o limiar entre a filosofia e as ciências sociais em habermas

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o limiar entre a filosofia e as ciências sociais em habermas
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O LIMIAR ENTRE A FILOSOFIA E AS CIÊNCIAS SOCIAIS EM
HABERMAS
THE THRESHOLD BETWEEN PHILOSOPHY AND SOCIAL SCIENCES IN
HABERMAS
Luís César Alves Moreira Filho*
RESUMO:
A identidade do eu constituído de consciência hermenêutica possui conhecimento, linguagem
e ação dentro das fases do desenvolvimento da consciência moral, desta forma o artigo tem
por objetivo iniciar de forma pragmática uma discussão sobre os pontos em comum e as
distâncias entre filosofia e as ciências sociais na contemporaneidade. Sem esgotar o assunto,
não seguirá uma linha cronológica das obras dentro do pensamento habermasiano, o artigo irá
esboçar um princípio de discussão a partir das obras A lógica das ciências sociais (1967) e o
Agir comunicativo e razão destranscendentalizada (2001), desta maneira iniciará uma ética
do discurso com essa temática que remete ao conhecimento dentro do uso pragmático da
linguagem.
Palavras-chave: Representação. Formas de representação. Linguagem.
ABSTRACT:
The identity of the self consists of hermeneutical consciousness has knowledge, language and
action within of the stages of development of the moral conscience, so the article aims to start
pragmatically a discussion of the common point and the distance between philosophy and
social sciences in contemporary times. Without exhaust the matter, will not follow a timeline
of the works within the Habermas thought, the article will outline a principle of discussion
from the works: Logic of Social Sciences (1967) and the Communicative action and
destranscendentalizada reason (2001), this way initiate a discourse ethics with this theme
which refers to knowledge within of the pragmatic use of language.
Keywords: representation; Forms of representation; Language.
Introdução
*
Possui graduação em filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010) e
mestrado em filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2013). Tem experiência
na área de filosofia, com ênfase em filosofia contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: eu,
razão, sociedade, identidade do eu, constituição do eu, Jürgen Habermas, consciência moral, normatividade,
intersubjetividade e soberania. E-mail: [email protected]
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano VII, nº 1, 2016
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O conhecimento e a ciência são os fundamentos da história da humanidade, o qual
gera diversas discussões, portanto ciência é uma representação aplicada à realidade
independente da origem do conhecimento, o uso científico é uma questão antropocêntrica,
contudo a distinção das formas de representação entre sistema de signos e o sistema de
símbolos está na utilização fictícia, afinal a diferença é uma convenção dentro da consciência
hermenêutica. A convenção deixa de existir a partir da universidade da consciência que recai
no psicologismo lógico1 que estabelece o conhecimento anterior à representação da
consciência num realismo sem representação. A ideia de uma consciência universal leva ao
conhecimento público negando concepções privadas e particularistas do conhecimento, neste
sentido uma ciência é necessariamente pública não privada nem intransferível, ou seja, tal
concepção pessoal não permitiria ser conhecida devido ao caráter particularista deste saber.
Habermas até o momento não escreveu uma obra sobre hermenêutica, mas a obra
Dialética e hermenêutica (1987) é uma coletânea de textos escritos em datas distintas2, assim
inaugura uma práxis controversa sobre o método do conhecimento, ao mesmo tempo formula
uma perspectiva diferente em relação à Gadamer sobre a filosofia hermenêutica, desta forma
adentra no assunto já existente tecendo suas considerações para uma leitura crítica e dialética,
já que a regra torna-se pública nos jogos de linguagem.
O método do conhecimento proposto em Dialética e hermenêutica (1987) não é objeto
deste artigo, contudo o conhecimento é algo fundamental para a ciência, neste sentido é
necessário uma revisão das metodologias numa perspectiva da obra Conhecimento e interesse
(1968), pois não se trata de uma aplicação imediata do conhecimento, mas da sua formação e
discussão histórica através da representação, formas de representação e linguagem.
Conhecimento e linguagem em Habermas3 são intrínsecos e inseparáveis, pois não existe
linguagem sem interpretação: “Sabemos que não existem experiências não interpretadas, nem
na prática da vida cotidiana muito menos no marco da experiência cientificamente
organizada.” (HABERMAS, 1988, p. 181, tradução nossa). Evidentemente Habermas nesta
obra que discute as ciências sociais identifica a verdade como consenso, ao mesmo tempo ao
conhecimento como algo público, o qual todos os indivíduos da mesma espécie estão
inseridos e possuem as mesmas condições dentro do conceito identidade do eu.
1
Termo utilizado pela filosofia da linguagem.
Sobre Verdade e Método, de Gadamer (1971); A pretensão de universalidade da hermenêutica (1971);
Hans Georg Gadamer: urbanização da província heideggeriana (1979); Hermenêutica filosófica: leitura
tradicionalista e leitura crítica (1981).
3
MOREIRA FILHO, L. C. A. Conhecimento e linguagem em Habermas. In: III SIMPÓSIO DO
NÚCLEO DE FILOSOFIA KANTIANA CONTEMPORÂNEA “ZELJKO LOPARIC”; Londrina, PR:
Núcleo Kant, Centro de Letras e Ciências Humanas, 3 e 4 de agosto de 2015, Universidade Estadual de
Londrina – UEL, apresentação de comunicação.
