Provisão de água e saneamento às cidadespequenas.

Transcrição

Provisão de água e saneamento às cidadespequenas.
Relatório
Provisão de água e saneamento
às cidades pequenas
Uma visão mais generalizada
“Somente ligar…
“Deixar de viver em fragmentos.”
E M Forster, Howard’s End
Um relatório da WaterAid
Dezembro de 2010
Elaborado por: Ken Caplan e Erik Harvey
Imagem da capa: WaterAid
www.small-towns.org
Relatório
Agradecimentos
Este relatório resume a análise inicial de factores que influenciam os serviços de provisão de água
e de saneamento nas cidades pequenas. Financiado no âmbito de um subsídio de planeamento
da Fundação Bill e Melinda Gates e coordenado por Rachel Cardone, a equipa de investigação
agradece em particular à Rachel e à Fundação pela oportunidade de explorar a questão da provisão
de serviços nas cidades pequenas através de uma perspectiva mais ampla.
Ken Caplan da BPD e Erik Harvey da WaterAid estão extremamente gratos às diversas pessoas que
contribuíram com tempo, esforço e ideias para que este trabalho fosse estimulante, desafiador
e, espera-se, inovador. Agradecemos especialmente aos funcionários dos programas nacionais da
WaterAid no Bangladesh, Madagáscar, Nepal, Nigéria, Tanzânia e Uganda pelas contribuições para
o conteúdo deste relatório, assim como pela contribuição e orientação durante o processo de
consulta aos intervenientes nos países; todos os entrevistados a nível nacional e internacional;
David Schaub-Jones da BPD pela sua liderança durante as visitas a Madagáscar e à Tanzânia e
participação e contribuições durante todo o processo; Alex Nash pelo apoio com a análise na
Nigéria; a Dra. Maimura Nalubega pelo apoio com a análise no Uganda; Karina de Souza e Rebecca
Welling pela investigação e preparação da revisão inicial da literatura; e Sarah Dobsevage e
Rebekah Gee da WaterAid pelo apoio de gestão do projecto durante todo o processo.
Um reconhecimento especial vai para os membros do Painel Consultor de Peritos – Adriana Allen,
Maggie Bangser, Prof. Roy Carr-Hill, Nishant Lalwani, James Manor, Meera Mehta, Prof. Njuguna
Ng’ethe e Gaye Thompson – que nos proporcionaram feedback e ideias incansáveis e perspicazes
que foram inestimáveis para nos ajudar a desenvolver o nosso modo de pensar sobre o trabalho.
Para além do mais, os nossos agradecimentos a Jeremy Ockelford pela orientação proporcionada
sobre o conteúdo, abordagem e informadores principais; a Josses Mugabi pelo apoio inicial para dar
forma às discussões, particularmente sobre a literatura; e a Mukami Kariuki pelo seu envolvimento
e contribuições.
Os nossos agradecimentos a Mark Bushnell pelo seu profissionalismo e diligência na recolha,
edição e produção dos vídeos que acompanham e ilustram este relatório e a John Spence Arnold
por capturar as sequências na Nigéria e na Tanzânia.
Finalmente, a todos os que participaram, estamos gratos pelo espírito com que se envolveram
neste exercício connosco, reconhecendo que a meta final nem sempre era óbvia e o processo foi
tão iterativo quão possível.
Por favor note que se houver erros factuais, são erros dos autores.
Este artigo deve ser citado como WaterAid/BPD (2010) Provisão de água e de saneamento nas
cidades pequenas. Uma visão mais generalizada.
1
Relatório
Conteúdo
Agradecimentos ..................................................................................................1
Resumo executivo ................................................................................................4
1
Introdução ......................................................................................................7
2 Qual é a questão das cidades pequenas? ......................................................8
2.1 A dificuldade em definir cidades pequenas no mundo em desenvolvimento ..............8
2.2 Compreender a necessidade urgente de soluções de água
e de saneamento nas cidades pequenas ............................................................11
2.3 O enigma das cidades pequenas......................................................................12
2.4 Quão diferentes são a água e o saneamento nas cidades pequenas? ......................12
2.5 Declarar o óbvio – linhas de investigação independentemente
da dimensão das povoações ..........................................................................13
3 Introdução da estrutura emergente ..............................................................15
3.1 Interesses dos diferentes grupos de intervenientes ............................................16
3.2 A dinâmica imprevisível – compreender as influências internas
e externas sobre as cidades pequenas ..............................................................17
3.2.1 Análise das conexões externas de uma cidade pequena ..............................19
3.2.2 Análise das ligações no âmbito das cidades pequenas................................22
3.2.3 Análise de uma cidade pequena a nível de agregado familiar ......................25
4 Definição de sustentabilidade nas cidades pequenas e trabalhar à escala ..28
5 Aprender de outros sectores ........................................................................30
6 Fazer o trabalho progredir ............................................................................31
Bibliografia ........................................................................................................33
Anexo – A nossa abordagem para com a tarefa: uma oportunidade única ..........35
2
Relatório
Tabelas
Tabela 1: Classificação de cidades pequenas nos seis países em estudo..............................10
Tabela 2: Estrutura analítica representada como matriz ..................................................18
Tabela 3: Análise dos níveis externos – perguntas de orientação a nível externo ..................20
Tabela 4: Análise a nível de cidade – perguntas de orientação a nível de cidade....................24
Tabela 5: Análise a nível de agregado familiar –
Tabela 5: perguntas de orientação a nível de agregado familiar ........................................27
Tabela 6: Temas iniciais da estrutura analítica ..............................................................37
Figuras
Figura 1: Elementos de análise....................................................................................17
Figura 2: Três níveis de conexão..................................................................................17
WaterAid
Figura 3: Estrutura analítica combinada........................................................................18
3
Relatório
Resumo executivo
As nossas cidades e cidades pequenas estão a expandir-se rapidamente. Em todo o mundo, mais de
50% da população vive agora em zonas urbanas. No mundo em desenvolvimento, esta alteração do
rural para o urbano é ainda mais extrema. Agora, para cada grande cidade, calcula-se que existem
dez cidades pequenas – e prevê-se que estas cidades irão duplicar tanto em número como em
dimensão dentro de 15 anos, e depois, dentro de 30 anos, irão duplicar outra vez (Pilgrim, 2007).
Apesar de reconhecermos uma cidade pequena quando a vemos, não é fácil defini-las e
compreendê-las. Em alguns países, as cidades pequenas podem ser classificadas como as que têm
uma população de entre 5.000 e 20.000 pessoas, noutros países os números chegam aos 80.000
ou mesmo 200.000. Esta diferença apresenta um desafio significativo quando se planeiam serviços
de saneamento e água apropriados e sustentáveis uma vez que a solução para uma cidade de
20.000 pessoas vai ser muito diferente da solução para uma cidade de 200.000 pessoas.
As cidades pequenas podem ter características tanto rurais como urbanas. As características
rurais relacionam-se com as ligações económicas à agricultura. As características urbanas podem
relacionar-se com a função da indústria ligeira na economia mas mais frequentemente estão ligadas
às condições de vida em função da densidade, e dos sistemas sociais em alteração, reflectindo
uma diversidade maior. Esta mistura de características urbanas e rurais pode minar as abordagens
de resolução dos problemas. As abordagens tipicamente rurais, como por exemplo a participação
e mobilização das comunidades tornam-se mais difíceis de gerir à medida que as comunidades
aumentam e se diversificam, ou seja, quando as práticas tradicionais de tomada de decisões
começam a desintegrar-se. Por outro lado, as cidades pequenas não têm os recursos das grandes
cidades, fazendo com que seja mais difícil aplicar as abordagens urbanas, em que existem
economias de escala ou subsídios transversais entre os utentes ou entre os serviços.
A maioria das cidades pequenas tende a ser diversificada, dinâmica e em evolução constante.
Em grande parte actuam como mercados agrícolas e centros de processamento de alimentos,
e como centros de emprego em negócios não agrícolas de pequena e média dimensão. Geralmente
atraem as pessoas das zonas rurais e esta expansão acelera-se frequentemente quando se
proporcionam serviços tais como a água, as escolas e os centros de saúde. Geralmente caracterizadas
por um crescimento rápido e sem planeamento levando a concentrações de populações de baixos
rendimentos, as pessoas que vivem nas cidades pequenas são entre as que têm piores serviços
básicos tais como acesso à água e ao saneamento e à promoção da higiene.
Os investimentos nas cidades pequenas pura e simplesmente não acompanharam o aumento das
necessidades de serviços. Segundo um estudo, são grandemente ignoradas pelos formuladores de
políticas e pelos doadores que têm tido tendência para apoiar os programas rurais ou as infraestruturas nas grandes cidades. Apesar das estatísticas poderem ter mudado ligeiramente,
um estudo de há alguns atrás estimava que 13% da assistência ao desenvolvimento tinha sido
dirigido às cidades pequenas (Cardone e Fonseca, 2006). O crescimento previsto das cidades
pequenas é um grande desafio ao desenvolvimento que ameaça desencaminhar os esforços para
satisfazer os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs) para a água e o saneamento. Dada
a dificuldade de adaptar as abordagens aos contextos individuais, nos países em que as cidades
4
Relatório
pequenas recebem assistência dos governos centrais e dos doadores, há tendência para pacotes
de financiamento, tecnologia, gestão e melhoria de capacidades com “uma medida para todos”.
Apesar das dificuldades em adaptar as abordagens aos requisitos de cada cidade pequena, há
uma necessidade real de encaminhar bem as cidades pequenas antes que o crescimento sem
regulamentos, a falta de capacidades e políticas inúteis levem a que estas cidades em expansão se
transformem em zonas urbanas de crescimento descontrolado, sem serviços e impossíveis de gerir.
Tendo isto em conta, a WaterAid, trabalhando com Building Partnerships for Development (BPD),
com apoio financeiro através de um subsídio de planeamento da Fundação Bill e Melinda Gates,
gastou um ano a tentar responder às duas perguntas principais:
• O que há de diferente nos desafios e potenciais soluções para a provisão de serviços de água
e saneamento nas cidades pequenas ao contrário dos grandes ambientes urbanos ou das
zonas rurais?
• Podemos aprender lições de outros sectores que produzem infra-estruturas, que possam
proporcionar informação para o projecto de soluções para a água e o saneamento?
A meta final era identificar abordagens prometedoras para a provisão de serviços e também criar
uma ferramenta ou estrutura analítica que pudesse permitir a quem planeia serviços de água e de
saneamento nas cidades pequenas, tomar decisões financeiras, tecnológicas e de gestão apropriadas.
Reconhece-se que, no que diz respeito à segunda pergunta, a nossa investigação falhou. Vai ser
necessário trabalho adicional e talvez tipos diferentes de conversas para se aprender dos outros
sectores. No que diz respeito à primeira pergunta, a nossa investigação inicial tentou descobrir se
há algo de inerentemente diferente nas cidades pequenas que influencie a procura ou a provisão de
serviços. A prioridade era compreender como melhor mudar a ênfase das respostas reactivas para
abordagens mais adaptáveis, criativas e reflectivas. Usando uma perspectiva mais ampla, a equipa
concentrou-se nos modos mais eficazes de antecipar como as cidades pequenas podem
desenvolver-se e evoluir.
Uma das descobertas iniciais foi que muitos programas existentes de ajuda às cidades pequenas
tendem a resultar em decisões financeiras e tecnológicas que depois ditam as principais decisões
em termos de planeamento e projecto. A nossa abordagem emergente sugere que as decisões
financeiras e tecnológicas devem responder mais cuidadosamente às circunstâncias no terreno.
Estas circunstâncias parecem mais influenciadas por como a cidade está conectada e ligada
demograficamente, economicamente e politicamente às áreas em redor, e como estes elementos
evoluem no âmbito da própria cidade. Por essa razão, a demografia, economia e governação local
parecem ter uma relevância clara tanto sobre a procura como a provisão de serviços de água e de
saneamento. Têm portanto que ser tomados em conta mais coerentemente no plano e provisão
de serviços. Apesar de estarem grandemente fora do controlo dos profissionais de água e de
saneamento, não compreender estas influências poderia fazer descarrilar os esforços para planear
melhor a provisão dos serviços.
Analisando a ênfase dada à conexão, diversos colegas fizeram o paralelo entre a nossa análise das
cidades pequenas com as áreas peri-urbanas ou cidades satélite. Apesar de que as questões de
conexão se aplicam também sem dúvida às povoações peri-urbanas e às cidades satélite, estas
áreas não podem ser tão facilmente separadas das áreas urbanas adjacentes. Estão intimamente
e automaticamente ligadas à infra-estrutura, economia e oportunidades de emprego das cidades
que rodeiam. Do mesmo modo, estão intimamente ligadas tanto à política como às ambições ou
expectativas das populações que vivem nas cidades adjacentes. Os impactos destas ligações sobre
as cidades pequenas são menos previsíveis. Por isso, apesar de suspeitarmos que muitas das
questões que mencionámos vão ser relevantes e úteis para outros tipos de povoações, o aspecto
da conectividade ou conexão parece ser o factor determinante essencial para o desenvolvimento
das cidades pequenas.
