Oscar Santana dos Santos - PPGHIS

Transcrição

Oscar Santana dos Santos - PPGHIS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E
LOCAL
OSCAR SANTANA DOS SANTOS
UMA VIAGEM HISTÓRICA PELAS ESTRADAS DA ESPERANÇA:
representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da
Estrada de Ferro Nazaré (Bahia, 1960 - 1971)
SANTO ANTÔNIO DE JESUS, BA
2011
2
OSCAR SANTANA DOS SANTOS
UMA VIAGEM HISTÓRICA PELAS ESTRADAS DA ESPERANÇA:
representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da
Estrada de Ferro Nazaré (Bahia, 1960 - 1971)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História Regional e Local da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB, Campus V), como requisito final para
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof.Dr. Paulo Santos Silva.
Universidade do Estado da Bahia
Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local
2011
3
___________________________________________________________________________
S237 Santos, Oscar Santana dos.
Uma Viagem Histórica pelas Estradas da Esperança: representações
literárias do cotidiano, da região e da desativação da estrada de ferro
Nazaré (Bahia, 1960 – 1971) / Oscar Santana dos Santos - 2011.
92f.: il
Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Programa
de Pós-Graduação em História Regional e Local, 2011.
1. Ferrovias – História - Bahia. 2. História - Bahia. I. Silva, Paulo
Santos. II. Universidade do Estado da Bahia, Programa de PósGraduação em História Regional e Local.
CDD: 385.098142
___________________________________________________________________________
Elaboração: Biblioteca Campus V/ UNEB
Bibliotecária: Juliana Braga – CRB-5/1396.
4
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
Departamento de Ciências Humanas – Campus V
Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local
OSCAR SANTANA DOS SANTOS
UMA VIAGEM HISTÓRICA PELAS ESTRADAS DA ESPERANÇA:
representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da
Estrada de Ferro Nazaré (Bahia, 1960 - 1971)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB, Campus V), como requisito final para obtenção do
título de Mestre em História.
BANCA EXAMINADORA
Profª Dra. Ely Souza Estrela (UNEB)
Prof. Dr. Rinaldo César Nascimento Leite (UEFS)
Prof. Dr. Paulo Santos Silva (UNEB – Orientador)
Santo Antônio de Jesus, 25 de abril de 2011
5
À minha mãe,
Carmelita dos Santos
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador e protetor da minha vida.
Ao Prof. Dr. Paulo Santos Silva, pela orientação, dedicação, compromisso e apoio.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local da
UNEB, Campus V, Santo Antônio de Jesus.
À professora Ely Estrela e ao Professor Rinaldo Leite, pelas colaborações no exame de
qualificação deste estudo.
A Aline Najara Gonçalves, pela leitura prévia e revisão do texto.
A Rosiery, Miguel e Vânia Maria Moura de Santa Inez, familiares do autor de As
estradas da esperança, pessoas que colaboraram com a realização desta pesquisa,
emprestando os livros (os romances), textos não publicados e indicando algumas informações
sobre a vida de Antônio Leal de Santa Inez.
À minha mãe, Carmelita dos Santos, que não teve oportunidade de estudar, mas
sempre lutou pela educação dos filhos, discordando do meu pai quando dizia que ―a caneta do
filho do pobre é uma enxada‖.
Ao meu pai, Nilo Santana dos Santos, homem do campo, que batalhou muito e
conseguiu, com o incentivo da minha mãe, comprar uma casa no bairro da Cajazeira, na
cidade de Mutuípe, para que seus filhos chegassem ao Ensino Médio. Foi assim que pude
conciliar trabalho e estudo. Você também, pai, contribuiu com minha formação, porque me
tornei professor de História da Educação Básica.
Aos meus irmãos, Reginaldo, Rogério, Terezinha e Suely, que sempre torceram pelas
minhas conquistas acadêmicas.
7
Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem
Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho néon
Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem
Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral
Amém.
(Trem das sete, Raul Seixas)
8
RESUMO
O objetivo desta dissertação é analisar o romance As Estradas da Esperança, de Antônio Leal
de Santa Inez (1982), como fonte histórica para a interpretação do cotidiano do Recôncavo
Sul e Sudoeste da Bahia, focando peculiaridades da região e o processo de desativação da
Estrada de Ferro Nazaré (Bahia). Ao criar suas personagens e relatar as viagens do trem, de
estação em estação, o romancista reconstrói em moldes ficcionais a história dessa ferrovia. A
narrativa constitui uma interpretação das memórias de suas viagens, do desenvolvimento do
comércio na região do Recôncavo Sul e do Vale do Jequiriçá na primeira metade do século
XX, e da desativação da ferrovia — ―a morte do trem‖ —, dando visibilidade ao processo de
desestruturação de um conjunto de cidades baianas. O trem é retratado como o principal meio
de transporte da Região do Recôncavo Sul e das cidades do Vale do Jequiriçá desde o início
da construção da ferrovia (1871) até sua desativação (1971). Na obra de Santa Inez, vê-se a
representação do período compreendido entre os anos 1960 (início da desativação) e 1971
(liquidação da ferrovia). Para viabilizar a proposta aqui apresentada e fundamentar a análise
da obra citada foram realizadas consultas a atas, relatórios, fotografias, jornais, livros de
memórias e trabalhos acadêmicos que versam sobre temas correlatos.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Representação. História. Cotidiano. Ferrovia.
9
ABSTRACT
The objective of this dissertation is to analyze Antônio Leal de Santa Inez’s novel, As
Estradas da Esperança, as a historical source for the interpretation of the everyday life in
southeast of Bahia and in an area in the same state called Recôncavo Sul, focusing on
peculiarities of the region and the shut down process of Nazaré railroad in Bahia. When the
author creates the characters and reports the train journey from station to station, he rebuilds
the history of this railroad in a fictional format. The narrative is an interpretation of his travels
memories, of the market development in Recôncavo Sul and Vale do Jequiriçá in the early
20th century, and the shutdown of the railroad — ―the train’s death‖ —, giving visibility to
the process of unsettlement of a group of cities in Bahia. The train is depicted as the most
important means of transportation in Recôncavo Sul region and in the cities in Vale do
Jequiriçá since the beginning of the railroad construction (1871) until its close-down (1971).
In Santa Inez’s work we observe the representation of the period comprehended between 1960
(beginning of the close-down) and 1971 (shut down of the railroad). To turn the proposal here
presented feasible and to settle the analysis of the work studied, it was carried out
examinations of minutes, reports, photographs, newspapers, memory books and academic
works about correlate themes.
KEY WORDS: Literature. Representation. History. Everyday life. Railroad.
10
LISTA DE ABREVIATURAS
AEE – As Estradas da Esperança
CPE – Comissão de Planejamento Econômico
EFN – Estrada de Ferro Nazaré
RFFS/A - Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima
SEPLAN – Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia
TRN - Tram Road de Nazareth
VFFLB - Via Férrea Federal Leste Brasileiro
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO, 12
2 AS ESTRADAS DA ESPERANÇA E AS REPRESENTAÇÕES DA ESTRADA DE
FERRO NAZARÉ, 18
2.1 Ficção e memória na obra As estradas da esperança, 18
2.2 A trajetória de Franz, 21
2.3 O cotidiano nas proximidades da ferrovia: literatura e memória do cultivo da
mandioca, 25
2.4 As representações da Estrada de Ferro Nazaré e Ferrovia na Bahia, 31
3 A REGIÃO PERCORRIDA PELO TREM DE NAZARÉ E O COTIDIANO DOS
PASSAGEIROS, 40
3.1 Jequié (―Cidade Sol‖): fim de linha da Estrada de Ferro Nazaré, 41
3.2 Ferrovia, coronelismo e cidades, 48
3.3 Areia (Ubaíra): cidade mais antiga do Vale do Jequiriçá, 56
3.4 Santo Antônio de Jesus e Nazaré (Recôncavo Sul): janela do litoral, 63
4 A MORTE DO TREM: A DESATIVAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO NAZARÉ, 66
4.1 O choro de um narrador, 66
4.2 Ferrovia e rodovia: sai o trem, entra o caminhão, 70
4.3 O retorno de Alípio para Jequié, 73
4.4 ―Doenças‖ que causaram ―a morte do trem de Nazaré‖, 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 83
FONTES E BIBLIOGRAFIA, 85
ANEXO, 93
12
1 INTRODUÇÃO
Em As estradas da esperança, obra publicada pela Editora Clube do Livro (SP), em
1982, os editores destacam que Antônio Leal de Santa Inez estava entre os escritores
brasileiros que concorreram aos últimos concursos literários para a concessão do Prêmio
Nacional Clube do Livro. Informam que ele foi classificado no 6.º Concurso com a láurea de
Menção Honrosa pela obra A Ilha Esquecida.1 De acordo com essa editora, o autor era nome
―de boa expressividade‖ no mundo das letras. A riqueza temática e a originalidade no estilo
— poético, lírico e fotográfico — lhe dava o merecido destaque na moderna literatura
nacional.
Santa Inez nasceu em Laje, baixo sudoeste da Bahia, em 1927 e recebeu uma educação
tradicional. Em Salvador, estudou no Colégio da Bahia e depois, em Jaguaquara (Bahia), no
Colégio Taylor Egídio. Migrou para o Rio de Janeiro em 1952 e formou-se em Direito pela
Universidade do Distrito Federal, em 1960. Dedicou-se à Publicidade e, em particular, à
Pesquisa Mercadológica. Em 1962, assumiu o cargo de gerente no escritório de Pesquisa
Mercadológica, em São Paulo e, em 1972, fundou sua própria empresa, o Instituto Paulista de
Pesquisas de Mercado. Possuía cursos de especialização em Estatística e era conferencista
nesta área. Publicou os romances Serra do Meio (1980), seu primeiro livro, pela Edições
Melhoramentos e As estradas da esperança (1982). Escreveu também Contos de amor e
ternura e A família é um arquipélago ou os Santa Inez da Bahia. Estes, encadernados,
datilografados e guardados com muito zelo pela filha Vânia Maria, não foram publicados.
Santa Inez morreu em São Paulo, em 1995.2
O romance As estradas da esperança é o objeto e a principal fonte deste estudo por
representar aspectos históricos e memorialísticos da linha ferroviária que ficou conhecida
como Estrada de Ferro de Nazaré (EFN). Chamada inicialmente de Tram Road de Nazareth
(TRN), a ferrovia partiu de Nazaré em 1871, chegando a Jequié em 1927. Com extensão de
290 km, fazia o transporte de passageiros e dos principais produtos agrícolas da região, como
café, fumo e cacau. Entre os anos de 1871 (início da construção) e 1971 (quando foi
desativada), a estrada permitia a integração das micro-regiões do Vale do Jequiriçá /
1SANTA INEZ, Antônio Leal de. As estradas da esperança. São Paulo: Clube do Livro, 1982, Notas biográficas
do autor, p. 9. O trabalho de pesquisa com familiares do autor não possibilitou identificar se A Ilha Esquecida é
um poema, um conto ou um romance. O único texto de Santa Inez, cujo título se aproxima desta obra é A família
é um arquipélago ou os Santa Inez da Bahia, não publicado.
2
Ibidem, p. 9.
13
Recôncavo Sul / Jequié e Salvador, conectando ferrovia e navegação, contribuindo assim com
intercâmbios culturais, sociais e econômicos. Servia também para transportar passageiros e
escoar a produção cafeeira do Vale do Jequiriçá, que se integrou aos principais centros
regionais da época, como Nazaré, Santo Antônio de Jesus e Amargosa, além dos extraregionais como Salvador e Jequié.3
A fonte literária aqui empregada não permite explorar o período de construção e
ampliação da ferrovia (1871 a 1927, quando alcança a cidade de Jequié). A maioria dos
diálogos que envolvem as personagens criadas por Santa Inez acontecem no interior do trem e
referem-se, principalmente, aos anos de 1960, quando começa a desativação da ferrovia na
região do Vale do Jequiriçá, e 1971, ano da desativação do último trecho, que ligava Santo
Antônio de Jesus e Nazaré.
A obra As estradas da esperança permitiu articular uma discussão envolvendo
literatura, história, memória, ferrovia e cotidiano. Neste estudo, a palavra literatura está sendo
utilizada para especificar a fonte literária — o romance — como possibilidade de
interpretação e compreensão de processos históricos. Já os conceitos de história e memória,
apesar das aparentes semelhanças, diferem-se. No entanto, ambos têm o passado como
substrato comum.4
No que se refere ao tema da ferrovia, esta relação é esclarecida no decorrer da análise
da obra. Antônio Leal de Santa Inez apresenta como cenário um conjunto de cidades do
interior da Bahia e as pequenas estações ferroviárias dos povoados rurais, que eram servidas
pelo trem de Nazaré. O cotidiano por sua vez é representado pelas características das
personagens: suas ações, envolvimentos em brigas e/ou relações amorosas, profissões
(marinheiro, carpinteiro, sanfoneiro, fiscal do trem, trabalhador rural) e modos de viver
(pedindo esmola, bebendo cachaça, tocando, cantando, cultivando mandioca).
Em A invenção do cotidiano, Michel de Certeau analisou as práticas cotidianas das
pessoas comuns, como fazer compras, caminhar pela vizinhança, arrumar a mobília ou ver
televisão. A rua, o bairro, a cidade e a casa, por exemplo, são espaços que ganham sentido
3
O conceito de região não deve ser recortado apenas como uma unidade econômica, política ou geográfica. Este
conceito é entendido como um campo de estudo, marcado por discursos e imagens; como uma produção
imagético-discursiva gestada historicamente, em relação a uma dada área do país. Ver ALBUQUERQUE
JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. 2. ed, Recife: FJN, Ed. Massangana; São
Paulo: Cortez, 2001. p. 49. Nesta dissertação, a região é associada aos trilhos do trem de Nazaré, relacionando
economia, política, rio, cidade e agricultura por intermédio do discurso literário.
4
Cf. PINTO, Júlio Pimentel. Uma memória do mundo: ficção, memória e história em Jorge Luís Borges.
Estação Liberdade: FAPESP, 1998. p. 287-321; LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª. Ed. Campinas, São
Paulo: UNICAMP, 2003. p. 17-172; p. 419-476; CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e
representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
14
pela presença e o fazer do ser humano. Esse autor define o cotidiano como ―aquilo‖ que nos é
dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois
existe uma opressão do presente.5 O uso freqüente do trem para diversão ou trabalho; como
meio de deslocamento até uma cidade maior com a finalidade de estudar num colégio
importante ou consultar-se com um médico da capital; o hábito de parar nas estações para
fazer um lanche; comprar um cafezinho ou um mingau; almoçar; embarcar ou desembarcar
produtos e passageiros; visitar familiares ou encontrar-se com a namorada; vender doces ou
frutas no interior desse meio de transporte; conversar com amigos ou desconhecidos; viajar
durante a noite ou o dia e irritar-se com o atraso, a poeira ou um acidente na estrada, são
atividades perceptíveis na obra As estradas da esperança.
Nesse sentido, o cotidiano é a percepção do ―comum‖, daquilo que se tornou habitual
e que muitas vezes não é descrito numa abordagem macrohistórica. No romance As estradas
da esperança vê-se a presença de personagens simples, homens e mulheres que criavam
porcos, galinhas, torravam farinha, faziam beiju de forma artesanal e sobreviviam nas
proximidades da EFN. Neste estudo é feito um recorte regional, que se propõe a uma redução
de escala de análise ao partir da fonte literária e de um olhar para a vida nas estações, na linha
e no interior do trem de Nazaré. As experiências individuais, locais e regionais estão
relacionadas a assuntos mais amplos, como a implantação e desativação de linhas férreas no
cenário nacional.6
Nota-se na obra uma relação estreita entre as personagens e o narrador, o que leva a
concluir que nasceram de sua memória, tendo como referência pessoas vivas, companheiras
de viagens no trem.7 Assim como no discurso literário de Santa Inez, em outros romances de
cunho memorialístico, os autores se revelam, criam, imaginam, contam histórias, expressam e
se realizam por intermédio de suas personagens.8
Tanto na literatura como na historiografia, o tema ferrovia é bastante representado.
Muitas estradas de ferro foram construídas e desativadas no Brasil. Algumas caíram no
5
CERTAU, Michel de; GIARD, Luce e MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano. 2. Morar, cozinhar.
Petrópolis – Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 31.
6
Sobre a microhistória, Cf. LEVI, Giovanni. Sobre a microhistória. In: BURKE, Peter. A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. p. 133 – 161; A herança imaterial. Trajetória de um
exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
7
Sobre a personagem do romance, Cf. MELLO E SOUZA, Antônio Candido de. A personagem de ficção. 7ª. ed.
São Paulo: Perspectiva, 1985. p. 53 – 80.
8
Cf. BAKHATIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 476p. (p. 3 –
20).
15
esquecimento e outras foram pesquisadas e ficaram registradas em forma de livro.9 A EFN foi
privilegiada com um registro deixado por Santa Inez — a obra As estradas da esperança.
Na obra Mad Maria (1980), Márcio Souza conta a história da construção da ferrovia
Madeira-Mamoré com riqueza de detalhes, informando os conflitos étnicos entre as
personagens que representam os trabalhadores (americanos, indianos, chineses, africanos,
alemães, espanhóis, portugueses, indígenas); os desafios enfrentados para sobreviver na selva
com as epidemias, principalmente de malária; as dificuldades encontradas pelos estrangeiros
para retornar ao país de origem, em função da baixa remuneração que recebiam; o trabalho
dos operários, enfermeiros, médicos, engenheiros e a fiscalização dos guardas para evitar as
fugas; o calor; a chuva rápida; a lama; a ameaça dos escorpiões; a febre; a diarréia; a vida; a
morte; enfim, o cotidiano das pessoas que se aventuraram pela Amazônia na esperança de
trabalho e de uma vida digna.10
Se, por um lado, Souza apresenta um discurso amargo, vingador, trágico, denunciador
de políticos corruptos e de desilusão com as ferrovias, criticando a construção da Madeira Mamoré, no início do século XX, por outro, em As estradas da esperança, Santa Inez, talvez,
influenciado pelas discussões referentes ao sucateamento das linhas férreas, no Brasil,
especificamente, nos anos de 1960 e à crise internacional do petróleo entre os anos de 1970 e
1980, se posiciona contra as rodovias, revela sua admiração e apego ao antigo sistema de
transporte, considerando um crime ―a morte do trem‖. Ambas as obras foram publicadas em
datas próximas (1980 e 1982). Elas retratam períodos diferentes, mas têm em comum o tema
do cotidiano: uma narra a vida dos trabalhadores durante a construção, a outra, a vida dos
passageiros do trem de Nazaré durante a desativação. Porém, o objetivo deste estudo não é
fazer uma comparação das duas obras, mas ressaltar a temática das ferrovias no âmbito da
literatura brasileira.
No romance, O pecado viaja de trem, publicado em 1960, Nelson Gallo informa que
ao longo das estações ferroviárias baianas havia carregadores, desocupados, vendedores de
frutas, bolos, mingau, rolete de cana, beiju e pamonhas, assim como parentes ou conhecidos
dos viajantes, que diziam uma última palavra e davam um último abraço ou aperto de mão nos
9
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos / Secretaria de Estado da
Cultura, 2ª ed., 1981; HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. 291 p.; MELO, Josemir Camilo de. Ferrovias Inglesas e mobilidade social no
Nordeste. Campina Grande: EDUFCG, 2007. 233 p.; NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia.