2
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A identidade do eu se constrói com base na ontogênese e na filogênese em sua
intersubjetividade obedecendo a uma regra linguística que é pública, porém difere da verdade
religiosa que é privada, neste sentido epistêmico a verdade possui regras públicas na relação
conhecimento e ciência contra o particularismo. Desta maneira o mundo social possui uma
pragmática formal4 entre Sellars e Wittgenstein5, já a pragmática universal vinculada a formas
de vida do qual seus membros usam dos mesmos jogos de linguagem entre Mead e
Wittgenstein6. Os modelos de conformação histórica da estrutura filogenética estão como
pragmática formal por não ser tratada a representação como aspecto cognitivo em seu uso da
linguagem, mas em termos de comunicação num contratualismo em seu desenvolvimento
histórico, ou seja, um viés desenvolvimentista sem considerar as distintas formas de
representação em suas formas de vida, afinal o conceito da pragmática universal busca
unidade entre Mead e Wittgenstein dentro dos distintos jogos de linguagem,
consequentemente levam a culturas diferentes em seu processo de comunicação como a níveis
de desenvolvimento social. Portanto o mundo social se estabelece numa ontogênese em sua
pragmática universal e numa filogênese em sua pragmática formal presente na reconstrução
do materialismo histórico de Habermas.
O conceito de identidade do Eu não tem evidentemente um sentido apenas
descritivo. Ele indica uma organização simbólica do Eu, que, por um lado, reclama
para si exemplaridade universal, sendo situada nas estruturas dos processos
formativos em geral e tornando possíveis soluções ótimas para os problemas da
ação, os quais reaparecem invariavelmente nas diversas culturas; e, por outro lado,
uma organização autônoma do Eu não se instaura absolutamente de modo regular,
quase como um resultado de processos naturais de amadurecimento, mas termina
por ser, na maioria dos casos, um objetivo não alcançado. (HABERMAS, 1983, p.
50)
Habermas deixa claro que o eu não consegue sua autonomia de forma regular dentro
dos processos naturais de amadurecimento da inteligência operativa presente em Piaget, assim
como o processo de desenvolvimento no pensamento habermasiano está na linguagem como
extensão da consciência moral a partir do modelo analítico-descritivo de Kohlberg7, o qual
analisa a fase pré-linguística da primeira topografia freudiana em seus dois sistemas (processo
primário e secundário)8 juntamente com Mead9. Neste sentido retoma uma discussão
4
Desde “Verdade e Justificação (1999) Habermas emprega o termo “pragmática formal” em vez de
“pragmática universal”.
5
(HABERMAS, 1989b, p. 58).
6
(HABERMAS, 1989b, p. 33).
7
(HABERMAS, 1989a, p. 205-206).
8
(HABERMAS, 1987a, p. 239); ver também: (FREUD, 1987, p. 492, 493, 495, 545).
9
(HABERMAS, 1987c, v. 2, p. 54), (HABERMAS, 1987b, p. 57); ver também: (MEAD, 1967, p. 15).
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científica do “[...] traço filosófico do positivismo é a necessidade de imunizar as ciências
contra a filosofia [...] A substituição da teria do conhecimento pela teoria da ciência
evidencia-se no fato de que o sujeito cognoscente não mais se apresenta como sistema de
referencia.” (HABERMAS, 1987a, p. 90).
O próprio positivismo comteano inaugura tal perspectiva, pois a universalidade da
teoria científica está isenta de particularismos subjetivos, desta forma o fenômeno que surge
do sujeito cognoscente em Kant a partir da coisa em si passa para Augusto Comte aos
fenômenos naturais que devem ser investigados através da formulação científica dentro de
critérios que privilegia o sistema de signos; portanto a teoria científica deve descobrir dentro
da hierarquia científica os fenômenos naturais sem buscar as causas, mas constatar a ordem do
mundo em seus eventos dominantes e constantes. Algo que se deve acrescentar que a
linguagem também é extensão do sujeito cognoscente, sendo assim as teorias científicas
também não são isentas desta perspectiva filosófica em que a linguagem é pública no
processo de comunicação. Portanto ocorre uma integração entre teoria do conhecimento e
teoria da ciência, pois o sistema de referência é o uso da regra que é pública nos jogos de
linguagem. A verdade positivista desconsidera a linguagem substituída pela observação, ao
mesmo tempo a verdade necessita da intersubjetividade para os agentes comunicativos
entenderem-se sobre um objeto observado. Habermas vai além desta problemática, pois “[...]
„verdade‟ como correspondência entre a representação e o objeto ou entre a preposição e o
fato – passa ao largo do sentido cognitivo-operativo da „superação‟ de problemas e do
„sucesso‟ de processos de aprendizagem.” (HABERMAS, 2004, p. 35).
Desenvolvimento
O problema apresentado está inserido na consciência hermenêutica, pois qualquer
verdade depende da aceitação da coletividade e dos interesses em grupo, neste sentido a obra
Dialética e hermenêutica (1987) aborda a práxis contraditória da análise e da abordagem do
conhecimento através da linguagem. Habermas em Verdade e justificação (1999) não reduz o
conhecimento a análise das formas de representação da linguagem, pois uma visão analítica
da linguagem não gera cultura nem identidade, mas uma gênese da comunicação delimitada
em juntar fragmentos dentro da visão sintética. Já a capacidade linguística está na consciência
hermenêutica que parte diretamente do uso da sua competência linguística sem explicar as
regras do sistema linguístico, além de não trazer pressuposições inconscientes à consciência. 10
10
(HABERMAS, 1987b, p. 33-34).
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Sem duvidar da realidade ou do mundo físico, a questão é o objeto das ciências sociais, porém
devemos problematizar alguns pontos a partir da linguagem que leva ao pensamento social,
identidade, cultura e memória, já que o conhecimento não se reduz a filosofia da linguagem.