5
Relatório
Grande parte da nossa análise sugere que a sustentabilidade dos programas nas cidades pequenas
não tem sido ajudada pela “oportunidade de ouro”. Diversos formuladores de políticas e
profissionais durante o processo sugeriram que há o perigo de oferecer (relativamente) grandes
quantidades de dinheiro às cidades pequenas para resolverem a provisão de serviços de água e de
saneamento, o que pode criar incentivos perversos em diversos lados para se instalar uma infraestrutura que pode não ser viável ou possível de gerir mesmo depois de alguns anos. A equipa foi
testemunha directa deste tipo de situação em diversos sítios. Os consultores e as empresas de
construção fazem mais dinheiro ao planear projectos maiores; os doadores conseguem mais dinheiro
em subsídios, contratos ou empréstimos para satisfazer objectivos maiores; as populações
conseguem soluções rápidas.
Os principais resultados desta investigação inicial incluem:
• Apesar de certos elementos genéricos se aplicarem a todas as cidades pequenas no mesmo
país, tais como regras para eleições, regulamentos nacionais, critérios de financiamento, leis
e descentralização, cada cidade pequena tem as suas próprias particularidades. Pode ser
necessário um certo nível de adaptação a contextos específicos.
• Esta adaptação das abordagens deve ter como base uma análise mais ampla que revê em maior
detalhe a economia, demografia e política das cidades pequenas. De outro modo, o resultado
tem tendido para projectos de construção com demasiado planeamento que fazem com que as
cidades sofram financeiramente ou de outros modos quando as equipas e os consultores do
projecto se vão embora.
• As cidades pequenas estão inextricavelmente conectadas e são vulneráveis às influências
externas, tanto das zonas rurais que as rodeiam como dos centros urbanos maiores vizinhos
que têm impacto sobre a economia, a demografia e mesmo sobre as decisões.
• As cidades pequenas ainda não gozam por completo das economias de escala que lhes
permitem subsidiar transversalmente de grupo para grupo ou de serviço para serviço.
• As cidades pequenas não têm a capacidade de lidar com choques tais como a imigração
de massa ou outras mudanças súbitas.
O trabalho de investigação importante para as acções a levar a cabo vai concentrar-se nestas
perguntas de orientação:
• Temos que pensar de modo diferente sobre como caracterizamos e agrupamos as cidades
pequenas? As considerações principais podem não estar directamente relacionadas com os
aspectos técnicos da provisão de serviços de água e de saneamento mas em vez disso, com
a demografia, a economia e a política.
• Há algum modo de prover serviços (talvez através do sector privado local) que permitam uma
abordagem mais flexível, por fases ou gradual para com a construção e o financiamento, em
vez do grande projecto único?
• Que tipo de estruturas de apoio nacional seriam mais eficazes para dar apoio às cidades
pequenas para elaborar modelos de provisão de serviços?
É claro que a não ser que os responsáveis pelas decisões nas cidades pequenas prestem mais
atenção às influências mais gerais sobre a provisão e a procura dos serviços de água e de
saneamento das cidades pequenas, os sistemas resultantes não vão satisfazer de modo apropriado
as necessidades de desenvolvimento destas cidades e vão ter como resultado serviços
insustentáveis. Garantir que as cidades pequenas não passam despercebidas pode muito bem ser o
elemento chave para concretizar os ODMs.
6
Relatório
1 Introdução
Este documento apresenta os resultados emergentes de um estudo analítico preliminar que durou
um ano, sobre a provisão de serviços de água e de saneamento nas cidades pequenas. A finalidade
foi tentar resumir os conhecimentos existentes e identificar as abordagens prometedoras. Num
mundo em urbanização rápida onde o crescimento das cidades pequenas, tanto em dimensão
como em números, está rapidamente a ultrapassar o dos grandes centros urbanos, necessitamos
urgentemente de encontrar novas abordagens para garantir a provisão destes serviços básicos.
Os autores e as organizações dos mesmos têm vontade de testar algumas das muitas suposições
que se vão encontrar por todo o documento.
A oportunidade, proporcionada por um subsídio de planeamento da Fundação Bill e Melinda Gates,
deu-nos a possibilidade de explorar muito para além das áreas mais tradicionais dos sectores de
água e saneamento usando seis países (quatro africanos e dois asiáticos) como base para esta
análise inicial. O desafio durante todo o estudo foi encontrar uma estrutura organizacional sobre
a qual basear os diversos tipos de informação e perspectivas amplas que emergiram ao longo
do ano. Os autores gostariam muito de compreender se a abordagem adoptada parece bem aos
profissionais e formuladores de políticas.
WaterAid
Se desejar informação adicional sobre a metodologia e perguntas importantes sobre a
investigação, por favor faça referência ao Anexo um – A nossa abordagem para com a tarefa:
uma oportunidade única.
7
Relatório
2 Qual é a questão das cidades pequenas
2.1 A dificuldade em definir cidade pequena no mundo em desenvolvimento
Sabemos que o mundo está a urbanizar-se. Entre 1990 e 2010, calcula-se que a população urbana
a nível mundial aumentou em 1,2 mil milhões de pessoas1. Desde 2007 que mais de 50% da
população mundial vive em zonas urbanas. Em muitos países de baixos e médios rendimentos,
entre um quarto e metade da população total vive em povoações de entre 2.000 e 200.000
habitantes. Na realidade, calcula-se que para cada grande cidade no mundo em desenvolvimento
(com uma população de 50.000 a 200.000) há cerca de dez cidades pequenas (com uma população
de 2,000 a 50.000). Prevê-se que tanto a população, como o número destas cidades pequenas,
irá duplicar dentro de 15 anos, e depois duplicar outra vez dentro de 30 anos (Pilgrim, 2007).
WaterAid
O nosso primeiro desafio ao tentar compreender a situação de provisão de água e de saneamento
destas cidades foi definir o que se entende por cidades pequenas. Apesar de geralmente
reconhecermos uma cidade pequena quando vemos uma, as definições geralmente aceites não
se encontram facilmente disponíveis e geralmente referem-se àquilo que as cidades pequenas
não são, em vez daquilo que são. Obviamente, as cidades pequenas encontram-se algures entre
o rural e o urbano. Os critérios para definir o contínuo rural – cidade pequena – urbano variam
significativamente de país para país, geralmente com base na dimensão da população da cidade ou
cidades principais. Por isso, se houver uma categorização para além de rural e urbano, o limite da
dimensão da população é a característica da definição usada geralmente para as cidades pequenas.
Em algumas circunstâncias, as cidades pequenas são categorizadas como sendo as que têm uma
população entre 5.000 e 50.000 pessoas e noutras classificações nacionais, as cidades pequenas
1 Divisão de População do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais do Secretariado das Nações Unidas, World
Population Prospects: The 2009 Revision, http://esa.un.org/wup2009/unup.
8
Relatório
são anotadas como sendo as que têm entre 5.000 e 200.000 pessoas. Esta diferença na classificação
com base na população causa dificuldades para um estudo internacional. Quando começarmos a
analisar os elementos específicos da provisão de serviços, saberemos intuitivamente que as
soluções podem facilmente ser bastante diferentes para cidades de 200.000 pessoas no Bangladesh
em comparação com as soluções para as cidades de 15.000 a 30.000 pessoas no Nepal ou no Uganda.
Definir cidades pequenas puramente com base na dimensão da população não consegue capturar
adequadamente o dinamismo e a diversidade das mesmas. A nível nacional, o perigo de não
compreender esta diversidade poderia resultar em abordagens genéricas políticas, financeiras e
tecnológicas que sobrecarregam as cidades pequenas de 20.000 pessoas com sistemas de provisão
de serviços inapropriados ou insustentáveis que são mais apropriados para cidades de 200.000.
Alguns países incluem outros elementos tais como a percentagem relativa da economia local que
não tem como base a agricultura (por exemplo, o Nepal) ou a percentagem relativa de homens
que não trabalham em empregos relacionados com a agricultura (por exemplo, no Bangladesh).
No entanto, esses critérios podem ser suficientes apenas para distinguir o urbano do rural.
A maior parte das cidades pequenas exibem características tanto rurais como urbanas. As
características rurais estão relacionadas com o que dá impulso à economia através das ligações
agrícolas. As características urbanas podem estar relacionadas com a função da indústria ligeira na
economia mas estão mais frequentemente ligadas às condições de vida como função da densidade,
e dos sistemas sociais em mudança como resultado de uma maior diversidade. Por isso, no que diz
respeito a uma definição clara, a literatura só proporciona um conhecimento das cidades pequenas
ao analisar algumas das características que têm em comum. Para os nossos fins, tentar identificar
abordagens para a provisão de serviços de água e de saneamento, como declarado em Pilgrim
(2007, p77), “as cidades pequenas abrangem espaços urbanos e rurais e têm características únicas
que dificultam a aplicação de estratégias urbanas ou rurais”. A dimensão maior da comunidade (em
comparação com as zonas rurais) é frequentemente identificada como um factor que limita a
participação da comunidade e os processos de limitação; a abordagem de baixo para cima que
funcionou para as aldeias rurais não funciona ou necessita de modificações importantes à medida
que os sistemas se tornam maiores ou mais complexos (Doe, 2003). De um ponto de vista custobenefício, usando abordagens tradicionais urbanas, o problema da provisão de água de uma cidade
pequena é a necessidade de uma grande capital em relação às economias de escala limitadas.
(Fazer referência à Tabela 1 na página que se segue se desejar maiores detalhes sobre a
classificação de cidades pequenas nos nossos seis países estudados).
Tipicamente, as povoações das cidades pequenas nos países de baixos rendimentos que não são
cidades satélite próximas de um centro urbano maior, caracterizam-se por um centro de negócios
central e povoações relativamente espalhadas à volta de uma zona ou núcleo comercial
densamente populado. As áreas marginais tendem a ser de natureza mais rural, com casas
principalmente residenciais bastante espaçadas umas das outras em comparação com o núcleo.
As principais fontes de rendimentos para as populações destas áreas são pequenos negócios
seguidos de agricultura rústica e algumas indústrias, geralmente com base agrícola. As cidades
pequenas atraem pessoas das zonas rurais e tendem a ser ambientes diversificados, dinâmicos
e em evolução constante. A presença de escolas, centros de saúde e administrativos pode atrair
imigração adicional para as mesmas (Mugabi, Dez 2006, p 188).
Portanto, apesar da evidência empírica disponível variar bastante, descobriu-se que as cidades
pequenas em muitos países em desenvolvimento actuam como centros de procura (mercados)
para os produtos agrícolas das áreas rurais que as rodeiam, e como centros para a produção
e distribuição de bens e serviços não agrícolas para as áreas rurais em redor através do
desenvolvimento de pequenas e médias empresas (ibid).
9
Classificação existente
de cidades pequenas
Nível de
populacão
Gama de classificações
diferentes – mais com base
nas definições
administrativas do que na
população local ou outras
características.
5.000 – 50.000
Critérios urbanos (em vez de
especificamente de cidades
pequenas): (i) A maioria da população
trabalhadora do sexo masculino
envolvida em ocupações não agrícolas
(75%). (ii) Um local central identificável
onde se proporcionam serviços,
equipamentos e infra-estruturas.
(iii) Densidade da população.
Observam-se diferentes
classificações. O Instituto
Nacional de Estatística
(INSTAT) considera um
centro urbano como
qualquer comunidade onde
a população excede as
5.000 pessoas. A lei sobre
a urbanização requer que
todas as comunidades com
uma população mínima de
10.000 desenvolvam um
documento estratégico
para gerir o distrito.
Capitais de distrito
e comunidades
urbanas são as que
têm entre 10.000
e 80.000 pessoas.
Centros urbanos nacionais, regionais
ou secundários são etiquetas
atribuídas depois de se analisar
a categoria sócio-administrativa
de uma determinada cidade (função
administrativa, dimensão da
população, dimensão da área
urbanizada, função económica,
interdependência da cidade2,
potencial para a cidade se
desenvolver no futuro3).
Classificação
administrativa do governo4.
5.000 – 40.000
Densidade maior do que 10 pessoas
por hectare; menos de 50% da
população adulta envolvida na
agricultura; ligada a redes de estradas
estratégicas; infra-estrutura básica
(ou seja, rede eléctrica e serviços de TI,
escolas do ensino secundário e
serviços de saúde).
Nigéria
Pode não estar definida
numa política
Geralmente definido
como sendo de 5.000
a 20.000
(O Estado de Enugu define entre 8.000
e 20.000, uma vez que as povoações
de menos de 8.000 pessoas ainda
exibem características rurais).
Uganda Tanzânia
Relatório
Definida pelo Decreto-Lei
do Governo Local de 1982
com base na dimensão
da população.
5.000 – 50.000
Com base na dimensão
da população
5.000 – 50.000
Nepal
Madagáscar
Bangladesh
Países
estudados
Outras considerações
Os centros urbanos de entre 1.000
e 5.000 pessoas são definidos como
centros rurais em crescimento.