São Paulo: Annablume, FAPESP, 2005. 194 p.; PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha: a extinção de ramais
da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955 – 1974. Tese de doutorado – Dep. De História da Universidade Federal
Fluminense. Niterói, 2000.
10
SOUZA, Márcio. Mad Maria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980 / Record: 5ª ed. 2005. 461 p.
16
que partiam. ―A locomotiva arfava. A sineta vibrou. O apito estridente do chefe da estação
dominou todos os outros ruídos‖.11
Neste estudo, além da análise da obra As estradas da esperança, houve a necessidade
de consultar trabalhos acadêmicos que, de modo integral ou parcial, representam aspectos
históricos da EFN e ajudaram a problematizar algumas questões, como a existência e
desativação da ferrovia. Dessa forma, Ferrovia e Rede Urbana na Bahia, de Francisco
Antônio Zorzo; As Estradas de Ferro no Recôncavo, de Lindinalva Simões; As Estradas de
Ferro de Nazaré no contexto da política nacional de viação férrea, de Cássia Maria Muniz
Carletto e Mudança na paisagem física e social associados à ferrovia: Estrada de Ferro de
Nazaré no Vale do Jequiriçá, de Elenildo Café de Jesus foram alguns dos estudos
consultados.12
Articuladas ao romance As estradas da esperança, outras fontes como livros de
memórias, atas, relatórios, jornais e fotografias da EFN foram úteis para auxiliar na
interpretação do recorte temporal e evidenciar as representações dessa ferrovia,
principalmente nas questões referentes à desativação e à região percorrida pelo trem de
Nazaré. Considerando a ambigüidade do termo representação, que, por um lado, evoca a
ausência e, por outro, torna visível a realidade representada sugerindo a presença, é possível
afirmar que a imagem é, ao mesmo tempo, presença e sucedâneo de algo que não existe.13
A obra As estradas da esperança, além do cotidiano, tem como matéria a região e a
desativação da EFN, pois Santa Inez usou o nome real das cidades e dos povoados que eram
conectados por essa ferrovia, lamentou o fim da estrada e criou personagens baseadas em suas
viagens no trem.
Para viabilizar a exposição dos resultados da pesquisa realizada, a dissertação foi
dividida em três capítulos. O primeiro apresenta o enredo do romance, problematizando
ficção, memória e cotidiano a partir da trajetória das personagens Franz, Laura e Lourenço.
Destaca as representações da EFN com base na fonte literária e em alguns memorialistas, que
reproduzem um discurso da ferrovia como fator de modernidade e progresso.
11
GALLO, Nelson. O pecado viaja de trem. São Paulo: O livreiro LTDA, 1960, p. 14.
ZORZO, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: Doze Cidades Conectadas pela Ferrovia no
Sul do Recôncavo e Sudoeste Baiano (1870 – 1930). Feira de Santana, UEFS, 2001. 264 p. Livro originado da
tese de doutorado, intitulada ―Práticas de Territorialização e a Formação de uma Rede Urbana no Brasil‖,
Universidade Politécnica da Catalunya, Espanha, 1999; SIMÕES, Lindinalva. As Estradas de Ferro no
Recôncavo. UFBA, Salvador, BA. Dissertação de Mestrado, 1970. (166 p.); CARLETTO, Cássia Maria Muniz.
As Estradas de Ferro de Nazaré no contexto da política nacional de viação férrea. Dissertação de Mestrado.
UFBA, 1979. (360 p.) e JESUS, Elenildo Café de. Mudança na paisagem física e social associados à ferrovia:
Estrada de Ferro de Nazaré no Vale do Jequiriçá, Bahia. Dissertação de Mestrado, UESC, 2008. 84p.
13
GINSBURG, Carlo. Representação: a palavra, a idéia, a coisa. In: ___ Olhos de Madeira: nove reflexões
sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 85 – 103.
12
17
O segundo capítulo ocupa-se da representação da região percorrida pelo trem de
Nazaré, destacando as cidades servidas pela ferrovia, bem como suas características
geográficas, culturais, sociais e econômicas. Neste capítulo o cotidiano da ferrovia e dos
passageiros do trem de Nazaré é representado pelas personagens criadas por Santa Inez com o
auxílio de fotografias. A parada do trem na estação promovia a feira e ―a festa‖, o comércio,
os encontros, o namoro, a despedida, a política, a descrição dos alimentos consumidos e
produtos agrícolas comercializados. Portanto, a região e o cotidiano aparecem entrelaçados
com as cidades e a ferrovia. Os diálogos das personagens no interior do trem e nos arredores
das estações fornecem subsídios para abordar essas questões.
O terceiro e último capítulo aborda a desativação da EFN — o ―choro‖ do narrador
com o fim da estrada, o surgimento das rodovias e as ―doenças‖ que causaram ―a morte do
trem‖. As dificuldades relacionadas aos transportes no Vale do Jequiriçá são delineadas
quando Santa Inez apresenta os diálogos em que o caminhão e o jipe substituem o trem nos
trechos desativados.
O trem foi ―aposentado‖, mas, entre os anos 1960 e 1971, havia poucos automóveis na
região para transportar passageiros e produtos agrícolas. Pela forma como a ferrovia foi
desativada, o Vale do Jequiriçá perdeu o seu principal meio de transporte e, por algum tempo,
ficou apenas com os trilhos e estradas de rodagens precárias. A narrativa de Santa Inez indica
que muitos moradores migraram para Jequié, Santo Antônio de Jesus, Valença, Salvador, Rio
de Janeiro e São Paulo.14 Definitivamente, a desativação da ferrovia alterou os meios de
transportes no Brasil, e o cotidiano de numerosos homens e mulheres na Bahia.
14
Um estudo chamado ―Diagnóstico dos Municípios do Vale do Jequiriçá‖ informa que o êxodo rural desta
região foi o maior da Bahia, na década de 1960, período que a ferrovia passa a ser desativada. BAHIA.
Diagnóstico de Municípios Vale do Jequiriçá. Edição SEBRAE. Salvador, Março de 1995. 125p.
18
2 AS ESTRADAS DA ESPERANÇA E AS REPRESENTAÇÕES DA
ESTRADA DE FERRO NAZARÉ (EFN)
2.1 Ficção e memória na obra As estradas da esperança
Em nota explicativa, prefaciando o livro de seu pai, Vânia Maria Moura de Santa Inez,
relata que o romance As estradas da esperança conta uma das histórias mais bonitas que ela
já leu: a história de um trem que realmente existiu e foi desativado. Ela informa que seu pai
viajava neste trem, conheceu as personagens que descreve e, numa daquelas viagens,
conheceu a esposa, a senhora Maria Carmelita. ―Porque meu pai nasceu naquelas matas da
Bahia, naqueles sertões tão bem retratados por ele‖, afirma.15
Ainda que Antônio Leal de Santa Inez não tivesse a pretensão de apresentar aspectos
históricos importantes da Estrada de Ferro Nazaré, nota-se que sua obra representa traços da
história e da memória dessa estrada. É inegável que Santa Inez tenha se apropriado de outras
leituras, de outros discursos acerca dessa ferrovia, mas a data de publicação de sua obra, sua
posição social, intelectual, sua história de vida, onde morou, estudou, trabalhou, tudo isso
ajuda a compreender melhor o seu discurso literário.
Ao criar suas personagens e relatar a viagem do trem, de estação em estação, falando
das noites quentes em Jequié, do acidente em Lagoa Queimada, do aleijado, do sanfoneiro, da
banana frita, do mingau de tapioca, de Jaguaquara (a toca da onça), da farinha de mandioca,
dos beijus, dos umbus e licuris de Santa Inês, do Coronel e sua grandeza, de Areia (atual
Ubaíra), da notícia da morte do trem em Mutuípe, de Laje, de São Miguel, Amargosa, enfim,
de todas as estações ou cidades que o trem passava, Santa Inez constrói uma representação
dessa estrada, revelando vários aspectos do cotidiano da ferrovia.
Em Mad Maria, Márcio Souza descreve o cotidiano dos trabalhadores que construíram
a Ferrovia Madeira – Mamoré na Amazônia, um ambiente insalubre e perigoso para suas
personagens: engenheiros, enfermeiros, médicos, indígenas, pessoas de diferentes
nacionalidades e origem étnicas. Esse autor conta história de forma romanceada, criticando o
capitalismo e as dificuldades enfrentadas para se construir aquela ferrovia, no meio de uma
floresta composta por árvores enormes, formigas, escorpiões, cobras, mosquitos, insetos,
pragas naturais diversas, rios e cachoeiras. Sua narrativa informa sobre as atividades
15
SANTA INEZ, Antônio Leal de. As Estradas da Esperança. São Paulo: Clube do Livro, 1982, p. 7.
19
desenvolvidas, a carga horária de trabalho e o estado físico e psicológico dos indivíduos
envolvidos na execução daquele projeto:
Os chineses trabalhavam no desmatamento, iam avançando pela floresta. Os alemães
cuidavam do serviço de destocamento e da terraplanagem. Os barbadianos estavam
no serviço de colocação do leito ferroviário. Os espanhóis, egressos do sistema
repressivo colonial em Cuba, faziam as vezes de capatazes e compunham a guarda
de segurança. Cada homem tinha o seu trabalho definido, e a jornada era de onze
horas por dia, com direito a um intervalo para o almoço. Mas o aspecto de cada
homem era igual, independente de sua nacionalidade. Todos estavam igualmente
maltrapilhos, abatidos, esqueléticos, decrépitos como condenados de um campo de
trabalhos forçados.16
Mad Maria e As Estradas da Esperança, mesmo que se considerem suas diferenças
quanto à forma e ao conteúdo, irredutíveis a comparações estritas, servem para abordar
questões que outras fontes não permitiriam e para perceber que os discursos históricos e
literários constroem uma ideia de realidade e nos ajuda a refletir sobre o ofício do historiador.
Pensar uma discussão envolvendo a relação da literatura com a história exige reflexão sobre
conceitos como imaginário, real, representação, discurso, narrativa histórica e ficção. Deve-se
considerar que, para construir a sua representação sobre o passado a partir das fontes ou
rastros, o caminho do historiador é montado por estratégias que se aproximam das dos
escritores de ficção, através de escolhas, seleções, organização de tramas, decifração de
enredo, uso e escolha de palavras e conceitos.17
O que diferencia o historiador do romancista é a sua dependência do arquivo, o dever
de fazer a citação das fontes, a não liberdade para criar personagens e inventar os fatos. Ainda
que a literatura não se comprometa diretamente com a veracidade, discursos ficcionais como
o de Santa Inez contêm história e memória.
O enredo do romance As Estradas da Esperança é baseado nas fugas das personagens
Franz e Alípio. O primeiro rouba o seu próprio pai e, aos 15 anos de idade, foge do meio rural
para a cidade. Descrito como aventureiro, torna-se marinheiro e viaja pelo mundo, mas
retorna trinta anos depois. Fracassado e pobre, recomeça a vida trabalhando em fazendas. Nos
diálogos que envolvem esta personagem não há muita ênfase nas viagens do trem, que
acontecem ora muito distante, ora nos arredores da ferrovia. Alípio, por sua vez, engravida a
personagem Rosa e foge no trem partindo de Jequié em direção a Nazaré, para não ser morto
16
SOUZA, 5ª ed., 2005, p. 20.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & literatura: uma velha-nova história. In: Nuevo Mundo Mundos
Nuevos, Debates, 2006, p. 6. Disponível no sítio eletrônico http://nuevomundo.revues.org/index1560.html .
Acesso em 28 de outubro, 2009.
17
20
pelo pai da moça. Alípio desce na estação da cidade de Mutuípe, consegue emprego na
prefeitura e, depois de algum tempo, quando tenta retornar para Jequié, encontra problemas
relacionados aos transportes, pois a EFN já havia sido desativada no Vale do Jequiriçá. Como
se não bastasse a dificuldade para regressar à sua cidade de origem — algumas partes do
percurso foram feitas de caminhão, jipe e caminhada —, descobre que Rosa é namorada de
Franz e os dois travam uma luta por causa desta mulher.
Além de Franz e Alípio, as personagens principais que figuram a obra de Santa Inez
são: o sanfoneiro Patrocínio, que tocava e cantava no trem, fazendo a diversão dos
passageiros; o aleijado, que ganhava a vida pedindo esmolas; o louco, que aparece na
narrativa quando o trem passa pela estação da cidade de Jaguaquara e vai até Rio Fundo,
próximo a Nazaré, para tratar-se com o curador Zé Felício; e o coronel Astério, que entra no
trem na estação da cidade de Itaquara, acompanhado da filha Lininha e da esposa, Dona Caró,
que estava doente e ia se consultar com os médicos de Salvador. Os diálogos que envolvem
estas personagens acontecem no interior do trem em movimento, deslocando-se de Jequié em
direção a Nazaré.
Há também as personagens secundárias, como Dona Sé e Téia, que com a desativação
da ferrovia no Vale do Jequiriçá migraram de Lagoa Queimada para Jequié; o tropeiro
Sebastião e seu ajudante Benedito, que se tornou sócio de Franz e abriu uma carpintaria nesta
cidade; Maria Soldado, cuja casa era uma espécie de pousada e bordel, também localizada em
Jequié; Alexandre e Lidinha, o casal pobre, que morava em São Miguel das Matas e migrou
para Santo Antônio de Jesus (onde ainda havia o trem). A narrativa envolvendo essas
personagens é exterior ao trem e reflete um momento em que o trecho da estrada que ligava
Santo Antônio de Jesus a Jequié já havia sido desativado.
Ainda como personagens secundárias e desligadas do enredo no interior do trem,
Laura e Lourenço, o casal que sonhava ficar rico cultivando mandioca, representa a vida no
meio rural e foi importante para interpretar o cotidiano nas proximidades da ferrovia.
Algumas práticas cotidianas também são descritas na trajetória de Franz, permitindo
problematizar a relação entre ficção e memória, autor e personagem, ou seja, criador e
criatura.
21
2.2 A trajetória de Franz
Na abertura do romance As estradas da esperança, Santa Inez apresenta o matrimônio
da personagem Lidinha — que se casou grávida de sete a oito meses, de véu e grinalda —, a
primeira cerimônia que o padre Anselmo havia celebrado na igreja de São Francisco das
Andorinhas. Lidinha era filha do velho Maia (Meyer), um alemão aventureiro, que se
encantou com a localidade e a simplicidade dos moradores e decidiu fixar-se ali, onde
também havia casado. Teve dois filhos, ficou rico e transformou-se numa pessoa muito
conhecida, porém sua vida tornou-se trágica e solitária após a morte da esposa e de um dos
filhos, seguida do abandono do outro, que o rouba e desaparece no mundo (AEE, p. 15 –
16).18
A referência a tais personagens torna possível problematizar ficção, memória e
cotidiano, com base na trajetória da personagem Antônio Francisco (Franz), o filho que
desestruturou a vida do velho Maia. Após a fuga do filho ele começou a beber cachaça,
vender os bens, as terras, os objetos de valor, perdendo a vontade de viver. ―Toda a riqueza
acumulada em quarenta anos de luta desapareceu em três ou quatro anos de tristeza‖ (AEE, p.
16).
Ao longo da obra, Santa Inez menciona situações, modos de viver — a moça que se
casou grávida, o velho que vivia embriagado, caía à porta das vendinhas e trocava objetos de
valor por garrafas de cachaça — e lugares como São Francisco das Andorinhas, Lagoa
Queimada (uma das estações da EFN), as noites quentes de Jequié (fim de linha da EFN) e a
culinária de Nazaré (ponto de partida do trem).
Ao descrever a vida da personagem Franz, Santa Inez relata que o rapaz herdara do pai
o espírito de aventura e fazia mais de trinta anos que fugira de São Francisco das Andorinhas.
―Muitos diziam que ele havia morrido afogado no Paraguaçu e outros apostavam que tinha se
tornado milionário na Alemanha‖ (AEE, p. 48). Entretanto, enquanto o trem fumaçava e se
arrastava no calor da manhã, um homem alto e forte, rosto marcado pela vida, sujo e
esfarrapado, mergulhava os pés na lama das estradas que o levavam de Ilhéus a São Francisco
das Andorinhas. ―Era Franz, o aventureiro, que voltava em busca do seu porto definitivo‖
(AEE, p. 50).
Franz retornou humilhado, pobre e rejeitado. Preocupava-se ao pensar na repercussão
da atitude de outrora frente aos moradores e amigos de infância. Em suas aventuras nas
18
A partir daqui a abreviatura AEE será utilizada nas referências à obra As Estradas da Esperança. (SANTA
INEZ, Antônio Leal de. As Estradas da Esperança. São Paulo: Clube do Livro, 1982).
22
grandes cidades, tornou-se marinheiro, viajou pelos quatro continentes, prestou serviços na
guerra (os bombardeios na Europa) e passou alguns dias preso na cadeia de Ilhéus, após se
envolver numa briga. Não sabia que seu pai havia morrido e que tinha uma irmã, mas voltou
em busca do perdão (AEE, p. 52-53).
De regresso para casa, conseguiu trabalho numa fazenda que se localizava nas
proximidades de Ilhéus e Itabuna. Lá, além da casa grande, havia uma barcaça onde secava o
cacau, uma venda e as casas dos trabalhadores. A narrativa de Santa Inez permite considerar
que o consumo de cachaça e as aventuras com mulheres eram sinônimos de confusão e
impedimento para que Franz conseguisse emprego. Porém, sua habilidade como carpinteiro
contribuiu para conquistar confiança e amizade. ―Em um mês trabalhou por um ano.
Consertou casas, construiu cancelas, endireitou cangalhas, refez a barcaça, recondicionou
móveis inutilizados e ganhou dinheiro‖ (AEE, p. 60), revela o narrador.
Nas características que atribuiu à personagem Franz, Santa Inez descreve o trabalho e
o cotidiano, principalmente quando o transforma em carpinteiro. O Franz marinheiro recebeu
uma referência rápida das cidades bonitas que conheceu: Paris, Londres, Nova Iorque, portos
distantes do Pacífico e ilhas perdidas da Ásia (AEE, p. 79). No seu retorno de Ilhéus para São
Francisco das Andorinhas, além de trabalhar em fazendas, Franz ganhou a companhia do
cachorro Piau, do tropeiro Sebastião e ficou hospedado na casa de Maria Soldado, em Jequié:
— Donde o senhor vem, moço?
— De Ilhéus, dona Maria.
— Ah!... Nasceu em Ilhéus mesmo?
— Não, senhora, dona Maria. Nasci aqui perto. Na Serra das Andorinhas.
— Morava em Ilhéus há muito tempo?
— Na verdade, eu não venho de Ilhéus. Eu venho do mar. Fui marinheiro durante
muito tempo. Mas aí me cansei, e resolvi voltar para minha terra.
— Eu acho que o senhor está falando a verdade. Mas se não tiver, o senhor é que é o
responsável...