O mundo objetivo não é mais algo a ser retratado, mas apenas o ponto de referência
comum de um processo de entendimento mútuo entre membros de uma comunidade
de comunicação, que se entendem sobre algo no mundo. Os fatos comunicados não
podem ser separados do processo de comunicação, assim como não pode separar a
suposição de um mundo objetivo do horizonte de interpretação intersubjetivamente
compartilhado, no qual os participantes da comunicação desde sempre já se movem.
O conhecimento não se reduz mais à correspondência entre proposição e fatos. É por
isso que apenas a virada linguística, coerentemente conduzida até o fim, pode
superar de uma só vez o mentalismo e o modelo cognitivo do espelhamento da
natureza. (HABERMAS, 2004, p. 234)
A visão analítica e sintética da linguagem conduz as formas de representação e a regra
dos jogos de linguagem, mas se deve considerar que no processo existem limites na relação
entre consciência hermenêutica e compreensão hermenêutica11, desta forma a sociologia
compreensiva com base na pragmática formal não procura resgatar a teoria do conhecimento
nem ser solipsista, mas evidenciar que o discurso teórico está numa discussão científica
juntamente com a hermenêutica filosófica. Portanto, existe uma separação de trabalhos entre
ciência vinculada à mensuração e a filosofia com a interpretação através da experiência
hermenêutica, sem existir uma hierarquia das ciências, ambos dependentes da representação.
A verdade sem vincular-se ao sucesso para Habermas está relacionada ao sentido, pois
tem sua origem a partir das pretensões de validade delimitada pela representação que confere
realidade quando se é confirmado pela práxis da comunicação linguística dentro do processo
de desenvolvimento ontogenético12.
Vou a defender a tese de que há ao menos quatro classes de pretensões de valides,
que são cooriginárias, e que essas quatro classes, a saber: inteligibilidade, verdade,
retitude e veracidade, constituem um entrelaçamento a que podemos chamar
racionalidade. (HABERMAS, 1989b, p. 121, tradução nossa)
As pretensões de validade formam o mundo social que procuram orientar uma
identidade racional em sua normatividade social para uma verdade consensual, neste sentido
argumentação se orienta entre o discurso teórico com o científico e filosófico em seu
falibilismo ou no discurso prático parlamentar. A filosofia hermenêutica concilia o discurso
teórico e o discurso prático por serem do mesmo mundo subjetivo, cuja preocupação
11
12
(HABERMAS, 1987b, p. 40).
(HABERMAS, 2004, p. 35, 131, 279-280, 283).
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positivista se faz presente no discurso teórico. A orientação progressista do discurso
nomológico está preservada na obra Para a reconstrução do materialismo histórico (1976), já
a concepção da física social desdobrou-se numa sociologia compreensiva em Habermas na
Teoria da ação comunicativa (volume I e II – 1981; volume III - 1984).
A linha tênue entre filosofia e ciência acaba por estar na filosofia terapêutica
decorrente da autocompreensão da filosofia inaugurada por Wittgenstein13, pois a filosofia
não é intervencionista enquanto hermenêutica14 como a ciência, o qual acaba sendo objeto de
discussão em Dialética e hermenêutica (1987) dentro da consciência hermenêutica15, pois a
ética filosófica possui uma função esclarecedora dentro das diversas correntes e
procedimentos, contudo a ética do discurso oferece apenas um formalismo dentro das formas
de representação (HABERMAS, 1989a, p. 121). A distinção estabelecida entre ciências da
natureza com as ciências humanas está fragilizada, pois ambas dependem da linguagem sendo
uma convenção a distinção entre sistema de signos do sistema simbólico, portanto se torna
incoerente uma hierarquia pluridisciplinar das ciências em seu isolamento, já que a unidade
está numa transdisciplinaridade através da representação que exige o uso de regra no
pensamento de Wittgenstein, cuja conexão cultural do conhecimento está no nível da
interdisciplinaridade das formas de representação dentro dos jogos de linguagem preso a
formas de vida. A unidade do conhecimento entre identidade, não contradição e terceiro
excluído são regras da linguagem com base no sistema de signos, pois os elementos da
natureza vincula-se a concepção adotada neste artigo por sistema atômico.
A ciência da cultura parte das formas simbólicas, a qual está caracterizada pela
representação simbólica como sistema simbólico, já na perspectiva da ciência nomológica
está como sistema de signos juntamente ao sistema experimental. “As ciências das formas
culturais procedem, portanto, não em termos analítico-causais, senão analítico-formais; se
dirigem ao plexo estrutural de obras, e não à conexão fática de sucessos.” (HABERMAS,
1988, p. 89, tradução nossa). Veja que ciências da cultura que se utiliza da representação
linguística pode se dividir em dois aspectos; primeiramente na forma analítico-formais que no
plexo das obras não é orientada ao sucesso, o qual se encontra a sociologia compreensiva
dentro do pensamento social; já num segundo momento a gênese presente na forma analíticocausal pode ser uma abordagem da filosofia hermenêutica numa filosofia social.
13
(WITTGENSTEIN, 1999, p. 65, 187, 206)
(HABERMAS, 1988, p. 285, 287, 332, ver nota 02).
15
(HABERMAS, 1987b, p. 35).