Tabela 1: Classificação de cidades pequenas nos seis países em estudo.
2 Nível das instalações, outros serviços urbanos e estrutura dos mesmos.
3 Disponibilidade de fontes de energia, contexto para a expansão futura incluindo disponibilidade de terra e espaço para
urbanização.
4 Suspeitamos que a classificação de cidades pequenas pode só fazer parte do discurso no sector da água.
10
Relatório
2.2 Compreender a necessidade urgente de soluções de água e de saneamento
nas cidades pequenas
O último relatório do Programa de Monitorização conjunto da OMS/UNICEF (2010) indica que
o número de pessoas com acesso a melhor água e saneamento nas zonas urbanas aumentou
desde 1990. No entanto, esses aumentos, particularmente em relação ao saneamento, não estão
a acompanhar o crescimento da população urbana. Se os esforços para proporcionar água e
saneamento às pessoas das zonas urbanas sem serviços continuarem ao ritmo actual, até 2015
outros 2,7 mil milhões de pessoas ainda estarão a viver sem saneamento básico e 672 milhões sem
melhores fontes de água potável. Dado o ritmo de crescimento notado acima, podemos supor que
uma proporção significativa desta população sem serviços se irá encontrar nas cidades pequenas.
As cidades pequenas apresentam portanto um grande desafio ao desenvolvimento e ameaçam
fazer descarrilar os esforços para se satisfazerem os ODMs para a água e o saneamento que
procuram diminuir para metade a proporção de pessoas sem acesso sustentável à água potável
segura e ao saneamento básico até 20155.
Pura e simplesmente, os investimentos nas cidades pequenas não acompanharam a necessidade
grande e cada vez maior de serviços. Os doadores do sector historicamente têm apoiado programas
rurais provisão de água e de saneamento em 2003, ou, cada vez mais, infra-estruturas e gestão nas
grandes cidades. Uma análise calcula que, “dos 3 mil milhões de dólares da Assistência Oficial ao
Desenvolvimento (Official Development Assistance – ODA) que fluíram para a provisão de água
e o saneamento em 2003, mais ou menos 360 milhões de dólares (ou 13%) [parecem ter sido]
atribuídos às cidades pequenas ou actividades relacionadas” (Cardone, 2006). Não obstante as
questões do financiamento, analisando apenas a política e outras áreas, as cidades pequenas
"passam despercebidas" devido à divisão tradicional entre urbano/rural no discurso do
desenvolvimento e da política.
Desafiando tanto os formuladores de políticas, como os doadores e os profissionais, as cidades
pequenas caracterizam-se geralmente por um crescimento rápido não planeado que inclui
concentrações cada vez maiores de populações com baixos rendimentos e uma infra-estrutura
degradada ou frequentemente não existente. Apesar de haver uma grande variação nas definições
nacionais sobre o que constitui uma “cidade pequena” como notado acima, os dados disponíveis
sugerem que as pessoas que vivem nestas povoações “intermediárias” se encontram entre as que
têm piores serviços em termos de todos os serviços básicos, incluindo o acesso à água, ao
saneamento e à promoção da higiene. Apesar das economias de escala no centro geográfico das
cidades pequenas começarem a permitir (financeiramente e tecnologicamente) a existência de
sistemas de provisão de água canalizada, geralmente torna-se insustentável haver subsídios
cruzados para povoações não planeadas mais caras e de menor densidade nos subúrbios. No que
diz respeito às águas residuais, volumes cada vez maiores de poluição industrial concentrada e de
desperdícios humanos começam a apresentar ameaças graves tanto para a saúde pública como
para a integridade ambiental (incluindo as fontes de água locais).
Em alguns casos, as reformas políticas procuram apoiar a provisão local de serviços através da
transferência de direitos de propriedade e gestão de serviços para actores que operam a nível local.
No entanto, as autoridades locais ainda não têm a capacidade de prover ou assegurar a provisão de
serviços adequados de água e saneamento às cidades pequenas. Os mecanismos de financiamento
tendem a não se dirigir apropriadamente a uma abordagem planeada que satisfaça mais do que
adequadamente tanto as necessidades de investimento com a capacidade das comunidades locais
de pagar. As tecnologias tendem a ter origem nas abordagens rurais ou as dos centros urbanos
maiores, fazendo com que tanto as economias de escala como a aplicabilidade tecnológica sejam
5 Meta 7c do ODM.
11
Relatório
insuficientes para cada ponta do espectro. Abordagens como a agregação das cidades pequenas
numa única área de serviço conjunta fazem sentido de um ponto de vista do planeamento mas
exigem grandes negociações para fazer com que funcionem eficazmente. Apesar destes desafios,
há uma enorme oportunidade para se conseguir que as cidades pequenas voltem a entrar no
caminho certo antes que o crescimento descontrolado leve aos desafios muito mais difíceis
e complexos enfrentados pelos grandes centros urbanos.
2.3 O enigma das cidades pequenas
Como se notou, as pressões que melhor se compreendem nas grandes zonas urbanas, combinadas
com o facto de nos concentrarmos nos problemas das pessoas pobres das zonas rurais, levaram
a que se negligenciassem as cidades pequenas. Uma incerteza geral relacionada com que
abordagens irão fazer uma grande diferença, fez com que se continuasse a não prestar atenção
às cidades pequenas em toda a comunidade do desenvolvimento. Quando as cidades pequenas
recebem a atenção da assistência proporcionada pelos governos centrais e dos doadores, tanto
a falta de análise como a falta de capacidade, combinados com certas tendências para o rural ou
o urbano, tendem a resultar em abordagens para com a provisão de abastecimento de água ou
o saneamento que tratam as cidades pequenas do mesmo modo. Essas abordagens oferecem os
mesmos pacotes de financiamento, as mesmas soluções tecnológicas e a mesma formação sobre
capacidades de gestão a todas as cidades pequenas independentemente das circunstâncias
específicas de cada uma. Há claramente uma lacuna analítica que requer uma análise mais
detalhada. A parcialidade nem sempre é deliberada mas pode resultar numa falta de experiência
prática clara quando se espera que as soluções rurais ou mais urbanizadas se traduzam
directamente para o contexto das cidades pequenas.
Por razões práticas óbvias, não é possível adaptar as soluções a cada pequena cidade. Mesmo
a defesa de tratamentos mais individualizados, ou pelo menos que se desse mais atenção às
classificações e tipologias das cidades pequenas, fez levantar o sobrolho por ser inútil ou
demasiado difícil. No entanto, os nossos resultados até à data parecem sugerir que sem uma
abordagem feita mais à medida, as cidades pequenas podem muito bem acabar com abordagens
financeiras e tecnológicas que, depois de apenas alguns anos, se tornam pesadas e insustentáveis.
Os esforços para descentralizar a responsabilidade reconhecem que têm que acontecer mais coisas
a nível local. O mecanismo e o aspecto prático da descentralização requerem uma análise adicional.
Uma recomendação clara é compreender que factores são genéricos às cidades pequenas num
contexto nacional ou regional e que factores requerem soluções feitas à medida para satisfazer
o contexto de uma determinada cidade pequena.
2.4 Quão diferentes são a água e o saneamento nas cidades pequenas
Os negócios da provisão de serviços de água e de saneamento, apesar de estarem inextricavelmente
ligados, são muito diferentes. O cliente final pode ser o mesmo (para os serviços domésticos) mas
em comparação com os serviços de água, os serviços de saneamento são mais complexos, envolvendo
frequentemente grupos múltiplos de intervenientes, um número consideravelmente maior de
questões relacionadas com a gestão da utilização das terras, modelos de financiamento diferentes
e mudanças de atitude. Devido à escala emergente da produção de desperdícios, os serviços de
saneamento nas cidades pequenas começam a necessitar de intervenções diversificadas com o fim
de lidar com os desperdícios fecais, águas residuais e esgotos. Notando isto, cada um destes
negócios de saneamento pode ser dividido em sub-negócios, com o potencial de proporcionar
oportunidades e âmbito para o sector privado local.
Nas fases iniciais deste trabalho, houve uma certa preocupação sobre se o nosso estudo, como
muitos no sector da água e do saneamento, poderia ser distorcido a favor das questões relacionadas
12
Relatório
com a água. Apesar de na realidade isso ter acontecido, particularmente durante o processo
de consulta aos intervenientes, a estrutura de análise contextual apresentado mais tarde neste
documento parece poder aplicar-se à tomada de decisões sobre o modelo de serviços feitos
à medida tanto para a água como para o saneamento. Com algumas modificações, estamos certos
que as linhas de investigação iniciais vão ser as mesmas para ambos os serviços. Só se vai tornar
claro se vai ser necessário fazer ligeiras adaptações para um ou o outro à medida que se
experimenta e desenvolve esta estrutura numa fase futura do trabalho.
2.5 Declarar o óbvio – linhas de investigação independentemente da dimensão
das povoações
A nossa investigação foi planeada para avaliar se há ou não algo inerentemente diferente sobre as
cidades pequenas que poderia influenciar a procura ou provisão dos serviços de água e de
saneamento. A nossa abordagem desafiou-nos a procurar para além dos elementos que se
encontram no âmbito de todos os planos dos projectos de água e de saneamento. Apesar de por
vezes ser difícil sairmos da nossa zona de conforto, estamos convencidos de que, se não
ampliássemos o nosso âmbito, perderíamos ligações causais importantes e questões contextuais
relacionadas com o desenvolvimento das cidades pequenas.
Por esta razão, este documento reflecte a nossa abordagem direccionada a não investigar em
profundidade as questões que consideramos genéricas para o plano dos serviços de água e de
saneamento independentemente de se se encontram em contextos rurais, urbanos, de pequenas
cidades ou peri-urbanos. Estas questões genéricas são técnicas e procedimentais e incluem definir
e compreender o seguinte:
• A área de serviço e as projecções demográficas médias (geralmente com base nas médias
estatísticas disponíveis) para compreender a procura pelos sistemas de água.
• A geografia local, hidrologia de superfície e hidrogeologia para determinar fontes adequadas,
requisitos de tratamento de água e requisitos do planeamento do sistema.
• Natureza dos padrões dos povoamentos (por exemplo, agrupados/lineares) para determinar
se centralizar os serviços ou os localizar mais.
• Requisitos em termos de capacidade de armazenagem e especificações de dimensionamento
técnico.
• Disponibilidade de terrenos para infra-estruturas
• Padrões, leis e direitos existentes (para os serviços municipais) que se apliquem ao contexto
local; processos de planeamento legais.
• Finanças disponíveis e mecanismos de financiamento, incluindo atitudes e práticas relacionadas
com a vontade de pagar dos utentes.
• Modelos padrão de práticas de gestão e expectativas relacionadas com a gestão e a propriedade
dos bens.
• Aspectos padrão relacionados com os procedimentos e os contratos.
• Planeamento da provisão como um serviço em vez de uma (série) de projectos de construção;
atitudes para com a provisão de serviços públicos (em relação à utilização dos princípios de
negócios, subsídios transversais, limitações, planeamento de despesas, etc.)
Uma vez mais, estes elementos reflectem os factores padrão de planeamento que seriam tomados
em consideração seja ao planear um esquema rural, o sistema de uma cidade pequena ou um
serviço urbano. Supõe-se que não iriam variar muito para as cidades pequenas.
13
WaterAid
Relatório
3 Introdução da estrutura emergente
De certo modo este exercício tem sido como resolver um puzzle complicado sem usar a imagem
na caixa. Depois de meses a pensar sobre as questões relacionadas com as cidades pequenas,
é possível que tenhamos conseguido uma imagem. Fixámo-nos em alguns aspectos simples que
nos ajudam a analisar as situações das cidades pequenas. No entanto, como se esperava, a
abordagem ainda requer outras provas e as implicações para as opções de provisão de serviços
de abastecimento de água e de saneamento requerem maior reflexão.
A nossa meta inicial foi responder à pergunta aparentemente simples sobre o que há de diferente
na provisão de serviços de água e de saneamento nas cidades pequenas em relação às zonas rurais
ou aos contextos urbanos maiores. No entanto, à medida que o trabalho progredia, tornou-se claro
que estávamos a criar um modo de analisar as cidades pequenas que se tinham afastado bastante
do sector da água e do saneamento. Por outras palavras, em cada um dos seis países visitados, a
maioria dos factores mais influentes no que diz respeito à provisão de serviços nas cidades pequenas
parecia não estar directamente relacionado com a água e o saneamento. A nossa meta era não
colocar estes factores sob o controlo dos profissionais de água e de saneamento, mas reconhecer
que sem os compreender, os profissionais de água e de saneamento poderiam cometer erros.
Na realidade, apesar de reconhecer a validez destas linhas de investigação e dos impactos
facilitadores e incapacitantes das mesmas sobre a procura e a provisão, a equipa foi alvo de muitos
olhares inquiridores quando, por exemplo, perguntou aos engenheiros qual o impacto do capital
social ou aos especialistas financeiros sobre as decisões políticas. Apesar de alguns entrevistados
terem sugerido claramente que a nossa abordagem os tinha levado para fora da sua zona de
conforto, a maior parte viram isso como uma oportunidade bem recebida de analisar a provisão
de serviços de água e saneamento às cidades pequenas num contexto muito mais amplo.