— Fique descansada, minha tia. As maluquices que eu tinha de fazer na vida, já fiz.
Agora eu sou um homem direito (AEE, p. 81).
Neste diálogo, Santa Inez descreve Maria Soldado como uma negra velha de cabelos
brancos, rezadeira, um pouco curandeira, alcoviteira, festeira, alegre, cautelosa —
principalmente na hora de hospedar um desconhecido—, uma espécie de mãe e ponto de apoio
para qualquer problema das pessoas humildes de Jequié e cidades circunvizinhas. A mocinha
grávida, a mulher doente, o velho faminto, o homem apaixonado ou o que se envolvia em
confusão, todos lhes procuravam. ―Sua casa não era um bordel. Que ninguém pensasse nisto.
Mas era escola de vida, igreja, delegacia, hospital, creche, hotel e clube (AEE, p. 82).
23
O narrador relata que após o banho no Rio de Contas e o almoço na casa do tropeiro
Sebastião, Franz ficou em Jequié, onde em sociedade com Benedito (ajudante do tropeiro),
desenvolveu a idéia de montar uma carpintaria. Ainda nesta cidade conheceu a personagem
Rosa, com quem desenvolveu um romance. Antes de se cruzar com Alípio e travar uma luta
em disputa de Rosa, coordenou os trabalhos para amenizar ―a cheia do Rio de Contas‖,
causada pela chuva do sertão, que vinha de Brumado, de Caculé e de Condéuba. ―O Rio
Gavião já estava muito cheio, e suas águas desciam e engordavam o Rio de Contas‖ (AEE, p.
104).
Ao narrar a enchente do Rio de Contas, o romancista revela o seu conhecimento sobre
o nome de cidades baianas — Brumado, Caculé, Condéuba —, descreve os prejuízos
causados a Jequié, especificamente, ao bairro do Jequiezinho, e as coisas e animais que as
águas levaram: toras de madeira, cancelas, canoas, utensílios domésticos e vacas mortas. ―Um
dia aquilo não aconteceria mais. Uma represa um pouco acima de Jequié iria domar o Rio de
Contas e controlar as suas águas‖ (AEE, p. 105). A referida represa é a Barragem de Pedras de
Jequié, atestando que a obra As estradas da esperança é composta por ficção e memória,
mesclando aspectos do imaginário e do real.
A trajetória de Franz é marcada ainda por sua luta com Alípio. Depois de muita
discussão na casa de Maria Soldado, o enfrentamento corporal deixou ambos hospitalizados.
Enquanto Alípio foi dispensado em poucos dias, Franz ficou bastante debilitado. Teve febre,
delírios e fraqueza, em decorrência de uma facada que o atingiu. O desespero de Rosa era
evidente, afinal de contas, estava grávida e com o coração dividido entre o pai de seu filho e o
novo amor, o carpinteiro. (AEE, p. 110).
A dúvida acerca do destino de Rosa desperta uma sensação de curiosidade no leitor de
As Estradas da Esperança. Os capítulos que retratam esta luta são intercalados com outros
que fazem referência à desativação da ferrovia. Franz passa a ser visitado por Téia — uma
adolescente que presenciou a briga —, e lhe pede que cuide de Piau, seu cão. Avaliando a
situação em que se encontra, Rosa opta por dar uma segunda chance a Alípio, o homem que
lhe abandonou grávida. Ao final da narrativa, os diálogos que envolvem essas personagens
tratam de conciliação e declarações amorosas, do término do namoro de Rosa com Franz, do
perdão de Franz a Alípio, do desejo de Franz retornar para Serra das Andorinhas e do início
do romance entre Franz e Téia (AEE, p. 115 – 122).
A narrativa acerca da trajetória de Franz registra que a sua vida melhorava a cada dia.
Sua carpintaria em Jequié produzia pontes, janelas, vigas e assoalhos. A sociedade com
Benedito havia dado certo. Criaram uma linha de móveis em madeiras nobres, que era sucesso
24
na região: mesas de jacarandá, camas de sucupira, cômodas de vinhático, arcas, malas,
cadeiras, baús, armários e estantes. O principal produto, contudo, eram umas cadeiras
especiais chamadas de ―espreguiçadeira‖, que se transformavam em cama. Feitas com alto
acabamento em jacarandá e vendidas a particulares, eram também enviadas para Salvador.
Com a demanda, os sócios não tinham como atender todas as encomendas e Franz era
obrigado a ir cada vez mais longe procurando madeira: Jaguaquara, Itiruçú, Brejões, Nova
Canaã, Conquista, Ubaíra, Amargosa (AEE, p. 127).
Além de possuir uma carpintaria em Jequié, Franz herdou uma fazenda em São
Francisco das Andorinhas, que era do seu pai, o velho Maia. Esta personagem é consagrada
por Santa Inez e tem um final de sucesso. De ladrão fugitivo, torna-se marinheiro, empregado
de fazendas, carpinteiro de sucesso e casa-se com uma jovem bonita. A obra é introduzida e
finalizada com uma cerimônia de casamento, na mesma igreja e localidade.19
O matrimônio de Franz e Téia causou um movimento impressionante na igreja de São
Francisco das Andorinhas: jipe, caminhão, pessoas à cavalo, à pé, vestidas com roupas
coloridas, sapatos novos, cabelos penteados, sombrinhas nas mãos. ―Além do padre, esteve
presente o tabelião, o sacristão, o juiz de paz, e tanta gente para ver o casamento‖ (AEE, p.
143).
A igreja católica estava presente nos pequenos distritos na época. Chegava antes da
emancipação política da cidade e outros serviços básicos. Santa Inez se revela através de sua
personagem, ao descrever que o crescimento do povoado ocorreu por influência de Franz, que
conseguiu escola, posto de saúde, casa de farinha, engenho de rapadura, armazém, a melhoria
das estradas e as pontes (AEE, p. 145). Ele se realiza atribuindo a Franz as atividades de um
prefeito.
O criador se aproxima da criatura, ou seja, um pouco dos sonhos e da vida de Santa
Inez coincide com as características que atribuiu à personagem Franz: o gosto pela contação
de histórias infantis, as cidades por onde passou, conheceu ou gostaria de conhecer e o
sucesso com a carpintaria. Enfim, o sair e retornar para São Francisco das Andorinhas — que
o autor também nomeia de Serra das Andorinhas —, revela traços da memória da comunidade
rural onde ele nasceu e cresceu: Serra Grande, distrito da cidade de Valença (Bahia).
19
Vânia Maria Moura de Santa Inez, prefaciando o livro do seu pai, além de afirmar que ele conheceu as
personagens que descreve e a própria esposa, numa das viagens no trem, destaca: ―E muito do homem que volta,
este Franz humano e generoso, tem muito de meu pai. Principalmente, a sua coragem, o seu desprendimento, a
sua sensibilidade‖ (AEE, p. 7). A narrativa sobre casamento é influenciada pela própria história de vida de Santa
Inez, pois quando migrou para o Rio de Janeiro ainda namorava Maria Carmelita, a mulher que ele deixou na
Bahia e prometeu voltar, casar e levar consigo. Depoimento de Vânia Maria, filha do autor. Salvador,
12/12/2009.
25
É interessante pensar os motivos pelos quais uma parte da narrativa de Santa Inez se
concentrou em Jequié e no conhecimento que possuía das cidades circunvizinhas. Como
conseguiu abordar com propriedade a cheia do Rio de Contas, o trabalho nas fazendas e
descrever os móveis da carpintaria, por exemplo? Por que São Francisco das Andorinhas
caminha com Franz do início ao fim da obra? Santa Inez nasceu em 1927, migrou para o Rio
de Janeiro em 1952, depois para São Paulo em 1972 e publicou sua obra em 1982. A memória
que deixou registrada expressa o que viveu na Bahia, principalmente suas viagens no trem
(tema do segundo e terceiro capítulos), e as lembranças dos locais por onde passou. Não
aparece quase nada referente às duas grandes cidades onde morou, a não ser a curta referência
ao marinheiro e o uso da gíria ―mano‖ ou ―maninho‖, quando introduz a fala das personagens.
Por intermédio do discurso literário Santa Inez aproxima ficção e memória ao referirse aos nomes reais das cidades baianas, ao viver e à moradia em Jequié e São Francisco das
Andorinhas e ao descrever práticas cotidianas (brigas, relações amorosas, atitudes solidárias,
costumes e trabalho). Se, por um lado, a existência de personagens é uma característica da
obra como ficcional, por outro, as atividades desenvolvidas pelos seres criados possibilitam o
conhecimento acerca de elementos da vida do criador.
Através de Laura e Lourenço, cultivadores de mandioca, obtêm-se o conhecimento de
como se fazia a farinha nas proximidades da EFN. Nota-se também uma representação do
trabalho, dos laços de solidariedade entre os trabalhadores, formas de viver, alimentar-se, o
desejo de prosperar economicamente e, principalmente, a memória de Santa Inez ao criar
essas personagens.
2.3 O cotidiano nas proximidades da ferrovia: literatura e memória do cultivo da
mandioca
Em O Cotidiano e a História, Agnes Heller (1992) ajuda a refletir sobre a estrutura da
vida cotidiana, os preconceitos, os papéis sociais, o indivíduo e a comunidade, enfim, as
relações entre a ética e a vida social. De acordo com essa autora, considera-se valor tudo
aquilo que produz diretamente a explicitação da essência humana ou é condição de tal
explicitação. A vida cotidiana é a vida do homem inteiro, portanto, sejam as ―práticas‖ ou o
―comportamento‖, a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a
26
atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação.20 Nesse sentido, a economia ou a
política não são mais ou menos importantes que as práticas cotidianas, dignas de estudos
separadamente. Estão entrelaçadas, coexistindo na vida humana.
Na obra As estradas da esperança, as práticas cotidianas relacionadas ao trabalho e
exterior ao trem, são representadas quando Santa Inez menciona o diálogo das personagens
Laura e Lourenço, um casal que sonhava ficar rico com o plantio da mandioca. Nota-se que
este romancista conhecia algumas práticas rurais, como secar o cacau, fazer beijus, cultivar o
solo, plantar, cuidar, raspar, ralar e transformar a mandioca em farinha. Quando ele migrou
para a cidade do Rio de Janeiro, em 1952, já tinha 25 anos de idade e, na composição de sua
narrativa, percebe-se a memória de um jovem do meio rural, que expressou com indignação a
desativação da EFN.
Ao intercalar a viagem do trem, sentido Jequié a Nazaré, com a narrativa que envolve
as personagens Laura e Lourenço, Santa Inez revela o seu conhecimento e a sua memória
acerca do cultivo da mandioca. Era um casal ainda jovem, que morava nos arredores de Serra
Grande e sonhava ficar rico com o plantio da mandioca.21 Eles acreditavam na possibilidade
de comprar mais terras, na alta do preço da farinha e na fabricação e venda do beiju. As
relações trabalhistas, o estado de saúde, a condição social e o tipo de alimentação sobressaem
quando o narrador reforça que tais personagens não tinham patrões, não eram pobres,
famintos, infelizes, sem esperança, ou doentes. Se houvesse doença não era diferente das dos
ricos da cidade. ―Sua fome era apetite mesmo, e se a refeição não era balanceada, pelo menos
era saudável, saborosa e sábia, pois vinha mantendo gerações e gerações‖ (AEE, p. 25).
Pode-se afirmar que Santa Inez, em As estradas da esperança, ao narrar o cultivo da
mandioca e a trajetória das personagens Laura e Lourenço, apresenta uma memória do
cotidiano rural, relacionada à economia local. Segundo o autor, esta lavoura dá muito trabalho
a quem se dedica a ela. Tem que limpar o mato, cavar a terra, saber plantar para as raízes não
se afundarem muito, manter a lavoura limpa de matos, evitar que as formigas derrubem as
folhas, combater as lagartas e impedir que animais, como os porcos ou o gado, entrassem na
plantação (AEE, p. 26).
Além de apresentar uma ―aula‖ a respeito dos cuidados para se cultivar a mandioca,
Santa Inez informa sobre as diferentes espécies dessa planta de acordo com a linguagem dos
20
Cf. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra. Trad. de Carlos Nelson Coutinho e
Leandro Konder, 4ª ed. 1992. p. 17 – 18.
21
Comunidade rural que pertence à cidade de Valença – BA, onde Antônio Leal de Santa Inez morava com sua
família antes de migrar para o Rio de Janeiro. Alguns de seus familiares ainda moram nesta comunidade (dois
irmãos e alguns sobrinhos). As estações ferroviárias mais próximas eram as das cidades de Mutuípe (13 Km) e
Laje (aproximadamente, 20 Km).
27
trabalhadores: ―venenosa‖ (mandioca) e ―mansa‖ (aimpim). Ele evidencia os nomes comuns
ao aimpim: aimpim cacau, peixe, pacaré, aimpim pão, manteiga, vassourinha, cambraia, entre
outros. Havia uma sabedoria para se fazer as roças sem misturar as espécies, com o intuito de
descobrir as mais rentáveis e produtivas para se fazer uma farinha alva e cheirosa. O próprio
caule dessa planta serve como semente — a maniva.22 ―A distinção básica era pelo nome; o
aimpim podia-se comer cozido, frito, assado, em bolos. Os roceiros chamavam de impim. A
mandioca só servia para fazer a farinha‖ (AEE, p. 26).
Ao aprofundar a descrição das personagens Laura e Lourenço, o narrador relata que
este era um casal unido. Amavam-se e alimentavam o sonho de prosperidade com o trabalho.
Enquanto Lourenço, com a enxada no ombro, assobiava a caminho do roçado de manhã cedo
para ―pegar a fresca do dia‖, Laura ficava em casa preparando o almoço, que levaria para ele
mais tarde. Na hora de tomar uma decisão, um consultava o outro, por isso, ambos pensaram
na possibilidade de plantar cacau enquanto a mandioca crescia, pois sabiam que alguns
fazendeiros das cidades de Ilhéus e Itabuna ficaram ricos com o cultivo deste produto (AEE,
p. 31-32).
No trecho transcrito acima, nota-se a divisão do trabalho entre o homem e a mulher, as
formas de sobrevivência em uma economia simples e artesanal, os afazeres diários assim que
acordavam e o desejo de vencer as dificuldades, a vida oprimida e tornarem-se ricos. As
atividades desenvolvidas pelas personagens Laura e Lourenço evidenciam o que Certeau
caracterizou como cotidiano. ―Todo dia pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o
peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga,
com este desejo‖.23
Santa Inez enfatiza que a habilidade de Laura e Lourenço era com o plantio da
mandioca. Enquanto o trem descia para a cidade de Itaquara, tais personagens chegavam ao
fim do eito, guardavam as enxadas e se preparavam para ir ajudar os vizinhos (as personagens
Bento e Matilde). Estes pensavam em ―arrancar‖ uma tarefa de mandioca, mas sozinhos
encontrariam muitas dificuldades para transformar as raízes em farinha. Precisava levar em
lombo de animais para a casa de farinha, do auxílio de algumas pessoas, em sua maior parte
mulheres e mocinhas, que raspavam metade das raízes enquanto outro grupo, os ―tomadores‖,
seguravam as partes já raspadas e completavam o trabalho de limpeza. Com isso, as raízes
escuras, sujas de terra, transformavam-se em ―pirâmides‖ de raízes brancas, alvas,
descascadas, contrastando com o verde das folhas de bananeira, que serviam para forrar o
22
23
Parte externa, o caule, enquanto o termo ―mandioca‖ é utilizado para designar as raízes, os tubérculos.
CERTEAU; GIARD E MAYOL, 2001, p. 31.
28
chão. Após raspar, ralava-se a mandioca, que era comprimida na prensa de madeira para
extrair-lhe a seiva e facilitar a secagem. Neste processo devia haver certos cuidados,
principalmente, para transformar em farelos as raízes brancas, porque as serrilhas do aparelho
poderiam ferir os dedos. Era uma técnica especial e o ―cevador‖ evitava distrair-se com as
conversas, para ralar as raízes mais depressa do que eram raspadas (AEE, p. 38 – 40).
As lembranças de Santa Inez sobre os modos de vida no campo e o cotidiano
relacionado às atividades com a mandioca, são resultado de sua infância na fazenda de seu
pai, onde havia alambique, engenho, girau (secador de café), curral para o gado e uma casa de
farinha.24 Entretanto, não é possível afirmar que ele executava estas tarefas ou apenas as
presenciavam. A maioria das personagens de As estradas da esperança foi criada com base na
trajetória de vida do autor, complementada por sua imaginação. As tramas que envolvem
Franz e o seu pai, o velho Maia, por exemplo, sugere uma relação dialógica entre o campo e a
cidade. São dois Franzs: o carpinteiro de fazendas, que consertava as cercas e as cancelas para
o gado e o Franz comerciante (dono de carpintaria em Jequié), que produzia móveis por
encomendas, para vender em Salvador.
A memória de Santa Inez transita entre o campo e a cidade porque a personagem
Franz desenvolve atividades em ambos os espaços. O velho Maia não sai de São Francisco
das Andorinhas, torna-se rico, volta a ser pobre e quando morre deixa uma fazenda para o
filho. Franz também passa por oscilações na condição social, mas finaliza com duas
propriedades: a carpintaria na zona urbana – Jequié, e a fazenda na zona rural – no povoado
de São Francisco das Andorinhas.
Já Laura e Lourenço, além de representarem pessoas humildes e simples, oriundas do
meio rural, estão localizadas na comunidade de Serra Grande, povoado em que a economia
local não permitia negociações como a da cidade de Jequié. Estas personagens refletem o
imaginário do romancista, entrelaçado com a localidade que ele nasceu e cresceu e com as
experiências do cultivo da mandioca.
Santa Inez descreve que além de servir para fazer a farinha, a mandioca também servia
para fazer beiju. Depois de raspada, ralada e prensada, extraía-se a ―água de tapioca‖ para
aproveitar a goma.
Os cochos e as gamelas se enchiam daquela água branquicenta para que o polvilho
assentasse. Horas depois era só escorrer a água já então transparente, e o que ficava
no fundo do vasilhame, alvíssimo, era a goma, a tapioca, o polvilho. Era só misturar
com açúcar e coco ralado, uma pitada de sal, e espalhar sobre o alguidar. Beijus de
24
Depoimento de Miguel Santa Inez, irmão do autor, nascido em 06/10/1932, residente na Fazenda Cariri,
Mutuípe – BA, agricultor, 77 anos. Entrevista concedida em setembro de 2009.
29
lenço, de colher, roló, de folha; outros de massa, do próprio farelo que se
transformava em farinha; outros, ainda misturando a massa e a goma, originando
uma terceira categoria (A E E, p. 44).
Nota-se que o conhecimento de Santa Inez não foi adquirido em livros, mas fruto de
sua prática no meio rural. Em Serra do meio, seu primeiro romance publicado, ele conta uma
história envolvendo a vida, os costumes, as lutas e as esperanças de uma gente simples e
humilde, que habitava as matas e os sertões da Bahia.25 É um romance rural, que descreve
atividades como a colheita do feijão, o hábito de apanhar café, mexer farinha, pescar de cesto
e cortar fumo para o cigarro. É uma memória que representa a comunidade de Serra Grande
(distrito de Valença) limitando-se territorialmente com o município de Mutuípe. Esta obra
revela alguns eventos importantes que aconteciam nesta comunidade, como a missa, os
batizados, a queima do Judas e a festa de São João.