14
50
A perspectiva reflexiva das causas se encontra numa lógica transcendental vinculada à
consciência hermenêutica, porém a representação simbólica culturalmente transmitida e
historicamente formada dentro dos jogos de linguagem é um processo público de
comunicação, neste caso o processo de unidade das consciências junto à universalidade do
conhecimento ocorre dentro da filosofia da linguagem numa lógica transcendental em busca
de termos essenciais dentro de uma análise semântica das representações. O psicologismo
lógico pensa a unidade do conhecimento antes da representação numa especulação de como é
obtido este saber pela consciência hermenêutica; Habermas não retoma uma questão superada
dentro da razão destranscendentalizada, pois os limites da comunicação tornam-se os limites
de um mundo, neste sentido “Todas as tentativas de reconstruir um sentido material a priori
para os possíveis objetos de referência são fadadas ao fracasso” (HABERMAS, 2002, p. 40).
O
conceito
de
verdade
possui
uma
função
regulativa
dentro
da
destranscendentalização, ao mesmo tempo o realismo interno nega o conceito de coisa em si
para estado de coisas, que leva a uma nova perspectiva como a retomada dos distintos
elementos da natureza restritos ao ser, ou seja, a relação da proposição entre fatos e objetos
através do sistema de signos deve considerar a combinação de elementos da natureza sem um
viés unitário a partir de um único signo, pois ao afirmar um fato ele deve corresponder ao
objeto que dentro do sistema de referência está delimitado pela representação interpretada
pelo sujeito. A passagem do sistema simbólico para o sistema de signos torna-se uma
especulação metalinguística, portanto a prática observacional do sistema experimental define
uma abordagem sobre o objetivo investigado que exige dentro da consciência hermenêutica
uma distinção esclarecedora sobre as ideias a serem investigadas.
As imagens de mundo dentro do sistema de personalidade não variam com as fases de
desenvolvimento moral de Kohlberg, neste sentido se deve considerar a distinção entre sóciocognitivo e aprendizagem. O conceito de aprendizagem procura continuar a visão Iluminista
através do processo de desenvolvimento sem fim último ou penúltimo presente nas utopias
dos estados de vida ideais, afinal estas representações já se fazem presentes nas imagens de
mundo em sua consciência coletiva do qual Habermas toma de Durkheim sobre a origem da
religião e do rito16 constituintes do mundo social. Habermas retoma a crítica ao positivismo
através de Kant que pergunta como é possível conhecer17, nesta pergunta ocorre uma virada
copernicana como conversão a consciência18 na história da filosofia. Em certa medida, o
16
(HABERMAS, 1987c, v. 2, p. 13)
(HABERMAS, 1989a, p. 17)
18
(HABERMAS, 1989a, p. 20-21)
17
51
conceito de coisa em si de Kant passa a ser tratado como reificação (coisificação) dentro do
estado de coisas, onde tudo se transforma em coisa decorrente da invasão do mitológico na
esfera profana num mundo esclarecido, o estado de coisas se torna indefinido por depender da
abordagem que cada um faz sobre aquilo que observa, afinal a consciência hermenêutica
depende da compreensão hermenêutica, sendo assim algo que seja produzido é uma coisa e
quem produz este algo se transforma em outra coisa, deste modo o homem se transforma em
mercadoria, portanto nesta relação entre indivíduo (mundo social) e objeto (mundo objetivo)
entra a reificação da consciência (mundo subjetivo) que conduz a reificação da sua existência
(mundo da vida), sem excluir a intersubjetividade presente na linguagem.
O pensamento kantiano abre caminho ao falibilismo enquanto realismo sem
representação por tratar de questões cognitivas dentro do acesso da consciência ao
conhecimento, neste sentido o conceito de coisa em si dentro do psicologismo lógico adentra
ao pensamento abdutivo19, pois as transformações na consciência são mutáveis, juntamente
com a tida virada copernicana em Kant, o qual remete a uma perspectiva terapêutica da
filosofia da linguagem. Neste sentido ocorre um limite entre filosofia e ciência, o qual:
Devem deixar para os teólogos a tarefa de dar consolo nas situações-limite da
existência. A filosofia não pode se apoiar no saber salvífico teológico, nem no saber
clínico especializado, o que a impede portanto de prestar „ajuda de vida‟, como o
fazem a religião ou a psicologia. Em questões de identidade – quem somos e
gostaríamos de ser -, ela pode, enquanto ética, mostrar o caminho rumo a uma
autoclarificação racional. Mas o papel „terapêutico‟ da ética filosófica não se esgota,
hoje, no encorajamento a uma conduta de vida consciente. Uma „consulta‟
filosófica, que deixa para os próprios interessados a reflexão sobre o sentido da vida
pessoal, comporta-se asceticamente, no que tange à „mediação do sentido‟.
(HABERMAS, 2004, p. 323).
O interesse ascético pela reflexão filosófica deve partir dos próprios filósofos, portanto
não cabe no contexto da filosofia o compromisso com os modelos de intervenção da ciência
experimental, sendo assim o plurilinguismo da filosofia busca unidade na pluralidade dentro
da sua capacidade hermenêutica limitada pela representação e formas de representação,
contudo não se deve romper a cooperação com a ciência, neste ínterim a filosofia adentra nas
ciências da cultura quando busca compreender pela universalidade deste conhecimento que é
público com seus questionamentos, “A exemplo das ciências, a filosofia sempre se orienta por
questões sobre verdade. Mas, diferentemente delas, ela conserva uma ligação interna com o
direito, a moral e a arte [...]” (HABERMAS, 2004, p. 321).
19
“A abdução é a forma argumentativa que aumenta nosso saber; ela constitui a regra em base da qual
introduzimos novas hipóteses.” (HABERMAS, 1987a, p. 130).
