Censitário,
incluiu todas as pessoas idosas residentes no DEFN, com idade a partir
dos 60 anos. Do universo de 88 ilhéus idosos, foram entrevistados 80.
O instrumento utilizado durante as entrevistas foi o Brazil Old Age
Schedule (BOAS), questionário multidimensional para estudos comunitários na população idosa.
Foi realizada uma análise descritiva, para mensurar a associação
entre as variáveis, sendo utilizados Odds Ratio e o teste qui-quadrado
de independência, sendo o nível de significância de 5%.
Neste artigo, foram selecionados: TE (taxa de envelhecimento),
IDH, os indicadores de alfabetização, escolaridade, renda nominal
mensal, média de idade e prevalências de déficit cognitivo, hipertensão
arterial (diagnóstico auto-referido) e diabetes mellitus (diagnóstico
auto-referido) da população idosa insular.
Para identificação de suspeição de casos de síndrome cerebral
orgânica (SCO), cujo rastreamento comunitário fornece os sintomas
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
96
Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
fundamentais da demência, tais como a desorientação e a deficiência de
memória recente, foi considerada a escala de SCO, contendo uma série
de testes que fornecem uma prevalência pontual da deficiência cognitiva.
O ponto de corte utilizado na escala do BOAS foi 3 e acima.
Resultados
Quadro 1 – Perfil da população idosa do Distrito Estadual
de Fernando de Noronha
Indicadores
IDH
TE
Média de idade (anos)
Esperança de vida ao nascer
Longevidade
Não sabe ler nem escrever
Renda nominal mensal de até 05 S.M.
Desenvolve atividade remunerada
Presta ajuda financeira à família
Valores
0,862
4,3%
69
70,5
0,761
36,2%
51,3%
66,3%
70%
Fonte: Perfil socioeconômico e epidemiológico da população idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha – PE/NESC-CPqAM-Fiocruz, 2004.
Constata-se, no Quadro 1, alto IDH e inexistência de população
envelhecida; a média de idade dos ilhéus idosos fica em torno dos 69
anos; 36,2% são analfabetos; a maioria, ou seja, 51,3%, possui renda
de até 5 S.M.; 66,3% desenvolve atividade remunerada; e 70% presta
ajuda financeira à família.
Destaca-se, do total de respostas, que 39,7% desenvolve atividade produtiva remunerada; 35,1% tira o sustento da aposentadoria
e 17,6% da pensão ou ajuda do cônjuge (Tabela 1).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 97
Tabela 1 – Distribuição da freqüência dos idosos do DEFN
em relação à fonte de onde tira o sustento para sobrevivência.
Fernando de Noronha, 2003
SCO
Informações gerais Suspeição de casos
N
%
Sexo
Feminino
9
56,3
Masculino
7
43,8
Negativo
N
%
OR
IC 95%
p-valor
30
34
46,9
53,1
1,00
0,69
0,20 – 2,34
0,5022
Faixa etária
60 |-- 69
70 |-- 79
80 e +
10
5
1
62,5
31,3
6,3
37
24
3
57,8
37,5
4,7
1,00
0,77
1.23
0,20 – 2,88
0,00 – 16,31
0,6676
0,6343
Sabe ler e escrever
Sim
Não
4
12
25,0
75,0
47
17
73,4
26,6
1,00
8,29
2,07 – 35,88
0,0003
Escolaridade
Nenhuma
Primário
Ginásio ou 1º grau
2º grau completo
Superior
3
1
0
0
0
75,0
25,0
-
12
25
3
2
5
25,5
53,2
6,4
4,3
10,6
-
-
-
Estado civil
Viúvo/ Sozinho
Casado
5
11
31,3
68,7
22
42
34,4
65,6
1,00
0,87
0,23 – 3,19
0,8139
Número de filhos
Ate 7
Mais de 7
10
6
62,5
37,5
46
18
71,9
28,1
1,00
1,53
0,42 – 5,53
0,3278
Trabalho
Sim
Não
7
8
46,7
53,3
44
19
69,8
30,2
1,00
2,65
0,73 – 9,69
0,0899
Renda
Ate 2
Mais de 2 a 4
Mais de 4
6
4
4
42,9
28,6
28,6
17
15
28
28,3
25,0
46,7
2,47
1,87
1,00
0,51 – 12,51
0,33 – 10,7
-
0,1749
0,3332
-
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
98
Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
Tabela 2 – Distribuição da população idosa do Distrito
Estadual de Fernando de Noronha, por suspeição de caso
de síndrome cerebral orgânica (déficit cognitivo)
e associação entre sexo, faixa etária, alfabetização,
escolaridade, estado civil, número de filhos, trabalho e renda.
Fernando de Noronha, 2003
SCO
Informações gerais Suspeição de casos
Negativo
N
%
N
%
Sexo
Feminino
9
56,3
30
46,9
Masculino
7
43,8
34
53,1
OR
IC 95%
p-valor
1,00
0,69
0,20 – 2,34
0,5022
Faixa etária
60 |-- 69
70 |-- 79
80 e +
10
5
1
62,5
31,3
6,3
37
24
3
57,8
37,5
4,7
1,00
0,77
1.23
0,20 – 2,88
0,00 – 16,31
0,6676
0,6343
Sabe ler e escrever
Sim
Não
4
12
25,0
75,0
47
17
73,4
26,6
1,00
8,29
2,07 – 35,88
0,0003
Escolaridade
Nenhuma
Primário
Ginásio ou 1º grau
2º grau completo
Superior
3
1
0
0
0
75,0
25,0
-
12
25
3
2
5
25,5
53,2
6,4
4,3
10,6
-
-
-
Estado civil
Viúvo/ Sozinho
Casado
5
11
31,3
68,7
22
42
34,4
65,6
1,00
0,87
0,23 – 3,19
0,8139
Número de filhos
Ate 7
Mais de 7
10
6
62,5
37,5
46
18
71,9
28,1
1,00
1,53
0,42 – 5,53
0,3278
Trabalho
Sim
Não
7
8
46,7
53,3
44
19
69,8
30,2
1,00
2,65
0,73 – 9,69
0,0899
Renda
Ate 2
Mais de 2 a 4
Mais de 4
6
4
4
42,9
28,6
28,6
17
15
28
28,3
25,0
46,7
2,47
1,87
1,00
0,51 – 12,51
0,33 – 10,7
-
0,1749
0,3332
-
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 99
A Tabela 2 apresenta a análise de associação entre a síndrome
cerebral orgânica (déficit cognitivo) e sexo, faixa etária, capacidade de
leitura (alfabetização), escolaridade, estado civil, número de filhos, trabalho e renda. Os dados revelam que apenas a leitura (analfabetismo)
está estatisticamente associada com a síndrome cerebral orgânica, sendo
assim, o risco de ter a referida síndrome é cerca de oito vezes maior para
as pessoas que não sabem ler e escrever (p-valor=0,0003).
Tabela 3 – Distribuição da população idosa do DEFN,
por suspeição de caso de síndrome cerebral orgânica
(déficit cognitivo) e associação entre hipertensão arterial
e diabetes mellitus. Fernando de Noronha, 2003
SCO
Doenças crônicas Suspeição de casos
N
%
HAS
Sim
5
31,3
Não
11
68,8
Negativo
N
%
OR
IC 95%
p-valor
24
40
37,5
62,5
0,76
1,00
0,20 – 2,77
-
0,6418
-
Diabetes mellitus
Sim
Não
11
53
17,2
82,8
1,11
1,00
0,21 – 5,28
-
1,000
-
3
13
18,8
81,3
Na Tabela 3, de modo geral, verifica-se que tanto a hipertensão
arterial quanto a diabetes mellitus não estão associadas com a SCO
(p-valores>0,05), ou seja, os percentuais de pessoas com HAS e DM
não diferem entre os dois grupos avaliados. Vale ressaltar, embora não
seja significativo, que ter HAS pode ser visto como um fator de proteção
no desenvolvimento de SCO.
Discussão
Considerada a melhor área do Nordeste, com base no cálculo
do IDH, Fernando de Noronha ocupa positivamente o décimo lugar
no ranking das cidades brasileiras, acompanhando os níveis das regiões
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
100 Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
Sul e Sudeste do país, superando cidades como Caxias do Sul (RS) e
Curitiba (PR), conforme registrado no Atlas de Desenvolvimento Humano
no Brasil (IPEA, 2004).
A ilha apresenta diversas peculiaridades, comparadas ao que
foi estabelecido como realidade geral do perfil da população idosa
do país. No DEFN, a taxa de 4,3% indica não ocorrer o processo de
envelhecimento populacional verificado no Brasil (8,6%), em Pernambuco (8,9%) e no Recife (9,4%) (IBGE, 2000). A população idosa do
DEFN, com maior concentração no intervalo dos 60 aos 69 anos de
idade (58,8%), pode ser considerada, segundo os critérios de Hazzard
(1990), como constituída majoritariamente por idosos ainda jovens,
possuindo a maior esperança de vida ao nascer, ou seja, 70,65 anos, e
a maior longevidade (0,761) em Pernambuco, superando inclusive a
média estadual (IPEA, 2004).
Apesar desses aspectos positivos, quando analisados alguns indicadores utilizados no cálculo do IDH, dando visibilidade ao perfil do
ilhéu idoso, segmento minoritário numa comunidade onde prevalece o
peso da população jovem, algumas observações devem ser feitas. Em
primeiro lugar, considerando a renda nominal mensal do ilhéu idoso, a
exemplo do que ocorre no continente brasileiro, as principais fontes de
sustento são: o trabalho, a aposentadoria e a pensão e/ou ajuda do(a)
esposo(a)/companheiro(a). A maioria dos idosos (51,3%) possui renda
própria, no valor de até cinco salários mínimos, superior aos encontrados
entre a população idosa brasileira geral, cuja renda dos 20,2 milhões
de aposentados não chega a dois salários mínimos, com base nos dados
da Previdência Social (Berzins, 2003).
Além disso, é importante considerar o alto custo de vida em
Fernando de Noronha, inclusive para os ilhéus, que são obrigados a
pagar preços elevados, em relação à média do continente, por produtos essenciais à sobrevivência, tais como água potável, gás de cozinha,
alimentos, combustível, entre outros, cujos preços são, no mínimo, o
dobro dos verificados em Recife, capital do estado. Existe, curiosamente,
alusão a uma moeda fictícia, de domínio popular na ilha, ilustrando
bem a situação, ou seja, “um noronha (N$ 1,00) equivale a dois reais
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 101
(R$ 2,00)”. Sendo assim, a exemplo de outras sociedades, para sobreviver na ilha, a maioria da população idosa (66,3%) desenvolve
atividade produtiva remunerada e 70% dos idosos prestam ajuda de
ordem financeira à família.
Outro indicador das desigualdades no processo de envelhecimento diz respeito à situação educacional: a média de anos de estudo
dos “Idosos Responsáveis pelos Domicílios” é bastante diferenciada
entre as unidades da Federação, variando de 6,0 no Distrito Federal a
2,5 anos de estudo no estado de Pernambuco. No Norte e Nordeste,
onde a população rural tem maior expressão, a média de estudo nas
capitais é bastante superior. No conjunto do estado de Pernambuco, a
escolaridade média dos idosos é bem inferior à média encontrada para
a capital, Recife: 2,5 contra 5,6 (IBGE, 2000).
Relacionada à escolaridade, no Brasil, onde, mesmo havendo um
aumento significativo no indicador de alfabetização na última década,
quando a proporção de idosos alfabetizados passou de 55,8% (1991)
para 64,8% (2000), o contingente de idosos analfabetos é expressivo,
representando cerca de 5,1 milhões de pessoas (ibid.). No DEFN, apesar
do alto IDH, a taxa de analfabetismo, de 36,2%, acompanha a média
nacional, de 35,2%. Entre os ilhéus idosos, alguns aprenderam a ler e
escrever sem freqüentar escola, poucos concluíram os ensinos médio e
fundamental, sendo bastante reduzido o número de pessoas com nível
superior. Vale salientar que os baixos níveis de educação e alfabetização
associam-se ao maior risco de perda de capacidade funcional e morte
entre as pessoas, à medida que envelhecem, bem como aos maiores
índices de desemprego. A educação, nos primeiros anos de vida, junto
com oportunidades de aprendizagem durante toda vida podem ajudar
as pessoas a desenvolverem as aptidões e a confiança que necessitam
para se adaptarem e seguirem sendo independentes à medida que
envelhecem (OMS, 2002).
A capacidade cognitiva é um indicador da qualidade de vida
do segmento idoso. Segundo Veras (1994), nas populações em envelhecimento, a cognição deficiente assume importância crescente com
o avanço da idade. O impacto da demência sobre a autonomia de um
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
102 Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
indivíduo e a capacidade de cuidar de si mesmo é muito significativo,
e é fundamental que os planejadores locais de assistência à saúde e os
serviços de assistência social possam tomar decisões racionais sobre a
necessidade de serviços.
No DEFN, a prevalência pontual de deficiência cognitiva encontrada foi de 20%, valor relativamente alto, comparado aos percentuais
registrados no estudo de Veras (ibid.) envolvendo populações de idosos
dos distritos de Copacabana, Méier e Santa Cruz, no estado do Rio de
Janeiro, onde os valores encontrados foram 5,95%, 9,84% e 29,75%,
respectivamente. Com base nesses resultados, mais uma vez, é observado que, apesar do alto IDH, o segmento idoso da população insular
acompanha os indicadores de municípios com baixo IDH, como é o
caso de Santa Cruz no Rio de Janeiro.
Tal realidade, a título de hipótese, deve-se ao fato de os ilhéus
idosos possuírem o mesmo nível educacional formal dos idosos de Santa
Cruz, ou seja, elevada taxa de analfabetismo, significando risco para desenvolver déficit cognitivo, como foi indicado nos testes estatísticos.
Considerações finais
Os padrões diferenciados de envelhecimento atingem tanto as
dimensões do indivíduo quanto da população, devendo-se levar em conta
seus determinantes históricos, biopsicossociais e culturais no momento
em que se pretende estudar uma realidade. Em Fernando de Noronha,
o processo de envelhecimento não acompanha os padrões observados
no estado de Pernambuco, na capital Recife e no contexto nacional.
O perfil socioeconômico revela a existência de uma população
privilegiada, quando comparada a outras, do continente, muito embora,
em alguns aspectos, como, por exemplo, no nível de alfabetização e no
grau de escolaridade, acompanhe os mesmos padrões observados no
país. Apesar da boa qualidade de vida e do IDH ser um dos melhores,
quando comparado a outros municípios do país, o alto custo de vida
na ilha, acima dos padrões observados no continente, é uma realidade
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 103
vivenciada pelo ilhéu idoso. Esse fato o faz manter-se ativamente no
mercado de trabalho, como estratégia de sobrevivência para incrementar
a renda própria e a familiar.
A prevalência pontual de deficiência cognitiva rastreada na ilha
também indica a real necessidade de planejamento e desenvolvimento
de ações básicas de saúde, no sentido de preservar, manter e recuperar
a capacidade cognitiva, prevenindo, diagnosticando e tratando alguns
idosos com quadro de demência, e, dessa forma, evitando impactos
negativos sobre a autonomia e capacidade de autocuidado do idoso.
Merecem ser respeitados e conhecidos os espaços onde vivem
populações minoritárias e isoladas, seja do ponto de vista geográfico,
étnico ou cultural, visando a maior aproximação com o cotidiano de
seus hábitos de vida, condições socioeconômicas e situação de saúde.
Suas peculiaridades e demandas específicas devem ser contempladas,
mediante o estudo de seus indicadores locais, na agenda das políticas
públicas, fazendo prevalecer o princípio da eqüidade social.
Independentemente da idade que se utilize nos diferentes contextos, é importante reconhecer que a idade cronológica não é um
indicador exato das mudanças que acompanham o envelhecimento.
Existem variações consideráveis no estado de saúde, na participação e
nos níveis de independência entre as pessoas idosas da mesma idade. Os
responsáveis políticos e técnicos devem ter isso em conta ao traçarem
políticas e programas para populações de idosos. Promulgar amplas
políticas sociais baseadas unicamente na idade cronológica pode ser
discriminatório e contraproducente para o bem-estar das pessoas de
idade avançada (OMS, 2002).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
104 Sálvea de O. C. e Paiva, Eduardo M. F. de Carvalho e Carlos F. Luna
Referências
BERZINS, M. A. V. S. (2003). Envelhecimento populacional: uma
conquista para ser celebrada. Serviço Social e Sociedade, n. 75 (out.),
pp. 19-34.
BRASIL – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(2004). Política Nacional de Assistência Social. Brasília, novembro.
CARVALHO, E. F. (1991). Perfil epidemiológico e a IX Conferência
Nacional de Saúde: um século de desafios da Peste à Sida. Saúde
em Debate, n. 33, pp. 43-49.
CARVALHO, E. F. et alii (1998). O processo de transição epidemiológica
e iniqüidade social: o caso de Pernambuco. RASPP, v. 1, n. 2,
pp. 107-119.
(2003). Ciências sociais e saúde na América Latina: visões
contemporâneas. Ciência e Saúde Coletiva, v. 8, n. 1, pp. 26-30.
GORDILHO, A. et alii (2001). Desafios a serem enfrentados no terceiro
milênio pelo setor saúde na atenção integral ao idoso. Análise &
Dados, v. 10 (mar.), n. 4, pp. 138-153.
HAZZARD, W. R. (1990).“The sex differential in longevity”. In:
Principles of Geriatric Medicine and Gerontology. New York, McGrawHill.
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2000). Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil. Rio
de Janeiro.
(2002). Censo demográfico, 2000. Rio de Janeiro.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2004). Atlas de
desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em: www.ipea.gov.
br. Acesso em: 18 jan. 2004.
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (2002). Envejecimiento
activo: un marco político. Madrid.
PAIVA, S. de O. C. (2004). Perfil socioeconômico e epidemiológico da população
idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha – PE. Dissertação de
Mestrado em Saúde Pública, Departamento de Saúde Coletiva, Centro
de Pesquisas Aggeu Magalhães. Recife, Fundação Oswaldo Cruz.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais... 105
PARDINI, F. (2004). Pacientes invisíveis. CartaCapital, ano X, n. 304,
pp. 36-37.
VERAS, R. P. (1994). País jovem com cabelos brancos: a saúde do idoso no
Brasil. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
(2002). Terceira idade: gestão contemporânea em saúde. Rio de Janeiro,
Relume Dumará.
Data de recebimento: 13/8/2007; Data de aceite: 27/8/2007.
Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva – Assistente social, mestre em Saúde Pública
pelo Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães,
Fundação Oswaldo Cruz. Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Universidade
de Pernambuco. Coordenadora do Núcleo de Articulação e Atenção à Saúde e
Cidadania do Idoso (NAISCI). E-mail: [email protected]
Eduardo Maia Freese de Carvalho – Doutor em Ciências Sociosanitárias pela
Universidad Complutense de Madrid. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz. Vice-Diretor de Ensino, coordenador da Pós-Graduação.
E-mail: [email protected]
Carlos Feitosa Luna – Bacharelado em Estatística e mestre em Estatística
pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como Tecnologista no Centro
de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: carlosluna@
cpqam.fiocruz.br
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 91-105
Conselhos de Representação:
espaços para os idosos se organizarem
na defesa de seus direitos
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
RESUMO: o envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, e esse assunto
deve ser tratado com prioridade, principalmente no contexto social da realidade
brasileira, onde se deve observar que as normas jurídicas no Estado democrático de
direito têm, entre outros objetivos, regular o convívio social, estabelecer obrigações
e direitos no relacionamento interpessoal e na relação das pessoas com o Estado.
Independentemente do seu conteúdo, a aplicação efetiva das normas jurídicas é
que vai determinar seu alcance, sua relevância. É essencial, portanto, observar a
importância da organização social para o fortalecimento do segmento, destacando
o grande valor dos Conselhos de Representação como espaços de participação e
mobilização do idoso na defesa de seus direitos.
Palavras-chave: Conselhos de Representação; envelhecimento; participação.
ABSTRACT: Population aging is a worldwide phenomenon. This subject should be
considered a priority, mainly in the social context of the Brazilian reality, in which it must
be observed that some of the objectives of the rules of law in the Democratic State of Right
are: to regulate social conviviality and to establish duties and rights both in interpersonal
relationships and in the relationship between people and the State. Regardless of their content,
it is the effective application of the rules of law that will determine their reach and relevance.
Therefore, it is essential to observe the importance of social organization to strengthen the
segment, and the Representation Councils are valuable spaces for the participation and
mobilization of the elderly in the defense of their rights.
Keywords: Representation Councils; Aging; Participation.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
108
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
Introdução
Os desafios trazidos pelo envelhecimento da população têm
diversas dimensões e dificuldades, considerando-se as importantes
transformações que estão ocorrendo no mundo. É preciso que essa
parcela da população venha a se adaptar tanto às novas tecnologias
como aos novos modelos políticos, econômicos e sociais. Esses modelos
estão sendo implantados com base em um parâmetro que privilegia
a competição e o materialismo histórico em detrimento do respeito à
individualidade do ser humano, no contexto de globalização que vem
para integrar econômica, política e culturalmente os países. É nesse
espaço contraditório e por vezes excludente que se procura encontrar
novas alternativas de trabalho junto a essa população envelhecente.
O presente trabalho é desenvolvido diante dessa realidade, ressaltando a importância de o idoso ter conhecimento de seus direitos
enquanto cidadão, pois só assim poderá exercer plenamente a sua
cidadania.
Paralelamente a essa integração do idoso às constantes mudanças,
mostra-se cada vez mais indispensável a realização de uma proposta
emancipatória em dois níveis de atuação: a divulgação dos órgãos em
defesa do idoso (dada a carência histórico-cultural de não valorizá-lo)
e a promoção de campanhas que representam um contraponto a essa
questão cultural de indiferença em relação ao idoso e ao que ele representa para a sociedade.
Trabalhar cidadania junto ao idoso passa a ser desafiador, principalmente por se tratar de um novo cenário a ser construído. Estatísticos
calculam que o Brasil é, no mundo, o país no qual mais cresce o número
de idosos. Assim como afirmam Boaretto e Heimann: “entre 1980 e
2000, o número de pessoas acima de 60 anos teve um crescimento de
101%, enquanto a população total cresceu aproximadamente 43%”
(2003, p. 105).
Comprova-se, assim, que o aumento do número de idosos é
superior ao de outras faixas etárias. Sabe-se que isso decorre de vários
fatores, como, por exemplo, o avanço de novas tecnologias na área da
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 109
medicina, a queda da mortalidade infantil e das taxas de fertilidade.
A projeção indica que, em 2020, seremos o sexto país no mundo com
um enorme número de habitantes idosos.
É necessário estarmos preparados para tratar esse fenômeno social
relevante. O idoso, enquanto sujeito protagonista de seu tempo, merece
e tem direito a um tratamento diferenciado. E não se pode aceitar que
esse tratamento seja dispensado em decorrência de suas necessidades
peculiares (porque esse pensamento também denota certo conceito discriminatório), mas, principalmente, porque a essa significativa parcela
da população devemos o que temos e o que somos. Sendo assim, uma
forma de melhor valorizarmos a presença dos idosos é demonstrar que
eles são úteis, não apenas no campo sentimental, mas também neste
mundo concorrente-desleal no qual sua integração é mais do que um
desafio, é quase uma questão de sobrevivência.
Os Conselhos de Representação, que são órgãos formais e legalmente constituídos, apresentam-se como uma forma de dar visibilidade
à parcela idosa da população. Nessas entidades, as políticas públicas
e as ações de defesa do direito do idoso estão em pauta, e é por esse
caminho que devemos iniciar esse desafio.
Conselhos de Representação
Os Conselhos de Representação são espaços públicos onde ocorrem as negociações entre as instituições e as demandas coletivas. Isso
requer, simultaneamente, mecanismos de representação e participação,
pois ambos são necessários para o controle democrático do Estado pela
sociedade.
A Constituição Federal trouxe avanços nas históricas injustiças
sociais acumuladas por muitos anos. A discussão sobre os direitos inscritos na Constituição, direitos esses conquistados com grande mobilização da sociedade, a qual, de forma muito atuante, se articulou para a
garantia dos mesmos, contribui também para um novo pacto federativo.
Este consiste na descentralização de responsabilidades federais para os
níveis estadual e municipal, ou seja, transfere ao âmbito local as novas
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
110
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
competências e os recursos públicos, a fim de fortalecer o controle social
e a participação da sociedade nas decisões políticas (Bravo e Pereira,
2002). As políticas de saúde, de educação, da infância e assistência foram municipalizadas. Com o controle social previsto para os Conselhos,
procurou-se estabelecer novas bases de relação entre Estado e sociedade,
evidenciando-se, assim, um período muito rico da história no que diz
respeito à luta pela democratização do Estado.
Com a Constituição de 1988 (Brasil, 1988a), os Conselhos ganham
um papel de instrumento mediador na relação Estado-sociedade. A
partir de então, a Constituição legitima a participação da sociedade civil
organizada na gestão da coisa pública. Essa nova forma de representação
e participação contribui para que diversos segmentos sociais possam trabalhar na formulação de políticas sociais e também possibilita à população
o acesso aos espaços no qual se tomam as decisões políticas.
No processo de regulamentação da nova Constituição, a descentralização e a participação popular são assumidas como princípios na Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Brasil, 1988b), no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990a) e na Lei Orgânica do
Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 1990b), sobretudo na Lei 8.142
de 28 de dezembro de 1990 (Brasil, 1990c), que foi a primeira legislação brasileira a criar os Conselhos. Ao lado dos Conselhos municipais,
do distrito federal, estaduais e nacional como instâncias deliberativas
e paritárias, com representação da sociedade civil e do Estado dentro
de um sistema de gestão descentralizado e participativo, é prevista a
realização de conferências municipais a cada dois anos na Assistência
Social e a cada quatro anos na Saúde.
A legislação no Brasil reconhece o município como responsável
pela elaboração das leis orgânicas, quando, para obter o recebimento
de recursos destinados às áreas sociais, deve criar seus Conselhos. O
local passa a ter um papel fundamental. Assim, os municípios podem
encontrar soluções criativas e adequadas aos problemas municipais.
A partir do controle social, a sociedade passa a ter acesso à forma
como os seus gestores estão administrando os seus municípios e estados,
inclusive na esfera federal, e tomam conhecimento de como estão sendo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 111
aplicadas as verbas destinadas às políticas públicas. Teoricamente, a
sociedade passa a ter poder decisório para definir o que é prioridade
para sua localidade. É claro que, para acontecer na prática, a sociedade
deve estar integrada e interagindo com os seus Conselhos.
Os Conselhos podem ser denominados Conselhos de Políticas
Setoriais (Saúde, Educação, Assistência Social, etc.), Conselhos de Direitos (Mulheres, Idosos, Crianças e Adolescentes, Pessoas Portadoras
de Deficiência, etc.). Os mesmos são criados através de projetos de lei,
que devem ser aprovados pela Câmara Municipal. Muitos Conselhos
foram criados apenas para cumprir uma exigência legal, em função do
recebimento de recursos. Só podem receber verbas federais os municípios
que têm Conselhos e Fundos instituídos, ou seja, foram criados em função do repasse de verbas e não por serem instrumentos de participação
e de compromisso popular (Cruz, 2000).
Cabe aqui destacar um exemplo pertinente ao tema do trabalho,
referente à criação de Conselhos. Sabe-se que a Lei n°. 8.842/94, que
dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI) (Brasil, 1994), estabelece papéis para o Conselho Nacional do Idoso, porém essa lei não
contempla a criação do mesmo, nem sua regulamentação. Só recentemente, por meio do Decreto nº. 4.227, em 13 de maio de 2002, foi
criado o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI (Bredemeier,
2003). “A maioria dos conselhos é fruto de decretos estaduais, o que os
arrisca a serem meras estruturas burocráticas” (Paz, 2004, p. 5), como
foi citado acima. O ideal seria sua criação através de um processo de
discussão ou de mobilização social (Teixeira, 2000).
O Conselho deve ser pensado como oportunidade de construção
de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa. São
instâncias de formação de políticas que gozam de um conceito de respeitabilidade, enquanto espaços transparentes e comprometidos com
o interesse público. Espaços que tornam a política mais pública, pelo
menos naqueles em que há participação de grupos sociais organizados
e democráticos.
Os Conselhos Municipais são espaços políticos que devem privilegiar a participação popular, possibilitando o pleno exercício do controle
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
112
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
social, bem como o exercício de cidadania, onde, através da fiscalização
das políticas públicas, os cidadãos assegurem os seus direitos. Podese ter a compreensão de que os Conselhos Municipais são locais que
favorecem a conquista da cidadania, mas uma cidadania participativa
e representativa, como ressalta Battini:
Uma vida de cidadania plena exige um esforço amplo de mudanças radicais nas instâncias políticas de poder. Essas mudanças
serão possíveis com a efetiva participação popular no processo
de formulação das decisões políticas com o reconhecimento da
autoridade da população. (1998, p. 50)
Os Conselhos, como um todo, não só os municipais, são desafiados
a cumprir o propósito democrático que lhes deu origem, apostando na
capacidade de participação das pessoas, na busca de seu espaço, onde
o poder de decisão deve ser compartilhado, partindo para um novo
relacionamento entre sociedade e Estado. Para esse relacionamento
dar certo ou ser produtivo, devem ser observados alguns preceitos. As
responsabilidades são claras para ambos os lados. Os representantes da
sociedade civil têm a tarefa de dar o devido retorno das reuniões a suas
bases, assim como levar as necessidades da comunidade para serem
discutidas no conselho; quanto maior o vínculo do conselheiro com a
entidade, mais legitimadora vai ser sua atuação.
Percebe-se que existem relações contraditórias entre Estado e
sociedade civil, contudo, não se pode esquecer que o Conselho é um
instrumento de democracia como vários outros: é fruto de uma luta
e de uma conquista. Ele oportuniza condições para que pessoas e organizações se transformem em seres gestores, habilitando cidadãos ao
exercício de seus direitos sociais e políticos.
Os Conselhos de Direitos, como é o caso dos Conselhos de
Idosos, têm o encargo de trabalhar como uma via para o idoso se organizar, propor e reivindicar seus direitos e não como um obstáculo
nessas conquistas. É preciso muito empenho, não só dos que compõem
o Conselho, mas de todos, do coletivo. Os Conselhos não vêm para
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 113
eximir o Estado de suas responsabilidades, mas sim para torná-lo mais
“permeável e sensível à lógica da sociedade e da cidadania” (Teixeira,
2000, p. 107).
Com a existência definida e legalmente instituída, a eficácia plena
dos Conselhos depende de vários fatores. A busca dessa eficácia plena
é, certamente, o grande desafio a ser enfrentado.
O idoso e a participação
A partir da década de 1980, os movimentos sociais (sindicais, de
proteção aos direitos individuais, aos direitos das crianças, dos idosos e
dos portadores de deficiência) passam a adquirir notória importância,
especialmente ante as garantias promovidas, ainda que, em muitas
vezes, de caráter geral, pela Magna Carta.
A partir da Constituição de 1988 (Brasil, 1988a), passa-se a contar com a inclusão de inúmeras garantias e com a previsão de direitos
que visam a proteção e a melhora de vida das pessoas e se constrói o
conceito de constituição cidadã. No caminho dessa inclusão, são criados mecanismos de participação popular e, entre eles, os denominados
Conselhos de Representação, os quais passam a ser legítimos representantes/garantidores dos segmentos sociais. Esses Conselhos representam,
em acurada análise, espaços para a sociedade civil exercer sua cidadania,
por isso contam com ampla participação popular.
Ao longo do tempo, em que estes passam por um processo de
maturação, pode-se concluir que quanto mais organizado o movimento,
maior é o sucesso de suas reivindicações e mais eficaz será sua atuação. Cabe ressaltar a importância de o segmento, contemplado pela
garantia estabelecida, estar presente nesses espaços, para que tenha a
sua real necessidade defendida e representada, tornando-se assim uma
força política, levando ao sucesso a atuação do seu Conselho e dando
legitimidade a esse processo de representação.
No que tange a proteção ao idoso, é pertinente discutir o alcance das normas previstas na legislação, que prevêem proteção em seus
diversos aspectos e como tornar mais efetiva essa proteção. Para isso,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
114
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
podem ser aproveitados os espaços já existentes e que são apropriados,
legitimados para as reivindicações e efetivação das prioridades sociais
do segmento idoso. Deve-se diminuir o espaço existente entre a previsão legal – que nos parece adequada e suficiente – e a sua eficácia
plena. Vale dizer que é indispensável a aproximação prática e objetiva
do que na lei está estabelecido às necessidades do idoso. Os Conselhos
são reconhecidos por lei, mas somente são eficazes quando se compreender que é preciso representação e participação da própria sociedade.
Para Degennszajh, um elemento relevante dentre vários, para que esse
processo ocorra de forma clara, é a:
Representação de interesses coletivos: envolve a constituição
de sujeitos políticos ativos, que se apresentam na cena pública
a partir da qualificação de demandas coletivas, em relação às
quais exercem papel de mediadores. (2000, p. 64)
Conseqüentemente, os Conselhos têm a prerrogativa legal de
formular estratégias para as políticas públicas, dando evidência às necessidades da população idosa em questão, possibilitando um menor
distanciamento entre a realidade vivida e a realidade almejada. Contudo,
sabe-se das enormes dificuldades encontradas para que esses direitos
sejam garantidos. Existe uma grande distância entre o que está previsto
em lei e a realidade cultural brasileira.
Um grande desafio é transformar esse segmento etário e completamente heterogêneo, oriundo de uma cultura que não priorizava
participação, em cidadãos participativos. Para Goldman: “A força política
dessa população vem, pouco a pouco, conquistando espaço e se tornando
visível como fenômeno social relevante no Brasil” (2004, p. 71).
Um bom exemplo a ser citado é um importante movimento
ocorrido na década de 1990, que mostra o quanto é importante a
organização social. Esse movimento é caracterizado como “Movimento
dos 147%” e representado pelos “aposentados da previdência pública”.
Através dele, pela primeira vez, o idoso ganha um grande destaque
na mídia (Paz, 2004). Cabe ressaltar que esse movimento só foi
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 115
possível porque houve uma manifestação coletiva e expressiva, visto
que envolvia diretamente um interesse vital para os idosos, nesse caso,
a aposentadoria. Os Conselhos de Representação são órgãos legais com
legitimidade para promover pretensões como essa. Contudo, ainda
carecem de um maior destaque na mídia, seja tendo divulgadas suas
competências, seja demonstrando seu poder fiscalizatório. Mas, para
que isso aconteça, os Conselhos têm a tarefa de promover atitudes
positivas que levem a grandes repercussões, dando evidência e credibilidade a esses espaços.
Na histórica omissão estatal em relação à proteção do idoso,
tão bem exemplificada por Borges, “fica evidente a postura do Estado
brasileiro no sentido de transferir suas responsabilidades materiais com
os idosos, ao defender e incentivar iniciativas como as várias formas de
previdência e de medicina privadas” (2003, p. 80). É certo que os dois
primeiros passos (instituição dos órgãos de defesa e sua divulgação)
devem ser suportados pela população, sob pena de se contemplarem
ainda muitos abusos por conta de um processo de maturação que demanda tempo. A sociedade promove esse “amadurecimento” sozinha,
mas é evidente que ele pode ser acelerado.
A consulta de dados da história recente revela que, há vinte
anos, quase não se falava em Conselho Tutelar ou em Órgão de Defesa
do Consumidor. Atualmente, qualquer pessoa sabe o que é o Procon
ou o que fazer se uma criança estiver sendo agredida. Campanhas de
conscientização e de informação mostram-se como meios eficazes para
essa divulgação.
Não se pode negar que o cenário já mudou em alguns aspectos
para o idoso. O envelhecimento com qualidade passou a ser pauta em
diversos programas e reportagens, e a mídia tem destacado a influência
dessa parcela da população em vários segmentos da economia. Além
disso, estão sendo realizadas inúmeras pesquisas que implicam grandes
avanços nas mais diversas áreas. Isso se deve ao fato de que a longevidade
da população passa a ser uma realidade, e o desafio da sua valorização
é um assunto que diz respeito a toda a sociedade.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
116
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
Essa é uma questão que envolve as mais diversas áreas: educação,
saúde, previdência, entre outras. Para Goldman: “A complexidade do
processo de envelhecimento exige que ele seja estudado por diversas
disciplinas, sob múltiplos ângulos” (2004, p. 65). É preciso contar com
qualificação dos recursos humanos, para estimular ações contundentes, direcionadas aos idosos. As possíveis carências na organização dos
Conselhos de Representação não podem servir de justificativas para
inibir atos que promovam sua eleição como dignos representantes da
defesa do idoso; ao contrário, deve-se buscar seu aperfeiçoamento, sua
qualificação e, principalmente, o (re)conhecimento, por parte de todos,
de sua competência em sentido amplo, buscando, assim, a superação
dos entraves que possivelmente surgirão nessa trajetória.
Paralelamente a essa divulgação, faz-se indispensável uma mudança de conceito cultural da questão (o que, em parte, com a ampla
atuação dos Conselhos, já se atingirá). É certo que, em tempos não
muito remotos, os idosos eram apenas encarados como uma obrigação
sentimental de respeito e, às vezes, nem isso, significavam um peso
social. A consciência coletiva de que o idoso não produz e que causa
dificuldades aos demais ainda representa um equívoco a ser trabalhado.
O Conselho de Representação carrega, entre outras incumbências, essa
responsabilidade.
O respeito ao idoso é também uma questão cultural, de “consciência coletiva”. Deve-se buscar, incessantemente, a noção de que o
idoso merece respeito, proteção, mas, acima de tudo, deve ser afastado o
sentido apenas retributivo, ou seja, que apenas se deve respeito porque
fizeram algo e porque deixaram algo. Os idosos são dignos de estar
inseridos socialmente em espaços significativos e essa inclusão social é
responsabilidade de todos nós.
Com o passar dos anos, o idoso já experimentou inúmeras perdas
e vivenciou incontáveis mudanças nos papéis sociais: perda de entes
queridos, perdas cognitivas e de funções orgânicas, alterações na própria
imagem e consciência da maior proximidade da morte. Contudo, esse
processo de transição não pode ser avaliado somente pelas perdas, há
também os aspectos positivos da velhice, como maior experiência de vida,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 117
mais tempo livre e mais autonomia. O convívio intergeracional está cada
vez mais presente, pois as famílias estão menores e as gerações maiores,
ocasionando trocas de valores entre as gerações (Brust, 2007).
A velhice não é uma categoria natural e sim socialmente construída, portanto, não permite um conceito absoluto, possibilitando
que uma nova condição seja estabelecida. Logo, envelhecimento é
um processo e, assim sendo, é algo que se constrói no transcorrer da
existência humana.