Outra obra de Santa Inez que permite conhecer seus familiares e um pouco da sua
história de vida é A família é um arquipélago ou os Santa Inez da Bahia.26 Nesta obra ele
menciona, além de Serra Grande, Serra do Rato, Serra do Roçado, Serra do Frio e Serra do
Abiá. Informa que o mundo de seus familiares estava restrito a meia dúzia de municípios
baianos: Nazaré, Amargosa, Jequié, São Miguel das Matas, Mutuípe e Valença,
especificamente, em Serra Grande.
Em A família é um arquipélago ou os Santa Inez da Bahia, Santa Inez também nos
informa acerca dos produtos agrícolas cultivados, relatando que as terras de São Miguel, e dos
municípios vizinhos nada tinham de especial. Cultivava-se fumo e café, cana de açúcar e
mandioca, algum milho, algum feijão, que se resumia à economia local. Ele acrescenta:
Tudo se processava de maneira primária, primitiva. Nem trator, nem arado, nem
máquinas. O machado, a foice, a enxada e o fogo formavam a base da lavoura.
[...] muita coisa produzida ali, ali mesmo era consumida: aguardente, rapadura,
farinha de mandioca. Para exportar, somente fumo em folha, café e algum porco
levado para o litoral, e daí para Salvador (A família é um Arquipélago, p. 4).
A partir do discurso literário de Santa Inez pode-se elucidar que as comunidades rurais
do Vale do Jequiriçá e do Recôncavo Sul da Bahia, localizadas nas proximidades da ferrovia,
quase todas cultivavam a mandioca. A farinha servia para o consumo alimentício das próprias
famílias, para vender nas feiras ou ser enviada pelo trem até a capital (Salvador). Os frutos de
plantas como bananeira, mangueira, jaqueira e coqueiro, entre outros, serviam para o
25
SANTA INEZ, Antônio Leal de. Serra do meio. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1980. 115p.
SANTA INEZ, Antônio Leal de. A família é um arquipélago. Obra não publicada, encadernada, datilografada,
enviada de SP para a família na Bahia, com a data de 11/04/1987. 47p.
26
30
―lanche‖, que era feito na casa de farinha durante o trabalho. Os moradores às margens da
EFN, também criavam galinhas, porcos e gados. Esses animais, quando citados na obra As
estradas da esperança, não aparecem integrados à dinâmica comercial do mundo capitalista,
sendo relacionados apenas a uma economia de subsistência.
Ainda que o sonho das personagens Laura e Lourenço fosse enriquecer cultivando a
mandioca, nos diálogos criados por Santa Inez envolvendo tanto estas personagens quanto
Bento e sua esposa, Matilde, notam-se laços de solidariedade entre pessoas simples, que não
estavam tão afetados pelos valores do mundo capitalista. Nas comunidades rurais, às margens
da estrada de ferro, era comum emprestar ou dividir a farinha, o beiju, o sal e o açúcar, entre
familiares e vizinhos, que trocavam favores solidários para executar trabalhos (limpar e
cultivar o solo, torrar a farinha e fazer beiju, por exemplo). Porém, não se pode pensar que as
relações trabalhistas entre todos os moradores da zona da EFN aconteciam de forma amistosa.
Vale reforçar que Santa Inez expressa a sua memória do cultivo da mandioca por
intermédio das personagens Laura e Lourenço e, secundariamente, Bento e Matilde,
referindo-se à comunidade rural de Serra Grande, distrito de Valença, de onde era originário.
Este romancista representou a EFN como fator de progresso e modernidade, principalmente,
para o Vale do Jequiriçá.
A linha da EFN nasceu no Recôncavo Sul da Bahia e seguiu o traçado Nazaré – Onha
– Santo Antônio de Jesus – Amargosa – São Miguel – Laje – Mutuípe (na época, Distrito de
Paz de Mutum, que pertencia a Jequiriçá) – Jequiriçá – Areia (atual Ubaíra) – Santa Inês –
Itaquara – Jaguaquara – Jequié. Ainda vale ressaltar os nomes de estações (povoados que
aparecem na obra As estradas da esperança) servidas pelo trem, como Corta-mão
(Amargosa), Barra do Jaguaritu (entre Mutuípe e Jequiriçá), Jenipapo e Volta do Rio (entre
Ubaíra e Santa Inês), Lagoa Queimada (entre Santa Inês e Itaquara) e Caatinga e Baixão
(entre Jaguaquara e Jequié).
31
2.4 As representações da Estrada de Ferro Nazaré e ferrovia na Bahia
A obra As estradas da esperança evidencia um discurso de progresso acerca da EFN,
quando Santa Inez informa que a cidade de Santa Inês era composta por ruas estreitas, que
pareciam ficar menor ainda com a chegada do trem. [...] ―era o monstro mecânico e
barulhento, a coisa maior, mais forte, mais rápida, mais moderna e mais bonita, que cortava
de progresso e de alegria a pasmaceira daqueles sertões‖ (AEE, p. 53).
A construção da EFN, no Recôncavo Sul e no Vale do Jequiriçá, favoreceu a
integração comercial dos povoados, vilas e de um conjunto de cidades, que eram conectadas
pelo trem de Nazaré. Em As estradas da esperança, ao criar o diálogo entre as personagens
Alípio e ―o aleijado‖, Santa Inez registra:
Alípio pensava em Rosa quando o aleijado puxou conversa:
—Té onde vai, mano?
— Santo Antônio.
— Boa cidade. Já tive lá. Mas agora só vou até Mutuípe.
Alípio resolveu dar corda ao assunto. Precisava de saber tudo daquele mundo que
lhe era estranho.
— Teve muito tempo em Santo Antônio?
— Oito dias.
— Nunca fui. A feira é boa?
O aleijado entusiasmou-se. Enfim, alguém queria ouvi-lo:
Boa, boa, não é. Mas é bem diferente daqui. Muita farinha, fumo, café, cacau,
rapadura... E cada moça! Mas não é boa de esmola. (AEE, p. 28).
A memorialista Helena Rebouças, em seu livro Mutuípe, Pioneiros e Descendentes,
quando se refere à EFN, informa que a região do Vale do Jequiriçá registrou uma maior
movimentação de pessoas em trânsito, fossem engenheiros, operários e curiosos. O apito da
locomotiva anunciava a sua aproximação, integrava a vida da comunidade, atraía as pessoas
para as estações do trem; os que iam embarcar ou esperar alguém, ou ainda adquirir jornais e
revistas, que lhes traziam as novidades da capital do Estado.27
De acordo com Rebouças, o comércio em geral passou a ser beneficiado pelos trens
(de carga ou não) em transportes de mercadorias — incluindo-se os produtos agrícolas
exportáveis — fazendo conexão com o vapor, que partia de Nazaré para Salvador nos dias de
27
REBOUÇAS, Helena Pires. Mutuípe, Pioneiros e Descendentes. Salvador, BA: Ed. Universitária Americana,
1992. p.19-20.
32
segunda, quarta e sexta-feira e de lá voltava nos dias de terça, quinta e sábado, ao sabor da
maré de enchente, deixando os viajantes à espera, hospedados nos hotéis de Nazaré.28
É compreensível que os povoados e cidades contemplados pelas estações da EFN,
principalmente nas três primeiras décadas do século XX, apresentaram-se como local propício
ao passeio, ao namoro, ao fluxo de pessoas, ao trabalho — dos vendedores de mingau de
milho, rolete de cana, bolachinha de goma, amendoim, banana seca, ramalhetes de angélicas e
frutas. Enfim, além do comércio, a passagem do trem também era diversão e trazia
informação. Ao relatar a forma como as notícias chegavam à cidade de Mutuípe, Rebouças
destaca:
Os jornais e revistas de Salvador chegavam com regularidade a Mutuípe,
comercializados pelos Srs. Mário e Pedro Mansur, que viajava de Nazaré a Jequié,
vendendo: Vida Doméstica, O Cruzeiro, Noite Ilustrada, Almanaque do Tico Tico, Eu
Sei Tudo, A Tarde, O Imparcial, Diário de Notícias, Folha do Roceiro (jornalzinho
chistoso, crítico e que usava um linguajar sertanejo), O Paládio de Antônio Mendes
de Araujo (Santo Antônio de Jesus, Jornal de Modinhas e outros. Eram sempre bemvindos, pois constituíam uma distração, vindo a isso atrelado o interesse de estar
presente à passagem do trem para um namorico rápido com alguma passageira,
juntando-se à massa de queimadeiros, doceiros, vendedores de frutas que
apressadamente mercadejavam: ―Olha o mingau de milho‖. Olha o amendoim!‖
―Banana seca, quem vai querer?‖.29
Em As estradas da esperança pode-se identificar a feira, o comércio, o cotidiano da
ferrovia e a utilidade do trem, quando em sua narrativa, Santa Inez se refere à estação de
Varzedo, explicando que a meninada vendia cajus, rolete de cana, bolinhos, laranjas, numa
repetição do que vinha acontecendo nas outras cidades. ―Gente entrando e saindo, gente
embarcando, a estaçãozinha movimentada. O trem era a vida. Era a certeza de que o mundo
estava alí, ao alcance da mão‖ (AEE, p.70). Portanto, antes da chegada do automóvel nas
cidades servidas pela EFN, o trem representava o ―progresso e a modernidade‖, porque o
jornal, a revista, a notícia, a novidade, a doença (a epidemia de varíola que houve no Distrito
de Mutum, em 1917), os produtos comercializados, tudo isso chegava e saía na Maria fumaça,
ou estava associado aos trilhos.
Na obra Colégio Taylor Egídio: 100 anos, Daria Gláucia Vaz de Andrade relata que o
trem era a grande via de comunicação das ―matas do Sertão de Baixo‖ (o Vale do Jequiriçá),
28
29
Ibidem, p. 20.
REBOUÇAS, 1992, p. 21.
33
tanto para efeito de correspondência, jornais, revistas, livros, catálogos, como para as idas e
vindas do povo. Segundo essa autora, em 1922, quando o Colégio Taylor Egídio foi
implantado em Jaguaquara, havia o trem para levar e trazer alunos, parentes e mais os
missionários de outras terras que buscavam a casa de estudo como um referencial de cultura,
informação e, sobretudo um celeiro de futuros intelectuais.30 É válido lembrar que Santa Inez
também estudou neste colégio e usava este meio de transporte. Talvez, isso o tenha
influenciado ao caracterizar a EFN de As estradas da esperança.
Andrade, referindo-se à importância do trem — ―A civilização sobre os trilhos‖, citou
Izaías Alves para informar que a chegada da estrada de ferro teria propiciado um grande
impulso. Desde a Monarquia, a locomotiva teria despertado o povo. A autora enfatizou um
discurso progressista relacionado à ferrovia, explicando que a velha Maria Fumaça invadia o
sertão e cortava as serranias e os vales, como um clarim de progresso e esperança. E
acrescentou:
Pode a engenharia do som, pelos seus sofisticados instrumentos, reproduzir o
resfolegar da máquina, o chiar das rodas sobre os trilhos e o silvo do trem, para as
gerações que não o conheceram, tal qual era até a explosão das ―quatro rodas‖ dos
caminhões, ônibus e carros. Mas dentro da nossa lembrança viverá a imagem e o
som da locomotiva operando a tração dos vagões de cargas ou de passageiros,
dobrando a curva para chegar ou para partir, num repetido adeus. 31
Em Uma história... Jaguaquara com outras histórias, Lígio Ribeiro Farias informa
que em 1913, a EFN chegou ao povoado de ―Toca da Onça‖ e foi fator de grande
desenvolvimento para o comércio e a agricultura.32 Ítalo Rabêlo do Amaral destaca que no
projeto original de construção da estrada, os trilhos passariam fora deste povoado, mas, por
influência do Coronel Guilherme Silva, o trajeto foi alterado, e a estação foi construída na
sede da antiga fazenda, a referida ―Toca da Onça‖, que em 1921, já era a próspera cidade de
Jaguaquara, tendo seu território desmembrado do município de Areia, atual Ubaíra.33
Em Capítulos da história de Jequié, Emerson Pinto de Araujo relata que até a primeira
metade do século XIX, o comércio entre a capital e o interior do estado era feito em lombo de
burro. Diariamente, chegavam a Nazaré e a Aratuípe tropas e mais tropas, trazendo café,
cacau, farinha, açúcar, cereais e outros gêneros que, depois de descarregados, seguiam para
Salvador em saveiros e barcos de maior porte. Em troca, as tropas retornavam conduzindo
30
ANDRADE, Daria Gláucia Vaz de. Colégio Taylor Egídio: 100 anos (org.). Ed. Eletrônica, 1998, p. 32.
ANDRADE, 1998, p. 31.
32
FARIAS, Lígio Ribeiro. Uma história... Jaguaquara com outras histórias. Santo Antônio de Jesus, BA: União
Artes Gráfica Editora LTDA, 2005, p. 17.
33
AMARAL, Ítalo Rabêlo do. Jaguaquara: Dados Históricos; Intendentes e Prefeitos. Salvador, Bahia, 2008, p.
18.
31
34
produtos industrializados, muitos dos quais importados da Europa. Segundo Araújo, do alto
sertão chegavam boiadas para o abate, utilizando as estradas reais, também conhecidas como
―estradas muladeiras e estradas boiadeiras‖. ―Durante o inverno, as vias de acesso ficavam
intransitáveis, motivo por que comerciantes, políticos, administradores e proprietários rurais
idealizaram uma via férrea, partindo de Nazaré‖.34
Anterior à ferrovia, de Jequié a Nazaré, demorava-se de 12 a 16 dias para se fazer o
transportes dos produtos, em lombos de animais, percurso que o trem fazia em 12 horas,
levando consigo uma quantidade bem maior de produtos e passageiros.
A EFN tem origem em 1871, para servir o município de Nazaré e, em 1877, uma lei
provincial efetivou a concessão para ser realizado o prolongamento da linha até Santo
Antônio de Jesus.35 Essa estrada não foi construída imediatamente. Alcança a cidade de
Jequié, em 1927. Partia do porto fluvial no rio Jaguaripe, na borda Sul do Recôncavo, e
dirigia-se para o Sudoeste da Bahia, atravessando o vale do rio Jequirçá e atingindo o meio
curso do rio de Contas, numa extensão de 290 Km. A ferrovia ligava o litoral ao sertão,
conectando viação férrea e fluvial, o interior do estado à capital, com o objetivo de explorar a
riqueza da região.
O prolongamento da EFN até Jequié estava sempre ligado às possibilidades
econômicas da região. O café produzido nos vales dos rios Jaguaripe e Jequiriçá era a
principal riqueza agrícola, sendo considerado de excelente qualidade. O cultivo deste produto
estendia-se por toda zona do chamado ―Baixo Sudoeste da Bahia‖ (hoje, denominado de Vale
do Jequiriçá) e constituiu o interesse central para a construção e ampliação da ferrovia.
Porém, se por um lado, o café influencia na construção da estrada, por outro, esta
também amplia o cultivo dos cafezais na região. Entretanto, vale destacar outros produtos
transportados pela ferrovia, como o fumo, a farinha de mandioca, o cacau, a mamona, a
banana, o sisal e outros de menor importância.
Na obra As estradas da esperança, Santa Inez menciona alguns produtos agrícolas,
quando o trem passava pelas estações de algumas cidades: licuri e umbu, em Santa Inês;
farinha e cacau, em Mutuípe; e alambiques de cachaça, em Laje, São Miguel das Matas e
Santo Antônio de Jesus. Alguns desses produtos eram de consumo local e outros seguiam até
Nazaré, Salvador, e, de lá, para o mundo – o café e o fumo, por exemplo.
Na Bahia e no Brasil, no final do século XIX e na primeira metade do XX, a ferrovia
servia para transportar os produtos agrícolas, passageiros e fazer a conexão entre as cidades.
34
35
ARAÚJO, Émerson Pinto de. Capítulos da História de Jequié. Salvador: EGB Editora, 1997. p.180.
SIMÕES, 1970, p. 25.
35
No início da obra Traços de Ontem, Joanita da Cunha Santos relata aspectos de sua memória
acerca da viagem de trem de Alagoinhas para Salvador:
[...] O trem cantava a única música que ele sabia: café com pão... café com pão... e
se enroscava acompanhando as nascentes dos morros, atravessando túneis,
pontilhões, sempre rangendo sobre os trilhos. Os rolos de fumaça e fuligem,
arremetidos pelo vento, entravam às vezes pelas janelas, sujando a roupa e
incomodando a vista.
Já havia passado por várias estações. Em cada uma delas aparecia algo diferente
para comer ou beber. Em Mata de São João, vendia-se um delicioso mingau de
tapioca; mas tão quente... tão quente, quando se conseguia começar a beber
(soprando) o trem dava sinal de partida. Entregava-se, às pressas, o contingente e
grande parte do conteúdo.36
Além de elogiar o mingau de tapioca, consumido nas paradas do trem nas estações, a
autora informa que os trens de carga saíam superlotados de engradados de laranjas, que
seriam exportados para a Inglaterra. Porém, na Capital, teriam de concorrer com as afamadas
e tradicionais laranjas do Cabula. Em relação à distância da viagem (Alagoinhas a Salvador),
ela informa que era de 125 km de ferrovia e os alagoinhenses viajavam para a capital para
resolver negócios, fazer compras, ou mesmo para assistir aos filmes em que apareciam
estrelas famosas, como Greta Garbo, Marlene Dietrich e outras em voga na época.37
A memória de Joanita Cunha sobre ferrovia na Bahia permite perceber uma classe
social diferente da representada por Nelson Gallo, no romance O pecado viaja de trem. Ao
relatar a história das personagens Detinha, Julinda e Edna, esse autor destacou que eram
mocinhas pobres, semi-analfabetas, com idade entre os 17 e 20 anos. Elas deixaram suas
famílias no interior do estado e de trem chegaram à capital, Salvador, na luta pela
sobrevivência. Segundo o romancista, essas jovens trabalhavam como garçonetes ou
domésticas, na Baixa dos Sapateiros, nos cafés da cidade e muitas vezes, se sentiam
pressionadas, seduzidas por homens casados e/ou solteiros; pelo próprio patrão que lhes
davam presentes ou algum dinheiro em troca de sexo.
Ao narrar sobre a morte da personagem Julinda, Gallo contou que quando ela acabara
de chegar a Salvador — a ―Bahia‖ —, uma bala perdida cortou-lhe para sempre, num
segundo, o fino fio da existência. O corpo moreno e bonito ficou metade dentro do ―Café
Noite e Dia‖, metade nas pedras irregulares da rua suja e fedorenta. A morte colheu-a quando
se levantara da mesa onde pela última vez fizera uma refeição: média de café com pão duro e
amargo e uma longínqua presença de manteiga. O autor descreveu que de sua boca e do seu
36
37
SANTOS, Joanita da Cunha. Traços de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros Editores, 1987. p.18
SANTOS, 1987, p. 23-30.
