de santos (s. joão de deus) a médico (juliano moreira)
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de santos (s. joão de deus) a médico (juliano moreira)
REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA Órgão Oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia EXPEDIENTE Paulo Ganem Souto Governador do Estado da Bahia José Antônio Rodrigues Alves Secretário da Saúde Márcia Sampaio Oliveira Superintendente da SHRS José Carlos Barboza Filho Diretor da Escola Estadual de Saúde Pública ENDEREÇO EDITORA GERAL EDITORES ASSOCIADOS Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 Rio Vermelho Caixa Postal 631 CEP 41950-610 Salvador Bahia Brasil Tels: 71 3334-1888 / 3334-0428 Fax: 71 3334-2230 E-mail: [email protected] Disponível no site: www.saude.ba.gov/rbsp/ Lorene Louise Silva Pinto Álvaro Cruz UFBA Carmen Fontes Teixeira UFBA Joana Oliveira Molesini SESAB/UCSAL José Carlos Barboza Filho SESAB/UCSAL Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza UFBA Marco Antônio Vasconcelos Rego UFBA CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Fernandes Pitta USP Cristina Maria Meira de Melo UFBA Eliane Elisa de Souza Azevedo UEFS-BA Eliane Souza Silva UFBA Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho UFPE Fernando Martins Carvalho UFBA Heraldo Peixoto da Silva UFBA Jacy Amaral Freire de Andrade UFBA Jaime Breilh CEAS EQUADOR Jiuseppe Benitivoglio Greco EBMSP BA José Tavares Neto UFBA Luis Roberto Santos Moraes UFBA Maria do Carmo Soares Freitas UFBA Maria do Carmo Guimarães UFBA Maria Conceição Oliveira Costa UEFS Maria Isabel Pereira Viana UFBA Marina Peduzzi UNICAMP-SP Mitermayer Galvão dos Reis FIOCRUZ-BA/ UFBA Paulo Augusto Moreira Camargos UFMG Paulo Gilvane Lopes Pena UFBA Rafael Stelmach HC SP Raimundo Paraná UFBA Reinaldo Martinelli UFBA Ricardo Carlos Cordeiro UNESP Ronaldo Ribeiro Jacobina UFBA Rosa Garcia UFBA Sérgio Koifman ENSP/FIOCRUZ Vera Lúcia Almeida Formigli UFBA SECRETÁRIA EXECUTIVA Lucitânia Rocha de Aleluia ASSISTENTE BIBLIOTECÁRIA PROJETO GRÁFICO REVISÃO E NORMALIZAÇÃO DE ORIGINAIS Bárbara Dias Ivone Silva Figueredo PAMDESIGN Maria José Bacelar Guimarães TRADUÇÃO/REVISÃO INGLÊS EDITORAÇÃO/IMPRESSÃO Nadja Ferreira Pinheiro EGBA Periodicidade Semestral Triagem 1.500 exemplares Distribuição gratuita ISSN: 0100-0233 Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia INDEXAÇÃO Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas en Ciências (México) Bibliografia Brasileira de Medicina Informação para Saúde: Brasília Informação para Saúde: Rio Grande do Sul LILACS - SP - Literatura Latinoamericana en Ciências de La Salud - Salud Pública, São Paulo Capa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do século XVIII). Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos). Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. v.30, n.1, jan./jun., 2006. Salvador: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2006. Semestral. ISSN 0100-0233 1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. I. Título CDU 614 (813.8) (05) 2 S U EDITORIAL ARTIGOS M Á R I .................................................................................................................................................................................................... O 5 ORIGINAIS A ENFERMEIRA E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: ESTUDO DE UMA REALIDADE LOCAL ...................................................................................................................................................................................... Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira Maria Lúcia Silva Servo DE SANTO (S. JOÃO DE DEUS) A MÉDICO (JULIANO MOREIRA): ANÁLISE HISTÓRICA DO MANICÔMIO ESTATAL NA BAHIA (1930-1937) ........................................................................................................... Ronaldo Ribeiro Jacobina CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO COMO FATOR DE PROGNÓSTICO PARA AMPUTAÇÃO DE MEMBROS INFERIORES EM HOSPITAIS PÚBLICOS DE SALVADOR, BAHIA .................................................................................................... Annibal Muniz Silvany Neto João Luiz Barbosa Nunes Rachel Silvany Quadros CARACTERÍSTICAS DOS PORTADORES DE EPILEPSIA INTERNADOS NOS SERVIÇOS PSIQUIÁTRICOS DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA ........................................................................................................................................................................... Antonio Reinaldo Rabelo Mina Modesto Rabelo Bernardo Rodrigues Eduardo Cardoso Ailton Melo PREVALÊNCIA DE DOR MUSCULOESQUELÉTICA Claudia Cerqueira Graça Tânia Maria de Araújo Cruiff Emerson Pinto Silva ACIDENTES TRABALHO COM ÓBITO Norma Suely Souto Souza Bartira Gomes Portinho Márcia Falcão Barreiros DE EM REGISTRADOS 19 39 50 CIRURGIÕES-DENTISTAS .................................................................................................. 59 EM 77 JORNAIS NO ESTADO DA BAHIA ................................................................. CONHECIMENTO DA AGENDA ESTADUAL DE SAÚDE PELOS DIRETORES E COORDENADORES DE SERVIÇO DOS DISTRITOS SANITÁRIOS DE BROTAS E SUBÚRBIO FERROVIÁRIO ............................................................................................ Maria Romana Amorim da Costa Maridete Simões de Castro Cunha Nívia Martins Menezes Silvana Márcia Pinheiro Santos Coelho Maria Helena Rios ESTRUTURAÇÃO DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS DA SECRETARIA DA SAÚDE NA BAHIA DE 1974 2004 ............................... Lucitania Rocha de Aleluia Olívia Kauark Couto Telma Dantas Teixeira de Oliveira FATORES ASSOCIADOS À INTERRUPÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO NAS CRIANÇAS MENORES DE SEIS MESES DE IDADE, DA CIDADE DE RIO BRANCO (ACRE) ........................................................................................................ Maria Gerlívia de Melo Maia José Tavares-Neto Rita de Cássia Franco Rêgo Pascoal Torres Muniz EMENDA CONSTITUCIONAL EC Nº 29/2000: O CUMPRIMENTO PELOS MUNICÍPIOS DO ESTADO Maria Letícia Bonfim Andrade Renato Sena Gomes Júnior Tânia Margarida de Novaes Rocha Joana Angélica Oliveira Molesini 7 DA BAHIA, 2000 A 2003 .............................................................................................. 90 105 129 141 ARTIGO DE REVISÃO O VÍRUS DA HEPATITE C COMO CAUSA DE MIOCARDIOPATIA DILATADA IDIOPÁTICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................................................................................................................................... Francisco Reis, Manoela Oliveira, Leandro Eloy, Carolina Rios, Sálvia Canguçu, Nei Dantas, Raymundo Paraná 154 RELATO DE EXPERIÊNCIA RODA DA SAÚDE, ARTICULANDO SABERES: UMA EXPERIÊNCIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA NO DISTRITO SANITÁRIO DO CABULA -BEIRU, S ALVADOR, BAHIA ................................................................................................................................................................................. Josenaide Engrácia dos Santos Marluce de Oliveira Brito Meira 161 AVALIAÇÃO 169 DE MÉTODO PARA RASTREAMENTO E CONTROLE DE Marco Antônio Mota Gomes, Annelise Costa Machado Gomes, José Narciso Gonçalves de Vasconcelos, Sonia de Moura Silva, Lucélia Batista Neves Cunha Magalhães HIPERTENSOS ......................................................................................... HIPERTENSÃO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DO SUS: ORIENTAÇÃO PARA O AUTOCUIDADO ................................................................................................................................................................................ Cátia Andrade Silva, Camila Wanderley, Emilia Rocha, Fabricia Santos, Izabel Martins, Lenise Bastos, Mariana Sacramento 179 RESUMOS DE DISSERTAÇÃO CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PRIVADOS DO MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA BAHIA ...................................................................................................................................................................................................................... 189 Maria de Fátima de Almeida Cruz ESTUDO DA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE POR MÃES E CRIANÇAS NO PRIMEIRO ANO DE VIDA CENTRO DE SAÚDE ESCOLA DE BOTUCATU SP .................................................................................................................................... Alice Yamashita Prearo 191 4 Revista Baiana de Saúde Pública E D I T O R I A L A presente edição da Revista Baiana de Saúde Pública ainda não é um número temático, como desejado por alguns e sugerido por outros. Entretanto aborda temas relevantes para a prevenção e o controle de doenças e para a saúde pública em geral como grande área temática, com a participação cada vez mais significativa dos técnicos da área de saúde. Nos Artigos Originais, os leitores encontrarão aspectos relacionados a: desempenho do profissional de enfermagem nas ações de educação em saúde, no artigo A Enfermeira e a Educação em Saúde: Estudo de uma Realidade Local; primeira parte do estudo da prática psiquiátrica na Bahia, enfatizando o Hospital Juliano Moreira (HJM), de 1930-1947, com a descrição e análise das crises e reformas do sistema psiquiátrico na Bahia, concentradas no manicômio estatal, no artigo De Santo (S. João de Deus) a Médico (Juliano Moreira) Análise Histórica do Manicômio Estatal na Bahia (19301937); importante evento sentinela e sua relação não só com a doença que lhe antecede, mas com as formas de cuidado e atenção pelos serviços de saúde, expostos no artigo Características do Atendimento como Fator de Prognóstico para Amputação de Membros Inferiores em Hospitais Públicos de Salvador-Bahia; condições que podem orientar abordagens e cuidados aos portadores da doença, no artigo Características dos Portadores de Epilepsia Internados nos Serviços Psiquiátricos da Rede Pública do Estado da Bahia; trabalho e ocupações estão presentes no artigo Prevalência da Dor Musculoesquelética em Cirurgiões Dentistas; divulgação de acidentes de trabalho em jornais locais, catalogados por um centro de referência, e sua importância como fonte de investigação, no artigo Acidentes de Trabalho com Óbito Registrados em Jornais no Estado da Bahia; agenda de saúde pactuada entre aqueles que compõem a gestão da saúde, colocada como de grande relevância para a organização das ações no sistema de atenção e cuidados, no artigo Conhecimento da Agenda Estadual de Saúde pelos Diretores e Coordenadores de Serviços dos Distritos de Brotas e Subúrbio Ferroviário; história da área de RH da SESAB, por meio de revisão documental e entrevistas com técnicos que passaram pela área, no artigo Estruturação da Área de Recursos Humanos da Secretaria da Saúde na Bahia de 1974 a 2004; 5 importância da amamentação e fatores que interferem em sua continuidade são analisados em uma cidade da região Norte do Brasil e apresentados no artigo Fatores Associados à Interrupção do Aleitamento Materno nas Crianças Menores de seis Meses de Idade na Cidade de Rio Branco-Acre; cumprimento da Emenda Constitucional 29 pelos municípios baianos, importante instrumento de vinculação orçamentária para o setor saúde, se faz presente no artigo Emenda Constitucional EC 29/2000: o Cumprimento pelos Municípios do Estado da Bahia, 2000-2003; Na categoria Artigo de Revisão, temos o artigo O vírus da Hepatite C como Causa de Miocardiopatia Dilatada Idiopática: uma Revisão de Literatura, que aborda a participação do vírus da hepatite C como causa de outros estados mórbidos, considerando a forma ágil como a transmissão do vírus vem acontecendo. Os Relatos de Experiência tratam de aspectos relacionados aos saberes e práticas no cotidiano das equipes de saúde e a participação da população no processo de produção do cuidado: Roda da Saúde, articulando saberes: uma experiência da Universidade do Estado da Bahia no Distrito Sanitário do Cabula-Beiru, Salvador Bahia, Avaliação de Método para Rastreamento e Controle de Hipertensos e Hipertensão em uma Unidade de Saúde do SUS: Orientação para o Autocuidado. Finalizamos nosso número com dois resumos de dissertações de mestrado: Caracterização dos Serviços de Saúde Privados do Município de Feira de Santana-Bahia; e Estudo da Utilização de Serviços de Saúde por Mães e Crianças no Primeiro Ano de Vida Centro de Saúde Escola de Botucatu-SP. Na expectativa de que possamos ampliar cada vez mais a participação de técnicos e docentes de outros Estados e consolidar a RBSP como um importante veículo de informação e formação, aguardamos todos que desejem contribuir com a construção de um sistema de saúde mais justo e humano. SEJAM BEM VINDOS Lorene Pinto Editora geral 6 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública A ENFERMEIRA E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: ESTUDO DE UMA REALIDADE LOCAL a Ana Paula Chancharulo de Morais Pereirab Maria Lúcia Silva Servoc Resumo Este estudo teve como objetivo analisar a conformação da prática de educação para a saúde, realizada pela enfermeira nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Feira de Santana, Bahia, Brasil, a partir das concepções teóricas de educação para a saúde. Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, da qual participaram sete enfermeiras. Para a coleta de dados, foram utilizadas as técnicas de entrevista semi-estruturada e observação sistemática. A análise dos dados foi feita através da técnica de análise de conteúdo, sendo identificadas duas categorias empíricas: a concepção sobre educação para a saúde, que se fundamenta nos conceitos tradicionais de educação e saúde, permeada pelas formas de controle, condicionamento e poder; e a prática de educação para a saúde sedimentada na superposição de saberes e no poder técnico. Conclui-se que a prática educativa é fortemente influenciada pela concepção teórica tradicional de educação sanitária e pelo modelo biologicista. Palavras-chave: Educação em saúde. Prática de saúde pública. Política de saúde. THE NURSE AND THE HEALTH EDUCATION: STUDY OF THE LOCAL REALITY Abstract This study Unit of Health (UBS) of Feira de Santana, Bahia, Brazil, had as objective to analyze the conformation of practical of education for the health carried through for the Basic nurse from the theoretical conceptions of education for the health. One was about a research of a Texto baseado em dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como requisito para obtenção do Título de Mestre em Saúde Coletiva. b Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento Ciências da Vida, Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). c Endereço para correspondência: UNEB Campus I, Departamento de Ciências da Vida, Colegiado de Enfermagem. Estrada das Barreiras, s/n, Narandiba/Cabula, Salvador, Bahia, Brasil. CEP 41195-000. E-mail: [email protected]. v.30, n.1, p.7-18 jan./jun. 2006 7 qualitative boarding, in which had participated seven nurses. For collection of data the techniques of half-structuralized interview and systematic comment had been used. The analysis of the data was made through the technique of analyzes of content being identified two empirical categories: the conception on education for the health that if bases on the traditional concepts of education and health permeate for the forms of control, conditioning and power; e the practical one of education for the health sedimented in the overlapping to know and the power technician. One concludes that practical the educative one strong is influenced by the traditional theoretical conception of sanitary education and by the biologics model. Key words: Health education. Public health practice. Health policy. INTRODUÇÃO O interesse em pesquisar a prática de educação em saúde surgiu das experiências da autora como discente e docente do curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Nessas ocasiões, por diversas vezes, pôde-se vivenciar a dificuldade do profissional de saúde para desenvolver atividades educativas junto à comunidade. Atribuiu-se este embaraço à falta de experiência prática, à dificuldade de lidar com as diferenças culturais e sociais ou, ainda, à capacitação profissional inadequada. A educação em saúde é uma prática amplamente utilizada nos serviços de saúde, principalmente os da atenção básica. Ao longo do século XX, diversas concepções teóricas e metodológicas influenciaram a prática educativa em saúde. Smeke e Oliveira1, ao analisarem o percurso histórico das práticas e dos conceitos de educação, afirmam que as primeiras práticas sistemáticas de educação para a saúde desenvolveram-se no final do século XIX e início do século XX. Tais práticas emanaram da necessidade de o Estado controlar as epidemias que prejudicavam a economia agroexportadora. Baseava-se em uma prática disciplinadora, com forte apelo aos aspectos higienistas e normatizadores. Durante a década de 1940, ocorreram algumas modificações no campo teórico da educação para a saúde. A concepção que antes culpabilizava individualmente o sujeito por seus problemas de saúde, abre espaço para um conceito que tenta envolvê-lo no processo educativo. A educação em saúde teve seu período áureo nas décadas de 1950 e 1960, devido a sua articulação com as políticas oficiais de educação em saúde, o que resultou em avanços institucionais relevantes em vários campos, como a educação em saúde nas escolas, a valorização da higiene mental, parques infantis, dentre outros2. Nos anos de 1960, o discurso da participação comunitária na solução dos problemas de saúde ganhou força. Para Mohr e Schall3, esta participação visava mobilizar a coletividade para cooperar com os profissionais de saúde e os serviços de saúde. Apesar deste novo enfoque, a 8 Revista Baiana de Saúde Pública finalidade permanecia inalterada: conscientizar o sujeito da necessidade de adotar práticas saudáveis. Os aspectos subjetivos, culturais, sociais e econômicos continuavam desconsiderados como determinantes do processo saúde/doença. Durante o regime militar, a educação em saúde foi ainda mais afetada pela franca expansão do modelo médico-privatista e da medicina curativa. Ao mesmo tempo, um outro processo surgia na arena social: a pedagogia de Paulo Freire. Esta proposta de educação era assimilada pelos profissionais de saúde, que, à luz das ciências humanas, revisavam suas práticas e buscavam construir um novo projeto em saúde. Estes movimentos criticavam as práticas educativas autoritárias e normatizadoras. Dentre eles, pôde-se destacar o movimento da educação popular em saúde, que dizia: O saber popular deve ser valorizado, e o diálogo o instrumento de escolha no processo ensinoaprendizagem. Esses movimentos iniciaram um processo de rompimento da verticalização da relação profissional-usuário4. Apesar do avanço significativo no campo teórico da educação em saúde, entende-se que este não vem se traduzindo na concretude das práticas educativas, que continuam utilizando o enfoque tradicional de educação sanitária, fundamentada no modelo biomédico e centrada na doença. Acredita-se que a educação para a saúde pode se constituir em uma importante ferramenta em prol da construção de uma prática sanitária que valorize a vida, os saberes populares e, acima de tudo, tenha como paradigma o conceito social de saúde e a concepção positiva do processo saúde-doença. Assim, este estudo teve como objetivo analisar a conformação da prática de educação para a saúde realizada pela enfermeira nas UBS de Feira de Santana, Bahia, Brasil. MATERIAL E MÉTODOS Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa, que teve dois pressupostos teóricos: as práticas de educação em saúde desenvolvidas pelas enfermeiras nas UBS de Feira de Santana acontecem dentro do cenário das políticas públicas de saúde e de educação, e se caracterizam como demandas pontuais, focalizadas e autoritárias; as práticas de educação em saúde desenvolvidas pelas enfermeiras nas UBS de Feira de Santana têm suas gêneses na concepção de educação, de saúde e no paradigma sanitário hegemônico. O contexto da pesquisa foi a cidade de Feira de Santana, localizada na divisa do Recôncavo com o Sertão, distante 110 km da Capital do Estado, Salvador. A cidade tem no comércio sua maior fonte de renda, seguida da indústria. No que se refere ao sistema de saúde, Feira de Santana encontrava-se na gestão plena da atenção básica, e contava com vinte três UBS v.30, n.1, p.7-18 jan./jun. 2006 9 distribuídas na sede administrativa do município. Os serviços públicos de saúde ofertados à população tinham como raiz organizacional a programação em saúde, permeada pelo modelo flexineriano. A escolha dos sujeitos da pesquisa foi intencional. Para isso, foram definidos os seguintes critérios: enfermeiras atuantes nas UBS situadas na sede do município, em pleno exercício profissional, e que desenvolvessem as ações do Programa de Assistência Pré-natal. Participaram da pesquisa sete enfermeiras. O número de participantes decorreu da saturação de dados, ou seja, a partir do momento em que os discursos começaram a repetir-se, a coleta de dados foi encerrada. Para a coleta, utilizaram-se duas técnicas: a entrevista semi-estruturada (aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam a pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas)5; e a observação sistemática modalidade da técnica de observação , que possui um roteiro de aspectos estabelecidos pelo pesquisador, tendo por finalidade auxiliar na compreensão do objeto de estudo. Essa fase da investigação durou cerca de dois meses e foi realizada pela pesquisadora. A entrevista possuiu duas questões norteadoras: qual a sua compreensão sobre educação para a saúde? Descreva como você realiza essa prática em seu fazer diário. Os conteúdos das entrevistas foram gravados em fitas cassetes e as observações anotadas em um diário de campo. A catalogação teve como critério a ordem de execução. Para análise dos dados empíricos, optou-se pela técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin, apresentada por Triviños5, dentro do enfoque dialético, e composta de três etapas básicas: a pré-análise, a descrição e a interpretação inferencial. Na primeira etapa, todo o material empírico foi organizado, ou seja, o conteúdo das entrevistas foi transcrito e redigido, e os registros das observações foram digitados. Na etapa seguinte, realizou-se a leitura flutuante de todo material, para, em seguida, proceder-se a uma leitura mais profunda, que permitisse destacar pontos pertinentes à análise acerca da conformação da prática de educação em saúde. Ao final, foram estabelecidos quatro núcleos de sentido, determinados pela repetição de idéias. Para facilitar a interpretação inferencial, foram elaborados dois quadros de análise com os núcleos de sentido. No Quadro 1, foram selecionadas as falas das entrevistas relacionadas a cada núcleo de sentido; no Quadro 2, foram destacados os discursos extraídos dos relatórios das observações sistemáticas. 10 Revista Baiana de Saúde Pública Núcleo de sentido Entrevista 1 Entrevista 2 Entrevista 3 Síntese Concepção de educação para a saúde Abordagem pedagógica Modelo de atenção Prática de saúde Quadro 1. Núcleos de sentido estabelecidos a partir das entrevistas Núcleo de sentido OBS1 sala de espera OBS2 consulta de enfermagem OBS3 sala de espera... Síntese Concepção de educação para a saúde Abordagem pedagógica Modelo de atenção Prática de saúde Quadro 2. Núcleos de sentido estabelecidos a partir das observações No decorrer dessa fase, foram estabelecidas as sínteses convergentes e divergentes das idéias contidas nos extratos dos quadros analíticos, fato que possibilitou uma análise minuciosa de todo o material à luz do referencial teórico, sendo estabelecidas duas categorias empíricas: a concepção sobre educação em saúde; e a prática de educação em saúde o agir da enfermeira. Durante a etapa final, ocorreu a reflexão sobre os achados, considerando não apenas o conteúdo exposto como também o conteúdo latente. RESULTADOS Os resultados foram analisados sob dois prismas: o pensar e o agir da enfermeira. Essa divisão foi feita considerando os aspectos didáticos. O pensar e o agir, entretanto, são duas categorias que acontecem concomitantemente. Ou seja, ninguém pensa e depois age, ou age e depois pensa. Pensar e agir estão imbricados. Concepção sobre educação para a saúde Esta categoria empírica abarca o pensar da enfermeira sobre educação em saúde. A enfermeira, ao implementar ações de educação para a saúde, legitima uma determinada visão sobre educação e saúde. Na prática, a educação em saúde é um componente do trabalho técnico voltado para a saúde, ou seja, conforma-se como uma atividade meio. Os fragmentos de discursos v.30, n.1, p.7-18 jan./jun. 2006 11 apresentados a seguir evidenciam a predominância da concepção tradicional de educação sanitária. A intenção desta prática é reforçar os padrões de saúde concebidos pelo Estado para a população6. [...] educação para a saúde, eu entendo como toda a informação que você repassa para o cliente. (E 05). [...] o acesso de informação, a oportunidade que você tem, junto ao cliente, de passar tudo, todos os princípios de higiene, de alimentação. (E 07). A educação em saúde é entendida como uma atividade de transmissão de informação, ou seja, caracteriza-se pelo caráter informativo. O profissional explicita ao usuário hábitos e comportamentos saudáveis. Reforça-se a idéia de que, exclusivamente ao usuário, informado sobre os riscos de adoecimento, cabe a responsabilidade de mudar e adotar um novo estilo de vida4. Esta é uma prática pautada em um discurso coercitivo e normativo fortemente influenciado pelas diretrizes da educação sanitária do início do século XX7. Eu acho que educar para a saúde é orientar, é ensinar para as pessoas o que elas podem fazer para ter saúde, como ter saúde. (E 06). Os profissionais de enfermagem, em sua maioria, ainda se fundamentam na pedagogia da transmissão ou, segundo Paulo Freire12, pela educação bancária. Para essa filosofia, educar em saúde significa, muitas vezes, persuadir as pessoas a fazer o que os técnicos acham melhor. Neste tipo de abordagem, a individualidade e a dimensão social da pessoa não são tomadas como objeto de trabalho7, 8, 9. A principal crítica a esta concepção de educação para a saúde tem sido a não consideração dos determinantes sociais e culturais no processo saúde-doença e o não envolvimento do usuário no processo educativo10. O caráter autoritário e normatizador dessa prática é outra forte característica, demonstrado através dos discursos que determinam o que fazer e como fazer. Outra característica é a relação assimétrica entre o profissional e o usuário. De um lado, um detém o saber técnicocientífico; do outro, está aquele que precisa ser devidamente informado. Você deve ferver a água, não deve andar descalça, não deve fumar, beber, evitar comidas gordurosas [...] (OBS. Consulta de enfermagem). Faço orientações quanto à dieta, ou seja, informo o que ela pode ou não pode comer; e falo tudo isso é para que seu filho seja sadio. (E 02). 12 Revista Baiana de Saúde Pública A esse respeito, Rice e Candeias11:350 esclarecem que muitos profissionais de saúde, erradamente, acreditam que o papel da educação para a saúde limita-se apenas à reprodução de conhecimento técnico e julgam que apenas com este enfoque poderão [...] mudar o comportamento dos indivíduos e alterar suas práticas tradicionais de saúde, o que de fato já se sabe, não ocorre. Para Freire12, a atividade educativa deve ser compreendida como uma forma de intervenção no mundo, pois pode oferecer ao homem o desvelamento da realidade, através de processos educativos que incentivem o diálogo e a criticidade do aluno. Prática de educação para a saúde: o agir da enfermeira Essa categoria conforma-se com a concretização do pensar, materializado através do fazer da enfermeira. A prática educativa implementada por essa profissional integra o trabalho em enfermagem e é corporificada na consulta de enfermagem: [...] eu vou fazendo a orientação durante a consulta. (E 01). [...] faço o exame físico, faço as orientações. (E 02). Na minha rotina de trabalho, eu abordo mais a parte de orientação, ela é parte da consulta. (E 03). Nesse contexto, a prática educativa é conformada como uma atividade complementar da consulta de enfermagem, seguindo os moldes da consulta médica. A consulta de enfermagem é concebida como instrumento preferencial do trabalho, com uma lógica similar à consulta médica: coletas de dados, levantamento de problemas e propostas de intervenção13. Um aspecto importante a ser destacado é o levantamento de necessidades e as possíveis propostas de intervenção. As observações demonstraram que o usuário pouco participa. Desta forma, suas necessidades são determinadas pelo profissional: Seu exame de sangue mostrou que você está com anemia. Assim, é preciso que você coma alimentos ricos em ferro: beterraba, quiabo, couve, folhas verdes, fígado. (OBS.09 Consulta de Enfermagem). O problema de saúde é compreendido dentro do modelo biologicista e médico curativo, reforçando a permanência da prática educativa individualizada, em que o usuário é v.30, n.1, p.7-18 jan./jun. 2006 13 responsabilizado pela promoção de sua saúde, além do enfoque paternalista da prática educativa tradicional. A Organização Mundial da Saúde, através do relatório da Comissão Técnica de Novos Enfoques da Educação em Saúde na Assistência Primária, já recomendava, em 1982, que o educador em saúde passasse a ser aluno e facilitador, e os membros da comunidade, alunos e professores, cabendo à comunidade ensinar ao profissional seus modos de experimentarem o adoecimento, as representações sobre saúde e as formas de enfrentamento na busca da saúde11. Durante todo o processo investigativo, constatou-se que o momento da consulta de enfermagem foi o locus escolhido pela enfermeira para desenvolver atividades educativas. A consulta possibilita ao profissional entender melhor a situação de saúde do usuário, bem como estabelecer vínculos. Por que então não aproveitar esse espaço de relação com o usuário, para, juntos, estabelecerem uma estratégia de intervenção, considerando as particularidades dos usuários? O processo de trabalho da enfermeira conformou-se à lógica do modelo hegemônico. Mendes-Gonçalves14 faz uma discussão interessante, quando aponta que o profissional de saúde, ao apreender seu objeto de trabalho, utiliza determinado conjunto de saberes. Desta maneira, a forma como a enfermeira apreende e implementa o processo educativo está diretamente relacionada a sua formação acadêmica e a sua visão de mundo quanto ao processo educativo e ao processo saúde-doença. Nesta perspectiva, a prática educativa carrega os mesmos equívocos das demais práticas de saúde, com enfoque no indivíduo e organizada segundo a lógica das especialidades4. Eu trabalho com pré-natal, que é a assistência à mulher durante a gestação, que é um serviço para prevenir a gravidez de alto risco, o parto prematuro, orientando, examinando e vacinando. (E 01). No pré-natal, eu faço a parte preventiva. Trabalho com pessoas saudáveis. Eu evito que elas adoeçam. Então, na parte de orientação, oriento sobre higiene, alimentação, bons hábitos [...] (E 03). As atividades de educação em saúde têm utilizado os conteúdos dos programas em desenvolvimento nos serviços de saúde. Todavia, a complexidade e a magnitude dos problemas de saúde extrapolam os conteúdos técnicos dos programas de saúde pública15. Percebe-se que existe um grande movimento de reorientação do discurso oficial sobre educação para a saúde, saindo da perspectiva tradicional, baseada na imposição de 14 Revista Baiana de Saúde Pública comportamento, para uma abordagem que busca a participação da comunidade. A concretude da prática demonstra, no entanto, que a herança do método cartesiano ainda domina a prática de educação em saúde10. Neste sentido, cabe apontar a dificuldade em transpor o modelo hegemônico na prática profissional, que preconiza a adoção de novos comportamentos, como praticar exercícios físicos, reduzir o consumo de sal e gordura, vacinar-se, entre outros. Talvez, a supervalorização dos conhecimentos advindos da clínica, na formação profissional, tenha contribuído para esta dificuldade16. A contribuição da clínica na compreensão do processo saúde-doença é importante. Todavia faz-se necessária a superação do caráter instrumental da educação em saúde, [...] cujos princípios se apóiam exclusivamente no saber científico.6:202 Deve-se combater o absolutismo do saber científico dentro das práticas educativas. A sociedade, de um lado, delega para determinados sujeitos um poder terapêutico que extrapola a doença; de outro lado, essa mesma sociedade, independentemente dos conceitos de saúde e doença, cria e recria sentidos e significados para a sua doença e para as formas de evitá-la a partir de suas experiências de vida. Vários autores têm enfatizado a importância da valorização do saber popular, dos aspectos culturais e das representações sociais das populações no processo educativo, como forma de torná-la mais efetiva11,12,17. É uma forma de agregar valor à educação para a saúde, em que o profissional reconhece que o usuário possui um saber popular socialmente construído e constrói uma visão sobre saúde e doença diferente da sua, em que os meios escolhidos não são os mesmos seus. Valorizam-se as trocas e, através do compartilhamento, busca-se a compreensão da realidade. Vasconcelos18 acredita que esta nova forma de fazer educação em saúde, a qual denomina educação popular em saúde, pode superar o fosso cultural entre os serviços de saúde e a comunidade. Em relação aos recursos didáticos para o desenvolvimento das práticas educativas, verificou-se a carência ou total ausência de materiais educativos para este fim. A gente não tem um vídeo, uma televisão, a gente não tem nada. Nem espaço a gente tem. (E 05). Quando eu faço palestra com a comunidade eu confecciono, pego o álbum seriado do Ministério, ou senão, eu faço um em casa e trago. (E 02). Para se trabalhar efetivamente a educação em saúde, é necessária a oferta de materiais e insumos que possam estimular os profissionais. São também imprescindíveis os cursos de capacitação e atualização, que desenvolvam a capacidade criativa dos técnicos, para a utilização de formas diversificadas de práticas educativas, em especial aquelas que sejam planejadas e v.30, n.1, p.7-18 jan./jun. 2006 15 executadas em conjunto com os usuários e tenham como ponto de partida situações vivenciadas pela comunidade16. Quanto ao planejamento das atividades, percebeu-se, com a pesquisa, que as enfermeiras desenvolvem suas práticas educativas a partir de situações alheias à realidade vivida pelas usuárias. Os conteúdos são estabelecidos a priori com forte valorização dos conhecimentos técnicos acerca do ciclo gravídico-puerperal. Sabe-se que a motivação é um aspecto valioso, quando se trata do processo de ensino-aprendizagem. Quando o aluno se sente motivado, sua participação é mais efetiva. Considerando isto, a escolha dos assuntos poderia ser feita a partir das necessidades ou das curiosidades das gestantes acerca do ciclo gravídico-puerperal e do cuidado com o recém-nascido. A falta de capacitação profissional pode ser um dos fatores para a permanência deste tipo de abordagem. Os profissionais de saúde, durante sua formação profissional, não têm a possibilidade de aprofundar seus estudos sobre os processos de aprendizagem por vários motivos16. Desta forma, a implantação de um projeto de educação permanente seria uma estratégia valiosa que, além de qualificar as atividades de educação em saúde, possibilitaria ao profissional refletir sobre sua prática. Verificou-se um grande interesse das enfermeiras em reorientar suas práticas educativas, através de modelos que rompam com as práticas convencionais de educação para a saúde. Entretanto a pouca disponibilidade de recursos, a sobrecarga de trabalho (acúmulo de funções assistenciais e gerenciais), a cobrança pela produtividade e a pouca qualificação profissional mostraram-se entraves importantes para sua execução. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante o exposto, a educação para a saúde ficou caracterizada como uma prática social concreta, que se estabelece entre a enfermeira e o usuário do serviço, permeada pelas diretrizes das políticas de saúde e de educação, concretizada através de práticas pedagógicas verticalizadas, autoritárias e acríticas, cuja finalidade é o condicionamento do usuário. Além disso, a enfermeira, ao desenvolver essa prática em seu fazer diário, legitima um determinado saber sobre saúde e educação, tendo como eixo filosófico o conceito flexineriano de saúde e o conceito tradicional de educação. Configurou-se como uma atividade restrita e ineficaz para a transformação do status quo sanitário da população. Torna-se fundamental, portanto, a reorientação desta prática, tendo como princípios norteadores o ideário constitucional do SUS e as tendências pedagógicas problematizadoras. O ato educativo precisa ser entendido como uma forma de intervenção no mundo, com o envolvimento de todos os sujeitos, privilegiando a construção compartilhada do conhecimento e, principalmente, a multiplicidade de saberes e visões de mundo ante o processo saúde-doença, pois, como diz Freire12:67: [...] ninguém educa ninguém, todos se educam em comunhão. 16 Revista Baiana de Saúde Pública REFERÊNCIAS 1. Smeke EL, Oliveira NLS. Educação em saúde e concepções de sujeitos. In: Vasconcelos EM, editores. A saúde nas palavras e nos gestos:reflexões da rede de educação popular em saúde. São Paulo: Hucitec; 2001. p. 115-36. 2. Melo JAC. Educação sanitária: uma visão crítica. Cadernos da Cedes 1987;4:28-64. 3. Mohr A, Schall VT. Rumos da educação em saúde no Brasil e sua relação com a educação ambiental. 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Educação popular nos serviços de saúde. São Paulo: Hucitec; 1989. Recebido em 14.03.2006 e aprovado em 04.05.2006. 18 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública DE SANTO (S. JOÃO DE DEUS) A MÉDICO (JULIANO MOREIRA): ANÁLISE HISTÓRICA DO MANICÔMIO ESTATAL NA BAHIA (1930-1937) a Ronaldo Ribeiro Jacobinab Resumo Esta é a primeira parte do estudo da prática psiquiátrica na Bahia, com ênfase no Hospital Juliano Moreira (HJM), de 1930-47. Objetiva-se descrever e analisar as crises e reformas do sistema psiquiátrico na Bahia, concentrado no manicômio estatal, de 1930-37, identificando os sujeitos relevantes das práticas. Utilizam-se os procedimentos da pesquisa histórica na análise documental dos testemunhos voluntários e involuntários: a organização das fontes e interpretação discursiva tanto dos agentes intelectuais e subalternos quanto dos internados. Constata-se que o hospital psiquiátrico não foi prioridade no orçamento do Estado interventor, naquele momento de ruptura institucional. Apesar dessa dificuldade, houve, nessa conjuntura, o esforço de continuar a ampliação do confinamento asilar, com a construção de pavilhões e reformas dos antigos, bem como a expansão, através da organização do serviço externo, sob a influência do movimento da higiene mental. O manicômio não ficou incólume aos efeitos democráticos do curto governo constitucional (1935-37), embora essa conjuntura tenha sido predominantemente autoritária. Foi nesse cenário que, em 27/08/1936, se deu a mudança do nome do manicômio de São João de Deus para o médico Juliano Moreira. Outro destaque foi a atuação do rábula Cosme de Farias. Houve a garantia do direito à justiça, cujo recurso do habeas-corpus, contra seqüestro e internação sem base legal, beneficiou muitos internados que obtiveram alta hospitalar. Por fim, evidenciou-se, nesse período, a transferência de dezenas de psicopatas de Sergipe para o HJM, vindos de trem, prática só interrompida na gestão seguinte. Palavras-chave: Psiquiatria/história. Psiquiatria Forense. Hospital Psiquiátrico. a b Este artigo foi feito tomando como base a tese de doutorado A prática psiquiátrica na Bahia. Estudo histórico do Asilo São João de Deus /Hospital Juliano Moreira (1874-1947). Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), 2001. Professor Adjunto IV do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, UFBA. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Campus Vale do Canela CEP 40110-100, Salvador-Ba. E-mail: [email protected], [email protected] v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 19 HISTORICAL ANALYSYS OF THE SÃO JOÃO DE DEUS ASYLUM / JULIANO MOREIRA HOSPITAL IN THE STATE OF BAHIA, BRAZIL (1930-1937) Abstract This study aimed to describe and to analyze crises and reforms in the psychiatric practice in the State of Bahia, Brazil, focusing on the São João de Deus Asylum / Juliano Moreira Hospital during 1930-1937, identifying the relevant subjects in that practice. Methodology for historical research included procedures for documental analyses of voluntary and involuntary testimonies: source organization (reports, official letters, surveys) and discourse interpretation of the interns, intellectual agents and their subordinates. The asylum remained as the central element in the psychiatric care system in the State of Bahia. However, the asylum has never reached priority in the intervention State budget, in that moment of institutional rupture. Inspite of all conjuncture difficulties, there was a movement towards prolonged confinement in the asylum, expressed by the construction of new buildings and reform of the old ones. The asylum also continued to expand, by organizing its external service, under the influence of the mental hygiene movement. The asylum did not remain untouched by the democratic effects of the brief constitutional govern, although that conjuncture has been predominantly authoritarian. In the scenery, the asylum has its name changed from São João de Deus to Juliano Moreira Hospital, in 27 August 2005: the first in homage of a saint, the last in the memory of a physician. During this period, the performance of the popular lawyer Cosme de Farias was remarkable. He promptly used the habeas corpus resource, warranting the right to Justice and favoring many interns who have been sequestrated and interned without a legal basis. Also in this period, the practice of transferring dozens of mentally disease people from the State of Sergipe to the Juliano Moreira Hospital has started, brought by train. This practice was only quitted in following mandate. Key words: Psychiatry/history. Forensic Psychiatry. Psychiatric Hospital. INTRODUÇÃO Este período da história manicomial na Bahia tem como marco inicial uma data da história política do país, a Revolução de 30, quando se deu o fim da República Velha, e como marco final o início do regime ditatorial denominado de Estado Novo (1937-45). O objeto principal de análise neste estudo foi o próprio dispositivo institucional o hospício. O período compreendido entre 1930 e 1937 foi marcado por reformas e crises para o manicômio. A repercussão das crises políticas mais gerais nessa instituição é coerente com sua nova condição de hospício estatal, submetido, portanto, às definições das políticas públicas dos governos baianos, tais como a política de assistência sanitária, a do funcionalismo, a de escolha dos dirigentes, entre outras. 20 Revista Baiana de Saúde Pública Nesse período de 1930 até meados da década de quarenta, o Hospital São João de Deus, depois denominado de Hospital Juliano Moreira, representava praticamente a psiquiatria baiana, pois era nessa instituição manicomial que eram desenvolvidas as práticas psiquiátricas, inclusive a forense, bem como o ensino prático da disciplina Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Bahia. O manicômio, em toda a sua fase áurea (1912-1938), nunca deixou de apresentar deficiências e problemas na qualidade da assistência. Sua situação, porém, agravou-se a partir dos anos 30, em um contexto de mudanças político-econômicas e de crise econômica internacional. 1 UM CONTEXTO PREDOMINANTEMENTE AUTORITÁRIO E O HIATO DEMOCRÁTICO A Revolução de 30, segundo importantes cientistas sociais brasileiros, caracterizou-se principalmente por uma nova correlação de forças políticas que, redefinindo a política econômica, direcionou a produção agrário-exportadora na sustentação do processo de industrialização e estabeleceu um novo pacto social entre governo e trabalhadores urbanos, pacto este chamado de populismo1. Esse regime político, apesar de enfrentar algumas resistências, obteve não só o domínio, mas garantiu também a hegemonia, com concessões e atrelamento de muitas organizações da sociedade civil, particularmente os sindicatos dos trabalhadores. Para conduzir tais mudanças, foi criado um Estado forte interventor que, ao contrário do Estado oligárquico-liberal da Velha República, era orgânico com a nova fase monopolista do sistema capitalista2,3. Getúlio Vargas, a principal liderança nesse processo de redefinição, expressou com clareza o novo papel regulador do Estado: Examinando detidamente o fato de maior preponderância na evolução social, penso não errar afirmando que a causa principal de falharem todos os sistemas econômicos, experimentados para estabelecer o equilíbrio das forças produtivas, encontra-se na livre atividade permitida à atuação das energias naturais, isto é, na falta de organização do capital e do trabalho, elementos dinâmicos predominantes no fenômeno da produção, cuja atividade cumpre antes de tudo, regular e disciplinar. 4:30-31, grifo nosso A Bahia, como todo o norte-nordeste, fora do eixo RioMinasSão Paulo, ficou subordinada às diretrizes do governo federal nesse processo de centralização. Antes de 30, havia uma relativa autonomia estadual, ficando a condução política do país sob a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais, num processo de alternância conhecido como política dos governadores2. Dentro dessa política, o governador baiano Vital Henriques Baptista Soares, empossado em 1928, foi eleito vice-presidente na chapa encabeçada pelo paulista Júlio Prestes e v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 21 renunciou ao governo estadual. Júlio Prestes e seu vice baiano não assumiram o governo, pois o movimento revolucionário de 1930, iniciado em Porto Alegre, logo ganhou todo o país, com apoio das Forças Armadas. Assim como São Paulo, a Bahia fora considerada estratégica, porque tanto Júlio Prestes como Vital Soares tinham sido, respectivamente, governadores dessas unidades federadas. O Presidente Washington Luís esperou resistência à revolta nesses dois estados, tendo mandado o General Santa Cruz para organizar a resistência na Bahia. Os revolucionários venceram e o presidente foi deposto. Naquele momento, encontravam-se em solo baiano as duas lideranças das forças insurgentes que mais se destacaram na região norte e nordeste, o Capitão Juarez Távora e o Tenente Juracy Magalhães5. Nessa situação de grande instabilidade, característica de um contexto imediatamente posterior a uma ruptura institucional, agravada pelas repercussões da crise econômica mundial de 1929, a intervenção federal na Bahia foi inicialmente muito tumultuada, pois, no período de outubro de 1930 a setembro de 31, foram nomeados quatro interventores coronel Ataliba Osório, engenheiro Leopoldo Amaral, médico Arthur Neiva e general Raimundo Barbosa e nenhum deles conseguiu afirmar-se no poder. As interventorias dos dois militares foram provisórias, mas as dos civis Amaral e Neiva foram tentativas para garantir a governabilidade. O general Ataliba Jacintho Osório, comandante da 6ª Região Militar, assumiu provisoriamente o governo (25-30 de outubro). Os revolucionários buscaram um nome da confiança do movimento, mas que fosse bem aceito pelos baianos. A escolha recaiu sobre o engenheiro Leopoldo Afrânio Bastos do Amaral. Leopoldo Amaral governou por apenas três meses e meio, de 1º de novembro de 1930 a 18 de fevereiro de 1931. Ao tentar por em prática os ideais nacionalistas da revolução, entrou em choque com os interesses locais, porém aliados dos interesses do capital estrangeiro. O cônsul americano chegou a assegurar que a posição anti-americana de Leopoldo Amaral levou-o anteriormente, quando era editor de um jornal local, a incitar as massas no famoso episódio do quebra-bondes, em 4 de outubro de 1930c. Disse o cônsul Briggs que ele incitara [...] aquela massa de negros ignorantes e preguiçosos contra as companhias americanas.6:44. Com pressões c Uma multidão de populares enfurecida com o aumento da passagem dos bondes e da tarifa de energia elétrica, majoradas por companhias subsidiárias da Eletric Bond and Share Company, protagonizou esse movimento de revolta urbana. Aquele contexto de crise favoreceu a revolta, onde só no dia 4 de outubro, 84 bondes (dois terços da frota) foram queimados, bem como garagens, oficinas, em diferentes bairros de Salvador. O povo foi dispersado pela força policial, resultando em dezenas de feridos e quatro mortos.6:43-44 22 Revista Baiana de Saúde Pública realizadas por forças internas e externas, a posição de Amaral tornou-se insustentável. Em fevereiro de 1931, ele deixou o governo. A interventoria de Arthur Neiva também durou pouco, em torno de cinco meses (de 18 de fevereiro a 15 de julho de 1931). Com ele, o Estado exerceu mais claramente sua função intervencionista. Um exemplo foi a criação do Instituto do Cacau. E iniciou as reformas administrativas, em especial a reorganização municipal, que objetivava reduzir as despesas públicas e fortalecer a administração central, como, por exemplo, a medida que suprimia os municípios com menos de vinte mil habitantes. Ferindo interesses das oligarquias locais, elas demonstraram o poder de fogo que ainda tinham na Bahia, e Neiva também caiu. Foi substituído provisoriamente pelo general Raimundo Rodrigues Barbosa, de julho a setembro daquele ano6. O grupo seabrista (seguidores do ex-governador JJ Seabra) passou a lutar com os tenentes pelo poder. Os fracassos dos dois governos civis anteriores, entretanto, fortaleceram a posição dos militares. Juarez Távora queria indicar o candidato ao cargo, mas Getúlio Vargas, visando diminuir o poder de Távora, escolheu o tenente Juracy Magalhães. Com 26 anos e rotulado de forasteiro, uma vez que era cearense, o jovem tenente enfrentou acirrada oposição. Pragmaticamente, engavetou as reformas e muitos dos ideais da revolução e estabeleceu acordos com os coronéis e alguns políticos do segundo escalão. Governou por seis anos: como interventor, de setembro de 1931 até 1935; e como governador eleito, baseado na Constituição de 34, até 1937, quando Juracy Magalhães recusou-se a apoiar o golpe de Estado e renunciou ao governo da Bahia5. Esses processos político-sociais mais amplos foram referidos aqui porque eles repercutem nos espaços microssociais, particularmente em instituições como o Hospital S. João de Deus/Juliano Moreira, diretamente vinculado ao poder governamental, enquanto parte do aparelho estatal. Como parte do objetivo maior de valorizar a história da psiquiatria no Brasil, este trabalho estudou o manicômio com os seguintes objetivos: a) descrever as crises e reformas do hospício, analisando o cenário e identificando os sujeitos relevantes de cada uma das três gestões; b) compreender como o saber psiquiátrico foi usado para caucionar práticas de violência institucional. As principais fontes primárias de dados foram obtidas no Arquivo Público da Bahia (APEB), em especial a Seção Republicana (Secretaria de Saúde. Hospital Juliano Moreira HJM)7. Optamos por conservar, à forma mais fiel possível, o discurso dos agentes com a grafia da época e, para destacá-lo, sua transcrição será feita entre aspas e em itálico. Vale ressaltar que, mesmo conservando as concepções literais dos sujeitos históricos da época, elas foram reinterpretadas à luz das discussões teóricas atuais. v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 23 2 ARISTIDES NOVIS: RETORNO DO CATEDRÁTICO DE FISIOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA À DIREÇÃO DO MANICÔMIO Após a tomada de poder pelo movimento revolucionário de 30, o novo governo interventor na Bahia, através de decretos, exigiu o retorno às funções dos funcionários afastados e considerou em comissão os cargos de Diretores e Chefes de Serviços. Através de aviso, o interventor solicitou o pedido de demissão desses titulares em comissão, sob pena de serem demitidos. O Dr. Aristides Novis deixou o cargo federal no Departamento de Ensino, mas não reassumiu de imediato a direção do Hospício. O termo é reassumir mesmo, pois, apesar de sua longa duração outubro de 1925 até dezembro de 1930 , a gestão de Mário Leal fora formalmente interina8. Com a ruptura institucional, o 1º interventor civil, Leopoldo Amaral, manteve Mário Leal no cargod porém a nova conjuntura ficou insustentável para o Professor Catedrático de Psiquiatra, pois sua atuação tinha sido também político-partidária, ao integrar a chapa fundadora da Convenção Republicana da Bahia, partido que derrotou Seabra e cujo governo estava sendo deposto naquele momento. Ele deixou a direção do hospital no final do ano, que foi assumida pelo Dr. Francisco Tavares de Carvalho. Este, como o médico mais antigo do hospital, ficou interinamente de janeiro até o início de abril de 1931, quando se efetivou a escolha do novo diretor 9. O Prof. Aristides Novis chegou a pedir sua exoneração, porém o 2º interventor civil na Bahia, o médico Arthur Neiva, conseguiu convencê-lo a reassumir o cargo, demonstrando a confiança que as forças no poder depositavam nele9. A partir daí, Novis ocupou a direção do manicômio, mantendo-se durante todo o período restante da intervenção federal. Com a saída de Arthur Neiva, ganhou a confiança do Capitão Juracy Magalhães, que o confirmou no governo eleito de 1935 a novembro de 1937, só deixando a direção do manicômio no final daquele ano, por uma incompatibilidade formal de acumulação de cargos, determinada por decreto do regime ditatorial do Estado Novo, como veremos a seguir. d Uma carta de 29 de janeiro de 1930, encontrada nas correspondências recebidas do hospital, revela que Amaral, naquele momento editor de O Jornal, mantinha um bom relacionamento com Mário Leal e tinha respeito profissional pelo diretor do manicômio: A menina que Cosme de Farias tenciona internar aí no Asilo sob a sua competente direção é filha de um conhecido auxiliar na Estrada de Ferro (APEB. Caixa n.3195; grifo nosso). 