52
Como a verdade não é restrita na relação de correspondência perante o nominalismo,
pois essa perspectiva observacional da linguagem entre proposição e fato leva a representação
do objeto sem distinção no uso linguístico da consciência hermenêutica, sendo assim a
diferença entre sistema de signos e sistema simbólico é um problema de representação, ou
seja, numa mesma cultura existem duas formas de representação cuja diferença está no
sentido numa convenção social, já que é uma ficção arbitrária dentro da convenção de uso
linguístico no interior de contextos sociais. Caso alguém busque a retomada do realismo sem
representação, este retomará dentro da história da filosofia a virada copernicana kantiana,
portanto Habermas acaba por transferir a problemática do sujeito cognoscente em Kant para a
consciência hermenêutica que necessita de representação para comunicar algo sobre o mundo
entre seus pares, assim mantendo a proposta kantiana do conhecimento através do “Agir
comunicativo e a razão destranscendentalizada” (2001); por isso definir um universo à priori
leva ao fracasso, o qual necessita das representações para falar deste apriorismo, ao que
conduz a uma retomada entre Kant e Aristóteles sobre a mediação do conhecimento.
Habermas no uso da práxis linguística não se coloca como nominalista, mas resgata estruturas
de pensamento no interior da consciência hermenêutica, pois o nominalismo aristotélico
necessita de representação na relação nome e objeto, logo ir além do mundo físico leva à
Metafísica20 enquanto totalidade do universo organizado juntamente com a hierarquização
científica positivista, tais questões entram no pensamento social, identidade, cultura e
memória em especial antropologia da cultura e da religião21. O conhecimento não é limitado
à linguagem, ao mesmo tempo não é privado e necessita da linguagem para ser comunicado,
neste sentido a ética do discurso é um formalismo com base hermenêutica, portanto a ação
pertence ao sistema de crenças estudado na psicologia presente no conceito identidade do eu.
Os problemas de desenvolvimento que podem ser agrupados em torno do conceito
de identidade do Eu foram elaborados em três diferentes tradições teóricas: na
psicologia analítica do Eu (H. S. Sullivan, Erikson); na psicologia cognoscitiva do
desenvolvimento (Piaget, Kohlberg); e na teoria da ação definida pelo
interacionismo simbólico (Mead, Blumer, Goffman, etc.). (HABERMAS, 1983, p.
53)
As três diferentes tradições teóricas do conceito identidade do eu oferece o limitar
entre filosofia e ciência, pois a representação é um fator necessário para a experiência
hermenêutica sem estar presa ao aspecto científico nem descontextualizada22, assim mantém a
20
(ARISTÓTELES, 2001, p. 28, 30, 37).
(ARISTÓTELES, 2001, p. 31, 111).
22
(HABERMAS, 1988, p. 257, 292).
21
53
problemática do conhecimento vinculada com a ciência comportamental psicossocial dividida
em intenção (identidade do eu) e ação social (psicologia social)23, assim retoma o sujeito do
conhecimento como Kant pensava a partir da representação, além de acrescentar linguagem e
ação a partir da representação tida a própria linguagem como fenômeno. Habermas engloba a
linguagem na arquitetura kantiana expandindo os limites da argumentação, desta forma a
cultura é uma expressão comunicativa que interpreta o mundo; consequentemente a distinção
entre sistema de signos e sistema simbólico é uma convenção de abordagem cultural. A
classificação das palavras entre homônimos e parônimos remete a questões de sentido e
representação, cuja compreensão correta está na aprendizagem, por isso não existe na
concepção do ser aristotélico impossibilidade de conhecimento até mesmo de aprendizagem
por se referir ao mundo objetivo24, ou seja, a linguagem não é o mundo objetivo, mas retrata-o
para os outros, dessa forma a dificuldade presente na coisa em si na questão de dominação de
um objeto retoma na questão da aprendizagem os sentidos das palavras entre homônimos e
parônimos.
A lógica-transcentental kantiana adentra no discurso teórico através da representação
que exige combinações nas formas de representação através da linguagem. Decorrente deste
processo a filosofia discute a problemática do positivismo que fazia uma gradação de
importância sobre o que é tido como científico, desta relação “Como resultado definitivo
temos a matemática, a astronomia, a física, a química, a fisiologia e a física social [...] as seis
ciências fundamentais, é a única logicamente conforme a hierarquia natural e invariável dos
fenômenos.” (COMTE, 1983, p 39), posteriormente os neopositivistas utilizam da filosofia da
linguagem para imunizar a ciência da filosofia (HABERMAS, 1988, p. 46).
A problemática causada pela dificuldade de obter conhecimento em relação à natureza
através da coisa em si passa para a consciência hermenêutica no qual se instala a linguagem
como parte da natureza em Habermas. Neste sentido o recorte proposto por este artigo em
associar A lógica das ciências sociais (1967) que vincula o fenômeno com a própria
linguagem que difere entre as culturas com suas formas de representação com a obra Agir
comunicativo e razão destranscendentalizada (2001), evidentemente não exclui a
uniformidade natural, pois ao utilizar a perspectiva dos kantianos sobre a virada copernicana
trazida por Kant a linguagem torna-se fenômeno enquanto sistema de referência, já o sentido
trás a uniformidade natural por meio da associação linguística dos contextos culturais
distintos mesmo com outras formas de representação em suas formas de vida. “Certamente
23
24
(HABERMAS, 1988, p. 261,
(HABERMAS, 1987a, p. 117).