Por conta desse processo de valorização, é importante que se
reconheça a utilidade na presença desse idoso, mas utilidade no sentido
de mostrar que ele possui valor também fora do campo afetivo e que
seu valor se estende por sua importância na sociedade.
Dependendo de como são dispensados os valores de uma sociedade em relação à velhice é que será possível, ou não, a proteção e a
inclusão social de seus idosos. Conforme estabelecido na Organização
Mundial de Saúde:
As sociedades que valorizam a justiça social devem lutar para
assegurar que todas as políticas e práticas sejam mantidas e para
garantir os direitos de todas as pessoas, independentemente
da idade. A defesa e os processos de tomada de decisão éticos
devem constituir estratégias centrais em todos os programas,
práticas políticas e pesquisas sobre o processo de envelhecimento. (2005, p. 41)
A forma como se dá a representação do envelhecimento na
sociedade é que possibilita ações legítimas ao ser que envelhece. Para
conviver com essas alterações sociais, as políticas públicas precisam ser
repensadas, as pessoas devem ser preparadas para trabalhar com esse
público. Enfim, uma reestruturação social se faz necessária, para que
haja a tão almejada qualidade de vida para todos que envelhecem.
O reconhecimento da potencialidade do idoso e a oportunidade
da sua participação de forma permanente nos Conselhos de Direitos
irá refletir sobre o olhar da sociedade em relação ao envelhecimento.
Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, deve vir
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
118
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
acompanhado por oportunidades, por programas e políticas voltadas
para a realidade tão diversa da sociedade em que vivemos e da dimensão
do nosso país.
No momento atual, é dura a realidade, pois apresenta uma previdência falida, a saúde completamente “sucateada” e a estimativa de
que as demandas para essas áreas estão aumentando a cada ano. Para
contar com algum êxito nesse novo panorama social, econômico e político, é preciso que haja uma nova e grande reestruturação; mas, para
isso, precisa-se de ações dos governantes, do poder público, bem como
da sociedade civil, para que atinjam a sociedade na sua totalidade.
Em relação ao idoso, tem-se um instrumento legalmente instituído (Conselho de Representação), o que representa o primeiro passo
de um longo percurso a ser transposto. Deve-se recorrer a ele para
promover as adequações necessárias, a fim de que a sua existência seja
cada vez mais efetiva na defesa dos direitos do segmento idoso. Pois
não basta que a população tenha uma vida prolongada, uma sobrevida,
mas sim que tenha boa qualidade de vida na velhice e que esta chegue,
não como um fardo, mas como fato a ser comemorado.
Considerações finais
Os Conselhos de Representação são espaços que devem ser utilizados pelo idoso para que tenha seu papel social reconhecido. Se, por
um lado, procura-se aperfeiçoar sua atuação, por outro, é igualmente
certo que deles não podemos abdicar.
Os profissionais da área da gerontologia devem estar atentos
e assumir o papel de educadores sociais, trabalhando numa proposta
emancipatória, observando os interesses coletivos, buscando parcerias
e realizando articulações, viabilizando não só a garantia dos direitos,
mas proporcionando que esses espaços sejam locais de organização de
estudos e discussões. Como defendido, é preciso atuar no sentido de
fazer o espaço tornar-se reconhecido por todos e realizar um trabalho
de mudança na concepção coletiva acerca da importância e do valor do
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 119
idoso. Será dessa forma que se contribuirá para ampliar as conquistas já
obtidas, as quais, deve-se admitir, não foram poucas, mas, com certeza,
ainda não são as ideais.
Quando se potencializam esses espaços, dão-se novas formas de
cidadania à velhice, abrindo caminhos e caminhando junto ao idoso
para viabilizar a sua inserção nesse espaço social. Participar da conquista
desse objetivo adquire dupla dimensão: gratifica o profissional por ter
contribuído de forma objetiva na evolução da valorização do idoso e,
principalmente, resgata dívida histórica da sociedade no sentido de
valorizar o idoso como ser humano capaz e não como um fardo social
a ser suportado.
Referências
BATTINI, O. (1998). “Participação popular e eleições municipais: papel
dos Conselhos Municipais”. In: SILVA, V. R. da. (org.). Conselhos
municipais e poder local. Pelotas, Educat.
BOARETTO, R. C. e HEIMANN, L. S. (2003). “Conselhos de
Representação de Idosos e estratégias de participação”. In: VON
SIMSON, O. R. de M.; NERI, A. L. e CACHIONI, M. (org.).
As múltiplas faces da velhice no Brasil. Campinas, Alínea (Col.
Velhice e Participação Política).
BORGES, M. C. M. (2003). “O idoso e as políticas públicas e sociais
no Brasil”. In: VON SIMSON, O. R. de M.; NERI, A. L. e
CACHIONI, M. (org.). As múltiplas faces da velhice no Brasil.
Campinas, Alínea (Col. Velhice e Participação Política).
BRASIL (1988a). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, 5 out.
(1988b). Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre
a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário
Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 dez.
(1990a). Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 jul.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
120
Márcia Aparecida Fraga Bernardes
BRASIL (1990b). Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre
as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 set.
(1990c). Lei nº. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a
participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde
(SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial
[da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez.
(1994). Lei nº. 8.842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a
Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá
outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 5 jan.
BRAVO, M. I. S. e PEREIRA, P. A. (org.) (2002). Política social e
democracia. 2 ed. São Paulo, Cortez.
BREDEMEIER, S. M. L. (2003). Conselho Municipal: a ampliação do
espaço público para idoso. Tese de doutorado em Serviço Social.
Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul.
BRUST, G. (2007). Uma revolução demográfica. Zero Hora, n. 792,
pp. 4-5, 6 de janeiro.
CRUZ, M. C. M. (2000). Desafios para o funcionamento eficaz dos
Conselhos. Caderno Pólis: Estudo Formação e Assessoria em
Políticas Sociais, n. 37, pp. 73-77.
DEGENNSZAJH, R. R. (2000). “Desafios da gestão democrática das
políticas sociais”. In: Capacitação em Serviço Social e Política
Social. Módulo 03: Política social. Brasília, DF, UnB.
GOLDMAN, S. N. (2004). “As dimensões sociopolíticas do
envelhecimento”. In: GOLDMAN, S. N. et alii (org.). Tempo de
envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro,
NAU.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Conselhos de Representação 121
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (2005). Envelhecimento
ativo: uma política de saúde. Tradução Suzana Gontijo. Brasília,
DF, Organização Pan-Americana da Saúde.
PAZ, S. F. (2004). “Espaços públicos de controle social e defesa de
direitos: a situação de conselhos e fóruns na defesa de direitos dos
idosos”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES
SOCIAIS, 11. Fortaleza. Anais... Fortaleza, [s.n.], out., pp. 1-8.
TEIXEIRA, E.C. (2000). Sistematização: efetividade e eficácia dos
Conselhos. Caderno Pólis: Estudo Formação e Assessoria em
Políticas Sociais, pp. 92-96.
Data de recebimento: 6/7/2007; Data de aceite: 11/8/2007.
Márcia Aparecida Fraga Bernardes – Assistente Social, Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialização em Gerontologia Social,
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: marcia.fraga@
unimedpoa.com.br
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 107-121
Educação permanente na atenção
à saúde de idosos
Maria Cristina Pedro Biz
José Antonio Maia
RESUMO: este estudo discute a formação de profissionais na atenção à saúde
do idoso no município de Santos. Partimos da escuta de gestores da saúde, e a
análise dos dados confrontados com a literatura evidenciou dois eixos norteadores:
qualidade de vida e competência profissional. A inter-relação dos dois eixos pode
constituir uma estratégia operacional de capacitação profissional permanente.
Palavras-chave: educação profissional em Saúde Pública; competência profissional; saúde do idoso.
ABSTRACT: This study discusses the training of professionals involved in the health
care of aged patients in the city of Santos, state of São Paulo. Data were collected through
listening to health managers. The data analysis compared with the literature revealed
two axes: quality of life and professional competence. The interrelation of the two axes can
constitute an operational strategy for continuous professional training.
Keywords: Professional Education in Public Health; Professional Competence; Aged
People’s Health.
Introdução
Em decorrência do incremento de afecções crônico-degenerativas
e de incapacidades funcionais, observa-se uma demanda crescente no
Baseada em Tese de Mestrado da primeira autora, intitulada Capacitação de médicos
e enfermeiros para o cuidado à saúde de idosos na rede básica de saúde do Município
de Santos, defendida em 2005, na Universidade Federal de São Paulo.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
124
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
atendimento à pessoa e à população idosa nos diferentes níveis da rede
de atenção à saúde, expondo ao setor público a necessidade de adotar
medidas que possam combater iniqüidades, em uma perspectiva de ação
multidimensional, que extrapola o simples cuidado de doenças.
Assim, configura-se a importância da capacitação de recursos
humanos voltada para o desenvolvimento das competências necessárias
ao cuidado à saúde do idoso, considerando-se suas peculiaridades e sua
complexidade. Esse é um desafio para os planejadores de programas
de educação permanente nos diversos serviços, sobretudo quando se
considera a atual escassez, nos currículos de formação superior em
saúde, de conteúdos e cenários de prática relacionados à geriatria e à
gerontologia (Diogo e Duarte, 1999).
Dois aspectos devem ser levados em conta no contexto da educação permanente de profissionais. O primeiro refere-se às tendências
atuais de formação nos diversos níveis da escolaridade, que deve tomar
como fundamento não apenas a “transmissão de informações” e o “treinamento técnico”, mas o desenvolvimento das múltiplas dimensões da
competência profissional (Maia, 2004).
O segundo aspecto a ser considerado diz respeito à necessidade do
conhecimento da realidade local, no que concerne às características da
população e do cuidado à saúde que se pretende oferecer aos idosos.
Características locais
O município de Santos é referência na implantação de políticas
públicas em saúde, tendo sido precursor na implantação do SUS no
país. Suas características geográficas (é uma cidade litorânea), sua
elevada qualidade de vida (apresenta um Índice de Desenvolvimento
Humano de 0,871 – um dos maiores, no âmbito nacional), o expressivo
percentual populacional de indivíduos idosos (15,6%), em comparação
com os índices médios brasileiros (8,6%) (IBGE, 2000), e a ampla rede
de assistência referendam a escolha do contexto deste estudo. Desde
2001, alguns programas, como o Programa do Idoso e o Programa de
Hipertensão e Diabetes da Secretaria Municipal de Saúde desenvolvem,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Educação permanente na atenção à saúde de idosos 125
nas Unidades Básicas de Saúde, ações específicas de prevenção a doenças
comuns ao envelhecimento, com a participação de equipe multidisciplinar nas áreas de endocrinologia, cardiologia, enfermagem, nutrição,
farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia. Essas e outras áreas
estão contempladas também na formação de Cuidadores de Idosos,
curso oferecido semestralmente pelo programa.
Na área social, Santos possui três Centros de Convivência Municipais, onde o idoso pode realizar desde atividades físicas a sociais, e
quatro Repúblicas do Idoso, que são moradias onde o idoso sem família
ou residência fixa divide espaço com outros em situação igual. Ambos os
serviços estão vinculados à Secretaria Municipal de Ação Comunitária.
Com tal visão, o presente trabalho tem por objetivo caracterizar,
sob o ponto de vista de gestores da área da saúde, o perfil dos profissionais de saúde que cuidam de idosos no nível da atenção básica no
município de Santos, articulando-o com as tendências de formação e as
demandas e necessidades do cuidado à saúde dessa população.
Metodologia
Como estratégia para a coleta de dados, optou-se pela técnica do grupo focal. Os sujeitos da pesquisa foram três médicos, dois
psicólogos, uma enfermeira e um fisioterapeuta, todos com cargos
de chefia de setores da Secretaria Municipal de Saúde (Atendimento
Básico, Ambulatório de Especialidades, Atenção Psicossocial e Seção
de Reabilitação e Fisioterapia) ou de coordenadoria de Programas no
Município (Hipertensão e Diabetes, Saúde do Idoso), e um da Secretaria Municipal de Assistência Social (Coordenador do Programa de
Atendimento Domiciliar ao Idoso). Todos participam ativamente de
processos de capacitação de profissionais para a atenção à saúde de
idosos no município de Santos.
Dois outros profissionais da área da saúde atuaram como observadores, sendo suas apreciações, relativas a expressões e comportamentos
dos participantes, registradas e posteriormente utilizadas como elementos subsidiários para a análise dos dados. Os depoimentos foram gravados
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
126
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
e transcritos na íntegra. As questões norteadoras, apresentadas pela
pesquisadora, referiram-se ao perfil profissional desejado para médicos e
enfermeiros, com vistas ao cuidado integral à saúde de idosos em UBSs,
bem como às características consideradas adequadas do atendimento
ao idoso no município de Santos. Os dados foram interpretados por
intermédio do método hermenêutico-dialético (Minayo, 2004).
Resultados
Inicialmente, o grupo discutiu informações de caráter geral,
mencionando, por exemplo, que, no município de Santos, de acordo com
dados do censo de 2000 do IBGE, pouco mais de 15% da população é de
idosos, correspondendo a um contingente de 65.200 pessoas com mais
de 60 anos. Reconheceu que, com a elevação da expectativa de vida da
população, haverá uma tendência do crescimento da demanda de cuidados à saúde por idosos, cujo atendimento deve ser uma das prioridades
da política de saúde do município, respeitando-se os princípios legais
da assistência universal e igualitária. Ficou claro que o atendimento, na
rede, não deve ocorrer em unidades específicas para idosos, mas nos próprios equipamentos já existentes (UBSs e ambulatórios, dentre outros).
Nesse mesmo sentido, o grupo entendeu que os médicos responsáveis
pelo cuidado dessa população devem ter uma formação clínica geral.
O mesmo aplica-se aos enfermeiros. Considerando-se a carência de
especialistas no município, os geriatras deveriam ser responsáveis pela
“resolutividade final”, em casos de maior complexidade, bem como pela
capacitação dos clínicos para o atendimento do idoso, principalmente
no que diz respeito às doenças mais prevalentes nessa população, às
peculiaridades da resposta a medicamentos e aos aspectos do cuidado
propriamente dito. Foi ressaltada a importância da “desospitalização”
e “desmedicalização” na atenção a saúde do idoso.
Houve ênfase na necessidade e relevância da capacitação, pelo
sistema público de saúde, dos cuidadores (formais e informais) desses
pacientes.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Educação permanente na atenção à saúde de idosos 127
Além do rompimento com os preconceitos sociais com relação
ao idoso por parte dos profissionais, um outro item levantado referiuse à necessidade de acolhimento do idoso em todas as instâncias do
atendimento, desde a recepção das unidades até o interior das salas de
enfermagem e dos consultórios médicos.
Houve um reconhecimento da peculiaridade do cuidado à saúde de idosos, o que se reflete na necessidade da formação, em caráter
permanente, dos profissionais de saúde, com um perfil específico, diferenciado, exigindo características próprias, pessoais, do profissional.
Surgiram, inclusive, alguns comentários a respeito da impossibilidade
de capacitar um indivíduo que não tem o “perfil” (ou que não deseja
ter) para o cuidado do idoso. A questão da empatia (enfaticamente
relacionada com os vínculos que devem ser estabelecidos com o paciente, visto de forma integral, em sua trajetória de vida) foi, inclusive,
relacionada a aspectos da “percepção cultural” do envelhecimento do
próprio profissional e de suas relações familiares, sendo este um dos
determinantes da própria qualidade do atendimento.
Quanto ao cuidado à saúde física do idoso, observou-se que o
termo “resolutividade” foi utilizado com ênfase, em relação aos freqüentes “múltiplos acometimentos” desses pacientes. Ressaltou-se também
a necessidade de o profissional saber lidar com as limitações do idoso
(visuais, auditivas, etc.), comunicando-se e relacionando-se da melhor
forma com o paciente, utilizando um vocabulário e um tom de voz
adequados. Essa questão foi ampliada pela identificação da função de
educador dos profissionais, no que diz respeito à saúde e aos hábitos
de vida dos pacientes.
A necessidade da atenção a aspectos que vão além do tratamento
de doenças também foi destacada. É necessário que o profissional tenha conhecimento dos diversos espaços e setores disponibilizados pelo
município (de lazer, convivência e assistência social, dentre outros),
no sentido de orientar a clientela. Foram também apontados aspectos
relativos ao respeito à espiritualidade e à preocupação com a independência do idoso.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
128
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
Foi salientada, de forma significativa, a relevância da compreensão, pelo profissional, da dinâmica das relações do idoso com a família,
destacando-se a percepção do problema que este pode representar para
os que com ele convivem e para si próprio, em termos de demandas
especiais e de limitações físicas e de tempo. Emergiu também a complexidade das reações psicológicas e emocionais, tanto do próprio paciente
como de sua família, relativas a doenças e, eventualmente, ao óbito do
idoso, envolvendo, por exemplo, sentimentos de “culpa” e de “alívio”
de parentes e cuidadores.
Nesse sentido, foi destacado que o processo de educação dos
médicos e enfermeiros deve ser permanente, consistindo não apenas
de um “treinamento”, mas sendo direcionado ao desenvolvimento da
competência profissional. Torna-se necessário formar continuamente
profissionais aptos a enfrentar situações imprevistas, considerandose a evolução do conhecimento científico, as demandas específicas e
individuais dos idosos, bem como as invariáveis transições sociais. Os
participantes enfatizaram que o desenvolvimento profissional é um
determinante dos mais importantes na qualidade da atenção à saúde
do idoso no município, da qual faz parte também a reorganização dos
serviços, focando as necessidades dos indivíduos e da coletividade, sob
a perspectiva da visão integral do ser humano.
Discussão
A análise de conteúdo dos dados obtidos no grupo focal apontaram para dois grandes eixos de análise:
•
as características do cuidado à saúde do idoso no município de
Santos;
•
os requisitos do profissional, ou seja, o perfil profissional desejado
para o cuidado do idoso
Para que pudéssemos sistematizar os resultados, esses dois eixos foram correlacionados com referenciais teóricos emergentes da literatura.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Educação permanente na atenção à saúde de idosos 129
As características do cuidado à saúde do idoso
no município de Santos
Embora o termo “qualidade de vida” tenha sido mencionado
apenas uma vez no grupo focal, o mesmo reconheceu que a atenção
à saúde do idoso deve ocorrer numa perspectiva de individualidade
e de integralidade de cuidados. Em nossa análise, pudemos concluir
que a quase totalidade das falas referentes às múltiplas dimensões do
cuidado ao idoso apresentadas pelo grupo focal podem ser incluídas,
sistematizadas e analisadas à luz dos domínios estabelecidos pela OMS,
encontrados no instrumento de avaliação de qualidade de vida World
Health Organization Quality of Life (WHOQOL). Esse instrumento de
avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL – 100) consiste
de 100 perguntas referentes a seis domínios, divididos em 24 facetas
(Quadro 6). Está disponível em vários idiomas e possui uma versão em
português já devidamente validada (Fleck et alii, 1999)
Esse grupo define qualidade de vida (ibid.) como:
A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto
da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação
aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Fica explícito que o conceito de qualidade de vida é subjetivo,
multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como
negativos.
O realinhamento desses Domínios resultou na definição do eixo
“Qualidade de Vida” num procedimento metodológico que relacionou
as características da atenção à saúde do idoso segundo as falas do grupo
focal ao instrumento proposto pela OMS.
A seguir são apresentados os domínios acima mencionados, correlacionando-os com alguns dos aspectos mais relevantes levantados pelo
grupo focal, no contexto das características do cuidado a ser oferecido
pela rede de atendimento:
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
130
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
Domínio físico – promoção (em todos os níveis) e proteção à saúde,
bem como atendimento, pelo conjunto de equipamentos da rede
do município, às doenças mais prevalentes dos idosos, numa
perspectiva de integralidade e multiprofissionalidade.
Domínio psicológico – atenção integral à saúde mental, acolhimento diferenciado nas instalações da rede.
Nível de independência – promoção da autonomia de vida do idoso,
não apenas por intermédio de atendimento fisioterápico, mas
pela orientação quanto à gênese de lesões nos diversos locais
onde o mesmo transita.
Relações sociais – disponibilização de uma rede intersetorial e
intergeracional que promova a inclusão e a participação social
do cidadão idoso; atenção aos eventuais problemas em suas
relações familiares.
Ambiente – oferecimento de espaços de lazer especialmente
desenhados e equipados, tanto do ponto de vista físico como
da assistência por profissionais especializados; provimento de
acessibilidade nas instalações.
Aspectos espirituais/religião/crenças pessoais – promoção da formação
ética dos profissionais, sob a forma de discussões amplas de
casos e situações da prática.
O perfil profissional desejado para o cuidado do idoso
Além disso, a multiplicidade de características indicadas pelo
grupo com referência ao perfil de formação permanente dos médicos e
enfermeiros que cuidam de idosos estabelece claramente um paralelo
com as dimensões da “competência profissional” propostas por Epstein
e Hundert (2000), mostrando-se muito operacional para sistematização
dos resultados.
Os autores propõem, como conceito de competência profissional:
O uso habitual e criterioso da comunicação, conhecimento,
habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções, valores e
reflexões sobre a prática diária para o beneficio do indivíduo e
da comunidade sendo atendida.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Educação permanente na atenção à saúde de idosos 131
A noção de competência refere-se, portanto, a um conhecimento
posto em prática, a um “saber fazer” de forma reflexiva, crítica, integral
e resolutiva. Dessa forma, os programas de educação permanente devem
pautar-se, não pela transmissão de um “estoque de saberes”, mas pelo
desenvolvimento de competências, em múltiplas dimensões, que são a
seguir apresentadas, juntamente com algumas das características desejadas
dos profissionais, relatadas pelos pesquisados, com relação às mesmas.
A seguir, a correlação dos dados obtidos no grupo focal com as
Dimensões da Competência Profissional, que resultou na definição do
eixo “Competência Profissional”.
Cognitivo – Conhecimento, pelos profissionais envolvidos, da
fisiologia e da fisiopatologia do envelhecimento humano, bem
como da conduta resolutiva ante as principais doenças que
afetam os idosos (muitas vezes de forma concomitante) e das
especificidades das respostas aos tratamentos propostos; autonomia intelectual no acesso a informações científicas.
Técnico – Realização da avaliação funcional do idoso (exames
clínicos e complementares); educação do idoso quanto à(s) sua(s)
doença(s), bem como à manutenção de sua integridade física e
independência nos ambientes onde ele convive (condutas que
favoreçam a conservação da capacidade funcional); realização
e orientação quanto a procedimentos terapêuticos que comumente afetam idosos (úlceras, etc.).
Integrativa – Concepção da saúde não apenas como um distúrbio biológico, compreendendo suas dimensões psíquicas,
espirituais, culturais, econômicas, políticas e ambientais,
dentre outras, tanto em caráter individual quanto coletivo,
orientando quanto ao uso dos equipamentos sociais disponíveis
na área geográfica e estimulando práticas que proporcionam
um envelhecimento saudável.
Contextual – Possibilidade de atuar profissionalmente nos vários
cenários onde ocorre a atenção ao idoso, respeitando a “lógica de
funcionamento” de cada um destes; proposição, gerenciamento e
desenvolvimento de ações e estratégias que aprimorem a atenção
ao idoso (campanhas, programas, dentre outros).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
132
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
Relacional – Capacidade de comunicação com o idoso, acolhendo-o em suas necessidades e lidando com suas limitações;
relacionamento com a equipe multiprofissional, lidando com
possíveis situações de conflito.
Afetivo/Moral – Desenvolvimento da capacidade de cuidar verdadeiramente do idoso, numa perspectiva de integralidade;
responsabilidade com as diversas práticas envolvidas no cuidado;
comportamentos e posturas respeitosas com relação aos costumes,
valores e crenças do idoso, acumulados durante sua vida.
Hábitos mentais – Capacidade de auto-avaliação constante de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores ante a assistência
ao idoso.
Importante ressaltar, no que diz respeito à formação profissional,
que a competência é passível de desenvolvimento, e mudanças na prática profissional e no contexto do cuidado devem levar a redefinições
de competência.
Na divisão dos eixos, não houve a intenção de “compartimentalizar” aspectos de formação em eixos rigidamente definidos, mas
de construir um referencial que possibilite a operacionalização de um
processo de planejamento de capacitação adaptável ao contexto local
e ao perfil profissional desejado.
Com efeito, em alguns casos, é difícil traçar fronteiras entre
as dimensões, com relação a determinadas competências. A título de
exemplo, a “capacidade de acolher” diz respeito tanto a aspectos relacionais quanto afetivos e técnicos.
Conclusões
O planejamento de programas e ações de educação permanente no
contexto da atenção à saúde do idoso é complexo, devendo levar em conta
tanto características regionais e políticas do atendimento quanto o perfil
profissional desejado. O presente trabalho evidencia que esses dois eixos
se desdobram em diversos aspectos, que, de acordo com a interpretação
dos dados obtidos no grupo focal de gestores e formadores do município
de Santos, podem ser correlacionados, respectivamente, aos domínios da
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Educação permanente na atenção à saúde de idosos 133
qualidade de vida, segundo a OMS (Fleck, 1999, 2000), e às dimensões
da competência profissional propostas por Epstein e Hundert (2002).
Como exemplo, a inter-relação entre o Domínio Psicológico, proposto pela OMS, o eixo Qualidade de Vida e a Competência Relacional,
proposta por Epstein e Hundert, nos levaria a pensar na necessidade
do acolhimento. O idoso tem processo interno peculiar, que necessita
ser compreendido, no sentido do acolhimento de suas necessidades e
limitações. Nesse aspecto, o programa de capacitação deveria abranger,
por exemplo, vivências, no sentido de desenvolver a empatia e a acolhida.
Outro exemplo, no eixo Nível de Independência (OMS) e Técnicas (Epstein
e Hundert), contemplaria a orientação ao idoso quanto à manutenção de
sua integridade física, nos ambientes onde ele convive. Os profissionais
de saúde devem estar aptos a orientar o idoso quanto à manutenção
de sua independência, evitando, por exemplo, quedas e fraturas. O
programa, numa perspectiva interdisciplinar, deveria contemplar o
conhecimento das técnicas para prevenir lesões no domicílio e na via
pública, bem como o uso correto de equipamentos de auxílio.
As inter-relações dos domínios da qualidade de vida com as dimensões da competência representam, potencialmente, uma estratégia
operacional para o planejamento de projetos de capacitação profissional,
possibilitando um distanciamento da lógica linear do elenco de conteúdos
a serem abordados e aproximando-se de uma proposta multidimensional
de formulação de objetivos a serem desenvolvidos no processo de educação
permanente dos profissionais. Possibilita o detalhamento dos conteúdos e
das estratégias de formação, considerando-se demandas e variáveis, como,
por exemplo, o contexto local (equipamentos, serviços), mudanças no perfil
de morbidade da população, a evolução do conhecimento, mudanças no
perfil de formação dos profissionais. Representa um exercício de planejamento no processo de capacitação, para que o profissional possa exercer
o cuidado à saúde do idoso numa perspectiva integral, de resolutividade
e de continuidade das ações. A revisão dos programas com base nesses
dois eixos, redireciona as ações educativas, valorizando a capacitação de
forma permanente, oferecendo maior autonomia às equipes de saúde
no desenvolvimento de ações promotoras de saúde. Abrange também a
formação do profissional de saúde considerando a dinâmica social e suas
implicações nas práticas cotidianas.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
134
Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia
Referências
DIOGO, M. J. D. e DUARTE, Y. A de O. (1999). O envelhecimento
e o idoso no ensino de graduação em enfermagem no Brasil: do
panorama atual a uma proposta de conteúdo programático. Rev
Esc Enf, n. 33, pp. 370-376.
EPSTEIN R. M. e HUNDERT E. M. (2002). Defining and assessing
professional competence. JAMA, n. 287, pp. 226-235.
FLECK, M. P. de A. (2000). O instrumento de avaliação de qualidade
de vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL – 100):
características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 5.
FLECK, M. P. de A. et alii (1999a). Aplicação da versão em português
do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS
(WHOQOL –100). Rev Saúde Pública, n. 33, pp. 198-205.
(1999b). Desenvolvimento da versão em português do instrumento
de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL – 100).
Rev Bras Psiq, n. 21, pp. 19-28.
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000).
Censo Demográfico: Brasil. Rio de Janeiro, IBGE.
MAIA, J. A. (2004). “O currículo no ensino superior em saúde”. In:
BATISTA, N.A. e BATISTA, S.H. (orgs.). Docência em Saúde: temas
e experiências. São Paulo, Senac.
MINAYO, M. C. S. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 8 ed. São Paulo, Hucitec.
Data de recebimento: 10/6/2007; Data de aceite: 17/8/2007.
Maria Cristina Pedro Biz – Mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela
Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina) –
Cedess – Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde. E-mail:
[email protected]
José Antonio Maia – Doutor em Medicina pela UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). Docente do Programa de Pós-Graduação Sensu Stricto (Mestrado)
“Ensino em Ciências da Saúde” do Cedess – Centro de Desenvolvimento do Ensino
Superior em Saúde, da Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo / Escola
Paulista de Medicina). E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 123-134
Formador de formador: características
educacionais e profissionais de acadêmicos
que ensinam na formação continuada
stricto sensu em Gerontologia no Brasil
Tereza Lins
RESUMO: este estudo apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o perfil
do formador de formadores da formação continuada em Gerontologia, stricto sensu,
no Brasil. Os dados foram levantados através de acervo documental. Os resultados
mostram que os formadores de formadores apresentam muitas características
em comum. Conclui-se, então, que no Brasil há indícios de um “perfil-tipo” do
formador de profissionais educadores de adultos maiores, que ensinam nos cursos
de Gerontologia stricto sensu.
Palavras-chave: adulto maior; perfil-tipo; formador de formador.
ABSTRACT: This study presents the results of research on the profile of the teachers of
educators working in continuous training in the area of gerontology (Master’s and doctoral
programs) in Brazil. The used data come from documentary sources. Results show that the
teachers of these educators have many characteristics in common. Thus, the analysis reveals
that one may compile a general ‘typical profile’ of the teachers of professional educators
engaged in working with the elderly and that the former teach in post-graduate courses
of gerontology.
Keywords: Elderly; Typical profile; Teacher of educators.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
136
Tereza Lins
Introdução
O Brasil está passando por duas transições inter-relacionadas:
uma demográfica e a outra epidemiológica. Esta última está acarretando, ao mesmo tempo, uma rapidez no aumento do valor absoluto e
relativo da população de 60 anos ou mais e uma mudança no perfil de
morbimortalidade do país; além disso, está impulsionando o aumento
da expectativa de vida do brasileiro, conjuntamente a uma melhora
na qualidade de vida do idoso. Essa rapidez na transição demográfica
pode ser acompanhada através da comparação dos dados do censo de
1980 com os de 2000. Na década de 1980, o Brasil era considerado
um país de jovens, com cerca 6.500.000 de pessoas acima de 60 anos.
No limiar do século XXI, o Brasil encontra-se com a quantidade de
14.072.188 milhões de pessoas com mais de 60 anos, representando
cerca de 8,3% da população em 2000 (IBGE, censo 2000). A expectativa
dos demógrafos é de que essa população de mais de 60 anos passará
a ser de 32 milhões em 2025, perfazendo um total de 15% de toda a
população brasileira.
Essas mudanças no perfil demográfico brasileiro, assim como
em grande parte do mundo, acontecem dentro de uma sociedade contemporânea, em que a aprendizagem é fator decisivo na inserção dos
sujeitos num mundo globalizado, em um contexto de transformações
locais das concepções de espaço e de tempo, gerando com isso conflitos. Essa nova sociedade e a globalização trouxeram consigo, portanto,
exigências de novas competências para realizar os saberes, o saber fazer
e o saber ser. Nesse contexto, segundo Ortega-Esteban:
Todos se han visto o se van a ver obligados a reciclarse en sus trabajos
y profesiones, so capa de degenerar o desfasarse. Más el reciclaje o reactualización de conocimientos ya no es suficiente, hay que aprender para
cada día para estar al día, no hay distinción entre trabajo profesional
y aprendizaje, no hay diferenciación entre la vida y el aprendizaje,
no hay distinción entre la educación e la vida. La educación va a ser
y acontecer a lo largo de la vida. Educarse y vivir va a ser la misma
cosa. (Ortega-Esteban, 1999, p. 318)
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 137
Isso é mais verdadeiro ainda para os profissionais que trabalham
ou vão trabalhar com os adultos maiores, uma vez que o velho de ontem
não é o mesmo de hoje, nem será o de amanhã.
Essa projeção de “eternos aprendizes” dos sujeitos adultos justifica
a construção de uma relação estreita entre educação e envelhecimento.
Pois, numa sociedade que envelhece, seu envelhecimento populacional
faz com que quase todos os profissionais, dentro em breve, de algum
modo, passem a prestar serviços aos adultos maiores. Tal fenômeno
levou determinados profissionais que trabalhavam com o adulto maior
a sentir a necessidade de se especializarem, no campo do envelhecimento, para dar respostas às crescentes demandas desse segmento da
população, abrindo com isso perspectivas para outros profissionais,
de virem a desenvolver ou trabalhar em novos serviços destinados aos
adultos maiores.
A partir do surgimento desse fenômeno mundial, o tema da
formação inicial e continuada de profissionais que trabalham ou vão
trabalhar com e a favor de adultos maiores passou a preocupar os
organismos internacionais, responsáveis por políticas dirigidas a essa
população, alertando-a sobre a necessidade de uma formação específica
em Gerontologia ou Geriatria. Em conseqüência desse novo momento
vivido pela sociedade, nunca se investigou e se debateu, tanto como
hoje, sobre os adultos maiores. Surpreendentemente, no que se refere
a pesquisas para saber quem é o formador do formador de profissional
educador, como é a sua formação e qual é a sua atuação, existe uma
verdadeira lacuna.
Como resultado dessa lacuna, a Gerontologia acadêmico-profissional definida por Thorton (1982), como processos de ensino, instrução
e treinamentos dirigidos para a especialização de profissionais, para-profissionais e voluntários do envelhecimento, encontra-se em um estado
embrionário de desenvolvimento. Entretanto, considerando a importância
que tem o aspecto do envelhecimento e da educação em nossa sociedade
e a forma como afeta individual e coletivamente os sujeitos, essa lacuna
deve ser suprida com urgência, para que a Gerontologia acadêmicoprofissioanal, definida por Peterson (1990) como área responsável pela
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
138
Tereza Lins
formação desse formador, saia desse estado embrionário de desenvolvimento em que se encontra. Sobretudo porque é o rápido envelhecimento
da população que aponta para a necessidade urgente de se investigar
quem são e como se dá a formação e atuação desses profissionais, uma vez
que estes são responsáveis pela formação dos profissionais educadores e
devem contribuir para que estes aprendam a aprender a ser, a saber fazer,
a aprender, a conhecer e a viver juntos (Delors, 1996). Além disso, deve
contribuir para a formação de profissionais críticos e reflexivos segundo
o entendimento de Shön (2000), cumprindo nessa formação as exigências concernentes aos saberes específicos, andragógicos, tecnológicos e
gerontológicos. Portanto, meu objetivo neste artigo é discutir se existe
um “perfil-tipo” do formador de formador na formação continuada stricto
sensu em Gerontologia no Brasil.
No entanto, antes de apresentar a pesquisa e seus resultados, é
necessário identificar alguns termos utilizados neste estudo, em virtude da
“confusão metodológica” que caracteriza o campo da educação em geral
e da formação de formadores em particular. Assim, utilizo aqui quatro
categorias principais: a primeira é a de profissional educador para identificar o profissional que trabalha ou vai trabalhar com e a favor de adultos
maiores; a segunda, é a de educador, recorrendo-se aqui ao conceito de
Freire (1978) para determinar quem é o educador; a terceira é a de adulto
maior, usada aqui como categoria englobante que inclui todos os adultos
a partir de 60 anos e mais; por fim, a quarta categoria que é a de formador
de formadores para identificar o profissional que forma o profissional que
trabalha ou vai trabalhar com e em favor de adultos maiores.
A formação do formador de formadores
no contexto atual brasileiro
O meu interesse pelo tema surgiu após a realização de uma pesquisa, em 2001, sobre a formação inicial e continuada de profissionais,
Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do Master em Gerontologia Social,
Universidade de Barcelona, Espanha.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 139
tendo como recorte empírico a prefeitura de uma capital brasileira e
sua atuação com adultos maiores. O resultado dessa pesquisa indicava
a necessidade de investigar se o status quo dos profissionais observados
era uma realidade. A partir da realização da primeira etapa, em 2003,
da pesquisa do projeto de doutorado, foram levantados três dados preocupantes: o primeiro foi a confirmação, intuída na pesquisa anterior,
de que esses profissionais não tinham nenhuma formação específica em
Gerontologia ou Geriatria. O segundo dado preocupante foi a constatação da ausência de uma legislação específica que regulamentasse ou
fizesse referência explícita à formação inicial ou continuada do docente
ou de qualquer outro profissional que trabalhasse com o adulto maior.
O último dado que me preocupou foi encontrado através da revisão
da literatura especializada, onde se verificou que esta abordava apenas
a atuação desses profissionais na atenção primária e secundária, nos
centros sanitários, em domicílio, nos centros dia e em residências geriátricas, não encontrando, portanto, nenhuma referência à formação
desses profissionais. Na conclusão dessa etapa da pesquisa, foi possível,
assim, sustentar que no Brasil não existia um “perfil-tipo” do profissional educador de adultos maiores, mas apenas indícios de um perfil que
apontavam para uma formação inicial e continuada desses profissionais
realizada em faculdades e universidades.
Com esses dados em mãos, parti para a segunda etapa de investigação e análise do projeto de doutorado. As primeiras conclusões que
surgem das análises dos dados obtidos sinalizam para a inexistência de
uma profissionalização específica do formador de profissional educador
no Brasil, porque não existe uma cultura profissional específica comum
necessária para falar de um ofício de formador de formador com saberes e
competências próprias; o resultado disso é que as instituições pesquisadas
apresentam como formadores de formadores o que Shön (2000) chama
de “educadores profissionais”, ou seja: professores universitários que são
responsáveis pela formação específica desses profissionais. Entretanto,
Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Doutorado Educação
de Pessoas Adultas, Universidade de Salamanca, Espanha.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
140
Tereza Lins
esse fator não impede que as características educacionais e profissionais
levantadas dos acadêmicos pesquisados sinalizem na direção de um
“perfil-tipo” de formadores especialistas.