24 Revista Baiana de Saúde Pública 2.1 De Hospital São João de Deus a Hospital Juliano Moreira: as mudanças institucionais para além do nome Ao iniciar sua segunda gestão do Hospital São João de Deus, em abril de 1931, Aristides Novis convidou os principais representantes do governo no setor o Secretário e o Diretor de Saúde Pública para uma visita ao estabelecimento, onde pessoalmente testemunharam as flagrantes deficiências que ele apresentava, como organização hospitalar para os insanos. O diretor, entusiasta nos anos 20, na fase que ele próprio designou de áurea8, retornava ao hospício em fase crítica. Resignado, solicitava que o Estado dotasse [...] o velho manicomio bahiano, se não dos primôres téchnicos de organisações similares, dos indispensaveis requesitos que o conforto e a boa hygiene liberalisam, attenuando, destarte, as tristissimas perspectivas que a simples condição de alienado sóe esboçar.9:516 Nesse documento de 1932, que não apresenta mais o entusiasmo dos relatórios de sua gestão anterior, foram descritas minuciosamente as deficiências encontradas, pavilhão por pavilhão. No relatório de 1934, ele voltaria a descrever as deficiências, mas elogiava a Diretoria do Departamento de Saúde Pública, órgão ao qual o manicômio estava vinculado, referindo que ela vinha atendendo aos pedidos [...] dentro dos estreitos limites das verbas de que póde dispor. (APEB. Caixa nº 3195, of.50). Destacaremos alguns desses pontos críticos identificados nos relatórios: a) lamentava que o Laboratório de Pesquisa Clínica e Microbiológica, inaugurado em sua primeira gestão e mantido com parte dos recursos pagos pelos pensionistas, não tenha subsistido, com a perda daquela renda que foi canalisada para o Tesouro9:518; b) reivindicava a construção do pavilhão de isolamento, solicitada desde a primeira gestão, chamando a atenção para o risco da tuberculose, muito freqüente nos hospitais psiquiátricos; c) ressaltava a necessidade de reforma do Pavilhão Manoel Vitorino, em condições péssimas, [...] num momento em que a civilisação erige por toda parte manicomios judiciarios para enfermos desta especie (doentes criminosos).9:519. Em 1934, referia que somente os pavilhões Anísio Circundes (antigo Charcot) e Alfredo Brito estavam conservados, necessitando de pequenos reparos. O Kraepelin, o Júlio de Matos e o Victor Soares precisavam de reformas completas. A situação de degradação física do hospital chegou a atingir os pavilhões dos pensionistas, como era o caso do Victor Soares. v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 25 Em meus relatorios anteriores, salientei a progressiva gravidade de tal situação, a cuja conta deve conter a estagnação, senão decrescimo da renda dos pensionistas, nos annos ultimos, forçados muita vez os responsaveis por estes a encaminha-los para o Rio e São Paulo, em busca de mais condigna guarida para os seus entes queridos. 10:3 Em seu primeiro relatório, o governo era duramente criticado, pois em vez de contribuir satisfatoriamente na manutenção do serviço, estava, ao contrário, retirando uma renda própria do hospício a dos pensionistas. Novis chegou a questionar não só a legitimidade, mas a legalidade do procedimento: Essa renda, que não consta no orçamento do Estado, foi toda ella recolhida ao Thesouro.9:524. Sugeria que essa renda fosse novamente aplicada em melhoramentos do próprio hospital, nosso único e desventurado manicomio9:525. Os recursos, mínimos que fossem, eram disputados ferrenhamente, pois, naquele momento de crise, o hospício e outras instituições assistenciais não eram prioridade no orçamento do Estado interventor, que enfrentava uma grave crise fiscal, agravada pela conjuntura depressiva mundial pós-29. A recessão econômica e a inflação galopante reduziram a arrecadação do Estado. O governo reagiu drasticamente com compressão da despesa pública. Em 1932, o governo Juracy Magalhães estabeleceu um corte de 37% nas despesas, agravando a violenta recessão que se abatera sobre a sociedade baiana6. Com o novo sistema de impostos, criado com a Constituição Federal de 1934, a Bahia começou a perder fontes de receitas, o que levou o governador a exigir, em 1936, [...] a maior compressão possível de despesa [...]e, controlando pessoalmente a compra de material permanente ou construção nova. Chegou, naquele mesmo ano, a decretar a moratória, suspendendo o pagamento da dívida externa do estado6. Demonstrando prestígio, Novis conseguiu que as diárias do pensionato ficassem à disposição do manicômio. Esses recursos não eram insignificantes, como se pode observar na Tabela 1. Apesar de enfrentar grandes dificuldades e receber modestíssimas dotações orçamentárias, houve, nessa gestão, o esforço de continuar a expansão tanto pela organização de um serviço externo quanto pela ampliação do confinamento asilar, com a construção de mais um pavilhão em 1935, inaugurado no início de 1936. Em relação ao serviço externo, em 1934, no pavimento inferior do Pavilhão Central (Solar da Boa Vista), foi inaugurado o Serviço de Profilaxia Mental, a cargo do Assistente-médico e Segundo Edgar Santos, diretor do Deptº de Assistência Médico-Social, superior hierárquico imediato de Novis, em ofício circular para todos os hospitais e demais serviços desse departamento (APEB. Caixa 3195, of. circular, 3.01.1936). 26 Revista Baiana de Saúde Pública José Júlio Calasans. Embora reconhecendo que a freqüência era ainda acanhada, o diretor acreditava nos resultados práticos que seriam obtidos com o novo serviço, principalmente [...] se meios nos fórem facultados para distribuirmos medicamentos pelos necessitados que vêm á consulta.10:2. O serviço não se desenvolveu, demonstrando que o cenário ainda não era propício para uma estratégia extramuros. Tabela 1. Renda anual do pensionato e número médio de pensionistas* no Hospital S. João de Deus / Juliano Moreira (1930-1937) Ano Renda Nº. 1930 62:900$000 - 1931 59:350$000 - 1932 52:990$000 - 1933 65:300$000 19 1934 48:840$000 11 1935 47:850$000 13 1936 72:995$000 26 1937 99:245$000 34 * O número de pensionistas foi obtido pelos ofícios que estão incompletos. Assim, em 1933, é uma média obtida de sete meses, em 1934 de cinco, mas os três últimos anos foram de todos os meses. Fontes: Relatórios de 1935, anexo 311 e 1936, anexo 212; Ofícios mensais de prestação de contas das diárias de 1933 a 1937 (APEB. Caixas n. 3194; 3195; 3196). Por outro lado, a crise não impediu o crescimento pavilhonar. Para se ter uma idéia da importância dessa construção, na primeira metade dos anos 30, com exceção do saneamento da Capital, inadiável pela extrema precariedade das condições sanitárias, nenhuma obra pública tinha sido realizada6. Nesse cenário tão restritivo, essa obra foi possível pelo prestígio que gozava o diretor, ao colocá-la entre as prioridades de uma verba emergencial para a assistência médicohospitalar, criada pelo interventor Juracy Magalhães, através do Decreto nº 8.889, de 10 de abril de 1934. Diante do impasse financeiro de sua gestão, o interventor adotou medidas focais de emergência para problemas sociais, criando uma tributação e confiando os recursos para uma instituição a Federação das Obras de Proteção e Assistência Socialf que, no artigo 8º, firmava compromisso com melhoramentos para o então Hospital São João de Deus11,12. f v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 No segundo semestre de 1936, foi criado o Conselho de Assistência Social, em substituição à Federação das Obras de Proteção e Assistência Social. Naquele ano, o novo órgão continuou a repassar doze contos de réis, em quatro parcelas de três contos. Novis sempre teve suas prestações de contas aprovadas (APEB. Caixas n. 3196; 3197). 27 Além do inegável prestígio do Professor Catedrático, outra razão para a aprovação da obra em contexto tão desfavorável foi seu caráter racionalizador, pois o pavilhão foi concebido como uma fonte de receita, uma vez que suas vagas seriam oferecidas para os pensionistas particulares do sexo masculino. As rendas com o novo pavilhão, pelo menos nos primeiros anos, parecem confirmar o investimento feito, pois, como se observa no Quadro 1, em 1936, primeiro ano de funcionamento, houve o crescimento do número médio de permanência dos pensionistas dobrou de 13 para 26 e, no ano seguinte, esse número chegou a 34. Conseqüentemente, houve também o crescimento da renda do pensionato, que aumentou em mais de 50 por cento no primeiro ano e, em 1937, continuou crescendo, chegando a mais de 99 contos de réis. Esse novo pavilhão foi inicialmente chamado Juliano Moreira, em homenagem ao renomado psiquiatra baiano, que, na condição de professor da Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina, no final do século XIX e início do XX, deu suas aulas práticas no Asilo S. João de Deus (APEB. Caixa nº 3195, of. 50), além de ter participado da comissão que escreveu um importante documento sobre a assistência aos alienados na Bahia13. Novis, ao propor o nome, sabia que poderia sofrer algum tipo de oposição, uma vez que Juliano Moreira tinha dirigido o Serviço Federal de Assistência aos Psicopatas e o Hospital Nacional de Alienados do Distrito Federal durante quase três décadas na Primeira República, até ser afastado do cargo pelo governo provisório da Revolução de 30. O falecimento de Juliano, em 1933, ajudou a remover as restrições e, assim, em junho de 1934, o governo revolucionário da Bahia aprovou o nome de Juliano Moreira para o pavilhão a ser construído e, segundo o diretor do Hospital São João de Deus, prestou uma homenagem ao baiano ilustre, naquele estabelecimento onde ele colheu [...] as primeiras emoções de uma carreira triunfal.10:3. Esse entusiasmo não foi só local, pois, após a inauguração do Pavilhão Juliano Moreira, em 25 de janeiro de 1936, Waldomiro Pires, diretor do Hospital Psiquiátrico do Rio de Janeiro, manifestou o mesmo sentimento, qualificando o homenageado de primus inter pares da psiquiatria brasileira (APEB. Caixa 3197, of. 20.02.1936). A homenagem, entretanto, foi insuficiente diante do prestígio daquele intelectual e administrador de grande influência na psiquiatria brasileira, nas três primeiras décadas do século, cujo nome se espraiou por todo o país, batizando hospícios, colônias ou pavilhões14. Rubim de Pinho referiu que Juliano Moreira, que teve discípulos em quase todo o país, não os teve na Bahia15. Se não teve discípulos, foi somente entre os psiquiatras, pois o Prof. Aristides Novis, catedrático de Fisiologia, seguiu as diretrizes do psiquiatra baiano desde sua primeira gestão nos anos 20, quando se criou o Laboratório de Pesquisa Clínica e Microbiológica no pavilhão Demétrio Tourinho8. 28 v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 13.12.1930 - Juiz/Santarém-Ba - - AEVC JMS WCP ASM - - 09.04.1934 11.07.1936 23.04.1935 - 26.03.1936 09.12.1929 - 04.01.1936 27.11.1931 25.05.1932 02.06.1934 19.12.1933 26.06.1937 27.10.1936 16.09.1936 27.07.1936 10.06.1936 11.05.1936 17.04.1936 08.04.1936 08.04.1936 30.03.1936 30.03.1936 16.03.1936 27.08.1935 27.08.1935 27.08.1935 .08.1935 16.08.1935 12.08.1935 05.1935 24.05.1935 18.05.1935 18.05.1935 13.04.1935 13.04.1935 28.01.1935 28.01.1935 24.12.1934 9.07.1934 Data do h-c - - - 16 dias 1 ano e 2 meses - 22 dias - 16 dias 6 anos e 3 meses - 2 meses 3 anos e 10 meses 3 anos e 3 meses 1 ano e 2 meses 1 ano e meio 9 meses 10 meses 6 anos e meio 2 anos e meio 5 anos e 5 meses 5 anos e 5 meses 2 anos e 9 meses 1 ano e 1 mês 4 anos e 11 meses 20 anos e 5 meses - - Tempo internação Cosme de Farias Bel. Durval Fraga Cosme de Farias - José Maria Lima Bel. ELV (paciente) Cosme de Farias paciente paciente (advogado) Cosme de Farias Bel.Nestor Duarte Cosme de Farias Cosme de Farias Cosme de Farias Cosme de Farias Cosme de Farias - Cosme de Farias - - - - - - José Maria Lima José Maria Lima Cosme de Farias - Solicitante do h-c Quadro 1. Justiça x manicômio: pedidos de habeas-corpus (h-c) para internados no HSJD / HJM 1934-37 Juiz/Jequié-Ba NAS Chefe de Polícia Família FMR ELV - - OS - - JRS PR Família Juiz/Monte Negro-Ba CSC Secretário de Segurança Promotor/Poções -Ba BMJ ABT Delegado/Stº Amaro JAPS 23.03.1936 Juiz/Nilo Peçanha-Ba PAC 13.12.1934 16.11.1934 17.11.1928 01.11.1932 13.12.1930 AGS Juiz/Inhambupe -Ba FMA Secretário de Polícia Juiz / Inhambupe -Ba TJR 14.03.1934 28.06.1932 Juiz/Boa Nova -Ba Juiz / Barra-Ba TFG MFM Juiz/ Salvador EB 22.02.1930 JLC Juiz /Feira de Santana PP 25.07.1914 Juiz/ S. Sebastião-Ba Juiz / Amargosa -Ba LEM* - - Secretário de Polícia - JSP MTN - JJB Data internação JGS Solicitante da Internação Iniciais Sem alteração psiq Com remissão Com remissão Com remissão Com remissão Com alteração Com remissão Com alteração Com alteração Nunca alteração psiq Com remissão Não examinado Sem alteração psiq Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Sem alteração psiq Com remissão Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Com remissão Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Nunca alteração psiq Com alteração psiq Sem alteração psiq Informação(Diretor) concedido concedido alta concedido alta/julgamento não concedido concedido não concedido não concedido concedido concedido não concedido alta/julgamento concedido alta/julgamento alta/julgamento alta alta/julgamento - alta/julgamento alta/julgamento concedido concedido concedido concedido concedido não concedido concedido Decisão Justiça Revista Baiana de Saúde Pública 29 É compreensível, portanto, a iniciativa do diretor Novis de nomear, inicialmente, o moderno pavilhão, construído nessa segunda gestão, e depois a proposta aprovada em lei do nome de Juliano Moreira para o Hospital como um todo. Era a substituição do santo pelo cientista, da religião pela ciência, da igreja pela medicina, realizando-se também no nome a laicização da instituição. É necessário abrir aqui um parêntese. A análise semiológica de Barthes16 possibilita uma interpretação da mudança do nome do manicômio. Compreende-se essa mudança como um uso mitológico da linguagem, uma fala mítica16: o termo gasto hospício, significante aplicado para uma instituição que, na prática, era espaço de violência e exclusão já tinha sido substituído pelo termo mais moderno hospital, que, usado na medicina em geral, remete para as finalidades manifestas de tratamento, cura e reabilitação. Contudo, a permanência do nome São João de Deus remetia ao passado dos tempos do hospício ou, mais ainda, do asilo da Santa Casa. Assim, foi uma mudança considerada natural, da substituição do nome de um santo, compatível com um local de caridade e beneficência, para o nome de um médico, um psiquiatra, apropriado para uma instituição sanitária, um hospital psiquiátrico. É claro também que, levando em conta o ocorrido com os termos asilo e hospício, é lícita a hipótese segundo a qual, permanecendo as práticas de violência e exclusão na instituição psiquiátrica em estudo, não demoraria muito para que o novo nome Hospital Juliano Moreira, menos estigmatizado e mais vinculado aos objetivos médicos viesse a sofrer o mesmo desgaste. Como se pode constatar acima, os termos têm história. Ainda é cedo, porém, para narrar o que aconteceu com a nova e mais perene denominação para a instituição sediada no velho Solar da Boa Vista. Retornemos à cronologia do hospício, ou melhor, do hospital. Em 1935, deu-se início ao curto período de regime constitucional, com governador e parlamentares escolhidos num processo eleitoral. Foi nesse cenário que se deu a mudança do nome do manicômio, com a Lei nº. 75, de 27 de agosto de 1936, assinada pelo Governador Juracy Magalhães e por seu Secretário de Educação, Saúde e Assistência Pública Antônio Luiz Barros Barreto. A Lei n. 75 foi publicada na primeira página do Diário Oficial do Estado da Bahia, n. 236, em 29.08.1936.17 Ela determinava que o Hospital São João de Deus passasse a ser chamado Hospital Juliano Moreira, [...] em homenagem á memoria do maior psychiatra baiano.18:120. Para uma melhor compreensão dessa etapa na gestão de Novis, analisaremos brevemente esse breve hiato democrático (1934-37) no regime autoritário instituído em 1930, que se iniciou com a Constituição de 34 e foi interrompido com a ditadura do Estado Novo. Os parlamentares eleitos, tanto governistas quanto de oposição, eram na maioria ligados aos interesses agrários, inclusive os doutores (advogados, médicos e engenheiros). Esses intelectuais tradicionais 30 Revista Baiana de Saúde Pública se caracterizavam por uma atuação marcada pela moderação6. Apesar desse perfil liberal conservador, esse legislativo baiano de 1935-37 foi mais sensível aos problemas sociais que os parlamentares da Primeira República. Os projetos relativos à saúde e educação, por exemplo, ocupavam o 4º lugar na lista de prioridades do legislativo da República Velha, enquanto na Segunda República passaram a 2º lugar, superado apenas pelos projetos relativos à organização do próprio Estado6. O Hospital Juliano Moreira (HJM) foi objeto de debate nessa curta e rica vida parlamentar. O deputado Raphael Jambeiro, 73 anos, era médico, formado em 1895. Com base política no município de Castro Alves, ele foi um dos dez parlamentares do Legislativo baiano de 1935-37 que fez oposição ao governo de Juracy Magalhães6. O deputado de oposição criticou o desleixo na assistência prestada àqueles indivíduos reduzidos à condição de irracionaes, pois, [...] longe de termos um abrigo para estes infelizes que perambulam pelas ruas da cidade e pelo interior, um hospício enfim, temos um verdadeiro matadouro.19:809, grifo nosso. Como exemplo, para sustentar sua denúncia, Dr. Jambeiro citou o episódio seguinte. Ele internou no HJM uma senhora de distincta família, D. Auta da S.A., procedente de seu reduto político (Município de Castro Alves) e o diretor Aristides Novis colocou-a num cômodo apropriado. Disse que, assim que o Prof. Novis se retirou do hospício, a paciente foi transferida para outro cômodo, onde veio a morrer em virtude de sevícias recebida. Ficou mais indignado ainda, quando o Dr. José Júlio Calasans, dado como seu médico assistente, indo a Castro Alves, foi indagado sobre D. Auta e respondeu que, se ela estava no hospital, ele ignorava. Afirmando não querer malferir o diretor Novis, que por certo ignorava o que estava se passando no estabelecimento que dirigia19:809, fez um requerimento à mesa com questionamentos a serem encaminhados à direção do hospital. O líder da situação, Aliomar Baleeiro, votou pelo requerimento, mas discordou das acusações feitas de modo implícito ao diretor Aristides Novis. Novis considerou que o hospital foi alvo de graves censuras do deputado Raphael Jambeiro e solicitou a abertura de inquérito (APEB. Caixa nº 3197, of. 99, 12.07.37). Dez dias depois das denúncias na Câmara, em 21 de julho de 1937, o diretor já respondia às informações solicitadas pelo Legislativo ao Secretário de Educação e Saúde. Em relação ao falecimento da doente, Novis tomou como fonte de informação o atestado do médico de plantão, Dr. Calasans, que referia hemorragia cerebral como a causa do óbito. Disse também que nada constava em relação a qualquer agressão sofrida pela doente nos catorze dias que passou no manicômio (APEB. Caixa nº 3197, of. 101, 21.07.37). Na fala do deputado Jambeiro, temos dois outros registros sobre a situação dos loucos da época: no primeiro, ele recebeu um louco de Alagoinhas, medicou e tentou interná-lo v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 31 no hospício, mas recebeu a informação de que não podia enviar nenhum louco para a Capital. Sobre essa impossibilidade fez o seguinte comentário: Talvez seja por isto que, no interior usa-se, quando um louco perambula pelas ruas da cidade, mettel-o num carro e soltal-o na cidade visinha. 19:809, grifo nosso. Nota-se que não era uma prática incomum essa estratégia de expulsão dos loucos de uma cidade para outra. O outro registro é de um fato já conhecido desde a República Velha. O deputado da Concentração Autonomista referia que, na Capital, os alienados encontravam a solicitude e a caridade de Cosme de Farias, que sempre arranjava um lugar para eles no hospício. O rábula, assim como fez no período anterior (1912-1930), continuava a interagir com o manicômio, internando indigentes ou obtendo informações sobre o estado do paciente para a família. Para internar ou obter informações de internados, ele se dirigia diretamente ao diretor do manicômio ou, através do Diretor Geral do Deptº de Saúde Pública, órgão ao qual o Hospital estava subordinado (APEB. Caixa 3195, of. 6.02.34). Essa mediação, feita na maioria das vezes de modo informal, incomodava ao diretor Aristides Novis. Num memorando, ele chegou a se dirigir ao Major Cosme de Farias pedindo ao nobre amigo que atendesse os preceitos regulamentares e não enviasse, junto com os doentes que remetia ao manicômio, carta ou bilhete, e sim petição ou guia assinada por autoridade policial (APEB. Caixa n.3196, Memorandum nº 9, de 11.07.1936). Cosme de Farias continuou a enviar doentes com bilhetes, só que passaram a ser dirigidos ao Dr. José Júlio Calasans, assistente médico do hospital20. Novidade mesmo foi a atuação do Major Cosme como rábula em defesa do louco internado, utilizando os recursos jurídicos que a legislação oferecia, em especial, a garantia do direito à justiça, proclamada na Constituição de 1934, direito que seria restringido com a ditadura do Estado Novo. Assim, nesse hiato democrático, houve repercussão da atuação do Judiciário na vida do manicômio. Parentes, outros responsáveis e os próprios pacientes, com apoio de advogados ou rábulas, que recorriam diretamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), passaram a recorrer à Corte de Apelação do Estado da Bahia, com sua criação no 2º semestre de 1934, utilizando-se do mecanismo de habeas-corpus contra a seqüestração sem base legal20. Ver o Quadro 1, onde se destaca a presença de Cosme de Farias como solicitante do habeas-corpus em favor de inúmeros internados. Havia abuso de autoridade de Delegados e Juízes, principalmente do interior do Estado. Com base na leitura dos inúmeros ofícios e memoranda, que Aristides Novis respondia aos pedidos de informação do STJ e da Corte de Apelação (APEB. Caixas 3195-3197), concluímos que o diretor muito contribuiu para separar o internamento necessário da segregação arbitrária no hospital psiquiátrico, onde em geral os pacientes estavam internados por um ano ou mais. 32 Revista Baiana de Saúde Pública No Quadro 1, destacam-se os inúmeros casos de doentes internados por juízes do interior que, em todo o período de internamento, nunca apresentaram qualquer alteração psíquica, como, por exemplo, o paciente Leopoldo (L.E.M.), internado há mais de vinte anos por solicitação do juiz do município de Amargosa. A informação de Novis à Corte de Apelação foi nos seguintes termos: Em todo esse longo período de observação de Leopoldo neste Estabelecimento nenhuma perturbação mental lhe poude ser verificada. (APEB. Caixa n. 3195, of. 18, 28.01.1935). Era uma forma de violência institucional que, em geral não ganha a mesma visibilidade que ganha a violência física contra os internados. No entanto, suas conseqüências sobre a saúde e a vida dos internados foram tão ou mais graves. 2.2 De Sergipe à Bahia: o psicopata vem de trem Uma situação contraditória e intrigante nessa gestão foi a autorização dada por Novis ao diretor da Penitenciária de Sergipe, Francisco Leite Neto, permitindo a transferência dos alienados daquele estado para o hospital baiano (APEB. Caixa n.3196, of.49, 27.03.1936). O diretor Leite Neto, autorizado pelo governador Eronildes de Carvalho, queria estabelecer um contrato, em que o Hospital Juliano Moreira receberia os alienados mediante uma contribuição do Estado de Sergipe. Novis chamava a atenção que esse tipo de contrato só poderia ser firmado entre os governadores dos dois estados, porém, isso não representava uma recusa. Independente mesmo desse contracto remunerado, não hesitei em receber varios doentes mentais, vindos da Penitenciária sergipana, desde setembro de 1933, quando Novis recebeu a visita do Dr. Ávila Nabuco, diretor de Saúde Pública daquele estado vizinho. O diretor dizia que o antigo São João de Deus passou a receber remessas de pequenos grupos, sem outro interesse que o de sermos uteis ao doente, dobrado o nosso prazer pela circunstância de servirmos á um Estado-irmão (APEB.Caixa n.3196, of.49, 27.03.1936). Antes, em 1934, ele tinha usado como argumento o dever de solidariedade humana, que não exclue os estrangeiros, quanto mais os filhos da mesma Patria (APEB. Caixa 3194, of.7, 8.01.1934). Desde o início, em 1933, o diretor Aristides Novis estabeleceu que os doentes transferidos não deveriam ser criminosos, por não ter mais acomodações no pavilhão específico (Manoel Vitorino), e que fossem trazidos em remessas de pequenos grupos. Eles vieram de trem, em grupos de quatro ou seis, acompanhados de um enfermeiro (APEB. Caixa 3194, of. 183 e of. 195). Essas remessas continuaram por toda a sua gestão (APEB. Caixa 3194, ofícios 202, 226, 229 de 1933; of. 3. 1934; Caixa 3195, 18.06.1936), de tal sorte que num levantamento dos doentes por sua procedência, realizado em julho de 1937, último semestre de Novis no manicômio, além dos baianos (capital e interior) e de origem ignorada, tinham trinta e três (33) sergipanos e apenas um (1) pernambucano no HJM (Caixa 3197, of. 101, 21.07.1937). v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 33 Essa parcela era ainda maior, pois, além desse número prevalente, tinham os doentes que faleciam. Obtivemos registros de oito óbitos de pacientes, a maioria deles transferidos em 22 de maio de 1936, que tinham falecido no curto período de junho a novembro daquele mesmo ano (APEB. Caixa 3196). Se a mortalidade hospitalar em geral era elevada, nos transferidos não era nada desprezível, pois eles eram psicopatas indigentes que vinham de uma penitenciária, em condições de vida e saúde muito precárias, para um local insalubre, como eram os pavilhões da classe de indigentes do manicômio. Afinal de contas, esse dever de solidariedade era prestado num contexto crítico de crise econômica e social, agravada pela instabilidade política. Não temos uma explicação conclusiva para o fato. Sem dúvida não deixava de ser uma estratégia política adequada para o fortalecimento de sua permanência no cargo, contar com o apoio de lideranças que agiam em nome de um interventor federal e depois, com a Constituição de 1934, do governador eleito de um Estado com ligações estreitas com o da Bahia (Caixa 3197, 20.09.1933). Não podemos, contudo, descartar, entre as motivações, a própria formação humanística do diretor Novis, bem como seu elitismo, que o fazia ignorar as condições concretas para a realização de seu gesto solidário. Uma das primeiras medidas racionalizadoras do diretor seguinte, Dr. Pery Guimarães, foi suspender essa transferência. Encontramos, ainda no período constitucional (1935-37), registros da luta do diretor Novis pela melhoria das vias de acesso ao estabelecimento e pela integridade dos terrenos do Hospital na Boa Vista de Brotas. Essa última era uma defesa que ele tinha iniciado desde a primeira gestão, nos anos 20, inspirado na luta anterior de Eutychio Leal e foi continuada por seu sucessor, Mário Leal8. A relevância desses problemas na época era compreensível, quando constatamos que a própria Capital, na segunda metade dos anos 30, ainda era predominantemente rural. O distrito de Brotas [onde estava o hospital] e parte dos de Santo Antônio e Vitória, por exemplo, compreendiam aprazíveis chácaras e grande quantidade de sítios, que se ligavam ao núcleo urbano por estradas, praticamente intransitáveis nas estações chuvosas.6:32. Sobre a dificuldade de acesso, Novis chegou a solicitar ao Prefeito de Salvador melhoramento da Estrada do Engenho Velho, pois no inverno era difícil a passagem de veículo para o Pavilhão-Colônia Augusto Maia (APEB. Caixa 3195, 27.03.1935). Em relação à questão agrária do manicômio, durante toda essa segunda gestão de Novis (1931-37), aparecem registros de conflitos com a vizinhança, em especial, a que se travou, em 1933, com a Chácara de São Miguel, que envolveu polícia e o próprio procurador do Estado (APEB. Caixa 3191). Em 1936, a vizinhança invadiu o hospital e fez uso da fonte de água existente, impedindo os doentes de tomar banho 34 Revista Baiana de Saúde Pública (Caixa 3196, of.193, 1936). Eram sinais de uma duradoura relação conflituosa, que culminaria muitos anos mais tarde, com a completa urbanização do bairro de Engenho Velho de Brotas e a transferência do manicômio para a periferia de Salvador, em Narandiba, no ano de 1982. Mesmo num quadro geral de instabilidade social, essa experiência de regime constitucional foi surpreendentemente positiva, com os três poderes executivo, legislativo e judiciário funcionando normalmente, de tal sorte que essa normalidade institucional chegou a repercutir até em espaços microssociais como o manicômio. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estabelecimento do governo, o Hospital Juliano Moreira foi objeto de debate e ação parlamentar, bem como teve que responder ao judiciário, acionado por membros da sociedade civil na garantia dos direitos de cidadãos que estavam, em muitos casos, arbitrária e ilegalmente internados. Por outro lado, sua direção também recorreu à justiça para garantir seu território invadido, bem como apelou a uma outra esfera do poder executivo, ao poder municipal, para melhorar as vias de acesso ao hospital. Essa relativa normalidade institucional foi rompida com o golpe de Estado que instalou no país o regime de exceção conhecido como Estado Novo. O governador Juracy Magalhães se recusou a apoiar a ditadura e com sua renúncia ao governo da Bahia, em novembro de 1937, iniciou-se um outro período de intervenção federal na Bahia. Uma nova legislação produzida pelo regime ditatorial (Decreto-lei nº. 24, de 29 de novembro de 1937) não permitia a acumulação de cargos públicos, o que resultou na opção de Aristides Novis pela Cátedra de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Bahia (APEB. Caixa n. 3197, 14.12.1937). Mais dois médicos do hospital tinham também vínculo com a Faculdade de Medicina: José Júlio Calasans, Assistente contratado na Cadeira da Clínica Psiquiátrica, e Luiz Ribeiro de Sena, Assistente efetivo na Cadeira de Clínica Cirúrgica (APEB. Caixa n. 3197, Memorandum de 29.11.1937). Ao contrário do Professor Catedrático, os médicos optaram pela permanência no hospital (APEB. Caixa n. 3197, of. 14.12.1937). O Prof. Novis deixou a direção do manicômio em 31 de dezembro de 1937, quando transferiu o cargo para o Dr. Francisco Tavares de Carvalho, médico mais antigo do estabelecimento. Em portaria datada de 31 de dezembro, despedia-se do corpo técnico do hospital: Ainda fora daqui, estarei sempre ao serviço dos meus caros auxiliares, na medida em que, reconhecido, lhes póssa ser útil. (Caixa n.3197, of. 31.12.37). Com o nome de Juliano Moreira para o hospital, o pavilhão Juliano Moreira, construído graças ao esforço e prestígio de Aristides Novis, acabou recebendo seu nome ao deixar v.30, n.1, p.19-38 jan./jun. 2006 35 o manicômio (APEB. Caixa n.3198, of.15.01.38). O pavilhão Aristides Novis, para pensionistas, era dotado de modernas instalações, inclusive da balneoterapia, em condições, portanto, de derivar o desconforto da doença para o conforto do doente. Numa conferência proferida no Rotary Club da Bahia, em outubro de 1935, intitulada Assistência a Psicopatas na Bahia11, o diretor descrevia o magnífico edifício, onde o pensionista desfrutaria de conforto integral e adequado tratamento, inclusive com apartamentos de luxo, que serviria para estabelecer um contraste chocante com as outras instalações. Mas Novis era um liberal republicano: Avulta este contraste na consideração da distancia que guardarão entre si pensionistas e indigentes, a perderem-se de vista na gradação das hospedagens que vão ter. Preciso se faz, portanto, que se revista de nova indumentaria o restante da casa, afim de não perdurar por mais tempo uma excepção antipathica, sem a devida compustura para apresentar-se aos olhos niveladores do pensamento moderno, em face as prerogativas e aos direitos dos nossos semelhantes. 11:4, grifo nosso. O Catedrático de Fisiologia acreditou sinceramente na nivelação por cima, mas não demorou muito para ficar demonstrado que, em relação aos doentes mentais (psicopatas), a nivelação sempre se fazia para baixo. REFERÊNCIAS 1. Ianni O. O colapso do populismo no Brasil. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1994. 2. Albuquerque MM. Pequena história da formação social brasileira. Rio de Janeiro: Graal; 1981. 3. Pereira L. Ensaios de sociologia do desenvolvimento. 3ª ed. São Paulo: Pioneira; 1978. 4. Vargas G. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio; 1941. Vol. 2 (8 vols). 5. Tavares LHD. História da Bahia. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA; 1974. 6. Sampaio CN. Poder e representação: o legislativo da Bahia na Segunda República, 1930-37. Salvador: Assembléia Legislativa; Assessoria de Comunicação Social; 1992. 36 Revista Baiana de Saúde Pública 7. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Republicana. Correspondência expedida e recebida (Caixas n. 3191; 3194-3198). Salvador, 1922-1924; 1929-1940. 8. Jacobina RR. O silêncio dos inocentes. estudo do Hospício São João de Deus, 1912-1930 (I): crises e reformas. Revista Baiana de Saúde Pública 2002 jan./dez.;26(1/2):41-56. 9. Novis A. Noticiário. Hospital S. João de Deus. Relatório do Diretor. Gazeta Médica da Bahia 1932 jul./ago.;63(1-2):513-31. 10. Novis A. Relatório do Hospital São João de Deus. Ano de 1934. In: APEB. HJM. Caixa nº 3195. Correspondência expedida e recebida, of. 14 de março de 1935. 11. Novis A. Relatório do Hospital S. João de Deus. Ano de 1935. In: APEB. HJM. Caixa nº 3196. Correspondência expedida e recebida, of. 14 de março de 1936. 12. Novis A. Relatório do Hospital S. João de Deus. Ano de 1936. In: APEB. HJM. Caixas nos 3196-3197. Correspondências expedida e recebida, of. 4 de março de 1937. 13. Vianna A, Fontes JT, Moreira J. Assistência aos alienados na Bahia. Relatório. Gazeta Médica da Bahia 1895 jul.;1:14-40. 14. Jacobina RR. A prática psiquiátrica na Bahia. Estudo histórico do Asilo São João de Deus /Hospital Juliano Moreira (1874-1947). [Tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ); 2001. 15. Pinho AR. Entrevista. Realizada pelo Prof. Marcus Vinícius, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA. Salvador, 27 maio-15 jun.1992. 16. Barthes R. Mitologias. 10ª. ed. São Paulo: Bertrand Brasil; 1999. 17. Bahia. Lei n. 75, de 27 de agosto de 1936. Determina que o atual Hospital S. João de Deus passe a chamar-se Hospital Juliano Moreira. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, 1936 ago.; n. 29, p. 236. 18. Bahia. Secretaria do Interior e Justiça. Leis do Estado da Bahia do ano de 1936. Salvador: Imprensa Oficial do Estado; 1937. 19. Bahia. Diário da Assembléia. Hospital Juliano Moreira. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, p. 809-810, 11 de julho de 1937. 20. 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Correspondências expedidas e recebidas, 1938Recebido em 29.04.2005 e aprovado em 25.05.2006. 38 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública CARACTERÍSTICA S DO ATENDIMENTO COMO FATOR DE PROGNÓSTICO PARA AMPUTAÇÃO DE MEMBROS INFERIORES EM HOSPITAIS PÚBLICOS DE SALVADOR, BAHIA Annibal Muniz Silvany Netoa João Luiz Barbosa Nunesb Rachel Silvany Quadrosc Resumo Os pacientes com doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) em fase avançada apresentam alta probabilidade de amputações. O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre características do atendimento recebido por pacientes com DAOP e realização de grande amputação. Foi realizado um estudo de coorte, incluindo 184 pacientes atendidos em cinco hospitais públicos terciários de Salvador. Cerca de 44% deles sofreram grandes amputações no primeiro atendimento terciário. Os resultados do presente estudo sugerem que os pacientes que não realizaram arteriografia, que apresentavam anquilose do joelho e foram atendidos em hospitais públicos sem Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica, apresentaram um pior prognóstico. É possível que o atendimento nos hospitais estudados melhore à medida que ações sejam desenvolvidas no sentido de: provê-los com equipamentos necessários ou criar um eficiente sistema de referência e contra-referência, para que os exames necessários sejam realizados; agilizar os prazos para realização do atendimento ao paciente, desde o nível primário de atenção; e criar serviços de cirurgia vascular e/ou Programa de Residência Médica específico nos hospitais terciários, para que existam rotinas padronizadas de atendimento e tratamento, favorecendo uma maior efetividade e agilidade. Palavras-chave: Prognóstico. Amputação. Membro inferior. Cirurgia. Atendimento. a b c v.30, n.1, p.39-49 jan./jun. 2006 Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Cirurgião Vascular do Hospital Ana Nery. Acadêmica de medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação para Desenvolvimento da Ciência. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina, UFBA. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil CEP: 40110-100. Endereço eletrônico: [email protected]. 39 ATTENDANCE CHARACTERISTICS AS PROGNOSTIC FACTOR FOR LOWER LIMB AMPUTATION IN PUBLIC HOSPITALS IN SALVADOR, BAHIA Abstract Patients with peripheral arterial disease (PAD) in advanced stage present high probability of amputations. The present study aimed to investigate the association between characteristics of the attendance received by these patients and occurrence of great amputation. A cohort study was carried out including 184 patients from five tertiary public hospitals in Salvador, Bahia, Brazil. About 44% of them had great amputations during the first admission at a tertiary health care facility. The results of the present study suggest that the patients who were not submitted to angiography, who presented anchylosis of the knee and were taken care of in public hospitals without a Peripheral Vascular Surgery Medical Residence Program, had presented a worse prognosis. It is possible that the attendance at the studied hospitals improves if the necessary equipments be provided; an efficient referral system be created so that the necessary examinations may be carried out; the stated periods for the patient attendance, beginning at the primary level of attention, be shortened; and services of vascular surgery and/or specific Program of Medical Residence be created so that standardized routines of attendance and treatment exist, favoring effectiveness and agility. Key words: Prognosis. Amputation. Lower limb. Surgery. Attendance. INTRODUÇÃO A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) aterosclerótica caracteriza-se pelo acúmulo de lipídios, células inflamatórias, células musculares lisas e matriz extracelular no espaço subendotelial, de forma progressiva, nas grandes e médias artérias1. Estima-se que esta doença acometa 12% da população geral e pelo menos 20% daqueles com 70 anos ou mais de idade2. Os pacientes com DAOP em fase avançada de isquemia podem apresentar dor severa que impede suas atividades diárias e o sono, e/ou gangrena de parte ou de todo o membro acometido, favorecendo a ocorrência de infecções secundárias e amputações. Nessas circunstâncias, o risco esperado de perda do membro é de 100% em seis meses. O tempo ideal máximo de abordagem desses pacientes, para obtenção de melhores resultados terapêuticos e menor taxa de mortalidade operatória, é de duas semanas3. Embora sejam amplamente estabelecidos os benefícios proporcionados pela cirurgia de revascularização quando comparada à amputação primária4,5,6, um grande número de pacientes pode não estar tendo a oportunidade de realizar a revascularização como opção terapêutica para a DAOP, o que tem implicações sociais e econômicas negativas, comprometendo sua qualidade de vida. Isso pode decorrer de vários fatores, tais como demora no diagnóstico, encaminhamento inadequado e impossibilidade de realização da arteriografia pré-operatória. 40 Revista Baiana de Saúde Pública O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre características do atendimento recebido por pacientes com doença arterial obstrutiva periférica, atendidos em hospitais públicos terciários de Salvador, e a realização de grande amputação durante o primeiro atendimento terciário nesses hospitais. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um estudo de coorte prospectivo de prognóstico. Foram incluídos no estudo, pacientes submetidos a seu primeiro internamento devido a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). Esta foi definida como ausência de pulsos distais (tibial posterior e pedioso) associada a dor de repouso e/ou lesão trófica. Foram excluídos os pacientes com doença arterial inflamatória, oclusão arterial aguda, aneurisma, traumatismo, dissecção da aorta e com algum internamento anterior. Estes últimos foram excluídos devido à possibilidade de receberem um atendimento diferenciado em função dos atendimentos prévios. O desfecho de interesse foi a realização de amputação grande de membros inferiores, sendo que esta compreendeu amputação ao nível da perna ou coxa. Como o estudo teve caráter exploratório, não foi especificada uma variável independente principal. As variáveis independentes investigadas foram: sexo (masculino ou feminino); idade (42 a 60 anos; ou 61anos ou mais); hospital de internamento; existência de Programa de Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica no hospital (sim ou não); tempo entre o início da sintomatologia e o atendimento primário; tempo entre os atendimentos primário e terciário; área médica responsável pelo atendimento primário (angiologia ou demais áreas); existência de lesão trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário (sim ou não); realização de tratamento no atendimento primário (sim ou não); local da lesão no momento do internamento (sem lesão ou no dedo e/ou pé; ou lesão na perna); acesso ao cirurgião vascular (sim ou não); pesquisa de pulso documentada (sim ou não); se o paciente estava acamado no momento do internamento (sim ou não); presença de anquilose do joelho também no momento do internamento (sim ou não); procedência (capital ou interior); risco anestésico (classificado de acordo com o ASA7, níveis 1, 2 ou 3 comparados aos níveis 4 ou 5); tempo de espera até a realização da arteriografia (antes do internamento ou menos de 15 dias após o internamento; 15 dias ou mais; ou arteriografia não solicitada ou solicitada, mas não realizada); realização da arteriografia (sim, antes ou durante o internamento; ou não); realização do Doppler (sim ou não); realização do Duplex (sim ou não). As informações sobre essas variáveis foram obtidas através de questionário, preenchido por cinco estudantes de medicina que, semanalmente, visitavam cinco hospitais v.30, n.1, p.39-49 jan./jun. 2006 41 públicos de Salvador, na Bahia, verificando se houve algum internamento de paciente com DAOP. Nestes casos, foram colhidas as histórias clínica e epidemiológica e foi feito acompanhamento ao longo de todo o seu internamento. A coleta de dados ocorreu entre 29 de março de 2000 a 14 de agosto de 2001. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Na etapa inicial da análise estatística, foram calculados os riscos relativos de grande amputação para cada variável independente e seus respectivos intervalos de 95% de confiança. Na segunda etapa, utilizou-se o procedimento de Kaplan-Meier. Para inferência estatística neste procedimento foram utilizados os testes log-ordenamento, de Breslow e de Tarone-Ware. As curvas de sobrevivência foram consideradas estatisticamente diferentes quando estes três testes apresentaram resultados estatisticamente significantes ou quando pelo menos em dois destes o valor de p foi menor do que 0,05, sendo que no outro este foi maior do que 0,05, mas muito próximo deste valor (resultado limítrofe). Os pacientes que sofreram amputação grande foram classificados como não-censurados. Os censurados compreenderam os pacientes que: a) sofreram amputação pequena (do dedo ou antipé); b) receberam alta, mas permaneceram internados devido a outra patologia; c) receberam alta e não permaneceram internados; d) foram transferidos; ou e) foram a óbito. O tempo de sobrevida recaiu no período entre o início do internamento e a revascularização, amputação, alta, transferência ou óbito, sendo expresso em número de dias. A etapa final da análise estatística consistiu na análise de regressão múltipla de Cox. Nesta etapa, foram seguidos os procedimentos recomendados por Kleinbaum8. O nível de significância na etapa de pré-seleção de variáveis foi 0,25, e 0,17 na etapa final da regressão. O procedimento utilizado para verificação de atendimento de pressupostos foi a avaliação de paralelismo em diagramas log menos log. Devido ao caráter exploratório do estudo, não foram incluídos termos de interação no modelo, porque a inexistência de uma variável independente principal obrigaria ao exame de todos os termos de interação possíveis, o que contrariaria a recomendação de parcimônia nessa inclusão9. O poder do estudo para detecção das associações mantidas no modelo final foi calculado através do programa estatístico EPIINFO. RESULTADOS Foram estudados 184 pacientes. Cerca de 44% deles sofreram grandes amputações no primeiro atendimento terciário. O tempo de seguimento variou entre 0 e 237 dias, com média e mediana de 29,44 e 24,50 dias, respectivamente. 42 Revista Baiana de Saúde Pública A descrição das características dos pacientes estudados e do atendimento recebido foi publicada anteriormente10. As variáveis que apresentaram risco relativo de grande amputação estatisticamente significante (ou limítrofe) podem ser observadas na Tabela 1. Tabela 1. Variáveis associadas ao risco de grande amputação VARIÁVEL N RISCO RELATIVO INTERVALO DE 95% DE CONFIANÇA Local da lesão no momento do internamento (perna versus sem lesão ou lesão em dedo e/ou pé) 163 1,87 (1,32; 2,64) Anquilose no momento do internamento (sim versus não) 164 2,14 (1,60; 2,86) Tempo de espera da arteriografia(arteriografia feita 15 ou mais dias após o internamento, não solicitada, ou solicitada, mas não realizada, versus menos de quinze dias de espera ou arteriografia realizada antes do internamento) 161 1,59 (1,03; 2,45) Realização de arteriografia (não versus sim) 162 1,61 (1,14; 2,29) Idade (42 a 60 anos versus 61 anos ou mais) 163 1,63 (0,96; 2,76) Hospital (H. Ernesto Simões versus HUPES) (H. Ernesto Simões versus HGRS) 36 125 2,4 1,94 (1,26; 4,83) (1,36; 2,76) Existência de Residência Médica no Hospital: (não versus sim) 164 1,65 (1,18; 2,31) Na segunda etapa da análise estatística, foram encontrados os seguintes resultados: a) a curva de sobrevivência dos pacientes sem lesão ou com lesão no dedo e/ou pé no momento do internamento foi estatisticamente diferente daquela dos pacientes com lesão na perna (tempos de sobrevida medianos iguais a 47 e 32 dias, respectivamente); b) a curva dos pacientes com pulso documentado foi estatisticamente diferente daquela obtida para aqueles sem esta documentação, sendo o tempo de sobrevida maior para os primeiros. As medianas do tempo de sobrevida para estes dois grupos foram 48 e 25 dias, respectivamente; v.30, n.1, p.39-49 jan./jun. 2006 43 c) as curvas foram estatisticamente diferentes se os pacientes já estavam acamados ou não quando chegaram ao atendimento terciário. Os não-acamados apresentaram sobrevida maior (mediana igual a 46 dias) do que os acamados (mediana igual a 36 dias); d) os pacientes com ou sem anquilose no momento do internamento no hospital apresentaram curvas de sobrevivência estatisticamente diferentes. Aqueles sem anquilose apresentaram sobrevida maior (mediana igual a 47 dias) do que os com anquilose (mediana igual a 16 dias); e) as curvas para as categorias da variável realização de arteriografia também foram estatisticamente diferentes, com medianas do tempo de sobrevida iguais a 53 e 32 dias, respectivamente; a maior sobrevida foi, portanto, encontrada para aqueles pacientes que realizaram arteriografia; f) os pacientes nos quais o Doppler foi realizado apresentaram curva de sobrevivência estatisticamente diferente daquela dos pacientes que não tiveram este exame realizado. As medianas foram 48 e 25 dias, respectivamente. Nos primeiros 60 dias do seguimento, a sobrevida acumulada foi maior para os que realizaram o exame. Entre os 60 e 100 dias, as sobrevidas acumuladas foram muito semelhantes. Após os 100 dias, esta sobrevida foi maior nos que não foram submetidos a este exame; g) a comparação das curvas para os que realizaram e os que não realizaram o Duplex mostrou que estas eram estatisticamente diferentes, sendo que os primeiros apresentaram sobrevidas acumuladas maiores que os últimos; h) os cinco hospitais estudados apresentaram curvas estatisticamente diferentes, com a seguinte ordem decrescente das sobrevidas acumuladas: Hospital Santo Antônio, Hospital Geral Roberto Santos, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Hospital Geral do Estado, e Hospital Ernesto Simões Filho. As medianas obtidas foram, 237 dias, 51 dias, 36 dias, 11 dias e 1 dia, respectivamente; i) quando os hospitais foram agrupados em duas categorias, conforme a existência de Residência Médica ou não, encontraram-se curvas estatisticamente diferentes, com tempo mediano de sobrevida maior para aqueles com Residência (48 dias contra 17 dias); 44 Revista Baiana de Saúde Pública Para as demais variáveis independentes não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre as curvas de sobrevida. Estas variáveis foram: tempo entre o início da sintomatologia e o atendimento primário; tempo entre os atendimentos primário e terciário; área médica responsável pelo atendimento primário (angiologia ou demais áreas); existência de lesão trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário; realização de tratamento no atendimento primário; acesso ao cirurgião vascular; procedência (capital ou interior); sexo; idade (42 a 60 anos ou 61anos ou mais). Os resultados da análise de regressão de Cox estão apresentados na Tabela 2. Pacientes atendidos em hospitais públicos sem Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica, que não realizaram arteriografia ou duplex, que apresentavam anquilose do joelho, com 61 anos ou mais de idade e com lesão trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário, apresentaram um pior prognóstico quanto à realização de grande amputação de membros inferiores. Tabela 2. Resultados do modelo final da análise de regressão múltipla de Cox (n=157) COEFICIENTE ERROPADRÃO DO COEFICIENTE Existência de Residência Médica no Hospital (não x sim) 1,088 0,323 0,001 2,97 (1,90; 4,62) Realização de arteriografia (não x sim) 0,990 0,288 0,001 2,69 (1,81; 3,99) Realização de Duplex (não x sim) 0,969 0,551 0,049 2,64 (1,24; 5,61) Anquilose (sim x não) 0,965 0,350 0,012 2,62 (1,62; 4,24) Idade (61 anos oumais x 42 a 60 anos) 0,604 0,355 0,072 1,83 (1,12; 2,98) Lesão trófica (sim x não) 0,454 0,342 0,168 1,58 (0,98; 2,52) VARIÁVEL VALO R DE P INTERVALO RAZÃO DE DE 83% DE AZARES CONFIANÇA A Tabela 3 mostra o poder do presente estudo para as associações mantidas no modelo final. Para esses cálculos, o alfa utilizado foi 10,0%, porque o programa não permitia o cálculo com alfa de 17,0%, que foi o valor utilizado na modelagem final. v.30, n.1, p.39-49 jan./jun. 2006 45 Tabela 3. Poder do estudo para as associações do modelo final (n=157) VARIÁVEL PODER (%) Existência de Residência Médica no Hospital (não x sim) 66,6 Realização de arteriografia (não x sim) 78,7 Realização de Duplex (não x sim) 35,6 Anquilose (sim x não) 84,3 Idade (61 anos ou mais x 42 a 60 anos) 48,8 Lesão trófica (sim x não) 54,7 DISCUSSÃO O pior prognóstico encontrado em pacientes internados em hospitais sem Programa de Residência Médica poderia ser explicado pelo fato de, coincidentemente, estes hospitais serem aqueles que não dispunham de aparelho para a realização de arteriografia. Contudo, considerandose que a realização deste exame foi controlada na análise multivariável, havia um efeito independente da existência de Residência Médica sobre o prognóstico. Isto deve ocorrer em função de uma melhoria dos procedimentos médicos adotados, quando se dão em um contexto de ensino-apredizagem. Entre outras contribuições, os médicos residentes atuam de modo importante no sentido de agilizar a realização desses procedimentos, minimizando a influência do excesso de burocracia ou ineficiência dos serviços. A associação encontrada entre a não realização de arteriografia e ocorrência de grande amputação é explicada pelo fato desse exame ser considerado como o padrão-ouro para identificação dos locais específicos de obstruções ateroscleróticas arteriais, além de definir a viabilidade de uma cirurgia para revascularização do membro com DAOP11,12. Entretanto, verificouse que dos cinco hospitais estudados todos tinham em sua equipe médica cirurgiões vasculares10, porém apenas dois desses hospitais possuíam aparelho para realização da arteriografia, um desses para uso exclusivo dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e o outro para uso parcial destes pacientes até uma cota mensal pré-estabelecida, sendo o restante destinado ao atendimento de particulares ou conveniados. Deve ser lembrado também que estes são os dois únicos aparelhos em hospitais públicos em todo o Estado da Bahia. Os resultados encontrados sugerem que a realização da arteriografia deve ocorrer com maior eficiência, para evitar esperas prolongadas. A utilização do Duplex deve restringir-se aos 46 Revista Baiana de Saúde Pública casos de contra-indicação da arteriografia. Esta eficiência melhoraria com a criação de maior número de leitos para pacientes do SUS com DAOP, articulados a um sistema de referência e contra-referência eficiente, que permitiria a realização deste exame em tempo hábil, para que a espera não influenciasse o prognóstico. Estudos que avaliem o funcionamento dos serviços de hemodinâmica, sua agilidade, os custos e a eficiência na manutenção desses aparelhos, devem também ser realizados e seus resultados podem ser muito úteis para a melhoria do atendimento a esses pacientes. No período no qual os dados do presente estudo foram coletados, apenas o Hospital Geral Roberto Santos realizava o exame Duplex. Este, embora não seja o padrão-ouro para programação cirúrgica de revascularização, pode estar sendo utilizado em substituição à arteriografia nos momentos em que esta não possa ser realizada, por quebra do aparelho e contraindicação clínica. Visa à diminuição do tempo de espera e definição mais rápida do procedimento terapêutico adequado11,12. Isso deve explicar a importância do exame Duplex para o prognóstico do paciente no presente estudo. A associação estatística entre anquilose de joelho e grande amputação era esperada devido à inviabilidade de reabilitação motora dos pacientes com esta seqüela. A presença da anquilose no momento do primeiro atendimento terciário, entretanto, pode ser conseqüência do tempo prolongado de isquemia do membro, gerando uma posição viciosa do paciente12. Muito do atraso pode se dever à insuficiência de leitos para o tratamento de DAOP nos hospitais estudados. A importância estatística da idade como fator de prognóstico pode ser explicada pela distribuição da freqüência da doença aterosclerótica que passa a se elevar a partir dos 50 anos, alcançando seu valor máximo ao redor dos 70 anos. Acrescenta-se a isto uma maior ocorrência de outras patologias paralelamente à DAOP em pacientes mais idosos, como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia, o que desfavorece o prognóstico pelo agravamento do quadro clínico do paciente e progressão mais acelerada da doença11,13. Quando o paciente apresentava lesão trófica no momento do primeiro atendimento terciário seu prognóstico foi pior. Isto pode decorrer da inviabilidade de realização da revascularização devido a uma maior dificuldade de preservação do membro pela extensa destruição tecidual. Um tempo mais curto de encaminhamento desses pacientes para os hospitais de referência e um programa educativo dirigido à população poderiam reduzir o número de lesões tróficas já no primeiro atendimento terciário. Alguns dos resultados discutidos acima devem ser considerados com cautela, pois o presente estudo não apresentou poder aceitável para a investigação de algumas associações. v.30, n.1, p.39-49 jan./jun. 2006 47 CONCLUSÕES Os resultados do presente estudo sugerem que os pacientes que não realizaram arteriografia, apresentavam anquilose do joelho e foram atendidos em hospitais públicos sem Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica apresentaram um pior prognóstico quanto à realização de grande amputação de membros inferiores. É possível que o prognóstico nesses hospitais melhore, na medida em que ações sejam desenvolvidas no sentido de: provê-los com equipamentos indispensáveis ou criar um eficiente sistema de referência e contra-referência, para que os exames necessários sejam realizados; agilizar os prazos para realização do atendimento ao paciente desde o nível primário de atenção; e criar serviços de cirurgia vascular e/ou Programa de Residência Médica específico nos hospitais terciários, para que existam rotinas padronizadas de atendimento e tratamento, favorecendo uma maior efetividade e agilidade. Sugere-se a realização de outros estudos epidemiológicos com maior poder de detecção de algumas das associações observadas, para que se conheça melhor a realidade investigada. AGRADECIMENTOS Aos estudantes de medicina da UFBA Celi Santos Andrade, Bruno Campos Duque, Fernanda Pita Mendes da Costa, Elizabeth Santana dos Santos e Fábio Mesquita Paes, pela coleta dos dados utilizados nesta pesquisa. 