Talvez óbvios em retrospectiva, surgiram alguns momentos surpreendentes durante o processo:
• Reconhecemos rapidamente que alguns elementos genéricos se aplicariam a todas as cidades
pequenas num determinado país dado o contexto macro. Estes elementos são definidos no
âmbito de áreas tais como regras para eleições, regulamentos e padrões nacionais, critérios
de financiamento, leis e procedimentos relacionados com a descentralização, mesmo até certo
ponto a cultura nacional uma vez que dá forma às atitudes para com o risco, e a solidariedade
e trabalho regional.
• Os critérios definidos deveriam permitir-nos agrupar certos tipos de cidades pequenas, o que
aliviaria as abordagens individualizadas para cada pequena cidade. No entanto, cada pequena
cidade tem as suas próprias particularidades e por isso, apesar de poder ser difícil, alguns
aspectos podem exigir soluções feitas à medida para cada contexto específico.
• A necessidade de assegurar que os programas não são vistos pelas comunidades locais, e
planeados pelos consultores, como uma “oportunidade de ouro”. Os projectos e os programas
demasiado planeados deixam as cidades com dificuldades financeiras depois dos consultores se
irem embora. Não se pode permitir que as finanças controlem o programa mas em vez disso é o
programa de trabalho que deve ser planeado em redor da economia e deve fazer uma avaliação
15
Relatório
realista das finanças futuras disponíveis para operações e manutenção, expansão e reabilitação.
Do mesmo modo, muitos dos sistemas que vimos eram demasiado complexos para serem operados
pelas comunidades mas demasiado pequenos para serem geridos por serviços de água urbanos
convencionais que poderiam cobrir as despesas operacionais.
• No que diz respeito à prestação de contas, por diversas razões, as cidades pequenas são
em grande parte ignoradas ou encontram-se à mercê de uma grande gama de burocratas,
tecnocratas e consultores. As estruturas de apoio devem ter uma estrutura de prestação de
contas mais prolongada do que apenas até imediatamente depois de se completar a construção.
Logo de início, a principal coisa que se aprendeu foi que a abordagem de padrão único (cookie
cutter approach) levada a cabo em diversos países acaba por não satisfazer as necessidades
actuais e em desenvolvimento das populações das cidades pequenas.
3.1 Interesses dos diferentes grupos de intervenientes
Durante todo o processo tentámos compreender que grupos diferentes de intervenientes poderiam
necessitar de uma estrutura analítica para a provisão de serviços nas cidades pequenas. Os pontos
de entrada para o tópico são certamente diferentes, como se destaca brevemente em seguida para
alguns grupos de intervenientes:
A WaterAid, o nosso alvo inicial, pode usar a estrutura para criar novas parcerias e para
experimentar abordagens em arenas que são diferentes das principais urbanas ou das rurais.
A estrutura pode ajudar as ONGs internacionais a fazer a ligação entre as suas actividades
e as mudanças mais amplas na economia política das cidades pequenas.
Os doadores e as instituições financeiras internacionais estão bastante concentrados em
satisfazer os ODMs. Dada a concentração sobre os objectivos e os beneficiários alcançados, tem
que haver uma justificação dos custos para os investimentos. As despesas de transacção são
demasiado elevadas para se trabalhar em soluções feitas à medida em cada cidade pequena.
Tem que se dar ênfase a programas maiores que alcancem mais pessoas nas zonas urbanas ou
que agrupem as cidades. Portanto, no caso das pequenas cidades, trabalhar em escala determina,
por exemplo, o plano de um programa de empréstimo para dezenas de cidades. Reconhece-se
que as conclusões a que chegámos até agora sobre a necessidade de adaptar soluções às cidades
individuais ou tipologias das cidades podem parecer pesadas e difíceis para este grupo de
intervenientes. É necessário encontrar um compromisso que apoie um menu de opções para os
diferentes grupos de cidades.
Como no caso dos intervenientes nacionais e locais, as funções dos governos nacionais são
frequentemente variadas e dispersadas no que diz respeito às pequenas cidades. O interesse
abrangente é ser-se capaz de organizar as prioridades sobre como se atribuem os recursos.
A estrutura que se segue tenta destrinçar tanto as influências informais como as formais que dão
forma à definição de regras e à atribuição de recursos6.
Para os governos locais, analisar os seus prospectos, tendências e lacunas mais precisamente
também pode ajudá-los nas negociações entre a comunidade de negócios, a administração local
e os políticos locais ou mesmo nas negociações com o governo regional e nacional.
6 Um modo útil de pensar sobre estas relações informais e formais à medida que se relacionam com as questões de
governação é o do Instituto para os Estudos de Desenvolvimento (IDS) – An upside down view of governance (IDS,
2010). O estudo do IDS indica que “ em vez de ver os planos informais como uma grande parte do problema de
governação, também poderiam fazer parte da solução.”
16
Relatório
3.2 A dinâmica imprevisível – compreender as influências internas
e externas sobre as cidades pequenas
Algumas cidades pequenas parecem quase não mudar de um ano para outro. No entanto, a maior
parte das que vimos estão a sofrer grandes mudanças – quer com um crescimento rápido da
população mas também, em alguns casos, um declínio rápido. Um factor importante no nosso modo
de pensar concentrou-se sobre a capacidade de uma cidade de gerir as circunstâncias em mudança
e as exigências que estas circunstâncias fazem sobre a provisão de serviços. Em muitos locais, o
crescimento e as mudanças são imprevisíveis. Por exemplo, na maior parte do Nepal, o movimento
maoista levou a que as pessoas deixassem o campo pelas cidades pequenas a um ritmo alarmante.
No sul do Bangladesh, os ciclones levaram as pessoas e a actividade económica para as pequenas
cidades de Sundarbans. Algum deste movimento é uma transição natural para uma economia
urbanizadora; no entanto, muito dele é menos previsível. Esses choques têm um impacto
desproporcionado sobre as cidades pequenas, mais do que sobre os grandes centros urbanos.
Em muitas cidades pequenas o desafio é compreender os impactos destas mudanças e encontrar
a capacidade de lidar com as novas circunstâncias. A nossa suposição é que se tem que utilizar uma
análise mais ampla relacionada com a natureza inconstante da procura e os factores que influenciam
a provisão para restringir os modelos de provisão de serviços que vão depois limitar as tecnologias
e as opções de financiamento. A ordem dos eventos e a análise geralmente parecem ser o contrário.
Para compreender estas influências, a equipa de investigação desenredou os elementos de
interligação da demografia, função da cidade, e autonomia e tomada de decisões (ver Figura 1).
Depois de muito debate, o factor abrangente que pareceu definir o que diferenciava as cidades
pequenas das aglomerações rurais ou urbanas resultou ser a noção dinâmica e frequentemente
intangível do que são as ligações que uma cidade pequena tem com outras povoações rurais ou
urbanas. Para os centros urbanos, estas “ligações” parecem ser menos um factor uma vez que
são mais auto-suficientes com serviços, têm economias de escala que permitem subsídios
transversais de serviço para serviço ou de utente para utente e têm uma capacidade de absorção
muito mais significativa para lidar com choques físicos, imigração ou outros eventos ou tendências.
Para as povoações rurais, essas ligações tratam em grande parte da ligação física (estradas para
levar os produtos agrícolas para o mercado e os utentes aos serviços básicos tais como o ensino e a
saúde) ou ligações através de envios e outras fidelidades da migração rural. Apesar desta conexão
ser incrivelmente importante para os agregados familiares rurais, a nossa suposição é que estes
factores não influenciam realmente a procura ou a provisão dos serviços de água e de saneamento.
Figura 1: Elementos da análise
Figure 2: Os três níveis de conexão
17
Relatório
Diversos colegas fizeram também a comparação entre a nossa análise das cidades pequenas com
as áreas peri-urbanas. Apesar das questões de conexão também se aplicarem às povoações periurbanas, estas áreas não podem ser tão facilmente separadas das áreas urbanas adjacentes, uma
vez que estão ligadas intimamente e automaticamente à infra-estrutura, economia e oportunidades
de emprego das cidades que rodeiam. Do mesmo modo, estão intimamente ligadas tanto às
políticas como às ambições ou expectativas das populações que vivem nas cidades adjacentes.
Excepto as cidades satélite que podem ser bastante parecidas com as povoações peri-urbanas,
os impactos destas ligações sobre as cidades pequenas são menos previsíveis. Por isso, apesar de
suspeitarmos que muitas das questões que mencionámos nas abordagens que se seguem poderem
vir a ser relevantes e úteis para outros tipos de povoações, o aspecto da conectividade ou da
conexão parece ser o factor determinante mais crítico para o desenvolvimento das cidades pequenas.
Analisámos esta conectividade a três níveis – externo, de cidade, de agregado familiar (ver a Figura
2). Os três elementos vêem-se melhor, como mostra o gráfico, representados como círculos
concêntricos que começam do círculo periférico que representa o nível externo, para a cidade
e passa depois ao círculo interno dos agregados familiares. Através destes níveis colocamos três
elementos de análise (Figura 1) que nos proporcionam a estrutura analítica geral como representada
na Figura 3 que se segue.
Figura 3: Estrutura
analítica combinada
Também se pode representar através da seguinte matriz de três por três:
Demografia
Impulsionadores
económicos
Externo
Cidade
Agregado
Familiar
Tabela 2: Estrutura analítica representada como uma matrix
18
Autonomia /
decisões
Relatório
3.2.1
Análise das conexões externas de uma cidade pequena
A análise do modo como uma cidade pequena está conectada ao interior rural, a outras cidades
pequenas, a centros urbanos maiores ou à capital é um modo de compreender a conexão, ou seja
ligação ao mundo fora dos limites da cidade pequena. Sob este ponto de vista, as cidades
pequenas servem como pontos de transferência e de transição, pontos de passagem e condutas
para as pessoas, as mercadorias e os serviços. Literalmente com base em se os sistemas de
transporte estão bem ligados, também podem servir como locais menos complicados para certos
investimentos agrícolas ou industriais em que a terra e outros recursos (naturais e humanos) se
encontram mais facilmente disponíveis. No entanto, a proximidade a outros centros urbanos
ou à capital, pode não ter relação alguma com a conectividade da cidade. Não se estar conectado
através de ligações económicas ou sociais, ou mesmo a um nível mais básico por boas ligações de
transportes, pode ter como resultado, que, mesmo as cidades perto de centros urbanos, pareçam
estar bastante isoladas. Seja perto ou longe de outros centros urbanos, este isolamento pode
impedir a transferência e a aceitação de ideias, resultando em estagnação ou alternativamente,
incentivando a resistência de uma cidade pequena, criando abordagens inovadoras, criadas
localmente, para resolver os problemas.
Um elemento que tem que ser compreendido é até que ponto o Estado se encontra presente. Qual
é a função real (ao contrário da designada) dos responsáveis pelas decisões a nível nacional e
regional no funcionamento da cidade? A arena política apoia realmente abordagens mais adaptadas
a cada cidade? Começámos a ver evidência deste tipo no Nepal onde o discurso a nível nacional se
concentrava bastante em reconhecer uma tipologia emergente das cidades e como se encaixavam
no desenvolvimento regional.
Como foi mencionado, uma cidade pode estar ligada através de processos políticos assim como
de tendências políticas a favor de ou contra eles com base na composição demográfica, significado
histórico ou cultural, ou liderança carismática. De grosso modo, as cidades pequenas podem ser
vistas no psique nacional com um sentimento de desejo nostálgico (ou seja, “gostaria de poder
regressar à cidade pequena em que cresci onde a vida era muito mais simples”) ou podem ser
vistas como bastões de tradicionalismo que não acompanham os tempos. Algumas destas
percepções podem ser função de a quem se faz a pergunta e quantas gerações da família viveram
numa grade cidade. No entanto, as entrevistas sugeriram que as grandes cidades no mundo em
desenvolvimento podem não ter a mesma atracção que no mundo desenvolvido. Apesar de
poderem oferecer oportunidades económicas e educacionais, as grandes cidades podem não ser
vistas como sendo locais desejáveis para se viver. Estes preconceitos poderiam ser relevantes, por
exemplo, em termos de quem está a tomar decisões sobre como se atribui o financiamento nacional
e se as cidades pequenas são vistas como capazes de actuar por si próprias ou se necessitam que
lhes digam o que fazer e têm que ser acompanhadas durante todo o percurso.
Outros aspectos destas ligações mais amplas relacionam-se com a reputação específica de uma
cidade. Por outras palavras, será que as pessoas querem transferir-se para a cidade devido à
percepção que têm das oportunidades económicas, de educação, ou sociais? Do mesmo modo, as
pessoas com dinheiro querem investir? Estes aspectos dirigem-se não só à natureza da procura e
à demografia a nível de agregado familiar, que vão ser mencionados outra vez mais abaixo, mas
também a se a cidade pode atrair e conservar profissionais (incluindo profissionais da água e do
saneamento necessários para dirigir sistemas mais complexos).