36
peito-esquerdo, beijados e mordidos por um freguês qualquer, uma hora antes da morte, o
sangue corria, grosso e escuro, formando duas pequeninas lagoas rubras: uma junto à cabeça,
a outra nas pedras toscas da rua:
Julinda tinha apenas dezessete anos!
Havia somente três dias que desembarcaram de um trem na estação de calçada e
nem sequer vira a cidade. Não fora à igreja do Bonfim, conforme era seu desejo,
nem contemplara, maravilhada, as praias da Barra, Amaralina e Itapoâ. Sempre
desejara ver o mar e até isso lhe foi negado. Morreu sem conhecer a burguesa Rua
Chile e a proletária Baixa dos Sapateiros. Sem ter o efêmero prazer de adquirir na
grande cidade um vidro barato de perfume, uma caixa de pó-de-arroz ou mesmo um
sabonete. Chegou e morreu à noite, não viu senão a noite e aquela rua nauseante.38
O romance de Nelson Gallo permite, a partir de suas personagens, interpretar
informações acerca da vida cotidiana de mulheres e homens que chegavam ou viviam em
Salvador, na primeira metade do século XX: comerciantes, vendedores ambulantes,
telegrafista, estudantes, médico, delegado, trabalhadores diversos, enfim, a prostituição como
uma alternativa de emprego e o destaque para o trem como o principal meio de transporte.
O processo de implantação das ferrovias no Nordeste e no Brasil era resultado da
organização de grupos capitalistas, tanto nacionais, como estrangeiros, atraídos pelas
concessões de juros do governo provincial e imperial. Francisco Antônio Zorzo, referindo-se
à implantação das ferrovias na Bahia, afirma que ―o governo central e o provincial eram os
maiores fiadores dos empreendimentos e garantiam altos juros (de 6 a 12% ao ano) sobre o
capital ingressado nas ferrovias‖.39
As construções de linhas férreas na Bahia tiveram altos custos e as companhias
(fossem elas, nacionais e/ou estrangeiras) ―premiadas‖ com a garantia de juros, para
realização da obra, caso não tivesse sucesso, a concessão era repassada a outra companhia.
Com isso, algumas estradas demoravam décadas para alcançar o destino projetado. Isso
aconteceu com a Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, que após ser concedida a
permissão à Junta da Lavoura e outros proprietários, teve a concessão transferida para Bahia
and San Francisco Railway Company, com capital de 16. 000: 000 $ 000, instalada em
Londres. A estrada atingiu a localidade de Alagoinhas em 13 de fevereiro de 1863. Em 1871,
foi autorizada a continuação, chegando a Senhor do Bonfim, em 1877 e, a Juazeiro em 1895,
totalizando 578 km. Esta companhia foi resgatada pelo governo federal em 1901, composta
pelos ramais de Salvador (então ―Bahia‖) à Alagoinhas; de Alagoinhas a Juazeiro; de Água
38
39
GALLO, Nelson. O pecado viaja de trem. São Paulo: O livreiro LTDA, 1960, p. 20.
ZORZO, 2001, p. 78.
37
Comprida a Buranhen (E. F. Centro Oeste); de Bonfim a França e Sub-Ramal Campo
Formoso.40
Mais uma estrada de ferro construída no estado. Trata-se da Central da Bahia, a
segunda da província, chamada inicialmente de Paraguassu Steam Tram Road Company
(1865) e Brazilian Imperial Central Bahia Railway Company (1875). Esta partia de São Felix,
no Recôncavo, para a Chapada Diamantina e daí para o Sul do estado e para Minas. Na
década de 1920, esta estrada fez a conexão de Salvador com Santo Amaro e Cachoeira,
transportando produtos, como açúcar, fumo, café e gado. Esta ferrovia foi efetivamente
integradora, ligando o Recôncavo com o alto sertão, transportando produtos agropecuários e
minerais. ―Entre 1876 e 1888, a empresa registrou vários anos superavitários comprovando a
validade econômica de sua construção‖.41
No cenário histórico das ferrovias na Bahia, talvez fosse possível apresentar a Estrada
de Ferro de Santo Amaro como a ferrovia do açúcar, por este ser o principal produto
transportado. Porém, a estrada teria um sabor amargo, logo na fase inicial de construção, com
problemas técnicos e terrenos sem estabilidade, causando muitas despesas para o governo
provincial — altos investimentos financeiros e a não obtenção de lucros proporcionais.42
Ao se referir à Estrada de Ferro de Santo Amaro, Cássia Carletto considera que ―foi
uma obra bastante onerosa para os cofres públicos, principalmente se considerarmos o regime
de déficit que caracterizou a maior parte de sua atuação‖.43 Esta estrada foi iniciada em 1875,
localizada no Recôncavo, partindo de Santo Amaro para Bom Jardim (Teodoro Sampaio),
totalizando 40,9 km de extensão.
A Estrada de Ferro de Bahia e Minas foi construída em 1881 e teve o incentivo das
duas províncias. Ficava localizada no Extremo Sul da Bahia, partindo de Caravelas (Ponta de
Areia) para Aimorés e daí até Araçuaí, em Minas Gerais. Os principais produtos transportados
por esta ferrovia eram o cacau, café e cereais.
Outra ferrovia construída no estado foi a Centro Oeste da Bahia, que ligava o Nordeste
baiano ao Estado de Sergipe. Em 14 de julho de 1884, teve início a construção do trecho de
Alagoinhas a Timbó e posteriormente, em 06 de abril de 1908, de Timbó a Propriá (Estado de
Sergipe). Esta ferrovia transportava produtos como fumo, cereais e pecuárias suína.
A última estrada a ser citada neste estudo pode ser denominada ferrovia do cacau.
Obra iniciada em 12 de janeiro de 1904, localizada no Centro Sul da Bahia, partia
40
SIMÕES, 1970, p. 23-24.
ZORZO, 2001, p. 80-81.
42
Ver SIMÕES, 1970, p. 25.
43
CARLETTO, 1979, p. 33.
41
38
inicialmente de Ilhéus a Itabuna, com derivações para Aurelino Leal e Itajuípe. A ferrovia
Ilhéus a Conquista tinha, aproximadamente, 82 km de extensão, excluindo os desvios. Não
alcançou o seu destino final (Vitória da Conquista), passando a ser chamada apenas de
Estrada de Ferro de Ilhéus, a partir de 1950. Esta ferrovia foi construída para transportar,
especialmente, o cacau produzido nesta região.
De forma sintética tentou-se apresentar o panorama histórico das ferrovias na Bahia,
notando-se que estas eram exploradas por companhias concessionárias (nacionais e
estrangeiras, em sua maioria de inglesas), ou pelo regime de arrendamento. O trem partia,
quase sempre do litoral, em busca do sertão, mas a maioria não penetrou profundamente as
áreas sertanejas, com exceção da Estrada de Ferro do São Francisco e a Central da Bahia.
Verificou-se também que as linhas férreas da Bahia nem sempre alcançavam os objetivos
projetados. Algumas pararam no meio do caminho, outras tiveram seu traçado modificado e
no período da República foram encampadas pelo governo federal e arrendadas. Notou-se
também a falta de interligação das estradas, de recursos financeiros para ampliar as
construções, ausência de manutenção, repasse dos contratos de arrendamentos e das
concessões de garantias e juros, falência de companhias e criação de novos grupos
capitalistas.
No final do século XIX e início do XX, em quase todo o território brasileiro, o trem
era o principal meio de transporte. Algumas ferrovias nasceram e viveram mais tempo, outras
se tornaram patrimônio histórico e cultural; algumas morreram em fase de construção, outras
eram mais rentáveis para sua região; algumas viraram atrações turísticas e muitas nem saíram
do projeto. No Brasil, o tempo do trem já passou. Porém, em algumas cidades do país ainda
restam os traços da história, embutidos nas construções do século XIX, nas estações, restos de
trilhos e trens, na memória das pessoas mais velhas, enfim, na literatura sobre este meio de
transporte.
Na obra Mad Maria, Souza informa que a estrada de ferro Madeira – Mamoré foi
inaugurada em 07 de setembro de 1912. Neste mesmo ano, a borracha da Amazônia tinha
perdido o monopólio internacional para as plantações inglesas na Ásia e aparentemente, a
ferrovia começava a deixar de fazer sentido. Em 1916, o governo brasileiro pagou ao grupo
Farquhar a importância de 62.194: 374 $ 366, embora os empreiteiros exigissem um total de
100.223: 281 $ 372. Em 1966, por decisão do Ministro dos Transportes, Juarez Távora, a
linha férrea foi desativada e vendida como sucata a um empresário paulista.44
44
SOUZA, 5ª Ed., 2005, p. 455 – 456.
39
Se Mad Maria é um romance histórico que tenta reconstruir a história da construção
da estrada de ferro Madeira – Mamoré, As estradas da esperança é um registro
memorialístico da EFN. No capítulo 16, o narrador conta que o trem havia passado por Areia,
Jenipapo, Volta do Rio e Santa Inês e, antes de chegar a Lagoa Queimada, houve um acidente.
As rochas saíram dos trilhos, afundaram na terra e as pranchas do fim despejaram a carga
humana nos espinhos dos cactos que margeavam a ferrovia. Alguns passageiros se assustaram
e a maioria gritou ironicamente: ―Chegou! Chegou! Chegou em Jequié!‖. Era apenas um
anúncio falso e a pressa com que desejavam que aquele dia não existisse; uma forma de
disfarçar o incômodo causado pelo sol e o calor. ―Lá do alto o sol espiava aqueles homens,
sedentos, suados, caminhando para a lagoa lodosa, que se alongava pela margem da ferrovia
(AEE, p. 24).
A narrativa referente ao acidente permite saber que o trem deslocava-se de Nazaré
para Jequié e aproxima fato e ficção, porque em 1960, a EFN já funcionava em condição
precária, necessitando da substituição dos dormentes, que deslizavam sobre o leito,
provocando descarrilamentos, nos trechos mais antigos da estrada. Segundo Zorzo, os
problemas operacionais nas vias, estações e nos veículos eram muitos, ―com grandes danos
nos equipamentos e enormes indenizações pelas perdas de mercadorias e vidas de passageiros,
que chegavam, na década de 1950, à ordem de um milhão de cruzeiros em cada caso‖.45
Outro problema da EFN eram os trilhos fraturados em trechos antigos, os TR 20 (de
20 kg/m), que não haviam sido substituídos pelos TR 32 (de 32 kg/m). O acidente narrado na
obra As estradas da esperança pode ter ocorrido porque os trilhos TR 20, usados no trecho
entre as cidades de Santa Inês e Jaguaquara eram ainda os originalmente instalados nas obras
de 1912 a 1914 e estavam desgastados nos boletos e corroídos nos patins, além de mostrarem
pontas deformadas.46
O discurso ficcional não apresenta a data do acidente, porque a memória oscila no
tempo. Porém, o narrador descreve o trecho da estrada (passou Areia, Jenipapo, Volta do Rio
e Santa Inês e antes de chegar a Lagoa Queimada, houve um acidente) e a forma como
aconteceu (As rochas saíram dos trilhos, afundaram na terra e as pranchas do fim despejaram
a carga humana nos espinhos dos cactos que margeavam a ferrovia). Mesmo com algumas
evidências das outras fontes, o romance não possibilita afirmar o acontecimento do referido
acidente, mas indica o cotidiano e a região percorrida pelo trem de Nazaré.
45
ZORZO, 2001, p. 242.
Ibidem, 2001, p. 242. Esse autor faz tais afirmações baseando-se no Plano de Reequipamento da EFN, emitido
pela CPE – Comissão de Planejamento Econômico de 1958, que informa a ocorrência de 45 fraturas ao longo da
linha, em 1951 e 300 no ano de 1956. Nota 8, p. 246.
46
40
3 A REGIÃO PERCORRIDA PELO TREM DE NAZARÉ E O
COTIDIANO DOS PASSAGEIROS
O conceito de região pode ser associado aos fatores físicos, sociais, culturais e
econômicos, bem como aos elementos naturais, como o clima, o relevo, o solo, a vegetação e
a hidrografia.47 O rio Jequiriçá é uma das referências que caracterizam parte da região
percorrida pelo trem — o Vale do Jequiriçá. Neste sentido, o trem de Nazaré percorria uma
região ou micro-regiões mista, composta por áreas de matas, abundância e escassez de água,
plantações agrícolas variadas (o café, o cacau, a mandioca, o fumo, o sisal e cereais) e ligava
o litoral ao sertão. Entretanto, será feito o caminho inverso (do sertão para o litoral), seguindo
a narrativa de Santa Inez que ―viaja‖ pelos trilhos da EFN (de Jequié para Nazaré).
Neste capítulo, as personagens envolvidas na representação da região e do cotidiano
são: Alípio, que se desloca de Jequié para Mutuípe; Rosa, residente em Jequié; o sanfoneiro
Patrocínio e o aleijado, que entram no trem na estação de Baixão — o primeiro vai até
Nazaré, enquanto o segundo fica em Santo Antônio de Jesus; os dois soldados e o louco, que
se deslocam de Jaguaquara para Rio Fundo, com o objetivo de encontrar o curador Zé Felício;
o coronel Astério, sua esposa Dona Caró e a filha Lininha, localizados na estação de Itaquara,
que vão até Nazaré e daí, de navio para Salvador; o fiscal do trem que aparece na narrativa na
estação da cidade de Santa Inês; o coronel Marcionílio, específico da cidade de Ubaíra; o
Governador do Estado, o prefeito e o noivo, localizados, especificamente, na estação de Barra
do Jaguaritu e um velho que dialoga com o aleijado, quando o trem passa pela estação de
Mutuípe.
47
Ver NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio (um estudo de
história regional e local). Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS, 2008, p. 25 – 30; AMADO, Janaína.
História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marcos A. República em Migalhas: história
regional e local. São Paulo: Editora Marco Zero: Anpuh, 1990. p. 8; SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e
História. Questão de Método. In: SILVA, Marcos A. op. Cit., p. 20. Neste estudo, o conceito de região está
relacionado com o espaço geográfico e ao trem, um espaço móvel. Porém, a noção de espacialidade foi se
alargando com o desenvolvimento da historiografia do século XX: do espaço físico ao espaço social, político e
imaginário, e daí até a noção do espaço como ―campo de forças‖ que pode inclusive reger a compreensão das
práticas discursivas. Consultar BARROS, José D’Assunção. História, região e espacialidade. Revista de História
Regional 10(1): 95-129, Verão, 2005.
41
3.1 Jequié (“Cidade Sol”): fim de linha da Estrada de Ferro Nazaré
As estradas da esperança nos permite identificar algumas características da cidade de
Jequié (noites quentes, caatingas, morros pelados, desertos de velame branco e gravatá) e a
região nos aspectos cultural, geofísico, econômico e social. Quando Santa Inez, no capítulo
13, apresenta As riquezas do licuri, ele revela conhecimento com o tipo de trabalho
empregado para fazer ―rapadura‖ e descreve o cotidiano da personagem Alípio.
O narrador conta que Alípio tinha uma vida miserável, pois acordava ainda no escuro
da madrugada e ia — cada vez mais longe — derrubar as palmas dos licurizeiros, que eram
trazidas como um imenso buquê verde, amarrados ao gancho, na cancalha do burro Curió. E
daquelas folhas retiravam a cera — homens, mulheres e crianças de faquinha à mão, raspando
o dorso de cada folha — pó branco e leve que era, depois, derretido, e formava ―rapaduras‖.
―Depois, Alípio foi aprendendo. Levava uma escada, usava uma foice de cabo longo para
derrubar as folhas e, finalmente, descobriu que era mais prático levar as mulheres e crianças,
armar um rancho, no mato, e trazer apenas as rapaduras de cera‖ (AEE, p. 22).
O romance As estradas da esperança representa Jequié como a cidade do calor, mas
este discurso vem de tempos anteriores, desde a emancipação política e pode ser constatado
na letra do hino do município:
Jequié cidade sol, cidade sol é Jequié...
De morros circundada
Um sol ardente, Rio das contas, um lençol de prata
Cantando endechas pelo sol poente e às noites de luar em serenata
Datas idas, um moço inconfidente ficou na terra brava, em plena mata
Um marco que redoura o teu presente sob um facho de luz que se desata
Refrão:
Jequié cidade sol, cidade sol é Jequié...
A heráldica do teu fidalgo porte
Força em teu povo a sagração viril
Que empolga as caminhadas do teu norte
Que o teu futuro envolva em glórias mil
Para que invejando a tua sorte me abisme
Nas grandezas do Brasil 48
48
Hino Oficial do município, letra de Wilson Novais e Música: Maestro Alcyvando Luz. In:
www.jequie.ba.gov.br. Consultado em 19 de jul. de 2010.
42
A cidade de Jequié está situada na região Sudoeste do Estado da Bahia e localizada a
360 km da capital Salvador. O nome originou-se da palavra Jaquieh, que na língua dos índios
Tapuias significava ―onça‖, por influência da grande quantidade do felino na região. A
alegoria da emancipação política é representada por esse animal.
Algumas tribos tapuias, cotoxós e mongóis assimilavam elementos culturais do
vocábulo tupi, dai admite-se uma associação das raízes do nome Jequié à palavra Jequi, cesto
de apanhar peixe.
O historiador Emerson Pinto de Araujo considera que a cidade é originada da sesmaria
do capitão-mor João Gonçalves da Costa, que sediava a Fazenda Borda da Mata. Esta foi
vendida a José de Sá Bittencourt, refugiado na Bahia após o fracasso da Inconfidência
Mineira.49 Com sua morte, em 8 de Março de 1832, a fazenda foi dividida entre os herdeiros
em vários lotes (em onze propriedades). Um deles foi chamado Jequié e Barra de Jequié, que
se tornou distrito de Maracás, ao qual pertenceu de 1860 a 1897, e dele se desmembrou, tendo
como primeiro intendente Urbano de Souza Brito Gondim. O município se desenvolveu a
partir de movimentada feira que atraía comerciantes de todo território do Médio Rio das
Contas, do Baixo Sul, Vale do Jequiriçá e Vitória da Conquista, no final do Século XIX e
início do XX.50
49
José de Sá Bittencourt é homenageado na letra do Hino do Município ―um moço inconfidente ficou na terra
brava, em plena mata‖.
50
Consultar ARAÚJO, Émerson Pinto de. A Nova História de Jequié. Salvador: EGB Editora, 1997. p. 75 – 152.
Este livro é uma versão revisada e ampliada do anterior: Capítulos da História de Jequié. Salvador: EGB
Editora, 1997. 262 p.
43
Pelo curso navegável do Rio das Contas, pequenas embarcações desciam
transportando hortifrutigranjeiros e outros produtos de subsistência. No povoado, os mascates
iam de porta em porta vendendo toalhas, rendas, tecidos e outros artigos trazidos de cidades
maiores. Tropeiros chegavam à cidade de Jequié carregando seus produtos em lombo de
burro. A feira livre do distrito ganhou mais organização, a partir de 1885, com a iniciativa de
alguns comerciantes e líderes da comunidade italiana, que compravam todo o excedente dos
canoeiros e de outros produtores.