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No Grupo 1, foram alocados aqueles com história prévia de pelo menos duas crises epilépticas; no Grupo 2, os não-epilépticos. Todos os pacientes tinham algum tipo de transtorno mental. Foram encontrados pacientes que preenchiam o critério de epilepsia. Quando comparados ambos os grupos, verificou-se, no Grupo 1, predominância de indivíduos mais jovens, do sexo masculino e menos dependentes socialmente, por possuírem renda própria, capacidade de desenvolver as atividades da vida diária, gerir seus pertences, inclusive dinheiro, e possuir documento de identificação civil. Os pacientes do Grupo 1 tiveram ainda, em maior proporção, apenas um internamento na vida, menor tempo entre o primeiro e último internamento e maior co-morbidade com alcoolismo e retardo mental. a b c d e Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde (CPgMS) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Mestre, Doutor, Professor Adjunto de Psiquiatria do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Mestrando do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia. Livre Docente e Professor Adjunto de Neurologia do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Projeto financiado pela Secretaria de Estado da Saúde (SESAB)/MS-Projeto Nordeste e operacionalizado pela UFBA - Projeto FAPEX No 96342 e Contrato SESAB/UFBA/FAPEX No 303/96, Processo 960375894 de 06/12/96. Endereço para correspondência: Antonio Reinaldo Rabelo, Av. Anitta Garibaldi, 1133, s/ 109-110, Ondina, Salvador, Bahia, Brasil CEP 40.210-070. E-mail: [email protected] / [email protected]. 50 Revista Baiana de Saúde Pública Concluiu-se que os pacientes epilépticos, apesar de apresentarem co-morbidade com doenças psiquiátricas, têm peculiaridades que necessitam ser consideradas de modo especial na organização dos programas de assistência em saúde mental. Palavras-chave: Epilepsia. Hospital psiquiátrico. Transtornos psiquiátricos e Epilepsia. Prevalência de epilepsia. EPILEPTIC IN-PATIENTS CARACTERISTICS IN ALL PSYCHIATRIC PUBLIC NETSERVICES IN THE STATE OF BAHIA BRAZIL Abstract With the aim to study psychiatric morbidity and socio-demographic characteristics of epileptic patients into the hospitals of the Sistema Único de Saúde of the state of Bahia, Brazil, we performed an analysis of all in-patients assisted by the Governmental Health Program from December 1997 to July 1998. We found 2.069 patients and divided them in two groups. Group 1: patients with previous history of at least two epileptic seizures. Group 2: patients with less than two seizures or those who did not experience any seizure. All patients had mental disorder and ful-filled the criteria of epilepsy. In Group 1 predominated the younger 0,018), those who had decreased social dependence as having income, and those who could develop daily living , manage their belongs, including money and had civil identification. Patients in group 1 had also, in greater proportion, just one hospital admission, decreased time between the first and last hospital admission, and greater co-morbidity with alcoholism and mental retardation. In conclusion, although present co-morbidity with psychiatric diseases, epileptic patients have peculiarities that must be specialy considered in the organization of mental health programs. Key words: Epilepsy. Psychiatric Hospital. Psychiatric Disease and Epilepsy. Prevalence of Epilepsy. INTRODUÇÃO A epilepsia é um transtorno neurológico classificado no Capítulo VI da CID-10. Há algumas décadas, segundo relatório da OPS1, era considerada um transtorno mental por ser, como esse, objeto de estigmatização e poder levar a incapacitação grave. Ainda hoje, em muitas sociedades, principalmente na maioria dos países em desenvolvimento, a epilepsia, pela carência de serviços de neurologia, é cuidada por profissionais e serviços de saúde mental1. Até mesmo nos hospitais psiquiátricos são encontrados pacientes epilépticos internados por várias vezes seguidas e com elevada média de permanência, do mesmo modo que os portadores de transtornos mentais2. Se a permanência de pacientes internados por longo tempo em hospitais psiquiátricos é hoje tida como de baixa eficácia terapêutica, danosa por violar direitos individuais e promover desabilitação v.30, n.1, p.50-58 jan./jun. 2006 51 ou dependência social3,4,5,6,7,8, acreditou-se que os epilépticos aí internados pudessem também estar sendo vítimas dessas conseqüências iatrogênicas. O objetivo deste trabalho foi, assim, estudar as características sociodemográficas e de morbidade dos portadores de epilepsia internados nos serviços psiquiátricos da rede pública do Estado da Bahia e, em particular, sua relação com transtornos mentais. MATERIAL E MÉTODOS Foi desenvolvido um estudo de corte transversal na população de pacientes internados nos hospitais que compõem a rede SUS no Estado da Bahia. Estimou-se que aproximadamente 97% dos pacientes com transtornos psiquiátricos, no Estado da Bahia, estão internados em hospitais que compõem a rede SUS. A coleta foi realizada nos prontuários dos pacientes que estavam internados durante o período do estudo. Os dados de algumas variáveis (atividades da vida diária, visitas de familiares, possuir documentos de identificação civil e capacidade de cuidar de suas coisas), quando não registrados nos prontuários, eram tomados da equipe de enfermagem. Depois de selecionados, foram treinados acadêmicos de medicina e de áreas afins para a coleta das informações. O instrumento de coleta, elaborado com base em um questionário nacional9, constou de 27 questões, sendo duas de identificação e as demais de características sociodemográficas, de morbidade e de dados clínicos. O diagnóstico de transtorno mental foi estabelecido de acordo com a CID 10 e o de epilepsia pelos critérios da International League Against Epilepsy (ILAE). Os dados eram revistos periodicamente e inseridos em um banco de dados elaborado para tal fim, com auxílio do programa Access, versão 2000. A análise foi realizada com o auxílio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 6.1. RESULTADOS No período de dezembro de 1997 a julho de 1998, foram analisados os prontuários de 2.069 pacientes internados nos serviços públicos de psiquiatria (17 unidades) do Estado da Bahia, cujos diagnósticos psiquiátricos constam da Tabela 1. A população do estudo foi dividida em dois grupos: Grupo-1 de pacientes epilépticos; e Grupo-2 de pacientes não-epilépticos. Os indivíduos de ambos os grupos possuíam algum transtorno mental e os epilépticos tinham registro de, no mínimo, quatro crises epilépticas sem etiologia estabelecida. O Grupo 1 constituiu-se de 173 indivíduos (8,4%) e o Grupo 2 de 1.896 (91,6%). Entre os grupos (Tabela 2) não houve diferença significante quanto a estado civil (p=0,77), número total de internamentos na vida (p = 0,28), escolaridade (p = 0,20), tempo de doença (p = 0,25) e possuir até três internamentos na vida (p = 0,385). 52 Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 1. Diagnóstico (CID 10) dos usuários internados nos leitos psiquiátricos da rede pública do Estado da Bahia 1998 SEXO DIAGNÓSTICO M F N 687 148 118 108 103 37 29 27 6 3 4 504 13 75 75 62 34 12 13 7 3 1 1.191 161 193 183 165 71 41 40 13 6 5 57,5 7,7 9,2 8,4 8,8 3,4 2,0 1,9 0,6 0,3 0,2 1.270 799 2.069 100,0 Esquizofrenia e Transtornos afins Alcoolismo Retardo Mental Epilepsia T. do Humor T. Neuróticos T. Mental Orgânico T. Mental Org. por SPA Outras T. do Comportamento T. Somatiformes T. Personalidade Total TOTAL % Tabela 2. Indicadores sociodemográficos e de morbidade dos pacientes epilépticos (Grupo 1) e nãoepilépticos (Grupo 2) internados nos leitos psiquiátricos da rede pública do Estado da Bahia 1998 Grupo 1(N) INDICADORES Grupo 2(N) (% ou média ± dp) (% ou média ± dp) p Estado civil 134 (77,9) 475 (76,6) 0,77 d Pacientes com menor número de internamentos na vida Escolaridade (III grau completo) Pacientes com 3-20 anos de doença 20 (17,2) 2 (1,2) 106 (65,9) 442 (21,9) 9 (0,46) 1.387 (70,4) 0,28 a 0,20 c 0,25 p Pacientes com até 3 internamentos na vida 69 (47,0) 1.108 (54,9) 0,385 0,018 a Média de idade 163 (37,56 ± 11) 1.804 (40,04 ± 14) Homens Possuir renda própria 46 Desenvolver atividades da vida diária (AVD) 121 (69,9) (27,6) 153 (89,5) 1.286 (61,3) 199 (9,6) 1431 (69,5) 0,029 a < 0,001a < 0,001a Capacidade de gerir seus pertences, inclusive dinheiro Possuir documento de identificação civil (RG) 51 (87,9) 113 (65,3) 460 (65,3) 1.165 (56,3) < 0,001a 0,026 a 48 (64,0) 48 (48,0) 173 (1,01± 1,5) 583 (37,7) 505 (7,1) 1896 (1,3 ± 2) < 0,001a 0,043a 0,045 d 25 (14,5) 158 (8,7) Possuir apenas um internamento na vida Pacientes com menor tempo entre 1º e último internamento Menos reinternações após a última alta Pacientes com retardo mental a Teste de χ2 com correção de Yates; b Teste de χ2 sem correção; c Teste de Fisher; d 0,017b Teste t Student. No Grupo 1, predominaram os mais jovens (p < 0,018) e os homens (p = 0,029). Indicadores de menor dependência social, como possuir renda própria (p < 0,001), capacidade de desenvolver as atividades da vida diária (AVD) (p = 0,001), de gerir seus pertences, inclusive v.30, n.1, p.50-58 jan./jun. 2006 53 dinheiro (p = 0,001), e possuir documento de identificação civil (RG) (p = 0,026), estavam presentes também, em maior proporção, no Grupo 1. Quanto aos dados de morbidade, foi significante no Grupo 1 o maior percentual dos que tiveram apenas um único internamento (p = 0,001), menor tempo entre o primeiro e último internamento (p = 0,043), menor número de reinternações (p = 0,045), maior co-morbidade com alcoolismo (20,3%) e retardo mental (p = 0,017) (Tabela 3). Tabela 3. Transtornos mentais no grupo dos epilépticos internados nos leitos psiquiátricos públicos do Estado da Bahia-1998 TRANSTORNOS MENTAIS n % Esquizofrenia e T. afins 80 46,3 Alcoolismo 35 20,3 Retardo Mental 25 14,5 T. do Humor 11 6,3 T.Ment.Orgânico 7 4,0 T. Somatiformes 5 2,9 T.M.Org. por Drogas Outras 4 2,3 T. Neurótico 3 1,7 T. Personalidade 3 1,7 T. Comportamento 173 100 Totais DISCUSSÃO Este estudo demonstrou que a prevalência de epilepsia na população de pacientes internados em hospitais psiquiátricos é muito maior que a encontrada na população geral (0,5 a 0,9%)10,11. Em estudos com as mesmas características deste, alguns autores encontraram prevalências de epilepsia semelhantes (10 a 11%)8,9,10,11,12,13,14,15 e maiores (15,2%)2. Essa diferença sugere uma associação de epilepsia e de transtorno mental maior que na população geral. Contrariamente a alguns autores16,17,18,19,20,21,22,23, que concluíram que epilepsia não é fator de risco de transtorno mental, Vuilleumier e Jallon15, em clínicas ambulatoriais especializadas de epilepsia de hospitais universitários de Genebra, Suíça, encontraram uma prevalência de esquizofrenia de 20 a 30% em epilépticos quando a prevalência de epilepsia na população é de 1%1,10,17,18,19 especificando ainda que a freqüência dessa associação foi maior entre os epilépticos farmacoresistentes, que as psicoses foram mais freqüentes nas epilepsias com aura e alterações de consciência e que havia maior associação de esquizofrenia e sintomas psicóticos, principalmente 54 Revista Baiana de Saúde Pública do tipo paranóide, em epilepsias do lobo temporal. Naylor e Rogvi-Hansen24 encontraram diminuição dos sintomas psiquiátricos (principalmente agressividade) em pacientes com epilepsia temporal tratados cirurgicamente. Estudando previdenciários do instituto estatal de seguridade social da Groelândia, Stefansson, Olafsson e Hauser16 encontraram também maior freqüência de transtornos psicóticos no grupo dos epilépticos que no controle. Esses autores sugerem, com esses achados, uma relação de transtornos mentais em epilépticos. Além da esquizofrenia e psicoses outras, também a freqüência de retardo mental em epilépticos (14,5%) encontrada neste estudo foi maior que na população geral (1,1%)24. Autores como Reynolds e Trimble12 e Jones13 encontraram prevalência ainda maior (19-33%) que as encontradas por nós, também em hospitais psiquiátricos. A freqüência de todos os transtornos mentais, quando comparada entre os dois grupos, mostrou que, enquanto alcoolismo e retardo mental foram mais freqüentes no grupo dos epilépticos, esquizofrenia foi maior entre o grupo dos não epilépticos. Será que a sugerida associação entre epilepsia e transtornos mentais poderia ser explicada pela maior freqüência de traumas cranianos nos epilépticos, de doenças parasitárias, como cisticercose nos portadores de transtornos mentais, pelo menor cuidado higiênico ou pela maior promiscuidade entre esses, passível de maior incidência de doenças comprometedoras do SNC, como sífilis, por exemplo? Ou que os mesmos fatores de epilepsia primária não estariam relacionados com transtornos mentais? Os dados encontrados neste estudo a respeito dessa associação, apesar de sugestivos, precisam ser melhor investigados. A comparação de variáveis sociodemográficas entre ambos os grupos do estudo indicou algumas particularidades, cuja análise sugere que os pacientes do Grupo 1 têm menor dependência social, maior autonomia, inclusive econômico-financeira, além de serem significantemente mais jovens. Esta análise é reforçada pelos indicadores: possuir renda própria, desenvolver as atividades da vida diária (AVD), ser capaz de gerir seus pertences, inclusive dinheiro, e possuir documentos de identificação civil. Com respeito às variáveis de morbidade, além do já referido sobre a maior freqüência de epilepsia com transtornos mentais, os epilépticos se diferenciaram do grupo dos não epilépticos por apresentarem conseqüências menores da enfermidade mental decorrentes da internação psiquiátrica. Isso pôde ser revelado pela significância encontrada no grupo dos epilépticos, por indicadores de apenas um internamento na vida e de menor período de tempo entre o primeiro e o último internamento. Apesar dessas particularidades do Grupo 1, a análise de algumas variáveis como estado civil, número total de internamentos na vida, escolaridade, tempo de doença e relativa dependência social, quando relacionadas com a população geral, apontou semelhanças entre os v.30, n.1, p.50-58 jan./jun. 2006 55 dois grupos, sugerindo que a internação de epilépticos em hospitais psiquiátricos pode determinar, mesmo que em menor intensidade, efeitos iatrogênicos semelhantes aos apontados para os demais pacientes mentais internados. Alguns autores3,4,5,6,7,8,14 têm chamado a atenção para esse fenômeno. Trevisol-Bittencourt, Becker, Pazzi e Sander2, descrevendo a prevalência de epilépticos em hospitais psiquiátricos no Sul do Brasil, não encontraram justificativas para que esses pacientes tivessem internamentos tão prolongados. A OPS1, em relatório recente, assinalou que, na maioria dos países, a alta taxa de epilépticos internados em hospitais psiquiátricos é devida ao caráter estigmatizante e preconceituoso para com a epilepsia, levando, inclusive, à incapacitação grave. O citado relatório informa ainda que a baixa disponibilidade de serviços especializados de neurologia faz com que esses pacientes sejam atendidos em serviços de psiquiatria com significativa demanda. Essa tradição de caráter preconceituoso, estigmatizante e segregacionista da sociedade para com algumas enfermidades crônicas como tuberculose, hanseníase e doença mental, tem dificultado a implementação de cuidados adequados à clientela de epilépticos, além da internação em hospitais psiquiátricos. Finalmente, apesar dos dados encontrados e alguns autores sugerirem uma relação entre epilepsia e transtorno mental, este estudo não objetivou tal especificidade. Não obstante, aponta para a necessidade de maior aprofundamento sobre a relação epilepsia e transtorno mental, através de trabalhos científicos posteriores. De qualquer modo, pareceu claro, pelas particularidades encontradas e relatadas, que cuidados adequados e especializados devem ser oferecidos aos portadores de epilepsia como substitutivos da internação em hospitais e de atendimentos outros em serviços de psiquiatria. REFERÊNCIAS 1. OPS Organização Panamericana da Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo 2001 Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Brasil; 2001. 2. Trevisol-Bittencourt PC, Becker N, Pazzi CM, Sander JW. Epilepsy at a psychiatric hospital. Arqquivos de Neuropsiquiatria 1990;48(3):261-9. 3. CANADA. Provincial mental health board, inpatient assessement project. Canadá: Final Report, Edmonton-Alberta; 1996. 4. Vasconcelos EM. Do hospício à comunidade. Belo Horizonte: A. Comunitária; 1992. 5. Alves DSN. A reestruturação das ações de saúde mental no Brasil. [Apresentado ao 5º. Congresso da Associação Mundial de Reabilitação; 1996 abr 23; Roterdam (Hol)] 56 Revista Baiana de Saúde Pública 6. Goldberg JA. Clínica da psicose - um projeto na rede pública. Rio de Janeiro: Te Cora; 1994. 7. Uzcátegu RG, Levav I, editores. Reestruturação da assistência psiquiátrica: bases conceituais e caminhos para sua implementação Washington, DC: OPS; 1991. 8. Scherchtman A, Alves DSN, Silva RC. Política de saúde mental no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; 1996. Cadernos IPUB, 3, I.P. 9. Tenório F. Conhecer para cuidar: o primeiro censo da população de internos nos hospitais psiquiátricos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ; 1996. Cadernos IPUB, 3, I.P. 10. Bondestam S, Garssen J, Abdulwakil AI. Prevalence and treatment of mental disorders and epilepsy in Zanzibar. Acta Psyciatr Scand 1990;81(4):327-31. 11. Valença MM, Valença LPAA. Etiologia das crises epilépticas na cidade do Recife-Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria 2000;58(1):64-72. 12. Reynolds EH, Trimble MR, editores. Epilepsy and psychiatry. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1981. 13. Jones R. The relation of epilepsy to insanity and its treatment. In: Reynolds EH, Trimble MR, editores. Epilepsy and psychiatry. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1981. 14. Betts TA. Epilepsy and the mental hospital. In: Reynolds EH, Trimble MR, editores. Epilepsy and psychiatry. Edinburgh: C. Livingstone; 1981. p.175-84. 15. Vuilleumier P, Jallon P. Epilepsy and psychiatric disorders: epidemiological data. Rev Neurol 1998;154(4):305-17. 16. Stefansson SB, Olafsson E, Hauser WA. Psychiatric morbidity in epilepsy: a case controlled study of adults receiving disability benefits. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1998;64(2):238-41. 17. Goldberg DP, Lecrubier Y. Form and frequency of mental disorders across centre. In: Mental illness in general health care: an international study. Chichester: John Wiley & Sons para a Organização Mundial da Saúde; 1995. p.323-34. v.30, n.1, p.50-58 jan./jun. 2006 57 18. Almeida Filho N, Mari J de J, Coutinho E, França JF, Fernandes J, Andreoli SB, et al. Brazilian multicentric study of psychiatric morbudity. Methodological features and prevalence estimates. Britsh Journal of Psychiatry 1997;524-9. 19. Regier GM, Boyd JH, Burke JD, Rae DKM, Robins LN, George LK, et al. One-moth prevalence of mental disorders in the United States. Based on five Epidemiological Catchment Area sites. Archives of General Psychiatry 1988;45:977-86. 20. Silva JPL, Coutinho ESF, Amarante PD. Perfil demográfico e sócioeconômico da população de internos dos hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública 1999;15(3):505-11. 21. Keusen AL, Lima CA. Perfil da clientela de um asilo: Colônia Juliano Moreira. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 1994;43:281-3. 22. Rabelo AR, Melo CE, Melo A. Características sociodemográficas da população psiquiátrica internada nos hospitais do Sistema Único de Saúde do Estado da Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública 2005 jan./ jun.;29(1):43-56. 23. Fiordele E, Beghi E, Boglium G, Crespi V. Epilepsy and psychiatric disturbance. A cross-sectional study. Britsh Journal of Psychiatry 1993;163:446-50. 24. Naylor AS, Rogvi-Hansen B. Temporal lobe epilepsy psychiatric aspects and surgical treatment. Ugeskr Lager 1992;154(35):2351-7. 25. Brasil. Ministério da Saúde. Princípios de epidemiologia para profissionais de saúde mental. Brasília, 1989. Estudos e projetos 6. Recebido em 15.05.2005 e aprovado em 22.05.2006. AGRADECIMENTO Aos Drs. Teresa N. Modesto (SES-BA) pela supervisão da coleta de dados e Irênio A. Gomes (DINEP/DNPQ/FAMED/UFBA) pela elaboração do banco de dados. 58 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública PREVALÊNCIA DE DOR MUSCULOESQUELÉTICA EM CIRURGIÕES-DENTISTA S Claudia Cerqueira Graçaa Tânia Maria de Araújob Cruiff Emerson Pinto Silvac Resumo A odontologia tem sido considerada uma profissão estressante, sendo freqüentemente associada a agravos à saúde. Realizou-se estudo de corte transversal com o objetivo de estimar a prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiões-dentistas em 21 municípios da Bahia e identificar possíveis fatores de risco à ocorrência destas desordens. Participaram do estudo 130 profissionais, correspondentes a 80,2% da população total de cirurgiões-dentistas atuantes nos municípios estudados. Os profissionais foram visitados em seus consultórios e um formulário foi aplicado. Os resultados mostram prevalência de dor para parte superior das costas, pescoço, parte inferior das costas, ombro e mão/punho, considerando-se o lado direito; e prevalência de dor na parte superior das costas, pescoço e parte inferior das costas do lado esquerdo. Os resultados mostram a relevância do problema e podem contribuir para o debate desses distúrbios entre dentistas. Palavras-chave: Cirurgião-dentista. Distúrbios musculoesqueléticos. Saúde Ocupacional. a b c Mestra em Saúde Coletiva. Professora Assistente de Odontologia Social da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Km 03 BR 116 Campus Universitário. Módulo VI. Departamento de Saúde. Feira de Santana- BA CEP: 44000-000. (75) 3224-8088. E-mail: [email protected] Doutora em Saúde Pública. Professora Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana. Coordenadora do Núcleo de Epidemiologia da UEFS. E-mail: [email protected] Professor Substituto de Estatística da Universidade Estadual de Feira de Santana. Km 03 BR 116 Campus Universitário. Módulo V. Departamento de Exatas. Feira de Santana- BA CEP: 44000-000. (75)3 224-8086. E-mail: [email protected] Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Feira de Santana, Km 03 BR 116 Campus Universitário. MóduloVI. Departamento de Saúde. Feira de Santana - BA CEP: 44000-000. Tel: (75) 3224-8088. v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 59 PREVALENCE OF MUSCULOSKELETAL PAIN AMONG DENTISTS Abstract Dentistry has been considered a stressful profession, and it is frequently associated with health damages. This is a cross-sectional study about the prevalence of musculoskeletal pain among dentists that worked in 21 Bahias counties, identifying risk factors that contribute to it. One hundred thirty dentists took part in this study, and these were equivalent to 80.2% of all dentists in these counties. They were visited at their offices and were interviewed using a standardized questionnaire. Results show a pain prevalence to upper back, neck, lower back, shoulder and hand/wrist on the right side; and to upper back, neck and lower back-left side. Results show the relevance of this problem and can contribute to the work-related musculoskeletal disorders discussion among dentists. Key words: Dentists. Musculoskeletal disorders. Occupational health. INTRODUÇÃO Ao se considerar o trabalho como um eixo em torno do qual se organiza a vida dos homens, como um processo histórico, definidor de suas relações com o meio natural e entre si, reconhece-se seu papel na determinação do processo saúde-doença da população, em geral, e dos trabalhadores, de forma particular. Os trabalhadores compartilham este viver/adoecer/morrer com o conjunto da população, acrescidos dos riscos específicos, gerados em processos de trabalho particulares, decorrentes da organização do trabalho, dos movimentos repetitivos, da monotonia e da tensão, entre outros fatores nocivos à saúde. A afirmação de que o trabalho provoca desgaste físico e psíquico no trabalhador, em função das exigências impostas pelas ocupações profissionais, é, atualmente, amplamente reconhecida. Tais exigências físicas e psicológicas são ditas cargas de trabalho, que se apresentam sob a forma de agentes biológicos, químicos, físicos, psíquicos e mecânicos1. Ao se avaliar a prática odontológica, de acordo com as cargas de trabalho, pode-se dizer que esta é considerada uma das mais estressantes, quando comparada a outras profissões da área de saúde, principalmente em virtude dos diversos riscos advindos de agentes biológicos, químicos, físicos, psíquicos e mecânicos, a que o dentista está sujeito diariamente, que podem acarretar ou contribuir para o adoecimento desse profissional. Dentre todas as cargas de trabalho, as de ordem mecânica constituem-se em uma das fontes de maior risco à saúde do cirurgião-dentista (CD) e de sua equipe de trabalho, pois englobam desde o esforço físico e visual, deslocamentos e movimentos exigidos pela tarefa, até a posição corporal adotada para a realização do trabalho. 60 Revista Baiana de Saúde Pública Os distúrbios musculoesqueléticos, embora multifatoriais em natureza, estão cada vez mais presentes entre as principais queixas do profissional de saúde bucal, tornando-se um problema de grande relevância para aqueles que realizam esta atividade, em função do desgaste físico no exercício da profissão2. Distúrbios musculoesqueléticos é o nome genérico dado a um conjunto de afecções heterogêneas que acometem músculos, tendões, sinóvias, articulações, vasos e nervos e podem aparecer em trabalhadores submetidos a certas condições de trabalho. Esses distúrbios podem ocorrer em qualquer local do aparelho locomotor, embora as regiões cervical, lombar e os membros superiores sejam os mais freqüentemente envolvidos3. Em termos de saúde ocupacional, os distúrbios musculoesqueléticos trouxeram vários desafios, pois, na prática, seu reconhecimento representa a incorporação de uma concepção multifatorial da doença do trabalho, na qual estão associados, além das condições ambientais, o posto e a organização do trabalho4. Fatores ligados à organização do trabalho (ritmo acelerado, exigência de tempo, falta de autonomia, fragmentação das tarefas, cobrança de produtividade, entre outros), fatores biomecânicos (mobiliário inadequado, força e repetitividade), exacerbação da competição no mercado de trabalho, fatores relacionados ao crescimento da informação sobre a doença e melhor aperfeiçoamento dos técnicos ligados à área de saúde do trabalhador estão entre aqueles responsáveis pelo crescimento de casos de distúrbios musculoesqueléticos no nosso país5. Na odontologia, os determinantes dos distúrbios musculoesqueléticos podem estar relacionados ao local, às técnicas, à organização do trabalho e até ao desenho da ferramenta e ao objeto de trabalho do cirurgião-dentista, representado pelo paciente. Estes fatores contribuem para o desenvolvimento gradual dos distúrbios por estresse repetitivo, incluindo o número de repetições, a postura, a vibração, o estresse mecânico e a aplicação de força. Observando o trabalho do cirurgião-dentista, podemos citar a boca, o tipo de procedimento, o mobiliário, os instrumentais e a pressão do trabalho como alguns fatores externos que influenciam diretamente na postura de trabalho que assume o profissional, a fim de realizar determinadas tarefas. Apesar das recomendações ergonômicas, esse profissional, muitas vezes, acaba por adotar uma posição defeituosa ou viciosa, que poderá acarretar prejuízo para sua saúde futura. Assim, problemas como degeneração dos discos intervertebrais da região cervical da coluna6, bursite7, inflamação das bainhas tendinosas e artrite das mãos8 passaram a ser relacionados como patologias comumente encontradas entre os cirurgiões-dentistas. Os distúrbios musculoesqueléticos são relevantes entre muitos trabalhadores em saúde bucal. Várias partes do corpo são afetadas como punho, mãos, extremidades inferiores, v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 61 coluna lombar, pescoço, coluna cervical, ombro e braços9. Considerando-se isoladamente essas regiões, as prevalências variam de 36% a 57% na região lombar10,11; 42% no ombro10 e 44% na região cervical12,13. Diversos autores encontraram maior freqüência de sintomas musculoesqueléticos entre os cirurgiões-dentistas quando comparados à população em geral14,15 ou a outros profissionais de saúde11,16. As dores nas costas atormentam grande número de cirurgiões-dentistas em todo o mundo. Alguns estudos apontam que a região lombar é uma das mais atingidas. Isto se deve ao fato de os discos do segmento lombar serem muito solicitados em sua função, em razão do centro de gravidade do corpo humano concentrar-se nessa região2. Medeiros7, estudando afecções dos membros superiores, destacou a periartrite escapuloumeral ou bursite, a hipertrofia muscular observada no membro mais utilizado e a contratura muscular fisiológica como agravos comumente encontrados entre os cirurgiões-dentistas. É importante perceber a necessidade de medidas preventivas que atenuem o impacto de tais cargas e, principalmente, compreender o contexto no qual este profissional está inserido, considerando-se o mercado de trabalho por ele enfrentado, determinantes externos que influenciam na organização dos segmentos corporais para atender aos objetivos da produção do trabalho, enfim, todos os fatores que contribuem direta e indiretamente para seu adoecimento. Com o objetivo de estimar a prevalência de dor musculoesquelética em CirurgiõesDentistas nos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde Bahia, e identificar possíveis fatores de risco para a ocorrência de dor musculoesquelética, realizou-se este estudo. MATERIAL E MÉTODOS Este é um estudo epidemiológico, de corte transversal, que visa avaliar as queixas de dor musculoesquelética associadas ao trabalho dos cirurgiões-dentistas que atuam nos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES) - Bahia, caracterizando prevalência de dor e os fatores associados a esse sintoma. A sede da 3ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES) está situada no município de Alagoinhas, no interior da Bahia, e supervisiona, além de Alagoinhas, mais 20 municípios do interior baiano, a saber: Acajutiba, Aramari, Araçás, Aporá, Catu, Cardeal da Silva, Crisópolis, Conde, Entre Rios, Esplanada, Inhambupe, Itanagra, Jandaíra, Mata de São João, Ouriçangas, Pedrão, Pojuca, Rio Real, São Sebastião e Sátiro Dias. Esta é uma investigação da morbidade referida e foi estudada a população em sua totalidade. Portanto, foi realizado um censo dos cirurgiões-dentistas dos municípios que compõem a 3ª Diretoria Regional de Saúde. A população total de estudo somava 162 profissionais. 62 Revista Baiana de Saúde Pública Utilizou-se formulário estruturado. Informações sobre os cirurgiões-dentistas na área estudada foram obtidas na Vigilância Sanitária da 3ª DIRES e nos arquivos do Conselho Regional de Odontologia da Bahia (CRO-Ba). Um pré-teste foi realizado para adequação do formulário elaborado aos objetivos da pesquisa, assegurando-se clareza e objetividade das questões. O instrumento, aplicado por uma única pesquisadora, continha os seguintes blocos: (1) informações sociodemográficas e profissionais; (2) hábitos de vida (fumo, consumo de álcool, prática de atividade física e de lazer); (3) avaliação simplificada do risco de traumas cumulativos dos membros superiores, lombalgia e membros inferiores, utilizando lista de conferência17; (4) avaliação da localização e freqüência da dor18; e (5) aspectos psicossociais do trabalho19. Para avaliação simplificada do risco, utilizou-se uma versão adaptada da lista de conferência proposta por Couto17. Para classificar o nível de risco de trauma cumulativo dos membros superiores, procedeu-se ao somatório de questões sobre aspectos de sobrecarga física, força com as mãos, postura, adequação do posto de trabalho, repetitividade e aspectos sobre as ferramentas de trabalho. Atribuiu-se valor um (1) para as respostas afirmativas às questões que apontavam a situação de risco provável (freqüentemente e muito freqüentemente) e valor zero (0) para as respostas negativas (não e raramente). A partir do somatório obtido, classificou-se o risco em grupos de baixíssimo a altíssimo risco, com base na proporcionalidade de respostas afirmativas previstas na lista de conferência completa de Couto17. Procedimentos similares foram adotados para avaliação do risco de lombalgia (que abordava aspectos relacionados ao posicionamento estático do tronco no momento do trabalho, emprego de força com as mãos, estando o tronco curvado, trabalho com o tronco sem apoio, entre outros) e de riscos para membros inferiores (que avaliaram aspectos relacionados ao posicionamento e apoio de pés e pernas no momento de realização do trabalho). Os aspectos psicossociais do trabalho foram abordados de acordo com questionário de conteúdo do trabalho: o Job Content Questionnaire (JCQ). Utilizou-se versão em português traduzida por Araújo19, disponível no JCQ Center (um centro que reúne informações e pesquisadores que trabalham com o JCQ, sediado na Universidade de Massachussets, Lowell, EUA). O JCQ é um questionário que focaliza a estrutura social e psicológica da situação do trabalho aspectos relevantes do controle sobre o trabalho, das demandas psicológicas e físicas do trabalho, oportunidade de organização do trabalho pelo profissional, interação social entre os profissionais, aspectos sobre a insegurança e estabilidade no emprego. Para o presente estudo foram utilizados os blocos de questões referentes ao controle sobre o trabalho, demanda psicológica e demanda física envolvida na atividade laboral. Seguindo as v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 63 indicações do instrumento, foi realizado o somatório das questões para avaliar cada um desses aspectos. Utilizou-se ponto de corte na mediana dos indicadores de controle sobre o próprio trabalho e demanda psicológica para constituição dos grupos de demanda-controle19: baixa exigência (alto controle, baixa demanda psicológica), trabalho passivo (baixo controle, alta demanda), trabalho ativo (alto controle, alta demanda) e alta exigência (baixo controle, alta demanda). As variáveis do estudo foram: Variável dependente: Dor musculoesquelética auto-referida pelos cirurgiões-dentistas e avaliada por meio de instrumento confeccionado com base em instrumentos padronizados, com localização e valoração da dor. Dor foi, portanto, avaliada com base em uma escala de desconforto18. A escala de desconforto utilizada é uma escala de 0 a 10, em que 0 corresponde à ausência de desconforto e 10 ao máximo desconforto. Avaliaram-se individualmente os lados direito e esquerdo do corpo, e cada localização específica (pescoço, ombro, tórax, parte superior e inferior das costas, cotovelo, mão/punho, quadril/coxa, joelho, perna e tornozelo/pé). A partir dessa escala, classificaram-se os dentistas segundo presença/ausência de dor musculoesquelética. Considerou-se presença de dor, classificando-se a população como portadora de dor musculoesquelética, quando o profissional referiu, na escala de desconforto, valor igual ou superior a cinco. Foi classificado como ausência de dor, considerando-se a população como não portadora de dor musculoesquelética, quando o cirurgião-dentista respondeu, na escala adotada, um valor inferior ou igual a quatro. Presença e ausência de dor foi avaliada nos lados direito e esquerdo do corpo, em cada localização específica descrita acima. Variáveis independentes: tempo de exercício da profissão, jornada de trabalho, idade e sexo do profissional, tipo de inserção (setor público e/ou setor privado), área de atuação, hábitos de vida e aspectos psicossociais do trabalho. A análise de dados foi realizada por meio da medida de ocorrência de dor musculoesquelética, calculando-se a prevalência de dor referida pelos cirurgiões-dentistas, a partir dos dados respondidos na escala de desconforto. Foi utilizado ainda o somatório das questões propostas na lista de conferência para avaliação simplificada do risco de traumas cumulativos dos membros superiores, lombalgia e membros inferiores17. Para classificar o nível de risco, procedeu-se ao somatório das questões incluídas, como especificado acima; em seguida, foi feita a classificação (de baixíssimo a altíssimo risco), com base na proporcionalidade de respostas afirmativas prevista na lista de checagem completa 17. 64 Revista Baiana de Saúde Pública Para descrever possíveis fatores relacionados à dor musculoesquelética referida, testou-se associação, com base em análise bivariada, de dor segundo sua localização, nos lados direito e esquerdo, em separado, com todas as variáveis incluídas no estudo (variáveis independentes), mencionadas anteriormente. Para avaliação de associação entre dor musculoesquelética e as variáveis de interesse neste estudo, foram calculadas as razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos confiança, com limite de confiança de 95%. Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS versão 9.020. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana, tendo sido aprovada. Todos os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram termo de consentimento, de acordo com a Resolução 196/96 sobre Ética em Pesquisa com Seres Humanos21. RESULTADOS 1) Caracterização da População Neste estudo, foram entrevistados 130 cirurgiões-dentistas dos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde, do total de 162 profissionais atuantes na região. Portanto, obteve-se um percentual de resposta de 80,2%. Observou-se predominância do sexo feminino, que representou 66,9% dos entrevistados. A faixa etária de maior freqüência compreendeu indivíduos dos 20-30 anos, num percentual de 45,4%, caracterizando, pois, uma população jovem (Tabela 1). Com relação à renda média mensal, a predominância estava entre 1120 salários mínimos (equivalente, na época, a valores entre R$1.980,00 e R$ 3.600,00), num percentual de 48,5% do total de cirurgiões-dentistas, estando a fonte de renda concentrada no setor privado (72,3%) (Tabela 1). Com relação à inserção profissional, observou-se maior proporção no setor privado próprio, representando 40,8%, seguida da situação em que os profissionais possuíam consultórios próprios, mas também exerciam a função de dentista no setor público, num percentual de 35,4% (Tabela 2). Avaliando-se tempo de exercício da profissão observou-se que a maioria (65,4%) tinha menos de 10 anos na profissão, predominando a atuação em Clínica Geral (64,6%). Quanto à carga horária semanal trabalhada, pode-se observar que entre 31-40 horas concentrou-se o maior número de cirurgiões-dentistas, perfazendo um percentual de 43,8% do total. Chama a atenção o fato de 12,3% dos CD entrevistados possuírem carga horária de trabalho acima de 50 horas (Tabela 2). v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 65 Tabela 1. Distribuição da população estudada por características socioeconômicas dos cirurgiõesdentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001 Características socioeconômicas n % Feminino Masculino 87 43 66,9 33,1 20 30 anos 31 40 anos > 40 anos 59 42 29 45,4 32,3 22,3 Renda média mensal SM* 1- 10 SM 11 20 SM 21 30 SM > 30 SM 55 63 9 3 42,3 48,5 6,9 2,3 Fonte de Renda Setor privado Setor público 94 36 72,3 27,2 Sexo Idade *Salário-mínimo = R$ 180,00 Tabela 2. Distribuição dos dentistas estudados (n=130) segundo características do trabalho profissional dos cirurgiões-dentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001 66 Trabalho profissional n % Tipo de Inserção Setor privado próprio Público/ Privado próprio Setor público Público/ Privado contratado Setor privado contratado 53 46 16 9 6 40,8 35,4 12,3 6,9 4,6 Tempo de exercício profissional 1 10 anos 11 20 anos > 20 anos 85 28 17 65,4 21,5 13,1 Área de atuação Clínica geral Especialização 84 41 64,6 31,5 Carga horária semanal < 30 horas 31 40 horas 41 50 horas > 50 horas 30 57 27 16 23,1 43,8 20,8 12,3 Revista Baiana de Saúde Pública Dos casos estudados, 83,8% não possuíam o hábito de fumar, 74,6% não bebiam, 43,8% consideravam-se um pouco acima do peso ideal, e 52,3% não praticavam atividade física. Quanto ao lazer, 79,2% dos cirurgiões-dentistas afirmaram ter alguma atividade semanal de lazer (Tabela 3). Tabela 3. Caracterização da população estudada (n=130) segundo hábitos de vida dos cirurgiõesdentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001 Hábitos de vida n % 109 14 4 2 1 83,8 10,8 3,1 1,5 0,8 Sim Não 33 97 25,4 74,6 Peso ideal Abaixo do peso ideal Pouco acima peso ideal Muito acima peso ideal 48 14 57 11 36,9 10,8 43,8 8,5 Atividade física Sim Não 62 68 47,7 52,3 Atividade de lazer Sim Não 103 27 79,2 20,8 Hábito de fumar Nunca fumou Ex-fumante Fuma 4 cigarros/dia Fuma 5 a 20 cigarros/dia Fuma> 20 cigarros Hábito de beber Peso Com relação aos aspectos psicossociais do trabalho, 57,5% referiram ter baixo controle sobre seu trabalho; 35,4% referiram alta demanda psicológica e 40,8% relataram que a ocupação exigia demanda física elevada. 2) Avaliação das Condições de Saúde Na avaliação da freqüência de dor musculoesquelética referida, segundo localização, avaliada com base no corte feito para a escala de desconforto utilizada, observou-se que, para o lado direito das áreas de desconforto, 58% dos cirurgiões-dentistas entrevistados apresentavam dor na parte superior das costas, 50%, dor no pescoço, 48%, dor na parte inferior das costas, 43% apresentavam dor no ombro, e 40%, dor na mão/punho (Gráfico 1). v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 67 Com relação à dor para o lado esquerdo das áreas de desconforto, os resultados foram similares àqueles observados para o lado direito, observando-se que 55% dos profissionais apresentavam dor na parte superior das costas, 49% dor no pescoço, 47% dor na parte inferior das costas. As demais áreas do corpo, tanto para o lado direito quanto para o esquerdo, não apresentaram prevalências significativas (Gráfico 1). Gráfico 1. Freqüência de dor musculoesquelética nos cirurgiões-dentistas avaliados segundo sua localização 3) Avaliação de Fatores Associados à Dor Musculoesquelética Na avaliação da escala de risco para os membros superiores, 58,5% dos cirurgiõesdentistas dos municípios da 3ª DIRES, apresentaram classificação de alto risco de tenossinovite e lesões por trauma cumulativo nos membros superiores; 53,8% para classificação de altíssimo risco, na avaliação da escala de risco, para lombalgia. Na avaliação de trauma cumulativo nos membros inferiores predominou classificação de baixíssimo risco. Como mencionado anteriormente, para a avaliação de associação entre dor musculoesquelética e potenciais fatores de risco, avaliaram-se todos os fatores de interesse, mencionados como variáveis independentes. Contudo, apenas algumas associações mais relevantes encontram-se apresentadas na Tabela 4. 68 Revista Baiana de Saúde Pública Como mostra a Tabela 4, dor musculoesquelética no pescoço, lado direito, estava associada com o sexo feminino. Com relação à dor no ombro, lado direito, nenhum fator estudado revelou-se estatisticamente associado à prevalência de dor observada; embora a associação com sexo esteja em uma faixa considerada borderline (IC95%: 0,99; 2,70). A referência de dor na parte superior das costas, lado direito, estava estatisticamente associada com o sexo feminino (RP=1,57) e com a carga horária de trabalho entre 41-50 h (RP=1,62) (Tabela 4). Dor na parte inferior das costas, lado direito, estava associada a níveis estatisticamente significantes, com carga horária de trabalho igual ou superior a 50 horas semanais (RP=1,78) e inexistência de atividades de lazer (RP=1,56) (Tabela 4). Dor na mão/punho, do lado direito, foi mais freqüente entre os cirurgiões-dentistas que referiram altíssimo risco de trauma cumulativo para membro superior; estes apresentaram quase duas vezes mais dor nessa região do que aqueles com baixo risco. A diferença observada foi estatisticamente significante (Tabela 4). Dor na parte superior das costas, lado esquerdo, estava associada com o sexo feminino e inexistência de atividades de lazer (Tabela 4). A não realização de atividades semanais de lazer estava estatisticamente associada à freqüência de dor na parte inferior das costas (Tabela 4). Na Tabela 5 estão apresentadas as razões de prevalência e os intervalos de confiança obtidos na avaliação de associação entre os aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética. Observou-se que dor no ombro, lado direito, estava estatisticamente associada ao trabalho ativo (RP 2,00); dor na parte inferior das costas, lado direito, apresentou associação estatisticamente significante com trabalho ativo (RP 1,67) e alta exigência no trabalho (RP 1,85); e dor na parte inferior das costas, lado esquerdo, apresentou associação positiva para alta exigência no trabalho (RP 1,75). v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 69 Tabela 4. Prevalência de dor, razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança segundo variáveis estudadas, 2001 Variável Dor no pescoço lado direito Sexo Feminino Masculino* Dor no ombro lado direito Sexo Feminino Masculino* Dor na parte superior das costas lado direito Sexo Feminino Masculino* Horas de Trabalho 1-30 horas* 31-40 horas 41-50 horas > 50 horas Dor na parte inferior das costas lado direito Horas de Trabalho 1-30 horas 31-40 horas* 41-50 horas > 50 horas Lazer Sim* Não Dor na mão/punho lado direito Alto/Altíssimo risco trauma cumulativo -membros superiores Baixo/Baixíssimo risco trauma cumulativomembros superiores Dor na parte superior das costas lado esquerdo Sexo Feminino Masculino* Lazer Sim* Não Dor na parte inferior das costas lado esquerdo Lazer Sim* Não * Grupo de Referência 70 n Prev. % RP IC 95% 50 15 57,5 34,9 1,65 1,00 (1,05; 2,58) - 43 13 49,4 30,4 1,63 1,00 (0,99; 2,70) - 57 18 65,5 41,9 1,57 1,00 (1,07; 2,30) - 13 33 19 10 43,3 57,9 70,4 62,5 1,00 1,34 1,62 1,44 (0,84; 2,13) (1,01; 2,62) (0,83; 2,52) 14 24 12 12 46,7 42,1 44,4 75,0 1,11 1,00 1,06 1,78 (0,68; 1,81) (0,63; 1,78) (1,18; 2,70) 44 18 42,7 66,7 1,00 1,56 (1,10; 2,21) 43 46,2 1,99 (1,03; 3,50) 9 24,3 1,00 - 54 17 62,1 39,5 1,57 1,00 (1,05; 2,35) - 52 19 50,5 70,4 1,00 1,39 (1,02; 1,90) 43 18 41,7 66,7 1,00 1,60 (1,12; 2,27) Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 5. Prevalência de dor musculoesquelética, razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança segundo aspectos psicossociais do trabalho estudados Variáveis n % RP IC 95% Dor pescoço lado direito Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 22 22 16 05 45,8 48,9 66,7 38,5 _____ 1,07 1,45 0,84 (0,69; 1,64) (0,96; 2,21) (0,40; 1,78) Dor ombro lado direito Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 16 18 16 06 33,3 40,0 66,7 46,2 _____ 1,20 2,00 1,38 (0,70; 2,05) (1,23; 3,26) (0,68; 2,82) Dor parte superior das costas lado direito Baixa Exigência* Trabalho ativo Alta exigência Trabalho passivo 26 17 10 22 54,2 70,8 76,9 48,9 _____ 1,31 1,42 0,90 (0,91; 1,88) (0,96; 2,11) (0,61; 1,34) Dor parte inferior das costas lado direito Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 18 20 15 09 37,5 44,4 62,5 69,2 _____ 1,19 1,67 1,85 (0,73; 1,93) (1,03; 2,69) (1,10; 3,09) Dor mão/punho lado direito Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 16 17 13 06 33,3 37,8 54,2 46,2 ______ 1,38 1,63 1,38 (0,81; 2,34) (0,94; 2,80) (0,68; 2,82) Dor pescoço lado esquerdo Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 23 22 13 06 47,9 48,9 54,2 46,2 _____ 1,02 1,13 0,96 (0,67; 1,55) (0,71; 1,81) (0,50; 1,86) Dor parte superior das costas lado esquerdo Baixa Exigência* Trabalho ativo Alta exigência Trabalho passivo 27 13 10 21 56,3 54,2 76,9 46,7 _____ 0,96 1,37 0,83 (0,62; 1,50) (0,93; 2,02) (0,56; 1,24) Dor parte inferior das costas lado esquerdo Baixa Exigência* Trabalho passivo Trabalho ativo Alta exigência 19 19 14 09 39,6 42,2 58,3 69,2 _____ 1,07 1,47 1,75 (0,65; 1,74) (0,91; 2,40) (1,06; 2,89) *Grupo de referência v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 71 DISCUSSÃO Neste estudo, investigou-se a dor musculoesquelética auto-referida por cirurgiõesdentistas, obtendo-se um percentual de resposta de 80,2% da população selecionada pelo estudo, conferindo validade interna ao estudo. Segundo Babbie22:253, em inquéritos, uma [...] taxa de resposta de pelo menos 50% é geralmente considerada adequada para análise e relatório. Uma taxa de resposta de pelo menos 60% é considerada boa, e uma taxa acima de 70% ou mais é muito boa. Com relação às limitações metodológicas, é importante levar em consideração os problemas em torno das medidas subjetivas. O relato da localização e da intensidade da dor musculoesquelética foi auto-referido e este pode ser influenciado pela percepção de cada profissional sobre a dor, levando em consideração fatores psicológicos individuais e psicossociais, como insatisfação relacionada ao trabalho e estresse do indivíduo23,24. Contudo, considerando-se que os testes clínico-laboratoriais são imprecisos, principalmente para casos discretos e iniciais, os estudos indicam a dor auto-referida como uma medida importante e válida para inquéritos24,25. Uma outra limitação metodológica que deve ser levada em consideração é o pequeno número final estudado. Apesar de ter sido incluída no estudo a totalidade da população de profissionais na área geográfica selecionada, obtendo-se resposta de 80,2%, a análise foi dificultada pelo pequeno número nos estratos, o que, por sua vez, acabou por determinar intervalos de confiança muito amplos, diminuindo a precisão das estimativas realizadas. A despeito das limitações metodológicas já discutidas, a alta prevalência de dor musculoesquelética encontrada não deixa dúvida sobre a relevância deste problema entre os cirurgiões-dentistas. Esses sintomas têm sido estudados há várias décadas, e ainda não são claros os fatores envolvidos em sua gênese, nem há mecanismos seguros de intervenção e prevenção. As taxas de acometimento na categoria, porém, parecem aumentar progressivamente, mesmo quando comparadas aos trabalhadores de outras áreas3. Avaliando as prevalências encontradas, é possível observar que o pescoço, o ombro, a parte superior e inferior das costas e a mão/punho foram as regiões mais susceptíveis ao aparecimento de dor musculoesquelética. As prevalências observadas em nosso estudo foram muito mais elevadas do que aquelas descritas em outros estudos, embora as regiões de localização da dor tenham sido similares. No estudo de Santos Filho26, observou-se que o membro superior (22,0%), a coluna (21,0%), o pescoço (20,0%) e o ombro (17,0%) foram as regiões mais susceptíveis ao aparecimento de dor musculoesquelética. 