“Formação” e “formação de formadores”: algumas precisões
Seria importante, neste momento, apresentar como o termo
“formação” é operacionalizado neste trabalho. Assim, a “formação”
não é aqui entendida como um fim em si mesmo, mas como aquilo que é orientado para a promoção de uma mudança social e um
desenvolvimento humano, situados dentro de um contexto social e
econômico mais amplo. A necessidade dessa precisão impõe-se porque
a literatura especializada sobre a questão da “formação” produziu uma
quantidade admirável de concepções em torno do termo “formação”
sem tentativas de convergências. Já no que se refere à concepção de
“formação de formador/educador”, apesar de não existir uma definição
única, percebe-se uma clara tentativa, dos teóricos, de encontrar essa
definição, mas até agora sem grandes resultados, pois o que se vê é a
elaboração de uma pluralidade de sinônimos para defini-la. O que já
era de esperar, uma vez que o próprio termo “formação”, como dito,
é entendido de maneira muito ampla e diversificada, variando o seu
significado de teórico para teórico e de país para país. O mesmo pode
ser dito em relação aos termos para se referir ao profissional que educa
outras pessoas. Por exemplo: na Espanha, é utilizada a terminologia
“formador de formadores”, na França, “formador de adultos” e, em outros países, “formador de professores”. No Brasil, o termo é “formador
de educadores”, no entanto, essa nomenclatura refere-se aqui apenas à
formação dos docentes da educação básica em geral.
Apesar da existência de vários modelos de formação dirigidos à
formação dos profissionais da educação básica, fundamental e superior,
como é o caso do modelo de formação orientada individualmente, da
Para uma percepção dessa variedade, ver, por exemplo, Huberman (1994) Rivilla
(1989) e Ibernón (1994).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 141
indagação, entre outros, no que se refere à questão da construção de um
modelo de formação dirigido especificamente à formação de formador
de formador, essa discussão inexiste na literatura especializada. Diante
desse vácuo, o meu argumento é que a formação desses profissionais
deverá estar fundamentada em um modelo andragógico, que parta
dos pressupostos e das hipóteses andragógicas, assim como da teoria
do conhecimento aplicada à educação sustentada por uma concepção
dialética (construtivismo) e do currículo amparado na “educação de
iguais”.
Como visto, apesar da transição demográfica e epidemiológica
pelas quais passa o Brasil, não se verificou nenhum movimento vigoroso na direção de se identificar, seja em investigações ou na literatura
especializada no Brasil, quem é o formador de formador e como se dá
sua formação e atuação. O resultado disso, como se pode observar, é a
dificuldade de encontrar qualquer referência ou discussão sobre o tema;
e, mais problemático ainda, é a inexistência de dados específicos sobre
esses profissionais formadores de profissional educador. Isso talvez se
deva ao fato de esse tema não ter estado em evidência, tanto na academia
quanto nos debates sobre as políticas educacionais ou gerontológicas.
O formador de formador e a legislação brasileira
Em grande medida, acredito que nessa quase ausência de uma
clara definição do que seja um formador de formador de profissionais
que lidam com adultos maiores há um forte componente cultural.
Assim, segundo Altet, Paguay e Perrenoud “mesmo que os professores
em formação sejam adultos, os formadores de professores não se consideram formadores de adultos e não participam da cultura desenvolvida
no mundo das empresas ou em outras administrações públicas” (2003,
p. 11). Isso também acontece em relação aos formadores de profissionais
educadores, que também não se consideram formadores de adultos,
mas sim professores especialistas da sua área.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
142
Tereza Lins
No Brasil, esse tipo de concepção é reforçado pela legislação educacional brasileira. Assim, a LDB vigente não contempla a formação do
educador de adultos. Em seu artigo 62 faz apenas referência à formação
de docentes para a educação básica em geral. Diz o artigo:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena
em universidades e institutos superiores de educação, admitida
como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Sobre o enfoque que é dado a essa formação, é preciso retornar ao
artigo 61, que versa sobre os fundamentos da formação dos profissionais
da educação em qualquer modalidade de educação, para ver que:
A formação de profissionais da educação de modo a atender
aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as
características de cada fase do desenvolvimento do educando,
terá como fundamentos:
I – a associação entre teorias e práticas inclusive mediante a
capacitação em serviço;
II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e outras atividades
Para uma regulação sobre a educação continuada dos profissionais
da educação, é preciso esperar até o inciso II, do artigo 67, que trata
brevemente do assunto.
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim.
Ou seja, toda e qualquer referência regulamentativa sobre a
formação de formadores de formadores deve ser inferida da LDB.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 143
As implicações dessa falta de regulamentação são sérias. Segundo
Ireland (2004), no Brasil, a história da educação de educadores para
a educação de adultos, seja ela popular ou não, tem sido marcada, na
maioria das vezes, pelo experimentalismo e pelo improviso. Improviso
esse que, segundo ele, está associado ao fato de a grande maioria das
experiências não ter continuidade, possuindo vida curta. Isso devido à
mudança de políticas e ao remanejamento de recursos; a isso acrescentase a abrangência e a fragmentação do campo onde se desenvolvem as
práticas de educação popular de adultos, não havendo sistematização
das experiências desenvolvidas. Todo esse experimentalismo e improviso
tem como causa, a meu ver, essa inexistência de uma formação específica para os educadores de adultos no Brasil, que, no meu entender,
estende-se à formação de formador de formador, pois, como não existe
uma profissionalização desse formador de formador na legislação, há
um improviso na formação do profissional educador, que também é
um adulto. Pois, obviamente, toda a estrutura universitária brasileira
segue o que está enquadrado na LDB.
Discutindo a pesquisa
Como dito, pretendia-se investigar se no Brasil existia uma
profissionalização específica de formadores de profissionais educadores
e se existia um “perfil-tipo” de formadores de profissional educador,
especificamente, os de formação continuada stricto sensu em gerontologia.
Para tanto, tive como recorte empírico todos os cursos de gerontologia
stricto sensu instaurados por universidades brasileiras e reconhecidos pela
Capes-MEC. A pesquisa norteou-se, assim, por três diretrizes principais:
identificar se esse formador é um especialista; verificar se é um formador
polivalente com perfil ampliado; verificar se é um formador agente de
mudanças. Essas diretrizes foram baseadas nas questões surgidas pela
discussão elaborada por Altet (apud, Perrenound, 2003) sobre uma
profissionalização específica de formadores de professores, em que ela
Refere-se à formação para educadores-alfabetizadores de adultos.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
144
Tereza Lins
se perguntava: Existe um perfil-tipo de formadores de professores?
É um formador especialista? É um formador polivalente com perfil
ampliado? É um formador agente de mudanças?
Com base nessas diretrizes, buscou-se identificar as características
educacionais e profissionais de acadêmicos que ensinavam na formação
continuada stricto sensu em Gerontologia, no Brasil, em 2003. Essa
pesquisa foi repetida em 2007 para verificar se, depois de decorridos
quatro anos, tinham surgido mudanças significativas.
Discutindo o método e o campo
Na Gerontologia educacional, os métodos de pesquisa são ainda
incipientes. Por isso, foi necessária a adoção de uma abordagem metodológica interdisciplinar, realizando a conjugação de dois métodos na
construção de uma pesquisa exploratória e descritiva. No que se refere
a sua dimensão exploratória, essa pesquisa seguiu a definição apresentada por Gil. Segundo o autor, “as pesquisas exploratórias constituem
a primeira etapa de uma investigação mais ampla” (Gil apud, Oliveira, 2007) desenvolvendo estudos que dão uma visão geral do fato ou
fenômeno estudado. Com relação à dimensão descritiva, foi adotada
a perspectiva de Rudio. Na sua definição, “a pesquisa descritiva está
interessada em descrever e observar fenômenos, procurando descrevêlos e interpretá-los” (Rudio apud Oliveira, 2007).
Para a obtenção dos dados, foram compulsados 37 currículos
de formadores de profissionais educadores, encontrados na Plataforma Lattes/CNPq, nos dois períodos já citados: 2003 e 2007. Esses
37 currículos representam a quase totalidade de formadores das três
universidades brasileiras (PUC-RS, Unicamp, PUC-SP) que oferecem
cursos de formação continuada stricto sensu na área de Gerontologia,
sendo um doutorado e três mestrados acadêmicos.
A utilização da Plataforma Lattes como fonte de documentação
deveu-se à impossibilidade de contar com a participação pessoal de
todos os acadêmicos que atuavam em 2003 na formação continuada
stricto sensu em Gerontologia por questões logísticas e, sobretudo, pelo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 145
pouco tempo para a realização da pesquisa. Além disso, escolheu-se o
Sistema Currículo Lattes como banco de dados por acreditar que comportava informações suficientes para dar respostas aos questionamentos
levantados pela pesquisa (sem correr o risco de comprometê-la), dessa
forma parecendo justificada a escolha dessa técnica. Além disso, é incontestável que o Lattes adquiriu uma grande reputação e credibilidade
como sistema de informação curricular, sendo atualmente utilizado preferencialmente (às vezes exclusivamente) pelas instituições (de pesquisa
e de fomento) e pela comunidade científica brasileira em geral.
Discutindo a análise e os resultados
Nos currículos pesquisados, procurou-se identificar as seguintes
variáveis sobre os formadores de profissional educador de adulto maior
dessas universidades: instituição de formação; qual a área de formação
inicial e qual a de continuada; qual a área de produção científica; qual
a titulação; local de trabalho e qual a área de atuação. Após a identificação, essas variáveis foram transformadas em seis categorias, os dados
obtidos foram distribuídos e agrupados. Além disso, para uma melhor
leitura dos dados, foi importante a construção de uma tabela que evidenciasse o perfil do formador de formador através das características
educacionais e profissionais levantadas na pesquisa. Com essa tabela
em mãos, a discussão dos dados foi baseada, de maneira analógica, na
concepção da formação do formador de professor, defendida por Altet
A pesquisa foi realizada tendo em mente as advertências de Torres (2002), quando
diz que as revisões documentais têm severas limitações para captar o estado da
arte de qualquer campo, não só das idéias, mas também de intervenção sobre a
realidade; que as reflexões extraídas fundamentalmente de revisão bibliográfica,
documental e na web, como é o caso desta pesquisa, reforçam a necessidade de se
estender a investigação para mais além dos documentos e entrar em contato com
as práticas reais e o conhecimento tácito dos atores que em sua maior parte permanecem sem serem documentados. Na Gerontologia educacional, as práticas reais e
o conhecimento tácito dos atores também, na sua maioria, permanecem sem serem
documentados.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
146
Tereza Lins
(2003). Esse recurso foi necessário e imprescindível porque, como já
dito, não se encontrou uma discussão específica sobre a formação desse
formador de formador.
Categorias Formação Inicial e Continuada
A formação inicial do formador de formador brasileiro é basicamente realizada em universidades públicas (42,24%) e privadas
(56,76%), não diferindo da formação seguida pelo profissional educador.
A formação continuada também é realizada em universidades públicas
e privadas. Constatou-se, ainda, que a maioria dos formadores não tem
uma formação pedagógica específica para ensinar. Eles se enquadram
no que Shön (2000) denomina “educadores profissionais”, referindo-se
àquele formador que não é formador de professor, mas que trabalha
no ensino superior.
Outro dado obtido é que poucos formadores de formador têm
uma formação continuada específica na área do envelhecimento. A
formação continuada stricto sensu desses formadores de formadores é
majoritariamente realizada fora da área da Gerontologia e da Geriatria.
A maioria (72,97%) tem sua formação continuada correspondente à
sua formação inicial ou em outra área. Os que a têm, obtiveram-na
em sua formação continuada em cursos de Gerontologia ou Geriatria.
Geralmente, esses cursos pertencem aos departamentos de Educação,
Psicologia e Enfermagem e de Medicina, sendo concebidos de acordo
com os princípios determinados por cada universidade. Entretanto, até
onde se pesquisou não existe uma habilitação denominada “formador
Para uma melhor compreensão dos resultados, resolveu-se analisar conjuntamente
as categorias “formação inicial” e “formação continuada”.
Aqui se encontra a grande limitação do tipo de documento pesquisado: não é possível
identificar como foi desenvolvida a formação inicial e continuada desses formadores
de profissionais educadores.
Atualmente, esses cursos, exceto Geriatria, são abertos a qualquer profissional, que
se interesse em estudar o tema do envelhecimento.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 147
de formador”, nem tampouco um curso específico dirigido a formar docentes para ensinar na formação continuada stricto sensu em
Gerontologia no Brasil.
A conclusão maior da análise dos dados dessa categoria é a de
que, ao se identificar o tipo de formação seguida por esses profissionais,
pode-se avançar que, no Brasil, não existe uma cultura profissional
específica comum necessária para falar de um ofício de formador de
formador, com saberes e competências próprias. Conseqüentemente,
não existe uma profissionalização específica do formador de profissional
educador de adultos maiores no Brasil. Entretanto, no caso do formador
de professores,
[...] surge um processo de profissionalização do ofício de professor e da formação de professores e que este se encontra no
nível de um princípio de profissionalização de formadores de
professores, no sentido da evolução da profissionalidade. (Altet,
Paguay e Perrenoud, 2003, p. 78)
Categoria Área de Atuação
Os dados levantados apontam que a maioria (67,57%) dos formadores de formadores atua fora da área da Gerontologia, da Gerontologia social e da educacional. Constituem aquilo que, na formação de
formação de professores, Altet (2003) chama de formadores disciplinares
centrados na disciplina ensinada. São formadores que asseguram formações relacionadas com a disciplina que ensinam. São professores da
graduação que são recrutados para atuar na formação continuada, por
sua especialização. Os formadores disciplinares primam pela predominância da disciplina, centrados no aperfeiçoamento dos profissionais
educadores em uma disciplina ensinada. Portanto, são especialistas em
suas áreas de conhecimento e não formadores mistos.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
148
Tereza Lins
Categoria Local de Trabalho
No que diz respeito ao local de trabalho desses formadores de formadores, todos estão vinculados a alguma universidade e realizam suas
funções na instituição de ensino ou em algum órgão ligado a essa.
Categoria Produção Científica
Foi possível constatar que, apesar de pequena, existe uma produção científica dos formadores de profissionais educadores dentro da
área da Gerontologia, com a predominância de temas geriátricos. Ainda
alguns deles participam ou coordenam pesquisas nessa área, dado que
se considera de extrema relevância e que pode ter um impacto considerável no futuro.
Categoria Titulação
Todos esses formadores de formador possuem o título de doutor.
Entretanto, apenas 27,03% desses formadores de profissionais educadores têm sua titulação em gerontologia ou geriatria. A maior parte
(72,97%) tem sua titulação fora dessas áreas, apesar disso, 5,41%
abordam temas do envelhecimento.
Considerações finais
Durante a pesquisa, percebeu-se que a Gerontologia acadêmico-profissional, tanto quanto a Gerontologia educacional, tem sua
história acadêmica e profissional muito reduzida; mesmo em muitos
países desenvolvidos, existe ainda uma indefinição sobre quem deve ser,
academicamente falando, responsável pela formação dos profissionais
educadores.
Quando se considera o caso brasileiro, os dados analisados revelam que não existe uma profissionalização específica do formador
de profissional educador no Brasil, pois, como foi visto anteriormente,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 149
não existe uma cultura profissional específica comum, necessária para
falar de um ofício de formador de formador com saberes e competências
próprias. Entretanto, isso não impede que as características educacionais
e profissionais levantadas dos acadêmicos pesquisados sinalizem na
direção de um “perfil-tipo” de formadores especialistas.
Entretanto, em virtude do envelhecimento “acelerado” da população brasileira, na sociedade da aprendizagem, as novas demandas de
necessidades da população idosa são cada vez mais prementes, exigindo
uma maior rapidez na elaboração desse perfil-tipo. Por isso, há que se
pensar em investigar como são formados os profissionais responsáveis
pela formação desses profissionais, até porque se verificou que, decorridos
quatro anos da primeira pesquisa, não surgiram mudanças significativas.
Portanto, chama-se a atenção para as implicações das características
educacionais e profissionais de acadêmicos no desenrolar da formação
de profissionais educadores, para o efetivo cumprimento de exigências
concernentes a saberes específicos, gerontológicos, andragógicos e
tecnológicos, como também atitudes necessárias para a construção de
profissionais reflexivos e capacitados para atuar com competência com
e em favor de adultos maiores.
A sugestão que deixo aqui é que os temas relacionados à formação
de formador de formador, de profissionais educadores, à educação de
adultos maiores e da sociedade em geral sobre o envelhecimento, sejam
investigados dentro das áreas específicas da Gerontologia educacional,
uma vez que ficou evidente que há muito a ser investigado sobre a
Gerontologia educacional e suas áreas de atuação. Creio que a Gerontologia educacional seja a área privilegiada para essas investigações, pois
é rica em detalhes, que são entrelaçados a uma dinâmica maior que a da
própria Gerontologia educacional: a dinâmica da educação para todos,
em todos os seus aspectos e modalidades, ao longo da vida.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
150
Tereza Lins
Referências
ALTET, M. (2003). “Qual(quais) profissionalidade(s) dos formadores
em formação contínua? Por um perfil poliidentitário”. In: ALTET,
M., PERRENOUD, P.; PAQUAY e cols. (orgs.). A profissionalização
dos formadores de formadores. Porto Alegre, Artemed.
ALTET, M., PERRENOUD, P.; PAQUAY e cols. (orgs.) (2003).
A profissionalização dos formadores de formadores. Porto Alegre,
Artemed.
BICUDO, M. A. V. e SILVA JUNIOR, C. A. (orgs.) (1999) Formação do
educador e avaliação educacional. São Paulo, Editora da Unesp.
BRASIL (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF. 20 de dezembro.
Disponível em: http://www.mec.gov.br/legis/defult.shtm Acesso
em: 22 de jan.2002.
DELLORS, J. (coord.) (1996). Informe Unesco. La educación encierra un
tesoro. Santillana, Madrid.
FREIRE, P. (1978). Pedagogia do oprimido. 6 ed. Rio de Janeiro, Paz e
Terra.
HUBERMAN, S. (1994). Cómo aprenden los que enseñan: La formación
de los formadores:nuevos modelos para nuevas Prácticas. Buenos Aires,
Aique.
IBGE (2000). Censo Demográfico. Disponível em: http://www.ibge.gov.
br Acesso em: 22 de jan. 2002.
IMBERNÓN, F. (1994). La formación y el desarrollo profesional del profesorado. Hacia una nueva cultura profesional. Barcelona, Graó.
IRELAND, T. D. (2004) A construção de um processo de formação para
educadores-alfabetizadores: reflexões em torno de uma experiência no
nordeste brasileiro. João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba.
JARVIS, P. (1989). Sociología de la educación continua y de adultos. Barcelona, Editorial Cooperativa El Roure (Colección Apertura).
LINS, T. (2001). Recursos humanos cualificados: Atención de calidad a
las personas mayores. Trabalho Final. Universidade de Barcelona,
Espanha.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
Formador de formador 151
LINS, T. (2004). Formação de profissionais educadores: pistas para um
programa alternativo. Dissertação. Universidade de Salamanca,
Espanha.
MARTÍN G., A.V. (1993). Iniciación a la investigación bibliográfica en
gerontología educativa. Revista de la Familia, n. 7, pp. 89-100.
OLIVEIRA, M. M. (2007). Como fazer pesquisa qualitativa. Rio de
janeiro, Vozes.
ORTEGA, J. (1999). “Educacación-a-lo-largo-de-la-vida”. In: Spirito
e forme di una nuova paidea. Nápolis, La Spresia.
PETERSON, D. A. (1990). “A history of the education of older
learners”. In: SHERRON, R. M. e LUMSDEM, D. B. (eds.)
(1978). Introduction to educational gerontology. Washington, D. C,
Hemisphere Publishiing Corporation.
RIVILLA, A. M. C. D. (1989). La formación del profesorado en una sociedad
tecnológica. Madrid, Cincel.
SHÖN, D. A. (2000). Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre,
Artes Médicas Sul.
SOUZA, J. F. de. (orgs.). (1998) A educação de jovens e adultos no Brasil
e no Mundo. Recife, Bagaço.
THORNTON, J.E. (1982). Educational gerontology in Canada.
Educational Gerontology, n. 18, pp. 415-431.
TORRES, M. R. (2002). A prendizaje a largo de toda la vida: un Nuevo
momento y una nueva oprtunidad para el aprendizaje y la educación básica
de las personas adultas (AEBA) en el Sur. Disponível em http://www.
bellanet.org/adultleraning, Acesso em: 5 fev. 2004.
Data de recebimento: 6/7/2007; Data de aceite: 15/8/2007.
Tereza Lins – Gerontóloga social, doutoranda em Educação de Pessoas Adultas
pela Universidade de Salamanca, Espanha. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 135-151
O impacto da informática na vida do idoso
Rosana Alfinito Kreis
Vicente Paulo Alves
Carmen Jansen Cárdenas
Margô Gomes de Oliveira Karnikowski
RESUMO: nos últimos anos, tem-se experimentado um rápido envelhecimento das populações, colocando os idosos como grupo etário emergente. Junto a
essas transformações, vê-se a proliferação das tecnologias de comunicação e de
informação. Isso tem despertado um grande interesse entre os idosos quanto ao
aprendizado da informática, considerando os benefícios que ela pode oferecer
às suas vidas. A presente revisão aborda a inclusão do idoso na informática e o
impacto que ela traz a sua vida.
Palavras-chave: idosos; tecnologias; informática.
ABSTRACT: Lately, populations have been facing a quick aging process, and the elderly
have been identified as a growing group. In addition to these transformations, it is possible to
observe a proliferation of both information and communication technologies. The elderly have
become increasingly interested in learning how to deal with these new technologies, considering
the benefits they can offer to their lives. The present review approaches the relationship between
the elderly and the computer, and the impact that it can bring to their lives.
Keywords: The elderly; Technologies; Information technology.
Introdução
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
população idosa é definida como aquela com idade igual ou superior
a 60 anos, fazendo distinção quanto ao local de residência de seus
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
154
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
componentes. Essa definição é referente aos países em desenvolvimento,
passando para 65 anos de idade entre as populações idosas oriundas de
países desenvolvidos (IBGE, 2002).
Desde o início da década de 1960, o Brasil tem experimentado
um envelhecimento rápido em sua população, em conseqüência de uma
alteração da estrutura etária, com estreitamento progressivo da base
da pirâmide populacional, especialmente devido à redução das taxas
de fecundidade observadas (Chaimowicz, 1997).
Epidemiologistas estimam que, em 2025, o país ocupe a sexta
posição em número de idosos no mundo e a primeira posição na América
Latina (Silva, 1996). Para Veras (1994), o envelhecimento populacional,
apesar de ser um fenômeno universal, em virtude de sua velocidade
de transição demográfica, tem características distintas no Brasil. Em
1900, a expectativa de vida no país era de 33,7 anos, passando para
63,5 anos em 1980 e com previsões prováveis, para 2025, de 75,3
anos de idade.
No contexto de desigualdade e velocidade em que as transformações ocorrem entre as diferentes regiões e classes sociais do país, os
idosos encontram-se desamparados pelo sistema público de saúde e
previdência, acumulando seqüelas de doenças adquiridas e incapacidades
que levam à redução na autonomia e na qualidade de vida, apontando
para uma complexidade ainda maior quanto às alternativas de atenção
às necessidades desse grupo etário emergente (Chaimowicz, 1997).
A partir disso, evidencia-se cada vez mais a importância desse
grupo de indivíduos na população brasileira, conduzindo a uma maior
responsabilidade de gerontólogos e futuros profissionais da área.
Em adição, observa-se, na sociedade contemporânea, uma valorização da informação, que se difunde de forma rápida e intensa por
meio de diversas tecnologias de comunicação e de informação. Em
virtude dos benefícios que a informática oferece, tem-se testemunhado
um número crescente, tanto em nível mundial quanto em nível nacional, de idosos que se interessam de forma mais acentuada pelo mundo
cibernético (Nunes, 2002).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 155
Kachar (s.d.) acrescenta que a tecnologia amplia o acesso à informação, a qualidade de veiculação e a recepção em diferentes níveis de
mídia. A facilidade e a rapidez que esse recurso proporciona às informações relativiza a questão do tempo e do espaço, bem como interfere
nas relações e nos comportamentos de seus usuários.
Por outro lado, Nanni (s.d.) cita que, por meio do conhecimento
da informática, a atividade profissional pode ser retomada pela pessoa
idosa, quando ela já se encontra aposentada. Complementa que a
computação pode ultrapassar a questão do trabalho, ensejando cultura
e entretenimento por meio de cursos ou bibliotecas virtuais, salas de
debate e bate-papo nos chats.
Em decorrência das diversas alterações oriundas do processo de
envelhecimento, bem como da velocidade das transformações ocorridas
no que tange a informação, o presente estudo de revisão tem como objetivo abordar a relação entre o idoso e o computador e as conseqüências
trazidas por essa relação na vida desse importante público, detentor de
especiais peculiaridades.
O envelhecimento e os aspectos fisiológicos,
cognitivos e emocionais
A senescência e o envelhecimento são termos que definem o
processo pós-maturacional que leva à diminuição da homeostasia e a
uma maior vulnerabilidade do organismo. Muitos pesquisadores têm
classificado o envelhecimento como normal e.g. mudanças fisiológicas
universais relacionadas ao processo de senescência ou usual e.g. doenças
associadas à idade (Troen, 2003).
Dessa maneira, o processo de envelhecimento humano é acompanhado de mudanças nos órgãos e sistemas do organismo, levando, com
isso, a uma diminuição da reserva fisiológica, sendo essas modificações
inevitáveis. As massas celular e extra-celular constituintes da massa
corporal magra diminuem, representando, a partir da terceira até a
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
156
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
oitava década de um indivíduo, uma diminuição média de 24% da
massa celular corporal, o que pode acarretar redução na força muscular
e na necessidade calórica diária (Souza e Iglesias, 2002).
Já a cognição é referida como uma coleção de processos capazes
de transformar, organizar, selecionar, reter e interpretar determinadas
informações (Rybash apud Fialho, 2001).
Para Nunes (1999), o processamento de informações pode ser
um subsídio para a investigação dos aspectos cognitivos afetados com a
idade. Dessa forma, ressalta o declínio da atenção seletiva e da atenção
dividida no indivíduo idoso. A primeira refere-se à habilidade em distinguir informações importantes ou pertinentes. Já a segunda destaca
a capacidade em processar duas ou mais informações em um mesmo
momento ou instante.
Destaca-se, ainda, que a maioria dos idosos enfrenta dificuldades
ante organizações e interpretações da informação ocasionadas por um
declínio na capacidade em reconhecer objetos possivelmente fragmentados ou mesmo incompleta (Rybash, 1995).
Há de se considerar também a memória ao relacionar o processamento da informação e os aspectos cognitivos, em virtude de a mesma
sofrer alterações com o avançar da idade. Atkinson e Shiffrin (1968)
destacam três sistemas de armazenamento, sensorial, memória de curto
termo (MCT) e memória de longo termo (MLT), os quais são comparados
pelos autores com a memória de um computador. Assim, a memória
sensorial apresenta capacidade limitada de armazenamento, em um
breve período de tempo. Já a MCT processa uma maior quantidade de
informações em um período mais longo. Por último, a MLT mostra-se
com uma capacidade superior de armazenamento e, conseqüentemente,
mais eficiente em organizar toda a informação guardada.
De acordo com Raskin (2000), a MCT é limitada e extremamente volátil. Assim, a lembrança de nomes de itens da memória de
curto termo é, em geral, mais eficiente quando tais itens se encontram
em forma de imagens. Em adição, vê-se que, com o envelhecimento,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 157
há uma menor capacidade de retenção de informações na memória
de curto termo, sendo acentuado, inclusive, após os 55 anos de idade
(Fialho, 2001).
Já as alterações emocionais advindas do processo de envelhecimento, de acordo com a Psicologia atual, não resultam do ganhar
idade, o que conduz a um desmascaramento de possíveis paradigmas
ou ideais anteriormente embasados numa velhice estereotipada, calcada
em alterações psicológicas que julgavam estar associadas ao processo
de envelhecimento (Freitas et alii, 2002).
Assim, os sentimentos e as sensações distinguem-se entre si, estando, no entanto, intimamente interligados. Os sentimentos não são,
dessa maneira, fenômenos biológicos ou psicológicos. Para a maioria
dos psicólogos, as emoções são definidas como complexos estados de
excitação de todo o organismo (Braghirolli et alii, 1997).
Apesar de ser retratado como um processo natural, o envelhecimento não ocorre homogeneamente. O idoso, ao ser vislumbrado em
um ser único, deve ser compreendido em totalidade e complexidade, e
não pela representação conjunta dos idosos, resgatando, dessa maneira,
a sua trajetória de vida e os eventos possivelmente influenciadores, de
origem patológica, psicológica, social, fisiológica, econômica e cultural, capazes de afetar diretamente a qualidade de vida desse indivíduo
(Diogo, Ceolim e Cintra, 2000), especialmente na moderna sociedade
na qual está inserido.
Inclusão do idoso no mundo virtual
Para Ayala (1979), as pessoas, atualmente, vivem agrupadas em
uma sociedade, no entanto, não se comunicam entre si, o que acaba
por transportá-las a uma imensa solidão. Para complementar, o próprio
processo de envelhecimento leva a alterações nos hábitos e no cotidiano
dos idosos, os quais se vêem com extrema dificuldade em relacionar-se
com o outro, seja idoso ou não, ou com o próprio ambiente em que
estão inseridos. Tais acontecimentos, comumente, lançam o ser humano,
em especial o idoso, em uma carência afetiva e emocional, podendo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
158
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
acarretar uma diminuição das atividades e, por conseguinte, baixa
auto-estima, desmotivação, autodesvalorização, solidão, isolamento
social, doenças físicas e mentais ou mesmo depressão (Moura, Passos
e Camargos, 2005).
Em razão disso, vê-se a importância da interdependência física
na comunicação humana, mostrando a necessidade do outro na vida
do indivíduo (Berlo, 1997). Ressalta-se também a essencialidade da
comunicação e do entretenimento para a sobrevivência do homem, e
sobretudo para o idoso, pois são motivadores e influenciadores no que
diz respeito à disposição do velho ante atividades a serem exercidas ou
não (Antunes e Sat’Ann, 1996).
Por muito tempo, os idosos não receberam a devida atenção
da sociedade e da família, encontrando-se muitas vezes excluídos.
Entretanto, com o avançar da ciência e da medicina, a terceira idade
passou a ser representada por uma maior qualidade de vida. Hoje, a
pessoa idosa não vive mais, necessariamente, recolhida e recordando
lembranças do passado, mas pode ser ativa, produtiva e participativa
(Kachar, 2001).
Dessa maneira, a Internet vem para potencializar a interatividade,
a disseminação e o acesso às informações. Um dos serviços disponíveis
na Internet, que apresenta maior expressão e utilização, é a Web, que
notoriamente cresce a cada dia. Dentre suas aplicações, poder-se-iam
citar o comércio eletrônico, as transações comerciais e bancárias e os
serviços de informações públicas (Nunes, 2002).
A constituição de espaços de socialibilidade que podem ocorrer
no uso das ferramentas da Internet e da educação a distância já era
apontada por pesquisadores como eficiente para “oportunizar a democratização das informações, bem como a socialização das experiências
humanas e o exercício da cidadania” na reivindicação dos direitos civis
dos idosos (Lopes e Alves, 2006, p.73).
A tecnologia surge, então, como forma de contribuição na redução do isolamento, na estimulação mental e, finalmente, no bem-estar
da pessoa idosa, podendo também facilitar o processo de comunicação
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 159
com parentes ou amigos, aguçando, dessa maneira, as relações interpessoais (Kachar, 2001) ou mesmo promovendo encontros geracionais
na Web.
Esse meio de informação pode conduzir à exclusão social, ou
seja, gerar os excluídos digitais, caracterizados por pessoas que não têm
acessibilidade à Internet, em virtude de questões financeiras, culturais
ou físicas (Nunes, 2002).
Em adição, Nanni (s.d.) observa que a maioria dos idosos evita
a Internet por diferentes razões, como medo, falta de conhecimentos,
escassez de recursos financeiros, inadequação do equipamento e ausência
de conteúdos específicos.
A gerontóloga Cecília Raso exprime que o medo do novo e do
que não é conhecido costuma fazer parte do indivíduo idoso. Do mesmo modo, aborda a importância do incentivo da família à pessoa da
terceira idade. A mesma autora informa que o empecilho ao acesso à
tecnologia pelo idoso pode também estar relacionado à questão social
e econômica que o Brasil enfrenta, pois a maioria dos idosos são aposentados ou pensionistas e, geralmente, recebem até no máximo três
salários mínimos (ibid.).
Com base nos dados quantitativos extraídos da pesquisa nacional
americana sobre idosos e o computador, nos próximos anos será observada uma redução na resistência dos idosos ao uso de computadores,
não havendo quaisquer distinções quanto ao número de computadores
encontrados entre os cidadãos da terceira idade e a população em geral
(Adler, 1996).
Já na pesquisa realizada no Brasil, pelo Comitê Gestor da Internet,
mostrou que as atividades de comunicação são muito apreciadas pelos
idosos internautas: 86% dos idosos que usam a Internet “enviam e recebem e-mails”; 44% enviam mensagens instantâneas; 15% participam
de sites de comunidades de relacionamento; 7% participam de chats
ou listas de discussão; e 17% usam como telefone ou videoconferência
(Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2007).
Para que a Internet esteja disponível e acessível a todos, são
necessários equipamentos especializados aos usuários com necessidades
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
160
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
especiais, representados por algumas alterações, sejam elas fisiológicas
ou cognitivas, ou devido a uma baixa coordenação motora; devendo-se
ressaltar que, dentre os usuários com necessidades especiais, estão incluí­
das as pessoas idosas, as quais podem apresentar diversas dificuldades
no que tange ao uso de computadores (Nunes, 2002).
Em estudo realizado por Sales e Cybis (2003), foi desenvolvido
um checklist capaz de verificar a conformidade de páginas da Web às recomendações ergonômicas específicas para a acessibilidade por usuários
idosos. Com a utilização desse checklist no desenvolvimento de interfaces
Web, observou-se uma maior facilidade no acesso e no uso por idosos ao
interagirem com as mesmas, o que os conduziu a um excelente estado
de autonomia e independência, resultando em motivação e, sobretudo,
direcionando a uma inclusão no mundo virtual.
Kachar (s.d.) complementa que a própria informática tem propiciado uma relação mais amigável, flexível e fácil entre os usuários
leigos e a operacionalização da tecnologia da informação, a qual tem
oferecido um maior número de conhecimentos técnicos básicos.
Em adição, a rede de interconexões entre pessoas, decorrente
das tecnologias da comunicação e informação, possibilita a socialização mediada pela atual sociedade. Logo, a mídia e a publicidade vêm
construindo identidades, culturas e relações pessoais (ibid.).
Além disso, Nanni (s.d.) salienta o lançamento de um site brasileiro, em fevereiro de 2000. Assim, o site Maisde50 é dedicado a
trazer informações e proporcionar lazer aos indivíduos com mais de
50 anos. Dentre os assuntos abordados estão incluídas questões de
saúde, de gastronomia, de mercado de trabalho, de moda, de turismo
e entrevistas.
Além disso, é plausível destacar a divergência entre o jovem e o
velho, em que um é proveniente de uma geração nascida no universo
de ícones, imagens, botões, teclas e, conseqüentemente, apresenta operacionalização e desenvoltura ante esses recursos, e o outro é oriundo
de tempos de relativa estabilidade, convivendo conflituosamente com
as rápidas e complexas mudanças tecnológicas que insistem em crescer
em progressão geométrica (Kachar, s.d.).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 161
Assim, a Internet é uma ferramenta de extrema valia para a
diminuição do fosso existente entre certos segmentos da sociedade e
os cidadãos com necessidades especiais (Nunes, 2002), destacando-se
os idosos.
O idoso e a aprendizagem virtual
A partir da aquisição dos conhecimentos da Internet por pessoas
idosas, observa-se a comunicação, a aprendizagem e a troca de conhecimentos entre diferentes indivíduos e, conseqüentemente, afasta-se o
processo de exclusão social dessa classe de cidadãos. Portanto, é de suma
importância a valorização do idoso ante suas experiências adquiridas
ao longo da vida, em especial pela possibilidade de interação que os
ambientes de educação permanente na Web proporcionam, despertando-o quanto ao seu valioso papel na sociedade em que está inserido,
fato fundamental para a mensuração da melhoria da qualidade de vida
dessas pessoas (Pasqualotti, 2003). Kachar (s.d.) conclui ainda que a
tecnologia da informação é a representação da era da modernidade e
o idoso, ao adentrar nesse meio, vence apenas mais um dos elementos
de exclusão, em termos sociais.
Segundo Maddix (1990), um portal da Internet é uma parte do
sistema que permite o contato entre usuário e os planos físico, perspectivo
e cognitivo. Deve-se acrescentar que, em termos de percepção da realidade, faz-se necessário considerar as estruturas neurológicas necessárias.
Assim, a sensação, a integração e a organização são impressões apreendidas da realidade objetiva e que são importantes na construção do conhecimento do mundo e do próprio indivíduo. Contudo, essa percepção
individual da realidade apresenta também mecanismos subjetivos que
transpassam a objetividade neurofisiológica da sensação. Dessa maneira,
as capacidades sensoriais, as capacidades de descobrir os estímulos e a
distinção dos mesmos, possivelmente, podem ser aperfeiçoadas com a
prática, sendo essencial o processo de mudança nas percepções para a
ocorrência da aprendizagem (Ballone, 2004). Os ambientes são, dessa
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
162
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
forma, estimuladores e, possivelmente, auxiliam no desenvolvimento
do conhecimento, por meio da aprendizagem presencial ou mesmo pela
aprendizagem virtual (Fialho, 2001).
Segundo Franco (2003), Piaget defendia a construção do conhecimento não apenas pelo acesso a informações, mas pelo processo
ativo de interação, referenciando-se em termos do conhecedor e do
conhecido, em um contexto de relações exclusivamente cognitivas.
Observa, ainda, a partir de outros autores, que a motivação vinda do
próprio aluno é o caminho para o sucesso no processo de educação a
distância, pois proporciona a aprendizagem. Deve-se salientar que o
processo educacional não é meramente solitário, porém inclui tanto as
relações cognitivas quanto as relações sociais.
Em outro estudo, observaram-se experiências positivas na aprendizagem e no domínio do computador por idosos, os quais mostraram
atitudes de aproximação e interesse ante esse recurso, como maior
familiarização com a tecnologia, maior conexão com o mundo tecnológico e conseqüente redução na alienação, e menor apreensão e maior
confiança em virtude dos conhecimentos adquiridos no uso dessa
máquina (Baldi, 1997).
Em complementaridade, observou-se que a auto-estima e a tecnologia estão intimamente relacionadas. Com isso, o domínio de uma
nova habilidade pode influenciar no crescimento da auto-estima, da
mesma forma que esta pode conduzir à apropriação de novas tecnologias
pelos idosos (Litto, 1996).