A reputação de uma cidade depende também da visão declarada para o futuro da mesma,
o que pode muito bem envolver o desenvolvimento das tecnologias de água e de saneamento de
ponta com base nos tipos de pessoas e empresas que se prevê serão uma parte importante da
composição da cidade no futuro. A chave vai ser se a população da cidade aceita esta visão e está
portanto disposta a pagar antecipadamente para a obter ou se vai encontrar modos de a construir
gradualmente através de diversas abordagens por etapas.
19
Relatório
Com base nestas e noutras questões relacionadas, começam a emergir uma série de questões como
se segue:
Impulsionadores
económicos
Autonomia
e decisões
• Quais são as fontes externas
de financiamento para
a cidade? A cidade pode
conseguir rendimentos
a nível local? Há algum
investimento governamental
e outras políticas económicas
que influenciam as economias
das cidades pequenas?
• Até que ponto o Estado
está presente? Quais são
as funções reais dos
responsáveis pelas decisões
a nível nacional, regional e
local? A arena política apoia
abordagens mais adaptadas
a cada cidade? Qual é a
interface entre a política e
a tecnocracia nacional?
Há apoio técnico disponível?
Demografia
Externo
• Que políticas nacionais
existem relacionadas com
o apoio (ou diminuição)
ao crescimento das
pequenas cidades’
• Quais são as atitudes
em relação às cidades
adjacentes? Encontram-se
em competição pelos
recursos ou perfil? Trabalham
juntos noutros serviços ou
projectos? Há economias
de escala a conseguir ao
agrupar cidades adjacentes?
• As pessoas querem
transferir-se para a cidade
(devido à economia,
educação, outras
oportunidades ou ligações
sociais)? As pessoas com
dinheiro querem investir?
Há algumas questões de
ambição que influenciam
os tipos de investimento
ou escolha de tecnologia?
• Há alguma probabilidade que
a cidade seja engolida por
outras cidades próximas?
• Que aspectos da economia
mais generalizada vão,
actualmente ou
provavelmente no futuro,
influenciar a provisão –
desflorestação ou o impacto
do cultivo de camarões sobre
a qualidade da água, por
exemplo? Há um fluxo de
mercadorias, pessoas,
serviços da cidade para as
zonas rurais ou outras zonas
urbanas que têm impacto
sobre a procura? Há envios
ou outras fontes de receitas
(sazonais) que possam
afectar a procura?
• A cidade tem acesso à
informação e a ideias?
Até que ponto a cidade
se encontra isolada?
• Que capacidade profissional
tem a cidade – tanto no
sector administrativo como
noutros sectores? É capaz
de atrair profissionais?
• Há alguma visão do que a
cidade gostaria de vir a ser
dentro de 10 a 20 anos?
Que influências (externas)
afectam esta visão (exposição
a outras cidades, por
exemplo)? A cidade está
isolada dos recursos devido
às influências políticas e
sociais do centro regional
ou da capital?
Tabela 3: Análise de níveis externos – perguntas de orientação a nível externo
Aprender das visitas aos países
A cidade de Paikgacha no Bangladesh mostra o isolamento que atrofia o governo local mas dá
impulso ao empreendimento local através dos negócios locais. Essencialmente, talvez devido
à distância, apesar de também poder ser importante analisar outros factores, o governo local
parece estar bastante isolado das influências mais generalizadas do governo nacional. Não
sugeriram que havia canais prósperos para as cidades pequenas partilharem informação,
ideias e aprendizagem. No entanto, um negócio familiar estava claramente a aproveitar as
20
Relatório
lacunas na provisão de água ao operar um furo e depois a vender a água a 800 clientes nos
bairros perto da casa da família. No entanto, os incentivos para expandirem o negócio
rentável que tinham para outras partes da cidade ou para cidades pequenas adjacentes não
lhes eram claros, apesar de haver uma procura óbvia.
Na Nigéria, à medida que as densidades populacionais aumentam, e com elas as pressões
sobre a terra, resultando numa diminuição da produção agrícola urbana em muitas cidades
pequenas, há um potencial óbvio para a reutilização das lamas residuais.
Bandipur no Nepal, é um caso claro onde a reputação de uma comunidade pitoresca de
montanha com potencial como destino turístico está a encorajar investimento. Há ligações
fortes mantidas entre as pessoas da cidade e as que se mudaram para Kathmandu e mesmo
mais longe.
WaterAid
Em Madagáscar, o financiamento da infra-estrutura pode ser uma barreira importante ao
desenvolvimento dos serviços nas cidades pequenas. No entanto, um dinâmico Presidente da
Câmara Municipal conseguiu circundar este desafio criando ligações com mais de 15 doadores
diferentes, incluindo “organizar geminações” com outras cidades, grandes e pequenas, para
conseguir projectos localizados neste sítio.
21
Relatório
3.2.2 Análise das ligações no âmbito das cidades pequenas
A análise da demografia, impulsionadores económicos e autonomia e processos de tomada
de decisões no âmbito de uma cidade pequena dá origem a algumas questões que poderiam
normalmente ser ignoradas quando se planeiam projectos ou intervenções de água e de saneamento.
Começando com os elementos que levam à migração interna, compreender estas dinâmicas a nível
de cidade pode assegurar que o planeamento e o projecto de serviços de água e de saneamento
satisfazem mais eficazmente as necessidades em evolução da cidade. Em todas as cidades
visitadas e em todos os exemplos analisados durante este trabalho, não encontrámos grande
evidência de que os responsáveis pelas decisões tivessem ido além das previsões dos números
básicos de utentes. A imigração tem um impacto desproporcionado sobre as cidades pequenas em
comparação com a capacidade de absorção das cidades maiores. Compreender estas dinâmicas
poderia levar a discussões diferentes sobre as estratégias de investimento.
Do mesmo modo, à medida que ocorrem outras mudanças na cidade, podem ter impactos
adicionais. Por exemplo, serviços melhorados podem fazer com que os preços dos terrenos
aumentem, encorajando as pessoas a vender a terra. O impacto sobre os agregados familiares
pobres pode ser significativo. Por um lado, pode proporcionar injecções de dinheiro significativas
para as pessoas pobres proprietárias de terras, permitindo-lhes dar início a um negócio. Por outro
lado, faz com que as populações se transfiram, mudando-se das áreas com serviços para áreas sem
serviços. A escala dos aumentos das avaliações de terrenos foi dramática para as cidades pequenas
visitadas, particularmente no Sul da Ásia. Tanto no Bangladesh como no Nepal, o preço da terra em
diversas cidades pequenas aumentou em 500% a 1000% somente em cinco anos. A nível de cidade,
isso significa que os terrenos ficam potencialmente demasiado caros para investimentos na infraestrutura, e o planeamento urbano para infra-estruturas e outros serviços torna-se mais problemático.
O processo de desalojamento interno que ocorre é semelhante ao que acontece nas zonas urbanas
maiores, mas a capacidade das cidades pequenas de responder adequadamente a estas mudanças
rápidas é muito mais limitado. Uma vez mais, os processos actuais de planeamento e design
simplesmente não tomam este factor em conta.
Para além do mais, é necessário compreender os impulsionadores económicos locais e os ciclos ou
estações económicas para compreender o fluxo de dinheiro na cidade, que água é ou pode vir a ser
necessária, que desperdícios se produzem e quando, se as necessidades vão mudar em alturas do
ano diferentes ou outros factores. Os profissionais de água e de saneamento têm tendência para
planear demasiado. Para fazer uma comparação com a iluminação solar, tendemos a projectar como se
as pessoas precisassem imediatamente de três luzes em vez de compreender que precisam de luz (em
alturas diferentes) em três divisões. Como se mencionou acima, podemos necessitar de compreender
melhor as necessidades e requisitos reais. Compreender as actividades económicas da cidade também
pode ajudar a identificar quem mais poderia ser capaz de investir nos serviços de água e de saneamento
ou o potencial de usar as correntes de receitas de outras actividades económicas para subsidiar
transversalmente o desenvolvimento de serviços básicos. Os efeitos a longo prazo de tal estratégia
podem muito bem promover o aumento do desenvolvimento económico local em geral, o que por sua
vez pode aumentar as receitas recebidas dos utentes para se poder pagar uma melhoria nos serviços.
Finalmente, é necessário compreender em detalhe quais as decisões que as cidades pequenas
estão autorizadas a tomar em relação a questões tais como utilização de terras, financiamento para
prioridades de investimento e funcionários. Igualmente importante é compreender a interacção
entre as funções dos ministérios e departamentos nacionais, os funcionários eleitos, funcionários
públicos, elites locais (negócios, tradicionais, etc.), pessoas pobres e cidadãos em geral. Em todos
os países visitados, ouvimos falar nas excepções de cidades ou projectos que tinham feito algo de
diferente e conseguido fazê-lo bem. Em quase todos esses casos, a chave para o êxito parecia
revolver à volta do facto de terem sido implementados numa altura quando os “regulamentos”
ainda não existiam ou por um indivíduo ou organização ter liderado de modo criativo dentro dos
regulamentos ou dando-lhes a volta.
22
Relatório
O sector cita frequentemente a falta de governação e de capacidades locais adequadas como
o obstáculo principal para o desenvolvimento a nível de cidade pequena. O trabalho do IDS (IDS,
2010) proporciona alguma informação sobre como os processos de governação mais informais
(incluindo misturar o tradicional e as novas burocracias) podem permitir dar uma nova forma aos
incentivos e influências na direcção de vantagens mais abrangentes do desenvolvimento, em vez
das que têm tendência a favorecer mais as elites. Por outras palavras, compreender que agregados
familiares ou indivíduos têm influência sobre as decisões locais e que incentivos podem ter ou não
ter para tomar decisões que satisfazem as necessidades de toda a população da cidade, é tão
importante como desenvolver os mecanismos para as pessoas pobres participarem nas decisões.
Na maior parte dos locais que visitámos, o governo local ou as estruturas municipais eram em
grande parte influenciados ou directamente geridos pela elite de negócios local. Os investimentos
nos serviços de água e de saneamento através dos canais existentes pareciam tender ligeiramente
para as necessidades deste grupo. Nos casos em que outros agentes externos, tais como as ONGs,
estavam envolvidos, os esforços concentravam-se nas pessoas pobres como um meio de recuperar
o equilíbrio. No entanto, esses esforços vão ter pouco efeito a não ser que incluam tentativas de
trabalhar no âmbito dos processos de tomada de decisões, ou mesmo de os mudar.
Compreender as culturas existentes de solidariedade ou coesão social pode ajudar a resolver as
discussões com os responsáveis pelas decisões sobre as questões relacionadas com garantir uma
provisão de serviços equitativa e inclusiva. As cidades pequenas ainda podem oferecer apoio e
estruturas tradicionais e de solidariedade, apesar de um crescimento significativo poder minar
estes aspectos. Apesar de limitada, encontrou-se alguma evidência de que os fundos comunais
estavam a ser investidos nos serviços sociais. Alguns exemplos incluem as receitas florestais da
comunidade a serem investidas em escolas e clínicas e num caso, subsídios de ligações à água
para as famílias pobres. Há exemplos noutros países de esquemas de poupança comunais para
melhorias nas casas ou mesmo assistência de caridade para despesas funerárias. Apesar destas
práticas poderem muito bem mudar à medida que uma cidade cresce, este tipo de capital social
poderia ter influência sobre, por exemplo, se a mão-de-obra da comunidade poderia trabalhar para
construir serviços hídricos.
No que diz respeito à imigração, em alguns lugares parecia haver uma atitude de boas vindas para
com os imigrantes. Noutros locais, por diversas razões, seja étnicas ou religiosas, económicas ou
políticas, os imigrantes não eram bem recebidos e os números cada vez maiores dos mesmos dão
origem a medo que possam afectar o equilíbrio político de uma cidade. Os principais elementos
aqui são se há uma cultura de subsídios transversais ou solidariedade interna e que limites os
agregados familiares que já residem na cidade acham que são razoáveis, como o custo a aguentar
por uma cidade em crescimento.
Quando falámos com actores a nível nacional, com as organizações bilaterais e outras organizações
internacionais, falou-se muito sobre a falta de capacidade a nível local para planear adequadamente.
O que parece ser mais importante para o planeamento nas cidades pequenas é conseguir fazer uma
análise geral correcta, estabelecer a visão do desenvolvimento e definir claramente os principais
princípios de planeamento, prazos e mecanismos de monitorização e actualização. Tudo isto
depende de compreender as interligações entre os processos demográfico, económico e político
e os impactos que têm sobre a provisão de serviços.
Como se mencionou na discussão anterior relacionada com os interesses dos intervenientes,
os incentivos a todos os níveis encorajam grandes investimentos de uma só vez nas infraestruturas. Ou o sector tem que pensar melhor sobre como ultrapassar as dificuldades que esta
abordagem pode causar às cidades pequenas, ou temos que pensar mais cuidadosamente sobre
como os investimentos por fases podem satisfazer de modo mais sustentável as necessidades das
cidades pequenas.