72 Revista Baiana de Saúde Pública A análise de associação entre as variáveis incluídas no estudo e dor musculoesquelética revelou que o sexo feminino e a inexistência de atividade de lazer foram as variáveis que se associaram mais fortemente à dor, seguida da carga horária de trabalho de mais de 40h semanais. A relação entre o sexo feminino e a dor musculoesquelética não foi encontrada na literatura, necessitando de maior aprofundamento em estudos futuros. A ausência de lazer como um fator contribuinte para repercussões negativas na saúde das pessoas têm sido observada em outros estudos. A manutenção de uma atividade regular de lazer pode constituir uma possibilidade de relaxamento e de diminuição da tensão acumulada durante a jornada de trabalho, podendo representar um fator de proteção da saúde física e mental das pessoas. Neste sentido, a não realização de atividades dessa natureza pode reduzir as estratégias de enfrentamento de situações estressantes18. Esta população de cirugiões-dentistas apresentou uma alta demanda física (em torno de 60,0%) e psicológica proveniente do trabalho. A literatura tem mostrado que fatores psicossociais ligados ao controle da demanda psicológica e física do trabalho podem estar relacionados às exigências do processo de trabalho do cirurgião dentista. Santos Filho26 afirma que esses fatores são apontados como indicadores de estresse, o que reforça a idéia da odontologia como uma profissão física e mentalmente estressante. Analisando a associação da dor musculoesquelética aos aspectos psicossociais do trabalho estudados é possível observar que as maiores prevalências estiveram associadas à situação de alta exigência (baixo controle/alta demanda) e de trabalho ativo (alto controle/alta demanda). De acordo com Josephson, Lagerström, Hagberg e Hjelm27, profissionais com alta exigência para o trabalho apresentam níveis elevados de exaustão emocional, sofrimento psíquico, depressão, ansiedade e insatisfação no trabalho. Nas situações de alta exigência, o trabalho é realizado sob elevada demanda psicológica, mas não possui o controle das condições para realizá-lo, o que dificulta o cotidiano laboral do indivíduo, podendo produzir o adoecimento. Por outro lado, na situação de trabalho ativo, embora a pessoa possa dispor de alto controle, precisa lidar com elevadas demandas, muitas vezes, além de suas capacidades de responder adequadamente a elas, mesmo dispondo de autonomia. A elevada responsabilidade envolvida na situação de trabalho pode também ser um fator importante nas repercussões negativas sobre a saúde observadas nessas situações. É importante, pois, ressaltar que muitos são os fatores que contribuem para o aparecimento dos distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho, e estes têm tido alta prevalência entre os cirurgiões-dentistas, ratificando a importância de sua investigação. v.30, n.1, p.59-76 jan./jun. 2006 73 CONCLUSÃO Com base no estudo de prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiõesdentistas, nos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde Bahia, é possível concluir que a população estudada apresenta prevalência de dor principalmente nos membros superiores e na coluna vertebral. A inexistência de investigações mais aprofundadas sobre o assunto e de um instrumento específico para a investigação destes distúrbios musculoesqueléticos em cirurgiõesdentistas dificulta um parâmetro de comparação e sugere a necessidade de estudos futuros que aprofundem a abordagem da queixa por região, incorporando exames mais precisos ao diagnóstico de tais distúrbios. O inquérito epidemiológico realizado, apesar das limitações metodológicas apresentadas, permitiu a exploração inicial dos fatores associados às queixas de dor musculoesquelética pesquisada e evidencia a relevância do problema entre os cirurgiões-dentistas. Este estudo poderá contribuir para enriquecer a discussão sobre os distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho entre estes profissionais, questão ainda incipiente no país. Para finalizar, sugere-se que, para prevenir a ocorrência de distúrbios musculoesqueléticos, é necessário que sejam adotadas diversas medidas preventivas pelo cirurgiãodentista, que vão desde a adoção das medidas ergonômicas do trabalho, reorganização do processo de trabalho, até a realização de atividades físicas e de alongamento. Adicionalmente à adequação das condições do trabalho à promoção da saúde, os programas de atividades físicas podem ser ferramentas úteis na prevenção dos distúrbios musculoesqueléticos. O condicionamento físico consiste em desenvolver a capacidade muscular, tornando o músculo capaz de desempenhar sua função de forma ideal. Este condicionamento obtém-se através de exercícios físicos direcionados e específicos, que, associados ao alongamento corporal, tentam prevenir os distúrbios musculoesqueléticos. Cabe ao cirurgião-dentista estar atento e realizar tais atividades para minimizar os efeitos deletérios relacionados a sua profissão. REFERÊNCIAS 1. 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Recebido em 29.04.2005 e aprovado em 04.04.2006. 76 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública ACIDENTES DE TRABALHO COM ÓBITO REGISTRADOS EM JORNAIS NO ESTADO DA BAHIA Norma Suely Souto Souzaa Bartira Gomes Portinhob Márcia Falcão Barreirosc Resumo Este artigo descreve os acidentes ocorridos na Bahia com óbitos relacionados ao trabalho. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório. Foram utilizados como fontes de dados os três principais jornais da Bahia A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia em suas publicações dos anos de 2001 e 2002. Foram noticiados 50 acidentes de trabalho em 2001 e 80 em 2002, que causaram 79 e 98 óbitos, respectivamente. Em 2001, predominaram como causas de óbito os acidentes de trânsito. Já em 2002, destacaram-se os homicídios. No tocante à ocupação das vítimas, destacaram-se, em 2001, trabalhadores rurais e motoristas; em 2002, motoristas e policiais. Na via pública ocorreu a maioria dos óbitos no intervalo de tempo estudado. Os achados deste estudo revelam a importância da utilização da imprensa como fonte complementar de dados para avaliação de acidentes de trabalho com óbito, sobretudo para categorias ocupacionais que não aparecem nas estatísticas oficiais. Palavras-chave: Acidente de trabalho com óbito. Violência no trabalho. Saúde Ocupacional. DEATHS RELATED TO OCCUPATIONAL INJURIES REGISTERED IN NEWSPAPERS IN THE STATE OF THE BAHIA Abstract The goal of this study is to describe the deaths related to occupational injuries in the State of Bahia, in the years 2001 and 2002. This is a descriptive and exploratory study. The three main newspapers of this State were used as sources of data - A Tarde, Correio da Bahia and a b c v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 Médica do Trabalho do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Estagiária de Terapia Ocupacional do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Assistente Social do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: Norma Suely Souto Souza. Rua Augusto Lopes Pontes, Edf. First Tower, 1211, apto. 1803. Jardim Armação, Salvador-Ba. CEP- 41.750-170. E-mail- [email protected] 77 Tribuna da Bahia. Fifty work-related injuries in 2001 and 80 in 2002 were notified, which caused 79 and 98 deaths, respectively. In 2001, the car accidents predominated as death cause (48,2%); in 2002, the homicide (44,9%). In relation to the victims occupation, agricultural workers (30,4%) and drivers (24%) predominated in 2001; in 2002, drivers (28,6%) and policemen (19,4%). The majority of the deaths (77,2% and 75,5%) occurred in the streets. So, this study discloses the importance of the press as complementary source of data for evaluation of deaths related to occupational injuries, over all for occupational categories that do not appear in the official statisticians. Key words: Deaths related to occupational injuries. Violence in the work. Occupational Health. INTRODUÇÃO Este trabalho é continuação de um estudo realizado pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador (CESAT), da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, sobre acidentes de trabalho com óbito, publicados em jornais no período de 1999-20001. Vem sendo desenvolvido como potencializador do sistema de informação e da qualidade de vida da população trabalhadora, por favorecer a quantificação e qualificação dos registros e possibilitar a ampliação do conhecimento da realidade, base para a estruturação das políticas públicas nos diversos âmbitos. A mídia, através das matérias jornalísticas, embora apresente, como observam Njaine Souza, Minayo e Assis2, a característica de espetacularizar as informações, utilizando-as de forma acrítica, ainda representa um recurso alternativo complementar e enriquecedor dos dados sobre a mortalidade por causas externas relacionadas ao trabalho, sobretudo considerando um sistema oficial de informações, cuja qualidade é questionada por muitos autores3,4,5,6,7,8. Como tem sido revelado em estudos dos autores citados acima, a produção das estatísticas oficiais de acidentes de trabalho é elaborada em meio a uma série de complicadores que repercutem na má qualidade das informações, sendo a sub-notificação um fator determinante. Njaine, Souza, Minayo e Assis2 explicam este fato, apontando a precariedade das investigações sobre eventos violentos, o desinteresse e o descaso na geração dessas informações por parte dos profissionais responsáveis, agravados pelas más condições de trabalho e pelo desconhecimento sobre a importância do registro. A falta de conhecimento sobre o que realmente se define como acidente de trabalho, juntamente com valores culturais que consideram certos riscos como inerentes ao trabalho, também interferem na produção dos registros9. Em concordância, Warshaw4 acrescenta também o descaso das empresas, o medo dos trabalhadores em serem culpabilizados e a ausência de procedimentos de denúncia e investigação sobre violência, bem como outras interferências para a caracterização da realidade. Outro ponto relevante quanto à produção de informação sobre acidente de trabalho é que os dados oficiais da Previdência Social não abrangem trabalhadores do setor informal, 78 Revista Baiana de Saúde Pública autônomos, funcionários públicos estatutários, empregados domésticos e proprietários. Considerando que o setor coberto pela Previdência representa menos da metade da população economicamente ativa, seus registros não abarcam os eventos que ocorrem com significativa parcela dos trabalhadores. Estes, a princípio, no que se refere a acidente de trabalho com óbito, seriam notificados por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que deveria ter papel fundamental na produção de informações na área de saúde do trabalhador. Não obstante, em estudo realizado, Souza7 observou significativo sub-registro do SIM na Bahia, que registrou três vezes menos acidente de trabalho com óbito do que a Previdência Social, apesar de sua cobertura ser oficialmente maior do que a desta última. Com base nessas constatações, suspeita-se que muitos eventos identificados nesta investigação não tenham sido oficialmente notificados como acidentes de trabalho, tornando as matérias jornalísticas fonte de dados significativa para a ampliação dos registros sobre acidente de trabalho com óbito. Este estudo, portanto, propõe-se a descrever os acidentes com óbito, relacionados ao trabalho, registrados em três jornais do Estado da Bahia, nos anos de 2001 e 2002, de forma a ampliar o conhecimento nessa área, em que a subnotificação é notória, propiciando subsídios para o desenvolvimento de políticas públicas. Especificamente no tocante ao CESAT, este trabalho contribuirá para a melhoria das informações em saúde do trabalhador e, conseqüentemente, para o planejamento mais adequado das atividades de vigilância. MATERIAL E METÓDOS Para a realização deste estudo, foram utilizados como fontes de dados os três principais jornais da Bahia A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia em suas publicações dos anos de 2001 e 2002. Avaliaram-se as matérias referentes às mortes de trabalhadores em situações de trabalho ou relacionadas a ele, ocorridas no Estado da Bahia. Foi compreendido como acidente de trabalho com óbito o que tivesse ocorrido pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, além de acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do trabalhador10. Ainda com base na legislação da Previdência Social, foi considerado acidente de trabalho aquele sofrido pelo trabalhador no local e no horário do trabalho, em conseqüência de violência intencional ou não intencional, praticada por terceiro ou companheiro de trabalho, ou outros casos decorrentes de força maior; ou ainda o acidente sofrido fora do local e horário de trabalho, na execução de ordem ou na realização de serviço de interesse ou autoridade da empresa. Considerou-se também acidente de trabalho o que ocorreu no percurso da residência para o local de trabalho e vice-versa. v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 79 Todos os acidentes foram considerados como violência, a qual foi classificada em: intencional (homicídios e latrocínios) e não intencional (todos os outros). Quanto aos acidentes registrados em mais de um jornal, as informações foram utilizadas complementarmente de forma a evitar a duplicidade de eventos. No banco de dados, cada acidente divulgado em um ou mais jornais obteve um mesmo número que serviu de referência para todas as vítimas do mesmo acidente. As análises, porém, foram traçadas tendo como matriz o trabalhador. Assim, cada óbito foi registrado em uma ficha de coleta de dados, de modo que um acidente poderia originar mais de uma ficha de dados, quando gerada mais de uma vítima. As variáveis analisadas foram: sexo, idade, tipo de violência, ramo de atividade, ocupação, local de ocorrência, município de ocorrência e objeto causador. Para codificação das variáveis ocupação, ramo de atividade e município de ocorrência utilizou-se um livro de códigos simplificado com códigos respectivos da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O processamento e a análise dos dados foram efetivados no programa Epi Info, versão 611. RESULTADOS Foram noticiados pelos jornais 50 acidentes de trabalho com óbito em 2001 e 80 em 2002, causando 79 e 98 mortes, respectivamente. O sexo masculino representou 96,9% e 95,9% do total de trabalhadores vitimados em cada ano. Os trabalhadores com menos de 40 anos representaram 57% e 65% da população estudada, respectivamente, em 2001 e 2002, com média de idade de 39 (19-74) e 37 anos (1464). Foi relatado apenas um caso de morte de trabalhador menor de idade. Em 2001, as mortes por acidente de trabalho ocorridas em Salvador, noticiadas nos jornais, corresponderam a 25,3% do total no Estado, percentual que quase duplicou (42,9%) no ano seguinte. A violência não intencional (68,4% e 55,1%) prevaleceu em relação à intencional (31,6% e 44,9%) nos respectivos anos de 2001 e 2002. Do total de mortes ocorridas em Salvador, mais de 60% foram devidas à violência intencional, enquanto no restante do Estado esse percentual correspondeu a menos de 30%. Como os óbitos por acidentes relacionados ao transporte constituíram percentuais importantes no total de casos, definiu-se pela desagregação dos óbitos por violência não 80 Revista Baiana de Saúde Pública intencional (relacionada ao transporte e outras), que pode ser observada no Gráfico 1. Vê-se que, em 2001, predominou como causa de óbito a violência não intencional relacionada ao transporte (48,2%). Já em 2002, destacaram-se tanto esta última (43,9%) quanto os acidentes com óbito causados por violência intencional (44,9%). Gráfico 1. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência e ano, Bahia, 2001-2002 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) Entre as causas de óbito por violência não intencional, o acidente de transporte (colisão, capotamento, tombamento e atropelamento) representou 70,4% e 79,6% dos casos em 2001 e 2002. As outras causas relacionadas às atividades realizadas no ambiente de trabalho restrito à empresa apareceram com percentuais pouco significativos (Tabela 1). No tocante à violência intencional, observou-se um aumento no percentual de homicídios no decorrer dos anos (16% para 50%). Os latrocínios apresentaram uma diminuição na ocorrência de 84% para 50%. O objeto causador predominante nestes tipos de violência foi a arma de fogo (76% e 90%), respectivamente em 2001 e 2002. Quanto ao ramo de atividade dos trabalhadores vitimados, predominaram, em 2001, a agricultura (30,4%), o transporte (29,1%) e a construção civil (8,9%); em 2002, o transporte (34,7%), a administração pública (22,4%) e o comércio (12,2%) foram os ramos mais freqüentes. Chama a atenção que 82% dos acidentes com óbitos ocorridos na administração pública referiamse à segurança pública. v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 81 Tabela 1. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito devido à violência não intencional por ano e objeto causador do acidente, Bahia, 2001-2002 Ano 2001 2002 Objeto Causador N % N % Colisão, capotamento, tombamento, atropelamento Soterramento Explosão Choque elétrico Outros Total 38 5 2 9 54 70,4 9,3 3,7 16,6 100,0 43 5 3 3 54 79,6 9,2 5,6 5,6 100,0 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) Na Tabela 2, verifica-se que, relativamente a óbitos por violência não intencional, destacaram-se os seguintes ramos de atividade: agricultura (44,4%) em 2001 e transporte (46,3%) em 2002. Quanto à violência intencional, predominaram o transporte (28,0%) em 2001 e a administração pública (40,9%) em 2002. Tabela 2. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência, ano e ramo de atividade, Bahia, 2001-2002 Tipo de Violência Violência Intencional 2001 Violência Não-Intencional 2002 2001 2002 N % Ramo de atividade N % N % N % Agricultura _ _ _ _ 24 44,4 7 13,0 Transporte 7 28,0 9 20,5 16 29,6 25 46,3 Construção civil 3 12,0 _ _ 4 7,4 2 3,7 Administração Pública 5 20,0 18 40,9 1 1,9 4 7,4 Comércio 5 20,0 8 18,2 _ _ 4 7,4 Educação 1 4,0 3 6,8 1 1,9 _ _ Indústria de Transformação 1 4,0 _ _ 2 3,7 4 7,4 Indústria Extrativa _ _ 1 2,3 1 1,9 3 5,6 Saúde _ _ 1 2,3 _ _ 2 3,7 Outros 3 12,0 2 4,5 5 9,2 3 5,5 Ignorado _ _ 2 4,5 _ _ _ _ 25 100,0 100,0 54 100,0 54 100,0 Total 44 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) 82 Revista Baiana de Saúde Pública Em relação à ocupação das vítimas, predominaram, em 2001, os trabalhadores rurais (30,4%) e os motoristas (24,1%). Em 2002, os motoristas (28,6%) e os policiais (19,4%). Nos dois anos, vigilantes (8,9% e 6,1%) e ajudantes de caminhão (7,6% e 7,1%) apareceram também em destaque (Quadro 1). Ocupação 2001(N=79) 2002 (N=98) Trabalhador rural 24 (30,4 %) Motorista 28 (28,6%) Motorista - 19 (24,1 %) Vigilante 7 (8,9%) Ajudante de caminhão 6 (7,6%) Operador 3 (3,8%) Professor 2 (2,5%) Cobrador 2 (2,5%) Servente de obras 2 (2,5%) Outros 14 (17,7%) Policial 19 (19,4%) Trabalhador rural 7 (7,1%) Ajudante de caminhão 7 (7,1%) Comerciante 7 (7,1%) Vigilante 6 (6,1%) Operador de refinaria petróleo 3 (3,1%) Cobrador 2 (2,0%) Aux. de serviços gerais 2 (2,0%) Operador 2 (2,0 %) Outros 15 (15,3 %) Quadro 1. Acidentados de trabalho com óbito por ano e ocupação, Bahia, 2001-2002 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) A maioria dos motoristas (57,9% e 67,9%, em 2001 e 2002, respectivamente) foi vítima de acidente de transporte. Quanto aos policiais, as causas de óbito foram quase exclusivamente relacionadas à violência intencional (100% em 2001 e 84,2% em 2002). Os trabalhadores rurais foram 100% vítimas de acidentes de transporte nos dois anos (Tabela 3). Tabela 3. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência, ano e algumas ocupações, Bahia, 2001-2002 Tipo de Violência Não intencional Ocupação Policial Motorista 2001 2002 2001 Trabalhador Rural 2002 2001 N % 2002 N % N % N % N % 11 57,9 19 67,9 _ _ 3 15,8 2 10,5 1 3,6 _ _ _ _ _ _ _ _ 6 31,6 8 28,5 1 100,0 16 84,2 _ _ _ _ 100,0 1 100,0 19 100,0 24 100,0 N % 7 100,0 (transporte) Não intencional (outras *) Intencional Total 19 100,0 28 24 100,0 7 100,0 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) * Não relacionada a transporte v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 83 Na via pública, ocorreu a maioria dos óbitos (77,2% e 75,5%) nos anos estudados. Quando analisadas por tipo de violência, verifica-se, na Tabela 4, que as mortes devido à violência intencional aconteceram principalmente na via pública (56% em 2001 e 68,2% em 2002). Também são significativos os percentuais de óbitos por violência intencional dentro das empresas (44%, em 2001 e 29,5% em 2002). No ano de 2002, a violência não intencional, não relacionada a transporte, vitimou trabalhadores, principalmente nas dependências das empresas (72,7%), como seria esperado. Tabela 4. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de acidente, ano e local de ocorrência, Bahia, 2001-2002 Tipo de Violência Local do Acidente Violência Intencional Violência não Intencional - Violência não Intencional - Outras * 2001 2002 Transporte 2001 2002 2001 2002 N % N % N % N % N % N % Via pública 14 56,0 30 68,2 6 46,2 1 9,1 41 100,0 43 100,0 Empresa 11 44,0 13 29,5 6 46,2 8 72,7 _ _ _ _ Outros _ _ 1 2,3 1 7,6 2 18,2 _ _ _ _ Total 25 100,0 44 100,0 13 100,0 11 100,0 41 100,0 43 100,0 Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia) * Não relacionada a transporte DISCUSSÃO A imprensa como fonte de informação de acidentes de trabalho com óbito não pode ser considerada a mais completa. Comparada com os dados da Previdência Social, a quantidade de óbitos analisada neste estudo correspondeu a apenas 61% e 63% do total registrado naquela nos anos de 2001 e 2002 no Estado da Bahia12. Ressalta-se que a Previdência registra acidentes apenas de trabalhadores celetistas, enquanto a imprensa não encerra essa restrição, o que torna, portanto, os percentuais acima ainda superdimensionados. Uma dificuldade encontrada na avaliação das informações publicadas nos jornais foi a ausência, em muitos casos, de dados importantes como, por exemplo, vínculo empregatício e nome da empresa. A impossibilidade de elaboração de taxas também se configura como um limite deste estudo, uma vez que não se tem como definir um denominador adequado, considerando que os trabalhadores vitimados podem não necessariamente residir e/ou trabalhar no Estado da Bahia, a exemplo dos trabalhadores em trânsito. 84 Revista Baiana de Saúde Pública Por outro lado, a imprensa se revela uma estimável fonte alternativa para avaliação de acidentes de trabalho com óbito, considerando a cobertura desses eventos para categorias ocupacionais que não aparecem nas estatísticas oficiais. Este estudo desvelou, por exemplo, os óbitos de trabalhadores rurais que, devido à ampla informalidade dos vínculos trabalhistas, são subregistrados pela Previdência Social. Quanto aos policiais, cujas mortes foram sobejamente mostradas neste trabalho, notadamente no ano de 2002, os óbitos por acidente de trabalho não aparecem nos registros da Previdência, devido a seu tipo de vínculo empregatício. Até 2003, esses eventos, quando homicídios, não eram considerados pelo Ministério da Saúde como acidentes de trabalho, para efeito de registro no SIM8. Na Itália, Baldasseroni, Chellini, Zoppi e Giovennatti13, em um estudo de acidentes de trabalho com óbito, baseado em várias fontes de dados, ressaltaram a importância da imprensa como fonte de informação adicional. Comparado ao estudo realizado pelo CESAT, nos anos de 1999 e 20001, este trabalho evidenciou algumas mudanças: aumentou o percentual de trabalhadores vitimados do sexo masculino (no período de 1999-2000 foi de 88%, enquanto nos dois anos avaliados foi maior que 95%) e também aquele de óbitos por acidente de transporte, dentre as violências não intencionais (aumento de 15 e 20%, respectivamente em 2001 e 2002). Um outro achado foi a diminuição na ocorrência de acidentes com óbito em trabalhadores menores: de três óbitos no primeiro estudo para um neste último. Mudanças mais significativas, no que se refere à faixa etária, ocupação e ramo de atividade dos vitimados, não foram observadas. Não se encontrou na literatura nacional (base Scielo) nenhum estudo que utilizasse a imprensa como fonte de dados para avaliação de acidentes de trabalho com óbito. Estudos sobre esses eventos, mas empregando outras fontes de dados, vêm averiguando, cada um em sua abrangência, variáveis como sexo, faixa etária, ocupação, tipo de violência e local do acidente e apresentam achados concordantes com os desta investigação. Assim, a população masculina, como foi constatado aqui, tem sido a mais atingida. Estudos mostraram percentuais similares de trabalhadores do sexo masculino vitimados por acidentes de trabalho3,7,8,15,16. Os pequenos percentuais observados para as mulheres devem-se, possivelmente, aos tipos de ocupações exercidas por elas, que apresentam menores riscos de acidente de trabalho fatal. A maioria dos óbitos ocorreu com o trabalhador adulto jovem (até 40 anos), portanto, em plena idade produtiva, dado este concordante com outros estudos3,7,8,14,15,16. Como referido acima, foi constatada uma morte em menor de idade de quatorze anos: um trabalhador rural vitimado por acidente de transporte. Não obstante ser considerado ilegal no país esse tipo de trabalho, o percentual de incidência 10,8% ainda é significativo na Bahia17, notadamente na área rural. v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 85 Estudos têm mostrado, quanto aos ramos econômicos e ocupações dos trabalhadores vitimados, perfil semelhante aos observados nesta investigação. Avaliando o banco de dados do SIM para o Estado da Bahia no ano de 1998, Souza7 encontrou como ocupações principais: condutor de veículo (26,7%) e trabalhadores agropecuários (8,9%). Esse sistema de informação, no entanto, não assinalou óbitos por acidentes de trabalho de policiais. Oliveira e Mendes15, em estudo realizado em Porto Alegre, verificaram que as pessoas que morreram durante as atividades relacionadas ao trabalho estavam ligadas, predominantemente, à construção civil, ao transporte e ao serviço de segurança. No Estado de São Paulo, entre 1997 e 1999, o grupo de ocupações vinculadas às atividades de serviço e comércio, seguido pelo do transporte e indústria, ocupou a primeira posição, considerando-se o total de mortos por acidente de trabalho8. O Censo Nacional de Acidentes Ocupacionais Fatais, realizado pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, em 2002, evidenciou que os ramos econômicos que vitimaram mais trabalhadores foram a construção civil, o transporte e a agricultura16. Importante ressaltar que esse último estudo utilizou taxa. Chama a atenção que todos os trabalhadores rurais registrados neste estudo foram vítimas de acidente de trânsito. Esse achado confirma a precariedade e a não fiscalização do tipo de transporte utilizado por esses trabalhadores, geralmente conduzidos em carrocerias de caminhões e camionetas. Quanto aos policiais, em quase sua totalidade, os óbitos foram devido a agressões, o que evidencia a [...] violência do Estado que expõe seus servidores a agressões ocupacionais típicas. como referem Oliveira e Mendes15: 81. Concordante com este trabalho, estudos vêm mostrando a tendência de diminuição das mortes por acidentes de trabalho, considerados mais tradicionais, e de aumento daquelas associadas com a violência urbana, sobretudo relacionadas ao trânsito e aos homicídios8,15. Os óbitos relacionados ao trânsito reportam não somente à realidade dos acidentes de trabalho, mas também refletem a casuística das mortes por causas externas em geral, já que os acidentes de trânsito foram a maior causa de mortes violentas em 2000, em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde18, com 1,2 milhão de vítimas fatais. Quanto ao trânsito brasileiro, houve, no período entre 1977 e 1994, tendência crescente de mortalidade de quase 50%19. O mesmo pode-se inferir quanto aos homicídios que, na década de 1990, chegaram a ocupar, no Brasil, a primeira posição entre as causas externas de morte, com uma elevação de 160% no período de 1977 a 199420. Dessa forma, Waldvogel8:53 chama atenção para o [...] aumento de riscos potenciais de acidente de trabalho, com o acréscimo dos riscos mais gerais associados ao total da população, independentemente de sua condição de trabalho. Esse risco de violência urbana aumentado para 86 Revista Baiana de Saúde Pública os trabalhadores, no entanto, nem sempre independe da condição de trabalho. Documento da NIOSH, citado por Warshaw4, menciona que os homicídios relacionados ao trabalho, ao menos nos Estados Unidos, apresentam características próprias: enquanto, na maioria dos casos de homicídios ocorridos na sociedade, o homicida e sua vítima se conhecem entre si, e somente 13% deles estariam ligados a outros delitos, essas proporções se invertem no lugar de trabalho, no qual mais de 75% dos homicídios foram cometidos por pessoas normalmente desconhecidas para as vítimas, no transcurso de um roubo ou outro delito. Além disso, homicídios relacionados ao trabalho estariam condicionados a fatores de risco próprios de algumas atividades: trabalho solitário ou em grupos reduzidos, intercâmbio de dinheiro com o público, trabalho realizado nas últimas horas da noite ou nas primeiras da manhã, trabalho em zonas de alta criminalidade, custódia de bens de valor e trabalho nas ruas. Os achados referidos acima sinalizam que somente as formas tradicionais de enfrentamento das mortes no trabalho, focadas principalmente na prevenção de riscos dentro das empresas, não poderão dar conta da magnitude desse problema. As ações na área da saúde do trabalhador deverão contemplar também os acidentes relacionados ao trânsito e à violência intencional, além de alinhar-se às políticas de transporte urbano, segurança pública e também com aquelas que promovam a diminuição da desigualdade social, de forma a enfrentar a violência urbana, responsável, pelo que se pode notar neste estudo e em vários outros , por uma 3,7,8,14,15 parcela significativa das mortes de trabalhadores. O CESAT, portanto, deverá levar em consideração esses achados no planejamento de suas atividades de vigilância, divulgando essas informações para as categorias de trabalhadores que vêm sendo vitimadas, além de desenvolver um trabalho conjunto com a Secretaria de Segurança Pública, Fórum de Violência, entre outras entidades que lidam com a violência urbana. Ademais, as informações produzidas devem ser encaminhadas à Diretoria de Informação e Comunicação em Saúde (DICS) da SESAB, para subsidiar a correção dos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), relativamente ao campo acidente de trabalho da Declaração de Óbito. É importante ressaltar que a utilização exclusiva de uma fonte de dados não é suficiente para o conhecimento sobre a mortalidade por acidentes de trabalho. Alguns trabalhos8,13 vêm analisando diversas fontes com obtenção de resultados mais completos e fidedignos. Por conseguinte, para a complementação desta investigação, apresenta-se como atividade futura a elaboração de estudos que avaliem declarações de óbitos e comunicações de acidentes de trabalho com óbito, no sentido de aperfeiçoar a vigilância sobre as reais condições que vêm acarretando esse dramático problema, que é a morte em situação de trabalho. v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 87 REFERÊNCIAS 1. Barreiros MF, Souza NSS, Conceição P, Nobre L, Rego M. Mortalidade por causas externas relacionadas ao trabalho: investigação de matérias jornalísticas da Bahia. Saúde do Trabalhador na Bahia: Construindo a Informação. Cadernos de Saúde do Trabalhador 2003;1:44-7. 2. Njaine K, Souza E, Minayo MCS, Assis SG. A produção da (des)informação sobre violência: análise de uma prática discriminatória. Cadernos de Saúde Pública 1997;13(3):405-14. 3. Lucca SR, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes de trabalho fatais em área metropolitana da região do Brasil, 1979-1989. 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Mello Jorge MHP, Gawryszewski VP, Latorre MRDO. Análise dos dados de mortalidade. Revista de Saúde Pública 1997;31 Supl. 4:5-25. Recebido em 16.05.2005 e aprovado em 16.02.2006. v.30, n.1, p.77-89 jan./jun. 2006 89 ARTIGO ORIGINAL CONHECIMENTO DA AGENDA ESTADUAL DE S AÚDE PELOS DIRETORES E COORDENADORES DE SER VIÇO DOS DISTRITOS S ANITÁRIOS DE BROTA S E SUBÚRBIO FERROVIÁRIO Maria Romana Amorim da Costaa Maridete Simões de Castro Cunhab Nívia Martins Menezesc Silvana Márcia Pinheiro Santos Coelhod Maria Helena Riose Resumo Este estudo apresenta uma avaliação acerca do conhecimento dos Diretores e Coordenadores de Serviço das Unidades de Saúde dos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário do Município de Salvador sobre a Agenda Estadual de Saúde de 2004. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, nos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário, Salvador, em 2005. Os indicadores escolhidos foram a Redução da Mortalidade Infantil e a Redução da Mortalidade Materna. A análise dos dados demonstrou que os Diretores e Coordenadores de Serviço das unidades de saúde desconhecem a Agenda. O maior percentual de conhecimento foi apresentado pela unidade Azul, devido a sua especificidade. Apesar do desconhecimento do instrumento de gestão entre os entrevistados, algumas ações estratégicas estão sendo executadas por coincidirem com a demanda da própria unidade e orientações da Diretoria. Palavras-chave: Agenda de saúde. Distrito Sanitário. Planejamento. a b c d e Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: Rua Sócrates Guanaes Gomes, nº 140 apart. 302, Cidade Jardim - Salvador-BahiaBrasil CEP 40.296.720. Endereço eletrônico: [email protected] 90 Revista Baiana de Saúde Pública THE LEVEL OF KNOWLEDGE OF THE STATES HEALTH AGENDA BY DIRECTORS AND COORDINATORS OF THE DISTRICTS OF BROTAS AND SUBÚRBIO FERROVIÁRIO Abstract This article presents an analysis of the knowledge of directors and coordinators of the SUS in the districts of Brotas and Subúrbio Ferroviário about the 2004 States Health Agenda. The methodology utilized was a qualitative research and the indicators chosen for the study were the index of childhood mortality and maternal mortality. The results showed a significant lack of knowledge of the Healths State Agenda by the directors and coordinators of the SUS. Despite of the lack of knowledge of the tools for the health management among those interviewed, some of the strategies had been implemented because they coincide with the need of that particular unit, and/or the decision of its director. Keywords: Health agenda. Districts. Planning. INTRODUÇÃO Em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), descrito nos artigos nº 196 e 198 da Constituição Federal, tornou iminente a necessidade de elaboração de leis e normas para regulamentar e orientar sua ação. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Saúde, José Serra, no uso de suas atribuições legais e considerando a necessidade de reformulação e aprimoramento dos instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde aprova a Agenda Nacional de Saúde para o ano de 2001, através da Portaria nº 393, publicada no Diário Oficial, de 29 de março de 2001. Ela define os eixos a serem considerados como referenciais prioritários no processo de planejamento em saúde¹. A definição desses eixos efetuou-se após uma intensa articulação entre os representantes das diversas esferas de gestão Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e foi concluída com a aprovação do Conselho Nacional de Saúde, em sua 19ª Reunião Extraordinária, realizada em dezembro de 2000, em Brasília. São seis os eixos prioritários de intervenção para o ano de 2001: redução da mortalidade infantil e materna; controle de doenças e agravos prioritários; reorientação do modelo assistencial e descentralização; melhoria da gestão, do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde; desenvolvimento de recursos humanos do setor saúde; qualificação do controle social¹. A Agenda Nacional de Saúde deverá ser elaborada e devidamente homologada pelo Conselho Nacional de Saúde até o mês de março de cada ano, e será a base para elaboração (quadrienal) e revisão (anual) do Plano Nacional de Saúde do ano subseqüente e das Agendas de Saúde Estaduais e Municipais². v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 91 Visando auxiliar os gestores municipais e estaduais no processo de elaboração, tramitação e acompanhamento dos instrumentos de gestão previstos na legislação do SUS e considerando a necessidade de padronização das informações para comparabilidade e compatibilidade nos três níveis de direção, o Ministro interino da Saúde, Barjas Negri, aprovou o documento Orientações Gerais para a Elaboração e Aplicação da Agenda de Saúde, do Plano de Saúde, dos Quadros de Metas, e do Relatório de Gestão como instrumentos de Gestão do SUS, através da Portaria nº 548, de 12 de abril de 2001. Tais instrumentos são complementares e articulados entre si e visam dar maior eficiência e eficácia ao processo de planejamento em saúde nas três esferas gestoras. A Agenda de Saúde é a primeira etapa do processo de planejamento da Gestão em Saúde, a qual estabelece, justifica e detalha as prioridades e estratégias da Política de Saúde em cada esfera de Governo e para cada exercício.2:3 Ao serem consolidadas e adaptadas em cada esfera de Governo, as Agendas de Saúde comporão um processo de responsabilização progressiva, tendo por base as referências políticas, epidemiológicas e institucionais de cada esfera, sempre com a homologação do Conselho de Saúde correspondente, passando, sucessivamente, pelas instâncias Federal, Estadual e Municipal. A periodicidade de elaboração desta agenda é anual e sua construção utiliza referências técnicas, epidemiológicas e políticas (Planos de Governo, Pleitos, Deliberações dos Conselhos etc.)¹. A formulação e o encaminhamento da Agenda Estadual de Saúde são de competência do Gestor Estadual, cabendo ao Conselho Estadual de Saúde apreciá-la e propor as alterações que julgar pertinentes, de acordo com o perfil epidemiológico da população, reencaminhando-a ao Gestor Estadual. Deve ser dada ampla divulgação da Agenda, de modo a alcançar todos os Municípios do Estado¹. O atual momento de consolidação do Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS) apresenta uma série de oportunidades para concretização de um salto qualitativo na atenção à saúde oferecida à população. Mas é necessário que o componente operacional do Sistema tenha conhecimento das decisões tomadas pelo componente político. Todo Sistema de Serviços de Saúde pode ser concebido como formado por três componentes: o político, o técnico administrativo de nexo normativo e o nível técnico operacional. O nível político toma decisões de ordem política, o nível técnico administrativo, transformaria as decisões em planos, programas, normas e orientações. Já o nível técnico-operacional, realizaria as ações, tendo em conta os planos, programas, normas [...]4:3 A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) definiu como estratégia para divulgação da Agenda de Saúde a realização de seminários internos com técnicos que participaram 92 Revista Baiana de Saúde Pública da elaboração da Agenda e dirigentes da SESAB e externos, com participação de técnicos, gestores, conselhos municipais, representantes do Conselho Estadual de Saúde, do CONASS, CONASEMS e Ministério da Saúde, dentre outros atores sociais. Com base no exposto, investigou-se a eficácia da divulgação da Agenda Estadual de Saúde, pela SESAB, em promover tal conhecimento para os Diretores e Coordenadores de Serviços de Saúde. Este estudo avaliou o conhecimento dos Diretores e Coordenadores de Serviço das Unidades de Saúde dos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário do Município de Salvador sobre a Agenda Estadual de Saúde de 2004, no que se refere aos indicadores de redução da mortalidade materna e infantil. Os resultados obtidos com este estudo permitirão ao Gestor Estadual da Bahia e a outros Gestores Estaduais e/ou Municipais avaliarem a forma de divulgação da Agenda e as implicações da divulgação na execução das ações propostas, assim como avaliar a integração entre seu corpo técnico-administrativo e técnico-operacional, podendo ainda ser utilizados para subsidiar propostas de capacitação do nível técnico-operacional e estratégias metodológicas da elaboração das Agendas de Saúde. MATERIAL E MÉTODOS O tipo de pesquisa realizada foi a qualitativa, nos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário, no Município de Salvador, em 2005. O primeiro foi definido por sorteio entre os Distritos que dispõem de maternidade, e o segundo por apresentar maior taxa de mortalidade materna no município, de acordo com dados do Sistema de Informação de Mortalidade5. A população do estudo foi constituída por uma amostra de conveniência composta por 04 Gestores e 47 Coordenadores de Serviço das unidades de saúde dos referidos Distritos Sanitários, presentes nas unidades no período da coleta de dados. Os indicadores escolhidos para avaliação do conhecimento dos Gestores e Técnicos foram: Redução da Mortalidade Infantil; e Redução da Mortalidade Materna. Os dados foram coletados na primeira e segunda semanas de março de 2005, no turno matutino, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos Secretários de Saúde Estadual e pelos Gestores e Coordenadores de Serviço das unidades definidas para o estudo, em local privativo, atendendo aos requisitos da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Foi utilizado como instrumento de coleta um questionário estruturado com nove questões, abordando os seguintes aspectos: conhecimento que os entrevistados têm sobre a v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 93 agenda; execução do I Compromisso Redução da Mortalidade Materna e Infantil; utilização da agenda no planejamento das atividades e existência de dificuldade enfrentada na implementação da agenda pelos pesquisados. As respostas foram registradas na íntegra no referido questionário. Buscou-se registrar os depoimentos dos sujeitos sem fazer julgamento ou correções da fala. Agrupados em um quadro, considerando os eixos definidos pela Agenda de Saúde, os dados foram analisados após leituras exaustivas dos depoimentos dos sujeitos. As unidades de saúde foram identificadas por cores, para preservar sua identificação, e possuem os seguintes perfis assistenciais: unidade azul unidade hospitalar que presta assistência em obstetrícia e é referência para gestação de alto risco; unidade amarela hospital geral de pequeno porte, que atende às especialidades básicas (pediatria, obstetrícia, clínica médica e cirúrgica, urgência e emergência clínica) funcionando 24 horas/diárias. unidade vermelha hospital geral de grande porte, referência estadual no atendimento ao trauma e às urgências e emergências de média e alta complexidade. unidade verde unidade não hospitalar, de atendimento às urgências e emergências, classificada como porte I; unidade branca unidade não hospitalar, de atendimento às urgências e emergências, classificada como porte I, que presta atendimento ambulatorial em clínica médica e pediatria. Os entrevistados foram identificados, utilizando-se as letras do alfabeto, na respectiva ordem de entrevista, com o objetivo de preservar suas identidades. RESULTADOS Considerando que a Agenda Estadual de Saúde é um processo de planejamento da gestão em saúde, chama a atenção o percentual de entrevistados que não a conhecem. Analisando-se o Gráfico 1, pode-se observar que a unidade Verde teve o maior percentual (85,71%) dos que não conhecem a Agenda, seguida da unidade Vermelha (77,77%), tida como referência para o Estado no atendimento em Urgência e Emergência. A unidade Branca demonstrou maior percentual de conhecimento (33,33%), seguida da unidade Azul, com o percentual de 26,66%. Dentre os entrevistados, nas diversas unidades de saúde, 65,38% (52) referem conhecer a Agenda. As unidades Amarela e Azul foram as que contribuíram com o maior percentual de entrevistados: 22,20% e 26,66%, respectivamente. 94 Revista Baiana de Saúde Pública Gráfico 1. Distribuição percentual de entrevistados segundo unidade de saúde e conhecimento da Agenda Estadual de Saúde. Salvador Bahia 2005 Nas unidades Verde e Branca, dentre os Diretores e Técnicos entrevistados, nenhum referiu a resposta: Ouvi falar, mas não sei. Na unidade Azul, metade dos entrevistados referiu conhecer a agenda e a outra metade ouviu falar, mas não sabe o que é. O mesmo aconteceu com a unidade Vermelha. Analisando-se as respostas dadas pelos entrevistados, referente a conhecer a Agenda, foram obtidos os seguintes depoimentos: Unidade Branca, Entrevistado A: Programação usando os enfoques epidemiológicos, saúde da criança e do idoso. Unidade Azul, Entrevistado A: Planejamento das diversas ações executadas durante o período agendado. Entrevistado B: Compêndio com metas previstas para ocorrerem no ano, com os objetivos que devem alcançar. Entrevistado C: É um cronograma de serviços, me parece ter uma relação com a COGESTEC. Entrevistado D: As prioridades das ações da Secretaria. Entrevistado E: A saúde do povo. v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 95 Unidade Verde, Entrevistado A: Programação de tudo que se quer fazer na área de saúde no ano, por exemplo, campanhas diabetes e hipertensão. Unidade Vermelha, Entrevistado A: Metas a serem cumpridas, planejamento prévio. O que irá realizar e o que já foi realizado. Planejamento estratégico. Unidade Amarela, Entrevistado A: Programa elaborado pela SESAB, que serve como metas para as unidades. Entrevistado B: É um compromisso do Estado, tipo de pesquisa de mortalidade ou alguma coisa assim. Entrevistado C: É como um termo de metas a ser alcançado num tempo X, designando os responsáveis. Termo de compromisso da Secretaria, designando quem e quando vai cumprir as metas. Entrevistado D: São protocolos para cumprimento dos objetivos de ser gestão plena. O Estado está fazendo isso na forma de projetos e programas. Entrevistado E: Programação, o que será realizado durante o ano. Quanto aos compromissos definidos pela Agenda, os entrevistados referem: Unidade Branca, Entrevistado A: Programas específicos, saúde da criança, diabetes, hipertensão. Unidade Azul, Entrevistado A: Convênio firmado com a UFBA; implantação do banco de leite humano e implantação de UTI Neonatal. Entrevistado B: Aumento da taxa de imunização da população; diminuição do índice de internações hospitalares; diminuição do índice de mortalidade materna e neonatal; capacitação de recursos humanos e aumentar número de leitos. Entrevistado C: Melhorar a qualidade dos serviços; qualificar os profissionais com cursos e treinar a parte técnica. 96 Revista Baiana de Saúde Pública Entrevistado D: Redução da mortalidade materna e redução da mortalidade infantil. Entrevistado E: Saber se o que está trabalhando está de acordo; ser um bom profissional na sua área. Unidade Amarela, Entrevistado A: Assistência integral à mulher e à criança. Com relação ao modo de aquisição do conhecimento dos compromissos da Agenda, 75% não responderam. Dentre os que responderam (25%), as formas relatadas estão expostas na Tabela 1. As reuniões na Secretaria foram referidas por 100% dos entrevistados da unidade Branca e da unidade Verde; 40% da unidade Azul e 25% da Amarela referiram ter adquirido o conhecimento através do repasse pela diretoria da unidade. A entrevista do Secretário na imprensa, reuniões, seminários e interesse pessoal foram referidos por 20% dos entrevistados da unidade Azul. 25% dos entrevistados da unidade Amarela referiram o interesse pessoal, a conversa com os colegas e esta pesquisa. Na Unidade Vermelha, a maioria dos entrevistados não conhecia a Agenda; os que ouviram falar deste instrumento não informaram o modo de conhecimento (Tabela 1). Tabela 1. Distribuição percentual dos modos de aquisição do conhecimento dos Diretores e Coordenadores de Serviços, por Unidade, quanto aos compromissos da Agenda Estadual de Saúde. Salvador Bahia 2005 UNIDADES DE SAÚDE MODOS DE CONHECIMENTOS BRANCA Através de reuniões na Secretaria 100% 100% Através da Diretoria da Unidade 40% 25% Entrevista do Secretário na imprensa 20% Reuniões e seminários 20% Interesse pessoal 20% 25% Conversando com os colegas - 25% Através desta pesquisa - 25% Total 100% 100% 100% AZUL VERDE VERMELHA AMARELA Do total de entrevistados, 82,69% desconheciam os compromissos vigentes da Agenda. 17,30% demonstraram conhecer os objetivos e as ações estratégicas, embora não citassem os compromissos na íntegra, o que pode ser observado através dos indicadores escolhidos Redução da Mortalidade Infantil e Materna (Gráfico 1). v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 97 Dentre os que consideraram a Agenda importante, os motivos referidos estão apresentados no Quadro 1, na qual destacam-se, dentre os motivos atribuídos pelos entrevistados à importância do conhecimento da Agenda: planejar o trabalho e não deixar furos, referidos por 4 unidades entrevistadas; e conhecer as propostas de trabalho, referidos por 3 unidades. M OTIVOS ATRIBUÍDOS À IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DA BRANCA AZUL VERDE Conhecer as propostas de trabalho X X Respeitar a hierarquia X Crescimento técnico e científico X Troca de informações entre as diversas unidades / setores X Facilitar a aquisição de verbas para a execução das ações X Planejar o trabalho não deixar furos X VERMELHA AMARELA AGENDA Conhecer as prioridades do Governo X X X X X X Desenvolver melhor o serviço Comprometimento dos funcionários X Descentralização do poder X Padronização do atendimento X Quadro 1.Motivos atribuídos à importância do conhecimento da Agenda Estadual de Saúde para a execução do trabalho em saúde pública, segundo unidades de saúde. Salvador Bahia 2005 Foi solicitado aos entrevistados que referiram não utilizar a Agenda para o planejamento, que informassem a forma como planejam suas atividades, sendo as mais citadas: utilização do Diário Oficial; informação disponível no site e e-mail da SESAB; conversa com os colegas; e orientação dos Conselhos Regional e Federal. A unidade Amarela foi a que demonstrou maior utilização de formas de planejamento de trabalho baseadas nas determinações e informações da SESAB, observando também os relatórios, planos e metas da unidade, assim como planejamento anterior e orçamento disponível. 100% dos entrevistados da unidade Verde referiram realizar seu planejamento baseado no Diário Oficial e 100% da unidade Vermelha, baseados nas orientações dos Conselhos Profissionais (Regional e Federal). A unidade Azul referiu maior percentual de planejamento baseado nas orientações da diretoria (Gráfico 2). 