Em 13 de junho de 1910, Jequié foi elevada à condição de cidade, tornando-se um
importante ponto comercial na região, abastecendo o Sudeste do Estado e a bacia do Rio das
Contas. Com a enchente de 1914, a feira e o comércio passaram a se desenvolver em direção
às partes mais altas. A chegada da EFN, em 1927 contou com a presença do governador Góes
Calmon, sua comitiva e outras personalidades de destaque. Escolas desfilaram ao lado das
filarmônicas local e de Nazaré, calculando-se que dos 13 mil habitantes da cidade, 8 mil se
acotovelaram na Praça da Estação. Houve discursos eloqüentes, tendo a firma Grillo Lamberti
& Cia. oferecido um lauto banquete às autoridades.51
Em As estradas da esperança foi possível notar aspectos históricos importantes sobre
o cotidiano de pessoas simples; nomes de bairros; uma memória do autor sobre as condições
de moradia na cidade de Jequié, referente à época e posterior à ferrovia; as transformações
sócio-econômicas e a importância do trem. O narrador conta que as pessoas pareciam
fantasmas na escuridão das ruas, porque a iluminação elétrica era muito ruim e as lâmpadas,
esparsas, pareciam brasas. Água, luz, calçamento, tudo era precário.
As ruas da periferia apresentavam enormes valetas, erosão no barro vermelho do que
seria a calçada. A Rua Rio de Contas, a Gameleira, a Ladeira do 29, mesmo o
Maracujá, de tantos pecados, tudo era sujo, pobre e esburacado.
E nem se precisa falar na pobreza do Barro Preto, da Caixinha das Almas, do
Mandacaru. Mas havia o trem. Jequié era porta do sertão. Era e é. Hoje, bonita e
cuidada, asfaltada e limpa, já não se lembra a falta de água e de luz, mas ainda
guarda algumas palhoças, nas pontas de ruas distantes, onde se dançava o ―pó de
palha‖ e de onde vinham os moleques esfarrapados que, por um níquel, guardavam o
lugar no trem para os passageiros importantes que se levantavam na madrugada (A.
E. E, p. 21-22).
Nesta tentativa de caracterizar a região, Jequié é o fim de linha da EFN e Alípio fugirá
das noites quentes desta cidade para onde o trem lhe levar, pois, ―tirar a filha dos outros de
casa‖, ou seja, engravidá-la antes do matrimônio, seria motivo de morte ou casamento
51
Consultar ARAÚJO, 1997. p.182 - 183.
44
obrigatório, por desonrar os valores familiares de uma época. O narrador conta que foi no
cansaço do trabalho, nas distâncias dos descampados, nas noites quentes da caatinga que
Alípio adormeceu nos braços de Rosa e gerou um filho. Porém, Rosa era ainda muito jovem,
seu pai era muito valente e Alípio não queria, ainda, casar-se com Rosa nem com ninguém. E
para não morrer ou não matar, achou que o melhor era fugir. ―Um homem vive em qualquer
parte. Seu pensamento estava todo voltado para o drama que iria acontecer naquele dia,
enquanto ele estivesse fugindo...‖ (AEE, p. 23).
A narrativa de Santa Inez, além de nos apresentar o calor de Jequié, nos informa
também, que Rosa escondia a barriga porque seu pai, certamente lhe daria uma surra ou a
colocaria para fora de casa. Alípio, em sua primeira viagem de trem, fugindo como um
medroso, sentido Jequié a Nazaré, chegava à estação de Baixão, um pobre lugarejo com
algumas casas, uma estaçãozinha, duas ou três pessoas, empregadas da ferrovia e apenas
alguns passageiros.
A representação da região e do cotidiano sobressai quando o romancista conta que o
canto do galo era referência para marcar o início do dia; quando fala da relação de amizade,
respeito e condição social das personagens, para não quebrar a regra do silêncio no interior do
trem, em horários determinados; quando se refere aos produtos que eram comprados e
vendidos e ao movimento de pessoas na localidade. Foi nesta estação que entrou um
passageiro e sentou-se bem próximo de Alípio, desenvolvendo o seguinte diálogo:
— Boa noite. Ou é bom dia, nem sei.
Alípio respondeu ―boa noite‖ e o aleijado falou alto:
— Bom dia. É bom dia. Depois que o galo canta já é bom dia.
— Se é bom dia a gente já pode se divertir.
Dizendo esta frase meio descabida, o homem retirou, de um saco, uma sanfona de
duplo teclado e, sem cerimônia, começou a tocar.
O dia clareava, rapidamente, enquanto o sanfoneiro, risonho, orgulhoso da sua
habilidade, tornava-se o centro de atenção. Alguém gritou-lhe:
— Aí Patrocínio.
O sanfoneiro ergueu os olhos, interrompeu a música, levantou-se e foi abraçar o
amigo, numa efusão exagerada, influência da viagem.
— Eu sabia que era você, compadre. Quanto tempo heim! Família vai bem?
— Todos bem, graças a Deus. Mas toca, que o pessoal está esperando. Toca uma
mazurca.
Patrocínio voltou a tocar. O trem subia, aos poucos, para o friozinho da serra.
Caatingas estaria logo ali. Onde, das janelas, se poderia comprar cuscuz de tapioca,
café com leite... Era o café da manhã. Em cinco minutos (AEE, p. 29 - 30).
No período de existência da EFN, saindo de Jequié, o trem passava pelo lugarejo
chamado Baixão, depois Caatingas (atual entrocamento de Jaguaquara) e, 10 km mais adiante,
a cidade de Jaguaquara. Percorria todo o Vale do Jequiriçá até alcançar o Recôncavo Sul
45
Baiano. Agora, entre o conhecimento sobre o plantio da mandioca, a personagem do Aleijado
e do sanfoneiro Patrocínio e descrição de vales e serras, planícies e montanhas, casas
humildes, o comércio, enfim, o cotidiano dos passageiros, o narrador nos informa sobre o café
da manhã. Assim que o trem parava numa estação e os passageiros colocavam os rostos nas
janelas, crianças, homens e mulheres, corriam, se agitavam do lado de fora, com seus
tabuleiros de comida, oferecendo requeijão, banana cozida e frita, mingau, arroz doce e café
com leite. Além dos alimentos consumidos, obtém-se conhecimento, também, das pssoas que
viajavam no trem de Nazaré. Na primeira classe, gente bem vestida, fazendeiros de guarda-pó
branco e boina escura, para se protegerem da poeira, enquanto na segunda, gente mais
humilde enfrentava a sujeira que o pó brilhante de malacacheta, jogava para dentro dos
vagões, endurecendo os cabelos oleados de brilhantina e irritando os olhos, muitos deles já
chorosos das despedidas. ―Alípio recostou-se, fechando os olhos, ouviu o apito do chefe da
estação, o apito do trem, o barulho das rodas iniciando o movimento leve, mais rápido, mais
rápido, subindo para Jaguaquara. E para o mundo‖ (AEE, p. 31).
O narrador de As estradas da esperança nos fala também sobre o trem de passageiros,
conhecido como o ―horário‖, das dificuldades em encontrar água no povoado de Lagoa
Queimada, da preocupação e saudade de Alípio por ter abandonado Rosa e da surra que esta
levara quando seu pai descobriu a gravidez. A personagem Rosa, além de ser abandonada,
perdeu o apoio da família e restava apenas a alternativa de alugar uma casa na Rua do
Maracujá (Jequié), para criar o seu filho, pois o amor de Alípio havia desaparecido. ―E
quando todos o diziam um canalha, ela, no íntimo, o defendia. Fugira, abandonara-a,
desprezara-a, mas ainda era o seu homem. Seu sentimento era confuso. Nem sabia o que
pensar. Mas ainda o amava‖ (AEE, p. 35).
Alternando informações do cotidiano com histórias relacionadas a temas variados
(relações familiares, informações sobre o colégio Taylor Egídio, diálogos do aleijado com
Alípio, o barulho do trem, o som da sanfona de Patrocínio, loucura, sabedoria, política,
religião, fé), o narrador apresenta a estação da cidade de Jaguaquara. Nesta, nota-se que o
movimento de pessoas era maior que na anterior, porque o maquinista olhou para trás e viu
que dezenas de pessoas se acotovelavam, corriam, abraçavam-se e se despediam. Uns
chegavam, outros partiam. Um grupo de estudantes entrou correndo, desceu pela outra porta,
cumprimentou alguém conhecido e reuniu-se ao grupinho fardado de cáqui, cabelo aparado,
falando alto, gesticulando. Foi aí, então, que entraram os dois soldados e o louco. Porém,
mesmo com a presença das autoridades, as pessoas se sentiram amedrontadas ao viajar junto
com um louco, que se dizia prefeito de Jaguaquara e mandava prender e matar quem ele
46
quisesse. Com base neste diálogo, subentende-se que os passageiros ficaram irritados e só
através de remédios conseguiram controlar aquele homem, que, antes de enlouquecer, havia
sido um bom trabalhador.
O aleijado perguntou se estava indo para a Bahia. O soldado sorriu, pensou um
pouco e respondeu, meio constrangido, em voz baixa.
— Vai até Rio Fundo. Prá ver se Zé Felício dá jeito.
Zé Felício era curandeiro. Patrocínio resolveu opinar:
— Pura bobagem. É perder tempo. Devia ir era mesmo para a Bahia, para o
hospício.
Um velho, que se mantivera calado até aquele momento, resolveu contestar:
— O senhor vai me desculpar, mas eu aposto que ele volta de Rio Fundo curado. Já
vi mais de um caso. O senhor já viu Zé Felício trabalhar?
Patrocínio não gostava de discutir. Achava que aquele negócio de curanderismo era
bobagem, mas não ia se meter a esclarecer ninguém:
— Deus ajude. É o que eu desejo... (E E, p. 37 – 38).
A obra As estradas da esperança possibilita uma viagem histórica na EFN, na
medida em que apresenta os diálogos das personagens, envolvendo a carência da medicina, as
práticas culturais relacionadas à fé, enfim, a vida no interior do trem. Talvez, pelo baixo
número de médicos e hospitais nas pequenas cidades do interior da Bahia, pela ausência de
recursos e os costumes da época, as pessoas mais humildes depositavam maior credibilidade
no ―curador‖ do que no médico. Contudo, havia os que acreditavam, os que duvidavam e os
que tinham vergonha de recorrer ao curandeirismo. Quando questionado pelo aleijado sobre o
destino do louco, ―o soldado sorriu, pensou um pouco e respondeu, meio constrangido, em
voz baixa: vai até Rio Fundo. Prá ver se Zé Felício dá jeito‖.
Ao passar a estação de Jaguaquara, a narrativa de Santa Inez nos leva a Itaquara, onde
―O trem quebrou oportunamente‖, para esperar o Coronel Astério que ia viajar e ainda não
havia chegado. Por isso, muitos passageiros desembarcaram, deixando os seus lugares
―marcados‖ por paletós, malas, embrulhos e pedindo ao vizinho: ―Me faça favor de tomar
conta do meu lugar enquanto eu vou tomar um cafezinho‖ (AEE, p. 41).
47
52
Estação Ferroviária de Itaquara (Vale do Jequiriçá)
A fotografia da Estação Ferroviária da cidade de Itaquara é apenas um traço minúsculo
da região percorrida pelo trem de Nazaré, mas possibilita leituras e interpretações sobre o
número de pessoas que supostamente chegavam, saíam ou estavam esperando o transporte;
quem eram os viajantes, a forma como estavam vestidos e até mesmo a ansiedade com o
horário. No plano objetivo pode ser visto o tamanho da estação, com o nome grafado na
parede, os trilhos, os passageiros, a mala de viagem e uma relação do registro fotográfico com
o narrativo, a EFN, nomeada por Santa Inez de As estradas da esperança.
Na estação da cidade de Itaquara localiza-se uma personagem, que, apesar de utilizar o
mesmo trem, viajaria em outra classe com a família: o Coronel Astério. Fazendeiro rico e
político de prestígio, segundo o narrador, tinha o poder de atrasar a viagem em alguns
minutos. Santa Inez apresenta em sua obra muitas histórias das viagens no trem,
reinventando-as. Talvez não seja possível encontrar semelhantes informações sobre esta
estação em outras fontes históricas.
Infere-se da narrativa de Santa Inez que quando o trem parava na estação as pessoas
compravam frutas, lanchavam e formava-se um comércio diversificado. Ele conta que havia
52
Fotografia que representa a Estação Ferroviária de Itaquara. Época da ferrovia. In: JESUS, Elenildo Café de.
Mudança na paisagem física e social associados à ferrovia: Estrada de Ferro de Nazaré no Vale do Jequiriçá,
Bahia. Dissertação de Mestrado, UESC, 2008. p. 69.
48
os mendigos, uma procissão de miseráveis, cegos, velhos, mulheres com ―rencadas‖ de filhos
ou grávidas, justificando com isto a necessidade de esmolas. A personagem ―o aleijado‖ se
revoltava com aquela desonestidade, argumentando que dois ou três precisavam, mas o resto
era tudo gente sã e até gente rica, pedindo sem precisão. A polícia não percebia aquela
desonestidade, mas naquela confusão e velhacaria, Itaquara era uma festa. Havia gente
falando alto, numa expressividade artificial, gente acertando negócios, deixando recados,
reconhecendo velhos amigos e prometendo visitas recíprocas. Os namoros surgiam, em cada
vagão, em cada janela, em cada sombra de árvore. Mocinhas sorrindo acanhadas, ou rapazes
curtidos de sol, chapéu levantado na testa e o nível de aparência dividindo os mundos: ―Os
mais bem vestidos em frente às primeiras classes, os outros namorando as passageiras das
segundas, fora da sombra da estação...‖ (AEE, p. 42).
A feira, os alimentos comercializados, os objetos usados para descascar as frutas
(facas de jagunço), os indivíduos (crianças, mendigos, cegos, aleijados, velhos, mulheres
grávidas, etc.), a forma como os rapazes e as moças estavam vestidos, os namoros em frente
às primeiras e segundas classes, tudo isso está relacionado ao cotidiano da EFN. Ao
mencionar O Coronel e sua grandeza maior, o narrador informa que este chegou à estação
de Itaquara com a mulher, a filha, a empregada e o rapaz que trazia o burro que carregava as
malas com as roupas para a permanência na Capital. De acordo com o romancista, Dona
Carolina, esposa do Coronel Astério, estava doente e consultar-se-ia com os médicos de
Salvador. Seu estado de saúde era instável: talvez fosse hospitalizada ou operada; poderia
voltar sã ou morrer por lá. Em relação ao meio de transporte, fica explícito que o burro era o
principal meio de condução para levar objetos e produtos agrícolas das fazendas até a estação.
Além disso, transportava o que chegava de trem, da estação para as casas (na zona urbana ou
rural) localizadas nas proximidades da ferrovia.
3.2 Ferrovia, coronelismo e cidades
Outro tema relacionado à parada do trem na estação de Itaquara é o coronelismo. O
poder do coronel é evidenciado quando sua filha Lininha descobre que tem um sanfoneiro
viajando e tocando na segunda classe. Como a família da ―grandeza maior‖ viajava na
primeira classe, ela pede ao seu pai que traga o tocador para este vagão. Porém, o Coronel
justifica que não pode porque a passagem do tocador é de segunda. A filha insistiu, sentou-se
no braço da poltrona do pai, passou-lhe o braço pelo pescoço, sorriu, agiu com astúcia e este
49
não resistiu. Levantou-se e foi até o vagão onde Patrocínio conversava com um dos soldados.
Pediu licença e dirigiu-se ao sanfoneiro:
— Bom dia,
— Bom dia, coronel.
— Seu Patrocínio, eu vim aqui meio sem jeito prá lhe fazer um pedido.
— Peça, coronel.
— É que minha filha ouviu falar no senhor, e ela queria ouvir o senhor tocar. Ela...
O senhor sabe como é moça.
E dividindo a culpa:
— Eu também gosto. Acho que todo mundo gosta.
— Pois não, coronel. Vou com muito gosto.
Levantou-se, mas parou, pensando. O coronel antecipou-se:
— Não se preocupe. Eu falo com o chefe.
Meio acanhado, meio vaidoso, Patrocínio sorriu, o aleijado piscou-lhe o olho e a
sanfona foi promovida à primeira classe e, o que era mais importante, aos ouvidos
delicados do anjo cor-de-rosa (AEE, p. 47- 48).
Ao satisfazer o desejo da filha do coronel, o sanfoneiro também se promoveu e se
apaixonou por ela. Logo depois da estação de Itaquara e Lagoa Queimada estava a estação da
cidade de Santa Inês, local em que o poder e riqueza do coronel sobressaiu quando o chefe do
trem entrou na classe para conferir o bilhete de passagem e ignorou a presença do sanfoneiro
no vagão. Nota-se que o poder do fiscal se equiparou ao do coronel, que propôs pagar a
diferença no valor da passagem do tocador, já que fora a seu convite que ele se colocou ali.
Porém, o cobrador do trem responde:
— Deixe isso prá lá, coronel.
O coronel Astério ficou em dúvida se devia insistir ou se seria melhor dar algum
dinheiro, por fora, ao chefe. Mas ficou com medo de ser recusado. Optou pela
fórmula mais cômoda.
— então, muito obrigado.
Três idéias diferentes marcavam o episódio. Do ponto de vista do coronel a razão era
simples: Sou rico, sou respeitado, sou adulado.
Do ponto de vista do chefe do trem a idéia era: Sou chefe. Aqui quem manda sou eu.
Não é uma migalha de dinheiro que compra a minha vontade.
Patrocínio pensava! Minha música é tão boa que eu posso viajar de graça onde
quiser.
Na segunda classe o aleijado dizia a Alípio: acho que o chefe não vai cobrar nada do
coronel. É bom ser rico, prá ser chaleirado (AEE, p.52).
A cidade de Santa Inês aparece no romance como a terra dos umbus e licuris,
composta por uma vegetação, clima e relevo semelhantes aos das cidades de Itaquara,
Jaguaquara e Jequié. Ao se referir à parada do trem na estação desta cidade, o narrador conta
que o movimento era grande e havia gente desembarcando correndo, gente mercando, aos
50
gritos, seus produtos, meninos vendendo ―rosários‖ de licuri, grandes quantidades de umbus
nos tabuleiros: ―Imbu, imbu doce. Dois tostões a caneca‖. À medida que o trem corta a região
semi-árida, os passageiros observavam os burros amarrados, as cabras pastando, algumas
crianças brincando, rostos nas janelas, as casinhas de palha das pontas de rua, os campos onde
floresciam de branco as juremas e, na beira dos riachos, as ingazeiras. ―E na paisagem
cinzento-parda os pontos verdes marcados pelos umbuzeiros, como uma nota de esperança na
paisagem agreste‖ (AEE, p. 54).
53
Antiga Rua do Pontal da cidade de Santa Inês (Vale do Jequiriçá)
As características da região e, especificamente, das cidades servidas pelo trem de
Nazaré, estão relacionadas aos produtos (frutos), que eram vendidos e cultivados, bem como,
à criação de animais (cabras, gados) e à paisagem agreste. A fotografia da Rua do Pontal da
cidade de Santa Inês não apresenta o trem, uma estação movimentada ou uma pessoa que
sirva para associar à personagem do coronel, descrito por Santa Inez. Mas são notáveis as
árvores podadas (talvez, o motivo que seduziu o fotógrafo), com sombras, denunciando o dia
e o sol, um grupo de no máximo dez pessoas, a casa e os trilhos da estrada.