Convém destacar o desinteresse das diversas instituições de
ensino quanto ao atendimento às novas exigências atribuídas à gestão
educacional justa nas diferentes faixas etárias (Both, 2001). De um
modo geral, a população brasileira passa por uma carência em recursos
técnicos e educacionais. Conseqüentemente, encontra-se enfraquecida
ao lidar com um futuro próximo que se transporta na incerteza do local
e global, do espaço físico e virtual e ao enfrentá-lo (Kachar, s.d.).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 163
Em contrapartida, observa-se o iniciar da democratização do
acesso à educação. Desse modo, a partir da educação a distância, a
autonomia e o incentivo no processo ensino-aprendizagem podem ser
propiciados, em especial entre idosos.
Finalmente, vê-se que a sociedade globalizada é caracterizada por
uma maior acessibilidade à informação e pelo uso ativo nas diferentes
vivências, mostrando que o indivíduo idoso tem ampliado seu universo
de oportunidades e conscientização e, com isso, o sedentarismo, a acomodação, a fadiga, a tristeza, a indisposição, o isolamento e a depressão
têm sido deixados de lado, ressignificando sua existência por meio da
aprendizagem, por sua inserção na sociedade como cidadão detentor de
direitos e garantias legais e, inclusive, no próprio processo de envelhecimento e de velhice, garantindo-lhes melhor saúde e bem-estar, assim
como melhor qualidade de vida (Gáspari e Schwartz, 2005).
Considerações finais
O Brasil tem experimentado, nos últimos anos, um envelhecimento crescente de sua população, ocasionada especialmente pela
redução das taxas de fecundidade observadas.
Tem-se percebido também uma valorização da informação, a
qual se expande progressiva e intensamente na sociedade contemporânea, valendo destacar a participação crescente do idoso no mundo
cibernético.
Não obstante, as tecnologias de comunicação e de informação, em
especial a Internet, estão possibilitando a inserção do idoso no mundo
virtual e potencializando a interatividade e o acesso a informações, o qual
vê ampliadas as oportunidades de se incluir novamente na sociedade.
Ao entendermos o idoso em toda a sua complexidade, seja ela
física, cognitiva e emocional, acabamos por compreender melhor a
relação do idoso e a informática, e o impacto que esta última pode
ocasionar.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
164
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
Dessa forma, a pessoa idosa, ao deter conhecimentos de informática, possibilita um novo significado à sua vida, indo além das
facilidades oferecidas, cultura, entretenimento ou atividade profissional
que esse meio proporciona.
O mundo cibernético e a informática possibilitam a interação do
idoso no mundo tecnológico, potencializando o domínio do idoso na
operacionalização do computador, ampliando as relações interpessoais e
intergeracionais e, ao mesmo tempo, reduzindo o isolamento e estimulando a parte psíquica e mental dessa classe emergente e, finalmente,
disponibilizando uma melhoria na qualidade de vida desse indivíduo
pela satisfação e oportunidade que lhe é proporcionada.
Outra experiência de real importância é a transmissão do conhecimento pela aprendizagem virtual, implicando um processo de
transformação na vida do idoso diante da descoberta que aprender é
algo ainda possível. Como observado por Litto (1996), o crescimento
da auto-estima e a apropriação de uma nova habilidade tecnológica
apresentam reciprocidade na vida do ser humano.
Desse modo, o usuário idoso vislumbra alcançar uma nova
consciência, capaz de resgatar a importância do eu perante um ser que
antes se fazia esquecido, seja por si próprio ou pela sociedade que o
rodeia, despontando uma nova maneira de avistar as coisas do mundo
vivido.
Referências
ADLER, R. P. (1996). “Older adults and computers: report of nacional
survey”. SeniorNet. Disponível em: http://www.seniornet.org.
Acessado em 8/6/2007.
ANTUNES, A.V. e SAT’ANN, L. R. (1996). Satisfação e motivação
no trabalho do enfermeiro. Rev. Bras. Enf., v. 49, n. 3,
pp. 425-434.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 165
ATKINSON, R. C. e SHIFFRIN, R. M. (1968). “Human memory:
A proposed system and its control processes”. SPENCE, K. W.
e SPENCE, J. T. (eds). The psychology of learning and motivation:
advances in research and theory. Nova York, Academic Press.
AYALA, E. Z. L. (1979). Como conseguir melhor rendimento no
trabalho de equipe. Rev. Paul. Hosp., v. 26, pp. 219-227.
BALDI, R. A. (1997). Training older adults to use the computer:
Issues related to the workplace, attitudes, and training. Educational
Gerontology, v. 23, n. 5, pp. 453-465.
BALLONE, G. J. (2004). Percepção e realidade. PsiqWeb. Disponível
em: http://www.psiqweb.med.br/Acessado em 21/5/2007.
BERLO, D. K. (1997). O processo da comunicação: introdução à teoria e a
prática. 8 ed. São Paulo, Martins Fontes.
BOTH, A. (2001). Educação gerontológica: posições e proposições. Erechim,
São Cristóvão.
BRAGHIROLLI, E. M.; BISI, G.P.; RIZZON, L. A. e NICOLETTO,
U. (1997). Psicologia geral. 9 ed. Petrópolis, Vozes.
CHAIMOWICZ, F. (1997). A saúde dos idosos brasileiros às vésperas
do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev. Saúde
Pública, v. 31, n. 2, pp. 184-200.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Disponível em:
http://www.cetic.br/usuarios/tic/2006/index.htm. Acessado em
24/5/2007.
DIOGO, M. J. D; CEOLIM, M. F. e CINTRA, F.A. (2000). Implantação
do grupo de atenção à saúde do idoso (Grasi) no hospital de clínicas
da universidade estadual de campinas (sp): relato de experiência.
Rev. Latino-americano de Enfermagem, v. 8, n. 5, pp. 85-90.
FIALHO, F. A. P. (2001). Ciências da cognição. Florianópolis, Insular.
FRANCO, S. R. K. (2003). Algumas reflexões sobre educação à distância.
Revista Textual, v. 1. n. 2, pp. 6-11.
FREITAS, M. C; MARUYAMA, S. A. T; FERREIRA, T. F. e MOTTA,
A. M. A. (2002). Perspectivas das pesquisas em gerontologia e
geriatria: revisão da literatura. Rev. Latino-americano de Enfermagem,
v. 10, n. 2, pp. 221-228.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
166
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
GÁSPARI, J. C. e SCHWARTZ, G. M. (2005). O idoso e a ressignificação
emocional do lazer. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 21, n. 1,
pp. 69-76.
KACHAR, V. (2001). A terceira idade e o computador: interação e produção
num ambiente educacional interdisciplinar. Tese de Doutorado em
Educação. São Paulo, PUC.
(s/d). “A inclusão digital da população idosa”. Telecentros para todas.
Disponível em: http://www.telecentros.org/telecentros/seca
o=102&idioma=br&parametro=10148.html Acessado em
7/6/2007.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
(2002). Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil 2000.
Disponível em: http://ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
censo2000. Acessado em 3/5/2007
LITTO, F. (1996). Repensando a educação em função de mudanças sociais
e tecnológicas recentes. Informática em Psicopedagogia. São Paulo,
Senac.
LOPES, C. e ALVES, V. P. (2006). “As novas possibilidades de educação
nas Universidades Abertas do Brasil (UAB) e da Terceira Idade
(UnATI)”. In: SASTRE, E. A. (Org.). Encruzilhadas da universidade
particular: caminhos e possibilidades. Brasília, Universa.
MADDIX, F. (1990). Human-computer interaction: theory and practice.
England, Ellis Horwood.
MOURA, L. F.; PASSOS, H. R. e CAMARGOS, A.T. (2005). A
importância da comunicação com os idosos institucionalizados:
relato de experiência. 8º. Encontro de extensão da UFMG. Anais...
Belo Horizonte, 3 a 8/10/2005.
NANNI, D. (s/d). Idosos na internet: adeus à info-exclusão. Revista
Eletrônica Idade Ativa. Disponível em: http://www.techway.com.
br/techway/revista_idoso/ Acessado em 05/06/2007
NUNES, R.C. (1999). Metodologia para o ensino de informática para a
terceira idade: aplicação no CEFET/SC. Dissertação de mestrado
em Engenharia de Produção. Florianópolis, Universidade Federal
de Santa Catarina.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
O impacto da informática na vida do idoso 167
NUNES, S. S. (2002). A acessibilidade na Internet no contexto da sociedade
da informação. Dissertação de mestrado em Gestão de Informação.
Porto, Universidade do Porto/Faculdade de Engenharia, FEUP.
PASQUALOTTI, A. (2003). “Desenvolvimento dos aspectos sociais
na velhice: experimentação de ambientes informatizados”. In:
BOTH, A.; BARBOSA, M. H. S. e BENINCÁ, C. R. S. (org.).
Envelhecimento humano: múltiplos olhares. Passo Fundo, Editora da
Universidade de Passo Fundo.
RASKIN, J. (2000). The Humane Interface: new directions
for designing interactive systems. Reading, MA, AddisonWesley/ACM Press.
RYBASH, J. M. (1995). Adult development and aging. Nova York, Brown
& Benchmark Publishers.
SALES, M. B. e CYBIS, W. A. (2003). Checklist para avaliação de
acessibilidade de interfaces web para usuários idosos. II Seminário
ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, de 23 a 24/09/2003.
Anais... São Paulo. Disponível em: http:www.fsp.usp.br/
acessibilidade. Acessado em 8/6/2007.
SILVA, O. V. (1996). Envelhecer no Brasil, uma aventura! A terceira
idade, v.12, n. 9, pp. 44-49.
SOUZA, J. A. G. e IGLESIAS, A. C. R. G. (2002). Trauma no idoso.
Rev. Assoc. Med. Bras., v. 48, n. 1, pp. 79-86.
TROEN, B.R. (2003). The biology of aging. The Mount Sinai Journal
of Medicine, v. 70, n. 1, pp. 3- 22.
VERAS, R. P. (1994). País jovem com cabelos brancos: a saúde do idoso no
Brasil. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
Data de recebimento: 3/8/2007; Data de aceite: 28/8/2007.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
168
R. A. Kreis., V. P. Alves., C. J. Cárdenas e M. G. de O. Karnikowski
Rossana Alfinito Kreis Alves – Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas
pela Universidade Católica de Brasília. Mestranda do Programa de Pós-Graduação
stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília,
DF. Brasil. E-mail: [email protected]
Vicente Paulo Alves Cárdenas – Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, coordenador do curso de Pós-Graduação em
Ensino Religioso, pesquisador do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Gerontologia da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília, DF. Brasil.
E-mail: [email protected]
Carmen Jansen Cárdenas – Doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano
pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília-UnB-DF. Pesquisadora
do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia da Universidade
Católica de Brasília – UCB, Brasília, DF. Brasil. E-mail: ccardena@pós.ucb.br
Margô Gomes de Oliveira Karnikowski – Doutora em Patologia Molecular pela
Universidade de Brasília, UnB-DF, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília,
DF. Brasil. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 153-168
Lazer e tempo livre na “terceira idade”:
potencialidades e limites
no trabalho social com idosos
Solange Maria Teixeira
RESUMO: o objetivo deste artigo é apresentar uma crítica aos “programas
para a terceira idade” que visam a ocupação do “tempo livre” com atividades de lazer e recreação, com base na crítica aos fundamentos teóricos
e ideológicos do lazer e do “tempo livre” que os fundamentam e de onde
emanam as potencialidades no trabalho social com idosos.
Palavras-chave: lazer; terceira idade; tempo livre.
ABSTRACT: The objective of this article is to present a critical analysis of the “programs
for the third age” that seek to occupy the “free time” with leisure and recreation activities.
The starting point is the criticism to the theoretical and ideological foundations of leisure
and “free time” that are both the bases of these programs and the sources of potentialities in
the social work with aged people.
Keywords: Leisure; Third Age; Free Time.
Introdução
Os programas sociais para a “terceira idade”, com objetivos de
integração, re-socialização e valorização social dos idosos através do lazer
e da educação permanente emergem no Brasil através da filantropia
empresarial, tais como os trabalhos do SESC e, posteriormente, das
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
170
Solange Maria Teixeira
Universidades Abertas para a Terceira Idade, das quais a PUC-Campinas
é pioneira, instaurando formas alternativas de convívio, participação e
ocupação dos idosos não institucionalizados.
Dentre aqueles programas, nos quais o lazer aparece como atividade principal e ao mesmo tempo como fundamento teórico, de onde
emanam as potencialidades do trabalho social com idosos, destacam-se
os Grupos de Convivência ou Centros de Convivência. Os primeiros
grupos de convivência organizados pelo SESC datam da década de
1960, formando grupos de aposentados em torno do lazer e da recrea­
ção, através de uma nova ocupação do “tempo livre”, capaz de gerar
uma nova sociabilidade contra a “marginalização” do idoso e em favor
de sua valorização social. Posteriormente, esses grupos, denominados
Centro de Convivência foram aglutinados num mesmo espaço social,
com os seguintes objetivos:
• incentivar a integração social dos idosos melhorando suas condições de vida e promovendo sua socialização, atualização cultural e
a descoberta de novas habilidades, numa perspectiva de inserção
social;
• auxiliar os idosos a preencher seu tempo livre com práticas e relações saudáveis, mas sobretudo a redimensionar sua vida, a ver o
envelhecimento sob um novo prisma, em que a natureza fragilizada
física dos mais velhos pode ser harmonizada com dignidade;
• promover a valorização dos idosos como fonte e repositório da
memória histórica, proporcionando sua reintegração e participação
nos processos sociais. (SESC, 2004, p. 6)
As atividades previstas nesses programas são diversificadas; de
uma forma geral, porém, estão aglutinadas num conjunto de práticas
que envolvem as seguintes dimensões do lazer:
• artístico ou cultural (folclore, teatro, oficinas, música, dança, coral,
modelagem, pintura, artesanato, etc.);
• educativos ou informativos: palestras, seminários, ciclos de debates,
cursos, filmes, vídeos, dentre outros;
• social: comemorações ou calendário festivo;
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 171
• físicas: hidroginástica, ginástica, caminhada, alongamento, atividades esportivas, etc.;
• viagens, excursões, passeios, turismo social. (SESC, 2003)
Além das atividades sociais, esportivas, recreativas, culturais,
educativas, inclui-se envolvimento com a comunidade em trabalhos
voluntários, beneficentes, em campanhas educativas e em outras atividades que visam resgatar a participação e a “utilidade social do idoso, a
auto-estima dela decorrente, amenizando os efeitos do preconceito, do
abandono e do isolamento social” (ibid.) que estigmatizava os idosos.
Embora as primeiras experiências dessem ênfase ao associativismo em torno do lazer, com a criação e o fortalecimento dos grupos de
convivência, com organização própria, as experiências expandiram-se
para a oferta de serviços de entretenimento, lazer, recreação, cursos,
palestras, etc. a serem escolhidos pelo idoso.
Hoje, a instituição atende cerca de cem mil idosos no país, nos
programas: Grupo ou Centro de Convivência de Idosos, Escola Aberta
para a Terceira Idade, Trabalho de Pré-Aposentadoria, Programa SESC
Gerações, Trabalho Voluntário na Terceira Idade, que objetivam a socialização, a autonomia e a melhoria da auto-estima com a reconstrução
da própria imagem do idoso.
Essas experiências expandiram-se para várias instituições privadas (lucrativas e não-lucrativas) e públicas. A título de exemplo,
a Secretaria de Promoção Social do Estado de São Paulo, em 1976,
lançou um projeto para atendimento ao idoso do estado de São Paulo
– Programa Pró-Idoso –, elaborado em conjunto com o Fundo de Assistência Social do Palácio do Governo, durante a gestão de Paulo Salim
Maluf. Conforme os estudos de Haddad (1986), a proposta, além da
assistência ao idoso institucionalizado, também prevê a ação com vistas
a atingir os idosos não asilados e a atingir o objetivo de “proporcionar
ao idoso a participação em atividades educativas, ocupacionais, sociais e
recreativas, aproveitando sua capacidade e prevenindo seu isolamento”
(p. 77) estabelecendo como meta implantar os Grupos de Convivência.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
172
Solange Maria Teixeira
Atualmente, os Centros de Convivência espalham-se por todo
o país, como programa social financiado pelo governo federal e implementado pelos municípios, estados e sociedade civil, com aqueles
mesmos objetivos e atividades.
Considerando que esses programas centram-se em atividades de
lazer, nas suas funções de entretenimento, recreação e desenvolvimento
da personalidade, e em suas potencialidades capazes tanto de gerar atitudes ativas, novos comportamentos e sentimentos que se contrapõem
aos estereótipos e preconceitos, quanto de fundar novas sociabilidades e
experiências de associativismo que proporcionem bem-estar, valorização
social, auto-estima e reconstrução da própria imagem, fundamentado
nas análises teóricas sobre o lazer e suas potencialidades no trabalho
social, assim, a análise crítica desses programas só podia se dirigir a seus
fundamentos teóricos e ideológicos e às categoriais de “tempo livre” e
seu corolário, o lazer, na ordem do capital.
Para discutir as potencialidades e os limites do lazer no trabalho social com idosos, faz-se necessária uma crítica que desmascare a
ideologia do igualitarismo que o perpassa, da falsa idéia de liberdade de
escolha, da sua pretensa autonomia em relação ao mundo do trabalho,
da sociabilidade e associativismo aclassista.
Essa perspectiva inviabiliza qualquer análise do lazer pelo lazer,
como uma esfera separada e autônoma das relações de produção, como
um tempo verdadeiramente livre e de desenvolvimento da personalidade, de realizações de ricas necessidades num sistema sociometabólico
totalitário e abrangente do capital que controla e engloba desde o campo
da produção até o consumo, desde o plano da materialidade ao mundo
das idealidades. O primeiro passo desta análise é estabelecer os fundamentos teóricos, ou seja, a matriz teórica que orienta esses programas
e demarcar suas interpretações do lazer e do tempo livre.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 173
Fundamentos teóricos do lazer e “tempo livre”
dos programas para a terceira idade
O lazer tem sido tratado, na literatura sociológica, segundo as
variáveis tempo e atitude. Em relação a esta última variável, o lazer é
associado a um estilo de comportamento, podendo ser encontrado em
qualquer atividade que traduza no praticante uma grande satisfação, distração, entretenimento, capaz de aliviar as tensões e eliminar o desgaste
físico-mental produzido pelos compromissos cotidianos. Criticada por
apresentar uma definição mais psicológica que sociológica, e em oposição, emergem as interpretações do lazer através da variável “tempo”.
Essa perspectiva considera o lazer segundo as idéias de tempo livre, de
liberação não só do trabalho, mas também das obrigações cotidianas,
sociais, familiares ou políticas. Enfim, um tempo verdadeiramente livre,
em que o lazer representa um campo de livre escolha pessoal, conforme
defende o sociólogo Dumazedier.
A influência das idéias de Dumazedier sobre tempo livre e lazer
são essenciais na fundamentação dos programas para a terceira idade,
tanto na França como no Brasil. Para se ter uma idéia, durante as décadas de 1970 e 1980, o SESC promoveu vários seminários internos,
com a presença do autor, além de enviar seus pesquisadores para cursos
de pós-graduação na Sorbonne, sob sua orientação direta.
Para Dumazedier, o lazer é, para a maioria dos trabalhadores,
o tempo e a ação autodestinadas às mais íntimas formas de enriquecimento ou de satisfação pessoal, abordando-o não apenas na sua
Bacal (1988) trabalha com a variável tempo. Ela denomina “tempo necessário”
o tempo despendido para a execução das tarefas de trabalho; “tempo liberado” o
tempo de que o homem dispõe após o tempo necessário e “tempo livre” como uma
parcela do tempo liberado pressupondo a liberdade de escolha do que fazer ou não
fazer, compreendendo tanto o lazer como o ócio.
Gaelzer (1986) trabalha com a dimensão atitude. “Costuma-se pensar que lazer
e tempo livre são a mesma coisa, mas todo mundo pode ter tempo livre e nem
todos podem ter lazer. [...] o tempo livre é uma idéia de democracia realizável. O
lazer não é por todos realizável por tratar-se de uma atitude e não só de uma idéia.
[...] lazer é a harmonia individual entre a atitude, disponibilidade de si mesmo e o
desenvolvimento integral” (p. 49).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
174
Solange Maria Teixeira
dimensão compensatória ou complementar às atividades profissionais
ou obrigações sociais, mas, eminentemente, como uma necessidade
das sociedades modernas, dos indivíduos, relacionadas ao desenvolvimento de sua personalidade; como espaço gerador de novos valores,
sociabilidades, convivência social e enriquecimento dos fenômenos
culturais; como tempo de livre escolha de atividades que proporciona
felicidade, alegria, divertimento, entretenimento; uma nova moral de
boa vida ou de qualidade de vida. Perspectiva adotada nos programas
desenvolvidos pelo SESC.
A abordagem que os técnicos do SESC adotam é reveladora do
sentido atribuído ao lazer, comum às formulações originais de muitos
programas para a terceira idade, baseada na idéia de tempo livre.
Com referência a essa questão, o sociólogo Joffre Dumazedier
considera e diferencia a existência de três tempos: tempo de trabalho,
tempo liberado e tempo livre, sendo este último aquele que possibilita a
real prática do lazer. [...] O tempo livre seria, exatamente, o tempo que
resta para ser utilizado em razão de quaisquer interesses, menos daqueles
aos quais o indivíduo, por sua função social, tem a obrigatoriedade de
atender. No tempo livre pode se situar o tempo de lazer, desde que as
atividades assumidas estejam orientadas por uma escolha pessoal. Dessa
forma, o verdadeiro lazer é aquele que é produzido segundo interesses
do indivíduo, resultado de repouso, diversão, crescimento do relacionamento social, é realizado no seu tempo livre, descomprometido de
outros compromissos (Salgado, 1982b, p. 61)
Percebe-se, a partir dessa perspectiva teórica, uma supervalorização do “tempo livre” como espaço de liberdade, de livre escolha, de
satisfação de necessidades de auto-realização; uma esfera apartada do
Em suas diretrizes de ação, está clara para o SESC esta opção de compreensão do
lazer: “a Entidade reconhece a importância do lazer para liberar o indivíduo da
fadiga resultante de suas obrigações, notadamente as do trabalho, como também
ajudar o indivíduo a suportar os efeitos da disciplina e das imposições obrigatórias,
buscando ainda o desenvolvimento de sua personalidade, na medida em que o libera
dos condicionamentos que o automatizam” (2004, p. 18).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 175
mundo produtivo, não apenas do trabalho como atividade profissional,
mas também da lógica expansionista do capital, dos condicionamentos
sociais.
Trata-se de uma proposição romântica e utópica do tempo livre no interior de uma sociedade fetichizada, como se fosse possível
vivenciar uma vida absolutamente sem sentido no trabalho e cheia de
sentido fora dele, principalmente no envelhecimento, depois de uma
vida inteira desprovida de sentido, mas compensada num período de
lazer. Trata-se de uma análise que desconsidera a dinâmica social na
qual se manifestam as necessidades sociais e sua relação com o sistema
produtor de mercadorias.
Apostando na liberdade, restrita à livre escolha, Dumazedier
(2004, p. 34) define lazer assim:
Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode se entregar de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se,
recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação
desinteressada, sua participação voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações
profissionais, familiares e sociais.
É exatamente a falta de articulação entre as condições históricas
sociais produtoras de necessidades e suas relações com a produção,
distribuição e consumo na sociedade capitalista, que cria a falsa noção
de liberdade individual nesta sociedade. Todavia, como destaca Heller
(1986, p. 58), no:
[...] universo da manipulação das necessidades, a liberdade
individual é só aparente: a particular elege os objetos de suas
necessidades e plasma essas necessidades individuais não em
conformidade com sua personalidade, mas, sobretudo, em
conformidade com o lugar que ocupa na divisão do trabalho
[...] dado que o fim não é o desenvolvimento múltiplo do
indivíduo, o particular se converte em escravo desse conjunto
de necessidades.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
176
Solange Maria Teixeira
A necessidade de tempo livre e do lazer não é apenas uma conquista dos trabalhadores, como também uma necessidade do sistema
produtor de mercadorias, para o consumo de seus produtos, bens
e serviços (materiais e simbólicos). Como necessidades humanas, a
necessidade do lazer traz a marca das condições sócio-históricas, cuja
possibilidade de satisfação dessa necessidade ou acesso está definida
pelo lugar ocupado na divisão social do trabalho.
As contradições do sistema produzem necessidades cada vez mais
ricas, ao mesmo tempo em que empobrecem, homogeneizam necessidades para a grande maioria dos trabalhadores, principalmente os mais
pobres, ou seja, não satisfaz necessidades elementares da existência,
posto que o fim da produção não é a satisfação de necessidades, mas a
valorização e reprodução do capital.
Sem dúvida, a necessidade de tempo livre constitui, segundo
Marx (apud Heller, 1986), uma necessidade elementar, porque supera,
em todo momento, a alienação. Logo, a luta pelo incremento do tempo
livre (isto é, pela redução do tempo de trabalho) faz parte da ótica de
luta da classe operária. Evidentemente, Marx não nega que também a
luta por tempo livre pode permanecer dentro do marco do capitalismo,
pois são precisamente as leis que regulam a troca de mercadorias que
fazem emergir “direitos iguais”; como ressalva Aquino (2005, p. 2), o
lazer é a ideologia do igualitariamo:
Acessível – enquanto mercadoria consumível – na esfera da
circulação mercantil e tendo como pressuposto o assalariamento,
no lazer todos são iguais – ilusoriamente iguais – enquanto
consumidores, e enquanto tais já não se reconhecem com o
que são em sua vida real. O lazer, assim, é a inversão da vida; a
vida de um mundo investido. Situado na aparência do sistema,
na esfera das trocas iguais, o lazer compõe a “autonomização
da aparência”.
É nesse espaço da distribuição, do consumo, da reprodução social que se busca criar uma nova sociabilidade, uma nova ética capaz
de gerar valorização nos idosos; espaço do lazer como valor, como
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 177
desenvolvimento da personalidade, como realizável na ordem do capital, com capacidade de alterar essas relações no mundo produtivo,
de humanizá-lo.
Todavia, a liberdade é aparente, ilusória, formal, ideológica e
incapaz de alterar as condições de vida, a distribuição de riquezas, o
controle opressivo do capital sobre o tempo de vida do trabalhador,
incluindo seu “tempo livre”, redefinido pelas formas modernas de estranhamento, como espaços de manipulação do consumo, englobando
os bens e os serviços de entretenimento, lazer, recreação, moda, cultura,
que se definem não só como campo de giro rápido do capital, logo, como
espaços de reprodução social deste, mas também como manipulação de
comportamentos, atitudes, sentimentos, visões do mundo compatíveis
com as determinações da produção e reprodução do capital.
Embora a necessidade de tempo livre converta-se, por princípio,
em uma necessidade radical da classe trabalhadora, exatamente porque
o sistema cria condições para sua efetivação, mas, ao mesmo tempo, é
incapaz de reduzir o tempo de trabalho sem ampliar formas extensivas
de exploração, sem gerar desemprego em massa, exclusões do mundo
produtivo de milhares de vidas, ou seja, é incapaz de distribuir a riqueza socialmente produzida e o tempo liberado para todos trabalharem
menos e se ocuparem com ricas necessidades.
O lazer como campo de desenvolvimento humano é ilusório na ordem
do capital. Enquanto não cessar o domínio das coisas sobre os homens e a
produção para fins de valorização do capital, as necessidades não poderão
ser governadas pela “necessidade de desenvolvimento do indivíduo”.
O controle sobre o tempo livre do trabalhador, como extensão do
controle do tempo de vida, remete à idade dos monopólios e aprofunda-se
na nova ordem mundial, expandindo-se para todos os setores da vida.
Essa expansão, na nova fase de mundialização do capital, das modalidades de investimentos e de valorização próprios do capital, atinge
as áreas antes não-mercantis das políticas sociais e segmentos sociais
antes não considerados como consumidores ativos, os idosos, que, por
possuírem renda proveniente de pensões e aposentadorias, passam a ser
alvo do mercado, como consumidores manipulados. Logo, a preocupação
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
178
Solange Maria Teixeira
com seu “tempo livre” não deriva apenas do crescimento numérico dos
idosos ou de questões humanitárias, mas também de difusão dos novos
comportamentos compatíveis com essas alterações.
Como forma de extensão do controle do capital sobre o tempo
de vida do trabalhador, estendem-se as propostas socializadoras e
integradoras, a partir da ocupação do “tempo livre” dos idosos, que
buscam adestrar os corpos envelhecidos, ativados pelos exercícios físicos, mantidos através da boa alimentação, incentivados por variadas
formas de entretenimento e atividades recreativas, submetidos às
receitas gerontológica que, como destaca Haddad (1986), camuflam
a tragédia do fim da vida que abate os trabalhadores envelhecidos e a
maioria dos idosos.
Se não é a satisfação de necessidades ricas, de auto-satisfação, que
visa o sistema capitalista, a não ser utopicamente numa esfera apartada
da produção, como é tratado pelos apologistas do “tempo de lazer”, essa
pseudovalorização do idoso, sem alteração nas relações de produção que
geram expropriação, só pode estar relacionada ao avanço do consumo e da
mercantilização de áreas e setores ainda não mercantilizados, rompendo
com todos os obstáculos, dentre eles os direitos sociais e comportamentos
tradicionais do grupo etário, principalmente daqueles idosos que possuem
renda, saúde, disposição de viver novas experiências. Isso se explica porque
a produção não gera apenas o objeto da necessidade, mas o sujeito das
necessidades, articulada dialeticamente ao consumo.
Obviamente que se o lazer não pode ser igualado ao consumo,
como destacam as críticas de Dumazedier (1999) às análises marxistas
do lazer, com certeza, sua análise não pode prescindir das relações com
o consumo e com as relações de produção. Conforme Marcuse (1987),
Marx (1978, p. 109) trabalha essas relações dialéticas entre produção e consumo.
Assim define: “sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há
produção [...]. O consumo cria o impulso da produção; cria também o objeto que
atua na produção como determinante da finalidade. Se é claro que a produção oferece
o objeto do consumo em sua forma exterior, não é menos claro que o consumo põe
idealmente o objeto da produção, como imagem interior, como necessidade, como
impulso e como fim. Sem necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz
a necessidade”.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 179
o lazer na sociedade capitalista é uma alienação, uma ilusão de livre
satisfação das necessidades do indivíduo, porquanto essas necessidades são criadas, manipuladas pelas forças econômicas da produção e
do consumo de massa, conforme os interesses do capital. Os bens e
serviços do lazer estão, pois, submetidos às mesmas leis do mercado
que outros bens e serviços. Assim, a noção utópica e romântica de
realização pessoal, de espaço de desenvolvimento da personalidade fica
comprometida, bem como a da livre escolha, a de atividades sem fins
lucrativos e desinteressadas.
O lazer não está livre da mácula expansionista e manipuladora do
capital, do mundo produtivo. Aí estão situadas as iniciativas do patronato,
como o SESC, e o lazer promovido pelas empresas a funcionários e comunidade, como estratégias de controle sobre um tempo que o trabalhador
não deve explicações, mas que guiados por essas políticas, visam adestrar,
disciplinar, domesticar e direcionar a ocupação do tempo livre, seja para
recomposição das forças, seja para criação dos laços de pertencimento à
empresa, seja para gerar novos valores, visões de mundo, sentimentos
e atitudes solidárias, participação voluntária, cooperação entre capital e
trabalho, em nome do desenvolvimento pessoal, da qualidade de vida.
Exatamente em função dessa relação entre lazer e consumo, respectivamente na França e na Inglaterra (cf. Lenoir, 1979 e Featherstone,
1998), emergem, nas últimas décadas, imagens atuais da velhice como
tempo de lazer, de realizações de sonhos de juventude, de criatividade
ou de uma suposta equação nova e positiva, que enfatiza capacidade,
saúde e atividades como legítimas para a velhice, que têm como base
uma crescente influência das pensões privadas destinadas às classes
médias e altas e os serviços que são oferecidos para atraí-los.
Nesses programas, não há uma valorização da pessoa idosa por
sua experiência de vida, pelo saber acumulado, pela contribuição com
a riqueza social produzida, mas há um reforço à indução comportamental, de atitudes ativas, aquelas em que os idosos usam a máscara
da juventude de espírito e negam a velhice.
É em nome desses novos valores, de uma nova sociabilidade
movida pelas necessidades de entretenimento, recreação, divertimento e
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
180
Solange Maria Teixeira
desenvolvimento da personalidade, capaz de criar alternativas de estilo
de vida, que se enfatizam as funções do lazer, base de onde emergem
os objetivos buscados nesses programas.
Para Dumazedier (2004), são quatro as funções básicas do lazer.
Sua primeira função é a liberação e o prazer. Nesse sentido, “o lazer é
reparador das deteriorações físicas e nervosas provocadas pelas tensões
resultantes das obrigações cotidianas e, particularmente, do trabalho”
(p. 34). A segunda função compreende divertimento, recreação e entretenimento. Trata-se de um fator de equilíbrio em meio à disciplina
e às coerções necessárias à vida social, um meio de evasão do cotidiano.
A terceira função dá um novo aspecto ao lazer, constituindo desenvolvimento da personalidade, que permite uma participação social maior
e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, da sensibilidade e da razão, além da formação prática e técnica, oferecendo
novas possibilidades de integração voluntária à vida de agrupamentos
recreativos, culturais e sociais (ibid.).
Todavia, essa função de desenvolvimento pode, ainda, segundo esse
autor, criar novas formas de aprendizagem voluntária e contribuir para o
surgimento de condutas inovadoras e criadoras. São nessas dimensões que
se colocam os programas para a “terceira idade”, apostando no indivíduo e
na sua capacidade, através do lazer e de novas formas de ocupação do tempo
livre, de apreender a “arte de saber envelhecer” ou como não envelhecer, de
adaptar-se a uma sociedade em mudança, gerando condutas e um estilo de
vida ativo, saudável e produtivo capaz de se contrapor a uma experiência
socialmente produzida pelas relações sociais capitalistas.
A respeito dessa ênfase no indivíduo, Lima (1999) destaca que,
embora haja, nos discursos teóricos dos técnicos do SESC, uma rejeição das abordagens que tomam o lazer como uma atitude, como
as propostas norte-americanas, sob o argumento da psicologização
exagerada, a dimensão subjetiva é retomada no plano da expressão da
personalidade individual.
Esse é um dos efeitos peculiares dos programas de ressocialização
e reinserção: promoverem uma individualização do problema social,
remetendo-o para o âmbito privado, da ação individual, através da
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 181
co-responsabilização dos indivíduos pelos problemas que enfrentam.
Em outras palavras, o alvo e a solução da problemática estão no próprio
indivíduo.
A manipulação do “tempo livre” mediante indução comportamental, planejamento externo da vida e das atividades consideradas
legítimas para a idade, entre elas o lazer, culpabiliza os idosos que não
têm motivação e dinheiro para adotar esse novo estilo de vida ativo,
participativo e produtivo, assim como os auto-responsabiliza pelo
controle dos efeitos do envelhecimento e por seu bem-estar físico e
emocional.
Assim, além da crítica ao formato do programa e aos seus objetivos de socialização e integração social, tendo em vista o caráter
reformador do homem, buscado em suas ações prioritárias, mantendo
sem problematização as estruturas geradoras de desigualdades e dos
preconceitos contra os idosos, essa crítica também se estende aos fundamentos teóricos dos programas, a sociologia do lazer e suas funções
e potencialidades para o trabalho social.
A principal delas é o limite da sua função de desenvolvimento
da personalidade, enquanto perdurar o domínio das coisas sobre os homens, a manipulação do trabalho e expropriação do tempo de vida do
trabalhador pelo capital, pois, como destaca Aquino (2005), o lazer na
sociedade capitalista é passatempo ou, na versão popular, mata-tempo,
que reforça suas funções de compensação e evasão da vida, enviando
a dimensão da liberdade para o “tempo livre”, que se restringe a uma
liberdade de escolha, ela mesma limitada pelos condicionamentos da
expansão do capital, pelos bens e serviços oferecidos, enquanto passatempo.
Outra dimensão dessa crítica refere-se à transformação do lazer
em espaços de expansão e reprodução do capital através do consumo,
da indústria cultural, do entretenimento, da moda, dentre outros.
Como destaca Padilha (2000), a racionalidade econômica, mediante as
inovações tecnológicas, pode gerar quantidades crescentes de tempo
disponível, que necessitaram das lutas operárias para se estender aos
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
182
Solange Maria Teixeira
trabalhadores. A razão econômica, porém, controla o sentido e o conteúdo desse tempo através da manipulação do consumo de mercadorias,
bens e serviços, sob a ótica do capital.
Trata-se, como descreve Lukács (1979), de formas de estranhamento, que não mais se restringem à produção e que se realizam,
também, fora do mundo produtivo, na esfera do consumo material e
simbólico, no espaço reprodutivo fora do trabalho, através da manipulação do consumo, dos gostos, da cultura, etc.
Embora os apologistas do lazer como tempo livre o coloquem
numa esfera separada da esfera produtiva, restrita ao trabalho profissional
e não às determinações do modo de produção e reprodução sob a lógica
do capital, e de outras obrigações, como espaço de desenvolvimento da
personalidade, da liberdade de escolha, e como necessidade humana,
desconsiderando seu processo histórico e a divisão social do trabalho,
que divide as necessidades e as possibilidades de satisfazê-las, esse tempo
também está maculado pela lógica do capital, logo, “a desfetichização da
sociedade do consumo tem como corolário imprescindível a desfetichização
no modo de produção das coisas” (Antunes, 2002, p.176).
Dessa maneira, tempo de trabalho e tempo livre estão articulados. O domínio efetivo e autônomo da esfera do trabalho e da produção
também encontra seu corolário na esfera livre e autônoma da vida fora do
trabalho, condição para que o tempo livre se torne efetivo e real, espaço
de realizações de ricas necessidades, dentre elas, de desenvolvimento
pessoal, de atividades de auto-realização, não mais conduzido pelas regras
impositivas do mercado. Como destaca Antunes (ibid.), a libertação do
trabalho humano do fim externo, alienado, estranhado, é o fundamento
ontológico para a condição de “ser livre e universal” do homem, para a
efetivação de um tempo verdadeiramente livre para todos.
Portanto, as novas sociabilidades capazes de gerar novas relações
sociais não se dão na esfera da reprodução, mas da produção. Uma vida
cheia de sentido no tempo livre, na velhice, pressupõe uma trajetória de
vida dotada de dignidade e sentido. Apostar na capacidade do indivíduo,
através de atividades desinteressadas, do convívio grupal, da participação
voluntária para reverter problemas estruturais – uma desvalorização
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 183
social que atinge toda a classe trabalhadora convertida em objeto, em
força produtiva material, e que reproduz vidas sem sentidos, sem valor
– é uma individualização exacerbada da vida social, uma psicologização
que torna a velhice um dado controlável, um estado de espírito, que
pode ser retardada, negada, refeita conforme a vontade, o estilo de
vida de cada um, do seu compromisso com a qualidade de vida, de se
envolver em atividades saudáveis, em se sentir útil e valorizado, em
recriar papéis e sentido de vida, logo, uma responsabilidade individual,
constantemente acionada pelos programas.