23
Relatório
Impulsionadores
económicos
Autonomia
e decisões
• Há potencial para subsídios
transversais no âmbito da
cidade de um sector para
outro (ou de uma estação
para outra) para permitir que
haja suficiente fluxo de
dinheiro para o provedor?
• Que decisões se tomam
a nível local (sobre as
finanças municipais, sobre
prioridades de investimentos,
sobre planeamento urbano
e definição de zonas)? Como
se faz a orçamentação?
• Qual é a indústria
dominante?
• Quais são as interacções
entre funcionários eleitos,
funcionários públicos, elites
(negócios, tradicionais, etc.)
Demografia
• Que impacto têm níveis
mais elevados de provisão de
serviços sobre a imigração?
Cidade/Interno
• Há uma cultura de subsídios
transversais ou de
solidariedade interna
(Que impacto têm sobre
os fluxos financeiros?)
• O que influencia o capital
social e a coesão social?
A participação é consistente
ou tem base nas questões?
• As “comunidades” (espaciais
ou por grupo) são capazes
de responsabilizar os
responsáveis pelas decisões
e os provedores? Qual é
a influência da demografia
sobre as decisões?
• Quem, para além do governo
local, está a investir ou
investiria na provisão de
água ou no tratamento de
águas residuais e porquê?
• A migração interna ou o
investimento económico
estão a influenciar a
disponibilidade das terras
e o custo das mesmas?
• Qual é a capacidade de
gestão da cidade
(incluindo empréstimos)?
• Como é que a cidade
regulamenta a provisão
de serviços?
• As actividades económicas
são sazonais ou constantes?
• Há possibilidade de
reutilização?
Tabela 4: Análise a nível de cidade – perguntas de orientação a nível de cidade
Aprender das visitas aos países
As cidades no Nepal estavam a tentar usar projecções de população para um período de 20
anos mas não necessariamente com nenhum tipo de análise sobre que populações se
estavam a mudar para a cidade e quais eram as expectativas e exigências em termos de
provisão de serviços.
A cidade de Hai Bomang’ombe na Tanzânia registou um nível extremamente rápido de
crescimento e imigração como resultado dos investimentos no abastecimento de água que
fizeram com que houvesse água disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
Como se mencionou anteriormente, na cidade de Paikgacha no Bangladesh, um vendedor
privado de água fornecia serviços aos bairros perto da sua casa. As autoridades não se
importaram de o deixar proporcionar o serviço mas o provedor estava com uma certa
relutância em expandir demasiado o negócio no caso das autoridades começarem a adoptar
outra abordagem aos seus investimentos.
24
Relatório
Como é comum em muitas cidades pequenas, a cidade de Kibibi no Uganda tem electricidade
três dias por semana, o que parece o factor determinante para os serviços de água.
Numa tentativa de ultrapassar os provedores de serviços formais e pouco fiáveis, os criadores
de aves domésticas numa cidade pequena do Uganda estavam a investir na construção dos
próprios poços. A suposição é que a enorme despesa envolvida seria mais do que recuperada
pelo crescimento adicional possibilitado por uma fonte de água fiável e abundante.
A cidade de Bandipur nas montanhas do Nepal deu nova vida a si própria como destino
turístico, e subsequentemente tentando compreender como satisfazer as flutuações sazonais
da procura da provisão de água. Na cidade de Mwapwa, na Tanzânia, a mão-de-obra eventual
vive na cidade durante a estação seca, criando também grandes flutuações sazonais em
termos de procura de água.
Numa cidade da Nigéria, a actividade económica tem sido severamente prejudicada pela falta
de água durante a estação seca. No entanto, a recolha de água pluvial durante a estação das
chuvas dificultou os investimentos, o fluxo de dinheiro e o planeamento financeiro.
3.2.3 Análise de uma cidade pequena a nível de agregado familiar
Grande parte da nossa tese sobre as conexões e interligações gerais ocorre nos dois níveis
superiores – analisando as influências que afectam a cidade a partir dos limites e a nível da cidade.
Muitos dos factores a nível de agregado familiar são semelhantes ao que se esperaria através de
diferentes densidades de povoações, tais como rendimentos e preços, padrões de consumo, etc.
No entanto, para as cidades pequenas, pode ser necessário fazer algumas perguntas específicas
a nível de agregado familiar sobre a demografia de quem se está a mudar para a cidade, o que
esperam que a cidade lhes proporcione, de onde vieram e quanto tempo tencionam ficar, ou que
competências ou investimentos podem trazer consigo.
Como noutros contextos, o estatuto de vida da maior parte das pessoas tem uma influência directa
sobre se vão investir eles próprios na água ou no saneamento e o que esperam que o estado
proporcione. Se os habitantes das residências se virem a si próprios como permanentes ou
temporários e se têm propriedade da terra ou não são dois factores. Se estiverem a alugar,
provavelmente a obrigação de investir cabe ao proprietário, que pode estar no local e partilhar as
mesmas instalações ou pode gerir a propriedade à distância. Se assim for, os principais incentivos
do proprietário estão relacionados com os rendimentos económicos, o que poderia sugerir que a
disponibilidade de provisão local de água consegue uma renda maior mas as instalações sanitárias
podem tirar espaço a outras divisões que podem ser alugadas. Outra consideração é se a provisão
de níveis mais elevados de serviços vai ter um impacto negativo sobre as pessoas pobres ao
provocar o aumento das rendas ou encorajando-as a vender a terra. Uma vez mais, estas questões,
que são certamente relevantes aos contextos urbanos, peri-urbanos e das cidades pequenas, são
talvez menos relevantes nos contextos rurais.
Para as cidades pequenas, pode ter que se dar maior ênfase à questão da transitoriedade ou
da permanência. Em muitos locais do Nepal por exemplo, entrevistas informais sugeriram que
muitas famílias queriam voltar às zonas rurais de origem depois do conflito maoista ter abrandado.
A suposição comum de que, tendo passado a fazer parte da paisagem urbana, as famílias vão
querer continuar na cidade, pode não ser verdadeira. Mesmo se as famílias acabarem por ficar nas
cidades pequenas ou em áreas urbanas, a sua própria percepção de que vão ficar aí por um período
de tempo limitado vai influenciar as exigências que fazem aos provedores de serviços, os níveis de
25
Relatório
investimento que estão dispostas a fazer mais directamente ou o nível de participação que podem
procurar ter nos processos de desenvolvimento da cidade. Compreender os investimentos dos
utentes noutras áreas (terra, materiais, ensino) deve ajudar a explicar as atitudes sobre se tencionam
ficar ou não (ou se tencionam “regressar” a casa ou ir para um centro urbano maior). Compreender
as dinâmicas subjacentes na demografia de uma cidade pequena (a nível de agregado familiar) vai
proporcionar projecções mais exactas e decisões apropriadas para a provisão de serviços.
De um ponto de vista da economia do agregado familiar, se as pessoas trabalham fora de casa
ou em casa afecta a procura, como também o faz a questão de se estão a usar a água para fins
diferentes dos de dentro de casa, tais como agricultura urbana ou pequenas indústrias artesanais.
Compreender quanto da economia doméstica se baseia numa economia sem dinheiro é importante
para avaliar que dinheiro se encontra disponível no sistema para pagar despesas de ligação ou
tarifas mais em geral. Uma vez mais, tudo isto são generalidades que se aplicam a muitos tipos
de povoações.
Um problema agravante para as cidades pequenas é o facto de que, em muitos dos locais que
visitámos, uma grande proporção dos agregados familiares pobres parecem ser predominantemente
liderados por mulheres enquanto os homens estão fora a trabalhar noutros locais e a enviar dinheiro.
Seria útil entender melhor estas dinâmicas de um ponto de vista económico. Os envios são sazonais?
Nestas circunstâncias, como é que é provável que os fundos sejam distribuídos?
Do mesmo modo, compreender a opinião política destes agregados familiares geralmente mais
pobres e se podem exigir algo ao sistema nas cidades pequenas tem que ser justaposto às funções
de tomada de decisões dos negócios e outras elites. As comunidades de pessoas (seja definidas
espacialmente ou como um grupo de pessoas com interesses comuns) são capazes de responsabilizar
os provedores e quem toma as decisões?
Com o fim de responsabilizar os provedores e os responsáveis pelas decisões, os agregados
familiares e as comunidades necessitam de informação sobre o que a cidade deveria prover, como
as tarifas são definidas, mecanismos de compensação quando se prometem serviços e/ou são
pagos mas não proporcionados, e outros aspectos. As cidades pequenas são o sítio onde as formas
tradicionais de tomada de decisões começam a desaparecer ou criam lacunas de poder quando
se chocam com o governo local e as regras e restrições administrativas e tecnocráticas.
26
Relatório
Impulsionadores
económicos
Demografia
Agregado familiar/Micro
• Os agregados familiares
consideram-se residentes
permanentes ou
temporários? (Alugam a
casa/propriedade ou
pertence-lhes?) Que impacto
tem esse factor sobre os
investimentos (pelo agregado
familiar, proprietário,
cidade, outros)?
• Quais são as influências
sobre a demografia dos
agregados familiares? Como
é que estas influências dão
forma às expectativas e
à procura em termos de
provisão de serviços?
• Há influências sazonais ou
outras sobre a economia do
agregado familiar que
poderiam afectar a provisão
de serviços?
• Há pessoas que trabalham
fora de casa ou trabalham a
partir de casa? Que impacto
têm os níveis de serviço mais
elevados sobre as pessoas
pobres (aumentam a renda,
encorajam-nas a vender, etc.)?
Autonomia
e decisões
• Quais são as expectativas
dos que imigram para
a cidade em termos de
serviços? Como é que as
preferências dos utentes que
imigram para a cidade são
incorporadas nas decisões?
• Como é que se informam os
utentes sobre as opções
disponíveis? Como esperam
ser envolvidos?
• Quanta da economia do
agregado familiar tem
como base uma economia
sem dinheiro?
Tabela 5: Análise a nível de agregado familiar – perguntas de orientação a nível de agregado familiar
Como foi mencionado neste documento, as ideias que levaram à estrutura ainda estão numa fase
de gestação. Atendendo a que os modelos e as abordagens bem sucedidos para a provisão de água
e de saneamento nas pequenas cidades não são necessariamente óbvios, os formuladores de políticas e
os profissionais têm que compreender melhor as diversas dinâmicas que influenciam estas
povoações. Uma vez mais, não sugerimos que as investigações tradicionais sejam postas de lado
ou ignoradas mas em vez disso que as cidades pequenas têm que ser analisadas através de uma
lente mais sistémica.
Aprender das visitas aos países
Numa cidade do Nepal, os imigrantes pobres não eram bem vistos uma vez que estavam
a exercer pressão sobre os recursos da cidade. Foi necessário tomar decisões difíceis sobre se
proporcionar a toda a gente o mesmo nível de serviços. Os investimentos iniciais e previsíveis
concentraram-se primeiramente nas áreas centrais. Noutras cidades, os imigrantes eram
vistos como estando a dar impulso ao potencial da cidade, trazendo novas competências,
dinheiro e aumentando a população de tal modo que levou a cidade para uma categoria
administrativa diferente, conseguindo mais fundos do governo central.
Em alguns dos países que visitámos, a falta de água levou a que se estabelecessem regras
relacionadas com a agricultura urbana. Em Hai Bomang’ombe, na Tanzânia, os agregados
familiares dentro dos limites da cidade estão autorizados a usar as conexões às residências
ou os pontos de água públicos para regar apenas pequenas hortas de subsistência a nível de
agregado familiar. Água para fins agrícolas em grande escala tem que ser procurada noutro lado.
Tanto no Bangladesh como no Nepal, enormes aumentos nos preços dos terrenos nas
cidades pequenas marginalizaram as pessoas pobres e reduziram a quantidade de terra
disponível para infra-estruturas.
27
Relatório
4 Definição de sustentabilidade nas
cidades pequenas e trabalhar à escala
“Pense simplesmente, como dizia o meu antigo mestre –
“que queria dizer, reduza o total das partes aos termos
“mais simples, voltando aos primeiros princípios.”
Frank Lloyd Wright, Arquitecto
Durante todo o processo de análise das cidades pequenas, a equipa tentou compreender os factores
que influenciam não só o projecto da provisão de serviços mas também a sustentabilidade do
mesmo. Voltar aos primeiros princípios sugere diversas coisas. Primeiro, a sustentabilidade do
serviço provavelmente tem menos que ver com a tecnologia do que com as circunstâncias mais
gerais na cidade. Segundo, não se podem tratar todas as cidades da mesma maneira. Apesar
de haver questões genéricas sobre as regras e regulamentos nacionais (que podem de facto
ser reavaliados e modificados), todas as cidades têm as suas circunstâncias particulares que
podem influenciar o êxito ou falhanço de uma abordagem. Os impulsionadores das mudanças
demográficas, a função da cidade e a economia resultante, e a natureza das relações entre quem
influencia ou define as regras e os que recebem os serviços, são todos elementos importantes.
Só pode haver sustentabilidade quando se compreendem e entrelaçam estes factores.