54
que sobre a base da linguagem ordinária como „última‟ metalinguagem podem construir-se
hierarquias de linguagens formais. Estes se relacionam entre si como linguagem objeto com
uma metalinguagem, com uma metametalinguagem, etc.” (HABERMAS, 1988, p. 278,
tradução nossa). Portanto os neopositivistas25 juntamente com a hierarquia científica do
Augusto Comte são absorvidos pela estrutura linguística no capítulo da obra A lógica das
ciências sociais: a pretensão de universalidade da hermenêutica, pois o sentido necessita da
representação obedecendo ao uso da regra que é pública.
O fato de o conhecimento equivaler ao realismo sem representação abordado na coisa
em si leva a própria representação quanto ao sentido serem fenômenos por serem dependentes
um do outro, o qual leva a retomar os elementos da natureza através do ser, pois o mundo
objetivo enquanto uniformidade natural independente das idiossincrasias culturais leva a
desconsiderar a própria comunicação, assim o ser associa-se ao estado de coisas com o fim da
coisa em si, desta maneira não com a mesma visão clássica nominalista ocorre uma
problemática em relação ao conceito átomo dentro da perspectiva atual, afinal é um objeto
indivisível no qual pode ser localizado (HABERMAS, 1990, p. 187-188); neste sentido a
definição de partícula poderia ser substituída por átomo e o conjunto de partículas que
formariam o átomo seria de fato sistema atômico. Ao definir na perspectiva nominalista a
relação nome e objeto, se deve considerar que o sistema atômico não é homogêneo entre
prótons, elétrons e neutrinos; consequentemente a relação de identidade entre signos não se
aplica a esta definição, pois o sistema atômico é composto por três elementos no qual não
cabe o principio de não contradição permitido somente no conceito átomo, já que o terceiro
excluído chamado de partícula na verdade é um átomo dentro do sistema atômico, além de
formarem outros elementos a partir da química pura com base em elementos não idênticos,
neste caso átomo como algo indivisível e localizável dentro do nominalismo a exemplo do
aristotélico que relaciona nome e objeto amplia os limites da linguagem em retratar a
uniformidade natural do mundo objetivo.
A perspectiva acumulativa do conhecimento mantém-se, mas desdobra-se numa
sociologia compreensiva ou filosofia hermenêutica, pois a linguagem natural não é fechada,
assim os limites entre filosofia e a ciência está na hermenêutica que não possui características
intervencionistas na perspectiva cientificista do controle, correção e previsão, mas no sentido
de descobrir os limites da experiência hermenêutica através dos mal entendidos gerados
sistematicamente (HABERMAS, 1988, p. 273, 281-283); consequentemente as intervenções
25
Veja a obra: CHALMERS, A. F. O que é ciência, afinal? Tradução de Raul Fiker. 1. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1993.
55
ficam para a psicologia social e a clínica resgatando a temática linguística da comunicação
social para o conhecimento sem investigar a representação escrita, contudo a problemática
deixa de ser a incapacidade de conhecer a coisa em si para ser a linguagem enquanto
fenômeno na dificuldade em relatar o mundo juntamente com a convicção atrelado a ela, cujo
limite está nos paleossímbolos conceito constituinte das obras: A lógica das ciências sociais
(1967) e Dialética e hermenêutica (1987).
Antropologia do conhecimento significa aqui que o desenvolvimento do saber deve
ser entendido a partir das capacidades naturais e principalmente, por Marx, do
trabalho – a forma que a adaptação ao meio ambiente, isto é a evolução da natureza,
na história da humanidade. Desde então, a questão transcendental kantiana se funda
sobre uma antropologia naturalista e se deve renunciar a um idealismo
transcendental. (BERTEN, 2009, p. 4)
Uma ciência social nomológica baseada na ciência experimental somente é possível
dentro da evolução linguística, ao mesmo tempo inclui as diferentes formas de vida com suas
linguagens num processo de uniformidade natural diante da arbitrariedade entre sistema de
signos e o sistema simbólico, assim uma antropologia naturalista encontra-se numa psicologia
social que vincula identidade, cultura e memória dentro das ciências sociais. O idealismo
transcendental rejeitado por Karl Marx é tomado por Habermas por causa da “[...] teoria
hegeliana do reconhecimento com o objectivo de interpretar intersubjetivamente o imperativo
categórico, sem incorrer no risco de uma dissolução histórica da moralidade nos costumes.”
(HABERMAS, 1999, p. 101). Neste sentido as ciências sociais reconstrutiva partem desta
análise:
À objeção de que a psicanálise não tolera nenhuma demonstração experimental
Freud contrapõe o argumento da astronomia: essa ciência também não experimenta
mas está limitada àquilo que observa. Mas a diferença específica entre a observação
dos astros e o diálogo analítico está no fato de, no primeiro caso, a seleção quaseexperimental das condições iniciais permitir uma observação controlada de eventos
possíveis de serem prognosticados, enquanto, no segundo caso, o plano do controle
dos sucessos, próprios à ação instrumental, estar totalmente ausente e ser
representado através do plano da intersubjetividade, inerente à compreensão mútua
acerca do sentido de símbolos ininteligíveis. Que Freud, mesmo assim, teime
obstinadamente em ver no diálogo analítico a única base experimental não apenas
para o desenvolvimento da metapsicologia mas também para a validade da teoria
trai, por outro lado, uma consciência do verdadeiro status desta ciência.[...]Nesse
caso não se trata de uma teoria empírica, mas de uma metateoria ou, melhor, de uma,
meta-hermenêutica que elucida as condições de possibilidade do conhecimento
psicanalítico. A metapsicologia desdobra a lógica da interpretação na situação
analítica do diálogo. Nesse sentido ela se localiza ao mesmo nível da metodologia
das ciências da natureza e do espírito. (HABERMAS, 1987a, p. 269)
56
Os limites entre razão, teoria do reconhecimento e a linguagem leva a integração das
metodologias das ciências da natureza e do espírito, pois em Verdade e Justificação (1999) no
subcapítulo Realismo sem representação evidencia que o conhecimento não se limita a
linguagem, contudo não se pode separar e dessa maneira torna-se universal quando regras são
iguais a todos numa antecipação formal; consequentemente regras da linguagem para uma
compreensão mútua, pois ocorre que nas formas de vida o realismo conceitual gramático é
criado de acordo com o mundo da vida, o qual retoma a questão da demonstração
experimental que Freud contrapõe ao argumento da astronomia. A problemática inserida no
conteúdo semântico não conduz necessariamente ao conhecimento, pois o acesso epistêmico
está condicionado à verdade das proposições utilizada pelos interlocutores.