Esses programas são também espaços de controle da consciência
social, forjando uma consciência aclassista, supraclassista, através do
incentivo a novas formas de associativismo, e de agrupamentos em torno
do lazer. As organizações recreativas e educativas são consideradas as
formas mais originais de sociabilidade desenvolvidas pelo lazer, como
destaca Dumazedier:
Essas associações de lazer (esportivas, turísticas, musicais e
intelectuais) [...] não se formam devido à divisão das classes
sociais, mas apesar delas; não se relacionam com o futuro,
mas com o presente; tendem a desviar uma parte do potencial
social do campo da produção e também das tensões suscitadas
pelas relações sociais, orientando-as na direção de um universo,
semi-real, semi-imaginário, onde o homem poderá subtrair-se
de suas relações com a humanidade e docemente entregar-se a
si próprio. (2004, p. 49)
Um individualismo exacerbado é a lógica desse tempo livre, uma
evasão da vida, uma rejeição do cotidiano é a lógica desse associativismo, incapaz de libertar a vida das amarras da alienação. Essa nova
sociabilidade implica uma nova consciência individualista e hedonista
e a infantilização dos sujeitos sociais. A ação pelo “tempo livre”, por
sua ocupação com atividades e relações saudáveis, dissocia-se da luta
contra a lógica do capital e a vigência do trabalho abstrato.
Todavia, os programas para a “terceira idade” buscam, através do
lazer, as atitudes ativas, capazes de proporcionar um envelhecimento
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
184
Solange Maria Teixeira
ativo, participativo, autônomo. Assim, as atividades de lazer desses
programas não apenas enfatizam sua dimensão compensatória do trabalho, de evasão do cotidiano, mas também podem gerar espaços de
aprendizagem e de reflexão.
Como destaca Dumazedier (ibid.), a atitude ativa implica, ao
menos periodicamente, uma participação consciente e voluntária na
vida social e cultural, opondo-se ao isolamento e ao recolhimento social, à “anomia”, que são tomados como a problemática que atinge a
velhice, genericamente, para a qual o lazer e a educação permanente são
apontados como o modo mais eficiente e barato de enfrentamento. Essa
atitude, para esse autor, opõe-se à submissão às práticas rotineiras, às
imagens estereotipadas e às idéias preconcebidas de determinado meio
social. Portanto, são dessas potencialidades do lazer que derivam, pelo
menos na aparência, as iniciativas de reconstrução de imagem dos idosos,
da luta contra os preconceitos, de ressignificar a velhice. É com ela que
se visa contrapor a desvalorização social dos trabalhadores idosos.
O tempo de lazer define-se também como um tempo de aprendizagem, mesmo que desinteressada, sem obrigatoriedade e mecanismos
formais de aferição.
O tempo de lazer, enquanto um tempo de fruição, torna-se também um tempo de aprendizagem, aquisição e integração, diversos
sentimentos, conhecimentos, modelos e valores da cultura, no
conjunto das atividades nas quais o indivíduo está enquadrado. O
lazer poderá vir a ser uma ruptura, num duplo sentido: a cessação
de atividades impostas pelas obrigações profissionais, familiares e
sociais, e, ao mesmo tempo, o reexame das rotinas, estereótipos e
idéias já prontas que concorrem para a repetição e especialização
das obrigações cotidianas. (Ibid., p. 265)
Investindo nessas potencialidades do lazer, os programas definem-se com objetivos para além da valorização e do convívio para
idosos, como também de “promoverem uma revisão profunda do papel
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 185
social e da imagem do idoso, ajudando a criar condições de libertá-lo
do preconceito e da marginalização” (SESC, 2003, p.26), como se esses
preconceitos independessem das condições materiais de produção.
É a partir dessa potencialidade de aprendizagem, aquisição e
integração, através das atividades de lazer, que se ampliaram as atividades dos Centros de Convivência:
Os primeiros grupos de convivência de idosos do SESC-SP caracterizaram-se fundamentalmente pelas atividades sociais, esportivas
e recreativas, com uma programação que oferecia aos idosos uma
série de oportunidades descontraídas para a socialização: jogos de
salão, gincanas, animações musicais dançantes, bailes, passeios,
trazendo como benefício a sensação de bem-estar físico e emocional, decorrentes dessas atividades; depois se incluíram atividades
de aprendizagem, de informação, visando atualizá-lo e capacitálo para uma melhor integração social à sociedade, incluindo-se
atividades como cursos e seminários sobre temas relacionados
ao envelhecimento, palestras de orientação e atualização sobre
previdência social, assuntos jurídicos, saúde, dentre outros. Sessão
de cinema e teatro, oficinas de criação e atividades de expressão
artísticas como formação de corais ou conjuntos musicais e a
realização de exposições de arte. (Ibid., p. 46)
Essas atividades, aparentemente de livre escolha, mas cujo acesso
depende da capacidade de pagamento pela participação nas atividades,
são partes de um planejamento externo de ocupação do “tempo livre”
pelo patronato, pela iniciativa privada que induz comportamentos e
atitudes compatíveis não apenas com a dimensão de consumidores
ativos, mas também com as formas de enfrentamento do crescimento
do número de idosos que conta com sua participação, da família, da
comunidade e das organizações não-governamentais, induzindo-os a
buscar seu bem-estar nos serviços oferecidos por essas organizações
sociais e pelo mercado.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
186
Solange Maria Teixeira
Considerações finais
Os programas sociais para idosos, fundamentados no lazer (sociocultural, artístico, intelectual, físico, dentre outras dimensões) ou
de educação permanente, de iniciativa pública ou privada, constituem
espaços contraditórios, que, sob a intenção explícita de gerarem espaços
de sociabilidade, convívio, participação e ocupação do tempo livre dos
idosos, difundem mecanismos de controle sobre o tempo de vida do
trabalhador e de outros grupos, estendendo-o para além do tempo de
trabalho, para incluir o tempo da aposentadoria, do envelhecimento;
redefinindo como tempo de lazer, de prazer, o seu tempo livre, um tempo
de consumo de bens e serviços (materiais e simbólicos) para os quais
necessitaram de uma revolução cultural que a cultura “pós-moderna”
se encarregou de efetivar, capaz de difundir novos comportamentos,
atitudes, sentimentos, formas de pensar e viver essa etapa da vida e
de criar uma nova consciência social aclassista, fundada em valores de
solidariedade, cooperação, em associativismos de base individualista e
hedonista do lazer e da qualidade de vida.
Esses programas, ao serem difundidos pela iniciativa privada, são
mais que estratégias românticas e utópicas de um capitalismo humanizado, de uma educação libertadora, de um lazer que visa o desenvolvimento da personalidade; são estratégias que engendram associativismos
e consciência social aclassistas, de solidariedade entre capital e trabalho,
de trabalhos voluntários, comunitários, que legitimam “novas” formas
de trato das refrações da questão social, no campo da ajuda, e não do
Estado e dos direitos, mantendo, num âmbito inquestionável, o fundamento das desigualdades sociais, a sociedade do trabalho abstrato,
aviltante, alienado e assalariado.
Em que pesem as potencialidades do lazer no trabalho social
com idosos, de gerar auto-estima, socialização, formas de convivência,
aprendizagem voluntária, destaca-se também o seu revés, ou seja,
pensá-lo como uma atividade autônoma, livre dos condicionamentos
sociais, um mundo apartado da vida cotidiana, das relações de produção,
como se a alienação e o estranhamento ficassem lá fora, no mundo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Lazer e tempo livre na “terceira idade” 187
produtivo e não no mundo reprodutivo, do consumo. Como conseqüência, gera-se associativismos aclassistas e incapazes de promover
uma crítica à vida cotidiana e práticas transformadoras para além das
mudanças individuais.
Além disso, de uma forma geral, o lazer é o “tempo livre” da
sociedade do trabalho abstrato e está maculado pela lógica do capital,
como toda a vida humana e as necessidades sociais.
Assim, a submissão da vida ao planejamento externo permanece
no “tempo livre” do trabalhador, no seu envelhecimento, agora sujeito
a disciplinamento e controle, induzido a adotar estilos e hábitos de
vida ditos saudáveis, comportamentos ativos, que transformam os
problemas que enfrentam em negligência pessoal, em falta de motivação. E mediante difusão de uma cultura autopreservacionista do
corpo, da saúde, dos riscos, através de atividades físicas, recreativas e
de entretenimento, esses programas auto-responsabilizam esses idosos
pela solução dos mesmos.
Referências
AQUINO, E. (2005). Para a crítica do lazer. Disponível em: http://www.
inventati.org/contraacorrente/revista11/materia09.htm. Acesso
em 5/7/2005.
ANTUNES, R. (2002). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e
negação do trabalho. 5 ed. São Paulo, Boitempo.
BACAL, S. (1988). Lazer: teoria e pesquisa. São Paulo, Loyola.
DUMAZEDIER, J. (1999). Sociologia empírica do lazer. São Paulo,
Perspectiva/SESC (Col. Debates, n. 164).
(2004). Lazer e cultura popular. São Paulo, Perspectiva/SESC (Col.
Debates, n. 82).
FEATHERSTONE, M. (1998). “O curso da vida: corpo, cultura e
imagens do processo de envelhecimento”. In: DEBERT, G. G.
(org.). Antropologia e velhice. 2 ed. IFCH/Unicamp.
GAELZER, L. (1986). “O compromisso social da educação para o tempo
livre”. In: Reflexão, lazer e trabalho. Campinas, PUC-Campinas.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
188
Solange Maria Teixeira
HADDAD, E. G de M. (1986). A ideologia da velhice. São Paulo, Cortez.
HELLER, A. (1986). A teoria de las necesidades em Marx. Barcelona,
Edições Penisulares.
LENOIR, R. (1998). “O objeto sociológico e problema social”. In:
MERLLIÉ, D. et alii. Iniciação à prática sociológica. Petrópolis, RJ,
Vozes.
LENOIR, R. (1979). L’invention du troisième age: constitution du
champs des agents de gestion de la vieilesse. Actes de la recherché
em sciences socials, n. 26, pp. 57-82.
LIMA, M. A. (1999). A gestão da experiência de envelhecer em programas
para a terceira idade: UNATI/UERJ. Dissertação de mestrado em
Antropologia. Campinas, SP, Unicamp.
LUKÁCS, G. (1979). Ontologia do ser social: os princípios ontológicos
fundamentais de Marx. São Paulo, Editora C.H.
MARCUSE, H. (1987). A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro,
Zahar.
MARX, K. (1978). O Capital: crítica da economia política. São Paulo,
Abril Cultural.
PADILHA, V. (2000). Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito. Campinas,
SP, Alínea.
SALGADO, M. A. (1982a). Velhice: uma nova questão social. São Paulo,
SESC (Série Terceira Idade, n. 1).
(1982b). O significado da velhice no Brasil: uma imagem da
realidade latino-americana. Cadernos da Terceira Idade, n. 7,
pp. 7-13.
SESC (2003). O século da terceira idade. São Paulo, SESC.
(2004). Trabalho social com idosos no SESC Sergipe: 20 anos fazendo
história. Sergipe, SESC.
Data de recebimento: 20/5/2007; Data de aceite: 30/8/2007.
Solange Maria Teixeira – Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal
do Maranhão. Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do
Piauí. E-mail: [email protected].
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 169-188
Implicações psicossociais do envelhecimento:
o caso da cirurgia de revascularização
do miocárdio em mulheres idosas
Patrícia Fonseca Caetano da Silva
Célia Pereira Caldas
RESUMO: o presente trabalho tem como objeto a realização da cirurgia de revascularização do miocárdio em mulheres idosas. O objetivo é compreender seus
significados e impactos na vida dessas mulheres e de suas respectivas famílias,
com base em uma revisão da literatura científica. Almejou-se contribuir para o
conhecimento, visando a promoção de condições para o tratamento de idosas que
necessitam realizar a complexa cirurgia de revascularização do miocárdio.
Palavras-chave: mulher idosa; cirurgia cardíaca; família.
ABSTRACT: The object of the present article is the performance of myocardial
revascularization surgery on aged women. The aim is to understand its meanings and
impacts on the life of these women and their families, based on a scientific literature
review. Our objective was to contribute to the gathering of knowledge, in order to promote
conditions for the treatment of aged women who need to undergo the complex myocardial
revascularization surgery.
Keywords: aged woman; cardiac surgery; family.
Introdução
Fundamentado em conteúdo teórico-conceitual na área da gerontologia e da psicologia aplicada à cardiologia, objetivando contribuir
para o campo das práticas e políticas públicas, o presente trabalho tem
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
190
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
como objeto o processo de realização da cirurgia de revascularização do
miocárdio em mulheres idosas, a partir da doença arterial coronariana
(DAC). O objetivo é compreender os significados e impactos dessa
cirurgia na vida das mulheres idosas e de suas respectivas famílias com
base em uma revisão da literatura científica. O foco principal é o suporte social existente durante toda essa vivência. Dessa forma, visa-se
a promoção de condições para o tratamento de idosas, contemplando a
relação destas com suas famílias, por meio de um relato de experiência
fundamentado, sobre o objeto de estudo.
O envelhecimento populacional pode ser visto como um fenômeno social mundial. O que significa dizer que, proporcionalmente,
há um crescimento maior da faixa etária idosa em relação às demais
(Camarano, 2006). No Brasil, tal fato pode ser observado desde o início
da década de 1960, com o aumento do número de pessoas com mais de
60 anos no total da população (Chaimowicz, 1997). Em 2000, 8,6%
da população era constituída por idosos. Projetando-se para 2020, é
provável que exista um contingente de aproximadamente 30,9 milhões
dessa faixa etária (Beltrão, Camarano e Kanso, 2004).
Outra característica que pode ser observada dentro desse quadro
é o avanço no número de idosos com mais de 80 anos. Em particular,
a prevalência do número de idosas nessa faixa etária, o que vem se
caracterizando como a “feminização da velhice”. Segundo o Censo Demográfico de 2000, 60,1 % da população idosa com mais de 80 anos
era composta por mulheres. Alguns dos principais motivadores desse
fato são os resultados satisfatórios das políticas sociais e econômicas, e
do desenvolvimento de tecnologias médicas que resultaram em uma
melhoria das condições de vida em geral, especificamente de saúde
(Camarano, 2003).
Apesar disso, por mais que existam políticas públicas relevantes,
elas ainda não são suficientes, pois o país ainda encontra-se às voltas com
os desafios do controle da mortalidade infantil e de doenças transmissíveis, não sendo capaz de aplicar estratégias para a efetiva prevenção
e tratamento das doenças crônico-degenerativas, suas complicações e
limitações (Camarano, 2006). Em um contexto de importantes desirevista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 191
gualdades culturais e sociais, idosos não encontram amparo adequado
no sistema público de saúde e previdência, acumulam seqüelas de
doenças crônico-degenerativas coexistentes, desenvolvem incapacidades, perdem autonomia e qualidade de vida (Chaimowicz, 1997).
Quando o pressuposto é o de que a população idosa dependeria das
suas capacidades básicas, daquelas adquiridas ao longo da vida, das
políticas sociais e das demais redes de apoio formais e/ou informais,
como a família; isso sem excluir suas trajetórias de vida diferenciadas
(Camarano, 2003).
Nota-se que, com o crescimento da expectativa de vida da população brasileira, é cada vez maior o número de indivíduos a atingir os
70 anos de idade que necessitam de algum tipo de intervenção cardíaca
complexa; a prevalência é de que aproximadamente 76% da população idosa com idade superior a 70 anos sofra de doença coronariana
obstrutiva severa (Loures et alii, 2000).
A escolha do tema deu-se em função da vivência profissional
numa unidade hospitalar cardiointensiva situada no Rio de Janeiro,
durante dois anos. Ela possibilitou compreender meandros de sua
dinâmica, assim como problematizar algumas questões relevantes no
âmbito da saúde coletiva, como o fato de a doença arterial coronariana
(DAC) ser a principal causa de óbito nos países desenvolvidos e umas
das principais no Brasil (Iglézias et alii, 2001). Percebeu-se não apenas
a complexidade envolvida no cuidar integral das pessoas com doenças
do coração, mas também que a maior parte dos pacientes internados era
idosa (na sua maioria com mais de 70 anos) e necessitava de intervenção
cirúrgica. Outro fator constatado foi a presença de um número cada vez
mais elevado de mulheres idosas nessas unidades de internação, que,
até a década de 1990, eram ocupadas majoritariamente por homens
idosos e de meia-idade. Diante de tal fato, poder-se-ia dizer que está
ocorrendo uma “feminização”, não apenas da velhice, como também
dos distúrbios cardiovasculares.
O processo de envelhecimento traz mudanças significativas no
âmbito da saúde. Paralelamente ao aumento dos anos de vida, depara-se
com um maior percentual de doenças crônicas não transmissíveis, dentre
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
192
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
as quais pelo menos uma doença ou condição crônica é referida por 69%
dos idosos brasileiros, com proporção maior entre as mulheres (75%)
do que entre homens (62%), conforme destaca Lima-Costa ( 2003).
Sendo assim, a natureza dos problemas médico-sociais dos idosos
tem características específicas, que acentuam a importância de trabalhá-los
cuidadosa e sistematicamente (Kalache, 1987). Como por exemplo, o fato
de as doenças que acometem os idosos serem, em sua maioria, doenças
crônico-degenerativas que necessitam de tratamentos e cuidados diários
e prolongados. Não podendo esquecer do fato de a maioria desses idosos
viver sob condições sociais, econômicas e culturais desfavoráveis.
Dentro desse tema surge uma questão relevante para as políticas públicas, que é o fato de o mundo dos muito idosos ser composto,
predominantemente, de mulheres (Cartensen e Pasupathi, 1993). Dos
14,5 milhões de idosos contabilizados pelo censo demográfico em 2000,
55% eram mulheres. Estas crescem em prevalência, à medida que a
idade aumenta. Esse fato é ilustrado pela mortalidade diferencial por
gênero, ou seja, morrem mais homens do que mulheres e eles morrem
mais jovens (Camarano, 2006).
Quando se analisa a proporção entre os sexos, observa-se o predomínio de mulheres após os 80 anos (190 mulheres para 100 homens).
Entre os octogenários, a razão de feminização é de 181/100; entre
os nonagenários é de 287/100; e entre os centenários é ainda maior,
386/100 (Lorga et alii, 2002).
De tal modo, o indicador de mulheres idosas viúvas e em situação socioeconômica desvantajosa é elevado, pois eram sustentadas pelo
marido e agora sobra apenas a pensão por morte (Camarano, 2006).
Diante disso, observa-se a fragilidade e a solidão que algumas
dessas mulheres experienciam. Importante destacar que o processo de
envelhecimento engloba muito mais do que as transformações físicas do
corpo. Os aspectos biológicos, fisiológicos, emocionais, cognitivos, sociais
e culturais também contribuem para a configuração de uma velhice bemsucedida, normal ou patológica. Desse modo, pensar as implicações psicossociológicas das doenças crônico-degenerativas na velhice de mulheres
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 193
idosas requer destacar a multidimensionalidade e multidirecionalidade
desses construtos, como também analisar a heterogeneidade desse grupo
etário através das suas diferenciadas histórias de vida.
A realização do estudo, situando o tema sobre mulheres idosas
justifica-se assim, pelo fato de pouco se discutirem hoje, no Brasil, as
implicações sociais da disseminação da noção de que a maior longevidade das mulheres idosas significa mais risco do que vantagem, uma
vez que ela é física e socialmente mais frágil do que os homens (Salgado,
2002). Tal disseminação contribui para a construção ou acentuação de
estereótipos segundo os quais as mulheres idosas são doentes, incapazes,
pouco educadas e economicamente dependentes, configurando-se como
um risco social de proporções crescentes (Neri, 2001a).
Metodologia
O conjunto de estudos analisados foi identificado através de
pesquisa bibliográfica, cujas principais fontes foram as bases de dados
Scielo, Medline e Lilacs. Foram identificados e selecionados trabalhos
publicados no período de 1997 a 2006, a partir dos seguintes descritores: envelhecimento; mulher idosa; idoso(s); gênero; cirurgia cardíaca;
cirurgia de revascularização do miocárdio; transição demográfica;
família e suporte social.
Também foram revisados os seguintes periódicos de envelhecimento, psicologia e cardiologia, disponíveis em bibliotecas especializadas
(UnATI/UERJ e UFRJ): Arquivos Brasileiros de Cardiologia; Brazilian
Journal of Cardiovascular Surgery; Cadernos de Saúde Pública; Estudos
Avançados; Psicologia em Estudo; Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular; Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia; Revista da Sociedade de
Cardiologia do Rio Grande do Sul, além de sites e livros sobre os referidos
assuntos. A pesquisa foi realizada nos idiomas inglês e espanhol.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
194
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
O idoso e a doença arterial coronariana
As estatísticas demonstram que a maior causa de mortalidade
no idoso são as doenças do aparelho circulatório, em particular, a
doença arterial coronariana, responsável por mais de 70% dos óbitos
nessa faixa etária (Zaslavsky e Gus, 2002). Entretanto, o aumento
na expectativa de vida da população, relacionado às melhorias das
condições básicas de saúde, bem como a um grande avanço da medicina mundial nos últimos quinze anos, fez com que, cada vez mais, a
cardiologia se deparasse com pacientes acima de 70 anos, sem que a
idade fosse considerada um impeditivo para a indicação de qualquer
tipo de tratamento. Um exemplo disso é a cirurgia de revascularização
do miocárdio, que até alguns anos atrás não era indicada para essa
parcela da população devido à tolerância do paciente acima de 70 anos
às complicações ser inferior à observada em pacientes mais jovens e
por existir uma alta morbi-mortalidade; além de esse paciente, em
geral, apresentar maior complexidade clínica pelo número de doenças
crônicas associadas (Gus et alii, 2005).
Mas é importante destacar que a decisão de submeter o paciente
idoso à intervenção cirúrgica depende da relação risco-benefício basea­
da em fatores dentre os quais estão a classe funcional, a estabilidade
emocional e a qualidade geral de vida. Além do mais, freqüentemente,
há discrepância entre a idade e o estado geral do paciente, devendo-se
utilizar como critério para a escolha do tratamento o estado clínico do
indivíduo em vez de sua idade cronológica, evitando retardar o momento
da operação, pois sua realização deve ser anterior ao aparecimento de
disfunção miocárdica severa (Loures et alii, 2000).
Diante desses fatores, a aceitação da cirurgia torna-se muito
difícil, pois pensam que o sofrimento que irão sentir não irá compensar. E tal escolha deve ser respeitada. Não obstante, nos casos em que
a família é presente e a pessoa idosa ainda tem vínculos, a aceitação
torna-se fácil, pois afirmam já ter vivido muito e não ter mais nada
a perder, pois, caso aconteça “o pior” (discurso de muitas pacientes),
estarão preparadas (Cardoso, 2004).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 195
A cirurgia de revascularização do miocárdio
A complexidade dessa cirurgia não pode ser comparada a nenhuma outra cirurgia cardíaca e, para muitos pacientes, não pode ser
comparada a nenhuma outra intervenção cirúrgica já vivida: “É uma
cirurgia, com o perdão da palavra, cavalar” (depoimento de uma paciente, dois dias após a cirurgia). Esse discurso é comum entre as pacientes,
porém não só pelo ato cirúrgico em si, mas pela correção do processo
patológico. O mais interessante é que a cirurgia é apenas o começo do
processo de reconstrução da qualidade de vida de cada indivíduo.
Mulheres e a cirurgia de revascularização do miocárdio
É importante ressaltar a particular preocupação da mulher em
relação às alterações estéticas decorrentes das incisões cirúrgicas. O coração, como símbolo de amor, ódio e vida, quando maculado, causa uma
ferida narcísica profunda na personalidade feminina. A convivência com
uma marca física que declara, literalmente, que se foi invadido naquilo
que se tem de mais íntimo, causa profunda angústia (Cardoso, 2004).
As mulheres apresentam uma preocupação compreensível com a
imagem corporal, não existindo a mesma reação nos homens. Segundo
Oliveira e Luz (2004), há na mulher uma inibição em mostrar o corpo
marcado e um problema em aceitar o corte no peito, nas pernas e às
vezes nos braços. A preocupação em relação ao cônjuge é normal, e
enorme o desejo de saber se ele a aceitará “retalhada” e com a marca
no meio do peito, indicando a condição de mártir e simbolizando que
passou por grande dor e sofrimento, tendo resistido. Enquanto que os
homens expõem suas cicatrizes como um “ato de coragem e heroísmo,
quase como as marcas dos antigos guerreiros” (Ongaro, 1994).
Também são observadas diferenças individuais na reação ante
tal situação, na medida em que, para cada uma, aquela perda tem um
significado peculiar de maior ou menor valoração. Mas, em todas, a
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
196
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
doença cardíaca acompanhada de marcas causa alterações na configuração que a mulher portadora dessa doença tem de si, trazendo
implicações no âmbito social (ibid.).
Suporte social e envelhecimento
A capacidade de interagir socialmente é fundamental para o idoso,
a fim de que ele possa conquistar e manter as redes de apoio e garantir
maior qualidade de vida. A satisfação de vida é influenciada pelo modo
como as pessoas se sentem sobre seus relacionamentos interpessoais e o
apoio social desempenha um papel importante nesse processo. A aquisição do apoio social, por sua vez, depende de competências sociais ou de
habilidades sociocognitivas (Carneiro e Falcone, 2004). Ou seja, a história
anterior de integração social é importante determinante da quantidade e da
qualidade dos relacionamentos sociais mantidos por idosos, é importante
avaliar os vínculos estabelecidos por eles ao longo da vida. Entretanto,
faz-se necessário definir o que são as redes de suporte social.
As redes de suporte social são conjuntos hierarquizados de pes­
soas que mantêm entre si laços típicos das relações de dar e receber. Elas
existem ao longo de todo o ciclo vital, atendendo à motivação básica do
ser humano à vida gregária. No entanto, sua estrutura e suas funções
sofrem alterações, dependendo das necessidades das pessoas (Neri, 2001b).
Entre as principais funções das redes de relações e suporte social para
os idosos estão: dar e receber apoio emocional, ajuda material, serviços
e informações; permitir às pessoas crerem que são cuidadas, amadas e
valorizadas; ajudá-las a encontrar sentido nas experiências de desenvolvimento, principalmente quando elas são não-normativas e estressantes
(como por exemplo, a cirurgia de revascularização do miocárdio).
Neri (2001a) aponta que as redes de apoio social são muito mais
importantes na velhice, principalmente se e quando os idosos têm que
se adaptar às perdas físicas e sociais. Tais redes promovem efeitos potencialmente benéficos à saúde e ao bem-estar dos indivíduos.
Desse modo, verifica-se que em todo o mundo a família é a
fonte primária de suporte social do idoso. Dados internacionais, que
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 197
se repetem no Brasil, mostram que cerca de 90% dos idosos vivem em
família. Mesmo quando os filhos vivem geograficamente longe, em
geral, preservam-se os laços afetivos com os idosos (ibid.).
A literatura sobre apoio social e rede de relações sociais na velhice
propõe que a manutenção de relações sociais com o cônjuge, com os
familiares e, principalmente, com amigos da mesma geração, favorece
o bem-estar psicológico e social dos idosos; os relacionamentos entre
amigos idosos são particularmente benéficos porque são de livre escolha
e, assim, mais funcionais ao atendimento das necessidades afetivas dos
envolvidos, para as relações sociais e a saúde física e mental (Carneiro
e Falcone, 2004).
Dentro das famílias, as mulheres são as principais provedoras de
cuidados, são elas que respondem às demandas socioculturais e psicológicas em nossa cultura. Ou seja, elas foram “treinadas” a estabelecerem
sólidos vínculos sociais. Sendo assim, as relações sociais entre as elas são
qualitativamente superiores às dos homens, porque têm mais habilidades
interpessoais, são mais calorosas e capazes de estabelecer relações de
intimidade. As mulheres de quaisquer idades têm maior número de
pessoas na sua rede de relações sociais e seus relacionamentos são mais
diretos do que os dos homens (Neri, 2001b). Todas essas características
aliadas formam uma espécie de proteção aos malefícios produzidos pelos
tradicionais fatores de risco coronarianos.
Entretanto, elas são mais afetadas pelo distresse causado por membros da rede de relações e pelo senso de compromisso do que os homens.
Talvez por isso, no final da vida, desejem morar sozinhas e estejam também
sozinhas no momento de realizar um procedimento cirúrgico.
Família como suporte social
A família representa, para grande parte das pessoas, uma base
de suma importância, tanto no que tange a estruturação de seus vínculos afetivos quanto os referenciais de suporte e segurança (Santos e
Sebastiani, 1996).
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
198
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
A pessoa hospitalizada vive uma série de experiências emocionais
importantes, como, por exemplo, a ansiedade, o medo, as fantasias mórbidas e experimenta sentimentos difíceis, como a sensação de desamparo
e fragilidade, podendo, muitas vezes, desenvolver comportamentos
regressivos. Como também sentimentos de culpa por estar causando
transtornos e preocupação à família; dificuldades econômicas advindas
da internação; além de estar refletindo sobre sua relação familiar já
estabelecida (ibid.).
Essa gama de manifestações psicológicas que aflige o paciente
reporta-o a condições emocionais primitivas e a necessidade de sentir-se
amparado e protegido, sobretudo por aquelas figuras que, historicamente, já ocuparam esse papel e que passam a ser solicitadas por este
de diversas formas (ibid.).
A família passa a ter um papel por vezes decisivo no auxílio à
adaptação da paciente a esse episódio crítico de sua vida. A visita rotineira é essencial como medida de ser querida ou não, assim como a
necessidade e valorização do parecer da família sobre a situação vivida.
A hospitalização afasta o idoso do convívio familiar, por isso a presença
de um (ou mais) membro da família no hospital é muito importante
para ambos os lados. Perceber a participação da família é fundamental
para o restabelecimento e a reabilitação do paciente, pois confere a este
maior segurança e tranqüilidade (Pena e Diogo, 2005).
A relação da paciente com a família surge no contexto da hospitalização como um apoio essencialmente importante, configura-se como
elemento de força e positividade que a auxilia a enfrentar o momento
de tensão (Lamosa, Bonato e Perez, 1983).
Esse acompanhamento familiar contribui, inclusive, com o trabalho da equipe de saúde, pois a família é uma importante fonte de
informações sobre a paciente, seus hábitos e gostos. Incluir uma das
pessoas significativas para a paciente no tratamento e na recuperação
é importante, pois influencia a adaptação emocional, a aceitação da
medicação, a modificação do estilo de vida e a reabilitação integral.
No entanto, almejar que essa família tenha uma estrutura perfeita
e capaz de elaborar os problemas que a situação de doença e internação
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 199
impuseram ao seu membro é desconsiderar a existência de um processo
paralelo de desajuste que se instalou também no núcleo familiar (Santos
e Sebastiani, 1996).
A família é um sistema de relações fechado e interdependente;
quando uma família se vê privada de um de seus componentes, privação
essa imposta pelos limites que a doença provocou, ela se desequilibra,
pois perde (temporária ou definitivamente) um dos seus pontos de referencia e sustentação. Essa crise que se instala passa a provocar grande
mobilização no sistema familiar, e este, assim como a paciente, tentará
buscar formas adaptativas para se reorganizar ante a crise e resgatar seu
status quo anterior. Portanto, a integridade e a identidade do sistema
tal qual foi instituído encontram-se ameaçadas, e essa sensação, que
pode ser tanto objetiva quanto subjetiva, mobiliza os integrantes dessa
família de forma a gerar comportamentos os mais diversos em relação à
pessoa que adoeceu, à equipe de saúde, ao tratamento e a eles próprios.
O sistema mobiliza-se na intenção de resgatar seu estado anterior;
paralisa-se ante o impacto da crise ou identifica benefícios com a crise
e mobiliza-se para mantê-la (ibid.).
O apoio psicológico à família ocorre quando, entre paciente e
família, existem dificuldades de interação que abalam e interferem no
desenrolar da dinâmica familiar, além de inibir a aproximação entre
seus membros e as manifestações e trocas de carinho e afeto. Os conflitos já existentes, agravados pela situação hospitalar, podem provocar
desagregação e rompimento de laços familiares. O fundamental nessa
hora é que o acompanhamento psicológico favoreça a união e a estabilidade da organização familiar, para que o retorno à casa e conseqüente
reabilitação cardíaca aconteçam da maneira devida.
Entretanto, em pacientes idosos, percebemos não somente o
impacto da doença e da cirurgia, mas a frustração vivida pela percepção
do declínio funcional do seu organismo. A crise do envelhecimento
assemelha-se à crise do adoecimento, em ambas há a necessidade de
elaborar perdas, de adaptar-se a mudanças e de reafirmar o sentido de
identidade. Nesse período, as referências que existiam, os amigos, os
lugares comuns, o modo de viver vão progressivamente desaparecendo
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
200
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
e o idoso passa a ver-se sozinho, sem o seu ambiente. Diante desses
fatores, a aceitação da cirurgia torna-se muito difícil, pois pensam que
o sofrimento que irão sentir não compensa. Contudo, em casos nos
quais existam vínculos familiares, e o suporte destes, a aceitação da
intervenção é facilitada, já que o idoso tem um sentimento de plenitude
e aceitação, em relação ao processo vivido.
Conclusão
Até 2025, segundo a OMS, o Brasil será o sexto país do mundo
em número de idosos. Ainda é grande a desinformação sobre a saúde do
idoso, as particularidades e os desafios do envelhecimento populacional
para a saúde pública em nosso contexto social. Entre 1980 e 2000, a
população com 60 anos ou mais cresceu 7,3 milhões, totalizando mais
de 14,5 milhões em 2000. O aumento da expectativa média de vida
também aumentou acentuadamente no país. Esse aumento no número
de anos de vida é um ganho, mas também um grande desafio. Pois,
devido a esse aumento, as demandas sociais e econômicas no país e no
mundo também crescem. Tal situação carece ser acompanhada pela
melhoria ou manutenção da saúde e da qualidade de vida (Organização
Mundial de Saúde, 2005).
Entretanto, o que ainda pode ser verificado na atualidade é que
os programas destinados aos idosos se estruturam com base na idéia
de perda (perda de papéis sociais, perda de capacidades intelectuais
e perda de capacidade funcional), como se esse fosse um movimento
natural, e, nesse sentido, não afetaria a subjetividade dos idosos. Por
essa razão, pode-se observar a marginalização que uma definição tão
negativa da velhice impõe a eles. Visto isso, impõem-se estudos sobre
o envelhecimento que focalizem a articulação entre os parâmetros
externos (ligados ao contexto sociocultural) e os parâmetros internos
(ligados à vivência pessoal), bem como sua contribuição para construir
uma relação individual com a velhice.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 201
Estudar biopsicossocialmente o envelhecimento da população e,
em particular, as causas, conseqüências e ambivalências da “feminização da velhice”, vem reafirmar a importância de compreender como o
idoso, vivendo em determinado contexto, percebe sua saúde/doença, o
que ele define como problema e quais estratégias usa para resolvê-lo.
Reafirma-se também a importância de contextualizar suas reações ante
limitações físicas, perdas afetivas ou mudanças sociais e econômicas
que caracterizam o avançar da idade. Finalmente, expressa-se a necessidade de identificar os recursos disponíveis para que os idosos possam
enfrentar essas dificuldades.
Trata-se, portanto, de uma ferramenta para a Saúde Pública contemporânea. Almejou-se, com este estudo, contribuir para o
aperfeiçoamento das práticas e políticas públicas, visando a promoção
de condições para o tratamento de idosas que necessitam realizar a
complexa cirurgia de revascularização do miocárdio, contemplando a
relação destas com suas famílias.
Vale a pena ressaltar que existe a necessidade de novos trabalhos
e pesquisas a serem construídos. A Gerontologia e a Psicologia aplicada à cardiologia são áreas novas. Elas ainda têm muito a contribuir
na compreensão das causas da doença coronariana, na percepção de
como cada paciente reage a essa doença, principalmente as idosas que
agora têm uma sobrevida maior, no aumento da qualidade de vida
das pacientes que sofrem física e psicologicamente e no acompanhamento dos familiares que estão também afetados por essa complexa
doença.
Referências
BELTRÃO, K.; CAMARANO, A. e KANSO, S. (2004). Dinâmica
populacional brasileira na virada do século XX. Rio de Janeiro,
Ipea.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
202
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
BRASIL – Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde,
Funasa, Centro Nacional de Epidemiologia e Cenepi. Sistema
de Informações sobre Mortalidade SIM. Anuário Estatístico de
Saúde do Brasil. 2001. Disponível em: http://portal.saude.gov.
br/portal/aplicacoes/anuario2001/mortal/Imortalg03.cfm, Acesso
em: 23 de agosto de 2005.
CAMARANO, A. (2003). Mulher idosa: suporte familiar ou agente de
mudança? Estudos Avançados, v. 17, n. 49, pp. 35-63.
(2006). Mecanismos de proteção social para a população idosa
brasileira. Rio de Janeiro, Ipea.
CAMARANO, A.; KANSO, S. e MELLO, J. (2004). “Como vive o
idoso brasileiro?” In: Os novos idosos brasileiros: muito além dos
60? Rio de Janeiro, Ipea.
CARDOSO, S. (2004). “Repercussões da cirurgia cardíaca na imagem
corporal feminina”. In: Mulher e coração: aspectos psicológicos
ligados à cardiopatia. 1 ed. São Paulo, Papirus.
CARNEIRO, R. e FALCONE, E. (2004). Um estudo das capacidades
e deficiências em habilidades sociais na terceira idade. Psicologia
em Estudo, v.9, n. 1, pp. 119-126.
CARTENSEN, L. e PASUPATHI, M. (1993). Women of a certain age.
American women in the nineties: todays critical issues. Boston,
Northeastern, University Press.
CHAIMOWICZ, F. (1997). A saúde dos idosos brasileiros às vésperas
do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Revista de
Saúde Pública, v. 31, n. 2, pp. 184-200.
GUS, I.; MILANI, R.; BROFMAN, P.; VARELA, A.; SOUZA, J.;
GUIMARÃES,M.;PANTAROLLI,R.;BARBOSA,A.;BARBOSA,
L.; SANDRI, T.; EMED, L.; CECCON, F. e MAIA, F. (2005).
Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea em
pacientes acima de 75 anos. Análise dos resultados imediatos.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 84 (jan.), n.1, pp. 34-37.
IGLÉZIAS, J.; OLIVEIRA, J.; DALLAN, L.; LOURENÇÃO, A. e
STOLF, N. (2001). Preditores de mortalidade hospitalar no paciente
idoso portador de doença arterial coronária. Revista Brasileira de
Cirurgia Cardiovascular, v. 16, n. 2, pp. 94-104.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Implicações psicossociais do envelhecimento 203
KALACHE, A. (1987). Envelhecimento populacional no Brasil: uma
realidade nova. Cadernos de Saúde Pública, v. 3, n. 3, pp. 217220.