Muita da nossa análise sugere que a sustentabilidade não tem sido ajudada pela “oportunidade
de ouro”. Diversos formuladores de políticas e profissionais ao longo do caminho sugeriram que há
o perigo de que oferecer (relativamente) grandes quantidades de dinheiro às cidades pequenas
para que resolvam a provisão de serviços de água e de saneamento cria incentivos perversos sob
todos os pontos de vista para se instalar uma infra-estrutura que não vai ser económica ou fácil de
gerir, em muitos casos, depois de apenas alguns anos. A equipa viu isso acontecer em diversos
locais. Os consultores e as empresas de construção fazem mais dinheiro com projectos maiores; os
políticos criam uma reputação maior para si próprios ao produzir grandes projectos; e os doadores
conseguem maiores quantidades de dinheiro em subsídios, contratos ou empréstimos para
concretizar objectivos macro; as populações conseguem soluções rápidas.
Diversos sítios transmitiram uma mensagem clara dizendo que era necessário que houvesse
abordagens modularizadas ou por fases tanto para a tecnologia como para as finanças, o que
permitiria o aumento e a expansão graduais de um sistema de provisão de serviços mais económico
e mais adaptável. Um colega sugeriu que essas evoluções poderiam levar a que se comprassem
terrenos e se investisse em infra-estruturas subterrâneas primárias mais cedo. A infra-estrutura
na superfície poderia então ser gradualmente construída ao longo do tempo mas contando com
a possibilidade de alterações nas circunstâncias e nos limites. Essa modularidade também pode
permitir mais facilmente uma redução dos serviços no caso da cidade entrar em declínio.
28
Relatório
Claramente, por diversas razões, as cidades pequenas exigem uma abordagem flexível para com
o planeamento, implementação e operação. Os formuladores de políticas e os profissionais não
devem depender de um modelo técnico ou de gestão único. Em vez disso, devem usar uma mistura
dinâmica e flexível na qual se proporcionam diferentes opções de abastecimento para diferentes
grupos de consumidores e fases de desenvolvimento da cidade (Mugabi, Dezembro de 2006).
WaterAid
Durante todo o processo de investigação, a equipa esforçou-se bastante com a necessidade
de adaptar abordagens a cidades específicas em relação ao grande número de cidades que
necessitam de apoio. Concordou-se durante todo o processo que trabalhar somente numa base
de caso a caso é pouco prático. Trabalhar à escala passou portanto a significar assegurar que as
políticas funcionavam a favor das pequenas cidades e que reconheciam e apoiavam diferentes tipos
de cidades. Também significa que pode ser necessário adoptar diferentes políticas ou abordagens
para cidades de 20.000 habitantes em comparação com cidades de 200.000 pessoas. O plano de
programas das ONGs deve ter como base apoiar este desenvolvimento da política, descobrindo as
diferenças entre pequenas cidades e identificando um menu de opções para responder aos resultados
da análise mais ampla do contexto e dos intervenientes. Com tempo, este trabalho pode produzir
uma metodologia de avaliação mais rápida que poderia permitir que se utilizassem alguns atalhos.
29
Relatório
5 Aprender de outros sectores
Um componente chave deste subsídio de planeamento foi ver se os profissionais de água e de
saneamento poderiam aprender de como outros sectores funcionam nas cidades pequenas,
para duas finalidades:
• Compreender se havia modos como a saúde, ensino, telecomunicações, energia ou outros
sectores alcançam as pessoas pobres nas cidades pequenas que poderiam ser instrutivos para
os sectores da água e do saneamento.
• Determinar se havia características das abordagens dos outros sectores que poderiam ser
usadas pelo sector da água e do saneamento – combinando forças para ter em conta economias
de escala, maiores eficiências, inovações, etc.
Em todos os países que visitámos tivemos conversas com os profissionais e os formuladores de
políticas de outros sectores que tinham sido inicialmente identificados como sendo os mais
relevantes para o nosso trabalho. Reconhece-se que havia pouco tempo, mas na maioria das vezes
estas discussões não foram tão úteis como gostaríamos ou teríamos esperado. Começaram a
aparecer algumas explicações importantes. Em muitos casos, parece que a classificação de cidades
pequenas só existe no sector da água e do saneamento. As cidades emergentes, cidades de
mercado e outras classificações parecem concentrar-se mais na função da cidade do que em
satisfazer as necessidades que a cidade tem de serviços. É portanto importante voltar a pensar e
a discutir o assunto, começando com a comunidade académica. Na realidade, mesmo a revisão da
literatura no início do nosso processo não deu muito resultado sobre este lado da investigação.
Uma explicação adicional pode dever-se à natureza dos sectores explorados. Por exemplo, o sector
da energia tende a ser altamente concentrado, sendo as decisões tomadas muito longe da área
de responsabilidade dos responsáveis locais. O sector da saúde proporciona serviços como os
sectores da água e do saneamento mas de tal modo que o consumidor geralmente viaja para ir ao
provedor em vez de uma abordagem mais localizada ou a nível do agregado familiar. O sector das
telecomunicações também opera com base num sistema de “pagar à medida que se usa” mas sem
as despesas de capital, frequentemente não recuperáveis, do sector da água.
Apesar de não desistirmos dos aspectos da aprendizagem e de andar às cavalitas, talvez ao
progredir a conversa pudesse começar por explorar como o que acontece noutros sectores
influencia os sectores da água e do saneamento e vice-versa. A disponibilidade de energia
ou de microcréditos, por exemplo, cria maior procura de água para as indústrias artesanais?
A disponibilidade de água é um catalisador necessário para certos tipos de pequenas indústrias
que aumentam a viabilidade de investimentos na provisão de energia?
30
Relatório
6 Fazer o trabalho progredir
“O essencial é não planear tudo antecipadamente, mas
“estabelecer um processo de aprendizagem estratégica
“que permita correcções, alterações e mesmo grandes
“mudanças nas abordagens.”
Ben Ramalingam, Aid on the Edge,
www.aidontheedge.info
Em todo este documento mencionámos que o nosso trabalho tem sido muito exploratório com um
âmbito necessariamente amplo e uma abordagem iterativa. Investigámos um grande número de
questões, procurando respostas ou pelo menos pistas para responder às cinco perguntas que
fizemos inicialmente (ver o Anexo um – A nossa abordagem para com a tarefa: uma oportunidade
única). A tarefa foi particularmente difícil devido aos poucos dados que existem sobre o assunto.
Também sabemos que nos encontrávamos em território relativamente desconhecido.
A nossa investigação inicial identificou um modo um pouco mais contextualizado de analisar as
cidades pequenas, sugerindo em maior detalhe como são diferentes dos contextos rurais ou
urbanos de grande dimensão. Tencionamos testar a nossa abordagem com o fim de melhorar o
modo como a WaterAid, como organização, e o sector de WASH em geral, se dirige às questões das
pequenas cidades. Especificamente, depois de usar a demografia, os impulsionadores económicos
e a autonomia e tomada de decisões como guia para definir a tipologia das cidades pequenas,
procuramos identificar as implicações, particularmente para as opções da provisão de serviços
de saneamento, em cada tipo.
Reconhecemos que o tipo de análise defendido neste documento geralmente não se encontra nos
Termos de Referência normais dos consultores e de outros profissionais do desenvolvimento
quando planeiam um sistema de água ou de saneamento para uma cidade pequena, ou talvez em
qualquer lado. Como se previa desde o início, as nossas perguntas exigem ajustes e provas
adicionais para ver se as influências que estes factores exercem sobre a procura e a provisão de
água e de saneamento são tão significativos como actualmente suspeitamos. Analisar a questão
das cidades pequenas até chegar a estes níveis sugere que o trabalho também se poderia encaixar
com, por exemplo, o trabalho da Associação Internacional da Água Sanitation 21: Simple
Approaches to complex sanitation (IWA), 2009) que demonstra mais claramente as opções de
investimento para o saneamento.
Apesar de bastante da análise no documento se poder dirigir seja à água como ao saneamento,
a WaterAid vê a complexidade inerente do sector de saneamento como um desafio único que requer
uma concentração especial, por duas razões. Primeiro, devido à existência de provedores de
serviços múltiplos, o planeamento é essencial e oferece uma oportunidade para se dividirem as
31
Relatório
diversas correntes de serviços em componentes separados. Segundo suspeitamos que a
fragmentação no sector do saneamento proporciona maiores probabilidades de inovação,
particularmente se a nossa análise mais generalizada for feita devidamente. A nossa investigação e
experiência têm demonstrado que os sistemas tendem a ser demasiado planeados desde o início e
são portanto demasiado caros tanto em termos de capital como de despesas recorrentes para a
cidade pequena os poder aguentar. Do mesmo modo, os sistemas que não fazem planos para serem
ampliados têm a probabilidade de ser submergidos pela procura e tornam-se rapidamente
ineficientes e ineficazes. As nossas principais perguntas são: como é que as cidades pequenas
podem usar um processo de planeamento simplificado, em harmonia com as capacidades técnicas,
preparando-se para o crescimento futuro dos serviços? Quais são os blocos de construção da
provisão de serviços que podem ser implementados e geridos progressivamente pelas cidades
pequenas? Tal como as soluções tecnológicas vão ter que ser calibradas para uma determinada
demografia e taxa de crescimento, também será necessário descobrir planos de financiamento
apropriados para o desenvolvimento interactivo. O financiamento tradicional de um pagamento
único apresenta um desafio para uma provisão de serviços sustentada e gradual.
Tanto a investigação de planeamento subsidiada pela WaterAid, como a experiência dos nossos
programas nacionais sublinharam que os serviços demasiado centralizados são muitas vezes
inapropriados no contexto de uma cidade pequena. Ao mesmo tempo, reconhecemos que é
improvável que a administração seja capaz de proporcionar directamente um serviço abrangente
que tomou em consideração todos os aspectos do planeamento, provisão e controlo. A provisão
dos serviços, especialmente para as secções mais pobres da comunidade, envolve geralmente
os provedores de pequena dimensão – frequentemente do sector privado ou da sociedade civil.
Atendendo a esta realidade, é importante desenvolver modelos de negócios apropriados para
serviços com tarifas separadas nas cidades pequenas.
Em conclusão, a WaterAid e a BPD estão confiantes de que este trabalho nos fez progredir
significativamente para compreendermos as abordagens necessárias para lidar com as questões
dos serviços de água e de saneamento nas cidades pequenas. Este trabalho não está de modo
algum completo, mas suspeitamos que temos agora a base para começar a explorar em maior
profundidade algumas das questões sugeridas acima. Acreditamos que esta estrutura analítica
emergente poderia ser usada para ter um efeito positivo na orientação dos processos de criação
(em escala no âmbito de um contexto nacional ou estatal) de programas de apoio às cidades
pequenas que incluam planeamento para toda a cidade, apoio para melhorar a governação local
e provisão de menus de soluções técnicas adaptadas ao contexto específico.
Uma das nossas tarefas foi definir o número de áreas para “investigação de acção” a ser levadas
para a frente e testadas no âmbito do programa de trabalho da WaterAid a nível nacional. Outros
leitores podem ser atraídos a diferentes elementos do documento. Podemos apenas esperar deste
modo poder catalisar e influenciar ideias adicionais. Os autores e as organizações dos mesmos
estão sem dúvida abertos a partilhar e a colaborar sobre estas questões e gostariam de receber
feedback construtivo sobre a análise exposta neste documento. Em conjunto com esta publicação,
lançámos um website que esperamos venha a ser um repositório de conhecimentos sobre o
desenvolvimento e a provisão de serviços nas cidades pequenas. Encorajamos outros actores do
desenvolvimento a usar este recurso como um meio de partilhar o seu próprio trabalho sobre as
cidades pequenas.
www.small-towns.org
32
Relatório
Bibliografia
Durante o decorrer deste trabalho, a BPD e a WaterAid leram e releram um conjunto de materiais
extremamente vasto e abrangente que ajudou a influenciar o nosso modo de pensar e nos fez
progredir. Muitos destes materiais estão numa lista no website. Para os fins da redacção deste
documento em especial, as fontes que se seguem foram directamente citadas ou usadas.
Cardone R A (2006) Experiences with innovative financing: small town water supply and sanitation
service delivery (Meeting development goals in small urban centres: water and sanitation in the
world’s cities). UN-Habitat.
Doe S (2003) Sustainability of community management in small towns: case studies from Ghana.
Loughborough, UK: Ph.D thesis, Loughborough University.
IDS (2010) An upside view of governance. Brighton, UK: Institute of Development Studies.
IIED (2003) Rural-urban transformations and the links between urban and rural development,
Environment and Urbanisation Brief No 7. London, UK: International Institute for Environment
and Development (IIED).
IWA (2009) Sanitation 21: Simple approaches to complex sanitation – a draft framework for analysis.
London, UK: International Water Association.
Mugabi J A (December 2006) Managing water services in small towns: challenges and reform issues
for low-income countries. Journal of Urban Planning and Development, pp 187-192.
Pilgrim N R (2007) Water working notes: principles of town water supply and sanitation,
Part 1: water supply.Water Supply and Sanitation Sector Board of the Infrastructure Network,
World Bank Group.