Na questão da objetividade do conhecimento que exige anulação da perspectiva do
conhecimento construído, ou seja, contra o falibilismo como ampliação do saber através do
entrelaçamento entre construção e experiência que admite a possibilidade de gerar um saber
falso, leva novamente ao exemplo proposto no artigo sobre o sistema atômico, pois a
referência independe das nossas descrições, mas não significa que não exista, sendo o objeto
dependente da representação e das formas de representação a ela atribuídas, em outras
palavras, nada pode ser dito sobre algo que não tem representação. A problemática conduz ao
sentido da representação dentro da consciência hermenêutica numa descrição que usa da
linguagem em seu conteúdo semântico, o qual parte da uniformidade natural juntamente com
o adualismo dos paleossíbolos, cuja distinção está nas formas de representação das formas de
vida. A distinção entre conhecimento não construído e construído torna-se uma abordagem
sobre o mundo objetivo que depende da linguagem, já que não parte dele o julgamento, neste
sentido o átomo enquanto indivisível localizado no tempo e no espaço dentro do modelo atual
seria um conjunto de átomos mantendo a definição clássica, dessa maneira o sistema atômico
é constituído de prótons, nêutrons e elétrons; consequentemente uma estrutura que não se
altera, mas o que muda é compreensão sobre o objeto adentrando-se no falibilismo.
É necessário repensar, mediante a tal fato, as considerações do Augusto Comte na
substituição da teoria do conhecimento pela teoria da ciência que desdobra no neopositivismo,
pois atualmente se defende a não existência de uma ciência unitária26 nem hierarquizada por
ser uma construção cognitiva, faz rever de forma falibilista a teoria da ciência que tem por
objeto a teoria do conhecimento. A separação entre ciências da natureza e da cultura se
iniciam com Augusto Comte quando estabelece dois gêneros de ciências naturais: uma
26
(HABERMAS, 1987c, v.1, p. 480)
57
abstrata em termos gerais e outra concreta em termos particulares em que a segunda aplica o
conhecimento da primeira na história efetiva27, portanto os dois caminhos propostos entre o
dogmático considerado positivo a que vem substituir o histórico como cronológico28 é um
erro abdutivo. Habermas não adota a teoria do conhecimento, pois a autonomia do
conhecimento ou isenção não existe quando se insere a linguagem, por isso conhecimento e
interesse.
[...] uma grande operação científica a executar para dar à filosofia positiva este
caráter de universalidade indispensável à sua constituição definitiva. [...] Eis a
grande mas, evidentemente, única lacuna que se trata de preencher para constituir a
filosofia positiva. Já agora que o espírito humano fundou a física celeste; a física
terrestre, quer mecânica, quer química; a física orgânica, seja vegetal, seja animal,
resta-lhe, para terminar o sistema das ciências de observação, fundar a física social.
(COMTE, 1983, p. 9)
O positivismo junto com os neopositivistas está na mudança da filosofia positiva para
filosofia hermenêutica que mediante linguagem torna-se a filosofia social dentro da
perspectiva analítico-causal, afinal imunizar a ciência da filosofia não é possível nem excluíla se faz recomendável, no máximo uma divisão de trabalhos entre transdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e interdisciplinaridade dentro da respectiva cultura, pois a física social
mediante linguagem gera a sociologia compreensiva e as ciências sociais reconstrutivas.
Neste prisma encontra se o falsificacionismo que busca teorias altamente falsificáveis contra
as menos falsificáveis rejeitando teorias falsificadas; teorias como estruturas organizadas
através do método de pesquisa que geram programas de pesquisa através da distinção da
heurística negativa como núcleo irredutível que deve permanecer intacto sem modificações, já
a heurística positiva indica de modo vago novos projetos como núcleo que deve ser
suplementado para explicar e prever fenômenos; teorias como estruturas através dos
paradigmas de Kuhn que estabelece a validade do conhecimento científico por meio da
progressão de esquemas abertos da pré-ciência para ciência normal através das regras de um
paradigma, questionado conduz a crise e revolução para uma nova ciência normal e
posteriormente nova crise; teoria anarquista do conhecimento de Feyerabend em que a ciência
não é necessariamente superior a outras áreas do conhecimento.