LAMOSA, B.; BONATO, V. e PEREZ, G. (1983). Atendimento pré e
pós-cirúrgico a grupos de pacientes cardiopatas. Revista Brasileira
de Cardiologia, v. 2 (dez.), n. 6, pp. 311-315.
LIMA-COSTA, M. (2003). “Epidemiologia do envelhecimento no
Brasil”. In: ROUQUAYROL, M. e ALMEIDA FILHO, N.
Epidemiologia e saúde. Rio de Janeiro, Medsi.
LORGA, A. et alii (2002). I diretrizes do grupo de estudos em
cardiogeriatria da sociedade brasileira de cardiologia. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, v. 79 (suplemento I), p. 46. LOURES, D.; CARVALHO, R.; MULINARI, L.; SILVA, A.;
SCHMIDLIN, C.; BROMMELSTRÖET, M.; VOITOWICZ,
V.; DANTAS, M.; CHOMA, R.; SHIBATA, S.; FELICIO, M.;
BONATTO, D. e ANTUNES FILHO, N. (2000). Cirurgia
cardíaca no idoso. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular,
v. 15, n. 1, pp. 1-5.
NERI, A. (2001a). “Envelhecimento e qualidade de vida na mulher”.
In: GERP. São Paulo, Universidade Estadual de Campinas.
(2001b). Palavras-chave em Gerontologia. Campinas, SP,
Alínea.
OLIVEIRA, M. e LUZ, P. (2004). “Aspectos emocionais da mulher
com doença arterial coronária”. In: Mulher e coração: aspectos
psicológicos ligados à cardiopatia. 1 ed. São Paulo, Papirus.
ONGARO, S. (1994). “O doente coronariano e seus dinamismos
psíquicos”. In: A prática da psicologia nos hospitais. 1 ed. São
Paulo, Pioneira.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (2005). Envelhecimento
ativo: uma política de saúde. Tradução de Suzana Gontijo. Brasília,
Organização Pan-Americana da Saúde.
PENA, S. e DIOGO, M. (2005). Fatores que favorecem a participação
do acompanhante no cuidado do idoso hospitalizado. Revista
Latino-Am. Enfermagem, v. 13 (set.-out.), n. 5, pp. 663-669.
SALGADO, C. (2002). Mulher idosa: a feminização da velhice. Estudos
Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, v. 4, pp. 7-19.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
204
Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas
SANTOS, C. e SEBASTIANI, R. (1996). “Acompanhamento psicológico
à pessoa portadora de doença crônica”. In: E a psicologia entrou
no hospital. 1 ed. São Paulo, Pioneira Thomson Learning.
ZASLAVSKY, C. e GUS, I. (2002). Doença cardíaca e comorbidades.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 79, pp. 635-639.
Data de recebimento: 20/6/2007; Data de aceite: 6/8/2007.
Patrícia Fonseca Caetano da Silva – Psicóloga, em treinamento profissional no NAI,
ambulatório da UnATI, Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
Célia Pereira Caldas – Enfermeira, vice-diretora da Universidade Aberta da
Terceira Idade (UnATI), Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 189-204
Perfil clínico-demográfico dos pacientes
inseridos em um programa de assistência
domiciliária no município de São Paulo
Carina Corrêa Bastos
Naira Dutra Lemos
Andréia Nóbrega Mello
RESUMO: o objetivo do estudo é identificar as características clínicas e demográficas de pacientes inseridos no Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso
(PADI) no período de março de 2003 a março de 2004. Foi realizado um estudo
transversal descritivo, no qual se analisou o perfil clínico-demográfico de idosos
através de questionário baseado no material de avaliação multiprofissional inicial
do programa.
Palavras-chave: idoso; assistência domiciliária; perfil clínico-demográfico.
ABSTRACT: The objective of this paper is to identify clinical and demographic characteristics
of patients assisted by Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso – PADI (Homecare
Program for the Aged) from March 2003 to March 2004. The demographic clinical profile of
the elderly was analysed through a cross-section and descriptive study in which a questionnaire
based on the primary multi-professional evaluation of the program was used.
Keywords: aged person; homecare; demographic clinical profile.
Introdução
O envelhecimento populacional já pode ser considerado uma realidade mundial (Lemos, 2003). De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), são considerados idosos, nos países em desenvolvimento,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
206
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos. No Brasil, a lei
nº 8.842/94, em seu artigo 2, inciso I, adota essa mesma faixa etária
como início do processo de envelhecimento (Brasil, 1994).
Nos países desenvolvidos, o processo de envelhecimento deu-se
lentamente, acompanhando uma situação de evolução econômica, de
crescimento do nível de bem- estar e redução das desigualdades sociais
(Moreira, 1998). Nos países em desenvolvimento, esse processo de envelhecimento ganhou maior importância com o crescimento acelerado
da população idosa em relação à população em geral, fato que pôde
ser atribuído às melhores condições sanitárias, à profilaxia de doenças,
ao surgimento de novas drogas e ao planejamento familiar (Moragas,
1997).
No final da década de 1960, houve um rápido declínio da fecundidade no Brasil. A taxa de fecundidade total passou de 5,8 filhos,
em 1970, para aproximadamente 2,3 filhos, por mulher, em 2000
(Carvalho e Garcia, 2003). O nível de fecundidade, em 2000, está
bem próximo daquele de reposição, ou seja, que produz crescimento
nulo da população a longo prazo. O nível de fecundidade de parte da
população já está abaixo do nível de reposição, sendo que o nível médio
do país deverá continuar a cair, havendo claras indicações de rápido
declínio no Nordeste e em grupos mais pobres da população. Assim,
a população brasileira entra em um sustentado processo de desestabilização de sua estrutura etária, com estreitamento continuado da
base da pirâmide e, conseqüentemente, envelhecimento da população
(Camarano, 1999; Wong, 2001). O Brasil está passando por um processo de envelhecimento populacional rápido e intenso. De 6,3% da
população total, em 1980, as pessoas com 60 anos ou mais passarão a
representar 14% em 2025 – em números absolutos, uma das maiores
populações de idosos do mundo (Ramos et alii, 1993). Acredita-se que,
em 2025, o Brasil deverá ocupar o sexto lugar no ranking mundial da
população idosa. O último censo populacional (IBGE, 2000) revelou o
número de 14.536.029 idosos, correspondendo a 8,56% da população
total do país, e a cidade de São Paulo apresentou o número de 972.199
idosos, ou seja, 9,32% da população da cidade, a qual perfazia o total
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 207
de 10.434.252 habitantes. Uma conseqüência importante dessa transição demográfica é o envelhecimento da população economicamente
ativa (PEA). Estudos sobre as perspectivas de crescimento de tal faixa
da população no Brasil indicaram que o segmento que mais cresceu
no período entre 1980 e 1990 foi o que abrangeu cidadãos entre 25 e
49 anos. Entre 2000 e 2020 será o segmento correspondente a pessoas
acima de 50 anos, confirmando a tendência de envelhecimento da PEA
(Barreto e Giatti, 2003)
O envelhecimento da população brasileira afeta diretamente a
economia e o sistema de saúde (Berquó,1999). Dessa maneira, o aumento da população idosa vem constituindo mais um problema social
a ser enfrentado, já que, no Brasil, não se dispõe de recursos suficientes,
na área social ou de saúde, o que já favorecia outros países quando se
depararam com a questão do envelhecimento populacional (Silvestre,
2002). O processo de envelhecimento é acompanhado por mudanças da
morbi-mortalidade, com aumento da incidência e prevalência de doenças crônicas, as quais ocasionam o acréscimo de pessoas incapacitadas e
dependentes de cuidados de longa duração (processo de “transição epidemiológica”) (Albuquerque, 2002). A grande maioria dos idosos (85%)
apresenta, pelo menos, uma doença crônica, enquanto que os outros
15%, pelo menos cinco. Essas pessoas recorrem a hospitais, ocupando
leitos com internações prolongadas e reinternações, consumindo grande
parte dos recursos da área da saúde. Dessa maneira, os programas de
atendimento domiciliar aparecem como uma das alternativas para o
enfrentamento da crise no setor da saúde (ibid.).
Assistência domiciliária é o serviço em que as ações de saúde
são desenvolvidas no domicílio do paciente por uma equipe
interprofissional, a partir do diagnóstico da realidade em que
o mesmo está inserido, assim como de seus potenciais e limitações. Visa a promoção, manutenção e/ou restauração da saúde
e o desenvolvimento e adaptação de suas funções de maneira a
favorecer o restabelecimento de sua independência e a preservação de sua autonomia. (Carletti e Rejani,1996)
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
208
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
A assistência domiciliária é uma forma de desospitalizar os
pacientes, seja abreviando seu período de internação, seja reduzindo o
número de readmissões (Jacob Filho, 2000). Atualmente, mais e mais
pessoas têm recebido alta hospitalar para receberem cuidados e reabilitação em seu domicílio. Essas pessoas são geralmente idosas, algumas
vezes bastante frágeis e apresentando alguma deficiência funcional. A
idéia por trás dessa abordagem tem sido fazer o idoso sentir-se melhor
em um ambiente natural. Alguns relatam: “Assim que eu chegar em
casa, vou ficar bem” (Tamm, 1999).
A assistência domiciliária foi utilizada como estratégia para
atingir os indivíduos residentes na região Centro-Sul na época em
que o Brasil se desenvolvia, tendo sido propiciada, então, a criação
do Serviço Especial de Saúde Pública, em 1942. Assim, os programas
de atendimento domiciliário brasileiros estiveram desde o início ligados à área de saúde pública, com o objetivo de promoção de saúde e
prevenção de doenças. O Hospital do Servidor Público Estadual de
São Paulo implantou o Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) na
década de 1970. Já nos anos 90, a emergência política de questões
ligadas à responsabilidade do poder público junto às pessoas dependentes acelerou a discussão sobre a necessidade de implementação de
programas de assistência domiciliária. Então, em 1994, o Ministério da
Saúde propôs a criação do programa Saúde da Família, baseado na expe­
riência de Cuba, que usou comunitários para desenvolver essa prática.
Surge, então, em 1996, a iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde
(Santos, SP) de implantar um programa de atendimento domiciliário,
o Programa de Internação Domiciliar, PID. Posteriormente, programas
semelhantes foram implantados em outros municípios, como Londrina
(PR) e Quixadá (CE). Foram criados também o Programa de Assistência
Domiciliar do Hospital do Servidor Público de São Paulo e o Núcleo
de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (NADI) do Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo (Duarte e Diogo, 2000).
Outro programa de assistência domiciliária implantado em SP,
em 1999, foi o Programa de Assistência Domiciliaria ao Idoso (PADI),
criado no complexo Unifesp (Universidade Federal de São Paulo/Escola
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 209
Paulista de Medicina), mais precisamente na Disciplina de Geriatria.
O PADI tem como metas prestar assistência a idosos no domicílio,
através de equipe multidisciplinar, visando a recuperação e/ou manutenção clínica, bem como a capacitação de cuidadores e familiares para
a prestação de assistência de boa qualidade ao idoso, sob a supervisão
da equipe técnica do programa. Esse programa estabelece alguns
critérios para inclusão de pacientes: possuir um cuidador, residir em
um raio de até 8 km do Hospital São Paulo, necessitar de cuidados
que possam ser prestados com segurança em domicílio, concordar em
participar do programa, aceitando, assim, as regras estabelecidas e as
orientações da equipe.
A assistência domiciliária compreende visitas realizadas pelo profissional de saúde e/ou equipe à residência do paciente com a finalidade
de avaliar suas necessidades e as dos familiares, bem como as do ambiente
em que vivem e, dessa forma, estabelecer um plano assistencial que vise
a recuperação e/ou reabilitação do idoso, maximizando a independência.
As visitas são realizadas sistematicamente e programadas de acordo
com a necessidade do paciente e a disponibilidade do programa a que
está ligado. Conta-se, também, com o cuidador como responsável pela
continuidade da assistência em domicílio. O cuidador é a pessoa que
assume a responsabilidade pelo idoso no contexto domiciliar, representando o elo entre paciente/família e equipe interprofissional. Os cuidadores, geralmente, são mulheres idosas ou de meia idade que cuidam
do cônjuge, dos pais, dos sogros e, eventualmente, de outros parentes
idosos. Muitas têm que conciliar tal cuidado com funções profissionais e
domésticas. A atribuição do papel de cuidadores a determinadas pessoas
não é arbitrária e deve obedecer normas sociais de parentesco, gênero
e idade e a dinâmica das relações familiares (Neri, 2002).
O objetivo da assistência em gerontologia é a manutenção dos
idosos na familiaridade, conforto e dignidade de seus lares pelo maior
tempo possível. A equipe interprofissional trabalha para reduzir o
impacto causado pelas doenças nos idosos (Duarte e Diogo, 2000).
É impossível compreender completamente a situação de um paciente
idoso sem conhecer o ambiente em que ele vive (Keenan e Hepburn,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
210
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
1997). No atendimento domiciliário, cabe ressaltar a importância e o
significado da estrutura familiar para cada um de seus membros e, em
especial, para os idosos que são os prováveis responsáveis pela existência
e configuração dessa estrutura. É importante lembrar que cada família
possui uma cultura própria, permeada de valores construídos e de significado único para cada contexto. Por isso, é importante que a equipe
e/ou profissional da saúde respeite esses valores, não transpondo seus
próprios valores para o contexto familiar do paciente (Duarte e Diogo,
2000). Quanto mais idosa a pessoa, maior o significado pessoal dos
objetos em sua casa. São esses objetos que ajudam o idoso a recordar
sua vida, a reviver sentimentos do passado, a criar um sentimento de
posse, de estabilidade e continuidade. É através das coisas do dia-adia e do valor simbólico que as acompanha que o passado permanece
misturado com o presente (Tamm, 1999).
Objetivo
Identificar as características clínicas e demográficas de pacientes
inseridos no Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI) da
disciplina de Geriatria da Universidade Federal de São Paulo no período
de março de 2003 a março de 2004.
Material e métodos
Trata-se de um estudo transversal descritivo, com idosos inseridos
no PADI, no período de março de 2003 a março de 2004.
População estudada
Foram analisados os dados dos idosos inseridos no PADI no período de março de 2003 a março de 2004, contidos em prontuários.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 211
Critérios de inclusão
•
Idosos inseridos no PADI no período de março de 2003 a março
de 2004.
Procedimento e instrumento
O perfil dos idosos inseridos no PADI no período estipulado
foi analisado através de um protocolo composto por 27 questões elaborados pela pesquisadora, tendo como base o material de avaliação
multiprofissional inicial utilizado pelo programa, a fim de coletar os
dados socioeconômicos, funcionais, cognitivos e clínicos dos idosos.
Dessa forma, através desse questionário pôde-se elaborar o perfil clínico-demográfico dos idosos inseridos no PADI nesse período de um
ano, por conter questões diretas e de fácil aplicação.
Este trabalho foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital São Paulo.
Variáveis
As variáveis utilizadas no estudo foram: sociodemográficas,
clínicas e funcionais.
Procedimento estatístico
Foi realizada análise descritiva dos dados. As variáveis qualitativas
foram apresentadas em freqüências relativas (percentuais) e freqüências
absolutas (N) das classes de cada variável, na forma de tabelas.
Para as variáveis quantitativas/numéricas foram utilizadas médias e medianas e desvios-padrão, mínimo e máximo para indicar a
variabilidade dos dados.
Alguns dados não foram encontrados nos prontuários, sendo
especificado, nas tabelas, o número correspondente.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
212
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
Resultados
Dados sociodemográficos
Participaram do estudo 22 pacientes do PADI inscritos no perío­
do de março de 2003 a março de 2004. As mulheres representaram
86,4% dos pacientes inscritos, sendo a idade média dos idosos 83 anos
± 11,88, sendo a idade mínima 57 e a máxima 97 anos. Quanto ao
estado civil, 59,09% dos pacientes eram viúvos, ou seja, mais da metade
da população estudada; 27,27% eram casados e 13,64 %, solteiros.
Quanto ao grau de escolaridade, constatou-se que 50% dessa população
apresentava 1-4 anos de estudo, enquanto apenas 4,5% apresentava
14 anos ou mais, com média de 1 ano ± 1,07, não tendo sido, porém,
analisado o grau de escolaridade por sexo. A renda média mensal dos
idosos analisados foi de 2-4 salários mínimos (59,09%). Com relação à
naturalidade, 31,8% era de São Paulo (capital) e os demais provenientes
do interior do estado, das outras regiões do país, inclusive de outros
países (9,09%). Em relação à moradia, 72,72% dos pacientes do PADI
residiam com família multigeracional.
Dados clínicos
A média de hipóteses diagnósticas foi 3,0 ± 1,18, com o máximo
de 6 e o mínimo de 1 hipótese.
A freqüência de medicamentos foi: 13,6% dos pacientes não
faziam uso de medicamento e 4,5% faziam uso de 8 drogas (máximo
de medicamentos utilizados). A média de medicamentos utilizados foi
3 medicamentos ± de 2,45.
Em relação à contratura muscular, 55% dos pacientes do PADI
apresentaram essa condição e 65% apresentaram alguma deformidade.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 213
Dados funcionais
Mais da metade dos pacientes estudados (70,59%) sofreram
uma ou mais quedas no ano anterior ao da adesão ao programa e, no
que se refere à hospitalização, 66,67% dos idosos inseridos no PADI
sofreram internação no último ano antes de sua inserção no programa. Os resultados quanto à mobilidade do idoso, o uso de dispositivo
de auxílio à marcha, tipo de dispositivo de auxílio à marcha, teste de
equilíbrio Romberg (olhos abertos e olhos fechados), comprometimento
das estratégias de tornozelo, quadril, tronco e passo atrás podem ser
analisados na Tabela 1.
Tabela 1 – Caracterização funcional dos idosos inseridos
em programa de assistência domiciliária
Variáveis funcionais
Mobilidade
deambulante
anda com ajuda
uso de cadeira de rodas
acamado
total
Ocorrência
Percentual válido (%)
3
10
2
5
20
15
50
10
25
100,0
Uso de dispositivo de auxílio à marcha
sim
não
total
11
10
21
52,39
47,61
100,0
Tipo de dispositivo de auxílio à marcha
andador
bengala
cadeira de rodas
total
7
1
3
11
63,63
9,09
27,28
100,0
Equilíbrio romberg – 30’’
( olhos abertos)
sim
não
não aplicável
total
3
10
7
20
15
50
35
100,0
Ocorrência
Percentual válido (%)
Variáveis funcionais
Equilíbrio romberg – 30’’ ( olhos fechados )
sim
revista Kairós,
não
não aplicável
total
São Paulo,210(2), dez. 2007,10pp. 205-224
11
7
20
55
35
100,0
cadeira de rodas
total
3
11
Equilíbrio romberg – 30’’
( olhos abertos)
Carina C. Bastos,
sim Naira D. 3Lemos
não
10
não aplicável
7
Tabela 1total
(continuação)
20
214
Variáveis funcionais
Equilíbrio romberg – 30’’ ( olhos fechados )
sim
não
não aplicável
total
27,28
100,0
e Andréia
15 N. Mello
50
35
100,0
Ocorrência
Percentual válido (%)
2
11
7
20
10
55
35
100,0
Estratégia de tornozelo
comprometida
sim
não
não aplicável
total
9
4
7
20
45
20
35
100,0
Estratégia de quadril comprometida
sim
não
Não aplicável
total
8
5
7
20
40
25
35
100,0
Estratégia de tronco comprometida
sim
não
Não aplicável
total
10
3
7
20
50
15
35
100,0
Estratégia de passo atrás comprometida
Sim
Não
Não aplicável
total
7
6
7
20
35
30
35
100,0
Discussão
As características sociodemográficas dos idosos estudados mostraram-se compatíveis com a literatura em relação à população de
programas de assistência domiciliária. A idade média dos pacientes
inclusos no PADI, no período estipulado, é superior a outras comunidades de idosos, podendo estar associada à condição de fragilidade
daqueles idosos, bem como a algum comprometimento funcional que
os impeçam de sair de seu domicílio. Em um estudo analisando sobre
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 215
o perfil dos idosos em área metropolitana na região Sudeste do Brasil,
observou-se que a idade média deles era 69 anos, sendo que apenas
10% dessa população possuía idade superior a 80 anos (Ramos et alii,
1993). Essa média torna-se maior considerando-se os idosos restritos
ao ambiente domiciliar, a exemplo da amostra desta pesquisa, na qual
a média de idade foi de 83 ± 11,88 anos com 59,1% dessa população
apresentando idade superior a 80 anos. Tais dados assemelham-se a
outros programas de assistência domiciliária nos quais a porcentagem
dos idosos com idade superior a 80 anos é de 40,8% (Yuaso e Sguizzato,
2000) e 31% (Netto e Tieppo, 2000).
Neste trabalho, houve predominância do sexo feminino (86,36%)
e da condição de viuvez (59,09%), semelhante a outros estudos realizados sobre assistência domiciliária (Hellstrom e Hallberg, 2000;
Munson,1999; Stoddart et alii, 2002). O grau de escolaridade, no qual
observaram-se 50% dos idosos apresentando 1-4 anos de estudo, mostra-se compatível com o resultado de outros estudos sobre assistência
domiciliária que comprovaram a conclusão da primeira fase do ensino
fundamental, ou seja, curso primário, pela maior parte da amostra estudada (Albuquerque, 2002). No entanto, esse resultado difere daquele
de uma pesquisa realizada no distrito de São Paulo, baseado em uma
amostra populacional aleatória, na qual constatou-se que 21% apresentavam o nível primário incompleto e 26% o nível primário completo
(Ramos et alii, 1993). A renda média mensal dos idosos analisados foi
de 2-4 salários mínimos (59,09%) e, em sua maioria, naturais da cidade
de São Paulo (31,8%), diferindo de outras pesquisas, nas quais a renda
média era de 1,5 salários mínimos e a maioria da população estudada
originava-se do interior do estado (41%) (Albuquerque, 2002). Em
relação à moradia, 72,72% dos pacientes do PADI residiam com família
multigeracional, o que se observa, também, em outras pesquisas (Ramos
et alii, 1993; Ramos, 2003). Esse quadro de arranjo domiciliar, no qual
o idoso reside com filhos e, muitas vezes, com filhos e netos, contrasta
com o que se observa nos países desenvolvidos, onde menos de 5% dos
idosos vive em domicílios com os filhos e, muito raramente, com netos.
Também, a maior parte dos idosos reside apenas com o cônjuge ou só,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
216
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
enquanto que, em São Paulo, apenas 10% dos idosos vivem sós (Ramos,
2003). Nos domicílios multigeracionais, pode-se levantar a hipótese
de que antes de ser uma opção cultural ou humanitária pode ser uma
maneira de sobreviver, situação que pode isolar o idoso e colocá-lo mais
dependente do que se ele tivesse morando só (Ramos, 1992).
A média de hipóteses diagnósticas verificada neste estudo
(média 3) correlaciona-se com outros estudos, também com média 3
(Hellstrom e Hallberg, 2000), tendo sido predominantes doenças
cardiovasculares (77,3%), o que também pôde ser observado em
outras pesquisas sobre o mesmo assunto (Pedreira et alii, 2002; Munson,
1999). As doenças cardiovasculares estão entre as mais comuns em
idosos. Esse fato é motivado pelo envelhecimento e estilo de vida permanentemente sedentário (Hood, 1995). A alta prevalência de doenças
crônicas associadas às suas incapacidades assemelha-se à situação em
países mais desenvolvidos, pois trata-se de uma conseqüência natural
do envelhecimento populacional, o que é bastante preocupante, já que
essa grande demanda de idosos pode ser insuportável para o sistema de
saúde, principalmente no que se refere a leitos de longa permanência
(Ramos et alii, 1993).
Em relação à contratura muscular, 55% dos pacientes do PADI
apresentaram essa condição e 65% apresentaram alguma deformidade,
podendo estar relacionada à imobilidade no leito, à própria situação de
permanecer no domicílio sem realizar atividade física ou mesmo devido
à condição incapacitante de alguma doença.
A porcentagem de hospitalização dos idosos inseridos no PADI,
no último ano antes de sua inserção no programa, foi de 66,67%. O
programa de assistência domiciliária tem como uma de suas metas
desospitalizar os pacientes, seja abreviando seu período de internação,
seja reduzindo o número de readmissões (Jacob Filho, 2000), fato
observado em um estudo de 2004, no qual os pacientes após um ano
de atendimento domiciliar tiveram um aumento de não internação
de 38% (Gioacchino et alii, 2004). Porém, a mobilidade dos idosos
desse programa é comprometida, pois 50 % deles precisam de ajuda
para deambular, seja de terceiros ou de algum dispositivo de auxílio
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 217
à marcha, fato também observado em outros estudos sobre a mesma
condição funcional (68,8%) (Hellstrom e Hallberg, 2000). Em 34%
dos indivíduos com mais de 85 anos não institucionalizados, observa-se
algum déficit de mobilidade. Esse déficit pode ser atribuído à redução
da sensibilidade sensorial, das funções integrativas do SNC ou fraqueza
motora (Hazzard, 1999). No caso do PADI, o dispositivo de auxílio
à marcha mais utilizado por esses idosos foi o andador, com 63,63%,
o que pode estar relacionado a uma maior estabilidade oferecida pelo
dispositivo, bem como alívio da sustentação do peso, completa ou
parcialmente, sobre um membro inferior (O’Sullivan, 1993).
Mais da metade dos pacientes estudados (70,59%) sofreram
uma ou mais quedas no último ano antes de aderirem ao programa.
O problema de quedas pode estar associado com a necessidade de
usar serviços domiciliares especiais, de acordo com algumas pesquisas
(Stoddart et alii, 2002). Idosos apresentam um risco maior de acidentes
resultando em hospitalização ou queda, comparado a um grupo de
outra faixa etária. Em uma pesquisa realizada com idosos no Reino
Unido, observou-se que, no ano de 1999, houve 647.721 acidentes com
atendimentos emergenciais e 204.424 admissões hospitalares devidas
a quedas de idosos com 60 anos ou mais (Mclnnes et alii, 2004). As
estatísticas a respeito de lesões e acidentes com idosos indicam que as
quedas são a sétima causa principal de morte de pessoas com mais de
75 anos. O índice de quedas de pessoas com 65 anos ou mais é de no
mínimo 33% ao ano, sendo as mulheres mais propensas a quedas do
que os homens (Campbell et alii, 1981; Nevitt et alii, 1989). As causas
de quedas são múltiplas, incluindo fatores ambientais extrínsecos (presença de degraus, tapetes que não sejam antiderrapantes, superfícies
escorregadias e iluminação inadequada) e intrínsecos como aspectos
fisiológicos, musculoesqueléticos e psicossociais. Esses últimos incluem
depressão e ansiedade, medo de cair e circunstâncias que favorecem o
isolamento social, como morar só ou não sair de casa pelo menos uma
vez por semana (Nevitt et alii, 1989).
Os resultados do teste de equilíbrio Romberg com olhos abertos
e fechados foram positivos, com porcentagem de 50% e 55%, respectirevista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
218
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
vamente. Na condição de olhos abertos, houve um comprometimento
grande, podendo estar associado ao fato da redução da base de sustentação, na qual o paciente tinha que permanecer em ortostatismo
primeiro com os pés afastados, depois com pés juntos; em seguida,
com os pés juntos novamente, mas com meio pé à frente do outro
e, por último, com um pé encostado atrás do outro, em uma mesma
linha (Paula et alii, 1999). A pequena base de sustentação, juntamente
com a diminuição da sensibilidade tátil e da sensação de toque leve, da
pressão e da vibração, mediados pelos órgãos terminais de Meissner e
os corpúsculos de Paccini, que ocorrem com o envelhecimento (Bruce,
1980), contribuíram para esse comprometimento no teste com olhos
abertos. Já com os olhos fechados, sendo o teste realizado nas mesmas
posições, houve comprometimento maior porque as informações visuais foram retiradas, restando apenas as informações vestibulares e
sensoriais para manter o controle postural. Porém, como há redução na
função vestibular com o envelhecimento, a qual apresenta uma perda
de 40% das células ciliares e nervosas (Rosenhall e Rubin,1975) e uma
diminuição da sensibilidade tátil, como anteriormente citado, torna-se
mais difícil manter o equilíbrio com os olhos fechados.
As estratégias de tornozelo são mais comprometidas (45%)
comparadas às do quadril (40%), podendo estar associadas a condições
patológicas como fraqueza do músculo do tornozelo ou perda da função
sensorial periférica (Shumway-Cook e Woolacott, 2003), razão pela
qual, em situações em que precisem assegurar o equilíbrio, os idosos
usam a estratégia que envolve os movimentos do quadril e não os do
tornozelo, com freqüência muito maior do que os jovens (Horak et alii,
1989; Manchester et alii, 1989).
Na estratégia do passo atrás, houve um comprometimento de
35% dos idosos, podendo estar associado à perda mais acelerada das
fibras musculares tipo II (contração rápida) comparadas às do tipo I no
envelhecimento (Timiras, 1994), razão que pode explicar a lentidão
dos idosos nessa estratégia de controle postural.
Para a realização desta pesquisa, observou-se dificuldade na coleta
de dados dos pacientes nos prontuários do PADI pelo fato de muitos
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 219
deles estarem incompletos. A falta desses achados nas tabelas pode
ser facilmente observada, onde em algumas variáveis o N foi inferior
a 22 (número total de prontuários analisados). Por essa razão, não foi
possível a realização de um estudo mais completo.
Conclusão
O processo de envelhecimento é acompanhado pelo aumento
da prevalência de doenças crônico-degenerativas, sendo que 85% dos
idosos apresentam, pelo menos, uma dessas doenças (Silvestre, 2002).
Essa situação ocasiona, então, o aumento de pessoas dependentes de
cuidados de longa duração, originando internações prolongadas e reinternações que consomem grande parte dos recursos da área de saúde.
Dessa maneira, os programas de atendimento domiciliário surgem como
uma das alternativas para o enfrentamento da crise no setor da saúde
(Albuquerque, 2002). Dentre esses programas, foi criado, em 1999, o
Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI), com o objetivo
de prestar assistência a idosos em domicílio.
O grupo de idosos do PADI analisado no momento de inserção no programa era composto por indivíduos apresentando elevado
número de doenças, dificuldade de deambulação, iminente risco de
quedas e grande número de internações, caracterizando a necessidade
de assistência de terceiros, sendo considerados, assim, pacientes com
perfil para inserção em Programa de Assistência Domiciliária.
Assim, é de extrema importância a implantação da estrutura
funcional de um programa de assistência domiciliária através do qual é
oferecido atendimento interprofissional a idosos que não têm condições
físicas de deixar o domicílio, proporcionando-lhes condições de ter uma
velhice melhor assistida, o que resulta em melhor qualidade de vida.
Referências
ALBUQUERQUE, S. (2002). Assistência domiciliar: diferencial na
qualidade de vida do idoso portador de doença crônica. Qualidade
de vida, ano 4, n. 35, pp. 1-4.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
220
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
BARRETO, S. e GIATTI, L. (2003). Saúde, trabalho e envelhecimento
no Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 19, n. 3, pp. 759-771.
BERQUÓ, E. (1999). “Considerações sobre o envelhecimento da
população no Brasil”. In: NERI, A. L. e DEBERT, G.G. (eds.).
Velhice e sociedade. Campinas, Papirus.
BRASIL (1994). Lei n° 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre
a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e
dá outras providências.
BRUCE, McC. (1980). The relation of tactile thresholds to histology in the fingers of the elderly. J Neurol neurosurg Psyatry, v. 43,
pp. 730-734.
CAMARANO, A. A (1999). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros.
Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
CAMPBELL, J. et alii (1981). Falls in old age: a study of frequenccy
and related clinical factors. Age & Aging, v. 10, pp. 264-279.
CARLETTI, S. M. e REJANI, M. I (1996). “Atenção domiciliária ao
paciente idoso”. In: PAPALÉO NETTO, M. Gerontologia. São
Paulo, Atheneu.
CARVALHO, J. A. e GARCIA, R. (2003).O envelhecimento da
população brasileira: um enfoque demográfico. Cad. Saúde Pública,
v. 19, n. 3, pp. 725- 733.
DUARTE, Y. e DIOGO, M. (2000). “Atendimento domiciliário:
um enfoque gerontológico”. In: DUARTE, Y. e DIOGO, M.
J. D. Atendimento domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo,
Atheneu.
GIOACCHINO, C. et alii (2004). Home care prevents cognitive and
functional decline in frail elderly. Arch. Gerontol. Geriatr, Suppl.,
n. 9, pp.121-125.
HAZZARD, W. (1999). Principles of Geriatric Medicine and Gerontology.
4 ed. New York, Mc Graw Hill.
HELLSTROM, Y. e HALLBERG, R. (2000). Perspectives of elderly
people receiving home help on health, care and quality of life.
Health and Social Care in Community, v. 9 n. 2, pp. 61-71.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 221
HOOD, D. (1995). Fundamentos e prática da enfermagem: atendimento
completo ao paciente. 8 ed. Tradução de Regina Garcez. Porto Alegre,
Artes Médicas.
HORAK et alii (1989). Influence of central set on human postural
responses. J Neurophysiol, v. 62, pp. 841-853.
IBGE (2000). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo
Demográfico 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br.
Consultado em janeiro de 2007.
JACOB FILHO, W. (2000). Doenças degenerativas e a assistência
domiciliar. Adesão ao tratamento, Edição Especial, pp. 19-23.
KEENAN, J. e HEPBURN, K. (1997). “Home Care”. In: HAM, R.
J. e SLOANE, P. D. Primary care geriatrics: a case-based approach.
St. Loouis, Mosby.
LEMOS, N. (2003). Avaliação do impacto subjetivo da Doença de Alzheimer
no cuidador primário. Tese de mestrado. São Paulo, Universidade
Federal de São Paulo.
MANCHESTER, D. et alii (1989). Visual, vestibular and somatosensory
contributions to balance control in older adult. J Gerontol, v. 44,
pp. 118-127.
MCLNNES, E. et alii ( 2004). Evidence Review on Older peolpe’s
Views and Experiences of Falls Prevention Strategies. First Quarter,
Worldviews on Evidence-Based Nursig.
MORAGAS, R. (1997). Gerontologia social: envelhecimento e qualidade de
vida. São Paulo, Paulinas.
MOREIRA, M. (1998). O envelhecimento da população brasileira em
nível regional: 1940-2050. In: XI ENCONTRO NACIONAL
DE ESTUDOS POPULACIONAI. Anais... Caxambu. Associação
Brasileira de Estudos Populacionais, pp. 3030-3124.
MUNSON, M. (1999). Characteristics of Elderly Home Health Care
Users: Data from the 1996 National Home and Hospice Care
Survey. Vital and Health Statistics of the Centers for Disease
Control and Prevention/National Center for Health Statistics.
Advance Data, n. 309, pp. 1-12.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
222
Carina C. Bastos, Naira D. Lemos e Andréia N. Mello
NERI, A. L. (2002). “Cuidar de idosos no contexto da família: questões
psicológicas e sociais”. In: NERI, A. L e SOMMERHALDER, C.
As várias faces do cuidado e do bem-estar. São Paulo, Alínea.
NETTO, M. e TIEPPO, A. (2000). “Serviço de assistência domiciliária da
clínica geronto- geriátrica do Hospital Servidor Público Municipal
de São Paulo”. In: DUARTE, Y. e DIOGO, M. J. D. Atendimento
domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo, Atheneu.
NEVITT, M. et alii (1989). Risk factors for recurrent nonsyncopal falls.
JAMA, v. 261, pp. 2663-2668.
O’SULLIVAN, S. (1993). Fisioterapia: avaliação e tratamento. 2 ed.
SãoPaulo, Manole.
PAULA, J. et alii (1999). Mobilidade do idoso: uma proposta para
uma avaliação inicial. Dissertação de mestrado. Campinas, SP,
Universidade Estadual de Campinas.
PEDREIRA, L et alii (2002). Perfil clínico-demográfico de idosos em
internamento domiciliar. Nursing, v. 5, n. 54, pp. 25-27.
RAMOS, L. R. (1992). “Family support for tha elderly in São Paulo,
Brazil”. In: Family support for the elderly: the internacional experience.
Nova York, Oxford University Press.
(2003). Fatores determinantes do envelhecimento saudável em
idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso. Cadernos de
Saúde Pública, v. 19 (jun.), n. 3, pp. 1-9.
RAMOS, L. R. et alii (1993). Perfil do idoso em área metropolitana na
região Sudeste do Brasil: resultados de inquérito domiciliar. Rev.
Saúde Pública, v. 27, n. 2, pp. 87-94.
ROSENHALL, U. e RUBIN, W. (1975). Degenerative changes in the
human vestibular sensory epithelia. Acta otolaryngol, v. 79, pp.
67-81.
SHUMWAY-COOK, A. e WOOLACOTT, M. (2003). “Envelhecimento e controle postural”. In: SHUMWAY-COOK, A. e
WOOLACOTT, M. Controle motor. 2 ed. São Paulo, Manole.
SILVESTRE, J. (2002). Diagnóstico sobre o processo de envelhecimento
populacional e a situação do idoso. Brasília, Ministério da Saúde.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa... 223
STODDART, H. et alii (2002). What determines the use of home car
services by elderly people? Health and Social Care in the community,
v.10, n. 5, pp. 348-360.
TAMM, M. (1999). What does a home mean and when does it cease
to be a home? Home as a setting for rehabilitation and care.
Disability and rehabilitation, v. 21, n. 2, pp. 49-55.
TIMIRAS, P. (1994). “Aging of the skeleton, joints and muscles”. In:
TIMIRAS, P. S. (ed.). Physiological basis of aging and geriatrics.2 ed.
Ann Arbor, MI, CRS.
WONG, L. R. (2001). O envelhecimento da população brasileira e o aumento da
longevidade: subsídio para políticas orientadas ao bem-estar do idoso. Belo
Horizonte, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional/
Universidade Federal de Minas Gerais/ Associação Brasileira de
Estudos Populacionais.
YUASO, D. e SGUIZZATTO, G. (2000). “Serviço de Assistência
Domiciliária ao Idoso (SADI) do Centro de Referência à Saúde do
Idoso do Município de Guarulhos”. In: DUARTE, Y. e DIOGO,
M. J. D. Atendimento domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo,
Atheneu.
Data de recebimento: 6/8/2007; Data de aceite: 5/9/2007.