98 Revista Baiana de Saúde Pública 1 através do conhecimento próprio; 2 demanda da unidade; 3 orientações da Diretoria; 4 através de relatórios, planos e metas da unidade; 5 determinação do nível central da SESAB; 6 Diário Oficial; 7 orçamento disponível; 8 planejamento anterior; 9 informações disponíveis no site e e-mail da SESAB; 10 conversa com colegas; 11 orientações dos Conselhos Regional e Federal. Gráfico 2. Distribuição percentual das formas de planejamento de trabalho relatadas pelos entrevistados que não usam a Agenda como diretriz para suas atividades. Salvador Bahia 2005 Quanto às ações relacionadas à redução da mortalidade infantil, este estudo evidenciou que 65,38% dos entrevistados informaram realizá-las e 34,62% não realizam. A Quadro 2 demonstra que as ações de promoção ao aleitamento materno foram citadas apenas pelos entrevistados das unidades Amarela e Azul. Os entrevistados das unidades Verde, Vermelha e Branca não realizam ações voltadas para a redução da mortalidade infantil, pelo fato de serem unidades de atendimento a urgências e emergências. De acordo com o depoimento dos entrevistados da unidade Branca, apesar de não terem o Programa de Redução da Mortalidade Infantil, realizam serviços de imunização, terapia de reidratação oral e consultas pediátricas, por prestarem atendimento ambulatorial em Pediatria. Analisando-se a Quadro 3, pode-se observar que o serviço mais executado, segundo os entrevistados, foi o Rastreamento Neonatal (teste do pezinho), referido por 3 unidades. Segundo informações dos entrevistados, as ações e serviços voltados para a redução da Mortalidade Infantil foram mais executados pelas unidades Azul e Amarela. A primeira por ser unidade hospitalar que presta assistência em obstetrícia; e a segunda por ser hospital geral de pequeno porte, que atende as especialidades de pediatria e obstetrícia, dentre outras. v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 99 AÇÕES BRANCA AZUL Comissão de Controle de mortalidade infantil X Projeto Mãe Canguru X Promoção do aleitamento materno X Capacitação dos profissionais X Contratação de mão-de-obra especializada X VERDE VERMELHA AMARELA X Equipe multidisciplinar X Agilização do atendimento X Aquisição de equipamentos para melhorar a tecnologia X Quadro 2. Ações voltadas para a redução da mortalidade infantil, segundo unidades de saúde. Salvador Bahia 2005 SERVIÇOS BRANCA Imunização X Terapia de Reidratação Oral X Consultas pediátricas X AZUL VERDE VER MELHA AMARELA X Berçário de alto risco X Estimulação precoce X Realização de exames de bio-imagem X Cuidados para evitar a transmissãovertical da AIDS X Pré-natal de alto risco X X X Atendimento a gestante de alto risco Cuidados com o RN de risco X Implantação de UTIs neonatal X Teste do pezinho X X Atendimento de emergência ligada ao trauma infantil X X Orientações à mãe X Realização de exames laboratoriais na mãe X Agência transfusional Controle de infecção Atendimento 24 horas X X X X X Quadro 3. Serviços voltados para a redução da mortalidade infantil, segundo unidades de saúde. Salvador Bahia 2005 100 Revista Baiana de Saúde Pública Analisando-se os Quadros 4 e 5, observa-se que a unidade Azul realiza a maioria das ações e serviços para a redução da mortalidade materna, por se tratar de unidade hospitalar que presta assistência em obstetrícia. As ações mais citadas pelos entrevistados foram: planejamento familiar e apoio ao aborto legalizado (Quadro 4). Os serviços mais referidos pelos entrevistados foram a realização de exames preventivos e bioimagem (Quadro 5). Os entrevistados das unidades Verde e Vermelha não referiram nenhuma ação ou serviço para a redução da mortalidade materna, por se tratarem de unidades que prestam atendimento às urgências e emergências. AÇÕES Planejamento familiar BRANCA AZUL VERDE VERMELHA X Comissão de controle da redução da mortalidade materna AMARELA X X Controle de infecção hospitalar X Capacitação dos profissionais X Aumento da equipe de profissionais X Implantação de protocolos clínicos X Sessão clínica para discussão de casos X Apoio ao aborto legalizado X X Humanização do parto X Reuniões com as enfermeiras X Comitê de Ética X Quadro 4. Ações voltadas para a redução da mortalidade materna desenvolvidas por unidades de saúde. Salvador Bahia 2005 AÇÕES BRANCA Pré-natal X Consultas ginecológicas X Imunização X Exames preventivos / bio-imagem X AZUL X Internação da gestante de alto risco X Pré-natal de alto risco X Controle de infecção hospitalar VERDE VERMELHA AMARELA X X Quadro 5. Serviços voltados para a redução da mortalidade materna oferecidas pelas unidades de saúde. Salvador Bahia 2005 v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 101 Analisando-se o Gráfico 3, observa-se que os entrevistados da unidade Verde não referiram nenhuma dificuldade para a implementação da Agenda. Vale ressaltar que esta unidade foi a que apresentou o maior percentual de desconhecimento da Agenda. Gráfico 3. Dificuldades referidas pelos entrevistados para a implementação da Agenda Estadual de Saúde. Salvador Bahia 2005 A dificuldade mais relatada pelas unidades Amarela, Azul e Branca foi a deficiência de recursos humanos. Na unidade Vermelha houve uma equiparação das dificuldades com recursos humanos, estrutura física e insumos, morosidade da SESAB em realizar compras e grande demanda das atividades. A dificuldade que mais se destacou nesta unidade foi a falta de interação entre os setores da SESAB. Os entrevistados das unidades Azul e Amarela não fizeram referência às dificuldades com estrutura física/insumos, morosidade da SESAB em realizar compras, falta de interação entre os setores da SESAB e grande demanda de atividade. A deficiência de recursos humanos foi a maior dificuldade, apontada por mais de 70% dos entrevistados dessas unidades. Os pesquisados da unidade Branca não referiram as dificuldades com morosidade da SESAB em realizar compras, falta de interação entre os setores da SESAB, falta de divulgação das portarias, normas etc. Foram referidas, com maior percentual, a deficiência de recursos humanos seguida de deficiência da estrutura física (Gráfico 3). 102 Revista Baiana de Saúde Pública DISCUSSÃO A pesquisa demonstrou um alto índice de desconhecimento da Agenda pelos Diretores e Coordenadores de Serviço das unidades de saúde dos dois Distritos Sanitários pesquisados. Não há diferença significativa com relação ao conhecimento da Agenda Estadual de Saúde entre estes Distritos, nem entre as categorias funcionais, hospitais e unidades básicas. Apesar do desconhecimento do instrumento de gestão pelos entrevistados, algumas ações estratégicas para a redução da mortalidade materna e infantil estão sendo executadas por coincidirem com a demanda da própria unidade e orientações da Diretoria. Desta forma, concluímos que a falta de conhecimento da Agenda não interfere, necessariamente, na execução destas ações. Entretanto, se os gestores e técnicos conhecessem e, efetivamente, aplicassem a Agenda, as ações seriam efetuadas de forma mais padronizada, alcançando mais facilmente a equanimidade preconizada pelo SUS. A padronização das ações também facilitaria a avaliação dos serviços e, conseqüentemente, subsidiaria melhor o planejamento. As dificuldades referidas pelos entrevistados, relacionadas à implementação da Agenda, referentes à deficiência de sua divulgação, insuficiência de recursos humanos, estrutura física/insumos insuficientes etc., apontam a necessidade de sua elaboração de forma mais participativa, envolvendo os componentes políticos, técnico-administrativos e os técnicooperacionais. A partir desta ação e do acompanhamento sistemático da SESAB, a Agenda seria divulgada e, posteriormente, avaliada quanto à observância dos compromissos. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 393, de 29 de março de 2001. Dispõe sobre a necessidade de reformulação dos instrumentos de gestão do sistema. Brasília, 2001. Extraído de [http://dtr2001.saude.gov.br/sas/ PORTARIAS/Port2001/GManexoi/GM393htm], acesso em [18 de janeiro de 2005]. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Instrumentos de Gestão Manual de Consulta Rápida. Brasília (DF); 2001. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 548 de 12 de abril de 2001. Aprova o documento de Orientações Gerais para a Elaboração e Aplicação da Agenda de Saúde, do Plano de Saúde dos Quadros de Metas, e do Relatório de Gestão como Instrumentos de Gestão do SUS. Brasília; 2001. Extraído de [http://www.sespa.pa.gov.br], acesso em [06 de outubro de 2004]. v.30, n.1, p.90-104 jan./jun. 2006 103 4. Paim JS. Processo político e formulação de políticas de saúde. Salvador; 1997 mar. [Coletânea de textos para a Disciplina ISC-003 (Política de Saúde) ISC/UFBA]. 5. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Informação sobre Mortalidade. (DATASUS). Extraído de [http://w3.datasus.gov.br/datasus/ datasus.php], acesso em [12 de fevereiro de 2005]. Recebido em 28.07.2005 e aprovado em 25.05.2006. 104 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública ESTRUTURAÇÃO DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS DA SECRETARIA DA SAÚDE NA BAHIA DE 1974 - 2004 Lucitania Rocha de Aleluiaa Olívia Kauark Coutob Telma Dantas Teixeira de Oliveirac Resumo O objetivo deste estudo foi descrever as transformações estruturais e regimentais ocorridas nas últimas três décadas de 1974 a 2004 na área de Recursos Humanos da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB). O processo de implantação foi iniciado com a criação do Complexo SESAB/FUSEB, através da Lei nº 3.104, de 28 de maio de 1973. O estudo delineou-se como do tipo exploratório-descritivo, pesquisa histórica e bibliográfica, portanto, documental, com abordagem qualitativa. Realizou-se leitura e análise de documentos; entrevistas semi-estruturadas; e análise descritiva e histórico-cronológica. Os resultados apontam para a consolidação do processo de organização da área de recursos humanos, através da educação permanente, viabilizada pela Escola Estadual de Saúde Pública (EESP) e Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS) e mudança de paradigmas que concretizam as propostas político-pedagógicas dessas duas escolas. Obstáculos foram identificados, cabendo destacar: a desativação de estruturas vitais; precária articulação intersetorial; afastamento do setor do núcleo decisório; insuficiente comunicação; e ausência de sistema de informação adequando. O estudo sugere que é necessário maior interesse e investimento da alta gestão da SESAB na estruturação do setor. Palavras-chave: Recursos Humanos. Organização e Administração. SESAB. a b c Técnica da Secretária da Saúde do Estado da Bahia. Especialista em Administração Pública (UEFS). Técnica da Secretária da Saúde do Estado da Bahia. Formação em Administração de Empresas (UFBA). Secretária da Saúde do Estado da Bahia. Formação em Secretariado Executivo (UCSAL). Orientadora e Autora: Mestre em Saúde Comunitária (ISC) e Professora da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Endereço para correspondência: Rua Jardim Ipanema, Quadra 03, Lote 062, Pitangueiras, Lauro de Freitas, Bahia, Brasil. CEP. 42.700-000 E-mail: [email protected] v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 105 THE STRUCTURING PROCESS OF THE HUMAN RESOURCES AREA IN THE HEALTH DEPARTMENT OF THE STATE OF BAHIA 1974-2004 Abstract This study aims at describing the structural and regimental transformations which have taken place during the three past decades, from 1974 to 2004, in the Human Resources area of the State of Bahia Health Department. The first step towards its implantation was the creation of the SESAB/FUSEB Complex, through the Law 3,104 of the 28th of May 1973. This study stands as an exploratory-descriptive type of work, historically and bibliographically research oriented, and, as though, documental, making use of qualitative approach. Through the examination an analysis of documents and semi-structured interviews, it attempts at pointing out advances, drawbacks and challenges faced in order to maintain the area in face of the several public policies which intervened during the whole process of implementation, as well as at describing how the structural changes occurred and the contextual diagnosis of the R&H area. Key words: Manpower. Organization & Administration. SESAB. INTRODUÇÃO Na lógica da administração pública burocrática, implantada a partir da segunda metade do século XIX, ainda persistem as estruturas organizacionais duras, com pouca flexibilidade, colocadas como um dos inúmeros desafios a serem enfrentados para a reestruturação do sistema1. Estudos sobre estruturas organizacionais públicas têm sido relativamente escassos. Como exemplo, na Bahia, muitos trabalhos produzidos abordam a questão da capacitação de Recursos Humanos (RH), da política e campos de atuação de RH, da formação e da administração de Recursos Humanos em saúde, dentre outros2. No que concerne à representação gráfica da esfera institucional pública3, entretanto, poucos são os estudos conhecidos. A realização desta pesquisa justifica-se, por possibilitar o conhecimento da trajetória da área de Recursos Humanos da Administração Central na Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), seu desenho ou representação gráfica, sua abrangência de atuação e o papel que exerce na instituição. Além disso, possibilitou verificar sua área de atuação inter e intra-institucional, atividades existentes e programadas, avanços e retrocessos, considerando as mudanças ocorridas no período em estudo. Ao realizá-lo, pretendeu-se refletir sobre esta questão e contribuir para a construção de novas propostas estruturais para esta área. Para subsidiar as reflexões sobre o trabalho, bem como as propostas regimentais, as práticas dos atores envolvidos, dirigentes do setor, e a ilustração dos efeitos sócio-políticos que permearam a condução das diversas estruturas institucionalizadas, algumas considerações históricas foram indispensáveis. 106 Revista Baiana de Saúde Pública Para estabelecer as perspectivas de retroação e avanços da área de RH, na Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), partiu-se do pressuposto de que o grau de estruturação da área varia em função da capacidade dos gestores de priorizar ou não a política de desenvolvimento e gestão de RH na saúde. Sob este enfoque, a estruturação da área de Recursos Humanos na Administração Central da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, no período de 1974 a 2004, é o objeto deste estudo, que contemplou o seguinte objetivo geral: descrever o processo de estruturação da área de Recursos Humanos, a partir da recuperação histórica das políticas de saúde contidas nos documentos oficiais da Administração Central da SESAB, nas três últimas décadas. O estudo tem como objetivos específicos: a) descrever as diferentes estruturas organizacionais no período analisado, de forma a contribuir para a caracterização e o entendimento dos processos de mudança nesta área, na Administração da SESAB; b) identificar possíveis avanços e retrocessos da área de Recursos Humanos na SESAB, considerando as diferentes estruturas institucionalizadas. MATERIAL E MÉTODOS O estudo delineou-se como do tipo exploratório-descritivo, pesquisa histórica e bibliográfica, portanto, documental, com abordagem qualitativa4. Os instrumentos do estudo foram os documentos e as entrevistas realizadas com exdirigentes e atuais dirigentes da área de Recursos Humanos da Administração Central da SESAB, de 1974 a 2004. A escolha da Administração Central para a realização do resgate histórico tornou-se óbvia, uma vez que o Centro de Treinamento (CETRE) foi criado pela Secretaria Estadual de Saúde da Bahia com o objetivo de centralizar as atividades de treinamentos dos diversos setores da Secretaria e Fundações que originaram a Fundação de Saúde do Estado da Bahia (FUSEB) e promover a adequação do pessoal às necessidades emanadas da estrutura da produção de serviços5. Para a composição do estudo, adotou-se identificação, catalogação e seleção das informações mais importantes para a reconstrução histórica documental, especialmente relacionadas às estruturas organizacionais do órgão de RH da SESAB. Na primeira etapa da coleta dos dados, foram obtidos e reunidos: leis, decretos, portarias, relatórios de atividades produzidos pela Área de Recursos Humanos e relatórios de gestão produzidos pela SESAB. Com base nos dados relatados nesses documentos, fez-se a análise cronológica e histórica, para fins de correlação com os depoimentos obtidos através das entrevistas. Nessa etapa da análise, procurou-se confrontar os depoimentos com as informações extraídas dos documentos coletados. A análise documental permitiu traçar um perfil histórico da criação da área de RH da SESAB e resgatar as políticas públicas que permearam o processo de constituição do setor. v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 107 As categorias operacionais estudadas, relativas às funções e estruturas, competências, papéis, atribuições, entre outras, buscaram captar, no texto produzido após a transcrição das entrevistas, os elementos que concretizaram o processo político de estruturação da área de RH, principalmente os que determinaram mais claramente as decisões, no que se refere à formulação de políticas e à organização do próprio setor, seus recursos e meios. A produção de dados empíricos da pesquisa deu-se na segunda etapa, através da realização de entrevistas semi-estruturadas, previamente acordadas com os dirigentes e ex- dirigentes da área de RH da SESAB. O roteiro para as entrevistas foi composto de 22 perguntas abertas, com a abordagem dos seguintes tópicos: proposta de estrutura da área de Recursos Humanos; finalidade precípua quando da criação da área de Recursos Humanos; áreas de articulação inter e intrainstitucional; papel, função, atribuição e competência da área de RH da SESAB. A partir dos dados coletados na pesquisa documental e bibliográfica e na entrevista semi-estruturada, realizou-se um recorte temporal, através de análise cronológica no período já referido, destacando-se, a partir dos depoimentos dos dirigentes, os elementos que deram sustentação à criação das diversas estruturas. Para realização das entrevistas foi elaborado previamente e utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, obedecendo à Resolução 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde. Os dados foram coletados nos documentos oficiais existentes na Superintendência de Educação Permanente e Comunicação em Saúde (SUPECS) e nas entrevistas realizadas. Foram detectadas algumas dificuldades operacionais para a realização da pesquisa, no que diz respeito a localizar e marcar entrevistas com os ex-dirigentes. Todos esses profissionais, ou seja, 10 participantes dos cargos no período estudado, fizeram parte do universo da pesquisa. Desse total, entretanto, somente foi possível entrevistar seis profissionais, cujos cargos ocupados naquela época foram explicitados como: 1 Diretor do CETRE; 2 Diretores e 1 Diretor Adjunto do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos CENDRHU; 1 Diretor do Departamento de Educação Permanente em Saúde (DEPS); 1 Superintendente da SUPECS. Outro obstáculo referiu-se ao levantamento documental e bibliográfico, com a extinção da Biblioteca Central da SESAB. Em decorrência da reestruturação governamental de 1999, seu acervo foi praticamente destruído e, com isso, houve dificuldade em localizar leis, decretos, regimentos, portarias da criação e regulamentação dos diversos setores da SESAB. Também no que diz respeito à busca de estudos que fundamentassem o objeto de estudo, constatou-se que são escassos, devido à insuficiência do referencial teórico sobre as diversas formas de estrutura dentro da organização pública e suas dimensões. Existem vários estudos referentes à Política, Administração e Formação/Capacitação de Recursos Humanos, porém, quanto à estrutura organizacional de RH no setor público de saúde, são raras as pesquisas. 108 Revista Baiana de Saúde Pública RESULTADOS A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, instituição complexa, produto da história das políticas públicas no Brasil e da trajetória de suas burocracias, ilustra uma condensação material das forças sociais e políticas que sustentam o Estado, representadas na área de RH pelas diferentes estruturas organizacionais6, que, desde sua criação, sempre necessitou de estudos de suas atribuições e competências e de controle de seu quadro de recursos humanos7. Nesta pesquisa, a abordagem das diferentes estruturas organizacionais apontam para a necessidade de resgatar as experiências à luz das políticas contextualizadas historicamente. Estudos realizados por Padilha7 e Teixeira8 já apontavam para a carência de pesquisas e de controle dos recursos humanos, suas atribuições e competências relacionadas às questões estruturais e funcionais7. O diagnóstico traçado pelos autores citados também poderia orientar a política de admissão na instituição, buscar adequação técnico-científica do quantitativo de pessoal às necessidades do serviço e às possibilidades dos demais recursos existentes, prover elementos para a programação do treinamento e, sobretudo, realizar estudos que evidenciassem carreiras profissionais a serem galgadas pelos funcionários integrantes do sistema. Dessa necessidade e por ocasião da reforma Administrativa de 1973, decorrente da institucionalização da Fundação de Saúde do Estado (FUSEB), através da Lei Estadual n 3.104, de 28 de maio de 1973, foi criado o Centro de Treinamento (CETRE), vinculado à FUSEB7. A composição do CETRE teve o seguinte desenho: uma Administração composta de um Diretor, uma Coordenação de Cursos, uma Secretaria e uma Biblioteca, esta última historicamente desvinculada da estrutura da organização, instalada na área do Laboratório Central e com atividades voltadas para a atenção às necessidades de informações sobre doenças infecciosas, para o consumo de docentes da Universidade e para pesquisas de interesse acadêmico7. Segundo Teixeira8:74: O surgimento do CETRE atesta da existência do interesse em se promover a adequação do pessoal às necessidades emanadas da estrutura da produção de serviços, ou seja, a necessidade de se tratar a questão dos agentes não de forma pontual porém contínua, sistemática. Afirma ainda a autora: Segundo Harley Padilha, então diretor do CETRE, o Centro situado estrategicamente como sub-função na organização institucional, teve o seu papel comprometido por, entre outros, três fatores básicos: não foram descritos os mecanismos de sua articulação horizontal com as demais sub-funções (Coordenações Técnicas, Departamentos Administrativos e Assessoria); a estruturação interna do CETRE bastante acanhada e a impossibilidade de contar com a participação de sanitaristas experimentados na implementação de suas ações. 8:34 v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 109 Em 1975, o diretor do CETRE, Harley Padilha, tentou formular um [...] modelo de treinamento numa perspectiva de planejamento e desenvolvimento dos recursos humanos do Complexo SESAB/FUSEB. O autor idealiza um Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos não apenas como núcleo de treinamento, portanto com essa nova concepção e estrutura imprimir-lhe uma dinâmica que lhe garantisse um papel de destaque ao interior da instituição, dirigido ao fornecimento de subsídios para a definição de uma política de recursos humanos. 9: 34 De acordo com Teixeira 8, o CETRE, em 1975, por questões de ordem infraestruturais, ainda encontrava-se desaparelhado para cumprir as funções descritas acima, possivelmente idealizadas para atender às demandas originárias do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana de Saúde, que estimulavam a implantação de propostas tanto relativas ao planejamento de Recursos Humanos (RH) quanto de capacitação, a exemplo do Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS). Aproveitando o apoio do Ministério da Saúde, a política de descentralização do Curso Básico Regionalizado de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS), criado em 1975, sob os auspícios do Ministério da Saúde, foi elaborada uma proposta abrangente em relação às atividades a serem desenvolvidas pelo CETRE. Assim, criou-se o Programa de Recursos Humanos para a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, que contemplaria cinco frentes8: 1. Programa de Treinamento em Nível Superior. 2. Programa de Teinamento de Nível Intermediário. 3. Programa de Treinamento da Comunidade. 4. Treinamento para Modernização Administrativa. 5. Atividades Assessores voltadas para a elaboração dos Planos de Capacitação. A área de Recursos Humanos da SESAB concebeu um novo perfil organizacional, a partir da constatação do acima descrito e sob a influência da Organização Mundial de Saúde: o Treinamento de Parteiras Curiosas. Seu objetivo seria instrumentalizar pessoas para desenvolver tarefas de pré-natal, registros de fatos vitais e de doenças transmissíveis, em programas denominados de Assistência Simplificada de Saúde e de Penetração Rural. Destaca-se como atividade de capacitação também relevante deste período o Treinamento da Comunidade, cuja 110 Revista Baiana de Saúde Pública estratégia baseava-se em orientação de grupos estratégicos (de líderes formais e informais) para a prática de técnicas educativas. A responsabilidade do CETRE era definir os Programas em que essas atividades se organizavam e o papel das Unidades Periféricas (Postos, Centro de Saúde e Hospitais) nesses programas. Cabia ainda ao CETRE desenvolver atividades relacionadas com a Comunicação de massa, através da televisão, do rádio, do cinema e dos jornais. Essas peças publicitárias veiculavam informações sobre a promoção, a prevenção, a proteção, a recuperação e a reabilitação da saúde7. No ano de 1976, decorrente do processo de relocalização da maioria das instituições e órgãos públicos para a área geográfica do Centro Administrativo da Bahia (CAB), a SESAB se retirou das instalações do bairro da Vitória, transferindo-se para o CAB, local em que estava sediada a Administração Central da SESAB/FUSEB. Segundo informação da então Diretora do CETRE, Maria Terezinha Moreira, entrevistada nesta pesquisa, o Secretário da Saúde encomendou ao Centro a [...] capacitação de pessoal em vários níveis, principalmente do pessoal de nível elementar em todo o interior do estado. A Diretora informou ainda que a escassez de recursos financeiros para realizar a capacitação tornava necessária a elaboração de projetos de captação de recursos junto ao governo federal. Foi elaborado, então, o Plano Trienal de Capacitação de Recursos Humanos na Área da Saúde (PTCRHAS). Estava chegando também à Bahia o Programa de Interiorização das Ações em Saúde e Saneamento (PIASS). Com isso, surgiu a necessidade de ampliação da estrutura do CETRE. Informalmente, o Centro passou a incorporar em sua estrutura o Núcleo de Documentação e Informação, bem como a Biblioteca. Com esta nova estrutura, teve início o projeto de treinamento em Larga Escala9 . Com o crescimento das demandas de capacitação de pessoal, em todos os níveis, ocasionado pela implantação dos programas de Assistência Sanitária Simplificada e a construção de muitas Unidades de Saúde estaduais, o Centro de Treinamento da FUSEB iniciou um processo de descentralização dessas atividades, não só como uma opção administrativa, mas por considerar que os profissionais que atuavam no nível regional estavam mais capacitados a executar essas atividades, pela própria prática do trabalho10. Nesse contexto, as iniciativas pela formação do sanitarista foram implementadas a partir do modelo dos Centros de Referências de Saúde Pública, em parceria com a ENSP/ FIOCRUZ, de forma a capacitar profissionais das DIRES, já que as experiências das primeiras turmas apontavam para resultados concretos e positivos em toda a dinâmica de atividade da SESAB/FUSEB, passando também a exigir um maior volume de trabalho dos profissionais que compunham o órgão10. v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 111 Dessa forma, em 1978, o CETRE foi novamente ampliado informalmente, compondo a seguinte estrutura: Assessoria de Planejamento, Administração, Coordenação de Capacitação, Núcleo de Documentação e Informação e Biblioteca. Em junho desse mesmo ano, foi aprovado o projeto Introdução de Inovações Metodológicas na Capacitação do Auxiliar de Saúde (IIMCAS), que previu, no convênio Banco do Brasil/FIPEC/FUSEB, o reforço quantitativo da equipe técnica do Centro. Nessa época, passaram a funcionar os Grupos de Capacitação de Recursos Humanos (GCA/RH) e foram implantados os Núcleos Regionais de RH nas DIRES, cuja proposta era funcionar como representantes do CETRE, ou seja, responsáveis pelos treinamentos nas unidades do interior, sob a supervisão do nível central 11. Nota-se, no período de 1973 a 1979, que houve uma adequação da estrutura interna do CETRE, para atingir os objetivos traçados, como também o reforço quantitativo de pessoal qualificado, para desenvolver as ações pretendidas. Para desempenhar suas novas atividades, o próprio CETRE, paulatinamente, ampliou seus quadros técnicos, diversificando sua estrutura interna num processo que culminou com a reestruturação, em 19808, quando a FUSEB foi reestruturada e o CETRE passou a denominar-se Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CENDRHU). Sua reestruturação oficial foi publicada em março de 198012 (Figura 1). Figura 1. Organograma do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos 1980 112 Revista Baiana de Saúde Pública A partir dessa reestruturação do CENDRHU, criaram-se setores, e uma nova dimensão possibilitou a execução de um trabalho mais abrangente, no que se refere ao Desenvolvimento de Recursos Humanos na Instituição. Foi incorporado à Coordenação de Capacitação o setor de Recrutamento e Seleção e à Coordenação de Planejamento e Pesquisa, o setor de Cargos e Salários. Foi também instituído o Programa de Integração Docente Assistencial (IDA), visando ao desenvolvimento de ações articuladas e integradas, principalmente em relação aos Estágios e Residência Médica, realizadas pelas SESAB/FUSEB/INAMPS/UFBA. Em novembro de 1980, foi concluído o Projeto IIMCAS, que recomendava a utilização de metodologias apropriadas ao ensino em serviço, priorizando a pedagogia da problematização12. Com uma nova reestruturação político-organizacional, foi extinta a FUSEB e criado o Instituto de Saúde do Estado da Bahia (ISEB), pela Lei Delegada nº. 12, de 30 de dezembro de 1980, entidade autárquica descentralizada, com personalidade jurídica de direito público, dotada de autonomia financeira, patrimônio próprio, vinculada à Secretaria da Saúde. Com essa nova modelagem, o Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos, vinculado ao ISEB, continuou com a mesma estrutura organizacional, porém observa-se maior definição das áreas de atuação: treinamento; recrutamento e seleção; cargos e salários; documentação e informação. Atreladas a essas redefinições, houve ainda iniciativas de organização do trabalho, tais como: a) criação de um Grupo de Trabalho (GT) de Material de Apoio e Educação Continuada, em decorrência das avaliações realizadas nas atividades de supervisão aos treinamentos realizados nas DIRES e Hospitais12; b) crescimento de atividades e status da Biblioteca, que incorporou à série de publicações do CENDRHU, o Boletim Informações para a Saúde - Bahia, contendo resumos de artigos recebidos do Centro de Documentação do Ministério da Saúde, e as publicações recebidas de outras Instituições; c) reestruturação do setor de Recrutamento e Seleção, contando com um grupo de trabalho na Administração Central da SESAB, nas antigas dependências da Secretaria, no bairro da Vitória12; d) realização de intensa Supervisão, pelos técnicos do CENDRHU, às DIRES e Hospitais. Juntamente com a equipe das DIRES, os técnicos estabeleciam as estratégias necessárias para viabilizar os treinamentos previstos; e) crescimento dos cursos da área de Especialização, principalmente a Residência Médica; v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 113 f) reestruturação dos estágios remunerados, cabendo ao CENDRHU a coordenação da seleção, a divulgação dos resultados e a contratação dos estagiários. As unidades passaram a executar a orientação, acompanhamento e avaliação dos estagiários12. A análise conjuntural do período de 1974 a 1980 revelou a implementação de uma política de modernização das práticas de RH, a criação, a diversificação interna e a busca de articulação inter e intra-institucionais dessa área, principalmente com as instituições de ensino. Enfim, são fases de um movimento procedente da necessidade de reaparelhamento do Estado. Conforme entrevista realizada com Dra. Tânia Celeste de Matos Nunes, então Diretora do CENDRHU, durante todo este período, a palavra DESCENTRALIZAÇÃO foi sempre a categoria forte. Trabalhamos o tempo inteiro para fortalecer nosso perfil descentralizador, não só em relação ao Governo Federal, mas também às DIRES. Tudo o que estruturamos foi para dar autonomia às DIRES. Dessa forma, quando veio o processo de municipalização nacional, a partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, a Bahia tinha essa base amadurecida. Em 1987, o país estava vivendo a conjuntura denominada Nova República (19851988). Nesse momento, a Saúde foi colocada como prioritária na agenda do Governo Federal, com a finalidade de resgatar a dívida social acumulada no período do autoritarismo. Os movimentos sociais da época, que defendiam a democratização da saúde, difundiram a proposta da reforma sanitária, debate da VIII Conferência Nacional de Saúde 13. O processo de municipalização se deu a partir dessa Conferência. Em 1987, assumiu o governo da Bahia o Dr. Francisco Waldir Pires de Souza. O Estado passou por uma reestruturação muito profunda em decorrência da entrada de novos partidos políticos no poder. Segundo Paim14:79, grifo do autor: A política estadual de saúde definida pelo governo estadual em 1987, tinha como primeira diretriz assumir as Ações Integradas de Saúde como estratégia de base para uma reforma sanitária no estado. Desta forma, o governo passa a responsabilizar-se não só com a gestão dos serviços públicos estaduais, como também com a proposta da Reforma Sanitária e com as Ações Integradas de Saúde com vistas à organização do Sistema Único de Saúde. 114 Revista Baiana de Saúde Pública Foi nomeado para o cargo de Secretário da Saúde, Dr. Luiz Umberto Ferraz Pinheiro, que deu início ao processo de reestruturação da SESAB, através da Lei Estadual nº. 4.697, de 15 de julho de 1987. Toda a estrutura administrativa organizacional foi modificada e o CENDRHU passou a denominar-se Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos (NDRHU). (Figura 2). Figura 2. Organograma do Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos - 1987 O NDRHU foi ampliado, visando ao atendimento das novas políticas acima descritas de unificação dos serviços de saúde. Essa mudança decorreu do perfil inovador assumido pelos novos dirigentes do Estado, devido à mobilização política por que passava o país, com a expectativa da Nova República, iniciada em 1985. Esse movimento representou um marco importante para a saúde pública do Brasil, em que a saúde foi colocada como prioritária na agenda do Governo Federal, com a finalidade de resgatar a dívida social decorrente da ausência de políticas públicas que modificassem o cenário até então vigente. Na Bahia, o novo governo adotou e absorveu as idéias procedentes do âmbito federal e iniciou o processo de reestruturação e modernização dos órgãos do estado. v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 115 No ano de 1988, em seu estudo Planejamento em Saúde na Construção do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUDS BA, Teixeira15 observou que as atividades desenvolvidas pelo NDRHU recortavam as áreas e linhas de ação no desenvolvimento do SUDS. Ao analisar a gestão da SESAB no SUDS, Paim14 detectou, no setor de saúde do Estado, a priorização de três linhas básicas de ação, a saber: desenvolvimento da infra-estrutura de recursos, inclusive a remuneração do pessoal da SESAB e do INAMPS; desenvolvimento político gerencial; e reorganização do modelo assistencial. Assim, o programa de capacitação gerencial, para fortalecer a gestão, pôde ser localizado no desenvolvimento da infra-estrutura de recurso. Já o programa editorial, vinculava-se mais ao desenvolvimento científico (considerando-se a Revista) e à democratização da gestão, dinamizada a partir do fortalecimento do Boletim e do Jornal, pela busca do aprimoramento de cunho científico e da transparência informativa. Ainda com o NDRHU ficava a responsabilidade pela promoção de eventos, como os Seminários de Reforma Sanitária na Assistência, que estavam mais ligados ao desenvolvimento da organização da produção de serviços, ou seja, basicamente, por uma política institucional de desenvolvimento do novo Modelo Assistencial12. Após a renúncia do Governador Valdir Pires, em 1989, e a posse do vice-governador, o estado da Bahia viveu tempos difíceis, com greves, passeatas e vários conflitos de ordem político-social e manifestações de movimentos sociais que não eram simpatizantes das idéias desse governo. Com a nova mudança político organizacional, assumiu o governo do Estado o Dr. Antônio Carlos Magalhães. O cargo de Secretário da SESAB, nesse momento, foi assumido por Dr. Otto Roberto de Mendonça Alencar. Um novo regimento institucional foi aprovado, através do Decreto nº 684, de 18 de novembro de 1991. Esse regimento da SESAB foi modificado para atender às disposições constantes da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre suas competências, destaca-se: Promover a descentralização das atividades e dos serviços de saúde para os municípios prestando-lhes apoio técnico e financeiro.16:266 O NDRHU mudou de nomenclatura para Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CENDRHU). Sua estrutura funcional, por conseguinte, foi alterada, sendo definidos novos papéis, atividades e atribuições. Uma de suas principais funções foi executar e supervisionar as atividades de capacitação, formação e desenvolvimento de RH (Figura 3). 116 Revista Baiana de Saúde Pública Figura 3. Organograma da Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos 1991 Ao adquirir essa nova estrutura, as Gerências e Sub-Gerências, passaram a denominar-se Divisões, Unidades e Seções. As atribuições, basicamente, continuaram as mesmas, porém, com essa nova reestruturação, foi adicionada à CENDRHU a Divisão de Apoio e Instrumentalização de RH (DIAPIN) e a Unidade de Formação Técnica em Saúde (UFORTEC), setor que gestou e deu origem à construção da Escola de Formação Técnica em Saúde Professor Jorge Novis17. A subgerência de Lotação e Movimentação, entretanto, deixou de ser subordinada à CENDRHU, sendo assumida pelo Serviço de Administração Geral (SAG)16. Esse fato trouxe conseqüências negativas, por que a CENDRHU deixou de coordenar os recursos humanos. Com isto, tornou-se difícil executar um levantamento quantitativo de pessoal por órgãos e unidades onde estavam lotados e, consequentemente, implantar ações de educação permanente. O setor responsável por disponibilizar esses dados não os possuía de forma adequada, para que a Coordenação de Recursos Humanos pudesse investir na capacitação de pessoal, devido às dificuldades de interlocução entre os diversos atores (unidade de saúde, hospitais etc.). Quando a CENDRHU tinha essa competência, podia identificar onde havia necessidade de pessoal e qual a qualificação necessária. De acordo com as entrevistas realizadas com os dirigentes e assessores diretos, esse fato representou um retrocesso para a CENDRHU, comprometendo suas propostas de trabalho na área de desenvolvimento de pessoal. A UFORTEC foi criada para atender ao desenvolvimento de Recursos Humanos, com vistas à formação de trabalhadores dos níveis médio e elementar das diversas instituições que faziam parte do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Destaca-se o Projeto de Interiorização do Curso de Auxiliar de Enfermagem, que utilizava a modalidade do ensino supletivo como modelo, para viabilizar profissionalização dos denominados atendentes de enfermagem e demais atendentes do setor saúde17. v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 117 Para atender às determinações do Decreto n º 94.406, de 1987, que regulamentava a Lei Federal nº 7.498, de 25 de junho de 1986 (dispõe sobre o exercício de enfermagem no país), a UFORTEC se instrumentalizou para formar e qualificar todo o pessoal de enfermagem, constituído de atendentes de enfermagem, categoria extinta pela lei do exercício profissional já referida, que passaram a ser qualificados de auxiliares de enfermagem18. Em decorrência do processo de consolidação e ampliação de suas funções e atividades, a UFORTEC, em 1994, foi transformada na Escola de Formação Técnica em Saúde Professor Jorge Novis (EFTS), pela Lei nº 6.680, de 14 de novembro de 1994. Observa-se que as mudanças de estruturas organizacionais da área de Recursos Humanos da SESAB aconteceram não só em decorrência das mudanças de Governo, mas também para atender à exigência da demanda de serviços daquele momento (Figura 4). Figura 4. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde 1999 No decorrer dos anos de 1990, apesar da política contrária à implantação do SUS, destaca-se a elaboração das constituições estaduais e das leis orgânicas dos municípios, das conferências estaduais e municipais de saúde, da participação da sociedade civil organizada, através das entidades de classes e dos conselhos de saúde. Na Bahia, em consonância com as propostas do SUS, observa-se a implantação dos Programas e Projetos realizados pela CENDRHU, particularizando o Projeto de qualificação dos trabalhadores de nível médio; capacitação de instrutores supervisores; projeto de capacitação de gestores; programas de cursos de especialização, incluindo a expansão da residência médica; e o projeto de capacitação dos conselheiros municipais de saúde denominados Participação Popular e Controle Social no SUS, implantados com o apoio do Ministério da Saúde e financiados com recursos do Projeto Nordeste. 118 Revista Baiana de Saúde Pública No ano de 1995, assumiu a Secretaria da Saúde Dr. José Maria de Magalhães Netto. A SESAB, nesse momento, não sofreu mudança de ordem estrutural. O Governo Federal elegeu o ano de 1997 como O ano de Saúde no Brasil, comprometendo-se com a mudança do modelo de atenção, através do Programa de Saúde da Família13. A SESAB adotou também este modelo, comprometendo-se com sua implantação em todo o Estado. No final dos anos de 1990, um novo modelo de gestão de recursos humanos ganhava espaço nas organizações, exigindo do trabalhador uma postura voltada para o autodesenvolvimento e a aprendizagem contínua. A exigência de um trabalhador mais flexível criou a necessidade de uma formação mais complexa1. Observa-se que a SESAB teve um crescimento progressivo, a partir da década de 1980 até o início do processo de descentralização dos anos de 1990. A CENDRHU buscou adequar suas linhas de ação aos princípios do SUS, através de suas atribuições e das atividades desenvolvidas na área de educação em saúde, da expansão dos núcleos de RH e maior ênfase na área da gestão, com o fortalecimento da Escola de Formação Técnica em Saúde. Em 1999, no Governo de César Borges, o estado passou por outra reforma administrativa e a SESAB mudou seu regimento, através do Decreto nº 7.546, de 24 de março de 1999. Foram extintos a CENDRHU, o Centro de Informação em Saúde (CIS), e criada a Superintendência de Educação Permanente e Comunicação em Saúde (SUPECS)19. (Figura 5). Figura 5. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde 2002 v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 119 Com esta nova estrutura foram desativadas a DIAPIN e a Seção de Eventos. A UFORTEC passou a integrar o regimento como Escola de Formação Técnica em Saúde Professor Jorge Novis (EFTS), subordinada à Diretoria de Educação Permanente (DEPS), e o CIS passou a ser a Diretoria de Informação e Comunicação em Saúde (DICS). Ocorreu também a extinção da Divisão de Comunicação e Documentação e da Biblioteca. Nesse momento, ficou evidenciada a retração sofrida pela Superintendência e uma perda significativa para os usuários do SUS e estudantes universitários, que se beneficiavam com o acervo da biblioteca. Nas entrevistas realizadas com os dirigentes, todos foram unânimes em considerar a desativação da biblioteca um retrocesso para a área de recursos humanos. Regimentalmente, a SUPECS ampliou sua finalidade, pois, além de executar e supervisionar as atividades de capacitação, passou a planejar, elaborar estudos e projetos, propor políticas de formação de RH e executar a parte de informação e comunicação em saúde. Foi criada também a Assessoria Técnica, que passou a executar uma parte das atividades da extinta DIAPIN. Constatou-se também, em termos de estrutura da Secretaria da Saúde, que a SUPECS não acrescentou muito, porque as atividades que deixaram de ser desenvolvidas com a extinção de algumas diretorias e setores comprometeram o trabalho da área, que apresentava carência de profissionais, tanto em relação a número, quanto à formação. Também em termos de articulação intersetorial, pouco existia; até mesmo as diretorias da própria superintendência funcionavam isoladamente. O que representou beneficio visível foi a Escola de Formação Técnica ter adquirido status de diretoria do ponto de vista formal, possibilitando a implementação de outros cursos e a obtenção da certificação junto à Secretaria de Educação. No período de 2000 a 2003, era proposta do Governo do Estado: Saúde Uma Receita de Sucesso. A Bahia praticaria uma política de saúde inovadora, voltada para a universalização de acesso aos serviços de saúde, a partir de uma reforma organizacional do setor e de uma associação efetiva entre o estado e os municípios, de modo a conferir eficiência, maior racionalização dos recursos e capacidade de investimentos. A proposta para a área de Recursos Humanos era capacitar profissionais de saúde e elevar o padrão de qualidade e eficiência do atendimento prestado à população no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)20. No ano de 2000, foi realizada a XI Conferência Nacional de Saúde. Através da SUPECS, foram coordenadas as Conferências Municipais e realizada a Conferência Estadual de Saúde. Destaca-se também o credenciamento da Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS), pelo Ministério da Saúde (MS), para participar como executora do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE). 120 Revista Baiana de Saúde Pública No ano de 2001, em consonância com a política de RH do MS, a Secretaria, através da SUPECS, compôs um grupo de trabalho para elaboração de uma proposta do Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos do Grupo Ocupacional Serviços Públicos de Saúde. A experiência vivenciada pela DEPS, da SUPECS, ao longo desse período, fez com que fossem identificadas novas necessidades, em particular na área da gestão e da atenção à saúde, voltadas ao novo modelo de atenção à saúde. Ao final deste ano foi criada a Escola Estadual da Saúde Pública Professor Francisco Peixoto de Magalhães Netto (EESP), com a finalidade precípua de executar a Política Estadual de Recursos Humanos para o SUS, no que se refere à Política Educacional. Esta escola, portanto, foi concebida para preparar profissionais de nível superior para atuar como formadores, nos vários níveis do Sistema Único de Saúde, em parceria com as instituições de ensino e pesquisa presentes no Estado, viabilizando, tal como previsto na legislação federal, [...] a transformação de toda rede de gestão e de serviços em ambientes-escola.21:7. Em dezembro de 2002, ainda no governo César Borges, por decisão política interna da Secretaria, foi novamente modificado o Regimento da SESAB. A estrutura da SUPECS sofreu, então, as seguintes alterações: formalização da Escola Estadual de Saúde Pública (que absorveu todas as atribuições da antiga DEPS) e passagem da EFTS para o nível de Diretoria22 (Figura 6). Figura 6. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde 2003 v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 121 Essa proposta trouxe novas possibilidades em termos de condições estruturais e políticas de proporcionar formação para os trabalhadores do SUS, pois uma Escola é traduzida por sua autonomia e especificidade. Uma escola voltada para os profissionais estaduais e municipais propôs-se a fazer mudanças dentro do SUS, alterando os campos de prática e de trabalho. Segundo o Diretor da Escola Estadual de Saúde Pública: A EESP nasce de uma necessidade de formar o trabalhador de saúde também em áreas especializadas, a formação de recursos humanos voltada para o SUS, formando, no mesmo espaço de trabalho, em parceria com as universidades, que passaram a ser as grandes colaboradoras no processo de formação do SUS. Na visão de alguns dirigentes e assessores da área de RH da SESAB entrevistados, a EESP ainda não atingiu seu objetivo, porque, até início de 2004, continuava a desenvolver as atividades da antiga DEPS (apenas havia trocado de nome). Segundo relato de Maria Auxiliadora L. M. Machado, em entrevista, antes de a CENDRHU ter se tornado SUPECS, havia uma concepção de se [...] criar uma Fundação Escola de Saúde Pública à semelhança da que existe na Secretaria de Saúde do estado do Ceará. O movimento interno da DEPS, para criar uma escola de nível superior para os profissionais do SUS, ainda não foi conformado pelos integrantes da própria superintendência e também isso se reflete no âmbito externo das outras Superintendências e organismos da própria SESAB, já que o processo de interlocução no âmbito da Secretaria não era percebido e continuava com a mesma dimensão de quando era uma Diretoria. Esse processo, entretanto, pôde ser percebido diferentemente nas instituições fora da SESAB. Confirma esta análise a não efetivação da estrutura organizacional da Escola, assim como os sucessivos adiamentos da publicação e oficialização de seu regimento. Ainda nesse ano de 2004, a EFTS recebeu o prêmio UNESCO/MS de Inovação Educacional, ao qual concorreram 300 escolas similares em todo o país. A SUPECS alavancou, junto com a Secretaria de Administração do Estado (SAEB), o novo Plano de Carreira e Vencimentos do Grupo Ocupacional Serviços Públicos de Saúde23. Em fevereiro de 2003, a DICS desligou-se da SUPECS, através da Portaria da Secretaria da Saúde nº 214 / 2003. A DICS passou a desenvolver suas atividades através das duas Escolas, a EFTS e a Escola Estadual de Saúde Pública (EESP)24. (Quadro 1). 122 Revista Baiana de Saúde Pública Area de Recursos Humanos SESAB Composição 01 Diretoria e 04 subcoordenações CETRE Centro Treinamento Estruturas Formais 1973 Atender demanda de capacitação em larga escala. CETRE Centro de Treinamento 1976 Incorporação da Biblioteca e criação Núcleo de Documentação e Formação Aumento do volume de trabalho dos profissionais e ínicio de desenvolvimento do Projeto IMCAS CETRE Centro de Treinamento Estruturas Internas Informais 1978 Incorporação de 01 Assessoria de Planejamento Incorporação de 02 setores na Coordenação de Ccapacitação (Recrutamento e Seleção)-; e na Coordenação de Planejamento e Pesquisa (Cargos e Salários). CENDRHU Centro de Desenvolvimento de R. Humanos 1980 Ampliado conforme mudança regimental da estrutura da SESAB. Incorporar a Gerência de Capacitação: 03 sub- gerencias; 10 seções e 03 setores; 01 subgerência de lotação e Movimentação com 02 seções e 04 setores e 01 Coordenação de Educação e Saúde. NDRHU Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos 1987 Ampliado de acordo a mudança político organizacional do Estado. CENDRHU Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos Incorpora 03 Divisões; 04 Unidades e 07 seções, visando atender a política do Governo Federal. CENDRHU Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos 1991 Incorporação da Escola Estadual Formação Técnica (EFTS). Formato da nova estrutura : 03 Divisões com 03 unidades e 05 seções; A EFTS com 02 coordenações e 02 seções SUPECS Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde Mudança decorrente da reforma administrativa do Estado. Com a seguinte composição: 02 Assessorias; 02 Diretorias e 09 Coordenações SUPECS Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde 01 Diretoria ; 02 Escolas: EFTS e EESP 1994 1999 2002 Quadro 1. Demostrativo das Estruturas Regimentais e Informais que desenharam a área de RH da SESAB (1974 2004) v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 123 SUPECS Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde Atualmente, a SUPECS conta com 102 (cento e dois servidores), sendo 56 (cinqüenta e seis) de nível superior, 34 (trinta e quatro) de nível médio e elementar e 12 (doze) ocupam cargo temporário, sem vínculo com o Estado. Em termos de estrutura regimental, a SUPECS perdeu a Diretoria de Informação e de Comunicação em Saúde, que desenvolvia atividades de Informação e Educação em Saúde e consolidava dados estatísticos de saúde e descentralização dos Sistemas de Informação. Foi implementanda, no âmbito estadual, a Rede Nacional de Informações em Saúde (RNIS), através da assessoria sistemática, treinamentos e supervisões nos municípios e nas DIRES. O levantamento documental, os depoimentos dos entrevistados e o desenho do organograma do setor evidenciam que essa mudança estrutural conduziu a SUPECS a um processo de retração, em que é cada vez menos solicitada no âmbito central da própria Secretaria de Saúde. Propostas e projetos não são elaborados, e essa superintendência apenas desenvolve atividades de capacitação pontuais e localizadas, perdendo seu caráter de Superintendência de Educação Permanente. Destaca-se que a DEPS tinha uma proposta de articulação com as universidades. Dessa relação, ela passou a coordenar o Pólo de Saúde da Família (PSF), projeto do Ministério, envolvendo as universidades e as Secretarias Municipais de Saúde. Com isso, a articulação e a relação ocorriam com mais freqüência fora da Secretaria do que em seu interior. No final de 2003, já nas instalações da EESP, o Pólo de Saúde da Família adquiriu uma nova concepção política, definida pelo Ministério da Saúde, que instituiu os Pólos de Educação Permanente em Saúde para os profissionais do SUS. Esses Pólos serão articulados em rede estadual, formalizada por resolução do Conselho Estadual de Saúde, mediante a constituição de instâncias colegiadas estaduais com funções e composições definidas e uma Secretaria Executiva coordenada pelo gestor estadual, através da EESP e da EFTS. Em 2004, a SESAB contratou uma consultoria externa para, junto com os dirigentes da Administração Central, elaborar uma remodelagem em toda a estrutura da Secretaria. A proposta para a área de RH deverá ser favorável, pois resgata a gestão de RH, ou seja, a SUPECS. Além de continuar com as duas Escolas, deverá agregar duas novas diretorias: Administração de RH e Desenvolvimento de RH. Sendo aprovada esta nova proposta, o órgão de RH deverá funcionar de maneira mais abrangente, não só promovendo a educação permanente, mas também gerindo a área de administração de pessoal. