O sexo forte
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O sexo forte
11.04 cultura visual Armando Vilas Boas www.avbdesign.com 5 newsletter APOGESD O sexo forte As mulheres na fotografia são algumas das modelos contratadas pela organização do Masters de ténis de Madrid, realizado em Outubro último, para cumprir as funções de apanha-bolas. Como se sabe, esta função é habitualmente desempenhada por um grupo de diligentes rapazes e raparigas praticantes de ténis que são recrutados para esta tarefa. Conhecendo as regras do jogo e estando familiarizados com o protocolo da modalidade, eles desempenham habitualmente a sua função com zelo e de forma imperceptível para o público durante o desenrolar das partidas. As meninas que figuram na imagem necessitaram de 15 dias de formação para aprender as tarefas que tinham de levar a bom termo. Ao contrário dos rapazes e das raparigas do costume, a sua presença foi bastante notória. A organização entendeu recorrer aos seus serviços exactamente pela sua visibilidade. Sendo modelos — ainda que algumas de nível bastante duvidoso —, a organização viu na sua presença uma forma de estimular audiências e de «embelezar» o espectáculo. Pois é aqui que a porca torce o rabo. Os meios mais conservadores da modalidade parecem não ter apreciado esta atitude. Entenderam tratar-se de uma forma de profanar a modalidade, forçando a atenção do público a recair sobre as apanha-bolas, distraindo-o do jogo em si. Ou seja, tratou-se na opinião deles de adicionar um factor meramente estético e supérfluo à modalidade, o qual de alguma forma terá perturbado o normal desenrolar da mesma. Esta questão não é nova, tendo surgido já não só em relação aos coadjuvantes do jogo como mesmo em relação aos próprios atletas — basta lembrarmo-nos de casos folclóricos como o basquetebolista Dennis Rodman (‘the worm’) ou a corredora Florence Griffith Joyner (‘FloJo’). A questão é premente na nossa era da imagem. É, no entanto, um pau de dois bicos. Se, por um lado, as meninas apanha-bolas fizeram uma triste figura ao longo do torneio, dando nas vistas pela forma desajeitada como corriam e pelas suas hesitações no lançamento das bolas, por outro não há nenhuma razão desportiva que determine que não possam ser elas a desempenhar esta tarefa. O que quase nos leva a dizer que, se alguém tem de o fazer, ao menos que seja alguém bonito. Na prática, parece ser esta a opinião do público em geral. Porque se os puristas em Madrid reagiram mal, o público parece ter tido opinião inversa. Parece-me inegável que as pessoas gostem de ver mulheres vistosas onde quer que seja: basta assistirmos a um espectáculo de casino, à publicidade na televisão ou visitarmos uma feira de fabricantes automóveis. E os publicitários sabem que não são só os homens que apreciam, mas também as mulheres. O contrário parece já não ser verdade: os homens, só por si, têm pouco poder de sedução sobre outros homens. A posição do gestor desportivo que organiza um evento destes não é fácil. Sabendo que com recurso a um expediente deste tipo pode facilmente aumentar a notoriedade do evento sem que o mérito desportivo saia prejudicado — e ainda que correndo o risco de ofender a cultura vigente nessa modalidade —, ele provavelmente não hesitará. Porque o público fica satisfeito e porque os patrocinadores certamente ficarão agradados com a imagem positiva que o evento veicula. Na perspectiva do gestor, a atitude justifica-se portanto facilmente, mesmo porque estando ela certa ou errada do ponto de vista da cultura tenista vigente, esta eventual introdução de novos hábitos gerará um retorno favorável. A ver vamos se os gestores do evento madrileno tinham ou não razão. Mas, num mundo relativamente hermético e elitista como a alta roda do ténis mundial, não deixa de ser uma atitude arrojada que se arrisca ou a cair completamente em saco roto ou a abrir um precedente que organizações futuras aproveitarão. É que, se pensarmos numa modalidade como a Fórmula 1, igualmente aristocrática e normativa, onde modelos esculturais se passeiam semi-vestidas, totalmente a despropósito, vemos que a questão sobre se faz ou não sentido ter apanha-bolas como estas no ténis parece perder a razão de ser.