Carina Corrêa Bastos – Fisioterapeuta. Especialização em Gerontologia pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp - EPM), de Belém (PA). E-mail:
[email protected]
Naira Dutra Lemos – Assistente social. Professora, mestre do setor de Geriatria
e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]
Andréia Nóbrega Mello – Fisioterapeuta. Especialização em Gerontologia pela
Universidade Federal de São Paulo, SP. E-mail: [email protected]
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 205-224
Qualidade de vida em um grupo
de idosos de Veranópolis
Waleska P. Farenzena
Irani de L. Argimon
Emílio Moriguchi
Mirna W. Portuguez
RESUMO: este estudo objetivou avaliar qualidade de vida em um grupo de
idosos de Veranópolis, RS, através do WHOQOL-Bref. Além disso, relacionou
os escores obtidos por meio do instrumento com variáveis sociodemográficas e
sintomas depressivos, através da Escala de Depressão Geriátrica (GDS). Os resultados apontaram que esse grupo de idosos apresenta boa QV, sendo preditores
dessa situação a realização de atividades de lazer, ser do sexo feminino, não utilizar
medicação diária e estar livre de sintomas depressivos.
Palavras-chave: qualidade de vida; idosos; WHOQOL-Bref.
ABSTRACT: The objective of this article was to evaluate Quality of Life in a group of
elderly people from Veranópolis, state of Rio Grande do Sul, Brazil, through WHOOQOLBrief. Moreover, it associated the scores obtained by this instrument with social demographic
variables and depression symptoms through the Geriatric Depression Scale (GDS). Results
showed that this group of elderly people have a good Quality of Life, and the key determinants
for this situation are the accomplishment of leisure activities, being of the female gender, not
using daily medication and being free from depression symptoms.
Keywords: Quality of Life; Elderly People; WHOOQOL-Brief.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
226 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
Introdução
Diante do aumento da expectativa de vida, fenômeno vivenciado
nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o grande desafio que
apresenta é a manutenção da qualidade de vida em indivíduos com idade
avançada. O conceito de Qualidade de Vida é amplamente discutido
e constantemente revisado, sobretudo no que se refere à população de
idosos (Paschoal, 2002).
Segundo Pereira, Cotta e Franceschini (2006), a transição demográfica representa um profundo impacto no modo de organização
da sociedade, mas é na saúde que tem maior transcendência, tanto por
sua repercussão em nível assistencial como pela demanda por novos
recursos e estruturas.
Paschoal (2002) refere que o fenômeno Qualidade de Vida tem
múltiplas dimensões, como, por exemplo, a física, a psicológica e social,
cada uma comportando vários aspectos. Entre eles, a saúde percebida e
a capacidade funcional são variáveis importantes, que devem ser avaliadas, assim como o bem-estar subjetivo, indicadas por satisfação. Para
Fleck (1999) o termo QV na literatura médica vem sendo associado a
diversos significados, como condições de saúde e funcionamento social.
QV relacionada à saúde (health related quality of life) e estado subjetivo
de saúde (subjective health status) são conceitos relacionados à avaliação
subjetiva do paciente e ao impacto do estado de saúde na capacidade
de viver de forma plena.
Este artigo é resultado de uma dissertação de mestrado que se
propôs a avaliar a Qualidade de Vida em um grupo de idosos residentes
na cidade de Veranópolis, através da aplicação do questionário abreviado
de Qualidade de Vida – WHOQOL-Bref. Além disso, associou os escores
do instrumento com variáveis como idade, gênero, escolaridade, nível
socioeconômico, estado civil, situação de moradia, uso de medicação
diária, existência de problemas de saúde no último mês e intensidade
de sintomas depressivos.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 227
Medida de Qualidade de Vida
A Organização Mundial da Saúde através do World Health
Organization Quality of Life, o grupo WHOQOL, desenvolveu uma escala
com base em uma perspectiva transcultural para avaliar Qualidade de
Vida em adultos. Foram consideradas como características fundamentais
o caráter subjetivo da Qualidade de Vida e sua natureza multidimensional
(The Whoqol Group, 1995).
O instrumento acima referido foi chamado de WHOQOL-100, e, a
partir dele, originou-se o WHOQOL-Bref (World Health Organization
Quality of Life), versão abreviada, constituída de 26 questões, que tem
o mesmo objetivo. O WHOQOL-Bref divide-se em quatro domínios,
os quais se propõem a avaliar, respectivamente: capacidade física, bemestar psicológico, relações sociais e contexto ambiental. Além disso,
constitui-se de um domínio que avalia a QV global. Cada domínio é
composto por questões, cujas alternativas variam numa intensidade de
1 a 5 (Hwang, Liang, Chiu e Lin, 2003; Fleck, 2000b, Louzada et alii,
2000; Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).
A partir do processo de validação do WHOQOL-Bref no Brasil
concluiu-se que o mesmo mostrou bom desempenho psicométrico,
com características satisfatórias de consistência interna, validade discriminante, validade de critérios, validade concorrente e fidedignidade
teste-reteste. A partir disso, concluiu-se que o instrumento está em
condições de ser utilizado no Brasil (Fleck, 2000b).
Materiais e métodos
População
O perfil étnico-populacional da amostra do município de Veranópolis constitui-se de descendentes de italianos. A cidade está localizada a
170 quilômetros de Porto Alegre, a 705 metros de altitude, com clima
subtropical e uma área de 289 km2. O número de idosos (60 anos ou
mais) residente na cidade é de 2.733 mil habitantes, o que corresponde
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
228 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
a cerca de 12,63% da população. Veranópolis conta com um Centro
de Geriatria e Gerontologia recentemente inaugurado, além de o município ser alvo de pesquisa na área do envelhecimento desde 1994.
A amostragem foi por conveniência, junto a um projeto de prevenção
que atende cerca de 700 idosos (IBGE, 2006).
Desenho do estudo
Foi realizado um estudo quantitativo de delineamento transversal, com um total de 81 idosos com mais de 60 anos residentes
em Veranópolis, participantes do Programa de Acompanhamento
Longitudinal “Projeto Veranópolis: Prevenção de Saúde” e livres de
transtornos cognitivos. Foram aplicados o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, Questionário de Dados Sociodemográficos, o MiniExame do Estado Mental (MEEM), o WHOQOL-Bref e a Escala de
Depressão Geriátrica (GDS), respectivamente. O MEEM foi utilizado
para exclusão de idosos com transtorno cognitivo e o GDS avaliou a
intensidade de sintomas depressivos.
A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora de forma individual, no período de janeiro a março de 2007, em espaço reservado no
Centro de Convivência e Longevidade em Veranópolis. O WHOQOLBref é auto-aplicável; entretanto, optou-se pela entrevista direta em
função da dificuldade de leitura, dos problemas visuais e analfabetismo
comum em idosos.
Em relação aos procedimentos estatísticos, os escores foram
descritos através de média e desvio-padrão. As variáveis categóricas
foram descritas através de freqüências absolutas e relativas. A fim
de se compararem médias de dois grupos, foi utilizado o t de student
para amostras independentes. Para comparar médias de três ou mais
grupos, foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) One-Way. Para
complementar a análise, foi utilizado o teste post-hoc de Duncan. Com o
objetivo de correlacionar escores, foi utilizado o r de Pearson, que possibilita a associação entre duas variáveis quantitativas. E, finalmente, para
avaliar preditores de QV e controlar fatores de confusão, foi aplicada a
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 229
análise multivariada de Regressão Linear. As análises foram realizadas
no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão
10.0 (Hulley et alii, 2003).
Resultados
Perfil sociodemográfico
As idades dos indivíduos entrevistados variaram de 60 a 85 anos,
sendo que a média de idade ficou em 71,9, com um desvio-padrão de
6,4. Dos 81 participantes, 72,8% (59) eram do sexo feminino e 27,2%
(22) do sexo masculino e 61,7% (50) eram casados, ou seja, 6,2%. Estes
e outros dados podem ser visualizados de forma mais abrangente na
Tabela 1.
A grande maioria dos entrevistados – 92,6% (75) – pratica alguma atividade de lazer: destes, 77,8% (63) participam de atividades
ligadas à igreja. Em relação a grupos de convivência, 54,3% participam
de atividades semanais.
A maioria, 64% (52) da amostra, relata fazer uso de medicação
diária. Também 81,5% (66) dos entrevistados referem realizar exames
de rotina.
As médias de escores dos domínios do WHOQOL-Bref e do
GDS tiveram distribuição de acordo com a Tabela 2.
No que se refere aos domínios do WHOQOL-Bref em correlação
aos escores do GDS, a pesquisa aponta resultados estatisticamente significativos com um p<0.01. Quanto maior a intensidade de sintomas
depressivos há uma forte tendência na diminuição da QV em todos os
domínios do instrumento, conforme representado na Figura 1.
A Tabela 3 refere-se à análise de regressão multivariada, utilizada
para identificar preditores de QV entre as variáveis estudadas, tomando
como referência os domínios do WHOQOL-Bref. As variáveis que na
análise bivariada apresentaram um p ≤ 0,20 foram inseridas no modelo
multivariado de regressão linear múltipla.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
230 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
Tabela 1 – Caracterização da amostra
Características
Idade (anos) – Média r DP
Sexo - n(%)
Masculino
Feminino
Raça - n(%)
Branca
Não Branca
Estado civil – n(%)
Casado
Solteiro
Viúvo
Escolaridade – n(%)
Não alfabetizado
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Médio / Superior
Sabe ler– n(%)
Sim
Não
Sabe escrever– n(%)
Sim
Não
Renda (s.m.) – n(%)
”2
>2
Ocupação – n(%)
Trabalhando
Em benefício
Aposentado
Nunca trabalhou fora do lar
Não informou
Mora com – n(%)
Familiares
Companheiro
Sozinho
Realiza atividade de lazer – n(%)
Sim
Não
Uso de medicação – n(%)
Sim
Não
Faz exame de rotina – n(%)
Sim
Não
Fumo – n(%)
Fumante
Ex-fumante
Não fumante
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
n=81
72,0 r 6,5
22 (27,2)
59 (72,8)
79 (97,5)
2 (2,5)
50 (61,7)
5 (6,2)
26 (32,1)
11 (13,6)
42 (51,9)
17 (21,0)
11 (13,6)
70 (86,4)
11 (13,6)
70 (86,4)
11 (13,6)
46 (56,8)
35 (43,2)
2 (2,5)
1 (1,2)
68 (84,0)
9 (11,1)
1 (1,2)
36 (44,4)
34 (42,0)
11 (13,6)
70 (92,6)
6 (7,4)
52 (64,2)
29 (35,8)
66 (81,5)
15 (18,5)
1 (1,2)
9 (11,1)
71 (87,7)
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 231
Tabela 2 – Avaliação dos Escores do Whoqol-Bref
e Gds nos Idosos
Variáveis
WHOQOL-BREF
Físico
Psicológico
Social
Ambiental
Global
GDS
Média
Desvio Padrão
Mediana
Mínimo
Máximo
68,69
69,08
75,08
73,35
66,05
2,57
18,31
10,82
11,03
10,33
15,21
2,60
71,43
70,83
75,00
75,00
62,50
2,00
17,86
45,83
50,00
33,33
37,50
0
100,0
95,83
96,88
100,0
100,0
12
GDS
Global
Físico
Psico
Ambiental
Social
GDS x Global: rs=-0,657; p<0,001; GDS x Físico: rs=-0,611; p<0,001; GDS x Psicológico: rs=-0,655; p<0,001; GDS x Social: rs=-0,709; p<0,001; GDS x Ambiental: rs=-0,412;
p<0,001
Figura 1 – Associação entre os escores do Whoqol-Bref e Gds
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
2
-
(-3,76 a -1,25)
-2,51
(-9,16 a 7,65)
-0,76
(-24,9 a -13,8)
-19,4
(6,87 a 28,1)
17,5
-
(-12,3 a 3,69)
-4,29
-
-
-0,35
-0,01
-0,51
0,25
-
-0,08
-
-0,11
Físico*
beta
(-0,72 a 0,11)
-0,31
b (IC 95%)
-
<0,001
0,858
<0,001
0,002
-
0,287
-
0,147
P
2
-
(-2,80 a -1,10)
-1,95
(-10,5 a 0,69)
-4,95
(-6,95 a 0,63)
-3,16
(0,004 a 14,3)
7,16
-
(-3,31 a 7,42)
2,05
(-9,65 a -1,68)
-5,67
(-0,53 a 0,04)
-0,24
-
-0,46
-0,15
-0,14
0,17
-
0,07
-0,23
-0,14
Psicológico**
b (IC 95%)
beta
-
<0,001
0,085
0,101
0,050
-
0,448
0,006
0,089
P
2
-
(-1,96 a -0,13)
-1,05
-
(-7,59 a 1,21)
-3,19
(-2,97 a 13,8)
5,45
-
-
-
(-0,77 a -0,12)
-0,44
-
-0,26
-
-0,15
0,14
-
-
-
-0,28
-
0,026
-
0,153
0,201
-
-
-
0,008
Domínios do WHOQOL-BREF
Ambiental***
b (IC 95%)
beta
P
-
(-2,86 a -1,08)
-1,97
(-8,66 a 3,47)
-2,59
(-8,12 a -0,24)
-4,18
(-0,15 a 14,9)
7,41
(-0,73 a 6,87)
3,07
(-4,94 a 6,45)
0,76
-
(-0,49 a 0,11)
-0,19
-
-0,46
-0,07
-0,18
0,18
0,14
0,02
-
-0,11
Social****
b (IC 95%)
beta
-
<0,001
0,397
0,038
0,055
0,112
0,792
-
0,199
P
-2,69
(-3,87 a -1,22)
-2,55
(-13,3 a 4,27)
-4,51
(-11,2 a 0,08)
-5,57
(-1,34 a 20,1)
9,39
(-2,59 a 8,12)
2,77
(-10,9 a 5,40)
-2,73
(-3,74 a 8,38)
2,32
(-0,92 a -0,07)
-0,49
2
-0,06
-0,43
-0,09
-0,18
0,16
0,09
-0,06
0,07
-0,21
Global*****
b (IC 95%)
beta
(-10,8 a 5,43)
* F(6,74)=22,316; p<0,001; R =64,4%; ** F(7,73)=12,65; p<0,001; R =54,8%; *** F(4,76)=7,109; p<0,001; R =27,2%; **** F(7,73)=10,972; p<0,001; R =51,3%; ***** F(9,71)=8,143; p<0,001; R2=50,8%
Mora sozinho
GDS
Teve problema de
saúde no último mês
Usa medicação
Faz atividade de
lazer
Renda >2
Saber ler
Sexo Masculino
Idade
Variáveis
Tabela 3 – Análise de regressão multivariada para avaliar os preditores da qualidade de vida
avaliada
pelo OS
WHOQOL-Bref
TABELA 6 – ANÁLISE DE REGRESSÃO MULTIVARIADA
PARA AVALIAR
PREDITORES DA QUALIDADE DE VIDA AVALIADA PELO WHOQOL-BREF
P
0,510
<0,001
0,309
0,053
0,085
0,306
0,505
0,448
0,024
232 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 233
Em relação à Qualidade de Vida entre homens e mulheres, os
primeiros apresentaram menor Qualidade de Vida no domínio psicológico (p= 0,006).
Também em relação ao uso de medicação diária, foram encontrados resultados estatisticamente significativos entre os grupos na
associação com os domínios físico e social de QV. Idosos que utilizam
algum tipo de medicação diariamente apresentaram médias menores
nos domínios referidos. Ainda em relação à saúde, foi perguntado
se o indivíduo havia deixado de realizar alguma atividade no último
mês devido a problemas de saúde. A diferença entre os grupos não
foi estatisticamente significativa na associação com os domínios do
WHOQOL-Bref.
No que se refere à realização de atividades de lazer, foram encontrados resultados significativos na correlação com os escores do
WHOQOL-Bref nos domínios físico e psicológico. O grupo que realiza
atividade de lazer apresenta melhor QV nesses domínios.
Na correlação entre GDS e WHOQOL-Bref, foi encontrada
forte associação inversa. Na medida em que houve um aumento na
intensidade de sintomas depressivos, houve uma forte tendência na
diminuição da QV em todos os domínios do instrumento.
Discussão
É prudente, ao iniciar a discussão dos resultados deste estudo,
que seja considerado o fato de ele ter como população-alvo um grupo de
idosos da cidade de Veranópolis, que conta com um projeto de pesquisa
sobre envelhecimento e Qualidade de Vida e, mais recentemente, um
Centro de Geriatria e Gerontologia. Dessa forma, pode-se pensar no
fato de Veranópolis ser um lugar privilegiado nesse sentido, o que pode
acabar influenciando os índices de QV desta amostra. Faz-se uma ressalva
também no que se refere à generalização dos resultados deste trabalho,
na medida em que a amostragem foi por conveniência num grupo de
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
234 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
pesquisa sobre envelhecimento, o qual a pesquisadora trabalha. Sendo
assim, estes resultados podem ser generalizados para este grupo e não
para a população de idosos de Veranópolis de modo geral.
Os idosos estudados são, na maioria, de baixa escolaridade,
aposentados e com baixa renda, características também encontradas
em outros estudos (Argimon, 2002; Timm, 2006; Pereira, Cotta e
Franceschini, 2006; Joia et alii, 2007). A grande maioria mora em
casa própria e tem a saúde como maior motivo de preocupação. Este
último dado não condiz com outro estudo realizado em Veranópolis,
em que a maioria dos idosos referiu preocupação com a situação financeira (Timm, 2006). Apesar de 56,8% dos idosos possuírem renda de
até dois salários mínimos, houve pouca referência à preocupação com
a situação financeira, o que nos leva a pensar que esses idosos possam
estar financeiramente amparados por outros familiares, variável não
coletada neste estudo. Não houve diferença de QV entre os grupos
com maior e menor renda, assim como no estudo de Pereira, Cotta
e Franceschini (2006). Ao contrário do que mostram os estudos de
Jakobsson, Hallberg e Westergren (2004) e Sherbourne et alii (1992),
de que uma boa situação socioeconômica está associada a melhor Qualidade de Vida. Veras e Alves (1995) colocam que fatores socioeconômicos
têm influência importante na QV da população por oferecer suporte
material para o bem-estar do indivíduo, influenciando a qualidade na
habitação, independência econômica e estabilidade financeira. Supomos
que essa questão esteja também relacionada ao lugar onde a pesquisa
foi realizada. No caso de Veranópolis, por exemplo, existem ofertas de
lazer, medicação e outros hábitos usualmente relacionados a uma melhor qualidade de vida, de forma gratuita à disposição do idoso. Isso faz
com que mesmo os economicamente menos favorecidos tenham acesso
a hábitos que possam melhorar a Qualidade de Vida. Além disso, em
Veranópolis, a desigualdade social parece ser bem menor do que em
outras cidades do Brasil.
Outra característica encontrada na população em estudo e que
corrobora a totalidade de estudos pesquisados (Garrido e Menezes,
2002; Hwang, Liang, Chiu e Lin, 2003; Pereira, Cotta e Franceschini,
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 235
2006; Timm, 2006 e Argimon, 2002; Joia et alii, 2007) em população
de idosos é a diferença entre o número de homens e mulheres, sendo as
últimas predominantes. Em 1996, no Brasil, 54,4% das pessoas com
mais de 60 anos eram mulheres, situação que caracteriza um fenômeno
largamente estudado, chamado de “feminização da velhice”, que significa o aumento do número de mulheres na população idosa.
Em relação à QV entre o grupo de homens e mulheres, houve
diferença significativa no domínio psicológico, no qual os homens
apresentaram menor QV. Esse resultado não é corroborado por outros
estudos, nos quais a QV em mulheres é menor. Conforme estudo de
Sprangers et alii (2000), sexo feminino está relacionado a baixos níveis
de Qualidade de Vida. Em estudo realizado com idosos de Teixeiras,
MG, a variável gênero teve influência significativa, porém pequena
nos domínios físico, psicológico e ambiental, sendo os escores também
maiores entre os homens. Talvez uma explicação aceitável para o resultado do presente estudo esteja relacionada ao fato de as mulheres
terem maior participação em grupos de convivência e outras atividades
sociais, como, por exemplo, grupo de dança, oficinas de artesanato e até
mesmo atividades da Igreja. (Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).
Em relação à associação da variável idade com os domínios do
WHOQOL-Bref, foram encontrados resultados significativos nos domínios ambiental e global. Quanto maior a idade, há uma tendência
na diminuição de Qualidade de Vida nos domínios citados. O que pode
parecer óbvio pela idéia de fragilidade que, normalmente, o idoso muito
idoso transmite. Segundo Joia et alii (2007), a QV na velhice tem sido
muito associada a questões como independência e autonomia, sendo
importante distinguir os efeitos da idade. Normalmente, um idoso de
80 anos tem suas capacidades diminuídas se comparados a eles mesmos quando tinham 70 anos. Entretanto, essa não uma regra, já que
algumas pessoas apresentam declínio no estado de saúde e nas funções
cognitivas precocemente, enquanto outras vivem saudáveis até idades
muito avançadas. Talvez o resultado de uma QV mais baixa nos aspectos
ambiental e global para idades mais avançadas esteja relacionada ao
modo pelo qual esses idosos percebem sua saúde e falta ou diminuição
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
236 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
da autonomia. Argimon e Stein (2005) colocam que é possível supor
que indivíduos com mais de 80 anos tenham uma saúde física mais
debilitada do que indivíduos com menor idade.
Em Veranópolis, em 2003, o estudo de Xavier et alii (2003),
realizado com octogenários, teve por objetivo analisar a definição
dos idosos de qualidade de vida, bem como aspectos que os idosos
consideravam como determinantes para uma boa Qualidade de Vida,
através de perguntas abertas. Os resultados apontaram que 57% dos
idosos definiam sua Qualidade de Vida atual com avaliações positivas.
As conclusões deste estudo dão conta de que, para os idosos, é possível
que a qualidade negativa da vida seja equivalente a perda de saúde, e
Qualidade de Vida positiva seja equivalente a uma pluralidade maior
de categorias como atividade, renda, vida social e relação com a família,
categorias diferentes de sujeito para sujeito. O aspecto saúde apareceu
como um bom indicador de qualidade de vida negativa, porém um
indicador insuficiente de velhice bem-sucedida.
Os resultados apresentados acima também corroboram os achados do presente estudo, quando considerados fatores relacionados à saúde
física, como o uso de medicação diária, por exemplo. Os sujeitos que
afirmaram não utilizar medicação diária apresentaram melhores escores
de Qualidade de Vida nos aspectos físico e social. Esse resultado levanos a considerar a importância da saúde física como fator preditivo de
uma boa Qualidade de Vida. Pressupõe-se que a utilização de medicação
diária esteja associada à existência de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e até mesmo depressão. Assim, pode-se levantar a hipótese
de que idosos que sofrem de algum tipo de doença tendem a apresentar
uma QV inferior. Cerca de 64% dos idosos entrevistados em Veranópolis
ingerem medicação diariamente. É um percentual relativamente baixo,
se comparado a um estudo realizado com idosos da Universidade aberta
da Terceira Idade do Rio de Janeiro, em que 85% da amostra relatou
utilizar pelo menos um medicamento regularmente.
Além do uso de medicação diária, foi investigada também a
existência de problemas de saúde no último mês que possam ter impedido o idoso de realizar alguma atividade. Essa última variável não
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 237
apresentou correlação com os domínios do WHOQOL-Bref, o que
talvez se explique pela própria distribuição de indivíduos entre os
grupos, uma vez que somente 11,1% dos entrevistados responderam
afirmativamente.
Os escores do WHOQOL-Bref constituem-se numa escala diretamente proporcional a QV, ou seja, quanto maior os escores, maior a
QV. Entretanto, não existe um ponto de corte, o qual possa determinar
a QV como boa ou ruim.
Apesar disso, num parâmetro de 0 a 100, pode-se fazer uma
comparação entre as médias dos próprios domínios do instrumento.
Nessa perspectiva, as médias mais altas foram encontradas nos domínios
social (75,08) e ambiental (73,35), seguidos do psicológico (69, 08),
físico (68,69) e global (66,05).
Em outro estudo, no qual foi utilizado o mesmo instrumento
na avaliação de QV em idosos, as médias entre os domínios, de forma decrescente, foram: social, físico, psicológico, global e ambiental
(Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).
Segundo Neri (2001), a Qualidade de Vida na velhice tem relação
direta com a existência de condições ambientais que permitam aos idosos
desempenhar comportamentos biológicos e psicológicos adaptativos.
Na população em estudo, os aspectos ambientais e sociais se sobressaem
em relação aos aspectos psicológicos e físicos. O instrumento utilizado
avalia aspectos nos domínios social e ambiental, como, por exemplo,
satisfação consigo mesmo e com relações interpessoais (amigos, familiares), condições físicas do local de moradia, acesso a serviços de saúde,
satisfação com meio de transporte, entre outros. Isso nos leva a crer que
os aspectos ambientais e sociais encontram-se melhor contemplados do
que outros aspectos nesse campo de investigação. Neri (ibid.) coloca
que a adoção de providências que visem facilitar e promover a interação
física, social e psicológica do idoso com o ambiente pode aumentar a
sua eficácia e assim a Qualidade de Vida real e percebida do idoso.
Dessa forma, podemos levantar a hipótese de que a própria
participação no programa longitudinal “Projeto Veranópolis: estudos
sobre envelhecimento e Qualidade de Vida”, no qual foi aplicada a
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
238 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
pesquisa, possa ser um dispositivo no aumento da Qualidade de Vida
nos aspectos social e ambiental dos idosos em estudo. Além disso, a
grande maioria dos entrevistados (92%) referiu realizar algum tipo de
atividade de lazer, sendo que, destes, 84% relataram participar de atividades na igreja e 58, 7%, relataram freqüentar grupo de convivência,
atividades que exigem certo nível de interação com o meio ambiente e
com outras pessoas. Um estudo realizado na região metropolitana de
Porto Alegre concluiu que fatores como relações familiares, de amizade
e suporte psicossocial estão associadas ao envelhecimento bem-sucedido
(Moraes e Souza, 2005).
Resultados de outros estudos têm evidenciado forte associação
entre o aspecto ambiental e a Qualidade de Vida em idosos, podendo
proporcionar sentimento de segurança, interação social, independência
e bem-estar emocional (Lawton, 2001; Hwang, Liang, Chiu e Lin,
2003; Moraes e Souza, 2005).
Ainda em relação à realização de atividades de lazer, o estudo
mostra correlação direta entre essa variável e os domínios físico e psicológico do WHOQOL-Bref. Apesar de grande diferença de indivíduos
entre os grupos que realizam (92,6%) e os que não realizam (7,4%)
atividades de lazer, o primeiro grupo apresentou escores melhores de
Qualidade de Vida nos domínios acima citados. Esses achados, igualmente, corroboram as conclusões de outros estudos, em que uma maior
interação social pode elevar os níveis de QV (Neri, 2001).
O estado civil dos participantes não apresentou associação significativa nos escores de QV, assim como em outros estudos na cidade
de Teixeira, MG (Pereira, Cotta e Franceschini, 2006) e Veranópolis
(Timm, 2006). Em contrapartida, Sprangers et alii (2000) concluíram
que não ter companheiro está relacionado a baixos níveis de qualidade
de vida. Também no presente estudo não foi encontrado resultado significativo na variável situação de moradia. Nossa intenção era verificar
se a QV diminui em idosos que moram sozinhos. Uma hipótese para
esse resultado é de que mesmo idosos que vivem sós não deixam de
estabelecer relações sociais e continuam ocupando um espaço dentro
da comunidade.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 239
A variável saber ler e escrever, quando associada ao instrumento
de Qualidade de Vida, não apresentou resultados significativos, assim
como a escolaridade. Mais de 50% dos idosos referiram ter ensino fundamental incompleto. Talvez não tenha dado resultado significativo em
função de apenas 28% dos idosos possuírem uma escolaridade maior.
Em relação à associação dos escores do WHOQOL-Bref com
escores do GDS, os achados apontam que, quanto maior a intensidade
de sintomas depressivos, menor é a Qualidade de Vida em todos os
domínios do WHOQOL-Bref, o que vai ao encontro dos achados de
outros estudos realizados com população de idosos.
Um estudo realizado por Trentini (2004) aponta que a intensidade de sintomas depressivos pode acabar fazendo com que o indivíduo avalie de forma negativa sua Qualidade de Vida. Outros estudos
também encontraram associação entre depressão e má Qualidade de
Vida (Herman et alii, 2002; Kuehner, 2002). Estudo realizado em
Veranópolis, com uma população de octogenários, mostrou também
associação inversa entre sintomatologia depressiva e satisfação com a
vida (Xavier et alii, 2003).
A depressão, junto com a hipertensão arterial e as doenças
coronarianas, está entre as enfermidades mais prevalentes em idosos
(Moraes e Souza, 2005). Embora a depressão seja relativamente freqüente entre idosos, sua identificação torna-se difícil até mesmo na
prática clínica (Almeida e Almeida, 1999). Nessa população em estudo,
pode-se afirmar que idosos com sintomas depressivos apresentaram
menores escores de QV em todos os aspectos do que aqueles que não
apresentaram sintomas para depressão. Entretanto, como em todo
estudo transversal, encontra-se a limitação de que é difícil afirmar se
esses idosos têm médias baixas de QV em função do possível humor
deprimido ou se apresentam características para depressão em função
de uma QV baixa.
Sendo assim, podem-se considerar preditivos de Qualidade de
Vida, nesse grupo de idosos estudados, as seguintes variáveis: idade nos
domínios ambiental e global; gênero feminino no domínio psicológico;
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
240 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
realização de atividades de lazer nos domínios físico e psicológico; não
utilização de medicação nos domínios físico e social; e baixa intensidade
de sintomas depressivos em todos os domínios do WHOQOL-Bref.
Tendo em vista as possíveis limitações deste estudo, abordadas
anteriormente, sugerem-se outras pesquisas sobre Qualidades de Vida
em idosos e seus preditivos.
Considerações finais
Mesmo não existindo um ponto de corte no instrumento utilizado para a avaliação de qualidade de vida nessa população de idosos,
o estudo sugere uma qualidade de vida boa, se comparado aos limites
do instrumento, cujos parâmetros variam de 0 a 100.
Parecem ser preditivos de uma boa Qualidade de Vida: ter menos
idade, ser do sexo feminino, realizar atividades de lazer, não utilizar
medicação diária e estar livre de sintomas depressivos.
Em função da relevância do estudo da Qualidade de Vida no idoso
e da necessidade de estruturar programas de prevenção que acolham
essa população emergente, sugerem-se outros estudos nesse âmbito, que
venham auxiliar os profissionais da saúde e a população de um modo
geral no que se refere aos cuidados com idosos e às peculiaridades do
processo de envelhecimento.
Referências
ALMEIDA, O. P. e ALMEIDA, A. S. (1999). Confiabilidade da versão
brasileira da escala de depressão em geriatria (GDS) versão reduzida.
Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 57 (jun.), n. 2B, pp. 421-426.
ARGIMON, I. I. L. (2002). Desenvolvimento cognitivo na Terceira Idade.
Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
PUC-RS.
ARGIMON, I. I. L. e STEIN, L. M. (2005). Habilidades cognitivas
em indivíduos muito idosos: um estudo longitudinal. Cadernos de
Saúde Pública, v. 21 (jan.-fev.), n.1, pp. 64-72.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 241
FLECK, M. (1999). Desenvolvimento da versão em português
do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS
(WHOQOL-100) Revista Bras. Psiquiatria, v. 21 (jan./mar.), n.1,
pp. 19-28.
FLECK, M. (2000a). O instrumento de avaliação de qualidade de vida da
Organização Mundial de Saúde (WHOQOL – 100): características
e perspectivas. Ciência Saúde Coletiva, v. 5, n. 1, pp. 31-38.
(2000b). Aplicação da versão em português do instrumento
abreviado de avaliação de qualidade de vida “WHOQOL-bref ”
Revista de Saúde Pública, v. 34, n. 2, pp. 178-183.
FLECK, M. et alii (1999). Aplicação da versão em português do
instrumento de avaliação da qualidade de vida da Organização
Mundial da Saúde (WHOQOL – 100). Revista de Saúde Pública,
v. 33, pp. 198-205.
GARRIDO, R. e MENEZES, P. R. (2002). O Brasil está envelhecendo:
boas e más notícias por uma perspectiva epidemiológica. Revista
Brasileira de Psiquiatria, n. 24 (Supl. I), pp. 3-6.
HERRMAN, H.; PATRICK, D.L.; DIEHR, P.; MARTIN, M. L.;
FLECK, M.; SIMON, G. E. e BUESCHING, D. P. (2002). Longitudinal investigation of depression outcomes in primary care in
six countries: the LIDO study. Functional status, health service
use anda treatment of people with depressive symptoms. Psychol
méd., n. 32, pp. 889-902.
HULLEY, S. B.; CUMMINGS, S. R.; BROWNER, W. S.; GRADY, D.;
HEARST, N. e NEWMAN, T. B. (2003). Delineando a pesquisa
clínica: uma abordagem epidemiológica. 2 ed. Porto Alegre, Artmed.
HWANG, H.; LIANG, W; CHIU, Y. e LIN, M. (2003). Suitability
of the WHOQOL-Bref for community-dwelling older people in
Taiwan. Age Ageing, v. 32, n. 6, pp. 593-600.
IBGE (2006). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível
em http://www.ibge.com.br. Acesso em 10/7/2006.
JAKOBSSON, U.; HALLBERG, I. R. e WESTERGREN, A. (2004).
Overall and health related quality of life among the oldest old in
pain. Qual Life Res., v. 13, n. 1, pp. 125-36.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
242 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
JOIA, L. C. et alii (2007). Condições associadas ao grau de satisfação
com a vida entre a população de idosos. Rev. Saúde Pública, v. 41
(fev.), n.1.
KUEHNER, C. (2002). Subjective quality of life: validity issues with
depressed patients. Acta Psychiatr Scand., n. 106, pp. 62-70.
LAWTON, M. P. (2001). The physical environment of the person
with Alzheimer’s disease. Aging Mental Health; Suppl., n. 1,
pp. 56-64.
MORAES, J. F. D. e SOUZA, V. B. A. (2005). Fatores associados ao
envelhecimento bem-sucedido de idosos socialmente ativos da
região metropolitana de Porto Alegre. Brasileira de Psiquiatria,
v. 27, n. 4, pp. 302-308.
MORIGUCHI, E. H. e DA CRUZ, I. B. M. (2002). Projeto Veranópolis:
reflexões sobre envelhecimento bem-sucedido. Veranópolis, Oficina da
Longevidade.
NERI, A. L. (2001). “Velhice e qualidade de vida na mulher”. In:
NÉRI, A. L. (org.). Desenvolvimento e envelhecimento. Campinas,
SP, Papirus.
PARADELA, E. M. P.; LOURENÇO, R. A. e VERAS, R. P. (2005).
Validação da escala de depressão geriátrica em um ambulatório
geral. Rev. Saúde Pública, v. 39 (dez.), n. 6.
PASCHOAL, S. M. P. (2002). Estudo da velhice no século XX: qualidade
de vida na velhice. In: NETTO, M. P. Tratado de Geriatria e
Gerontologia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
PEREIRA, R.; COTTA, R. e FRANCESCHINI, P. et alii (2006).
Contribuição dos domínios físico, social, psicológico e ambiental
para a qualidade de vida global de idosos. Revista de Psiquiatria
RS, v. 28 (jan./abr.), n. 1, pp. 27-38.
QUIROGA, P.; ALBALA, C. e KLAASEN, G. (2004). Validation of a
screening test for age associated cognitive impairment. Chile Rev
Med Chil, v. 132, pp. 467-478.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 243
SHERBOURNE, C. D.; MEREDITH, L. S.; ROGERS, W. e WARE, J.
E. (1992). Social Support and Stressful life events: age differences
in their effects on health related quality of life among chronically
ill. Qual life Res., v.1, n. 4, pp. 235-246.
SPRANGERS, M. A.; DE PEGT, E. B.; ANDRIES, F.; VAN AGT,
H. M.; RIJL, R. V. e DE BOER, J. B. (2000). Which chronic
conditions are associated with better or poorer quality of life?
J Clin Epidemiol., v. 53, n. 9, pp. 895-907.
THE WHOQOL GROUP (1995). The World Health Organization
Quality of Life Assessment (WHOQOL): Position Paper
from the World Health Organization. Soc Sci Med., v. 41,
pp. 1403-1409.
TIMM, L.A. (2006). A qualidade de vida no idoso e sua relação com o lócus
de controle. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia.
PUCRS.
TRENTINI, C. M. (2004). Qualidade de vida em idosos. Tese de doutorado.
Porto Alegre, RS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
VERAS, R. P. e ALVES, M. I. C. (1995). “A população idosa no Brasil:
considerações acerca do uso de indicadores de saúde”. In: MINAYO,
M. C. Os muito Brasis: saúde e população na década de 80. Rio de
Janeiro, Hucitec (Saúde em Debate, 79).
XAVIER, F. M.; FERRAZ, M. P. T.; MARC, N.; ESCOSTEGUY, N. U.;
MORIGUCHI, E. H. (2003). A definição dos idosos de qualidade
de vida. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 25, n. 1, pp. 31-39.
XAVIER, F. M.; FERRAZ, M. P. T.; BERTOLLUCCI, P.; POYARES,
D. e MORIGUCHI, E. H. (2001). Episódio depressivo maior,
prevalência e impacto sobre QV, sono e cognição em octagenários.
Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 23, n. 2, pp. 62-70.
Data de recebimento: 10/7/2007; Data de aceite: 16/8/2007.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
244 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez
Waleska P. Farenzena – Psicóloga do Programa de acompanhamento longitudinal “Projeto Veranópolis”, mestranda em Ciências da Saúde, da PUCRS. E-mail:
[email protected]
Irani de L. Argimon – Psicóloga, doutora em Psicologia Clínica (PUCRS), professora do PPG – Psicologia Clínica (PUCRS). E-mail: [email protected]
Emílio Moriguchi – MD, Phd, pesquisador do Serviço de Cardiologia do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre. E-mail: [email protected]
Mirna W. Portuguez – Doutora em Neurociências (Unifesp), professora do
PPG em Medicina e Ciências da Saúde – Famed – (PUCRS). E-mail: mirna@
pucrs.br
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243
A importância do bom funcionamento
do sistema mastigatório para o processo
digestivo dos idosos
Fernando Luiz Brunetti Montenegro
Leonardo Marchini
Ruy Fonseca Brunetti
Carlos Eduardo Manetta
RESUMO: nosso interesse foi fazer uma correlação entre a importância da boa
função dentária e sua capacidade na ingestão de nutrientes-chave, visando um
adequado funcionamento do sistema digestivo, de vital necessidade para o estado de saúde geral, que permitirá ao idoso enfrentar as prováveis vicissitudes da
terceira idade.
Palavras-chave: gerontologia; geriatria; odontogeriatria.
ABSTRACT: Our interest was to make a correlation between the importance of a good
dental function and its capacity in the ingestion of key nutrients, aiming at the adequate
functioning of the Digestive System, which has a vital importance for the general health
state, enabling the elderly to cope with the probable vicissitudes of Third Age.