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo traçou a trajetória da criação da área de recursos humanos da SESAB e descreveu as mudanças nas diversas estruturas institucionais, ocorridas ao longo das três décadas delimitadas na pesquisa. No primeiro momento de sua concepção, a visão e a dimensão desta 124 Revista Baiana de Saúde Pública área era bastante reduzida. Todos os seus investimentos estavam voltados para a capacitação de seus RHs, com priorização para o nível médio e elementar Projeto Larga Escala; o desenvolvimento de projetos e programas oriundos do Ministério da Saúde (MS); bem como para os projetos de capacitação pontuais e verticais no final dos anos de 1970 e toda a década de 1980, difundidos para todo o estado da Bahia, com vistas a atender às exigências dos Projetos e Programas do Governo Federal e também ao processo de descentralização das ações do órgão de capacitação. Convém ressaltar que nos anos de 1980, a área de RH teve papel relevante dentro e fora da instituição. Buscou a articulação com órgãos e instituições de ensino e outras entidades públicas, principalmente pelo papel de acompanhamento e supervisão que desempenhava junto às DIRES. Em consonância com as políticas públicas, iniciou o processo de descentralização das ações para os municípios. Na década de 1990, em decorrência das mudanças regimentais, destaca-se o retrocesso sofrido pela Coordenação de RH com a perda da Sub-Gerência de Lotação e Movimentação de Pessoal, que passou a ser gerida pelo SAG, e a extinção da Biblioteca. Salientam-se como avanços a criação de Unidade de Formação Técnica em Saúde (UFORTEC), que, posteriormente, foi transformada na Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS), e a inserção na SUPECS do antigo CIS, que passou a denominar-se DICS. No período de 2000 a 2004, ressalta-se a criação da Escola Estadual de Saúde Pública (EESP). Dentre suas atribuições destaca-se a coordenação da Secretaria Executiva dos Pólos de Educação Permanente em Saúde. Nos últimos cinco anos, o panorama do órgão de RH revela a existência de novos rumos e um melhor redirecionamento e organização de suas ações. Essa possibilidade de mudança de trabalho, ou seja, fazer a educação permanente através das duas escolas, é também uma política de governo, que se propõe a melhorar a atuação do SUS, através da mudança de paradigmas, que concretizem a educação permanente no serviço de saúde, principalmente no que tange às propostas político-pedagógicas que as duas escolas desenvolvem. Para a continuidade do processo de estruturação dessa área, merece destaque a importância de buscar articulação com outros órgãos da própria SESAB e com instituições de ensino superior e Escolas Técnicas, órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde (SUS) Bipartite, Tripartite e Conselhos de Saúde e organizações não governamentais. Com isso, as atividades de RH devem ser desenvolvidas com o envolvimento de outros setores parceiros, de modo a assegurar a co-responsabilidade na formação e valorização de RHs para o SUS. Verificou-se que os maiores obstáculos para a estruturação da área de RH da SESAB envolveram, no início, a visão restrita em se idealizar sua competência, seu papel, os condicionantes políticos, administrativos e organizativos revelados pelas fragilidades das estruturas, v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 125 especialmente aquelas relativas à década de 1970. A insuficiente priorização da área de RH é demonstrada pelos cortes e desativação de estruturas vitais para esta área, a exemplo da extinção da biblioteca e a histórica divisão entre os setores responsáveis pela capacitação e lotação/ movimentação de recursos humanos. Ainda como obstáculo, o estudo revela a dificuldade de concretizar estruturas de desenvolvimento de recursos humanos em instâncias descentralizadas, especialmente nos níveis locais e municipais. As transformações necessárias para que a estrutura organizacional da SESAB, especificamente a área de RH, atendesse as prioridades e ações determinadas pelas políticas e diretrizes traçadas para viabilizar planos, programas e atividades, deveriam ser definidas em razão direta da necessidade de implementar ações estratégicas. Deste modo, a fim de melhor cumprir sua missão institucional, as estruturas deveriam ser flexíveis e dinâmicas, para se adequarem aos constantes desafios colocados pelas diversas conjunturas. Convém ressaltar que são evidenciados ainda pelo estudo os grandes desafios a serem enfrentados por esta área, no que diz respeito à carência de recursos financeiros, de pessoal e a falta de articulação da área com os demais setores da Secretaria. Quanto às estruturas organizacionais, revelam precariedades tanto em termos de posicionamento hierárquico dentro da estrutura da Secretaria, que gera afastamento do setor do núcleo decisório, como em termos de instrumentos, comunicação insuficiente e, principalmente, ausência de um sistema de informação adequado. O estudo mostra que é necessário maior interesse e investimento em todos os níveis da gestão da SESAB na estruturação do órgão de Recursos Humanos. AGRADECIMENTOS Aos dirigentes da SESAB, que possibilitaram a realização do curso de especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde; aos dirigentes e ex-dirigentes que responderam prontamente à solicitação de participarem do estudo como entrevistados; a Profa. Lorene Louise Silva Pinto, pela imprescindível colaboração na condução do trabalho; a Ivone Brito, que ajudou na busca dos documentos oficiais, para fundamentação do estudo; e à orientadora e autora Telma Dantas, por seu entusiasmo com o tema e por acreditar nesse desafio. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Estruturação da área de recursos humanos nas Secretaria de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Brasília: CONASS; 2004. 2. 126 Paim JS. Recursos humanos em saúde no Brasil: problemas crônicos e desafios agudos. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP; 1994. Revista Baiana de Saúde Pública 3. Rehem R, Mendes V. Compreendendo o papel do Estado. In: Escola Politécnica Joaquim Venâncio. Texto de apoio à administração. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; OMS; OPAS; 2001. 4. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7ª. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco; 2000. 5. Bahia. Lei nº 3.104, de 28 de maio de 1973. 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Salvador: FUSEB; 1979. 11. Fundação de Saúde do Estado da Bahia. Centro de Treinamento. Relatório de Atividades, 1978-1979. Salvador: FUSEB; 1979. 12. Fundação de Saúde do Estado da Bahia. Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Relatório de Atividades, 1980. Salvador: FUSEB; 1980. 13. Paim JS. Políticas de descentralização e atenção primária à saúde. In: Rouquariol M, Almeida Filho N. Epidemiologia e saúde. Rio de Janeiro: MEDSI; 1999. p. 597. 14. Paim JS. Saúde, política e reforma sanitária. Instituto de Saúde Coletiva. Salvador: COOPTEC; 2002. 15.Teixeira CFS. Planejamento em saúde na construção do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUDS-BA. Salvador: 1988 (xerografado). 16. Bahia. Decreto nº 684, de 18 de novembro de 1991. Dispõe sobre o Regimento da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Diário Oficial do v.30, n.1, p.105-128 jan./jun. 2006 127 Estado, Salvador, 19 de novembro 1991. 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Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Superintendência de Educação Permanente e Comunicação em Saúde. Relatório Anual de Atividades - 2002. Salvador: SESAB/SUPECS; 2002. 24. Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Portaria nº 214, de 06 de fevereiro de 2003. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, 07 de fevereiro de 2003. Recebido em 28.07.2005 e aprovado em 17.04.2006. 128 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública FATORES A SSOCIADOS À INTERRUPÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO NA S CRIANÇAS MENORES DE SEIS MESES DE IDADE, DA CIDADE DE RIO BRANCO (ACRE) Maria Gerlívia de Melo Maiaa José Tavares-Netob Rita de Cássia Franco Rêgoc Pascoal Torres Munizd Resumo A amamentação é fundamental para a saúde das crianças, resultando em benefícios nutricionais, imunológicos, emocionais e econômico-sociais, com reflexo em seu desenvolvimento infantil, além de apresentar vantagens para a saúde materna. O objetivo deste estudo é identificar os fatores associados à interrupção do Aleitamento Materno Exclusivo (AME) em crianças menores de seis meses de idade, de Rio Branco, Estado do Acre. Trata-se de um estudo exploratório de corte transversal, tendo como população-alvo 445 crianças na faixa etária de cinco e seis meses de idade, nascidas e residentes em Rio Branco. As mães apresentaram uma idade média de 24,7 anos; a prevalência de AME, foi de 70,6% na faixa etária de 0-15 dias, e de 12,9% na faixa etária de 151 a 180 dias; a duração mediana de AME correspondeu a 60 dias. As variáveis associadas ao desmame foram: uso de mamadeira e chupeta, mãe trabalhar fora de casa, não possuir carteira assinada, ser adolescente, ser primípara, não receber orientação no Pré-natal, tipo de parto e apresentar problemas na mama. As principais variáveis associadas ao desmame precoce foram: uso de chupeta e uso de mamadeira. Concluiu-se que o desmame envolve questões culturais, educacionais e de responsabilidade dos serviços de saúde. Desenvolver ações em favor da amamentação desde a pré-escola é importante para resgatar a prática do aleitamento materno e alterar positivamente os indicadores de saúde infantil. Palavras-chave: Amamentação. Amazônia. Desmame. Leite materno. Rio Branco. a Mestranda do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina da Bahia, da Universidade Federal da Bahia. b Professor adjunto-doutor e livre docente de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia. Professora adjunto-doutora da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia. c d v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 Professor adjunto-doutor do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Acre. Endereço para correspondência: Maria Gerlívia de Melo Maia. Rua Bartolomeu Dias, 191- Bosque. Rio BrancoAcre - CEP: 69 909-450. E-mail: [email protected] 129 FACTORS ASSOCIATED TO THE INTERRUPCION OF BREAST-FEEDING IN MINOR INFANTS OF SIX MONTHS OLD, IN RIO BRANCO URBAN CITY (ACRE) Abstract Breast-feeding is essential to childrens health with a direct reflection on their development, resulting in nutritional, immunological, emotional and socio-economical benefits for them and also presenting some advantages to the maternal health. Identify the factors associated with the interruption of exclusive breast feeding (EBF) in six-months-old, in Rio Branco city (Acre). A sectional study of 445 children in age group from five to six months, born at maternity hospitals or at home in Rio Branco. The average of the mothers age was about 24.7 years, the prevalence of EBF was 70.6% in the age group of 0-15 days, and 12.9 in the age group of 151 to 180 days. The EBF average of EBF was 60 days. The variables associated with weaning were: working out, not having a job card, getting pregnancy early, being a first time mother not having pre-natal care, kind of deliverance presenting breast problems, and the use of bottle and dummy were: use of dummy and use of bottle. The findings show that weaning involves cultural and educational factors besides health care responsibility. It is clear that developing actions to improve breast feeding practice since pre-school can be decisive so that in a near future it will be is resumed can lead to a great change in the infants health indicators. Key words: Breast milk. Breast feeding. Weaning. Rio Branco. Amazon. INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno exclusivo seja mantido até os seis meses de idade da criança, quando torna-se necessária a introdução de alimentos complementares, em conjunto com a amamentação até dois anos ou mais1. O leite materno, por suas características bioquímicas e por suas vantagens econômicas e psicossociais, representa o alimento ideal para lactentes, sendo fator preponderante no combate à desnutrição e à mortalidade infantil. Desta maneira, o estudo das causas do desmame precoce e de seus fatores de risco são de grande interesse para a saúde pública2. No Brasil é possível observar um aumento significativo na duração mediana de aleitamento materno. Observa-se que este valor passa de 2,5 meses, em 1975, segundo o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), para 5,5 meses, em 1989, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN); 7 meses, em 1996, e 9,9 meses, em 1999, na Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais e no Distrito Federal, realizada pelo Ministério da Saúde (MS)3. 130 Revista Baiana de Saúde Pública Estes avanços foram conquistados com a implementação de uma política nacional em favor do aleitamento materno, retomada na década de 1970. Por exemplo: a modificação na constituição Brasileira de 1988, com relação ao tempo de licença à gestante, ampliada de 90 dias para 120 dias; a implantação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, criada para promover a implementação da segunda meta operacional da Declaração de Innocenti, que assegura aos estabelecimentos que ofereçam serviços de maternidade e a prática integral de todos os Dez Passos para o sucesso do aleitamento materno, introduzido no Brasil em 1992; o Prêmio Galba de Araújo, que reconhece e premia as unidades de Saúde que desenvolvem e se destacam na humanização do atendimento obstétrico e neonatal e ao incentivo ao parto normal, instituído em 1999, pelo MS; a implantação da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, que possibilita a promoção da amamentação; a publicação, em 2000, da portaria da Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso (Método Canguru), que permite o contato pele a pele entre a mãe (ou pai) e o bebê prematuro. Além disso, alguns eventos contribuem para a divulgação, como a comemoração da Semana Mundial de Aleitamento Materno, desde 1992. O Brasil, entretanto, ainda está longe de alcançar o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em relação à implementação efetiva de uma política nacional, pois os índices apresentados pelo país, tempo mediano de 23,4 dias de aleitamento exclusivo, são ainda insatisfatórios3. Em função das taxas do aleitamento materno no Brasil, do grau de desenvolvimento do país e das evidências epidemiológicas da importância da amamentação, a promoção do aleitamento deve ser vista como uma ação prioritária para a melhoria da saúde e da qualidade de vida das crianças e de suas famílias. No Estado do Acre, o conhecimento da importância do aleitamento materno teve origem com as experiências inovadoras na Maternidade Bárbara Heliodora, a partir de 1993, com a criação do ambulatório de acompanhamento das crianças para a promoção, defesa e apoio da amamentação. Em vista das diferenças regionais para a implementação das políticas de incentivo a amamentação, buscou-se estudar a dinâmica do processo de aleitamento materno na realidade de Rio Branco, cuja especificidade, certamente, contribuirá para uma melhor compreensão desta dinâmica e para o desenvolvimento da política de incentivo ao aleitamento materno na Região Amazônica. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo escolhida limitou-se ao espaço urbano do município de Rio Branco, capital do Estado Acre, que possui uma superfície de 8.580 Km², representando 6,5% da área do Estado. v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 131 A cidade de Rio Branco possuía, no ano 2000, população de 253.059 pessoas, sendo 226.298 (89,42%) na área urbana e 26.761 (10,58%) na área rural. Cerca de 40.693 pessoas são menores de cinco anos4. A Taxa de Mortalidade Infantil no ano de 2003 era de 21,9 e a taxa de mortalidade neonatal era de 15,2 por mil nascidos vivos, conforme dados do SINASC de 2004e. A pesquisa consiste em um estudo exploratório de corte transversal. Para a realização de estudos transversais sobre aleitamento materno, com o grupo materno infantil, tem sido utilizada como estratégia a Campanha de Vacinação. Esta estratégia apresenta como vantagens: a concentração da população-alvo em locais pré-determinados no dia da campanha, a facilidade, a rapidez e o baixo custo na obtenção de informações3,5. A população-alvo foi constituída por todas as crianças com idades entre cinco e seis meses e vinte e nove dias completados até o dia da coleta, nascidas nas maternidades de Rio Branco e residentes na área urbana do município. Nesse dia, 05 de maio de 2004, foi realizado o levantamento de caráter universal, envolvendo todos os acompanhantes das crianças que compareceram aos postos de vacinaçãoe. No período de realização desta pesquisa, os dados fornecidos pelo SINASC informam que a média de nascidos-vivos/mês nas maternidades do município de Rio Branco foi de 604 crianças, tendo taxa de mortalidade neonatal de 14,6. Em junho de 2004, a população menor de um ano em Rio Branco era de 7.710 crianças e a meta mínima da campanha de vacinação era de 95%6. A meta alcançada nessa etapa de campanha foi de 124,8%. Neste estudo, foram identificadas 445 crianças na faixa etária entre cinco e seis meses de idade. Como a cobertura vacinal foi ultrapassada, pressupõe-se que todas as crianças da faixa etária incluída nesta pesquisa compareceram no dia da vacinação. A aplicação dos questionários aconteceu, em sua grande maioria, no dia 05 de junho de 2004, data da primeira etapa da Campanha de Vacinação, nos 136 locais de vacinação definidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco. Realizou-se também, posteriormente, a busca de endereços de crianças, cujas mães, por algum motivo, não compareceram ao local de vacinação. Os entrevistadores participaram de um treinamento, no qual foram abordadas as questões de metodologia da pesquisa, a aplicação do instrumento de coleta de dados, composto de um questionário pré-codificado, testado e validado7. Este instrumento foi adaptado para e Dados extraídos do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) gerado pelo DATASUS. Consulta realizada na Vigilância Epidemiológica Estadual da Secretaria de Estado de Saúde do Acre. 132 Revista Baiana de Saúde Pública utilização com outras formas de perguntas e informes gerais sobre a Campanha Nacional de Vacinação. O instrumento de coleta de dados foi composto de 58 perguntas em sua grande maioria fechadas, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde para levantamento sobre amamentação, usados na Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais e no Distrito Federal3, que incluiu: dados de identificação da mãe e da criança; questões relacionadas à mãe (número de partos, estado civil, escolaridade, ocupação etc.); situação sócioeconômica da família, história da gravidez e do nascimento da criança; história alimentar, hábitos e práticas alimentares da criança; além de dados sobre a alimentação da criança nas 24 horas precedentes. Utilizaram-se as seguintes definições das variáveis dependentes para a análise: Aleitamento Materno Exclusivo (AME): crianças menores de seis meses do Município de Rio Branco alimentadas exclusivamente com leite materno nas últimas vinte e quatro horas; Aleitamento Materno Predominante (AMP): crianças menores de seis meses do Município de Rio Branco alimentadas com leite materno, mas que ingeriram água, chá, ou suco nas últimas vinte e quatro horas e/ou em qualquer momento de sua vida, antes de completados os seis meses; Aleitamento Materno Total (AMT): crianças menores de seis meses que receberam leite materno, independente de outro alimento, nas últimas vinte quatro horas e/ou em qualquer momento de sua vida, antes de completados os seis meses. As informantes de escolha eram as mães das crianças, selecionadas no estudo de forma voluntária, sendo informadas dos objetivos da pesquisa, bem como de sua relevância social e científica. Após essas informações, era lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado do Acre (FUNDHACRE). RESULTADOS Quanto às características maternas, 22,5% das mães (n=100) estavam na faixa etária entre 14 e 19 anos e a média de idade foi de 24,7 (±6,06) anos, 77,5% (n=345) das mães tinham acima de 19 anos. A maioria das mães (68,1%; n= 303) era do grupo racial pardo, sendo que as demais apresentavam a seguinte distribuição: 22,0% (n=98) branco; 6,3% (n=28) negro; 2,2% (n=10) amarelo e 1,3% (n=6) indígena. Em relação ao número de filhos, mais da metade das mães 58,7% (n=261) havia parido mais de um filho e 41,3% (n=184) eram primíparas. Relativamente às mães, um total de 141 (31,7%) trabalhava fora e 13,9% (n=62) tinham carteira de trabalho assinada. Quanto à escolaridade, 3,6% (n=16) não haviam freqüentado escola e 54,6% tinham até 8 anos de estudos. No tocante ao estado civil, 25,8% (n= 115) eram solteiras; 71,0% (n= 316) casadas ou com companheiro fixo e 3,2% (n=14) viúvas ou separadas. v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 133 Em relação à renda familiar-mensal, observou-se que 47,2% (n=211) das famílias recebiam até um salário-mínimo, o que representava R$ 260,00 à época. Quanto ao local de nascimento, 21,4% (n=93) das crianças nasceram em hospital amigo da criança. Do total de crianças, a maioria 62,9% (n=280) nasceu de parto realizado por médicos; 17,1% (n=76) assistidas por enfermeiros(as) e 17,8% (n=79) por parteiras, sendo a proporção de cesáreas de 39,6% (n=176). Em relação ao sexo das crianças, a proporção foi de 1,2 meninos (n=243) para uma menina (n=200) ou, respectivamente, 54,8% e 45,2%. Em relação ao peso das crianças ao nascer, observou-se que 9,8% (n=43) nasceram com peso inferior a 2.500 gramas, 19,2% (n=84) nasceram com peso entre 2.500 a 2.999 gramas e 71% (n=310) nasceram com peso superior a 3.000 gramas. No que concerne aos fatores ligados à gravidez, observa-se, quanto ao pré-natal, que 3,4% (n=15) das mulheres não realizaram nenhuma consulta e 61,2% (n=273) tiveram 6 ou mais consultas. Entre aquelas com consultas durante o pré-natal (n=430), a maioria (69,7%; n=310) recebeu alguma orientação sobre aleitamento materno e 65,2% (n=300) também informaram ter recebido orientação no local do parto. O percentual de mães sem nenhuma orientação durante o pré-natal foi de 30,1% (n=134). O pré-natal na rede SUS foi realizado por 80,9% (n=360) das mulheres e 15,7% (n=70) em serviço particular. A proporção de crianças que não receberam qualquer tipo de acompanhamento em puericultura foi de 14,4% (n=64). Dentre as crianças acompanhadas, 73,7% (n=328) eram atendidas na rede SUS e 11,9% (n=53), em serviço particular. Conforme Tabela 1, observa-se que, considerando-se como variável-resposta a amamentação exclusiva, as crianças que usaram chupeta apresentaram 14% mais desmame precoce do que as que não usaram [RP=1,14 com IC 95% (1,06 1,21)]; crianças que usaram mamadeira apresentaram 40% mais desmame precoce [RP=1,40 com IC95% (1,27 1,56)]; crianças que haviam nascido pela via não vaginal apresentaram 10% maior probabilidade de serem amamentadas exclusivamente [RP=0,90 e IC95% (0,83 - 0,97)]. Os outros fatores investigados não foram estatisticamente significantes em relação à amamentação exclusiva. A Tabela 1 também mostra que, ao predominar a amamentação na variávelresposta, as crianças que usaram mamadeira apresentaram 2 vezes mais desmame precoce do que as crianças que não utilizaram [RP=2,16 com IC 95% (1,74 2,68)]; e as crianças que usaram chupeta apresentaram 60% mais desmame precoce do que as que não usaram [RP= 1,60 com IC 95% (1,41 1,80)]. Entre as crianças cujas mães possuíam carteira de trabalho assinada, a chance de não serem desmamadas precocemente foi 21% menor [RP=0,79 com IC 95% (0,68 0,91)]; 134 Revista Baiana de Saúde Pública os filhos de mães que trabalhavam fora apresentaram 27% maior probabilidade de desmame precoce [RP=1,27 com IC 95% (1,20 1,44)] quando comparadas às crianças cujas mães não trabalhavam; a criança cuja mãe era adolescente (idade inferior a 19 anos) apresentou 25% maior probabilidade de desmame precoce [RP = 1,25 com IC 95% (1,09 1,42)]; as crianças filhas de mães primíparas apresentaram 16% maior probabilidade de desmame precoce [RP=1,16 com IC 95% (1,01 1,32)]; as crianças cujas mães não foram orientadas no pré-natal tiveram 17% maior probabilidade de serem desmamadas precocemente [RP= 1,17 com IC 95% (1,02 1,33)]; os filhos de mães que referiram algum problema na mama (fissura ou dor ao amamentar) apresentaram 15% maior probabilidade de desmame precoce [RP= 1,15 com IC 95% (1,00 1,32)]. Quando a variável resposta foi aleitamento materno, independente de complemento, observou-se (Tabela 1) que filhos de mães adolescentes apresentaram 2,13 vezes (113%) maior probabilidade de desmame precoce [RP=2,13 com IC 95% (1,58 2,86)]; filhos de primíparas apresentaram 63% maior probabilidade de desmame precoce [RP=1,63 com IC 95% (1,192,21]; crianças cujas mães trabalhavam fora apresentaram 38% maior probabilidade de desmame precoce, resultado estatisticamente significante [RP=1,38 com IC 95% (1,01 1,88)]; se a criança fez uso de chupeta apresentava uma probabilidade 2,39 vezes maior de desmame precoce [RP=3,9 com IC 95%(2,79 5,44)]; quando a criança usava mamadeira, a probabilidade de desmame precoce era 5,49 (449%) vezes maior [RP= 5,49 com IC 95% (2,9610,18)]. As variáveis estado civil e escolaridade materna não atingiram o nível de significância estatística. v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 135 136 383 62 100 345 CARTEIRA ASSINADA Não Sim MAE ADOLESCENTE Sim Não 135 310 176 269 267 178 295 150 158 289 ORIENTAÇÃO PRE NATAL Não Sim TIPO DE PARTO Cesárea Normal PROBLEMAS NA MAMA Sim Não USA MAMADEIRA Sim Não USA CHUPETA Sim Não 184 261 141 304 TRABALHA FORA DE CASA Sim Não PRIMIPARA Não Sim 129 316 ESTADO CIVIL Não ter companheiro Ter companheiro 29 71 % 35,5 64,9 66,3 33,7 60 40 39,6 60,4 30,3 69,7 41,3 58,7 22,5 77,5 86,1 13,9 31,7 68,3 Total N VARIÁVEL NÃO 147 284 103 232 155 143 244 116 271 162 225 91 296 331 56 128 259 109 278 n 94,2 96,3 68,7 86,9 87,1 81,3 90,7 85,9 87,4 88 86,2 91 85,8 86,4 90,3 90,8 85,2 84,5 88 % 9 11 47 35 23 33 25 19 39 22 36 9 49 52 6 13 45 20 38 n SIM 5,8 3,7 31,3 13,1 12,9 18,8 9,3 14,1 12,6 12 13,8 9 14,2 13,6 9,7 9,2 14,8 15,5 12 % 1,14 1,4 1 0,9 0,98 1,02 1,06 0,96 1,07 0,96 RP IC95% (1,06-1,21) (1,26-1,57) (0,93-1,07) (0,83-0,97) (0,91-1,07) (0,95-1,10) (0,98-1,14) (0,87-1,05) (0,99-1,14) (0,88-1,24) Amamentação exclusiva 130 158 238 56 186 108 109 185 99 195 132 162 78 216 244 50 109 185 % 87,2 54,7 80,7 37,3 69,7 60,7 61,9 68,8 73,3 62,9 71,7 62,1 78 62,6 63,7 80,6 77,3 60,9 69,8 71 NÃO 90 316 n 20 131 57 94 81 60 67 84 36 115 52 99 22 129 139 12 32 119 39 38 n % 12,8 45,3 19,3 62,7 30,3 39,3 38,1 31,2 26,7 37,1 28,3 37,9 22 37,4 36,3 19,4 22,7 39,1 30,2 12 SIM 1,6 2,16 1,15 0,9 1,17 1,16 1,25 0,79 1,27 1,08 RP (1,41-1,80) (1,74-2,68) (1,00-1,32) (0,78-1,04) (1,02-1,33) (1,01-1,32) (1,09-1,42) (0,78-0,91) (1,12-1,44) (0,94-1,24) IC95% Amamentação predominante 80 38 % 51,3 13,1 36,6 6,7 29,6 21,9 25 27,5 25,9 26,8 34,2 21,1 45 21,2 25,3 33,9 32,6 23,7 31,8 24,4 NÃO 108 10 79 39 44 74 35 83 63 55 45 73 97 21 46 72 41 77 n 76 251 187 140 188 139 132 195 100 227 121 206 55 272 286 41 95 232 88 239 n % 48,7 86,9 63,4 93,3 70,4 78,1 75 72,5 74,1 73,2 65,8 78,9 55 78,8 74,7 66,1 67,4 76,3 68,2 75,6 SIM (0,97-1,89) (0,66-1,25) (0,69-1,36) (1,19-2,21) (1,58-2,86) (0,51-1,10) (1,01-1,88) (0,95-1,79) IC95% 3,9 (2,79-5,44) 5,49 (2,96-10,18) 1,35 0,91 0,97 1,63 2,13 0,75 1,38 1,3 RP Amamentação total Tabela 1. Fatores de risco associadas ao abandono da amamentação exclusiva (AME), Predominante (AMP) e Total (AMT) em crianças de cinco e seis meses de idade, RP bruta e IC95%, em Rio Branco, 2004 Revista Baiana de Saúde Pública DISCUSSÃO Pode-se observar neste estudo grande aumento do número de crianças amamentadas em Rio Branco no período de 1994 a 2004, principalmente de forma exclusiva. Em 1994, apenas 39,2% das crianças recebiam leite materno aos seis meses de idade8. Em 2004, isso foi observado em 67,9% das crianças da mesma faixa etária. Também aumentou o aleitamento exclusivo aos três meses: em 1994 era em apenas 2,0%8 das crianças, passando a ser 35,5% em 2004. Os resultados deste estudo mostram que 99,8% das crianças são amamentadas no primeiro dia de vida, no entanto, à medida que a criança vai crescendo, começa o processo de desmame. No décimo quinto dia de vida, essa taxa é 96,4%, passando para 90,1% no primeiro mês de vida. Essas taxas, porém, apresentam-se superiores aos resultados da pesquisa nacional realizada em 1999 3. Vários autores confirmaram associação entre o uso de chupeta, o atraso no desenvolvimento em crianças menores de um ano9 e a menor duração do aleitamento materno5,10,11,12, também evidenciado neste estudo, no qual foi encontrada uma prevalência de uso de chupeta de 35,1% nas crianças estudadas. A proporção de crianças em uso de mamadeira foi de 66,3%. Este fato acontece devido a este hábito ser bastante difundido e culturalmente arraigado em outros países e no Brasil 13 e ao total descumprimento da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL). Em alguns estudos, a baixa escolaridade materna apresentou fator de risco ao desmame14,15, fato que não foi observado neste estudo. Porém, é importante ressalvar que mulheres com maior escolaridade podem pertencer a classes mais favorecidas e deterem mais conhecimentos14. Observou-se, neste estudo, a significante associação do trabalho fora de casa da mãe com o desmame precoce, o que também havia sido assinalado em investigação realizada em Feira de Santana (Bahia)12. Outros autores constataram que as mulheres não só precisam de benefícios trabalhistas para amamentar exclusivamente16, como também de estarem bem informadas da importância dessa prática e de como utilizarem melhor esses benefícios. Neste estudo, as mães sem carteira de trabalho assinada ou sem emprego formal têm marcante fator de risco para suas crianças deixarem de ter o aleitamento materno predominante. Este fato pode ser atribuído à falta de estabilidade no emprego e ao não usufruto dos direitos da mulher que amamenta. Embora esses direitos sejam previstos na legislação brasileira, não são cumpridos. v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 137 Como observado em alguns estudos, a idade materna (<19 anos) e a primiparidade associaram-se de forma estatisticamente significante ao desmame (AM), o que pode estar relacionado à falta de experiência anterior e isto justifica a necessidade de inserir ações educativas nesses grupos, a exemplo de grupos de gestantes12,17. Apesar de não haver associação estatística entre a quantidade de consultas no período pré-natal e o aleitamento materno, aproximadamente um terço (30,3%) das mulheres que havia realizado pelo menos uma consulta não recebera nenhuma orientação sobre aleitamento materno. Estes dados nos permitem questionar sobre a qualidade do atendimento prestado às mulheres naquele período. A amamentação exclusiva foi maior em crianças que nasceram de parto via cesárea, fato também referido anteriormente por outros autores5,17. Este achado pode ter associação com algum fator não estudado ou até decorrer da mãe, nesse caso, avaliar que a criança nascida de parto não natural seja mais vulnerável e, em conseqüência, ofereça mais cuidados, inclusive, o aleitamento exclusivo. Não obstante, essa associação necessita de mais investigação em outras regiões do país, usando como estratégia estudos do tipo caso-controle. Mais de um terço (37,8%) das mães estudadas referiu ter apresentado algum problema na mama, do tipo ingurgitamento, fissura do mamilo e/ou dor ao amamentar e isso foi fator de risco associado à menor freqüência da amamentação predominante. Essa associação, por sua vez, pode ser decorrência da falta de informação dos profissionais assistentes à nutriz, quanto à avaliação da mamada e ao manejo clínico mais adequado à amamentação. A cobertura vacinal e a possibilidade de acesso dos pesquisadores a todos os serviços utilizados durante a campanha de vacinação vêm garantir a representatividade da amostra e dos resultados da pesquisa referente à situação da amamentação na cidade de Rio Branco, Acre. Percebe-se, com os resultados deste estudo, que o Município de Rio Branco tem realizado esforços no sentido de promover, defender e apoiar o aleitamento materno. Porém, principalmente o aleitamento materno exclusivo, ainda precisa de outras estratégias para que possa aumentar este indicador de prevalência da amamentação. Uma das estratégias essenciais deve ser direcionada ao esclarecimento dos riscos do uso de mamadeira e chupeta. 138 Revista Baiana de Saúde Pública REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. 54ª World Health Assembly. Geneva: WHA 54/2; 2001. 2. Uchimura NS, Gomes AC, Uchimura TT, Yamamoto AE, Miyazato P, Rocha SF. Estudos dos fatores de risco para desmame precoce. Acta Scientiarum 2001;23(3):713-8. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área de Saúde da Criança. Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal. Brasília (DF); 2001. 4. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Extraído de [ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2000/ Dados_do_Universo/Municipios], acesso em [12 de janeiro de 2005]. 5. Audi CAF, Corrêa MAS, Latorre MRDO. Alimentos complementares e fatores associados ao aleitamento materno e ao aleitamento materno exclusivo em lactentes até 12 meses de vida em Itapira, São Paulo, 1999. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil 2003;3(1):85-93. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de procedimentos para vacinação. Brasília (DF); 2001. 7. Venâncio SI, Escuder MML, Kitoco P, Rea MF, Monteiro CA. Freqüência e determinantes do aleitamento materno em municípios do Estado de São Paulo. Revista de Saúde Pública 2002;36(3):313-8. 8. Universidade Federal do Acre (UFAC). Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco. Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF). Diagnóstico das Condições de Saúde Materno-Infantil no Município de Rio Branco Acre. Rio Branco (AC): UFAC; 1994. 9. Barros FC, Victora CG, Morris SS, Halpern R, Horta BL, Tomasi E. Breast feeding, pacifier use and infant development at 12 months of age: a birth cohort study in Brazil. Pediatric and Epidemiology 1997;11:441-50. 10. Howard R, Howard FM, Lanphear B, Eberley S, Blieck EA, Oakes D, et al. Ensayo clínico aleatorio del uso del chupete y alimentacion con biberon o con vasito y sus efectos en la lactancia materno. Pediatrics 2003;111:511-8. 11. Soares MEM, Giugliani ERJ, Braun ML, Salgado ACN, Oliveira AP, Aguiar PR. Uso de chupeta e sua relação com o desmame precoce em v.30, n.1, p.129-140 jan./jun. 2006 139 população de crianças nascidas em Hospital Amigo da Criança. Jornal de Pediatria 2003;79(4):309-16. 12. Vieira OV, Almeida JAG, Silva LR, Cabral VA, Netto PVSN. Fatores associados ao aleitamento materno e desmame em Feira de Santana, Bahia. Revista Bras. Saúde Materno Infantil 2004;4(2):143-50. 13. Lamounier JA. O efeito de bicos e chupetas no aleitamento materno. Jornal de Pediatria 2003;79(4):279-80. 14. Victora CG, Barros FC, Vaughan JP. Epidemiologia da Desigualdade. 2ª ed. Hucitec: São Paulo; 1989. 15. Tomasi E, Victora CG, Olint MTA. Padrões e determinantes do uso de chupeta em crianças. Jornal de Pediatria 1994; 70(3): 167-71. 16. Rea MF, Venâcio SI, Batista LE, Santos RG, Greiner T. Possibilidades e limitações da amamentação entre mulheres trabalhadoras formais. Revista de Saúde Pública 1997;31(2):49-56. 17. Perez ER, Millán SS, Canahuatl J, AllenH. Prelacteal feeds are negatively associated with breastfeeding outcomes in Honduras. Jounal Nutr. 1996;126:2765-73. Recebido em 31.08.2005 e aprovado em 16.02.2006. 140 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública EMENDA CONSTITUCIONAL EC Nº 29/2000: O CUMPRIMENTO PELOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA , 2000 A 2003 Tânia Margarida de Novaes Rochaa Renato Sena Gomes Júniorb Maria Letícia Bonfim Andradec Joana Angélica Oliveira Molesinid Resumo A EC nº 29, promulgada em 13 de setembro de 2000, visa assegurar os recursos mínimos para financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Este artigo tem como objeto a análise do cumprimento dos percentuais vinculatórios progressivos dos gastos próprios em saúde, previsto na Emenda Constitucional nº 29/2000, pelos municípios da Bahia, no período de 2000 a 2003, distribuindo por macrorregião, de acordo com o desenho territorial do Plano Diretor de Regionalização da Bahia. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo exploratório quantitativo. Foram utilizados os dados gerados pelo Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde, coletados no período de dezembro de 2004 a março de 2005, instrumento essencial para aferição dos gastos em saúde, contribuindo para o planejamento, avaliação, gestão e controle social. O universo do estudo foram os 346 municípios dos 417 existentes no Estado, sendo calculada a progressão vinculatória do período de 2000 a 2003. Em 2003, 304 municípios aplicaram o mínimo em saúde. Destes, incluem-se os 128 que cumpriram a progressão vinculatória. Os resultados encontrados mostraram que os municípios com menor renda per capita e menor faixa populacional foram os que mais aplicaram em saúde. Palavras-chave: Controle social. Financiamento. Serviços de saúde. a b c d v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 Assistente Social SESAB. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental SESAB. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental SESAB. Orientadora: Mestre em Saúde Coletiva SESAB. Endereço para correspondência: Rua Professor Pinto de Aguiar nº 28 F, Boca do Rio; Salvador, Bahia CEP: 41.710-000. E-mail: [email protected] 141 CONSTITUTIONAL EMENDATION - EC Nº 29/2000: THE FULFILMENT FOR THE CITIES OF THE STATE OF BAHIA, 2000 TO 2003 Abstract The Constitutional Amendment EC no. 29/2000, passed on September 13, 2000, aims to guarantee the minimum resources for financing actions and services in public health. This article presents an analysis of the fulfillment of the progressive compulsory percentages of standing on health determined by EC no. 29/2000, in Bahian municipalities, from 2000 to 2003. The analysis is based on macro regions established in the Plano Diretor de Regionalização da Bahia (Bahia Regionalization Plan). It is a descriptive study of exploratory quantitative type, that uses data from the Sistema de Informação Sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Information System on Public Health Budget) collected from December 2004 to March 2005. This information system consists of an essential instrument for checking expenses on health and contributes for the planning evaluation management and social control. The analysis includes 346 municipalities (82.97%) out of the 417 Bahian municipalities and calculates the progression of compulsory standing from 2000 to 2003. In 2003, 304 municipalities spent the minimum legal figure on health, corresponding to 83.51%; A 128 of them met the expected progression (42.11%). The results show that municipalities with low percapta income and small populations were among those which spent more on health. Key words: Social control. Financing. Services health. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 19881 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), sistema público descentralizado, integrado pelas três esferas de governo, regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde n.º 8.080/902 e 8.142/903. Também define que o financiamento do setor saúde é de responsabilidade das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e determina que os recursos federais para a saúde sejam originados das fontes que compõem o orçamento da seguridade social, porém não estabelece os percentuais que deveriam ser alocados no setor saúde. A Lei nº 8.142/903 define, em seu artigo 4º, como requisito para os Estados e Municípios receberem recursos federais, a contrapartida de recursos em seus respectivos orçamentos. A não determinação de percentuais, entretanto, deixava a cargo da proposta política de cada governo o percentual de investimentos em saúde4. Com a publicação das Normas Operacionais Básicas (NOB) 01/915, o repasse de recursos financeiros do Fundo Nacional de Saúde Ministério da Saúde (MS) para os Fundos 142 Revista Baiana de Saúde Pública Estaduais e Municipais (Secretarias Estaduais e Municipais) passaram a ser efetuadas tendo como base o faturamento da produção de serviços, mediante celebração de convênios entre Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais de Saúde e entre Ministério da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde para o desenvolvimento de programas especiais. Posteriormente, com a edição da NOB 01/936, através da Portaria nº 545, de 20 de maio de 1993, estabeleceu-se uma nova relação entre as três esferas de governo, atribuindo responsabilidades e prerrogativas à gestão do sistema, dentre as quais: criação das formas de gestão municipal (incipiente, parcial e semiplena); constituição das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite (de âmbito estadual e nacional, respectivamente), como importantes espaços de negociações, pactuações, articulações e integrações dos gestores; criação da transferência regular e automática fundo a fundo (transferência de recursos do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais), estabelecendo o começo para o novo mecanismo de repasse dos recursos financeiros federais que propiciaria o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira dos entes federados. Em novembro de 1996, com a publicação da Norma Operacional Básica (NOB) 01/ 96, a descentralização ganhou impulso, trazendo inovações no processo de transferências fundo a fundo dos recursos financeiros federais para os âmbitos estaduais e municipais, tais como: estabelecimento do Piso Assistencial Básico (PAB), adotando-se o critério populacional para o repasse, definido pela multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada município, constituindo a parte fixa do PAB; a incorporação, pelos municípios, de um conjunto de responsabilidades com ações de saúde pública e programas especiais que compõem a parte variável do PAB, além da Programação Pactuada e Integrada (PPI), entre gestores, constituindo-se em um instrumento essencial de reorganização do modelo de atenção e gestão do SUS7. As Normas Operacionais Básicas desencadearam um movimento de pactuação entre os três níveis de gestão, na tentativa de superar as dificuldades e impasses, visando o aprimoramento do SUS. Este movimento toma ainda mais forma com a publicação da Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOAS) 01/02, que coloca a regionalização como proposta de reorganização e implementação do SUS. Esta norma estabelece o Plano Diretor de Regionalização (PDR) como instrumento ordenador, define fluxos de referência e contra referência, pontua a organização de redes hierarquizadas de serviços, busca contribuir para redução das desigualdades regionais e avaliar as medidas que serão suficientes para atenuar as necessidades de recursos para atender às demandas da população8. Com objetivo de garantir as condições necessárias para que se alcance o equilíbrio entre as demandas da população por serviços de saúde e os recursos necessários para seu financiamento, foi editada a Emenda Constitucional (EC) nº 29/2000, em 13 de setembro de v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 143 2000, que alterou a Constituição Federal de 1988, quanto à vinculação dos recursos pelos diversos níveis de governo União, Estados e Municípios estabelecendo a base de cálculo e percentuais mínimos de recursos orçamentários a serem aplicados em ações e serviços de saúde. Esta emenda foi fruto de negociações, entendimentos e de um grande processo de luta e mobilização social9. A EC nº 29/00 traz em seu bojo definições dos limites mínimos de aplicação em saúde e regras de adequação para o período de 2000 a 2004, para que os percentuais de recursos a serem destinados para o financiamento do setor pelos governos sejam atingidos. Define um patamar mínimo inicial, para o ano 2000, de 7% das receitas municipais e estaduais a serem aplicadas em saúde e um acréscimo de 5% sobre o montante empenhado pela União no exercício financeiro de 1999. Nos anos seguintes, até 2004, os percentuais previstos para estados e municípios deveriam elevar-se até atingir 12% das receitas estaduais e 15% das receitas municipais, enquanto a participação da União seria corrigida pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB)9. A partir da aplicabilidade da EC nº 29/00, foi utilizado, como referência para o acompanhamento de aferição dos recursos vinculados em ações e serviços públicos, o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) idealizado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e implementado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério Público Federal10. Na perspectiva do acompanhamento financeiro, foi publicada a Portaria Conjunta nº 1.163, de 11/10/2000, que regulamenta o SIOPS no âmbito do Ministério da Saúde, reforçando o processo de institucionalização como um sistema de informação sobre financiamento e gestão em saúde nos três níveis de governo. Este sistema disponibiliza informações dos estados e municípios, on-line, no site do DATASUS, permitindo comparações e análises, fornecendo indicadores, tais como: gastos com saúde per capita; relação entre recursos transferidos e recursos próprios aplicados em saúde; receita própria aplicada em saúde e composição dos gastos em saúde10. As discussões da 12ª Conferência Nacional de Saúde concluíram que, embora o modelo proposto não reflita os anseios da população brasileira, a EC nº 29/00 representa um avanço na consolidação do SUS, ao vincular recursos específicos para saúde. O financiamento do SUS não pode ser pensado isoladamente da política social e econômica do país11. Portanto, além de lutar pelo montante mínimo garantido pela EC nº 29/00, deve haver compromisso dos governantes e da sociedade pela inversão do modelo econômico do país, que permita elevação e agilidade no uso dos recursos, com a efetiva participação da população, garantindo a aplicação dos recursos com base na realidade locall1,12. 144 Revista Baiana de Saúde Pública Considerando que o SUS é co-financiado pelos três entes federados, constituindo-se em um dos meios para garantir os princípios expressos na Constituição Federal de 1988, e desconhecendo o quanto a esfera municipal participou no financiamento do referido sistema, quanto aos gastos em saúde previstos na emenda em questão, surgiu o interesse pelo tema, em virtude de inexistir um estudo no estado da Bahia. Além disso, os autores compõem o Núcleo Estadual de Apoio ao SIOPS, podendo contribuir de forma significativa para a interlocução com os gestores municipais de saúde, na perspectiva de cooperação técnica, visando a uma melhor aplicabilidade do referido sistema por parte desses administradores. Este estudo teve como objetivo descrever o cumprimento da EC nº29/00 pelos municípios do estado da Bahia, no período de 2000 a 2003, identificando o número e percentual dos municípios que alimentaram o SIOPS; os que aplicaram o mínimo em saúde no ano de 2003; os que cumpriram os percentuais progressivos vinculatórios, distribuindo-os por macrorregião, correlacionando-os com faixas populacionais e com o Produto Interno Bruto do ano de 2003. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo, do tipo exploratório quantitativo. O campo de estudo foi o estado da Bahia, com seus 415 (quatrocentos e quinze) municípios, uma vez que foi adotado como critério de exclusão para cálculo dos percentuais progressivos vinculatórios os 02 (dois) municípios não emancipados politicamente no ano de 2000. O desenho territorial utilizado foi o formulado através do Plano Diretor de Regionalização (PDR) para a área da saúde, que delimitou o território da Bahia em 08 (oito) macrorregiões, 32 (trinta e duas) microrregiões e 125 (cento e vinte e cinco) módulos assistenciais13. Para a coleta de dados, foram utilizados os relatórios gerados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), disponíveis no Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados referentes à alimentação do SIOPS, pelos municípios, no período 2000 a 2003, bem como a distribuição dos municípios que cumpriram a progressão por macrorregião e microrregião de saúde foram analisados através de freqüência simples. Os percentuais relativos a esses dados estão apresentados no Gráfico 1 e nas Figuras 1 e 2. v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 145 Gráfico 1. Número de municípios segundo a alimentação do SIOPS na Bahia 2000 a 2003 Fonte: Datasus/SIOPS Legenda: * CP Cumpriram progressão da EC Nº 29/00 Figura 1. Percentual de municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº 29/00 por macrorregiões de saúde, Bahia - 2000 a 2003 Fonte: SIOPS / DATASUS 146 Revista Baiana de Saúde Pública Os percentuais mínimos a serem aplicados nos exercícios de 2001, 2002 e 2003 foram calculados levando-se em consideração os dados transmitidos ao SIOPS pelos municípios, referentes ao ano base de 2000, e os parâmetros da Resolução nº 322/200313, do Conselho Nacional de Saúde, e diretrizes da aplicação da EC nº 29/009. Para o cálculo dos percentuais progressivos vinculatórios da EC nº 29/00, considerase o percentual efetivamente aplicado em 2000, abatendo-se a diferença entre o valor aplicado e o percentual final estipulado no texto constitucional, abatida na razão mínima de 1/5 ao ano, até 2003, sendo que em 2004 deverá ser no mínimo 15%14. Assim, os municípios cujo percentual aplicado em 2000 tiver sido inferior a 7% devem aumentá-lo de modo a atingir o mínimo previsto para os anos subseqüentes, que é de 8,6%, em 2001, 10,2%, em 2002, 11,8%, em 2003, e 15%, em 2004. Os municípios que em 2000 já aplicavam percentuais superiores a 7% não poderiam reduzi-lo14. Para comparação do cumprimento da EC nº 29/00, pelos municípios, correlacionando com as faixas populacionais, foram utilizadas aquelas definidas pela Resolução nº 040, de 18/05/04e, da Comissão Intergestores Bipartite (CIB/BA)15 . Para a correlação dos municípios do estado da Bahia que cumpriram os percentuais preconizados pela EC nº 29/00, no período de 2000 a 2003, com o Produto Interno Bruto do ano de 2003, estratificaram-se os municípios, agrupando-os em 03 (três) faixas iguais, utilizando-se o tipo de separatriz Tercis, resultantes da divisão do PIB pela população, ordenados de forma crescente. Os municípios agrupados no primeiro tercil (com PIB per capita abaixo de R$ 1.705,57) foram classificados como menor; no segundo (PIB per capita entre R$ 1.705,58 e R$ 2.393,60) e no terceiro (PIB per capita acima de R$ 2.393,60), médio e maior, respectivamente. RESULTADOS A análise da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) pelos municípios do estado da Bahia, no período de 2000 a 2003, com dados coletados até 23/03/05, tem revelado uma evolução da transmissão dos dados ao sistema. Observa-se que, no ano de 2000, 377 (trezentos e setenta e sete) municípios alimentaram o SIOPS; nos anos de 2001 e 2002, 406 (quatrocentos e seis) e 407 (quatrocentos e sete) municípios alimentaram, respectivamente, o SIOPS, correspondendo a um incremento de 7,95% e As faixas populacionais utilizadas no estudo referem-se à população estimada pelo IBGE, ano-base 2003, estabelecidas pela Resolução da Comissão Intergestores Bipartite (CIB/BA), nº 040, de 18/05/2004, a saber: <20.000 hab; 20.001 a 50.000 hab; 50.001 a 100.000 hab; 100.001 a 250.000 hab; 250.001 a 500.000 hab; 500.001 a 1.000.000 hab e > 1.000.001 hab. v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 147 na transmissão dos dados quando comparado ao ano de 2000. Já em 2003, 362 (trezentos e sessenta e dois) municípios alimentaram o sistema, representando uma redução de 3,98% em relação a 2000. Para efeito do cálculo do percentual mínimo progressivo de aplicação das ações e serviços de saúde da EC-29/00, não foram considerados 15 (quinze) municípios, por não apresentarem balanço no ano de 2000, acrescidos de 02 (dois) municípios em fase de emancipação política (só institucionalizados como municípios em janeiro de 2001), que, ao serem somados aos 23 (vinte três) que não transmitiram no ano de 2000, representam um total de 40 (quarenta) municípios excluídos deste estudo. Ressalta-se que 31 (trinta e um) municípios, embora tenham alimentado o SIOPS ano base 2000, não foram incluídos entre aqueles que, efetivamente, cumpriram o mandamento constitucional dos percentuais mínimos progressivos, pois deixaram de transmitir os dados do SIOPS de quaisquer dos anos subseqüentes (Gráfico 1). Sendo assim, 346 (trezentos e quarenta e seis) municípios do Estado da Bahia compuseram o universo do estudo para análise. Os resultados apontam que 128 (cento e vinte e oito) cumpriram os percentuais progressivos vinculatórios estabelecidos pela EC nº 29/00, no período de 2000 a 2003, representando 36,99 % do total dos municípios analisados. De acordo com o Plano Diretor de Regionalização (PDR/BA), os 128 (cento e vinte e oito) municípios que cumpriram a EC nº29/00 estão assim distribuídos: Na Macrorregião Nordeste, a mais populosa do estado, onde está localizada a capital e a Região Metropolitana, 22,22% dos municípios aplicaram recursos próprios em saúde, aparecendo como uma das três macrorregiões que menos cumpriram a EC nº 29/00 (Nordeste, Norte e Oeste). Destaca-se a capital do Estado, Salvador, e os municípios de São Francisco do Conde e Camaçari que, embora possuam os maiores PIB per capita do Estado, não cumpriram a progressão vinculatória dos percentuais em saúde. Na Macrorregião Extremo Sul, a menor do Estado em extensão territorial, em população, em número de microrregiões e de municípios, caracterizada por concentrar cidades de intenso fluxo turístico, 28,57% dos municípios obedeceram ao disposto na EC nº 29/00. Analisando a Macrorregião Centro, onde está localizada a Chapada Diamantina, verificamos que, 33,33% dos municípios existentes aplicaram os percentuais mínimos. Na Macrorregião Sudoeste, a quarta maior em número de habitantes e municípios, 44,62% dos municípios cumpriram a progressão. Na macrorregião Centro-Leste, que está entre as quatro mais populosas do Estado (1.957.911 habitantes), 31,34% dos municípios cumpriram a EC nº 29/00. A Macrorregião Sul, composta por 78 municípios, em que se destacam grandes pólos econômicos, sendo a segunda com o maior número de microrregiões, apresenta 34,62% de cobertura de aplicação de recursos próprios. 