33
WaterAid
Report
Anexo – A nossa abordagem para com
a tarefa: uma oportunidade única
“Os sistemas... comportam-se de modo não linear
“e imprevisível. Não se trata somente de puxar uma alavanca
“e ignorar o barulho e as flutuações. Em vez disso, o importante
“é aceitar a incerteza, a tensão, o barulho – trabalhar com estes
“factores como um facto em vez de uma aberração.”
Ben Ramalingam, Aid on the Edge,
www.aidontheedge.info
A nossa abordagem à tarefa: uma oportunidade única
Reconhecendo a urgência de compreender como melhor satisfazer as necessidades de água e de
saneamento das cidades pequenas em expansão, a WaterAid, em parceria com a BPD e apoiada
por um subsídio de planeamento da Fundação Bill and Melinda Gates, propôs sintetizar os
conhecimentos existentes e identificar abordagens prometedoras que poderiam apoiar o impacto
sustentável nas pequenas cidades. Combinando os conhecimentos de um Painel de Consulta de
Peritos (EAP) multi-disciplinares com as experiências das comunidades locais, dos governos e dos
actores do desenvolvimento, o projecto procurou então definir iniciativas de investigação de acção
que possam ser implementadas e documentadas numa fase futura em diversos programas
nacionais da WaterAid.
Mais especificamente, o subsídio de planeamento procurou dirigir-se às seguintes perguntas iniciais:
• O que há de diferente nos desafios e potenciais soluções para a provisão de serviços de água
e saneamento nas pequenas cidades ao contrário dos grandes ambientes urbanos ou
contextos rurais?
• Há algumas lições a aprender de outros sectores que proporcionam infra-estruturas ou serviços
públicos de saúde nas cidades pequenas que poderiam proporcionar informação para planear
modelos de “negócios” para a água e o saneamento?
• No contexto das cidades pequenas, é melhor dirigirmo-nos aos serviços de água e de
saneamento através de uma abordagem combinada ou é necessário usar abordagens diferentes
para o saneamento?
• Há oportunidades e pontos de entrada para criar impacto que são sustentáveis e que podem ser
redimensionados nas cidades pequenas em toda a Ásia e a África?
35
Relatório
• A partir dos pontos acima, há perguntas mais especificamente visadas que possam orientar
a investigação de acção futura para testar / experimentar modelos de desenvolvimento,
tecnologias, mecanismos de financiamento e/ ou outras adaptações prometedoras?
Apesar deste relatório tentar proporcionar algumas respostas às perguntas acima, é importante
notar que a intenção das mesmas era apenas servir de guia ao processo de investigação com o fim
de expandir a investigação se necessário.
Como ponto de partida e para servir de informação ao resto do projecto, a BPD levou a cabo uma
revisão da literatura (ainda por publicar) para ajudar a equipa de investigação a definir claramente
um quadro de investigação e um plano de consulta aos intervenientes. A primeira tarefa era
portanto documentar o que já se sabe sobre a provisão de serviços de água e de saneamento nas
pequenas cidades e resumir os resultados que se relacionam especificamente com a primeira e
a segunda pergunta acima.
A análise, principalmente, da primeira e da segunda pergunta (acima) procurou desenvencilhar as
principais causas tanto do êxito como das dificuldades para a provisão de serviços nas pequenas
cidades. Por exemplo, a distância de uma cidade pequena do principal centro urbano (ou centros
urbanos) pode resultar em maior independência para a municipalidade, mas também apresenta
dificuldades para atrair funcionários qualificados. Diversas questões, algumas no âmbito do
controlo dos profissionais da água e do saneamento, mas muitas não, tornaram-se centrais à nossa
análise, incluindo:
• Considerações espaciais (como função da distância geográfica ou do terreno).
• Relação (económica, política ou outra) com as grandes cidades.
• Prioridades e abordagens da política pública e do investimento do governo.
• Política e práticas de descentralização.
• Tendências técnicas do centro.
• Estruturas de governação e mecanismos de prestação de contas.
• Questões de capital social nas cidades pequenas.
Durante todo o trabalho a WaterAid e a BPD quiseram fazer e (mapear) as ligações entre estes
aspectos diferentes, compreendendo mais claramente os impactos e implicações de certas
características das cidades pequenas. A meta final do trabalho era comparar e contrastar contextos
de diferentes cidades pequenas com o fim de chegar a uma ferramenta ou estrutura analítica que
permita que se tomem decisões sobre abordagens e “investimentos” dum modo mais holístico.
Os conhecimentos do EAP foram inestimáveis durante todo este processo dando conselhos
contextuais. O EAP consistia em sete peritos reconhecidos internacionalmente que, apesar de
estarem bastante familiarizados, com uma ou duas excepções, não se consideram a si próprios
necessariamente conhecedores dos sectores da água e do saneamento. Trouxeram à discussão
diversas disciplinas incluindo o planeamento urbano, a descentralização, tecnologias apropriadas,
microfinanças, ensino e saúde, assim como experiência no desenvolvimento social. Os Termos de
Referência do EAP foram apoiar a análise crítica através de uma revisão feita por colegas e com
recomendações durante todas as fases do trabalho. Além do mais, chamaram-se três especialistas
adicionais mais directamente familiarizados com o sector da água e do saneamento e alguma
programação sólida e experiência de investigação na provisão de serviços nas pequenas cidades
para participarem em todo o processo.
Para consolidar a aprendizagem da revisão da literatura num quadro de investigação organizou-se
um workshop de dois dias e meio com toda a equipa. Desafiados pelos profissionais de outros
sectores diferentes da água e do saneamento, o plano diferente das discussões proporcionou uma
36
Relatório
enorme quantidade de material para a equipa tomar em consideração antes de iniciar as visitas aos
seis países, Bangladesh, Madagáscar, Nepal, Nigéria, Tanzânia e Uganda. Esboçaram-se as revisões
da literatura a nível de país como material de base para estas visitas de nove a doze dias (levadas a
cabo entre Setembro de 2009 e Janeiro de 2010). Equipas pequenas lideradas por um funcionário da
BPD incluíam colegas da WaterAid no RU e nos programas nacionais. Um realizador de vídeos
juntou-se à equipa em cada uma das visitas dos seis países para capturar a aprendizagem. A
metodologia da investigação teve como base entrevistas a informadores importantes a nível
nacional e em três ou quatro cidades pequenas em cada país.
As estruturas iniciais criadas tiveram como base compreender as dificuldades da provisão de
serviços nas cidades pequenas justapostas ao contexto mais amplo de uma cidade. O contexto
mais amplo foi inicialmente dividido em perguntas à volta de quatro temas, como representado
na tabela que se segue.
Demografia
Função
Autonomia
Conexão
Analisar as mudanças
demográficas para
compreender a natureza
actual / futura da procura
de água e produção de
águas residuais.
Concordou-se que a
função da cidade era
importante uma vez
que, por exemplo, as
necessidades de uma
cidade industrial seriam
diferentes das de uma
economia com base no
turismo ou as de um
centro administrativo
Rever que liberdade
ou poder uma cidade
tem para definir as
suas próprias soluções
deveria orientar as
intervenções externas.
Analisar as influências
exteriores que têm
impacto sobre a procura e
a provisão acaba por ligar
os outros três elementos.
Tabela 6: Temas iniciais da estrutura analítica
O processo em cada cidade visitada foi entrevistar os principais intervenientes sobre o contexto
de água e de saneamento nessa cidade e identificar as principais dificuldades que a cidade
e os seus residentes enfrentam. As entrevistas tentaram conseguir que os entrevistados não só
identificassem como essas dificuldades evoluíram durante os últimos cinco a 15 anos, mas também
sugerir intervenções importantes que poderiam ter sido levadas a cabo com o fim de antecipar as
dificuldades existentes. As entrevistas também foram planeadas para se concentrarem nos aspectos
positivos, ou seja, o que se fez que provou ter benefícios duradouros. As discussões visaram não só
as questões nos sectores da água e do saneamento mas também aprender lições de outros sectores
(tal como o planeamento urbano, saúde, educação, energia e TI).
A finalidade das visitas aos países não foi documentar todos os aspectos da água e do saneamento
em pequenas cidades nos seis países. Em vez disso, o trabalho nos países visava criar um modo
cumulativo e iterativo de compreender os factores diferentes que afectam o plano e provisão de
serviços de água e de saneamento nas cidades pequenas.
A fase final do subsídio de planeamento reuniu o EAP, o programa nacional da WaterAid e os
funcionários internacionais, a BPD e a Fundação Gates num workshop para finalizar e confirmar
a estrutura analítica emergente e diversas hipóteses de investigação de acções a serem
experimentadas no trabalho de seguimento da WaterAid nas cidades pequenas.
37
Relatório
Utilização de uma abordagem de sistemas “simplificados”
Durante todo o processo, estivemos atentos para que uma abordagem de raciocínio sistémico
pudesse proporcionar um bom modo para fazer com que os profissionais de água e saneamento
pensem de modos alternativos. Ou, simplesmente, uma abordagem de raciocínio sistémico forçanos a revelar os nossos pensamentos causais, ou seja, aquilo que acreditamos que são as causas
subjacentes e efeitos finais que influenciam uma questão. Sem compreender estas causas, as
nossas soluções vão levar a problemas adicionais. A intenção de usar uma abordagem de raciocínio
sistémico na análise das cidades pequenas foi definir uma vasta gama de variáveis e processos que
influenciam o plano e a provisão de um serviço de água e/ou saneamento. A nossa meta tem sido
mudar a ênfase das respostas reactivas para abordagens mais adaptáveis, criativas e reflectivas
que antecipam mais claramente como as coisas poderiam evoluir. Para se poder compreender esta
evolução, as abordagens de raciocínio sistémico tentam antecipar atrasos, desfasamentos (quando
um efeito pode não ser visto até mais tarde) e feedback loops. A curto prazo, estes podem
provavelmente ser ignorados. No entanto, a longo prazo, sem se compreenderem estes elementos,
um serviço de água ou saneamento pode muito bem acabar por ser estruturado de modo
inapropriado e insustentável. Também ajuda a ver ligações bidireccionais ou múltiplas,
potencialmente sem fim, em vez de ligações puramente lineares. Como um simples exemplo tipo
“galinha e ovo”, instalar um sistema de água pode encorajar maior imigração para uma cidade. O
aumento da imigração para uma cidade pode encorajar a expansão de um sistema de água.
Uma abordagem de raciocínio sistémico vai revelar muitos elementos (como mencionado nas
discussões através deste documento) que estão certamente fora do controlo dos profissionais do
sector de água e de saneamento. Os que usam uma abordagem de raciocínio sistémico não vão
sempre chegar a acordo sobre as “respostas”, mas a abordagem é planeada para conseguir
diferentes informações que possam ser discutidas. Uma vez mais, apesar de não termos aplicado
sistematicamente uma abordagem de raciocínio sistémico ao nosso trabalho as ideias neste
documento reflectem o espírito geral com o qual nos envolvemos neste exercício.
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Relatório
Notas
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Relatório
Notas
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WaterAid
A WaterAid permite que as pessoas mais pobres do mundo consigam acesso à água segura e ao saneamento. Juntamente
com uma melhor higiene, estes direitos humanos básicos apoiam a saúde, o ensino e os meios de subsistência, formando o
primeiro passo essencial para ultrapassar a pobreza. Trabalhamos com parceiros locais, que compreendem as questões locais,
e proporcionamos-lhes as competências e apoio para ajudar as comunidades a estabelecer e gerir projectos práticos e
sustentáveis que satisfazem as suas verdadeiras necessidades. Também trabalhamos a nível local e internacional para mudar a
política e as práticas para assegurar que a função vital da água, da higiene e do saneamento na redução da pobreza é reconhecida.
www.wateraid.org Contacto para este documento: [email protected]
A finalidade da Building Partnerships for Development in Water and Sanitation – BPD (Criação de Parcerias para o
Desenvolvimento na Água e no Saneamento) é reforçar as parcerias que apoiam os provedores de serviços de água e de
saneamento nas comunidades pobres. Reconhecendo que as dificuldades relacionadas com a provisão de serviços de água e de
saneamento nos países em desenvolvimento não se encontram principalmente enraizados nas lacunas tecnológicas ou financeiras,
a BPD proporciona orientação e apoio que levam a parcerias de diversos intervenientes através dos sectores público, privado e da
sociedade civil que trabalham de modo mais eficiente e eficaz. Activa desde 1998, a BPD é líder no sector para proporcionar uma
plataforma não lucrativa, neutral e independente que desafia os formuladores de políticas e os profissionais no modo como
trabalham em conjunto, através de investigação de acção, apoio às parcerias e actividades de aprendizagem partilhadas.
www.bpdws.org
WaterAid, 47-49 Durham Street, London SE11 5JD
Telefone: 020 7793 4500 Fax: 020 7793 4545
Email: [email protected] www.wateraid.org
Números de registo de obra de beneficência 288701 (Inglaterra e País de Gales)
e SC039479 (Escócia)

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