Keywords: Gerontology; Geriatrics; Geriatric Dentistry.
Nos séculos anteriores ao XX, a população idosa era uma porção
relativamente pequena do total demográfico e, em sua grande maioria, composta de indivíduos edêntulos, uma decorrência do hábito de
pouco freqüentarem os “consultórios” odontológicos daquelas épocas,
não afeitos à prevenção e à preservação, e na essência mutiladores.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
246
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
Felizmente, essa não é a realidade atual ou mesmo a esperada no século XXI: os idosos são um estrato emergente, com mais educação,
informação política e o mais importante é que possuem mais elementos dentários remanescentes. Isso tem trazido e trará, no nosso país,
um imenso rol de necessidades, as quais a área de saúde não estava
acostumada a atender, tanto pelo número significativo de pacientes –
cerca de 18 milhões em 2007 – como por suas expectativas sociais, funcionais e estéticas (Brunetti e Montenegro, 2002b; Leite e
Montenegro, 2006).
Enfocamos o idoso atual, suas características diferenciais no
campo odontológico, bem como suas necessidades, presentes e futuras, criando um entrosamento entre diversos colegas da área de saúde,
sendo que cabe aos cirurgiões-dentistas fazer uma revisão e ampliação
de seus conhecimentos visando preencher essa importante e inevitável
lacuna social, já uma realidade para colegas dos países desenvolvidos
e um ponto a pensar e agir efetivamente neste novo século em nosso
país (Montenegro et alii, 2004).
As pessoas acima de 65 anos de idade deverão ser, no Brasil,
cerca de 32 milhões no ano de 2050, um crescimento de mais de
400% em relação aos anos 90 do século XX. No mesmo período,
os de meia-idade aumentarão apenas 27% nas previsões do IBGE
(1995), realizadas no início dos anos 90. Isso cria uma necessidade de
dar atenção a esse previsto aumento na demanda de serviços médicos
e odontológicos, uma vez que, nos dias de hoje, nossa população de
idosos já é maior que o total de habitantes de Portugal (Jacob Filho,
2003; Montenegro, 2005).
Um dos fatores de diminuição da qualidade de vida e saúde geral
entre os idosos está intimamente relacionado com a possibilidade de
ingestão de bons nutrientes, que, geralmente, exigem a presença de
dentes naturais sadios ou de próteses dentárias bem adaptadas, que,
quando não estão em boas condições de funcionamento e trituração
dos alimentos, acabam por mudar hábitos alimentares, tendo como
conseqüência a depauperação orgânica, com o aumento dos problemas
digestivos decorrentes de uma apresentação inadequada do bolo alirevista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 247
mentar em seu interior. A mudança para dietas mais pastosas/macias,
para suplantar tais problemas bucais, longe de resolver o problema, em
médio prazo, só causa seu incremento e a perda de um bom viver entre
os mais idosos, especialmente entre os institucionalizados (Brunetti e
Montenegro, 2000; Ettinger, 1973; Leal e Montenegro, 2004).
Também dietas mais macias/pastosas acumulam-se mais sob a
superfície dentária dando início/prosseguimento aos problemas gengivo/
periodontais, bem como mudam o tônus dos músculos da mastigação
(que não serão tão exigidos no dia-a-dia), com evidentes comprometimentos estéticos (rosto com sulcos pronunciados) e funcionais (perdas de
dentes não repostas e/ou prótese não adaptadas, com dentes desgastados
que levam à perda da dimensão vertical da face, com problemas para o
ciclo mastigatório e até para articulação temporo-mandibular (Marchini
e Cunha, 1999; Martins et alii, 2004; Montenegro, 2004).
Ciclo mastigatório
O ciclo mastigatório é constituído por uma série de movimentos
dos alimentos dentro da cavidade bucal, durante os quais, além de sua
diminuição em volume, recebe a vital umectação (“molhamento”) da
saliva, facilitando sua redução e preparo para a ingestão. Para tanto,
a participação dos dentes (em bom estado ou de próteses bem adaptadas) é fundamental, desde a colocação dos alimentos na boca, onde
são cortados pelos incisivos, sendo os mais resistentes, como as carnes,
dilacerados pelos caninos. Passado esse estágio, é iniciada a trituração,
tornando, pela ação dos pré-molares, mais fácil o “molhamento” do
bolo alimentar. Essa função é complementada pela ação dos molares (primeiros, segundos e terceiros), cuja trituração no estilo pilão/
cuia acaba, com a fundamental ajuda da língua, das bochechas, dos
lábios, por formatar o bolo alimentar para sua ingestão e trabalho pelos
demais componentes do sistema digestivo (Brunetti, Montenegro e
Manetta, 1998).
Para que essa trituração/maceração ocorra, é preciso que os dentes
participem ativamente: por isso eles possuem pilão (cúspides “pontas”)
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
248
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
e cuia (fossas onde as pontas das cúspides se alojam) para que, com os
diversos movimentos do único osso móvel da face, a mandíbula, possam
passar diversas vezes por essas superfícies, reduzindo o bolo à forma
semipastosa, mas trabalhada com a ação dos componentes da saliva,
que é necessária para o início da digestão (Gerhardt , Montenegro e
Vendola, 2004; Marchini, 2000).
Porém, essas movimentações não são aleatórias e seguem um
ciclo, ou seja, os alimentos são apreendidos, dilacerados, triturados de
um lado da boca, “formatados” pela ação da língua, dos músculos e
das bochechas, repassados ao outro lado da boca, escorrendo pela face
interna dos dentes anteriores superiores. Após uma mastigação adequada, com uma perfeita umectação pela saliva, está apto a ser ingerido.
O movimento descrito tem a forma de uma gota de água.
Nos primórdios da humanidade, os indivíduos só tinham alimentos não “beneficiados”, ou seja, exigiam grande potência muscular para
realizar o ciclo acima proposto. Com o correr dos séculos, por influências
culturais e sociais diversas, o homem procurou facilitar esse trabalho e,
para tanto, lançou mão de subterfúgios, como aquecimento, imersão em
molhos amaciantes, envolvimento com folhas de árvores diversas, com
o único objetivo final de facilitar o processo de mastigação, fundamental para um bom funcionamento de todo o trato digestivo (Brunetti e
Montenegro, 2002a; Salton e Montenegro, 2003).
Dessa forma, a costela do animal selvagem e a fruta in natura
foram posteriormente trocadas por suflês, papas, sopas, sucos, para os
quais o liquidificador e a batedeira substituíram os dentes no ato de
diminuir os alimentos. Isso também trouxe uma série de outras implicações na constituição dos sucos gástricos e nas características de seus
componentes. Tal mudança alimentar, ainda que gradativa para o ser
humano, vem sendo observada como extremamente crítica no que tange
a tonicidade dos músculos mastigatórios e faciais, na correta embebição
do bolo alimentar pela saliva e do seu trânsito pelo trato digestivo: é
o que afirmam diversos dos autores consultados.
Shimazaki e Tanaka (2001) trabalharam com um grupo de 1.929
idosos no Japão, seguidos por seis anos, e observaram que uma menor
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 249
morbidade ocorria entre aqueles que possuíam mais de vinte elementos
dentários naturais, seguidos pelos que tinham próteses bem adaptadas.
Para os edêntulos ou com poucos dentes naturais remanescentes, concretizou-se expectativa de vida menor, bem como apresentou-se um
maior agravamento em seu estado geral de saúde.
O tempo de umectação do bolo alimentar pela saliva dentro da
cavidade bucal, além de facilitar o processo digestivo, tem, no caso dos
farináceos pouco beneficiados e das frutas e legumes, um fator benéfico
adicional, qual seja, o auxílio na limpeza e massageamento dos dentes
e das gengivas, trazendo claras vantagens, como entre a população
carente das zonas rurais brasileiras.
A formação do bolo alimentar é inata no ser humano e realçada
pelos alimentos ingeridos e por sua textura, que induzem a uma maior
concentração salivar e, ao mesmo tempo, todo o sistema digestivo já
se prepara para o alimento que está por vir (reforçando os aspectos
psicológicos embutidos na frase “comer com os olhos – e a mente”
(Nascimento, Montenegro e Marchini, 2004; Ourique e Montenegro,
1998).
No idoso brasileiro, com ausências parciais ou totais dos dentes,
grandes partes dessas sensações se perdem, bem como a eficiência na
mastigação é comprometida (por isso devem ser instruídos a mastigar
mais vezes, para obter um bolo bem formatado), particularmente em
uma época da vida que necessita ter sua máquina funcionando com a
maior eficiência possível.
Condição bucal das pessoas da terceira idade
A população de terceira idade é um grupo bastante heterogêneo,
devido às condições sociais, econômicas e de saúde geral, mas algumas
características podem ser comuns a todas as faixas etárias.
Devido a uma política de saúde no mínimo contraditória em
nosso país, na segunda metade do século XX, foi dado enfoque maior às
crianças e aos adolescentes, deixando os indivíduos idosos à sua própria
sorte e sem qualquer suporte mais dirigido por parte do Estado.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
250
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
Mesmo assim, devido à melhora das condições gerais de saúde
de toda a população, houve um aumento na expectativa de vida, que,
com certeza, influenciou nas previsões do IBGE, mostradas anteriormente.
A maior queixa bucal do indivíduo idoso é a perda da eficiência
mastigatória, decorrente da perda de muitos dentais naturais ou de
próteses com adaptação inadequada e reflexo do abandono preventivo
estatal nos últimos decênios, sem que haja uma política odontológica
dirigida, constante e abrangente em nível nacional.
Inicialmente, o indivíduo nessa condição tende a retrair-se socialmente (ante sua aparência), exatamente quando estava numa fase
extremamente profícua de difusão de conhecimentos e enriquecedora
na troca de experiências vividas, tornando-se um “mutilado social”
(Brunetti e Montenegro, 2003).
Prosseguindo nesse processo de afastamento, as conseqüências
psicológicas serão inevitáveis, podendo chegar a um desinteresse pelos
alimentos ditos saudáveis (e mais consistentes) trocados por uma dieta
mais macia e pobre em nutrientes adequados, com o surgimento de
deficiências nutricionais que irão comprometer o funcionamento de
diversos órgãos. Por esse lado, geralmente negligenciado pelo profissional imediatista, é que a perda pura e simples de um dente acaba
por envolver todo o organismo do indivíduo, tanto em um enfoque
holístico como na realidade orgânica a médio e longo prazos (Ourique
e Montenegro, 1998).
A boca, que é o ponto inicial do sistema digestivo, pela ação
prioritária das mucopolisacaridases e proteases presentes na saliva, é a
responsável pela correta formatação do bolo alimentar, que é a base de
uma condição orgânica, funcional e nutricional adequada.
No indivíduo total ou parcialmente edentado, há uma dificuldade
intrínseca no trabalho do bolo alimentar, o que o obriga a procurar, no
uso de outros alimentos mais adequados à eficiência mastigatória agora
existente, o que foi confirmado pela pesquisa de Ettinger (1973), que
observou 78,7% dos indivíduos idosos possuírem problemas alimentares
e somente 17,5% poderem mastigar carnes e frutas consistentes.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 251
Essa inevitável perda de um balanceamento alimentar cria condições teciduais, especialmente nas mulheres (92,9%), desfavoráveis
para uma mastigação adequada com próteses antigas e desadaptadas. O incômodo causado pelo uso desses aparatos nessas condições
precárias de funcionamento, diuturnamente, gera uma tendência
de que as mulheres cheguem ao edentulismo antes dos homens
(Brunetti e Montenegro, 2002b; Marchini, Montenegro e Brunetti, 1999;
Montenegro e Brunetti, 2003).
Em um país de terceiro mundo como o nosso, o custo do quilo de
carne também ajuda a agravar a deficiência nutricional, e a opção por
produtos macios e com um conteúdo protéico crítico ou muitas vezes
inexistente (biscoitos, salgadinhos, por exemplo) cria uma condição que
apenas vai retroalimentar os graves casos de debilitação observáveis na
clínica geriátrica, segundo Jacob Filho (2003).
Por isso, nossa indicação é que, antes de nos preocuparmos com
que tipo de trabalho deva receber o paciente, o profissional faça uma
análise geral da dieta (com a anotação de alimentos e quantidades ingeridas por refeição) para, daí, poder começar a traçar um perfil mais
abrangente daquele ser que se encontra a seu lado.
A digestão e a assimilação das proteínas exigem uma produção
adequada do ácido hidroclorídrico, pepsina e renina nos sucos gástricos,
somada à tripsina, oriunda do pâncreas. Com a idade, essas secreções e
as enzimas poderão reduzir-se, o que resulta em uma digestão menos
eficiente (e a capacidade de absorção de proteínas) e crises de indigestão
que tenderiam a ser comuns em idosos com alimentação pobre em nutrientes adequados (Kina, Belotti e Brunetti, 1998; Manetta, Brunetti
e Montenegro, 1998; Osterberg e Landahl,1994).
Uma dieta balanceada para cada idoso, a ser proposta por um
nutricionista da equipe de saúde, apenas reforça o conceito difundido
de que a digestão se inicia na boca e seria prejudicada por condições
inadequada nela encontradas.
A função imune, que pode variar muito entre as pessoas de terceira
idade, sofre, com o tempo de vida, uma perda funcional que compromete, por exemplo, a resistência às infecções, também pela diminuição da
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
252
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
capacidade reprodutiva das células T, criadas no início da adolescência.
Nos anticorpos IgG, IgA e IgM dos idosos observa-se um decréscimo
do número encontrável na saliva (Neves e Montenegro, 2004).
Em função das alterações neuromusculares associadas ao envelhecimento, mudanças na ingestão de alimentos podem ocorrer como
sua aspiração, mastigação incompleta, refluxos ou inalação.
A tonicidade da musculatura da língua é outro aspecto (e os
estudos de Berg e Morgenstern, em 1997, confirmam esse ponto) que
acaba por criar mais um fator de readaptação das pessoas idosas para
conseguirem que o bolo alimentar possa atingir o estômago de forma
mais adequada.
Mas não foi obtida uma correlação da idade com a capacidade
gustativa, por ser o último um fenômeno complexo que envolve a sensibilidade olfativa, tátil e a capacidade cognitiva, como, por exemplo,
nos alimentos salgados, conforme mostraram, em 1994, Osterberg e
Landahl: que a condição gustativa da ponta da língua era maior nos
jovens que nos idosos. Tal fato não ocorreu nos alimentos doces. Já o
estudo demostrou que há uma pequena falha em identificar sabores
amargos, enquanto que, para os ácidos, não foi notada alteração significativa.
Como se forma uma camada de restos celulares e de alimentos
nas porções mais posteriores da língua (a chamada saburra lingual),
sua limpeza diária se faz mister. Conta-se agora com higienizadores
de língua disponíveis no comércio brasileiro, como afirmam Leite e
Montenegro (2006), inclusive promovendo a desobliteração das papilas
gustativas, que permitirá melhor percepção do doce e do salgado na
dieta de pacientes diabéticos e hipertensos, respectivamente.
O decréscimo do fluxo salivar com a idade é um fato comprovado
por diversos estudos (e suas implicações diretas com a capacidade de
adaptação às próteses e as decorrentes queixas dos pacientes idosos
após suas instalações) e que pode ser enormemente potencializada
pelas medicações (e suas interações), já que o idoso acaba por usar diferentes fármacos no seu dia-a-dia. Isso apenas reafirma a necessidade
do profissional que o atende estar com domínio dos mais usados e suas
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 253
interações. Talvez a análise do fluxo salivar seja o fenômeno relacionado
com a idade mais estudado na odontologia, afirmaram Osterberg e
Landahl (1994).
Todos os fatores até aqui citados têm envolvimento com a homeoestenose, que é uma perda da reserva fisiológica ante as agressões
externas como um trauma, doença aguda ou alterações acentuadas de
temperatura (Montenegro, Brunetti e Manetta, 1998).
Outro aspecto geralmente observado no idoso é a halitose,
muitas vezes citada pelo paciente como tendo origem odontológica.
O profissional deve observar imediatamente se existem crostas sobre a
língua, aumento das enzimas bacterianas (teste BANA) e fazer a análise
de acúmulo de placa bacteriana e de locais de sangramento, e, após
um programa de sete dias de limpeza da cavidade bucal, higienização
e bochechos com clorhexidina, se não forem observadas melhoras,
deve-se procurar por causas esofágicas ou gastrointestinais, conforme
afirmaram Neves e Montenegro (2004).
Apesar das diversas situações aqui mostradas, deve-se ter em
mente que os fatores emocionais são um dos meios mais marcantes de
afastar o cidadão da comunidade onde vive.
O fato de não ter dentes tratados ou a ausência de prótese total
ou de uma prótese parcial removível adequada aguça um sentido de
mutilação que é característico da idade avançada. Seja na família, no
trabalho ou nos ambientes sociais, o idoso não deve ter restrições para
sorrir, falar ou selecionar alimentos adequados à sua condição funcional
de mastigação (Gerhardt, Montenegro e Vendola, 2004).
O idoso do terceiro milênio deverá ter pequenas restrições, mas
deverá estar engajado em um convívio pleno na família e comunidade.
A triste e velha imagem de um ser retraído com severa deformidade
facial causada pela ausência de dentes e muitas vezes pela não tolerância
e aceitação de aparelhos protéticos totais é um quadro do passado.
A moderna prática da odontologia, pari passu com a geriatria,
comunga os mesmos ideais da medicina em tornar o idoso um ser feliz
em uma fase tão importante da vida, mantendo ou restabelecendo a
vital integridade do sistema mastigatório.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
254
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
Considerações finais
Nesta avaliação da presença da odontologia na qualidade de vida
do idoso, entendemos que uma mudança nas condutas, daqui por diante,
irá diminuir profundamente a incidência de patologias bucais, já que
quanto mais se educam as populações, menores serão os males a ocorrer
nos diversos sistemas orgânicos dos indivíduos da terceira idade.
Desde já a prevenção deve ser um fator primordial nas atividades da odontologia, tanto por parte dos cirurgiões-dentistas como por
todo o corpo de saúde, devidamente orientado, e para tanto devemos
usar todos os meios de divulgação à comunidade que a mídia atual nos
proporciona, bem como trabalhando junto ao pessoal de suporte em
hospitais e casas de repouso, governamentais e particulares.
Essa é uma realidade palpável em países do primeiro mundo,
onde a educação preventiva de seus habitantes é prioritária e com frutos
claros e eficientes, e que, esperamos, seja o ideal a ser atingido em países
como o Brasil, com grandes massas de desassistidos odontológicos e de
saúde preventiva em geral.
Deve ser esse o compromisso da odontologia brasileira com um
novo tempo para que esses indivíduos vivam na plenitude de saúde e
função de seu sistema mastigatório, participando das responsabilidades de toda a área de saúde e gerontologia para com os pacientes de
terceira idade.
Referências
BERG, R. e MORGENSTERN, N. (1997). Physiologic changes in the
elderly. Dental Clinics of North America. Philadelphia, Saunders, v.
41, n. 4, pp. 651-668.
BRUNETTI, R. e MONTENEGRO, F. (2000a). Odontogeriatria: preparese para o novo milênio. 19o CIOSP. São Paulo, Artes Médicas.
(2002a). Odontogeriatria-noções de interesse clínico. São Paulo, Artes
Médicas.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 255
BRUNETTI, R. e MONTENEGRO, F. (2002b). Prótese total na terceira
idade. Prótese total atual, v. 6, n. 4, pp. 236-259.
(2003a). Prepare-se bem para a 3a idade. Gazeta de Botucatu,
v. 46, n. 2202, p. 16.
(2003b). O futuro está chegando: vem aí a odontogeriatria.
Essencial em revista, APCD-Jardim Paulista, v. 1, n. 5, pp. 4-5.
(2003c). “Odontogeriatria: um importante fator no envelhecimento
saudável”. In: Odontologia integrada, Rio de Janeiro, Medsi.
BRUNETTI, R.; MONTENEGRO, F. e MANETTA, C. (1998).
“Funções do sistema mastigatório para os idosos”. In: Atualidades
em Geriatria. São Paulo, Soriak.
ETTINGER, R. (1973). Diet, nutrition and mastigatory ability in
elderly patients. Australian Dental Journal, v. 18, n. 1, pp. 19-26.
GERHARDT, R.; MONTENEGRO, F. e VENDOLA, C. (2004).
A terceira dentição. Revista da Folha de S. Paulo, v. 13, n. 639,
pp. 18-20.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1995). Projeções
preliminares de população no período 1980-2020. Departamento de
Indicadores Sociais do IBGE, Rio de Janeiro, IBGE (folder).
JACOB FILHO, W. (2003). Terapêutica do Idoso. São Paulo, Fundo
Editorial BYK.
KINA, S.; BELOTTI, A. e BRUNETTI, R. (1998). Alterações da
sensibilidade gustativa no paciente idoso. Atualidades em Geriatria,
v. 3, n. 18, pp. 20-22.
LEAL, I. e MONTENEGRO, F. (2004). Para ter um sorriso maduro.
Saúde Especial, v.2, n.1, pp. 54-57.
LEITE, J. e MONTENEGRO, F. (2006). A importância dos limpadores
linguais nos idosos. Disponível em: www.portaldoenvelhecimento.
net/odontogeriatria. Acessado em 15/3/2006.
MANETTA, C.; BRUNETTI, R. e MONTENEGRO, F. (1998).
Interações entre a medicina e a odontologia nos idosos – parte I.
In: Atualidades em Geriatria, v. 3, n. 19.
MARCHINI, L. (2000).Tratamento especial com os idosos. Check Up,
v. 3, n. 30, pp. 12-13.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
256
F. L. B. Montenegro, L. Marchini, R. F. Brunetti e C. E. Manetta
MARCHINI, L. e CUNHA,V. (1999). Odontologia geriátrica: um
panorama geral. Revista da Faculdade de Odontologia do Planalto
Central, v. 2, n. 1, pp. 16-20.
MARCHINI, L.; MONTENEGRO, F. e BRUNETTI, R. (1999).
Acompanhamento odontológico em centros geriátricos. Atualidades
em Geriatria, v. 4, n. 24, pp. 34-36.
MARTINS,V.; MONTENEGRO, F.; VENDOLA,C. e TERRA, V.
(2004). Cirurgiões dentistas estão sendo cada vez mais procurados
por pacientes idosos. Jornal da Associação Paulista de Cirurgiões
Dentistas, v. 39, n. 569, p. 11.
MONTENEGRO, F. (2004). Prevenção na terceira idade. Omint News.,
v. 12, n. 19, p. 4.
(2005). A odontogeriatria e o envelhecimento saudável. Revista da
Associação Paulista de Cirurgiões Dentista, v. 1, n. 2, pp. 6-7.
MONTENEGRO, F. e BRUNETTI, R. (2003). Odontogeriatria: uma
nova opção de trabalho no século XXI. São Paulo, Artes Médicas.
MONTENEGRO, F.; BRUNETTI, R. e MANETTA, C. (1998).
Interações entre a medicina e a odontologia nos idosos – parte
II. Atualidades em Geriatria, v.3, n. 20, pp. 5-12.
MONTENEGRO, F.; PEREIRA, C.; MARCHINI, L. e BRUNETTI,
R. (2004). Reported oral side effects of medications in the elderly: a very important point of discussion by the health team.
European College of Gerodontology, Helsinki. Munksgaard, v.1,
abst. 22, p. 12.
NASCIMENTO, D.; MONTENEGRO, F. e MARCHINI, L.(2004).
Phsycosocial influence overcoming technical aspects in the elderly
prosthodontic care. Scandinavian Society for Prosthetic Dentistry,
Helsinki,Munksgaard , v. 1, abst. 8, p. 13.
NEVES, L. e MONTENEGRO, F. (2004). Odontogeriatria aconselha
o uso regular do raspador lingual. Hoje em dia, v. 16, n. 5564,
p. 29.
OSTERBERG, T. e LANDAHL, S. (1994). Salivary flow saliva pH
and buffering capacity in 70 years old persons. Journal of Oral
Rehabilitation, v. 11, n. 2, pp. 157-170.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório... 257
OURIQUE, S. e MONTENEGRO, F. (1998). Interferências subjetivas
em odontologia geriátrica: relato de caso clínico. Revista Paulista
de Odontologia, v. 10, n. 5, pp. 41-44.
SALTON, W. e MONTENEGRO, F. (2003). Atualidades na odontogeriatria,
v. 3, n. 8, p. 4.
SHIMAZAKY, Y. e TANAKA, S. (2001). Influence of dentition
status on physical disability, mental impairment and mortality
in institutionalized elderly people. Journal of Dental Research,
v. 80, n. 1, pp. 408-413.
Data de recebimento: 20/2/2007; Data de aceite: 10/6/2007.
Fernando Luiz Brunetti Montenegro – Cirurgião-dentista, professor de Especialização na Abeno, UnG e ABO. E-mail: [email protected].
Leonardo Marchini – Cirurgião-dentista, professor na Univap, Unitau e Abeno.
E-mail: [email protected].
Ruy Fonseca Brunetti – Cirurgião-dentista, professor emérito da Unesp. E-mail:
[email protected].
Carlos Eduardo Manetta – Cirurgião-dentista, professor na Unip, ABO e Abeno.
E-mail: [email protected].
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 245-257
Resenha
A roda da vida
Lenina Lopes Soares Silva
KÜBLER-ROSS, Elisabeth (1998). A roda da vida: memórias do viver e
do morrer. Tradução de Maria Luiza Newlands Silveira. Rio de Janeiro,
GMT.
Pensar a vida como uma roda é, com certeza, refletir sobre a circularidade dos movimentos das pessoas vivas, em especial daquelas que
ficaram vivificadas em nossa memória e, de certa forma, compreender
a vida como uma travessia entre o nascimento e a morte, sem que esta
última signifique um fim. Talvez seja também reconstruir o vivido pelas
idas e voltas que compuseram os caminhos percorridos e a percorrer.
Quem sabe sem deixar que muitos fatos fiquem de fora do holograma
pulsante da reflexividade que vai se amalgamando na memória e que
nas narrativas autobiográficas é vivificado. É nesse sentido que Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), médica psiquiatra, suíça, radicada nos
Estados Unidos vai traduzindo sua vida nesta autobiografia: A roda
da vida: memórias do viver e do morrer, circundando suas experiências e
vivências como pessoa e como profissional.
Deixa, dessa maneira, para a humanidade, as particularidades
de seu destino como filha, mulher, esposa, mãe e, especialmente, como
profissional da saúde, as reflexões de um ser humano que viveu sempre
preocupado com os outros e que quer deixar esse significado de vida
para as pessoas. Nesse sentido, entende-se que, sendo uma cientista
cujas experiências a levaram à proposição de que as pessoas passam
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263
260
Lenina Lopes Soares Silva
por estágios antes de morrer, essa escrita de si traz a vida e a morte
como processos in/diferenciados no caminho a ser trilhado pelos que
nascem.
O livro é dividido em quatro partes, compostas por quarenta
capítulos e 313 páginas. Na primeira parte, “O camundongo” ou os
primeiros anos de vida, são relatadas suas vivências junto à família na
Suíça, culminando com suas experiências diante das imagens das atrocidades da Segunda Guerra Mundial, como voluntária na Polônia. Os
encontros com os horrores da guerra e com seres humanos com grande
nível de desenvolvimento espiritual fizeram-na decidir ter como objetivo
de vida procurar fazer tudo que fosse possível para garantir que “as
futuras gerações não produzissem um outro Hitler” (p. 86). Diante do
horror de Maidanek, questiona-se: “Como homens e mulheres podem
fazer coisas assim uns aos outros? Como é que as pessoas, especialmente mães e crianças, sobreviviam no decorrer daquelas semanas e dias
antes da morte que tinham como certa?” Afirma que saiu dali refletindo como os seres humanos podem agir de forma tão criminosa com
outros humanos, em especial com crianças inocentes, compreendendo
que em cada ser humano habita um Hitler; não há diferença entre as
mães e que o amor transcende língua e nacionalidade, e que compete
aos humanos fazerem suas escolhas.
A segunda parte, “O urso” ou o início da meia-idade, é a parte
mais longa da narrativa, e nela a autora fala de sua formação em medicina e dos problemas enfrentados, de suas relações com professores
e colegas, de seu encontro com Indira Gandhi, de suas experiências
como médica no interior da Suíça e em grandes hospitais nos Estados
Unidos, de seu casamento e do nascimento de seus filhos. Revela a
experiência como escritora em seu primeiro livro, intitulado Sobre a
morte e o morrer, no qual discorre sobre suas observações com pessoas
que sofreram perdas e também com seus pacientes terminais, cujas
reflexões a levaram a afirmar que todos passaram por estágios que,
inicialmente, são de choque e de negação, evoluindo para a raiva e o
rancor e, finalmente, chegam à mágoa e à dor. Nessa parte, ela vai
avaliando a vida e fazendo pontuações sobre o que considera fardos na
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263
A roda da vida 261
vida, mágoas, desentendimentos, incompreensões, chamando a atenção
para a negação social daquilo que não está confirmado cientificamente,
daquilo que é definido de outra maneira, uma nova maneira de pensar
– sobre a morte e o morrer, como no caso dela.
“O búfalo” é a terceira parte, que ela classifica como “final da
meia-idade”. Aqui a autora continua a avaliar sua vida, demonstrando
menos energia de enfrentamento e, com certa serenidade, sinaliza
acontecimentos desagradáveis que a fizeram sofrer muito, os quais ela
considera lições de vida cujos ensinamentos enfatiza como essenciais,
haja vista que, nessa memória, a vida é o arcabouço do aprendiz e é dela
que os seres humanos devem retirar suas hipóteses para refletir, fazer
escolhas, guiar seu processo de humanização e suas ações no mundo e
para o mundo.
Na quarta parte, “ A águia” ou os últimos anos de vida, a médica
que fez a proposição sobre a morte e o morrer discorre sobre a vida e
o viver, o que, na verdade, é a tese central deste livro. Tese defendida
com argumentos factuais de uma vida carregada de singularidades
que fizeram a diferença pelo amor e pela dedicação aos outros, pelos
serviços prestados e pelas atitudes de coragem diante das injustiças,
da falta de amor entre os humanos e do desrespeito à natureza. Sem
negar seus defeitos e suas qualidades, seus bons e maus hábitos, suas
carências e suas necessidades e já no final da vida ainda deixa para o
leitor o seguinte:
Felizmente, cheguei a um ponto em que não preciso mais voltar
atrás para aprender mais lições, mas, infelizmente, não estou
satisfeita com o mundo de onde estou partindo pela última vez.
O planeta inteiro está em dificuldades. Esta é uma época muito
frágil da história. A Terra foi maltratada durante um período
longo demais sem que se considerasse a possibilidade de graves
conseqüências. (p. 311)
A abordagem perpassada no livro é construída tendo como
parâmetro sua trajetória e o contexto sociocultural do século XX, em
que a autora viveu quase toda vida, o qual é por ela criticado, haja
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263
262
Lenina Lopes Soares Silva
vista os problemas sociais, culturais e, principalmente, humanos nele
contidos. Neste último, em que ela se inclui, buscando modificar a
realidade cruel das condições impostas à condição humana, naturalmente frágil, em seu momento de vida, procurando fazer a diferença
através de ações que podem ser compreendidas como humanitárias. A
estruturação do texto é comum, o que faz a diferença são os significados
dados à infância, à juventude, à formação em medicina, ao trabalho,
à idade adulta e à velhice, conduzidos com imaginação criativa, com
argumentos reflexivos e reversíveis, dando ênfase àquilo que vale a pena
ser narrado. Em muitos momentos, sentimos que foram feitos cortes
ou supressões, mas isso não afeta a compreensão do todo, não lhe tira a
coerência ou a coesão. Deixa, também, entrever que o objetivo do livro
é abordar os acontecimentos que marcaram sua vida e que, de certa
forma, delinearam seu destino, seus sucessos e insucessos. Assim, faz
dessa escrita de si uma escrita de razões em si, opondo-se ao desperdício
das experiências por ela vividas, quando diz: “Ao longo da vida surgem
pistas que nos indicam para que direção devemos seguir. Se não damos
atenção a essas pistas, fazemos opções erradas e acabamos levando uma
vida infeliz” (p. 22).
A leitura proporciona ao leitor uma interpretação da vida da
autora como de uma pessoa que viveu para superar obstáculos, pelos
registros de fatos e acontecimentos demarcados por ela como lições de
vida. Lições que transmite como unas e múltiplas por serem expressas
através de um único princípio “o amor incondicional” capaz de curar
pessoas e de fazê-las humanas o suficiente para se arriscarem em função de outro ser humano, de outro animal e até do planeta Terra, em
defesa da própria humanidade. A partir desse princípio, propõe uma
interpretação da vida e da morte como processos indissociáveis, como
atos contínuos, conflituosos que só podem adquirir significados através
de sentimentos capazes de entender a própria vida e a vida do outro
que muitas vezes está sofrendo ao seu lado, sempre em conformidade
com esse princípio, daí porque, além dos animais que nomeiam cada
uma das partes do livro, há um animal que pode ser encontrado em
todo o livro – a borboleta.
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263
A roda da vida 263
Em síntese, além das vidas pessoal e profissional, são expostas nas quatro partes do livro as amizades e as relações de ajuda por
ela vividas, como as que impulsionaram a roda de sua vida em todos
os momentos. Encontros, pessoas e lugares são as substâncias dessas
memórias do viver e morrer de alguém que, no final de sua vida, deixa
para nós – seus leitores – as seguintes questões: Que serviços você
prestou para a humanização do homem? O que fez para ajudar as
pessoas que estão a sua volta? Você dá o devido valor à aprendizagem
como um conteúdo de humanidade para aprimorar a sua existência?
E os seguintes ensinamentos: ajudar é preciso e necessário, e amar é o
que dá significado à existência.
Fazer outras reflexões seria, com certeza, tirar dos futuros leitores o prazer de novas interpretações. O livro pode ser indicado para
qualquer leitor que deseje fazer uma leitura proveitosa sobre a vida,
pois “nada acontece por acaso”; todavia, teria um sentido aplicativo, tão
em moda na atualidade, quando indicado para estudantes, professores
e profissionais da área da saúde por possibilitar, principalmente, uma
leitura reflexiva sobre a temática da humanização no atendimento a
pacientes terminais.
Vale a pena o desafio de lê-lo!
Data de recebimento: 10/8/2007; Data de aceite: 22/8/2007.
Lenina Lopes Soares Silva – Pedagoga, especialista em Psicopedagogia, mestre
em Ciências Sociais, doutoranda em Ciências Sociais – Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais – UFRN. E-mail: [email protected].
revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263
Normas para publicação
A revista Kairós aceita colaborações, sugestões e críticas, que
podem ser encaminhadas ao editor científico, no endereço que segue
abaixo.
Os artigos ou resenhas recebidos serão submetidos ao Conselho
Editorial, ao qual caberá a decisão da publicação. O Conselho Editorial
dispõe de plena autoridade para decidir sobre a conveniência de sua
aceitação, podendo, inclusive, reapresentá-los aos autores com sugestões
para que sejam feitas alterações necessárias nos textos e/ou para que
os adaptem às normas editoriais de publicação. Nesse caso, o trabalho
será reavaliado pelo Conselho Editorial. O respeito às normas para
publicação é condição obrigatória para o recebimento do trabalho.
O parecer será devidamente encaminhado para os autores. Originais
não aprovados não serão devolvidos, mas fica resguardado o direito
do(a) autor(a) divulgá-los em outros espaços editoriais.
Possíveis correções ortográficas serão feitas, visando a manter
a homogeneidade e a qualidade da publicação, respeitando, porém, o
estilo e a opinião do autor. Recomenda-se que o texto seja previamente
encaminhado a um revisor técnico, especialista no idioma.
(1) Os artigos devem ter de 10 a 15 páginas, incluindo notas
e bibliografia.
(2) Devem ser apresentados em programa Word for Windows, no
corpo 12, fonte Times New Roman, com espaço 1,5. Para reentrâncias
ou parágrafos, recomenda-se usar o comando de parágrafo com
1,27 cm na primeira linha.
Kairós
(3) Cada artigo deve conter resumo e abstract de, no máximo,
6 linhas e três palavras-chave.
(4) As notas referentes aos artigos devem constar no rodapé
das próprias páginas.
(5) Os dados de autoria necessários: nome, profissão, vínculo institucional e endereço ou e-mail.
(6) Toda referência bibliográfica deve aparecer completa: autoria, data, título, local de publicação, editora, número de páginas.
Numa obra em que não conste a data de publicação, favor esclarecer
s/d. Exemplos:
a) Livro como um todo
BERGSON, Henri (1990). Matéria e memória. São Paulo, Martins
Fontes.
b) Parte do livro
SIMÕES, Júlio Assis (1998). “A maior categoria do país: o aposentado como ator político”. In: BARROS, Myriam M. L. (org.).
Velhice ou terceira idade? São Paulo, FGV.
c) Periódicos
MARTINS, Joel (1998). Não somos cronos, somos kairós. Revista
kairós: Gerontologia – Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento. Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia. São Paulo, Educ, v. 1 n. 1, pp. 11-24.
d) Eventos publicados na forma de anais
SALGADO, Marcelo A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da
sociedade civil: mecanismos de controle social, monitoramento e execução, parcerias e financiamento. Síntese de Conferência. In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O
FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/SAS.
e) Teses, dissertações e monografias
MERCADANTE, Elisabeth Frohlich (1997). A construção da identidade e da subjetividade do idoso. Tese de Doutorado. São Paulo.
PUC-SP.
revista Kairós, São Paulo, 8(1), jun. 2005, pp. 265-267
Normas para publicação
f) Revistas
VEJA (Especial) (2001). O fantasma da solidão. Ano 34, n. 29 –
25/7/01.
g) Filmes
O gato sumiu (filme-vídeo) (1996). Direção de Cedric Klapifch.
França, Lumière Home Vídeo.
h) Internet e CD-ROM
Como a NBR 6023 não faz nenhuma menção sobre citação
de documentos eletrônicos, apresentamos como sugestão os seguintes exemplos:
GARCIA, Maurício (2000). Normas para elaboração de dissertações e
monografias (Online, 26/5/2000, http://www.uniabc.br/pos_graduacao/
normas.html).
GREEN, R. W. (1998). Sport and disease. New York, Lippincott-Raven
(CD-ROM).
Endereço Revista Kairós
Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe)
Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SP
R. Ministro Godói, 969
Perdizes – Cep 05015-000
São Paulo – Brasil
Térreo – sala 59
Telefone: (011) 3670-8216/3670-8274
E-mail: [email protected]
Site: http://www.pucsp.br/pos/gerontologia
O envio espontâneo de qualquer colaboração implica automaticamente a cessão dos direitos de publicação à Revista/Caderno Temático Kairós.
revista Kairós, São Paulo, 8(1), jun. 2005, pp. 265-267