148 Revista Baiana de Saúde Pública Na Macrorregião Oeste, a maior em área territorial, 16,67% dos municípios cumpriram os percentuais em saúde. Já a Macrorregião Norte, composta por 27 municípios, 25,93% cumpriram a progressão. Após análise por macrorregião, verifica-se que as quatro maiores macrorregiões em número de municípios (Nordeste, Sul, Sudoeste e Centro-Leste) foram as que tiveram a maior quantidade de municípios com participação na aplicação dos recursos próprios em saúde, compondo a maior concentração populacional do Estado (Figura 1). Considerando o ano base de 2003, dos 346 (trezentos e quarenta e seis) municípios, 304 (trezentos e quatro) aplicaram o mínimo em saúde, conforme estabelecido pela EC nº 29/00, correspondendo a 87,86% dos municípios. Entre estes 304 (trezentos e quatro) municípios incluem-se os 128 (cento e vinte e oito) que cumpriram a progressão vinculatória no período de 2000 a 2003, o que equivale a 42,11%. Ressalte-se que a aplicação do percentual mínimo pelo ente federado, em um ano, isoladamente, não assegura o cumprimento da progressão vinculatória estabelecida pela EC nº 29/00. Quando se analisam os dados sobre os 128 (cento e vinte e oito) municípios que cumpriram a progressão vinculatória, conforme EC nº 29/00, identifica-se que os maiores percentuais de municípios encontram-se em faixas populacionais menores. Os resultados revelam que 121 (cento e vinte e um) municípios (60,00%) têm população até 50.000 habitantes, demonstrando que aqueles que mais aplicaram em saúde no Estado estão situados entre os menores municípios; 05 (cinco) municípios (20,00%) estão na faixa populacional de 50.001 a 100.000 habitantes e 02 (dois) municípios (20,00%) entre 100.001 a 250.000 habitantes (Tabela 1). Tabela 1. Número e percentual de municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº 29/00 por faixa populacional, Bahia - 2000 a 2003 FAIXAS POPULACIONAIS Nº DE MUNICIPIOS DO ESTADO Nº de MUNICÍPIOS CP % 258 121 25 10 1 1 1 417 91 30 5 2 0 0 0 128 35,23 24,77 20,00 20,00 0,00 0,00 0,00 100,00 < 20.000 20.001 a 50.000 50.001 a 100.000 100.001 a 250.000 250.001 a 500.000 500.001 a 1.000.000 > 1.000.001 TOTA L Fonte: SESAB/CIB-BA Legenda: * CP Cumpriu a Progressão EC nº 29/00 v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 149 Correlacionando o cumprimento dos percentuais vinculatórios progressivos da EC nº 29/00, período 2000 a 2003, com o PIB municipal per capita, pode-se verificar que a maior concentração dos municípios que cumpriram a progressão estão inseridos nos 1º e 2º tercis (menor e médio PIB per capita, respectivamente), assim distribuídos: 56 (cinqüenta e seis) municípios (43,75%) no 1º tercil do total dos 128 (cento e vinte e oito) municípios que cumpriram a progressão; 37 (trinta e sete) municípios (28,91%) no 2º tercil, e 35 (trinta e cinco) municípios (27,34%) no 3º tercil. Com a distribuição espacial dos municípios por macrorregiões de saúde, ficou evidenciado que o maior número de municípios que cumpriram a progressão vinculatória está entre aqueles com menores populações e menores PIB per capita, localizados nos eixos de menor desenvolvimento econômico, situados na região do semi-árido do estado16, apontando fortes evidências de desigualdades sociais entre as diferentes regiões da Bahia (Figura 2). Hierarquia do PIB per capita / nº de municípios que cumpriram a EC 29/00 Menor 1º Tercil 56 Médio - 2º Tercil 37 Maior 3º Tercil 35 Macrorregiões de saúde do Estado da Bahia PDR Bahia Região Metropolitana de Salvador Figura 2. Distribuição espacial dos municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº 29/00, correlacionando com o PIB de 2003 Bahia, 2000 a 2003 150 Revista Baiana de Saúde Pública CONSIDERAÇÕES FINAIS A Emenda Constitucional nº 29/2000, embora ainda não regulamentada, trouxe avanços significativos e produziu efeitos importantes sobre os gastos com saúde nas três esferas de governo. O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), ao consolidar os dados sobre receitas dos três entes federados e também sobre os respectivos gastos com ações e serviços públicos em saúde, tem produzido informações relevantes, permitindo uma articulação entre os gestores de saúde e as áreas de planejamento e orçamento dos estados e municípios, permitindo uma melhor compreensão do papel e da responsabilidade social do setor saúde no conjunto das ações realizadas pelos governos subnacionais. Embora considere-se o SIOPS como fonte oficial e confiável, imputa-se total responsabilidade fiscal, social e civil aos municípios declarantes, não se deixando de questionar a fidedignidade das informações por eles prestadas. Na Bahia, a alimentação do SIOPS pelos municípios tem revelado uma evolução, atingindo, nos anos de 2001 e 2002, percentuais de cobertura de 97,36% (406) e 97,60% (407), respectivamente. Esta elevação na cobertura dos dados informados ao sistema é resultado do fortalecimento das estratégias implementadas pela Câmara Técnica do Núcleo Estadual de Apoio ao SIOPS-BA, com a colaboração do Ministério da Saúde, Ministério Público e COSEMS. Com base nos dados analisados, dos 346 (trezentos e quarenta e seis) municípios que constituíram este estudo, verifica-se que os 128 (cento e vinte e oito) municípios que atingiram os percentuais progressivos da EC nº 29/00 são os que possuem menor PIB per capita e menor população, localizados nos eixos de menor desenvolvimento econômico e situados na região do semi-árido do Estado. Neste sentido, percebe-se que um grande universo dos municípios com maior capacidade econômica de co-financiar o SUS, a exemplo de municípios situados nas macrorregiões Oeste, Norte e Nordeste, não alocaram quantidade de recursos financeiros necessários a atender e garantir os direitos universalizantes e gratuitos propostos pelo SUS. Estudo semelhante realizado pelo Ministério da Saúde sobre o acompanhamento da EC nº 29/00 no ano de 2002, no Brasil, demonstra que as disparidades que ocorreram com os municípios do Estado da Bahia não diferem da situação dos demais Estados da Federação quanto à aplicação dos percentuais em saúde. Na região Norte do Brasil, região notoriamente carente de recursos, houve maior número de Estados que aplicaram percentuais acima de 12%. O mesmo estudo situou a Bahia entre os 11 Estados da Federação que aplicaram percentual em saúde na faixa entre 9,01% e 12%f. f v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 Dados apresentados por técnico do Ministério da Saúde em conferência, em junho de 2004, no lançamento da Agenda Estadual de Saúde Bahia. 151 Comparando a Bahia com os demais Estados da Região Nordeste, este ocupa o 3º lugar (9,41%), aquém do Rio Grande do Norte e da Paraíba, em participação no financiamento da saúde. Já no exercício financeiro de 2003, a Bahia encontra-se entre os 11 Estados da Federação que aplicaram percentual superior ao mínimo previsto pela EC nº 29/00 (10,61%), ocupando a 2ª colocação no Nordeste, o que constituiu um avanço nos investimentos em relação ao ano de 200217. Ressalta-se que as desigualdades sociais e econômicas entre as macrorregiões de saúde do Estado da Bahia e entre os Estados da Federação remetem à discussão acerca da necessidade da implementação de políticas de investimentos diferenciadas, na tentativa de reduzir as iniqüidades existentes em saúde, eliminando as diferenças advindas de fatores evitáveis, para que ocorra uma melhor distribuição dos recursos. O cumprimento da EC nº 29/00, por apenas 128 municípios do Estado, aponta a urgente necessidade da regulamentação da EC nº 29/00, através de Lei Complementar, de forma a garantir a efetiva participação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no financiamento das ações e serviços de saúde, assegurando o bom uso dos recursos disponíveis para saúde e mecanismo de controle social para cumprimento da lei. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Constituição Federal. República Federativa do Brasil. Salvador: EGBA; 1988. Título VIII, Capítulo II, Seção II, p. 133-4. 2. Brasil. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 20 set. 1990. 3. Brasil. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 31 dez. 1990. 4. Carneiro Â. Financiamento do SUS: crises e perspectivas. Salvador, 2000. [Apostila]. 5. Brasil. Portaria n. 1.481. Norma Operacional Básica do SUS (NOB/SUS 01/91). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 30 dez. 1990. 152 Revista Baiana de Saúde Pública 6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 545, de 20 de maio de 1993. Estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde através da Norma Operacional Básica SUS, n. 1/93. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 24 maio 1993. 7. Brasil. Portaria nº 2.203, de 5 de novembro de 1996. Norma Operacional Básica do SUS (NOB/SUS 01/96). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 6 nov. 1996. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 373/2002 (NOAS 01/02). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 28 fev. 2002. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Emenda Constitucional n. 29/2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 13 out 2000. 10. Financiamento do SUS. Jornal do CONASEMS 2000;ano V:8. 11. Machado K. EC-29 determina o que deve ser gasto com saúde. RADIS. Comunicação em Saúde 2003 nov;15:14. 12. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde: um direito de todos e dever do Estado - A saúde que temos, o SUS que queremos [Apresentado à 12ª Conferência Nacional de Saúde Sérgio Arouca; 2002; Brasília]. 13. Bahia. Secretaria da Saúde. Plano diretor de regionalização. Salvador 2004. 14. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 322, de 08 de maio de 2003. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 05 jun. 2003. 15. Bahia. Secretaria da Saúde. Resolução n. 40, de 06 de maio de 2004. Diário Oficial Estado da Bahia. Salvador, 18 maio 2004. 16. Bahia. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Site institucional. Extraído de [http://www.sei.ba.gov.br], acesso em [01 de junho de 2005]. 17. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Economia da Saúde. Nota Técnica n. 009/05, de 18 de março de 2005. Brasília; 2005. Anexo 2. Recebido em 14.09.2004 e aprovado em 12.04.2006. v.30, n.1, p.141-153 jan./jun. 2006 153 ARTIGO DE REVISÃO O VÍRUS DA HEPATITE C COMO CAUS A DE MIOCARDIOPATIA DILATADA IDIOPÁTICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA Francisco Reisa, Manoela Oliveirab Leandro Eloyc, Carolina Riosd Sálvia Canguçue, Nei Dantasf Raymundo Paranág Resumo O vírus da hepatite C (VHC) é hepatotrópico de transmissão parenteral. Apesar do hepatotropismo, o VHC também é capaz de infectar outros tecidos e está implicado em diversas doenças, principalmente de natureza auto-imune. Recentes estudos sugerem uma alta prevalência da infecção pelo vírus C em pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática. Sabe-se que a miocardite é comumente causada por diversas viroses e que a progressão para cardiomiopatia dilatada e conseqüente disfunção sistólica, em pacientes previamente hígidos, que tiveram um quadro de miocardite, é uma complicação esperada. Neste trabalho, focalizaremos uma ampla revisão de literatura sobre as inter-relações entre a infecção pelo VHC e a cardiomiopatia dilatada. Palavras-chave: Cardiomiopatia Dilatada Idiopática. Miocardite. Vírus da Hepatite C. HEPATITIS C VIRUS AS CAUSE OF IDIOPATHIC DILATED CARDIOMYOPATHY: A LITERATURE REVIEW Abstract The hepatitis C virus (HCV) is a hepatotropic virus usually transmitted by parenteral route. There are evidences implicating this virus in the pathogenesis of many non-hepatic diseases, a b c d e f g Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador, BA. Santa Casa de Misericórdia, São Paulo. Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador , BA. Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador, BA. Endereço para correspondência: Dr. Francisco Reis, Rua Quintino de Carvalho, nº 113, Aptº 301, Jardim Apipema, Salvador, Bahia, Brasil. CEP - 40155-280. E-mail: [email protected] 154 Revista Baiana de Saúde Pública mainly of auto-immune nature. Recent studies had demonstrated a high prevalence of the HCV infection in patients with idiopathic dilated cardiomyopathy. It is known that the myocarditis usually is caused by several virus and the progression for dilated cardiomyopathy and consequent systolic dysfunction, in patients previously healthy who had an acute myocarditis, is a complication expected in these patients. This paper focuses the interplay between HCV infection and dilated cardiomyopathy. Key words: Idiopathic Dilated Cardiomyopathy. Myocarditis. Hepatitis C Virus. O VÍRUS DA HEPATITE C O Vírus da Hepatite tipo C (VHC) é da família Flaviviridae, a mesma de vírus como o da dengue e do recém-descoberto vírus da hepatite G. Possui genoma constituído por RNA de hélice única, que é traduzido em uma poliproteína, sendo posteriormente clivada em diferentes proteínas virais, estruturais e não-estruturais. Existem, até então, seis genótipos conhecidos de VHC, com mais de 50 subtipos1. EPIDEMIOLOGIA O vírus da hepatite C (VHC) é a principal causa de hepatite crônica no ocidente e, atualmente, o maior responsável por insuficiência hepática e indicação de transplante hepático em países desenvolvidos. Mais de 80% dos pacientes infectados evoluem para doença crônica e, destes, 20% evoluem para cirrose hepática2. Estima-se que aproximadamente 2 milhões de indivíduos no Brasil e mais de 170 milhões em todo o mundo estejam infectados pelo VHC. Na Bahia, estima-se que 1,5% da população está infectada pelo VHC3. A contaminação se dá basicamente por via parenteral, sendo os usuários de drogas injetáveis, receptores de sangue e hemoderivados, principalmente aqueles que foram transfundidos antes da década de 1990, renais crônicos em hemodiálise, trabalhadores da área de saúde e usuários de pearcings e tatuagens, os indivíduos de maior risco para adquirir a infecção4. MANIFESTAÇÕES EXTRA-HEPÁTICAS O principal sítio de infecção e replicação viral é o hepatócito. Em 1990, foi descrita a primeira associação entre infecção pelo VHC e doença extra-hepática. A crioglobulinemia mista, doença policlonal dos linfócitos B, caracterizada pela produção exacerbada de IgM e IgG, que se precipitam sob a forma de imunocomplexos nos tecidos, principalmente o renal, está definitivamente associada à infecção pelo VHC. Outras manifestações renais, hematológicas, dermatológicas e endócrinas começaram a surgir na literatura como possivelmente associadas à infecção pelo VHC. v.30, n.1, p.154-160 jan./jun. 2006 155 Aproximadamente 70% dos pacientes com VHC têm, no mínimo, uma manifestação extra-hepática, envolvendo, primariamente, articulações, pele e músculos. Anormalidades imunológicas foram freqüentemente observadas, incluindo crioglobulinas, anticorpo anti-núcleo e anti-músculo liso. Os fatores de risco mais associados com manifestações extrahepáticas foram: sexo feminino, idade avançada e fibrose hepática extensa5. A infecção de células precursoras hematológicas, CD34+, da medula óssea de pacientes com infecção crônica pelo VHC e a replicação viral, demonstrada pela presença de cadeias negativas de RNA viral nessas próprias células, sugerem que há outros sítios de infecção e produção viral que não o hepatócito. Este tropismo por células hematológicas justifica, em tese, a relativa freqüência de doenças hematológicas associadas ao VHC. MATERIAL E MÉTODOS Consultas eletrônicas foram feitas em bases de dados como a PUBMED, MEDLINE e LILACS, utilizando as palavras-chave: Hepatitis C virus, VHC e Cardiomyopathy. Cerca de 19 artigos foram selecionados, de acordo com: relacionamento com o tema, revista publicada, ano de publicação e que estivessem em língua portuguesa, inglesa ou espanhola. RESULTADOS Dos artigos selecionados, nove investigaram diretamente a presença do VHC em pacientes com miocardiopatia dilatada idiopática (MDI)6,7,8,9,10,11,12,13,14. A investigação do VHC nesses pacientes foi realizada na maioria dos estudos pela técnica de polymerase chain reaction (PCR)6,7,8,9,10,11,14. A relação entre VHC e MDI foi estatisticamente significante em apenas três estudos: Matsumori et al com estudos conduzidos no Japão em 1995 (p=0,039)10 e 2000 (p=0,0047)11 e Aquira et al em 1995 (p<0,05)6. Entretanto, Dalescos et al12, Grumbach et al13 e Fujioca et al14 não encontraram associação entre MCD e VHC. DISCUSSÃO Como descrito anteriormente, o miocárdio é susceptível a infecção para diversos microorganismos, inclusive uma ampla variedade de vírus. A hipótese de que outros sítios teciduais seriam alvo da infecção e replicação ativa pelo VHC, ocasionando outras doenças associadas e também se comportando como santuários imunológicos para o vírus, gerou a busca ativa de material viral em diversos órgãos e sistemas. O primeiro trabalho que analisou a presença do RNA viral no miocárdio de pacientes com cardiomiopatia dilatada foi publicado em 1995, por um grupo japonês. Ao buscar uma correlação entre infecção viral e o eventual desenvolvimento de 156 Revista Baiana de Saúde Pública cardiomiopatia, esses pesquisadores observaram que 6/36 (16,7%) pacientes com cardiomiopatia dilatada estavam infectados pelo VHC, enquanto este vírus encontrava-se presente no soro de apenas 1 dos 40 pacientes (2,5%, p<0,05) pertencentes ao grupo controle, constituído por pacientes com cardiomiopatia isquêmica6. Outro grupo de pesquisadores avaliou a prevalência de VHC na miocardite, na cardiomiopatia hipertrófica e na MDI, utilizando-se de tecido miocárdio proveniente de material de autópsia coletado retrospectivamente7. De 61 corações analisados, foi detectado o RNA viral em 21,3%, com cadeias positivas em 18% e cadeias negativas em 6,6%7. Utilizou-se como controle pacientes que haviam falecido por infarto do miocárdio e doenças não-cardíacas. Em ambos os grupos não foi encontrado material viral. A freqüência de positividade pelo VHC foi maior nos pacientes com miocardite do que nos pacientes com MDI, com 33,3% e 11,5% de positividade, respectivamente7. Um outro grupo japonês, ao analisar material de necrópsia de três pacientes cuja causa mortis fora insuficiência cardíaca aguda, devido à miocardite crônica ativa, detectou, através de técnicas de PCR, a presença do genoma viral em todos os casos, sendo evidenciada cadeia negativa de RNA viral no miocárdio de dois pacientes8. A presença de cadeias negativas, evidenciada nesses dois estudos, sugere que o VHC possa estar se replicando ativamente em tecido miocárdico8, 9. Apesar dos estudos favoráveis à participação do VHC na gênese de cardiomiopatias e miocardite, há dados na literatura contrários a essa hipótese. Pesquisadores defendem a necessidade de uma avaliação cuidadosa dos dados apresentados, pela possibilidade de falsos positivos na técnica de PCR nestes estudos, e também pela detecção do RNA do VHC poder dever-se a linfócitos infectados ativamente, infiltrando o miocárdio no processo de miocardite e não à infecção direta dos miócitos, pois já foi documentada a infecção de linfócitos em pacientes com hepatite C crônica15. Além disso, existe a possibilidade de falsos negativos, quando se utiliza tecido parafinizado, por conta da degradação dos ácidos nucléicos pela parafina16,17. Todavia, Matsumori et al, através da técnica de ampliação do gene da â-actina, nos 61 pacientes estudados, mostraram ser esta uma técnica factível18. Em 1998, um estudo de corte transversal analisou, em dois grupos de pacientes distintos, a associação entre VHC e MDI. Foi investigado em 102 pacientes consecutivos com infecção crônica por VHC, virgens de tratamento com Interferon-α (INF-α), a presença de achados clínicos ou subclínicos, por exames complementares, de cardiomiopatia dilatada e em 55 pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática, a presença de marcadores de infecção pelo VHC. Este v.30, n.1, p.154-160 jan./jun. 2006 157 estudo não demonstrou uma freqüência maior de positividade pelo VHC no grupo de MDI, nem de disfunção miocárdica nos pacientes infectados pelo VHC12. Recentemente, na Alemanha, um grupo pesquisou a prevalência de VCH em pacientes com miocardite e MCD, comparando com grupo controle de pacientes com doenças cardíacas não inflamatórias. O anti-VHC estava presente em 1,6% dos pacientes com MCD, em nenhum dos com miocardite e em 6,1% do grupo controle, e o RNA-VHC em 1,6% do grupo de MCD, em nenhum dos com miocardite e no grupo controle em 4,0%, sugerindo a ausência de um papel importante do VHC como agente causal para miocardite e MCD13. Em 2000, Fujioka et al14 publicaram estudo com o objetivo de avaliar a etiologia viral da cardiomiopatia dilatada idiopática. Foram estudadas amostras do miocárdio de 26 pacientes consecutivos com cardiomiopatia dilatada idiopática, obtidas através da ventriculectomia esquerda parcial, os quais foram submetidos a avaliação invasiva e não invasiva, incluindo ecocardiografia e cateterismo cardíaco com angiografia coronariana. Utilizou-se como grupo controle amostras do ventrículo esquerdo de 21 pacientes normais, que foram a óbito por causas não cardíacas. Realizou-se detecção cadeia-específica de RNA do enterovírus para diferenciar entre replicação ativa e persistência latente, e análise seqüencial por PCR para caracterizar os genomas dos mesmos. Foi também estudada a detecção de outros vírus potencialmente cardiotrópicos. Os resultados dos genomas virais foram comparados com os desfechos clínicos dentro de 01 ano da cirurgia, para se determinar a relação dos achados com o prognóstico precoce dos pacientes com MDI após ventriculectomia esquerda parcial. RNA de enterovírus foi detectado em 9 (35%) dos 26 pacientes, uma incidência relativamente alta quando comparada com amostras de biópsia endocárdica em outros estudos. Os autores consideraram que os aspectos demográficos, estágio da doença e métodos de detecção podem influenciar na freqüência do RNA de enterovírus, porém esta incidência pode estar relacionada ao tamanho das amostras de miocárdio examinadas14. Já foi relatada uma alta freqüência de detecção em múltiplas amostras de biópsia, quando comparada à amostra única9. Uma alta freqüência de detecção de RNA viral enfatiza a importância dos enterovírus como agentes etiológicos desta doença. Foi demonstrado nesse trabalho que os vírus detectados no coração com MCD foram coxsackie B, como coxsackievírus B3 e B414. Os vírus influenza, adenovírus, CMV, VHC, Herpes Simplex, Varicella-Zoster e Epstein-Barr não foram detectados. Nenhum genoma viral foi demonstrado nas amostras controle. Estudandose a cadeia negativa do RNA como indicador de replicação ativa de RNA viral, foram obtidos resultados que indicam que os enterovírus replicam ativamente no miocárdio em proporção significante (78%) de casos de MCD idiopática em fase terminal. Os pacientes com positividade para o RNA viral, principalmente os que tiveram indicação de replicação ativa, tiveram aumento na 158 Revista Baiana de Saúde Pública mortalidade, comparados com os negativos para RNA enteroviral, podendo esse achado ser um marcador de pior prognóstico após ventriculectomia esquerda parcial14. Um estudo recente mostrou forte associação do parvovírus B19 com MDI e uma alta prevalência de infecção múltipla, sugerindo que essa associação de vírus pode ter um papel na MDI muito maior do que suspeitado até o momento19. CONCLUSÃO Os dados da literatura evidenciam uma forte associação entre infecção viral, desenvolvimento de miocardite clínica e subclínica e progressão para cardiomiopatia dilatada. Contudo o papel etiológico do VHC na cardiomiopatia dilatada idiopática permanece controverso, havendo necessidade de estudos que respondam a esta questão e investiguem a possibilidade de fatores regionais estarem influenciando essa associação. REFERÊNCIAS 1. Liang TJ, Reherman B, Seef LB, Hoofnagle JH. Pathogenesis, natural history, treatment and prevention of hepatitis C NIH Conference. Ann Int Med 2000;132:296-304. 2. Di Bisceglie AM. Hepatitis C. Lancet 1998;351:351-5. 3. Paraná R, Vitvitski L, Berby F, Portugal M, Cotrim HP, Cavalcante A, et al. HCV infection in northeastern Brazil: unexpected high prevalence of genotype 3a and absence of African genotypes. Arq Gastroenterol 2000;37(4):213-6. 4. Lauer GM, Walker BD. Hepatitis C virus infection. New Eng J of Med 2001;345:41-50. 5. Cacoub P, Poynard TY, Ghillani P, Charlotte F, Olivi M, Piette JC. Extrahepatic manifestations of chronic hepatitis C. Arthritis Rheum 1999;42:2204-12. 6. Akira M, Yoshiki M, Shigetake S. Dilated cardiomyopathy associated with hepatitis C virus infection. Circulation 1995;92:2519-25. 7. Akira M, Chikao Y, Yoshihiko I, Sachio K, Shigetake S. Hepatitis C virus from the hearts of patients with myocarditis and cardiomyopathy. Lab Invest 2000;80:1137-42. 8. Okabe M, Fukuda K, Arakawa K, Kikuchi M. Chronic variant of myocarditis associated with hepatitis C virus infection. Circulation 1997;96:22-4. v.30, n.1, p.154-160 jan./jun. 2006 159 9. Kulh U, Pauschinger M, Noutsias M, Seeberg B, Bock T, Lassner D, et al. High prevalence of viral genomes and multiple viral infection in the myocardium of adults with idiopathic left ventricular dysfunction. Circulation 2005;111:887-93. 10. Matsumori A, Matoba Y, Sasayama S. Dilated cardiomyopathy associated with hepatitis C virus infection. Circulation 1995;92(9):2519-25. 11. Matsumori A, Yutani C, Ikeda Y, Kawai S, Sasayama S. Hepatitis C virus from the hearts of patients with myocarditis and cardiomyopathy. Lab Invest 2000;80(7):1137-42. 12. Dalekos GN, Achenbach K, Christodoulou D, Liapi GK, Zervou EK, Sideris DA, et al. Idiopathic dilated cardiomyopathy: lack of association with hepatitis C virus infection. Heart 1998;80:270-5. 13. Grumbach IM, Heermann KH, Figulla HR. Low prevalence of hepatitis C virus antibodies and RNA in patients with myocarditis and dilated cardiomyopathy. Cardiology 1998;90:75-8. 14. Fujioka S, Kitaura Y, Ukimura A, Deguchi H, Kawamura K, Isomura T, et al. Evaluation of viral infection in the myocardium of patients with idiopathic dilated cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol 2000;36(6):1920-6. 15. Kao JH, Hwang JJ. Hepatitis C virus infection and chronic active myocarditis. Circulation 1998;98:1044-5. 16. Lo YM, Methal WZ, Fleming KA. In vitro amplification of hepatitis B virus sequences from liver tumor DNA and from paraffin wax embedded tissues using the polymerase chain reaction. J Clin Pathol 1989;42:834-40. 17. Bresters D, Schipper ME, Reesink HW, Boeser-Nunnink BD, Cuypers HT. The duration of fixation influences the yield of HCV cDNA-PCR products from formalin-fixed, paraffin-embedded liver tissue. J Virol Methods 1994;48:267-72. 18. Matsumori A, Matoba Y, Nishio R, Shioi T, Ono K, Sasayama S. Detection of hepatitis C virus RNA from the heart of patients with hypertrophic cardiomyopathy. Biochem Biophys Res Commun 1996;222(3):678-82. 19. Tschope C, Bock CT, Kasner M, Noutsias M, Westerman D, Schwimmbeck PL, et al. High prevalence of cardiac parvovirus B19 infection in patients with isolated left ventricular diastolic dysfunction. Circulation 2005;111(7):879-86. Recebido em 25.08.2005 e aprovado em 21.02.2006. 160 RELATO DE EXPERIÊNCIA Revista Baiana de Saúde Pública RODA DA SAÚDE, ARTICULANDO SABERES: UMA EXPERIÊNCIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA NO DISTRITO S ANITÁRIO DO CABUL A -BEIRU, S ALVADOR, BAHIA a Josenaide Engrácia dos Santosb Marluce de Oliveira Brito Meirac Resumo A roda, possivelmente, é o mais universal dentre os símbolos sacros de todos os povos. Foi utilizada como representação do evento de saúde promovido pela Universidade do Estado da Bahia, para expressar a horizontalidade das ações que envolveram ensino, serviço e comunidade. Objetivou-se estreitar os vínculos entre a comunidade residente no Distrito Sanitário Cabula-Beiru e os profissionais de Saúde do Distrito Sanitário e da Universidade, órgão formador da área de saúde. O encontro foi realizado em novembro de 2003, na Universidade do Estado da Bahia, com a participação de lideranças comunitárias, profissionais de saúde e a Universidade, representada por docentes e discentes da área de saúde. Contou com a participação de 200 pessoas. Para operacionalizar o evento, utilizou-se a estratégia de oficinas temáticas com conteúdos emanados do próprio encontro. O evento possibilitou a elaboração do relatório de prioridades, no qual a comunidade, o serviço e a universidade estabeleceram três eixos necessários para a capacitação do público alvo, quais sejam: formação de lideranças locais para o fortalecimento do controle social do Sistema Único de Saúde (SUS); sensibilização/ aperfeiçoamento dos profissionais de saúde; e interação da Universidade com a rede de saúde pública e a comunidade residente no Distrito Sanitário Cabula-Beiru. Palavras-chave: Roda. Comunidade. Universidade. a b c Relato de experiência do Encontro Roda da Saúde da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Departamento de Ciências da Vida, UNEB. Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Vida, UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia Departamento de Ciências da Vida, Rua Silveira Martins s/n, Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41195-001. E-mail: [email protected] v.30, n.1, p.161-168 jan./jun. 2006 161 WHEEL OF HEALTH, ARTICULATING KNOWLEDGE: EXPERIENCE FROM THE STATE UNIVERSITY OF BAHIA IN THE SANITATION DISTRICT OF CABULA-BEIRÚ, SALVADOR, BAHIA, BRAZIL Abstract The wheel is possibly the most universal of all the sacred symbols used by any people and was chosen to symbolize the health-related event organized by the State University of Bahia to discuss the lack of verticality that exists with respect to teaching, health services and the community. The objective of the event was to strengthen the links between the resident community of the sanitation district of Cabula-Beirú, the health professionals working in this district, and the university as an established provider of health education in that area. The meeting was held in November 2003 at the State University of Bahia, with the participation of community leaders, health professionals and the university, represented by faculty and students from health-related areas. There were 200 participants at the event, which was organized in thematic workshops with contents originating from the meeting itself. The meeting made it possible to prepare a list of priorities in which the community, together with the health services and the university, established three axes that are vital for the preparation of the target public. These are: training of local leaders to strengthen social control of the national health program, sensitization and improving the skills of health professionals, and interaction between the university and the public health network and resident community in Cabula-Beirú. Key words: Wheel. Community. University. INTRODUÇÃO O encontro Roda da Saúde, ocorrido na Universidade do Estado da Bahia, propôs-se a construir um espaço coletivo de escuta, discussão e pactuação, objetivando estimular os sujeitos sociais a novos sentidos e significados, para um agir concreto, tanto da comunidade residente no Distrito Sanitário do Cabula-Beiru como do serviço. Com este evento, os profissionais de saúde e a Universidade, como órgão formador, contribuíram com a promoção do controle social e o fortalecimento do SUS. Deste modo, o encontro foi um espaço de discussão, momento em que os participantes atuaram na produção e articulação de saber entre a comunidade do Distrito, o serviço e a Universidade. O Distrito Sanitário do Cabula-Beiru está localizado na cidade de Salvador, Bahia. Possui uma extensão territorial de 25.340km1 e uma população estimada em 359.071 habitantes. Conta com 14 unidades públicas de saúde, 2 hospitais públicos, 1 laboratório público, 10 laboratórios privados, 19 clínicas particulares e conveniadas. 162 Revista Baiana de Saúde Pública Os serviços oferecidos por esta rede de saúde são: atenção ao hipertenso, ao diabético, à mulher, ao adolescente, à criança, serviço social, odontologia, enfermagem, imunização, programa de hanseníase, vigilância à saúde, psicologia, imunização, educação em saúde, programa de tuberculose e serviço de urgência e emergência. O objetivo da Roda da Saúde foi refletir sobre a formação integral do ser humano e dar eco à fala da comunidade, para pensar em cuidar da saúde, da educação e das relações sociais, respeitando as diferenças entre as pessoas e os grupos. A Roda da Saúde iniciou o processo de construção de um projeto de escuta às necessidades da coletividade e de construção das relações entre os vários atores que cumprem tanto funções pedagógicas quanto de reconstrução da subjetividade das pessoas, criando vínculos que envolvessem o saber acadêmico e o saber popular. A partir dessas ações, seria possível reconstruir o modo de pensar e trabalhar em saúde; reformular a clínica, tomando como foco não apenas a doença, mas também o sujeito; e ampliar as práticas de promoção à saúde. No contexto político atual, essas medidas tornam-se urgentes, na perspectiva do cuidar das pessoas, pensando-as inseridas em redes sociais, visando ampliar as redes de apoio e de solidariedade entre a comunidade, o serviço e a própria Universidade, além de democratizar o saber. METODOLOGIA O primeiro passo na construção desse evento foi o convite às instituições de ensino, serviços de saúde e comunidade. Durante o mês de outubro de 2003, foi discutida e planejada a ação que um conjunto de professores da UNEB denominou de Roda da Saúde. O evento foi representado por uma ciranda, que remete ao lúdico, à horizontalidade das relações, às mãos dadas da cidadania, ainda que combinados em distintos e variados atores sociais, para promover reflexão, análise, definição de ações e concretização de um objetivo1. O processo de organização e de desenvolvimento da Roda da Saúde teve início com a participação do Distrito Cabula-Beiru, representado por associações, ONGs, Conselhos Comunitários de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, universidades pública e privada, profissionais de saúde, docentes e alunos das universidades. A Roda da Saúde aconteceu no dia 21 de novembro de 2003, no Campus I da UNEB. Contou com a participação de 200 representantes dos três segmentos (instituições de ensino, serviços e comunidade), com o objetivo de identificar problemas prioritários e lançar propostas de intervenção na área da promoção e educação em saúde. No período da manhã, aconteceu a abertura, com a presença da Escola de Saúde Pública, do Ministério da Saúde, da coordenação do Distrito Sanitário do Cabula-Beiru, v.30, n.1, p.161-168 jan./jun. 2006 163 representando a Secretaria Municipal de Saúde, do Pró-Reitor de Extensão da Universidade do Estado da Bahia, da Fundação para o Desenvolvimento das Ciências da Saúde, do Movimento Popular em Saúde, representantes do Colegiado de Enfermagem, Nutrição e Fonoaudiologia, do DCE da UNEB e ONGs do Distrito Sanitário Cabula-Beiru. No período da tarde, ocorreu o segundo momento da Roda da Saúde, com a realização das oficinas temáticas, envolvendo os participantes do evento. Os trabalhos tiveram início com uma dinâmica de apresentação, para que os integrantes das oficinas pudessem conhecer a realidade de vida de seus vizinhos. Após a dinâmica de apresentação, os participantes discutiram os problemas de saúde que vivenciavam no Distrito, bem como as iniciativas já desenvolvidas pela comunidade, os serviços e a Universidade na área de educação em saúde e capacitação de recursos humanos. No terceiro momento, foi organizada uma plenária, para socializar os resultados dos trabalhos produzidos nas oficinas. Os facilitadores apresentaram os principais problemas identificados pelos grupos, sistematizados a seguir: § um novo olhar sobre a necessidade de adesão ao tratamento de diabetes e hipertensão arterial; § saúde mental na adolescência / abuso de drogas entre jovens; § atenção à saúde dos idosos; § falta de informação sobre práticas de saúde por parte da população; § inexistência de Conselhos locais de saúde em algumas áreas e não oficialização dos Conselhos existentes; § ausência de acolhimento dos profissionais de saúde na recepção do serviço, porta de entrada; § investimento de capacitação dos profissionais para desenvolver práticas educativas com a comunidade. DISCUSSÃO A participação da comunidade tem sido colocada como dispositivo de promoção da saúde. Esse dispositivo é constituído por um conjunto heterogêneo, que engloba discurso, instituições, organizações, decisões regulamentares, leis, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. Consoante Foucault2, dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. Benevides de Barros3:187 sinaliza: [...] no dicionário, dispositivo é aquilo que contém disposição. Assim, destaca-se como parte de qualquer dispositivo quatro tipos de linhas: as de visibilidade, de enunciação, de força e de subjetivação. 164 Revista Baiana de Saúde Pública Problematizar a atividade do grupo Roda da Saúde exige que se coloque em questão a alternância entre estes diferentes momentos, que incluem reuniões, individualidade, coletividade, poder, conhecimento, trocas e aprendizagens, pensados no contexto da promoção da saúde, para constituir espaços de cidadania e participação. Este foi o exercício que a Roda se propôs a discutir, ouvir, escutar e dar voz. Conforme Benevides de Barros3, a experiência com a Roda da Saúde permitiu ouvir outros modos de existência, outros contextos de produção de subjetividades, abrindo canais de contato com o coletivo. A Roda da Saúde é a possibilidade de reorganização e a circulação de fluxos de poder e saber nos espaços coletivos, que viabiliza a integração dos desejos e interesse dos diferentes atores envolvidos no processo democrático da comunidade do Distrito Sanitário CabulaBeiru. Assim, esta Roda coloca-se como momento de experiências, possibilitando ação pró-ativa no cuidado à saúde, para que possam ser estabelecidos e reafirmados os princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde. Segundo Campos1, a Roda da Saúde é um espaço para a construção de novas subjetividades, nas quais, por meio da invenção de novas lógicas e estruturas organizacionais, os grupos podem adquirir maior capacidade de análise da realidade e de si mesmos, bem como maior capacidade de intervenção nessa realidade. Um dos principais desafios da Roda é, portanto, pensar o coletivo não apenas como espaço democrático, mas também como espaço pedagógico, terapêutico e de produção de subjetividade, destinado à escuta e à circulação de informações, bem como à elaboração e à tomada de decisões. Segundo o autor citado, é possível, nesse espaço: [...] analisar fatos, participar do governo, educar-se e reconstruir-se como Sujeito.1:35 Deste modo, a experiência com a Roda da Saúde constituiu-se em espaço coletivo baseado no método da Roda de Campos1, confirmando que os espaços coletivos produzem efeitos no plano político, subjetivo, pedagógico e gerencial. Estes espaços, consoante Campos1, constituem-se em bases de diálogo com as demandas de um coletivo, recolhidas junto a seus membros, devendo ser discutidas, analisadas e interpretadas na roda coletiva, gerando, no ato, decisões a serem traduzidas em tarefas, ou seja, formas de intervir no mundo e reconstruir valores. Ao final do encontro, foi constituída uma Comissão composta por representantes da comunidade, da Universidade e do serviço, para dar encaminhamento às prioridades definidas pelo conjunto dos participantes. Em 4 de dezembro de 2003, essa Comissão reuniu-se para aprovar o relatório e definir as prioridades para a elaboração de projetos educacionais em saúde. As propostas emanadas do relatório final contemplam, prioritariamente, três eixos de atuação: v.30, n.1, p.161-168 jan./jun. 2006 165 § sensibilização/aperfeiçoamento dos profissionais de saúde da rede básica; § interação Universidade-rede de saúde pública, através da formação de profissionais de saúde voltados para a atuação no SUS; § capacitação de conselheiros de saúde, com a formação de lideranças locais para o fortalecimento do controle social do SUS. É através dessas vivências práticas que se aprende e se constrói um sujeito capaz de dar consistência a seus projetos e desejos. Neste sentido, ao pensar sua relação com o fazer prático, onde se situam os espaços coletivos, a Roda propiciou a reflexão em torno de questões que diziam respeito às inquietações verbalizadas pela comunidade durante o evento. Apesar de apresentar esses aspectos considerados positivos, alguns questionamentos devem ser formulados, tais como: até que ponto tais espaços são de fato produtores de subjetividade? Até que ponto funcionam como fachada para a manutenção de uma relação autoritária de poder? Será que, em algum momento, nos perguntamos ou nos incomodamos com o uso que fazemos desses espaços grupais? As possibilidades de análise que se colocam ante essas indagações são inúmeras. A experiência com a Roda, porém, não se dispôs a respondê-las, mas a demarcar a importância de formulá-las. Talvez seja mais fácil criticar do que apontar soluções, mas o compromisso foi contribuir para o fortalecimento de negociações possíveis. Assim, a Roda possibilitou a constituição de espaços coletivos e rompeu com o modelo tradicional, o que já foi um grande desafio. Pensá-los como espaços realmente democráticos e de troca, de acolhida, de convívio social, de aprendizagem, de disputas, de decisão e de formação de vínculos, é propor que todos sejam chamados a participar e a assumir seu lugar e sua cidadania. Pensar a coletividade reunida, discutindo, disputando e decidindo sobre seu rumo, requer certa dose de coragem. Coragem de reconhecer o outro e colocar-se receptivo tanto naquilo que ele tem a reforçar, quanto naquilo em que ele possa inquietar. A Roda da Saúde foi um espaço coletivo que possibilitou à comunidade, ao serviço e ao órgão formador a experiência única de falar do lugar em que vive, falar de sua prática, de sua intimidade, de seus meandros e, desse modo, deu vez e voz à coletividade, sem a narrativa acadêmica. No universo da Roda, dois momentos podem ser definidos, com o apoio de Amorim4, como experiência próxima e experiência distante. A experiência próxima, segundo o autor citado, diz respeito ao conceito daquilo que seus semelhantes vêem, sentem, pensam e imaginam; e experiência distante é um conceito utilizado para concretizar objetivos científicos, reverenciando a tradição oral. Na Roda da Saúde, as duas experiências fizeram-se presentes todo o tempo, produzindo discussões e propostas no campo da saúde. 166 Revista Baiana de Saúde Pública CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao relatar as experiências da Roda da Saúde, deparamo-nos com uma lógica que procura valorizar a desconstrução de um modelo tradicional verticalizado, optando pela horizontalidade das relações, cujo caráter participativo procura garantir uma teia, um tecido de valorização dos laços, dos nós que nos unem e nos separam. Como diz Melo Neto5:56: Um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisará de outros galos. Acreditamos que a Roda esteja na base da experiência utilizada como obrigatoriedade por todos que optem por um modelo de valorização do saber popular e se constitua em principal instrumento para a transformação de uma lógica que represente a articulação de saberes, a construção e a multiplicação de vários saberes. A partir da intertroca de conhecimentos é dado um passo em direção à reinvenção da saúde que queremos. Ao caminhar nesta experiência, percebemos que o processo possibilitou refletir a respeito das implicações, dificuldades e potencialidades relativas a um fazer em saúde coletiva, ocorridas no espaço coletivo, e que a consolidação do Sistema Único de Saúde é um processo que, longe de estar concluído, requer investimentos por parte de todos serviço, instituições formadoras e comunidade para que a saúde possa ser reinventada. Neste sentido, entendemos que os versos do poeta Ferreira Gullar, musicados por Raimundo Fagner, são a melhor maneira de expressar o evento Roda da Saúde da Universidade do Estado da Bahia: TRADUZIR-SE Uma parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém, fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão, outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa e pondera, outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta, outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente, outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem, outra parte linguagem. Traduzir uma parte na outra parte que é questão de vida e morte. Será arte? Será arte? v.30, n.1, p.161-168 jan./jun. 2006 167 REFERÊNCIAS 1. Campos GW de S. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000. 2. Foucault M. Microfísica do poder. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Graal; 1992. 3. Benevides de Barros RD. Dispositivos em ação: o grupo. São Paulo: Hucitec; 1997. (Saúde Loucura n.6). 4. Amorim AC. O espetáculo da loucura: alienismo oitocentista psiquiatria do II milênio a construção social das linguagens do déficit e a progressiva enfermidade da cultura Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, UERJ; 2000. 5. Melo Neto JC de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor; 1966. Recebido em 28.02.2005 e aprovado em 16.02.2006. 168 RELATO DE EXPERIÊNCIA Revista Baiana de Saúde Pública AVALIAÇÃO DE MÉTODO PARA RA STREAMENTO E CONTROLE DE HIPERTENSOS Marco Antônio Mota Gomesa Annelise Costa Machado Gomesb José Narciso Gonçalves de Vasconcelosc Sonia de Moura Silvad Lucélia Batista Neves Cunha Magalhãese Resumo O objetivo deste estudo é avaliar uma nova técnica desenvolvida no Pólo Saúde da Família em Alagoas, para rastrear indivíduos suspeitos de serem hipertensos e, nos já diagnosticados e tratados, avaliar se estão controlados. Foram estudados, primeiramente, 100 indivíduos com idade >18 anos, de uma amostra aleatória, no ambulatório, para avaliar a precisão diagnóstica da nova técnica. Em seguida, foram avaliados 100 indivíduos hipertensos, com diferentes tratamentos anti-hipertensivos, para testar a precisão da técnica na avaliação do controle (PA >140/90 mmHg). A pressão arterial (PA) foi medida com equipamento digital OMRON 705CP. Esta nova técnica consiste em uma adaptação do esfigmomanômetro convencional (colocação de um adesivo no relógio) e, após insuflação convencional, a visualização da movimentação da agulha. O primeiro grupo de 100 indivíduos, constituído de 37 homens e 63 mulheres, com idade média de 52,5 ± 15,2 anos, teve uma sensibilidade(S) de 96,7%, especificidade(E) de 80,2%, valor preditivo positivo(VPP) de 84% e valor preditivo negativo(VNP) 96,5%. No segundo grupo de 100 indivíduos, que estavam em tratamento anti-hipertensivo, composto por 53 mulheres, idade média de 54,4 ± 15,8 anos, foram encontrados os seguintes resultados: S= 98,7%, E= 94,7%, a b c d e Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL) Family Healt Program. Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program. Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program. Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program. Coordenação do Programa de Hipertensão Arterial da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (CEDEBA). Coordinator of arterial hypertension program of State of Bahia. Endereço para correspondência: R.José Pedreira, 219, apto 102, Candeal, SSA.Ba - CEP 40-283-280. Endereço eletrônico: luceliamagalhã[email protected] v.30, n.1, p.169-178 jan./jun. 2006 169 VPP=96,2% e VPM= 94,7%. Este método de rastrear hipertensos, pela observação da movimentação da agulha do rastreômetro, mostrou boa sensibilidade e especificidade, tanto para detecção quanto para controle em hipertensos. Palavras-chave: Rastrear hipertensão. Controle de hipertensão. Equipamento para hipertensos. A METHOD FOR SCREENING HYPERTENSION Abstract To assess a new technique developed at the Family Health Unit of Alagoas for Health Community Agents to screen suspected hypertensives and controlling hypertension in patients diagnosed with high blood pressure. In the first group 100 individuals aged >18 chosen randomly at outpatient department were selected to assess the diagnostic accuracy of a new technique. In a second group, 100 diagnosed hypertensives using diferentes anti-hypertensive drugs for to test the accuracy of the technique for control purposes (BP >140/90 mmHg). In both groups, arterial blood pressure (BP) was measured with the OMRON 705-CP digital equipment. This new tecnic consist in a adaptation on the display of the convencional esfingnomanometer (put one adhesive stinking) and after insuflation to see a movimentation of the needle. The first group included 63 women and the men age was 52,5 ± 15,2 years; test sensitivity(S)=96.7% and specificity(E)=80.2%, with an 84% positive predictive value (PPV) and 96.5%, negative predictive value (NPV). The second group included 53 women and the mean age was 54,4 ±15,8 years, all under treatment for hipertension. Results for this group S= 98.7%, E=94.7%, PPV=96.2% and theNPP=94.7%. The screening method for hypertensives by observing needle movements on the screenometer (rastreômetro) demonstrated good sensitivity and specificity in the studied groups both for the detection and control of hypertension. Key words: Hypertension screening. Hypertension control. Equipment for hypertensives. INTRODUÇÃO O Ministério da Saúde (MS) do Brasil, no ano 2000, definiu como prioridade de sua agenda nacional a organização de toda a rede básica, visando à detecção e ao controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus. Essa decisão foi sustentada pela alta mortalidade cardiovascular1, pelo alto custo provocado ao sistema na abordagem das complicações provocadas por esses dois agravos e pelo baixo impacto da assistência convencional2, com vistas a uma política de saúde que possa revelar dados mais positivos em termos de melhores indicadores de saúde cardiovascular e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta estratégia foi denominada de Plano de Reorganização da Atenção Básica para a Detecção e Controle da Hipertensão Arterial 170 Revista Baiana de Saúde Pública (HA) e Diabetes Mellitus (DM)3. A maior novidade dessa estratégia foi, de forma democrática e participativa, a criação de comitês nacionais e estaduais, com o envolvimento de diversos organismos, tais como: Sociedades Científicas Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) , Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), Federação de Portadores de HA e DM e grupo técnico do MS. O Plano possuiu quatro etapas que envolveram a capacitação dos profissionais da rede básica, campanhas de detecção, vinculação à rede dos indivíduos diagnosticados como diabéticos e hipertensos para tratamento e monitoramento dos resultados. Toda atenção básica no país pretendia se organizar em torno de dois programas denominados de Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), tidos ainda hoje como uma estratégia capaz de renovar e dar impacto epidemiológico ao SUS. Em ambos, utilizam-se os chamados Agentes Comunitários de Saúde (ACS) como verdadeiros agentes de cidadania. Para eles, são delegadas certas tarefas que envolvem desde o cadastramento inicial, promoção de hábitos saudáveis de vida e até mesmo o envolvimento na adesão ao tratamento dos principais problemas de uma comunidade. Uma equipe do Programa de Saúde da Família consta de: um médico, um enfermeiro, um odontólogo, dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS2. O desafio maior na abordagem da HA está afeto à dificuldade da detecção e do controle4. Os países que estão desenvolvendo, há mais tempo, programas que visam melhorar o conhecimento, o tratamento e o controle (Ex. Estados Unidos e Cuba)4,5, obtiveram resultados pela diminuição de complicações, especialmente, internações por insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e insuficiência renal. Ainda assim, o percentual de indivíduos diagnosticados, em tratamento e controlados (ainda) é muito baixo, segundo dados do VI Joint National Committee (JNC)4. No Brasil, a dimensão desse problema é sentida, mas ainda não pode ser quantificada, porque faltam dados concretos que avaliem esses parâmetros. A decisão inicial do MS foi a de envolver esses ACS, que hoje são cerca de 180.000 distribuídos e espalhados em todas as regiões do país. A utilização desses ACS na abordagem da hipertensão arterial poderia ser feita pela medida da PA no domicílio, facilitando a busca ativa de hipertensos e a monitorização do controle de níveis pressóricos. Embora essa estratégia pareça ser de grande impacto, considerando-se as altas taxas de prevalência encontradas nos estudos nacionais realizados em alguns Estados6, dois problemas têm advindo nesse percurso. O primeiro refere-se aos Conselhos Regionais de Enfermagem, que resistem à idéia de que os ACS possam ser mobilizados para fazer medida de PA, por questões legais. A segunda diz respeito ao v.30, n.1, p.169-178 jan./jun. 2006 171 treinamento padronizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que demanda em muitas horas (14hs) de capacitação e, ao fim do treinamento, a média dos aprovados pelos testes não ultrapassa 75% na Inglaterra, desprezando de 12 a 15% dos treinandos7,8. Em nosso meio, considerando o número naquela época de 180.000 ACS, o tempo para capacitação e o custo do treinamento, o resultado esperado poderia se constituir em um grande entrave. Além disso, haveria o risco dos ACS informarem aos pacientes o nível da pressão arterial, o que poderia assustá-los e mesmo provocar auto-ajuste nas medicações, o que não seria recomendável. Com a constatação desses óbices e também movido pela necessidade de reduzir esse quadro epidemiológico desfavorável, foi desenvolvido este método de suspeição de hipertensos, que se revelou ser de custo barato e simples, podendo ser usado em grande escala, pela verificação da oscilação da agulha de um esfigmomanômetro aneróide, modificado pela aposição de um selo autocolante, com uma faixa de alerta em vermelho. MÉTODOS Para testar a eficiência da técnica de rastreamento, foram desenvolvidas duas estratégias diferentes. Num primeiro momento, para avaliar suspeitos de hipertensão, foram aleatoriamente avaliados 100 indivíduos com idade igual ou acima de 18 anos, média de 52,5 + 15,2 anos, de ambos os sexos (37 masculino e 63 feminino). Depois de um repouso de cinco minutos na posição sentada, segundo recomendação da OMS9, cada indivíduo foi submetido a uma verificação com o rastreômetro (observação sobre a movimentação da agulha no visor) e, em seguida (5 minutos), teve sua pressão arterial medida uma vez com um aparelho digital, automático e oscilométrico, devidamente testado, da marca OMRON 705-CP10,11. O braço utilizado foi o esquerdo, devido a um melhor ajuste dos manguitos empregados por esse tipo de equipamento e de acordo com as recomendações internacionais9. Em seguida, foram recrutados, por ordem de chegada em ambulatórios privados, 100 pacientes, conhecidamente hipertensos e em uso de medicações anti-hipertensivas, pertencentes a diversas classes terapêuticas. Também foram selecionados indivíduos com idade igual ou maior de 18 anos, média de 54,4 ± 15,5 anos, ambos os sexos (47 masculino e 53 feminino). Semelhante ao primeiro grupo, os indivíduos foram inicialmente submetidos a uma análise pelo rastreômetro (observação visual da movimentação da agulha) e, em seguida (5 minutos), tiveram a pressão medida uma vez pelo mesmo equipamento digital utilizado no primeiro grupo. Foi considerada hipertensão valores de pressão arterial maiores ou igual a 140 mm Hg de pressão arterial sistólica, e de valores iguais ou maiores que 90 mm Hg de pressão arterial diastólica. 