No traçado da ferrovia e no direcionamento da narrativa de Santa Inez, que acompanha
o trem de Jequié a Nazaré, depois da cidade de Santa Inês está localizada Ubaíra e o narrador
descreve a personagem do Coronel Marcionílio, fazendeiro temido, conhecido pelos seus
53
Fotografia que representa a antiga Rua do Pontal da cidade de Santa Inês, na época da ferrovia. Arquivo
particular – Ely Marques. In: JESUS, Elenildo. Op. Cit. p. 64.
51
crimes e por promover o julgamento de pessoas. É uma referência rápida e curta a esta
personagem, específica da cidade local, externa à viagem do trem e não ocupa mais de quatro
linhas da obra. Porém, os diálogos que envolvem a personagem do Coronel Astério, que
―pegou o trem‖ na estação da cidade de Itaquara, seguem até Nazaré. São coronéis diferentes:
Marcionílio, talvez seja fruto de uma memória que representa o auge do coronelismo no
Brasil — severo, temido, autoritário, ligado a político importante da capital, uma espécie de
fazendeiro, delegado e político, que detinha e controlava o poder em algumas cidades do
interior da Bahia, especificamente na primeira República. Astério, por outro lado, representa o
coronel brando, simples, equiparado ao maquinista e ao fiscal do trem. A sua influência de
poder encontrava-se em sintonia com a decadência da ferrovia, necessitando de consolo de
outras personagens humildes.
Se em As estradas da esperança, Marcionílio é apenas uma personagem criada por
Santa Inez, em Capítulos da história de Jequié, Marcionílio Sousa, à frente dos seus cabras,
chegou a cercar a cidade de Santa Inês, retirando os trilhos da Estrada de Ferro Nazaré, depois
de enfrentar a volante policial chefiada por Mota Coelho.54 O motivo que o levou a tomar tal
atitude, foi os desagrados políticos provocados pelo Governador da Bahia, Antônio Ferrão
Moniz do Aragão, eleito para o quadriênio 1916-1920. Aragão era um homem autoritário,
descendente da antiga nobreza lusitana e entrou em choque com as oligarquias e os coronéis
do sertão, criando atritos com os correligionários do próprio José Joaquim Seabra, que o
fizera sucessor, após ter governado o estado de 1912-1916.
Conforme Araújo, não foram poucas vezes que a força pública foi chamada para
manter, a ferro e a fogo, a autoridade de Antônio Moniz. Com isso, sua popularidade foi
desgastada, perdeu o apoio dos coronéis e o respaldo do comércio, dificultando a volta de
Seabra, que parecia tranqüila, ao governo do estado. A comunidade comercial e financeira de
Salvador, sem perda de tempo, se aglutinou em torno do nome do juiz federal Paulo Martins
Fontes, lançado candidato à sucessão estadual (1920-1924). Rui Barbosa que fora derrotado
na eleição presidencial por Epitácio Pessoa, querendo se vingar de J.J. Seabra, que chefiara na
Bahia a campanha do seu oponente, apoiou a candidatura de Paulo Fontes. Outros políticos
seguiram-lhe o exemplo, o mesmo acontecendo com a maior parte dos clãs sertanejos, no afã
de recuperar o espaço perdido. Portanto, acrescenta Araújo:
O pleito foi renhido. Os resultados finais não coincidiram, e tanto os partidários de
Seabra quanto os de Paulo Fontes se consideraram vitoriosos. Em tais casos,
54
ARAÚJO, 1997, p. 157.
52
segundo a Legislação em vigor, caberia ao Legislativo, onde Seabra dispunha de
maioria, dar a palavra final. Sabedores disso, Horácio de Matos, que contava com
mais de 2.600 homens armados, Castelo Branco, Douca Medrado, Marcionílio
Sousa e outros oligarcas que dispunham, juntos, de cerca de 4.000 jagunços,
planejaram um ataque à capital, onde a força pública tinha apenas um efetivo de
2.500 soldados mal equipados. Seria uma repetição do que ocorrera no Ceará,
tempos atrás, quando Pe. Cícero com seus comandados marchou sobre Fortaleza,
depondo o governador.55
Seabra foi salvo pela intervenção federal na Bahia, determinada por Epitácio Pessoa.
Foi reconhecido pelo Legislativo, mas perdeu o domínio no interior. Os coronéis, em troca do
acordo firmado com Epitácio, puderam continuar com os seus ―exércitos particulares‖ e
objetivaram a revogação do dispositivo da lei de 11 de agosto de 1915, que assegurava ao
governador a prerrogativa de nomear os intendentes, os quais voltaram a ser eleitos pelo povo,
embora com mandato de dois anos. Esta alteração aconteceu em maio de 1920, pois a
Reforma Eleitoral de 1915, havia sido imposta pelo próprio Seabra, que nos últimos meses do
seu governo (1912-1916), nomeou, nada menos de 135 intendentes para um total de 141
prefeituras existentes.56
Em Mad Maria, J.J. Seabra também é citado como político de grande influência nas
relações políticas da Bahia e do Brasil. É uma personagem caracterizada como Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, no governo do presidente Rodrigues Alves e de Viação e Obras
Públicas, no do Marechal Hermes. Ele é um homem rico, de temperamento forte, destemido e
autoritário por sua formação ligada à terra, embora já pertencesse a uma geração de citadinos
senhores de engenho, que conheciam mais facilmente o sabor de um vinho que o odor
adocicado do mel fervendo nos grandes tachos.
O coronelismo exercia uma influência significativa, desde o controle político nos
pequenos municípios, até o comando da política nacional. A obra As estradas da esperança
não apresenta datas relacionadas aos ―coronéis‖ criados por Santa Inez e não trata desse
período; é apenas uma reminiscência histórica do romancista. Mas, esse modelo político
influenciou nas decisões políticas, econômicas e sociais do Vale do Jequiriçá. Quando a Vila
de Jequiriçá emancipou-se de Ubaíra, em 1891, segundo Aníbal José de Andrade, o primeiro
Intendente do município foi o Dr. Francisco Martinho das Chagas e o primeiro Presidente do
Conselho e pioneiro da emancipação política foi o Coronel Vicente das Chagas de Jesus.57 É
interessante notar que ambos possuíam o sobrenome Chagas e eram da mesma família. Nestes
55
ARAÚJO, 1997, p. 156 – 157.
Ibidem, p. 161.
57
ANDRADE, Aníbal José de. Meu relato sobre a vida política do Município de Jequiriçá. 2º ano Ginasial –
Ginásio Clemente Caldas. Nazaré, 06 de setembro de 1941. p. 6.
56
53
municípios, os cargos políticos eram exercidos pelos parentes do coronel, amigos, ou
afilhados políticos, o que gerava conflitos na disputa do poder local, quando havia rivalidade
entre os coronéis. Em 1926, quando foi instalado o município de Mutuípe, o primeiro
intendente foi o Dr. Bartolomeu Chaves, médico, figura de grande influência na emancipação
política da cidade.58 O distrito de Mutum foi desmembrado da cidade de Jequiriçá, que tinha
como intendente, o Coronel Vicente das Chagas, que havia se promovido, politicamente, nos
anos anteriores, quando Jequiriçá desligou-se de Ubaíra.
O coronel era freqüentemente dono de terras (senhor de engenho ou fazendeiro); o
componente dominante da classe dirigente do Brasil agrário. Porém membros de outras
classes sociais, tais como comerciantes, advogados, médicos, burocratas, professores,
industriais e até mesmo padres tinham o posto de coronel da guarda.59 Portanto, quando, em
As estradas da esperança, Santa Inez se refere à passagem do trem pela estação de Areia
(Ubaíra), nota-se que a sua memória evidencia uma recordação do coronelismo. ―Era
comarca. Tinha fórum e juiz. Tinha médico — Dr. André — famoso em todo o sudoeste. Suas
ruas ainda sentiam os passos e o prestígio do Padre Galvão, político famoso; do Coronel
Marcionílio, fazendeiro temido...‖ (AEE, p. 54).
Ao analisar os escritos literários, históricos e memorialísticos sobre as cidades que
eram servidas pela EFN, notou-se uma relação entre ferrovia e coronelismo. Em Capítulos da
história de Jequié, Araújo relata que durante a chamada Revolução de 1930, o município
contava com um número reduzido de policiais e ficou à mercê de dois grupos de Jagunços: o
de Tranquilino — que apoiava o governo Washington Luís em âmbito federal e Vital Soares
na esfera estadual —, e o de Silvino do Curral Novo — favorável aos revolucionários. O
primeiro grupo, no dia 24 de outubro, obrigou a administração local do Banco do Brasil a
encaminhar um telegrama à Superior Administração na capital, informando sobre as ameaças
dos jagunços, a falta de segurança para a cidade e a agência, especificamente ao gerente, que
havia sido procurado à noite, em sua casa, por homens suspeitos. Não satisfeito com os
resultados do primeiro telegrama, no dia seguinte, o mesmo grupo de jagunços invadiu a
estação ferroviária, motivando a expedição de um segundo telegrama, dirigido ao governador
58
REBOUÇAS, 1992, p. 40.
Cf. PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquia – 1889-1943. São Paulo. Civilização Brasileira, 1979. p. 26.
Sobre este mesmo tema é interessante ver também os estudos de: LEAL, Victo Nunes. Coronelismo, Enxada e
Voto. São Paulo, Nova Fronteira. 1997; FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato
Político Brasileiro. Vol. 2. 8.ª ed. São Paulo, Globo. 1989.
59
54
do Estado: ―Cidade infestada por jagunços; famílias em pânico; acho-me refugiado. Apelo
Vossa Excelência providenciar urgente garantia a população em sobressalto‖.60
Na mesma noite daquele dia chegou a Jequié a notícia da vitória dos revolucionários e
o povo ganhou as ruas em passeata acompanhada de discursos, banda de música e pipocar de
foguetes. Tranquilino e seus comandados, derrotados, deixaram Jequié levando dois
caminhões, transportando mais de cem jagunços. Porém, com a chegada das tropas policiais,
sob o comando do coronel João Facó, houve perseguição, que resultou na prisão do grupo.
Em poder dos jagunços de Tranquilino foram encontradas 1.800 armas e munição para 72.000
tiros.61
Além de Jequié, o coronelismo também exerceu influência na cidade de Jaguaquara.
Lígio Farias informa que em 1913, após enfrentar árduas lutas políticas, o coronel Guilherme
Silva conseguiu a passagem da Estrada de Ferro de Nazaré pela sede do povoado, impedindo
que a estação fosse construída na Casca. ―Ele já amava demais esta terra que o recebeu, que o
projetou politicamente em todo o sudoeste baiano, por isso não admitia a passagem da estrada
de ferro por fora do povoado‖.62
Na obra As estradas da esperança, nota-se a influência do mandonismo no Vale do
Jequiriçá, quando Santa Inez se refere à passagem do trem pela estação da cidade de Itaquara.
―O trem ficou meia hora parado, porque o Coronel Astério, fazendeiro rico e político de
prestígio ia viajar com a família, e ainda não havia chegado‖ (AEE, p. 41).
Na obra Jaguaquara, Ítalo Rabêlo do Amaral informa que o coronel Guilherme
Martins do Eirado e Silva era proprietário da Fazenda ―Toca da Onça‖ e fundou a cidade,
traçando as ruas com vinte e trinta metros de largura, orientando a construção das casas para
que não fossem feitas fora do alinhamento, nos terrenos de sua propriedade. Segundo Amaral,
além de ser o primeiro intendente do município, o coronel fez muito pela cidade. ―Ele lutou
pela criação do Distrito da Paz, Agência do Correio, pela criação de escolas públicas
estaduais, mudança do nome de Toca da Onça para Jaguaquara e elevação de Jaguaquara à
categoria de Vila e Município‖.63
O coronel Guilherme Silva nasceu em Póvoa de Varzim, em Portugal, em 26 de maio
de 1873. Em 11 de janeiro de 1886, ainda adolescente, partiu de Lisboa e embarcou para a
Bahia no paquete inglês ―La Plata‖, da Mala Real Inglesa. Desembarcou na Penha (Salvador),
60
ARAÚJO, 1997, p. 169 -170.
Ibidem, p. 170.
62
FARIAS, 2005, p. 17.
63
AMARAL, Ítalo Rabêlo do. Jaguaquara: Dados Históricos; Intendentes e Prefeitos. Salvador, Bahia, 2008, p.
23-24.
61
55
em 26 de janeiro desse mesmo ano, onde permaneceu até 1890, empregado na firma de Felipe
Nery Valle Souto e João Baptista Lima. Em 1890 transferiu-se para Nova-Laje e no ano
seguinte fixou-se em Areia, até 1896, quando se mudou para a fazenda ―Toca da Onça‖.
Casou-se com D. Maria Luzia de Souza e Silva, com quem teve dez filhos. Faleceu na cidade
de Jaguaquara, em 31 de maio de 1952.64 Conforme os escritos de Amaral, este coronel fez as
seguintes doações: terreno para construção da igreja e casa paroquial, terreno para a
construção do Colégio Luzia Silva, doação de uma área de seis mil e quinhentos metros
quadrados para o Ginásio Pio XII e doação dos terrenos do Cemitério e do mercado
Municipal. Para o Governo do Estado, doou a faixa de terra para a construção da EFN e do
Hospital da cidade.
O Jornal Local ―A luz‖, de 12 de dezembro de 1920, publicou o resultado do
Recenseamento de Jaguaquara, que era de 18.000 habitantes. A cidade conseguiu a sua
emancipação política, desmembrando-se de Areia, em 1921. Dois fatores contribuíram com
essa taxa populacional alta, principalmente, se compararmos aos demais povoados, distritos e
municípios do Vale do Jequiriçá na época. O primeiro seria o prestígio de ser ponta de trilhos
até 1927, quando a ferrovia alcança Jequié. O segundo está relacionado com a chegada das
primeiras famílias de italianos e portugueses, a partir de 1915, que resultou no incentivo da
agropecuária, estabelecimento de casas comerciais de compra e venda, por atacado e varejo,
dos produtos agrícolas (café, fumo, mandioca e cereais), gêneros alimentícios, tecidos,
calçados, chapéus e artigos de armarinho.
Ainda é possível colocar em evidência um terceiro fator constatado nos escritos de
Amaral, referente aos anos de 1920 e 1930, ao relatar que em Jaguaquara, passavam,
diariamente, centenas de retirantes. Alguns, sem condições de continuar a caminhada,
deixavam-se ficar definitivamente nesta cidade. Crianças e velhos esqueléticos, devido à
fome, à desidratação e à diarréia, permaneciam o tempo de se restabelecerem, a tratar-se com
chá da entrecasca do araçá, voltando a pôr o pé na estrada.65 Esta memória pode ser conciliada
com a de Santa Inez, em As estradas da esperança, porque ele também se refere a um alto
número de mendigos e miseráveis nos arredores das estações da EFN (AEE, p. 42).
Foi possível notar uma relação entre ferrovia, coronelismo e cidades, porque os
municípios servidos pela EFN surgiram e cresceram em função dos trilhos, principalmente no
período em que o poder dos coronéis teve grande visibilidade (Primeira República). É neste
período que a estrada está sendo construída no Vale do Jequiriçá. A existência de uma estação
64
65
AMARAL, 2008, p. 23.
Ibidem, p. 28.
56
ferroviária num povoado ou distrito associado à produção agrícola e ao tempo que ficara
como ―ponta de trilhos‖ favorecia o comércio, crescimento populacional e a emancipação
política.
3.3 Areia (Ubaíra): cidade mais antiga do Vale do Jequiriçá
66
Antiga Estação Ferroviária de Ubaíra
A região do Vale do Jequiriçá era ocupada por tribos indígenas, e seu povoamento só
se efetivou após 1790, quando João Gonçalves da Costa foi encarregado de combater os
índios que habitavam próximos às margens do rio Jequiriçá. O município de Ubaíra é um dos
mais antigos do Vale e o seu território compreendia toda área onde hoje estão os municípios
de Jaguaquara, Itaquara, Santa Inês, Jequiriçá e Mutuípe. Fica localizado a 270 km da capital
(Salvador) e foi desmembrado da Vila de Valença por resolução Provincial de 1833, com o
nome de Vila de Jequiriçá. O primeiro intendente foi o Coronel Silvério Pinheiro de Matos,
que tomou posse em 1889. A sede foi elevada à categoria de cidade em 1891, com a
denominação de Areia, alterada para Ubaíra, em 1943.67
66
Fotografia que representa a Estação Ferroviária de Ubaíra. Fonte: Livro dos Municípios da Bahia. In: JESUS,
Elenildo, 2008, p. 55.
67
Informações obtidas através do Guia Cultural da Bahia. Recôncavo. Salvador: Secretaria da Cultura e
Turismo, 1997; Diagnóstico de Municípios Vale do Jequiriçá. Edição SEBRAE. Salvador, Março de 1995. p. 29;
Site http://pt.wikipedia.org/wiki/Ubaíra. Acesso em 21 de jul. de 2010.
57
A ―viagem‖ pela obra As estradas da esperança permitiu perceber que o trem deixava
para trás o semi-árido e adentrava uma região mais verde, com maior volume de água. Quem
passa por Santa Inês percebe que o rio Jequiriçá é apenas um riacho, já Areia é caracterizada
pelo autor como uma cidade de ―progresso‖, principalmente, se comparada a outras cidades
do Vale, tais como Itaquara, Santa Inês, Jequiriçá, Mutuípe e Laje. Entre a cidade de Santa
Inês e Ubaíra havia as pequenas estações de Volta do Rio e de Jenipapo. A paisagem mudava
pouco a pouco, as árvores apareciam com maior freqüência e as terras ficavam mais verdes.
―O riozinho que acompanhava a ferrovia tomava ares de importância e se dava ao luxo de
formar aguadas, pequenos lagos e represas e até alguma corredeira‖ (AEE, p. 55).
À medida que o trem se afasta de Jequié, Jaguaquara, Itaquara e Santa Inês, percebe-se
que a partir de Ubaíra, Jequiriçá, Mutuípe, Laje e até Nazaré, a região ganha nova
caracterização e ampliação dos produtos agrícolas cultivados. Ao enfatizar a parada do trem
na estação de Barra do Jaguaritu (entre Jequiriçá e Mutuípe), Santa Inez informa que o Rio
Jequiriçá recebia uma porção de pequenos afluentes, que vinham das matas chuvosas e
sombrias, composta por terras de mandioca e de cacau, terras de onça e de caititu, terras de
farinha boa e de gente melhor ainda. O autor sinaliza que Barra do Jaguaritu era uma fazenda,
um rio, uma parada de trem — quando havia trem. ―Hoje, Barra é uma saudade. Como é
saudade a alegria, o progresso, a esperança daquelas cidades onde o trem era uma festa. Trem
de gado, trem de carga, trem de passageiros, trem político...‖ (AEE, p. 62).