Conclusão
27
28
(COMTE, 1983, p. 25)
(COMTE, 1983, p. 27-29)
58
Os neopositivistas absorvidos pelo uso da linguagem através das representações e das
formas de representação que leva a rever critérios teóricos. O objetivismo do
falsificacionismo do Popper e das teorias como estruturas através de programas de pesquisa
do Lakatos retoma o exemplo do sistema atômico; já o relativismo através dos paradigmas de
Kuhn é anulado com o conhecimento construído por meio do desenvolvimento ontogenético
de Kohlberg em seu modelo analítico-descritivo com base na inteligência operativa de Piaget,
sem excluir a primeira topografia freudiana que conduz as investigações de Mead do qual
Habermas parte em seu conceito de aprendizagem construtivo29. O relativismo é desfeito com
base no sujeito do conhecimento pronto de Kant presente no Agir comunicativo e razão
destranscendentalizada (2001) problematizando o sujeito até mesmo à coletividade não
mundo externo, pois toda a possibilidade do conceito conduzida a priori leva não somente a
falsificar como a certeza do falibilismo desse conceito que conduz a abdução, além da teoria
do conhecimento a luz da linguagem conduzem a convenção do sistema de signos e sistema
simbólico, ambos em busca do conhecimento em sua uniformidade natural. Não cabe no
pensamento habermasiano uma teoria anarquista do conhecimento mesmo que aceite o
objetivismo de um mundo que independe das nossas descrições, pois na lógica transcendental
inserida na necessidade das representações constitui o naturalismo fraco, já numa ética do
discurso encontra-se a deontologia que separa o bom do justo, sendo que o bom é uma
idealização que parte das imagens de mundo entre abertas e fechadas em sua consciência
coletiva.
A crítica habermasiana identifica a verdade ao aspecto público, sem vincular ao
sucesso. Deste modo inserido nos fragmentos teóricos em que a filosofia se insere numa
discussão de consciência falibilista30, introduz a assunção de papéis ideais adotados por
Kohlberg31. O limite entre ciências da natureza, a exemplo da psicologia social, com a
filosofia está na hermenêutica, no qual “As ciências sociais reconstrutivas que visam entender
competências universais rompem, é verdade, o círculo hermenêutico em que ficam presas as
ciências do espírito bem como as ciências sociais baseadas na compreensão do sentido [...]”
(HABERMAS, 1989a, p. 145).
As ciências sociais reconstrutivas com base no falibilismo mantém o caráter
nomológico, pois as leis que presidem os fenômenos naturais tem como paradigma a
29
(HABERMAS, 1989a, p. 50, 146)
(HABERMAS, 1989a, p. 30-31)
31
(HABERMAS, 1999, p. 65)
30
59
linguagem, ou seja, funciona como designador rígido32 que na perspectiva da evolução social
com base na comunicação conduz perante a uniformidade natural a falsificar formas de
representação não universais. Por isso a problemática das diferentes formas de representação
que formam diversas línguas no mundo social evidencia um mundo da vida não uniforme em
suas formas de vida diferenciadas linguisticamente.
A uniformidade natural associado ao sujeito do conhecimento pronto concebido por
Kant que através da lógica transcendental investiga todas as possibilidades do conceito que
remete não só a questão das palavras homônima e parônima, mas também a dificuldade de
compreensão hermenêutica; consequentemente aprendizagem dentro da sua capacidade
hermenêutica. As ciências sociais reconstrutivas parte da pragmática linguística, ou seja, o uso
da linguagem dentro das formas de vida, desta maneira não se adentra ao psicologismo lógico,
pois os limites das discussões ficam dentro do conceito consciência hermenêutica. O uso
corrente da palavra está descontextualizada ou se aplica a realidade, o uso do nominalismo
atrelado ao falsificacionismo também elimina as distintas formas de representação dentro das
diferentes linguagens vinculadas às formas de vida, pois o exemplo do sistema atômico
conduz aos termos singulares, neste sentido a unidade natural, além de representar um mesmo
objeto de formas distintas, então o problema do conhecimento se mantém no sujeito do
conhecimento pronto atrelado a linguagem.
O uso pragmático da linguagem faz crítica aos neopositivistas, ao mesmo tempo,
estabelece um procedimento hermenêutico de falsificar consciências, de verificar a aplicação
teórica, rever paradigmas e relacionar teoria com prática, sendo a prática algo aplicável com
base num sistema de referência que vincula conhecimento à linguagem num mundo
independente. Evidentemente a lacuna está em evitar cair no psicologismo lógico dentro da
perspectiva de explicar através da linguagem o aspecto cognitivo, pois não foi oferecida
solução da passagem entre o sistema de signos para o sistema simbólico, nem de Piaget na
inteligência operativa para Freud na interpretação dos sonhos, tal questionamento leva aos
homônimos, parônimos e representações distintas para um mesmo objeto, cujo uso do sentido
vinculado à realidade ou está descontextualizado, pois a representação para ter validade deve
remeter a res extensa, caso contrário, se restringe a uma lógica de signos como negar
existência de Deus ou através da convicção definir como ele seria remetendo a uma
antropologia da religião e até mesmo da cultura que as cerca, sem dúvida, não se nega a
existência do signo deus nem a convenção escrita entre Deus e deus altera algo que independe
32
Termo utilizado por Kripke junto com os mundos possíveis que remete a compossibilidade iniciada por
Leibniz.
60
da linguagem verbal e não verbal. Outra questão que a hermenêutica trás são as três fases do
desenvolvimento social estabelecida pelo Augusto Comte em teológico, metafísico e positivo,
numa perspectiva reconstrutivista adentram na evolução da consciência das pessoas em
relação ao mundo externo, positivo, além de demonstrar que não é homogênea essa dinâmica
social tão discutida nas ciências sociais.
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