172 Revista Baiana de Saúde Pública A técnica de uso do rastreômetro é descrita a seguir: a) paciente sentado e com o braço à altura do coração; b) coloca-se o manguito no braço esquerdo; c) insufla-se o manguito até que a agulha alcance a marca preta; d) abre-se lentamente a válvula, permitindo o retorno da agulha à posição inicial; e) observa-se a passagem da agulha dentro da faixa vermelha, que pode se apresentar: com oscilação ou sem oscilação; f) caso a agulha oscile dentro da faixa vermelha, encaminhar para uma consulta de enfermagem. Análise estatística Foi usado o método padrão de validade de um teste diagnóstico, utilizando as propriedades da tabela 2x212. Sensibilidade (SE) foi definida como: números de verdadeiramente positivos divididos pelo total de casos multiplicado por 100; especificidade (ES) foi definida como: números de verdadeiramente negativos divididos pelo total de casos e multiplicado por 100; valor preditivo positivo (VP+) foi definido como: números de verdadeiramente positivos em relação ao total de positivos no teste, multiplicado por 100; valor preditivo negativo (VP-) foi definido como: números de verdadeiramente negativos divididos pelo total de negativos em relação ao total de negativos no teste multiplicado por 10012. As demais análises foram proporções simples, com análise de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão) no histograma da curva normal.13 RESULTADOS No teste de detecção de suspeitos foram rastreados 100 indivíduos, dos quais o observador (médico criador da técnica) não tinha conhecimento do valor de suas pressões. No grupo testado, houve 58% de oscilações da agulha dentro da marca de alerta e comprovação do diagnóstico de pressão alterada (acima ou igual a 140 x 90mmHg) em 51% deles. A agulha do rastreômetro ultrapassou a faixa vermelha de alerta sem oscilar em 42% dos indivíduos e no grupo havia 49% de pacientes com pressão considerada normal (abaixo de 140 x 90mmHg). Os casos chamados falso-positivos podem ser explicados pela atenuação do efeito do avental branco e os falso-negativos pela presença de hipertensão diastólica. A sensibilidade medida para detectar casos suspeitos pelo uso da técnica do rastreômetro foi de 96,7% e a especificidade encontrada para essa mesma finalidade foi de 80,2%. O valor preditivo positivo foi de 84% e o valor preditivo negativo encontrado foi de 96,5% (Gráfico 1). v.30, n.1, p.169-178 jan./jun. 2006 173 TOTAL = 100 PACIENTES MASCULINO = 39 FEMININO = 61 IDADE MÉDIA = 52,5 + 15,2 ANOS SENSIBILIDADE = 96,7% ESPECIFICIDADE = 80,2% VALOR PREDITIVO POSITIVO = 84% VALOR PREDITIVO NEGATIVO = 96,5% Gráfico 1. Detecção de hipertensos No teste de avaliação de controle foram rastreados 100 indivíduos, comprovadamente hipertensos e em uso de diversas drogas, das várias classes terapêuticas. No grupo testado houve 81% de oscilações da agulha dentro da marca de alerta, e comprovação de falta de controle da pressão arterial (PA igual ou acima de 140 x 90mmHg) em 79% deles. A agulha do rastreômetro ultrapassou a faixa vermelha de alerta sem oscilar em 19% dos indivíduos e no grupo havia 21% de pacientes com pressão considerada normal (abaixo de 140 x 90mmHg). A sensibilidade medida para avaliar o controle da hipertensão arterial pelo uso da técnica do rastreômetro foi de 98,7% e a especificidade encontrada para essa mesma finalidade foi de 94,7%. O valor preditivo positivo foi de 96,2% e o valor preditivo negativo encontrado foi de 94,7% (Gráfico 2). CONTROLE DE HIPERTENSOS 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 81% 79% TOTAL = 100 PACIENTES MASCULINO = 47 FEMININO = 53 21% 19% IDADE MÉDIA = 54,4 + 15,8 ANOS ER IP N TE S SO VALOR PREDITIVO POSITIVO = 96,2% VALOR PREDITIVO NEGATIVO = 94,7% C C R NT ÃO O N ÀO ÃO S SO AÇ IL SC AÇ IL N TE O SC O ER IP H H M O M SE C SENSIBILIDADE = 98,7% ESPECIFICIDADE = 94,7% O N O D LA TR S O D LA O O S Gráfico 2. Controle de Hipertensos 174 Revista Baiana de Saúde Pública DISCUSSÃO Não foi possível comparar os resultados encontrados com os da literatura, visto que não existem relatos ou experiências semelhantes, pois se trata de técnica nova. A grande limitação deste inicial estudo sobre este novo instrumento foi o fato do observador ter sido o próprio criador do método, levando a um possível viés de observação. Contudo, para uma primeira validade, este viés é aceitável. Pelas análises estatísticas, estes resultados são considerados muito satisfatórios, pelo baixo custo da adaptação, pela exeqüibilidade do treinamento e do alcance social em questão, fato comprovado pela teoria da Medicina Baseada em Evidências14. Segundo Hennekens e Buring13, a hipertensão arterial é um agravo que se presta de forma interessante para o desenvolvimento de programas de triagens, pelos seguintes motivos: 1) por sua alta morbidade e mortalidade; 2) pelo fato do tratamento poder ser iniciado antes do aparecimento de sintomas e de danos irreversíveis; 3) pela alta prevalência em nosso meio, necessitando respeitar os fatores étnicos. Segundo os mesmos autores, não basta somente a doença ou o agravo ser factível para programas de triagens; o método empregado deve conter as seguintes características: ser barato, fácil de administrar, não impor desconforto aos usuários, além de ser provado como válido, reprodutível e factível dentro de uma comunidade. Todas essas exigências são contempladas nesse novo método. O emprego de uma técnica simples (Figura 1), que apenas modifica um equipamento de baixo custo já existente na rede pública (Figura 2), pode facilitar a detecção e o controle da hipertensão arterial, considerada como a enfermidade responsável pela maior morbidade e mortalidade cardiovascular em todo o mundo. Além disso, a hipertensão arterial é também responsável pelo maior índice de absenteísmo ao trabalho e aposentadorias precoces2, o que provoca um enorme custo social, especialmente, no Brasil, que estima-se possuir mais de vinte milhões de hipertensos. v.30, n.1, p.169-178 jan./jun. 2006 175 Figura 1. Aneróide do Rastreômetro Figura 2. Rastreômetro A posição de prudência adotada pelos Conselhos de Enfermagem de todo o Brasil tem sentido e deve ser respeitada, até porque o uso do rastreômetro parece oferecer uma solução interessante para esse desejo de mobilização dos milhares de ACS distribuídos pelo Brasil. O emprego da técnica de rastrear hipertensos pela utilização da observação da agulha do rastreômetro tem grande aplicabilidade em saúde pública. A produção de selos autocolantes, para modificar os aneróides já existentes, significa um custo de apenas R$ 14,00 (quatorze reais), suficientes para modificar 200 (duzentos) aparelhos. O custo total para equipar um aneróide para cada um dos (180.000) ACS seria de R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais). Insignificante, quando considerada a dimensão do problema. O treinamento para o uso do rastreômetro é muito simples. Como não faz diagnóstico, apenas promove rastreamento de suspeitos, não há riscos na utilização de aparelhos sem muita precisão. 176 Revista Baiana de Saúde Pública Pode-se afirmar que a técnica de rastrear hipertensos, no domicílio, utilizando os ACS, pode melhorar o panorama da hipertensão arterial no Brasil, através da realização de busca ativa. A melhora do percentual de indivíduos diagnosticados e também do percentual de indivíduos controlados pode acontecer com o uso dessa estratégia. Como essa técnica não é usada em nenhuma parte do mundo, o Brasil poderia se antecipar aos países considerados de primeiro mundo, porque, utilizando uma força tarefa extraordinária, poderia ter como resposta melhor detecção e melhor controle da hipertensão arterial. Conseqüentemente, teria como resultado a modificação do quadro epidemiológico desfavorável nacional em um curto tempo. Necessitar-se-á testar este novo método com outros profissionais de saúde, incluindo os agentes comunitários, para os quais este equipamento foi idealizado. REFERÊNCIAS 1. Barreto M, Carmo E. Situação de saúde da população brasileira: tendências históricas, determinantes e implicações para as políticas de saúde. In: Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro de Nacional de Epidemiologia (Cenepi). Informe Epidemiológico do SUS 1994 jul/dez;ano III (3-4):7-34. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica. Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus Protocolo. Brasília; 2001. V.7. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 95 de 26 de janeiro de 2001. Dispõe sobre aprovação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS) SUS 01/2001. Diário Oficial da União, Brasília, 29 jan. 2001. 4. 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Clinical diagnosis and the laboratory. Chicago: Yearbook; 1986. p.323. Recebido em 28.02.2005 e aprovado em 16.02.2006. 178 RELATO DE EXPERIÊNCIA Revista Baiana de Saúde Pública HIPERTENSÃO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DO SUS: ORIENTAÇÃO PARA O AUTOCUIDADO Cátia Andrade Silvaa, Camila Wanderleyb Emilia Rochac, Fabricia Santosd Izabel Martinse, Lenise Bastosf Mariana Sacramentog Resumo A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença crônica e o sucesso do tratamento depende da adesão do paciente e da participação dos profissionais de saúde, através da implementação de atividades voltadas para educação e orientação ao autocuidado. O profissional de enfermagem destaca-se como principal ator social responsável pelo Programa de Controle da HAS. Este estudo objetiva educar, para o autocuidado, pacientes hipertensos que não participam do grupo de hipertensão de um Centro de Saúde Municipal, situado na cidade do Salvador/Ba. Trata-se de uma pesquisa-ação, pois visa contribuir, chamando atenção para o déficit no autocuidado de pacientes hipertensos. Utilizou-se como instrumento de coleta formulários semiestruturados aplicados a 50 pacientes hipertensos, no período de setembro-outubro/2004. Os dados foram analisados qualitativamente, revelando que os pacientes eram, na maioria, idosos, negros, com baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade. Com base no perfil da amostra, foi elaborado um plano de cuidados e, a partir dele, foram confeccionados, como recursos didáticos, a b c d e f g Mestre em Enfermagem na área de concentração O Cuidar em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Docente da Faculdade de Tecnologias e Ciências SSA/Ba; Especialista em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva pela Faculdade de Enfermagem Luíza de Marillac; Especialista em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem, pela Escola Nacional de Saúde Pública. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba. Endereço para correspondência: enviar para Cátia Andrade Silva; Rua Marechal Floriano, n.º 396, Ap. 105, Ed. Jardins do Canela, Canela, Salvador- BA. CEP: 40110-010. e-mail: [email protected] / [email protected] v.30, n.1, p.179-188 jan./jun. 2006 179 álbum ilustrado e cartilhas informativas que fundamentaram as palestras educativas. Concluiu-se que existe a necessidade de reformulação das práticas educativas em saúde no Programa de Controle da HAS, além da capacitação dos profissionais de saúde envolvidos neste processo. Palavras-chave: Hipertensão. Educação à saúde. Autocuidado. Enfermagem. HYPERTENSION IN NA UNIT OF HEALTH OF SUS: ORIENTATION TO TAKE CARE OF HIMSELF Abstract The hypertension arterial sistemic (HAS) it is a chronic disease and the success of the treatment depends on the patients adhesion and of the professionals of health participation through the execution of activities gone back to education and orientation to take care of himself. The nursing professional stands out as the principal responsible social actor for the Program of Control of the HAS. In face to the considerations, this study has as objective educates to take care of himself the patients bearers of the HAS, that they dont participate in the group of hypertension of a Center of Municipal Health, located in the city of Salvador/Ba. it is Treated of a researchaction, because it seeks to contribute and to call attention for the deficit in take care of himself of patient with hypertension. It was used as instrument of collection of data forms semi-structured applied to 50 patient bearers of HAS, in the period of September-October/2004. The data were analyzed in a qualitative way, where he identified that the patients were in your majority seniors, black, with low purchasing power and it lowers education. With base in the profile of the sample a plan of cares was elaborated, and starting from him they were made as didactic resources a cultured album and informative spelling books that based the educational lectures. It was concluded with this study the need of reconstruction of the educational practices in health in the Program of Control of the HAS, besides the professionals of health training involved in this process. Key words: Hypertension. Education to the health. Take care of himself. Nursing. INTRODUÇÃO De acordo com Brasil 1 , a hipertensão arterial sistêmica (HAS) afeta, aproximadamente, entre 11 a 20% da população adulta com idade superior a 20 anos. Cerca de 85% dos pacientes vítimas de acidente vascular encefálico e 40% dos infartados apresentam a hipertensão associada. Sabe-se que a hipertensão é uma doença crônica, ou seja, não tem cura, mas pode ser controlada com a educação à saúde dos pacientes portadores de tal agravo. É caracterizada pelo aumento patológico dos níveis pressóricos, a ponto de causar males ao organismo do 180 Revista Baiana de Saúde Pública indivíduo. Suas conseqüências podem ser prevenidas com tratamento profilático adequado prescrito pelo médico e, na maioria das vezes, acompanhadas pelo enfermeiro na rede básica. O acompanhamento realizado pelo enfermeiro é feito nos grupos de hipertensão com consultas periódicas, objetivando a educação à saúde voltada para o autocuidado. Segundo Rabelo e Padilha2, a educação à saúde é indicada como uma das estratégias mais eficazes para estimular a adesão do paciente ao tratamento da doença hipertensiva. Entretanto, para que se obtenha sucesso no processo educativo, faz-se imprescindível o conhecimento a cerca das atitudes do indivíduo a respeito da doença da qual é portador3. A relevância deste estudo consiste em alertar os profissionais de saúde, principalmente os que atuam em rede básica, para o grande número de pacientes que procuraram a sala de aferição da pressão arterial e não pertenciam a grupos de controle, ou seja, grupos de hipertensão. Esses pacientes, em sua grande maioria, possuem níveis pressóricos elevados e não exercem nenhuma medida voltada para o autocuidado, necessitando de educação à saúde. Em face dessas considerações, o objetivo do presente estudo consiste em educar para o autocuidado os pacientes portadores de HAS, que não participam do grupo de hipertensão de um Centro de Saúde Municipal, situado na cidade do Salvador (BA). REVISÃO DE LITERATURA A hipertensão é entendida pelo aumento da pressão sanguínea nas paredes das artérias, levando à pressão arterial sistêmica cronicamente aumentada. Os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a hipertensão arterial sistêmica estabelecem a pressão sanguínea sistólica de 140mmHg e a diastólica de 95mmHg4. Graw4 ressalta que cerca de um quarto da população adulta da Europa e da América do norte terá uma leitura de pressão sanguínea acima desse limite, mas a maioria terá uma pressão menor em uma segunda leitura. Assim, faz-se importante não basear as decisões clínicas em uma única leitura de pressão sanguínea elevada, pois o diagnóstico de hipertensão somente deve ser feito depois de medidas repetidas da pressão arterial ao longo de várias semanas. Lima, Bucher e Lima5 afirmam que, no Brasil, alguns estudos de base populacional estimaram a prevalência da HAS entre 20,0% a 30,0%. Guyton6 alerta que a pressão arterial elevada ocorre, aproximadamente, em uma de cada cinco pessoas antes do término de suas vidas, em geral, na meia-idade ou na velhice. A pressão arterial elevada pode levar a conseqüências para o organismo, tais como: ruptura dos vasos sanguíneos cerebrais, dos vasos renais, causando insuficiência renal ou dos vasos de outros órgãos vitais; também pode causar cegueira, surdez, ataques cardíacos, dentre outros6. v.30, n.1, p.179-188 jan./jun. 2006 181 A fisiologia da hipertensão arterial sistêmica é um fenômeno multigênico, de origem múltipla, que causa lesão dos órgãos alvos: coração, cérebro, rins e retina7. Ceppari7 afirma ainda que os fatores multigênicos determinantes da pressão, associados ao débito cardíaco e à resistência periférica, interferem na manutenção dos níveis pressóricos dentro dos padrões de normalidade. Outro aspecto importante a ser discutido é o papel do sódio no controle da pressão arterial. O cloreto de sódio há muito tempo tem sido considerado importante fator de desenvolvimento e na intensidade da HAS. A correlação entre o aumento da prevalência de hipertensão e a ingestão de sal é bastante citada na literatura. O excesso de sódio, de início, eleva a pressão arterial por aumento do volemia e conseqüentemente aumento do débito cardíaco. Além de seu efeito isolado, a alta ingestão de sal ativa diversos mecanismos pressóricos com aumento da vasoconstricção renal e da reatividade vascular aos agentes vasoconstrictores e elevação dos inibidores de Na+/K+ ATPase8. Existem evidências de que a simples redução de sódio na dieta induz à queda significativa da pressão arterial sistólica de indivíduos hipertensos, além de diminuir o risco de eventos cardiovasculares9. De acordo com Contran, Kumar e Collins10, os fatores ambientais contribuem para a expressão dos determinantes genéticos, que elevam os níveis pressóricos. E cita como exemplos: tabagismo, inatividade física, consumo excessivo de sal, obesidade e estresse. Segundo Cuppari7, a hipertensão arterial é assintomática. Geralmente apresenta os seguintes sintomas: cefaléia, pois causa a vasoconstricção; sangramento pelo nariz, pois a rede de capilares nasal é muito sensível ao aumento do fluxo sangüíneo; tontura; falta de ar; dentre outros. As complicações da hipertensão arterial incluem: derrame, cardiomegalia, doença coronária e insuficiência renal. A hipertensão maligna ou hipertensão grave conduz a lesão arterial caracterizada por retinopatia, papiloedema e insuficiência renal progressiva11. Se uma das causas da hipertensão secundária for diagnosticada, o tratamento direcionado para a doença pode, freqüentemente, levar à resolução da hipertensão. O tratamento da hipertensão essencial pode envolver modificações do estilo de vida e o uso de drogas antihipertensivas4. Existem casos de hipertensão que podem ser controlados através de medidas não medicamentosas. Essas medidas são conseguidas exercendo hábitos saudáveis, como evitar o tabagismo, alimentar-se adequadamente, praticar atividades esportivas, evitar consumo excessivo de sal e álcool e evitar o estresse. 182 Revista Baiana de Saúde Pública Os hipertensos devem evitar o tabagismo devido aos efeitos nocivos do fumo, que provocam o endurecimento das paredes das artérias, acarretando o aumento da pressão sanguínea. Além do aumento da pressão arterial, o tabagismo provoca doenças pulmonares, câncer e o desenvolvimento de diabetes. Os hipertensos que fumam devem ter consciência e parar progressivamente ou procurar orientações quanto ao uso de adesivos e chicletes, atenuando ou até cessando o desejo do fumo1. Uma alimentação adequada (hipocalórica), com mais ingestão de verduras, legumes, frutas, carnes magras, proporciona um eficaz controle da pressão arterial nos pacientes com HAS12. Segundo Lessa13, 50% dos pacientes portadores de HAS não fazem nenhum tipo de tratamento e, dentre os que fazem, poucos têm a pressão arterial controlada; 30 a 50% dos hipertensos interrompem o tratamento no primeiro ano e 75% depois de cinco anos. Diante dessa realidade, percebe-se o papel importante do Programa de Controle da Hipertensão Arterial desenvolvido na rede básica de saúde, que possui como um dos objetivos a redução do índice de abandono do tratamento, através da educação à saúde. Maciel e Araújo14 ressaltam que, nos Programas de Hipertensão, os enfermeiros têm revelado uma atuação significante, abordando holisticamente os aspectos relacionados às enfermidades e ao paciente. Nesse contexto, seria de inteira responsabilidade dos profissionais da saúde a defesa de propostas de educação em saúde fundamentadas na capacitação dos indivíduos e da sociedade, levando-se em conta: o indivíduo e a influência dos fatores ambientais em seu processo saúdedoença, bem como a concepção da realidade em que está inserido5. MATERIAL E MÉTODOS A abordagem qualitativa adotada neste estudo é respaldada por Richardson15. Segundo esse autor, esta é a abordagem mais adequada para a compreensão da essência de um fenômeno social. A pesquisa qualitativa possibilita a identificação de questões relevantes e a formulação de questionamentos, para que se descubram problemas a serem analisados. A pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação porque, inicialmente, buscou-se conhecer a realidade do fenômeno a ser pesquisado para, posteriormente, serem propostas ações para modificação da realidade. De acordo com Trentini e Paim16, a pesquisa-ação pode ser subdividida em quatro subgrupos. Neste trabalho, optou-se por trabalhar com um deles: pesquisa-ação de diagnóstico, utilizada com a finalidade de traçar o diagnóstico de determinadas situações sociais e elaborar e implementar planos de ação para resolver os problemas identificados. v.30, n.1, p.179-188 jan./jun. 2006 183 A pesquisa foi realizada no período compreendido entre 02 a 24 de setembro de 2004, em um Centro Municipal de Saúde, situado na cidade de Salvador (BA). Esse Centro disponibiliza para a população serviços como: imunização, puericultura, ginecologia, pré-natal, planejamento familiar, clínica médica, tisiologia, hanseníase, programas de hipertensão e diabetes, odontologia, pediatria; e ainda serviços de apoio, tais como: laboratório de análise clínica, realização de curativos, nebulização, farmácia, verificação de pressão arterial e administração de medicamentos. Existe uma quantidade significativa de hipertensos que procuram assistência à saúde. Todavia o programa de hipertensão arterial não funciona no período da manhã, fazendo com que os pacientes que buscam o serviço nesse turno apenas tenham suas pressões sanguíneas verificadas, ficando sem orientação para o autocuidado. A amostra do estudo foi composta por 50 pacientes que buscaram espontaneamente a sala de aferição de pressão arterial. Os dados foram coletados através de um formulário roteiro de questionamentos , lido e preenchido pelo pesquisador, a fim de apreender as respostas dos sujeitos do estudo17. A aplicação do formulário objetivou caracterizar o perfil sócio-econômico da população a ser estudada, bem como conhecer se implementam medidas para o autocuidado. Este instrumento também orientou a escolha dos acessos metodológicos para a realização do ciclo de palestras produzidas pelo grupo de pesquisadores. Embasados nos resultados da aplicação do formulário elaborou-se um plano de cuidados direcionado para o autocuidado dos pacientes portadores de HAS. Esse plano foi transmitido à população do estudo, através de quatro palestras ministradas pelas discentes, autoras do trabalho, e supervisionadas pela orientadora. Tomando por base o plano de cuidados, foi desenvolvida uma cartilha educativa, entregue durante o ciclo de palestras, com o objetivo de informar e orientar a população de forma clara, objetiva e ilustrativa. Também foi elaborado um álbum seriado relação ou lista metodológica ilustrativa , visando facilitar a transmissão e a interação entre o educador e o educando. Por fim, os dados foram analisados com base no referencial teórico relacionado com a temática. RESULTADOS E DISCUSSÃO A aplicação do formulário viabilizou a caracterização da amostra do estudo e revelou, entre os pacientes hipertensos atendidos no centro de saúde, durante a aplicação do formulário, que 70% eram mulheres. 184 Revista Baiana de Saúde Pública Em relação à idade, dentre as mulheres hipertensas, encontrou-se 50% com faixa etária entre 60 e 69 anos. No sexo masculino, encontrou-se 60% entre 70 e 79 anos. Com relação à cor da pele, 70% da amostra foi composta por indivíduos brancos. Também constatou-se que 80% desse grupo possui baixo nível de escolaridade. A análise dos resultados revelou ainda que a maioria dos indivíduos do estudo não realiza o autocuidado, ou seja: não têm uma alimentação equilibrada (limitar consumo de sal, bebidas alcoólicas e uso de cigarros); não fazem uso dos medicamentos prescritos pelo médico adequadamente (só utilizam os medicamentos quando sentem algum sintoma); não praticam atividades físicas; e preocupam-se excessivamente em verificar os valores pressóricos, freqüentemente, na sala de aferição de pressão arterial do referido centro de saúde. Tomando como base os dados fornecidos pela aplicação do formulário, direcionou-se a metodologia para a implementação de ações educativas em saúde voltadas para o autocuidado. Elaborou-se, inicialmente, um plano de cuidados voltado para o autocuidado do paciente hipertenso. Este é considerado por Timby18 como uma das etapas do processo de enfermagem e consiste em um conjunto de medidas para a execução de cuidados. No plano de cuidado, devem-se priorizar os problemas, buscando-se intervir adequadamente para manter o controle ou eliminá-los. O plano de cuidados abordou: esclarecimento quanto ao que vem a ser a hipertensão arterial sistêmica; definição das causas e conseqüências; abordagem dos sinais e sintomas; tratamento medicamentoso e não medicamentoso; importância da redução do consumo de álcool e tabagismo; controle do peso; estímulo à prática de uma atividade física; mudança de hábitos alimentares irregulares; consultas periódicas com o médico; participação de um grupo de controle de hipertensão; e uso correto de medicação prescrita. Com base no plano de cuidados, foram confeccionadas cartilhas educativas e um álbum seriado, ambos utilizados pelo grupo de pesquisadores num ciclo de seis palestras, cada uma com duração de 30 minutos, acrescida de 10 minutos para discussão e respostas das dúvidas que, conseqüentemente, surgissem. Sendo dirigidas a todos os usuários do centro de saúde municipal, as palestras foram realizadas na sala de marcação de consulta e intercaladas com intervalos de 40 minutos. Os pacientes que se dispuseram a participar das palestras mostraram-se participativos, interessados e contribuíram com o relato de suas experiências. Também ficou evidente, após o ciclo de palestras, que a enfermagem possui um papel imprescindível nas ações de promoção à saúde, contribuindo para reduzir a falta de informações básicas necessárias à compreensão do processo saúde-doença. Neste sentido, Daniel19 salienta que o papel da v.30, n.1, p.179-188 jan./jun. 2006 185 enfermagem é contribuir para a preservação e restauração da saúde, respeitando a vida na promoção de ações necessárias a sua manutenção. Percebe-se, então, que o controle da HAS tem se constituído em um desafio para os profissionais de saúde, pois seu tratamento envolve a participação ativa dos hipertensos no intuito de modificar alguns comportamentos prejudiciais a sua própria saúde e assimilar outros que beneficiem sua condição clínica20. É indispensável ressaltar que a educação em saúde atua como fator benéfico para o paciente. Entre suas metas, destacam-se: ensinar as pessoas a viverem a vida da forma mais saudável, isto é, esforçando-se na aquisição do potencial máximo de saúde; diminuir os custos desnecessários; e promover o autocuidado. Entende-se a educação para o autocuidado como um processo dinâmico que depende da vontade do cliente e de sua percepção sobre sua condição clínica21. Nela, os pacientes julgam se a ação de autocuidado é benéfica para si. Esse julgamento ocorre de acordo com as orientações internas e/ou externas que, por sua vez, são moldadas pela cultura em que os indivíduos vivem22. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final deste estudo, percebe-se que, para um melhor controle dessa patologia, é necessária a adesão do paciente ao tratamento, já que a HAS é uma doença crônica. Para um direcionamento eficiente e eficaz do autocuidado, é preciso que se tenha um programa para hipertensos mais intenso e motivador, pois o autocuidado adequado requer interesse e comprometimento dos pacientes hipertensos e colaboração dos profissionais de saúde, principalmente, dos enfermeiros. Acredita-se que um dos maiores desafios para a enfermagem é entender as necessidades de educação à saúde como componentes especiais e essenciais do cuidado de enfermagem, estando relacionadas à promoção, manutenção e restauração da saúde. Percebe-se, ao final do estudo, que os pacientes não possuíam conhecimento acerca do autocuidado para prevenção dos agravos ocasionados pela hipertensão arterial sistêmica. Esse desconhecimento era agravado pela ausência do Programa de Controle da HAS em um dos turnos, somado ao despreparo dos profissionais em adotar e por em prática medidas educativas. Compreende-se que as ações implementadas no campo em estudo acresceram conhecimento à vida dos hipertensos e motivou-os a adotarem medidas para o desenvolvimento do autocuidado, bem como despertou nos profissionais do campo o interesse pelo tema. Por fim, acredita-se no mesmo princípio do educador Freire23, para o qual o processo de aprendizagem é bidirecional e ambos, educador e educandos, são agentes do processo, compartilhando experiências e crescendo juntos. 186 Revista Baiana de Saúde Pública REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Hipertensão Arterial Sistêmica HAS e Diabetes Mellitus DM. Cadernos de Atenção Básica. 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Recebido em 08.09.2005 e aprovado em 10.04.2006. 188 RESUMO DE DISSERTAÇÃO Revista Baiana de Saúde Pública CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PRIVADOS DO MUNICÍPIO DE FEIRA DE S ANTANA BAHIA a Maria de Fátima de Almeida Cruz Resumo O papel do setor privado no financiamento e na produção dos serviços de saúde, bem como sua articulação com o setor público, constitui-se, hoje, em tema altamente relevante, visto que, desde os anos 80, com o estrangulamento financeiro do setor público e a conseqüente deterioração dos serviços oferecidos, o setor privado ampliou sua estrutura e seu volume de assistência médica prestada à população, causando uma explosão na venda de planos e de seguros privados, o que proporcionou um crescimento vertiginoso em número de segurados e de faturamento. O presente estudo, descritivo e de série temporal, tem por objetivo caracterizar a evolução dos serviços de saúde privados do município de Feira de Santana, Bahia, no período compreendido entre 1992 e 2004, considerando a natureza jurídica, a capacidade instalada ambulatorial e hospitalar, fluxo de atendimento, especialidades médicas oferecidas e financiamento. O estudo visa contribuir para o conhecimento da magnitude, do grau de dependência em relação ao financiamento público e das modalidades que dominam o setor privado nesta cidade. Foram utilizados dados secundários de pesquisas e de Sistemas de Informação oficiais de caráter público (AMS / IBGE, DATASUS). Os dados primários foram obtidos através de um inquérito realizado entre outubro de 2004 e janeiro de 2005, nos estabelecimentos privados do município em questão. Através dos programas de computador Excel, TABNET e TABWIN, os dados foram tabulados e classificados, para os diferentes anos, nas categorias teóricas pré-definidas. A avaliação temporal das categorias foi traçada a partir da comparação das diferenças entre o valor do indicador ano a ano, das diferenças entre o final e o início do período, expressa em percentagem (%), pela razão público x privado em cada ano da série histórica e pelo padrão gráfico apresentado. Os resultados encontrados demonstram a hegemonia do setor privado lucrativo na produção dos serviços de saúde no município, cabendo-lhe o maior número de a v.30, n.1, p.189-190 jan./jun. 2006 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana. Orientador Prof. Dr. Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza. Defendida e aprovada em 17 de março de 2005. 189 estabelecimentos e de procedimentos realizados no período estudado. As diferentes modalidades da assistência médica supletiva são as principais responsáveis pelo financiamento da assistência ambulatorial e hospitalar dos estabelecimentos de saúde privados estudados, sendo a maioria deles completamente independentes dos recursos públicos. Palavras-chave: Público. Privado. Serviços de Saúde. Feira de Santana - Bahia. CHARACTERIZATION OF PRIVATE HEALTH SERVICES IN THE CITY OF FEIRA DE SANTANA, BAHIA Abstract The role of private sectors in financing and producing health services, as well as its articulation with public sectors, is nowadays a highly relevant theme. Since, in the 80s, the public sectors financing strangulation and consequent deterioration of offered services took place, the private sector extended its structure and its volume of medical assistance provided to the population, causing a boom in health plans and private insurance sales that promoted an enormous increase of insured members and profits. The present study, descriptive and of temporal series, has as its objective to characterize the evolution of private health services in Feira de Santana Bahia, from 1992 to 2004, considering juridical nature, ambulatory and hospital installed capacity, flux of service, offered medical specialties, and financing. The study aims to help to know the magnitude of the level of dependence related to public financing, and modalities that dominate the private sector in this city. Secondary data from research and official information systems of public character (AMS / IBGE, DATASUS), and primary data obtained through an inquiry held between October 2004 and January 2005 at private establishments in the mentioned city were used. Through computer programs such as Excel, TABNET and TABWIN, the data were tabulated and classified, for the different years, in pre-defined theoretical categories. Temporal evaluation of categories was drawn from comparisons of differences between: yearly indicator indices; the periods end and beginning, expressed in percentage; public versus private yearly historic series; and presented graphic patterns. The found results have shown the profitable private sectors hegemony in producing health services in this city, having the largest number of establishments and realized procedures in the studied period. Different supplementary medical assistance modalities are the principal responsible for financing ambulatory and hospital assistance at studied private health establishments, being the majority completely independent of public resources. Key-words: Public. Private. Health services. Feira de Santana Bahia. Recebido em 14.11.2005 e aprovado em 21.02.2006 190 RESUMO DE DISSERTAÇÃO Revista Baiana de Saúde Pública ESTUDO DA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE POR MÃES E CRIANÇAS NO PRIMEIRO ANO DE VIDA CENTRO DE SAÚDE ESCOLA DE BOTUCATU SP a Alice Yamashita Prearo Resumo O presente trabalho foi desenvolvido para atender a uma demanda da área de Saúde da Criança do Centro de Saúde Escola (CSE), de Botucatu, interior de São Paulo, em: conhecer algumas características sócio-econômicas das crianças e suas famílias; conhecer as condições perinatais das mães e das crianças; estudar a utilização de serviços de saúde, pela mãe, durante a gestação, e pela criança nos primeiros meses de vida. Para obter os dados, não apenas do usuário que demanda o serviço, mas da população da área de abrangência do CSE, foi utilizado o inquérito domiciliar. A partir de um questionário especificamente elaborado, foram levantadas características sócio-econômicas e demográficas das famílias, das mães e crianças. Foram estudadas 181 crianças nascidas entre o segundo semestre de 1995 e o primeiro semestre de 1996 e suas famílias. Com a análise dos dados, concluiu-se que 51,6% dos indivíduos tinham renda per capita até 2 salários mínimos dos quais 30% com renda até 1 salário; as mães e as crianças tiveram facilidade de acesso aos serviços de saúde, pelo elevado percentual de matrículas de mães nos serviços de pré-natal (95,6%) e dos lactentes; observa-se que 50,9% das crianças são matriculadas no Centro de Saúde Escola e 27,1% são clientes de convênios. As porcentagens elevadas de consultas no primeiro mês de vida (94,5%), no segundo trimestre de vida (95%) e a cobertura vacinal, nos anos subseqüentes (90%), confirmam a satisfatória utilização de serviços de saúde das crianças nascidas na área de estudo, independentemente da renda per capita. Dados obtidos pelo inquérito representam uma boa base diagnóstica para um possível aproveitamento no planejamento, avaliação de ações e programas de saúde materno-infantil e conhecimento sobre o serviço, subsídios importantes para assistência e ensino de profissionais da saúde. Palavras-chave: Saúde materno-infantil. Serviços de saúde. Atenção primária. a Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Pediatria Área de concentração Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Orientador Profa. Dra. Águeda Beatriz Pires Rizzato. Co-Orientador Profa. Dra. Luana Carandina. Defendida e aprovada em 20 de outubro de 2000. Médica do Depto. de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP). Biblioteca depositária: Biblioteca do Campus de Botucatu (UNESP). v.30, n.1, p.191-192 jan./jun. 2006 191 STUDY OF THE USE OF SERVICES OF HEALTH FOR MOTHERS AND CHILDREN IN THE FIRST YEAR OF LIFE - CENTRO DE SAÚDE ESCOLA OF BOTUCATU - SP Abstract The present work was developed to take care od a demand of the group of child health of CSE (Centro de Saúde Escola), of Botucatu, São Paulo in knowing some partner-economic conditions of the children and its families; to know the perinatal conditions an of the mothers and child; to study the use of health jobs, for the mother, while pregnant, and for the child in the first months of life. To not only get the data not just of the user who demad to the healh center, but of the population of the area of inclusion of CSE, was used the inquiry to domicilair, where from a questionnaire specifically elaborated, they had been got characteristics partner-economic and demographic of the families. Been born between the second semester of 1995 and first semester of 181 children and its families had been studied. The analysis of the results made possible the following conclusions : that 51,6% of the individuals had per capita income to 2 minimum wages of the which 30% with income until 1; the mothers and the children had access easiness to the services of health, for the high percentile of mothers registrations in the services of prenatal (95,6%) and of the infants it observes us her that 50,9% of the children are enrolled in Saúde Schools Center and 27,1% are customers of agreements. The high percentages of consultations in the first month of life (94,5%), in the second quarter of life (95%) and the covering vacinal, in the subsequent years (90%), they confirm the satisfactory use of services of the born childrens health in the study area, independently of the per capita income. Data obtained by the inquiry represent a good base for a possible use in the planning, evaluation of actions and programs of maternal-infantile health and knowledge on the service, important subsidies for attendance and professionals of the health teaching. Key words: Maternal and child health. Health services. Primary health care. Recebido em 19.12.2005 e aprovado em 22.02.2006. 192 ERRATA: Revista Baiana de Saúde Pública EM RELAÇÃO AO NÚMERO ANTERIOR VOL. 29, N.2, JUL./DEZ. 2005 Na página 175, Artigo original IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) EM FEIRA DE SANTANA-BA NO ANO 2000 COMO EXPERIÊNCIA PILOTO: vontade política ou interesses políticos? Na 6ª linha do 7º parágrafo da Introdução (p. 177), a sigla USF deve ser substituída por Equipe de Saúde da Família (ESF). No 9º parágrafo da Introdução (p. 177) Onde se lê: Ao contextualizar a implantação do PSF pelo Ministério da Saúde em Feira de Santana, vemos que, este Programa foi iniciado no referido município, em novembro de 2000, com a implantação de duas USF (correspondendo, à época, a menos de 2% de cobertura da população feirense), como Projeto Piloto, no bairro do Novo Horizonte. Salientamos que este período correspondeu ao final da gestão municipal 1997-2000. Leia-se: Ao contextualizar a implantação do PSF em Feira de Santana, vemos que passados seis anos do lançamento do PSF pelo Ministério da Saúde, esse Programa foi iniciado no referido município, em novembro de 2000, com a implantação de duas ESF (correspondendo à época, a menos de 2% de cobertura da população feirense), como Projeto Piloto, no bairro do Novo Horizonte. Salientamos que esse período correspondeu ao final da gestão municipal 1997-2000. No 10º parágrafo da Introdução (p. 177) Onde se lê: a sigla USF Leia-se: a sigla ESF: ... para a instalação das ESF nas Unidades de Saúde da Família. No 1º parágrafo dos Resultados, p. 178 Onde se lê: do século passado desnecessário o complemento quando se refere à década de 70, uma vez que o estudo não se aproximou da década de 70 deste século. v.30, n.1, p.193-194 jan./jun. 2006 193 Onde se lê: um concurso pública Leia-se: uma seleção pública. De acordo com o Artigo Original, a apresentação de retificação de alguns pontos entre a última palavra das falas dos entrevistados e sua identificação entre parênteses: p. 182 continuasse (ent. 3).; p.183 PSF (ent. 2).; p. 184 gestão (ent. 1). e políticas (ent. 1).; p. 185 facilidade (ent. 1). e orientações (ent. 4).; p. 186 destino (ent. 5).; bem como inserido um espaço entre a última fala e o início do último parágrafo da p. 184. Na página 319, Artigo Original, Rede de Relações dos Protagonistas da Prática de Saúde Bucal no Programa Saúde da Família (PSF) Alagoinhas Bahia. 5º parágrafo - há repetição de palavras, erro ortográfico. Onde se lê: (... dificultando a adessa que eu achei que dificultou pra gente foi a questo...). Leia-se: (... dificultando a adesão dos trabalhadores à concepção de mudança do modelo de atenção à saúde ). 194 Revista Baiana de Saúde Pública NORMAS PARA PUBLICAÇÃO A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), de periodicidade semestral, dedica-se a publicar contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. Serão aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP publicadas, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. CATEGORIAS ACEITAS: 1. Artigos originais 1.1 Pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 15 laudas). 1.2 Ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 laudas). 1.3 Revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 10 laudas). 2. Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 laudas). 3. Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e de teses de doutorado/livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 laudas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta. 4. Resenha de livros: resenhas de livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 laudas). 5. Relato de experiências: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 laudas). 6. Carta ao editor: carta contendo comentários sobre material publicado (2 laudas). 7. Editorial: de responsabilidade do editor, podendo ser redigido por convidado por solicitação deste. 8. Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 laudas). ORIENTAÇÕES AOS AUTORES INSTRUÇÕES GERAIS PARA ENVIO Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação. 195 Devem ser encaminhadas à secretaria executiva da revista três cópias impressas. As páginas devem ser formatas em espaço duplo com margem de 3cm à esquerda, fonte Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto superior direito (não numerar as páginas contendo tabela, gráfico, desenho ou figura). Podem também ser enviados para o e-mail da revista, desde que não contenham desenhos ou fotografias digitalizadas. Uma cópia em disquete deverá ser entregue com a versão final aceita para publicação. ARTIGOS Folha de rosto: deve constar, o título (com versão em inglês), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, orgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência. Segunda folha: iniciar com o título do trabalho sem referência à autoria e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (abstract). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também ter acrescido o resumo em português. Palavras-chave (3 a 8) extraídas do vocabulário DECS (Descritores em Ciências da Saúde/ www.decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings / www.nlm.nih.gov/mesh) para os resumos em inglês. Terceira folha: Título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a seqüência: introdução, incluindo justificativas, citando os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados; discussão; e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessário. TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS Obrigatoriamente, os arquivos das tabelas, gráficos e figuras devem ser digitados em arquivos independentes e impressos em folhas separadas. Estes arquivos devem ser compatíveis com processador de texto Word for Windows (formatos: PICT, TIFF, 196 Revista Baiana de Saúde Pública GIF, BMP). O número de tabelas, gráficos e, especialmente, ilustrações deve ser o menor possível. As ilustrações, figuras e gráficos coloridos somente serão publicados se a fonte de financiamento for especificada pelo autor. No texto do item resultados, as tabelas, gráficos e figuras devem ser numeradas por ordem de aparecimento no texto, com algarismos arábicos e citadas em negrito (e.g. ... na Tabela 2 as medidas ..) Tabela (não utilizar linhas verticais), Quadro (fechar com linhas verticais as laterais). O título deve ser objetivo e situar o leitor sobre o conteúdo, digitado após o número da Tabela, Gráfico, etc., e.g.: Gráfico 2. Número de casos de AIDS no Brasil de 1986 a 1997, distribuído conforme a região geográfica. Figuras reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição na legenda. ÉTICA EM PESQUISA Trabalho que tenha implicado em pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia de documento que atesta sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência em material e métodos. REFERÊNCIAS Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão), deverá ter até 30 referências. As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que forem mencionadas a primeira vez no texto. As notas explicativas e/ou de rodapé são permitidas e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas, disponíveis em: http://www.icmje.org ou www.abec-editores.com.br (Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/ Vancouver). 197 Exemplos: a) LIVRO Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª. ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud; 1989. b) CAPÍTULO DE LIVRO Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68. c) ARTIGO Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Human Biology 1982;54:329-41. d) TESE E DISSERTAÇÃO Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no Estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Univ. Federal da Bahia; 1997. e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-a (FNT-a) e interleucina-1b (IL-1b). In: Anais do 30o. Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p.272. f) DOCUMENTO EXTRAÍDO DE ENDEREÇO DA INTERNET [autores ou sigla e/ou nome da instituição principal]. [Título do documento ou artigo] Extraído de [endereço eletrônico], acesso em [data]. Exemplo: COREME, Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Regimento 198 Revista Baiana de Saúde Pública Interno da COREME. Extraído de [http://www.hupes.ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001]. Não incluir nas Referências material não-publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) FF Antunes Filho, Costa SD: dados não-publicados; ou (ii) JA Silva: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano. Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, gráficos, tabelas e figuras. As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista. Endereço para remessa de trabalho: Revista Baiana de Saúde Pública Escola da Saúde Pública Prof°Magalhães Netto Rua Conselheiro Pedro Luiz nº 171 Rio Vermelho Salvador Bahia CEP 41950-610 TEL/FAX 0XX71- 31165313 [email protected] 199 200 Revista Baiana de Saúde Pública SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA - SESAB SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE SUPECS ESCOLA ESTADUAL DE SAÚDE PÚBLICA PROF. FRANCISCO PEIXOTO DE MAGALHÃES NETTO - EESP REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA - RBSP Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 - Rio Vermelho CEP 41950-610 Caixa Postal 631 Tel 71 3334-1888 Fax 71 3334-0428 Recebemos e agradecemos Nous avons reçu We have received _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Desejamos receber Il nous manque We are in want of _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Enviamos em troca Nou envoyons en echange We send you in exchange _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Favor devolver este formulário para assegurar a remessa das próximas publicações. 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