Hoje, Barra é a curva, é o campo de futebol, é a divisa limite entre as cidades de
Mutuípe e Jequiriçá e poucos conhecem o segundo nome (Jaguaritu). A rodovia criou outra
referência — curva da Barra, local conhecido pelo alto índice de acidentes de trânsito. Ao se
referir a esta estação, Santa Inez apresenta muitas histórias referentes ao nível de escolaridade
do prefeito, à proximidade do rural com o urbano, às necessidades do povo e à campanha
política do governador do estado.
58
68
Estação Ferroviária de Barra
A fotografia da Estação Ferroviária de Barra é posterior ao funcionamento da ferrovia
e apresenta uma pequena casa, com aspecto velho e desativado; outros meios de transportes
como o cavalo, a bicicleta, o automóvel (o fusca); o surgimento das rodovias; aspecto da
paisagem geográfica e o elemento que a coloca em movimento — as pessoas. Não foi
possível identificar se o autor dessa foto quis registrar a passagem de algum político em
campanha pelas cidades do Vale, uma inauguração, comemoração ou festa. Todavia, nota-se
que os traços da ferrovia foram substituídos pela estrada de rodagem.
Conforme relata o romance, em Jaguaritu, um dia, parou um trem, carros novos,
enfeitados, trazendo o Governador do Estado em campanha política. Como o prefeito de
Jaguaritu não havia sido informado da chegada do trem, acreditou que se tratava de alguma
brincadeira dos seus opositores, de modo que, quando o trem chegou — e ficaria no máximo
20 minutos, pois havia outras cidades a visitar —, o prefeito estava na roça. Mesmo trajando
botas enlameadas, roupa velha e com a barba por fazer, foi ao encontro do Governador e sua
comitiva. Entretanto, ao chegar, diante da magnitude da beleza daquele trem, mulheres de
chapéu, homens de cravo à lapela, sentiu-se acanhado e procurou desaparecer no grupo que se
formou na pequena estação. Neste momento, na alfaiataria ao lado, um moço fazia a prova
final do terno do casamento e, como estava bem vestido, resolveu ir ver o Governador. Pela
68
Fotografia que representa restos da Estação Ferroviária de Barra. In: JESUS, Elenildo. Op. Cit. p. 51.
59
aparência destacada foi tomado por Prefeito. E o Governador, risonho, abraçou-o
efusivamente, e formou-se o seguinte diálogo absurdo, um pensando em administração
política e o outro em casamento:
— Meus parabéns! Estou vendo que o senhor é um homem que sabe ver as coisas
que interessam. Como vai a terra? O que o Sr. Está precisando?
— Ah, doutor. Eu preciso de muita coisa. Mas a terra, se não fosse a formiga, ia
bem.
— Eu sei, eu sei, vou mandar um agrônomo resolver este caso de formiga. Mas me
diga como vai a Prefeitura.
—Prá falar a verdade, não vai bem. Dizem que o Prefeito não faz nada.
— E o senhor, o que está fazendo para mostrar que isto é uma calúnia?
— Eu não faço nada porque eu acho que é verdade mesmo.
— Por que?
— Porque é um coitado, analfabeto, ignorante, que não sabe nem pedir as coisas que
precisa.
O Governador olhou para o Secretário, olhos umidecidos e comentou:
— Esta simplicidade, esta pureza, esta franqueza me comove. Anote para falar
comigo sobre benefícios para Jaguaritu.
E voltando-se para o pseudo Prefeito.
— O que o Sr. Deseja receber do Governo do Estado?
— Se o Sr. Puder, eu tenho muita vontade de ganhar um rádio.
— Um rádio?
— É. Notícias dos preços, políticas...
O trem apitou, o Governador abraçou-o, comovido, o moço de terno novo, os
presentes bateram palmas.
E Jaguaritu, durante algum tempo recebeu verbas, vantagens e até um aparelho de
rádio que ficou instalado no salão principal da Prefeitura (AEE, p. 63-64)
Neste diálogo envolvendo o noivo (falso prefeito) e o Governador, Santa Inez constrói
uma pilhéria, apresenta o perfil do prefeito (um coitado, analfabeto, ignorante), as promessas
políticas e um pedido do eleitor — um rádio. Parece um pedido simples, mas muito
significativo para a pessoa (o noivo) e também para a época, porque possibilitava saber as
notícias dos preços e da política.
Logo depois da estação de Jaguaritu estava Mutuípe, cidade caracterizada por Santa
Inez como produtora de farinha, café, cacau, laranja, fumo e os festejos culturais: o Carnaval,
o São João e a festa de São Roque, o padroeiro da cidade. O trem ―morreu‖, mas a festa de
São Roque continua, com caminhadas pelas ruas da cidade, todos os anos, organizada por
homens e mulheres religiosos, ligados à Igreja Católica. A passagem de Alípio era para Santo
Antônio de Jesus, mas ele troca com o aleijado e resolve ficar em Mutuípe, seu novo destino.
Em torno do diálogo que envolve essas duas personagens está explícito o conhecimento de
Santa Inez sobre a cidade de Mutuípe, principalmente, quando se refere às serras, ao rio
correndo manso no meio da cidade, a pracinha enfeitada de flamboyants e ao obelisco da
fundação apontando para o céu. (AEE, p. 64).
60
69
Praça Dr. Bartolomeu Chaves — Inauguração da 2a Estação Ferroviária de Mutuípe.
O Jornal O paládio, edição do mês de dezembro do ano de 1946, destaca como notícia
principal ―Um dia de glórias para Mutuípe‖, exaltando a inauguração da nova Estação
Ferroviária da cidade. Ressalta ainda, que ―O majestoso edifício da nova Estação Ferroviária‖
foi a concretização de um sonho dos mutuipenses, que se delineou desde o processo da
emancipação político-administrativa, conquistada em 1926. O Jornal O Mutuípe, edição de
janeiro de 1946, já noticiava a planta da fachada interna desta mesma estação, enfatizando que
o prefeito Rodolfo Rebouças, desde o início de sua gestão, vinha trabalhando em prol dessa
realização, só obtendo, porém, pleno e decisivo apoio por parte do Interventor Renato Aleixo.
As informações desses dois jornais nos ajudam a ler e interpretar o conteúdo da fotografia
acima, porque, além de revelar a ―satisfação‖ dos políticos com a inauguração da nova
estação, informa que, no dia 18 de dezembro de 1946, a partida do trem especial da vizinha
cidade de Laje conduzia as altas autoridades, que chegariam a Mutuípe. A visita do Exmº Sr.
69
Praça Dr. Bartolomeu Chaves. Fotografia que representa a inauguração da 2a Estação Ferroviária de Mutuípe,
em 1946. Acervo Particular: Osvaldo Nascimento. In: JESUS, 2008, p. 49.
61
Interventor Federal do Estado, na época, General Cândido Caldas e sua comitiva foi
recepcionada pelo Prefeito Rodolfo Rebouças, outras autoridades, as escolas e uma
incalculável multidão.70
Com base na narrativa de Santa Inez, o trem deixou Mutuípe, onde Alípio ficou
pensando em Rosa, passou, sem parar, por Canal Torto e entrou em Laje por um extenso
pontilhão que cortava o rio (este pontilhão ainda existe para a passagem de pedestres). O
aleijado conversava, agora, com um velho e falava de remédios, de curandeiros, do
sobrenatural, de milagres e, quando questionado sobre a ausência de suas pernas, se havia sido
desde o nascimento ou doença, explicou:
— Foi o trem de Montes Claros. Eu era menino. Prá isso aqui não há remédio.
O velho, sem ter o que comentar, falou:
— É. Deve ser triste.
— Pois eu vou lhe dizer uma coisa. Deus me deu este castigo, mas me deu um
consolo muito grande, que é a coragem que eu tenho. E o senhor pode crer que eu
vivo melhor do que muito vagabundo que tem por aí que tem as duas pernas.
O aleijado falava como se fizesse um discurso político. O velho sentiu-se ofendido
com a frase final:
— Mas o senhor vive da caridade.
— Vivo. Mas não roubo nem tomo nada de ninguém. Se eu peço e me dão, o senhor
acha errado? O senhor já pensou em quanto parasita vive por aí, que não faz nada e
vive bem, e ainda se acha bom? Pense bem, mesmo sem pedir esmola, quem não
trabalha, que não produz nada, também vive da caridade. E é pior do que aleijado,
porque pode trabalhar e não trabalha.
O velho ficou pensativo. O aleijado tinha razão (AEE, p. 67-68).
Esta viagem histórica e literária na região percorrida pelo trem de Nazaré, que ora está
relacionada aos aspectos geofísicos, ora aos aspectos culturais e a ambos os aspectos ao
mesmo tempo, nos informa que depois da estação da cidade de Mutuípe estava a cidade de
Laje. Ao se referir à parada do trem nesta cidade, o romance menciona a existência de
alambiques — que ficavam à margem da ferrovia —, a presença de gente descalça, chapéu de
palha na cabeça, gente humilde, vinda de Terra Preta e de Serra Grande, do Capim e do Canto
Escuro, da Torre e de Terra Caída, do Bom Jardim e do Parafuso, do Ribeirão e da Jubeba, de
Sete Voltas e do Cariri... Lugarejos que, como Laje, também viviam do trem. ―Que lhes
garantia um dia e uma hora para irem, e um dia e uma hora para voltarem. O trem era uma
certeza, e a certeza dá tranqüilidade...‖ (AEE, p. 68).
No traçado da estrada e da narrativa de Santa Inez, sentido Jequié a Nazaré, depois da
estação de Laje vem Engenheiro Pontes e, em seguida, São Miguel das Matas. Dalí, o trem
70
Informações obtidas através do Jornal O Paládio de Santo Antônio de Jesus, 18 de dezembro de 1946. Bahia,
ano 46, nº 2.225; Jornal O Mutuípe, edição de janeiro de 1946. Ano II. nº 2.
62
partia para Amargosa, passando por Corta-Mão. O autor desenha a região, dizendo muito do
seu conhecimento acerca da EFN. Refere-se à importância do povoado de Corta-Mão, ao
comércio, ao sertão e às matas de Valença, à saudade do tempo da ferrovia e a um tempo, que
possibilita refletir a forma como as mulheres eram tratadas pelos homens. Isso é notável no
diálogo que envolve as personagens o coronel Astério, o sanfoneiro Patrocínio e Lininha.
[...] — Tempo bom aquele, Coronel.
Lininha resolveu interferir:
— Bom nada, seu Patrocínio. Uma pobreza terrível e uma ignorância ainda maior.
Naquele tempo uma moça era tratada como uma escrava, prisioneira. Se fosse
naquele tempo eu não poderia estar aqui conversando com o senhor.
Foi então que Patrocínio percebeu que aquele tempo era, realmente, o tempo pior
que poderia existir. Emendou-se:
— Bom nada! A gente fala por falar, mas aquele tempo... aquele tempo... sei lá!
Bom é hoje.
O sorriso de Lininha iluminou o vagão, que partia menos rápido do que o coração do
sanfoneiro (AEE, p. 69).
Quando Santa Inez se refere à cidade de São Miguel e Amargosa, notam-se as
reflexões sobre os aspectos históricos das cidades, o comércio, os habitantes e suas
respectivas profissões, a forma como o trem viajava e o tipo de cultivo agrícola que havia às
margens da ferrovia. Segundo o autor, Amargosa se chamava Nossa Senhora do Bom
Conselho, mas mudaram o nome e um frade amaldiçoou a cidade, porque tiraram o nome da
Santa. Porém, tinha padre, doutor, juiz, colégio e não havia nada amargando. O romancista
conta algumas piadas por intermédio de suas personagens, dizendo que a cidade ―é o único
lugar do mundo onde o rio corre prá cima, seu Leite é o negro mais negro que já vi e até as
laranjas que os meninos vendem, eles dizem laranja doce de Amargosa‖ (AEE, p.70).
A região, o cotidiano, o econômico, o político, o social e o cultural aparecem
misturados na narrativa de Santa Inez. Ele indica que o trem permitia as conversas entre os
passageiros, cortava pastagens, roças de fumo, plantações de mandioca, passava pela estação
de Varzedo, deixava para trás o conjunto de municípios do Vale do Jequiriçá e descia para o
litoral, para o nascente, em direção a Santo Antônio de Jesus e Nazaré.
63
3.4 Santo Antônio de Jesus e Nazaré (Recôncavo Sul): janela do litoral
De Varzedo (sentido Jequié a Nazaré), o trem partia para Santo Antônio de Jesus,
caracterizada por Santa Inez como cidade das angélicas, das palmeiras imperiais, dos
horizontes abertos, planos, arenosos, salpicados de casinhas pobres, de roupas estendidas nos
varais improvisados, de crianças brincando às margens da estrada, que se pontilhavam de
branco, dos pequenos jardins de perfumadas angélicas, que serviam para o enfeite das igrejas
e o buquê tradicional das noivas. O trem havia deixado para trás os alambiques de Ponto
Sampaio, de Santana, com suas malhadas, seus canaviais e seus riachinhos correndo sobre
pedras. Ao chegar à cidade das palmeiras, ―o trem parou, e pela importância da cidade ficaria
parado mais tempo do que nas outras estações...‖ (AEE, p.75).
Carletto assinala que na abertura dessa estrada, em 1880, quando foi inaugurado o
trecho Nazaré - Santo Antônio, o município foi ponta de trilhos durante dez anos. Por isso, em
pouco tempo a cidade se tornou um dos principais centros comerciais da redondeza.71
Outro aspecto que pode ter influenciado o crescimento e a prosperidade de Santo
Antônio de Jesus, sobressaindo-se mais que outras cidades do Vale, foi o fato de ter sido
beneficiada com a estrada de ferro por mais tempo que outras cidades da região, tanto na
inauguração, quanto no momento de desativação. Sem falar que a cidade foi logo
contemplada com as estradas de rodagem e depois, com a BR-101. ―Em 1930, foi construída a
estrada de rodagem de Nazaré a Santo Antônio de Jesus, praticamente margeando a via férrea.
O sistema rodoviário passaria a substituir gradativamente a ferrovia‖.72 A sua localização
geográfica também influenciou — proximidade a Nazaré e Salvador —, e, também, por ser
ponto de passagem dos habitantes de municípios vizinhos.
Logo depois de Santo Antônio localizava-se Taitinga, também conhecida como Rio
Fundo (Muniz Ferreira), onde o curandeiro Zé Felício era a esperança para realizar milagres e
curar as pessoas. Nota-se que boa parte dos passageiros — pessoas simples e humildes, com
problemas de saúde —, desembarcou nesta estação: o louco, uma velha com a filha doente e
quase todos os passageiros dos vagões de segunda classe.
Quando Santa Inez narra a chegada do trem em Taitinga, infere-se que tanto nesta
estação quanto na cidade de Nazaré, as práticas culturais relacionadas ao curandeirismo eram
freqüentes. Porém, muitas pessoas não gostavam de revelar que se consultavam com o
―curador‖ por diversos motivos: não informar que estava doente, evitar as críticas das pessoas
71
72
CARLETTO, 1979, p. 59.
ZORZO, 2001, p. 202.
64
que viam aquela atividade inferior à medicina e por influência do processo histórico de
perseguição à cultura da população pobre, sem acesso à saúde e à educação. Percebe-se
também a existência de pessoas que duvidavam da eficácia do ―curador‖.
EM RIO FUNDO A ESPERANÇA É ZÉ FELÍCIO
[...] Tem gente que acredita, tem gente que não acredita. Eu acredito. Já vi milagre.
O senhor veja, uma moça forte dessas, só tem dezessete anos, e com uma coisa
dessas...
O passageiro perguntou:
— Tem o que dona?
A moça interrompeu a velha. Quase gritando, envergonhada:
— Cala a boca, mãe.
A velha se irritava:
— Cala a boca por que? Doença qualquer um tem. Ta aí prá todo mundo. Mas tu vai
sarar, se Deus quiser. Seu Zé Felício vai te curar. Tu vai ver. Tu volta boa. Pode crer
em Deus.
A moça empurrava a velha para a saída, para longe dos passageiros curiosos.
— Vamos embora. O trem só pára um instante.
Também os soldados e o louco se aproximaram da saída. Parecia que todos os
vagões da segunda classe despejavam ali a sua carga de mazelas e esperanças. Todos
em busca do milagre que fluía das mãos de Zé Felício, dos seus tambores, do seu
incenso, das suas preces, do seu conhecimento daquelas almas aparentemente tão
simples, mas, no fundo, tão complexas (AEE, p. 75).
Nazaré se aproximava. Alípio ficou em Mutuípe, o aleijado em Santo Antônio, o
louco, os soldados e a senhora com a filha doente, ficaram em Rio Fundo. O sanfoneiro
Patrocínio, que se apaixonara pela filha do coronel ficaria em Nazaré, hospedado no Hotel
Colombo. Com base na narrativa de Santa Inez, o trem cortava planícies, cada vez mais,
sentindo a presença do mar, a influência dos rios lentos, do litoral, passando Onha e chegando
a Nazaré, escrita com ―th‖ (Nazareth) na parede da estação, as ruas estreitas, quase um túnel
por onde o trem passava entre acenos, rostos sorridentes e olhares ansiosos. O narrador se
refere aos velhos sobrados e ao rio Jaguaripe, informando que este era lamacento, mal
cheiroso e humilde, no momento de vazante, e sereno, na hora de maré alta.
Ao se referir à estação de Nazaré, Santa Inez nos informa sobre o prolongamento da
ferrovia até São Roque; sobre os pequenos navios da Navegação Baiana (o Mascote, o
Paraguassu, o Valença), que levava os passageiros do trem até Salvador; sobre o povo da
cidade; o artesanato; a culinária; as lutas patrióticas; a influência africana; o surgimento das
rodovias; a tristeza das cidades com ―a morte do trem‖, enfim, que a cidade fora, durante
muito tempo, o começo e o fim da ferrovia. Com sua forma de narrar e envolver o leitor, ele
refletiu a desativação e um possível retorno da ferrovia. (AEE, p. 83-84).
65
Muitas das informações históricas que se encontram na documentação de arquivo e
nos livros de memórias fazem conexão com a narrativa de Santa Inez. O traçado da estrada, a
utilidade da ferrovia, a decadência, o surgimento das rodovias, a crítica à indústria
automobilística e ao petróleo. Em relação à região pode-se dizer que ela é mapeada de forma
histórica e poética, com referência às cidades, que eram servidas pelo trem, bem como ao
comércio, feira, produtos agrícolas cultivados e comercializados, os habitantes, a hidrografia
(abundância ou escassez de água), o clima (o sol e calor de Jequié), a vegetação (parte semiárida, matas, pastagens), enfim, morros, planícies, solo arenoso e a forma como a estrada foi
desativada. Neste capítulo, o discurso literário, com o auxílio de algumas fotografias, permitiu
reconstruir a linha do trem de Nazaré, problematizando o cotidiano da ferrovia a partir dos
diálogos das personagens no interior do trem.
66
4. A MORTE DO TREM: A DESATIVAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO
NAZARÉ
4.1 O “choro” de um narrador
Em As estradas da esperança Santa Inez considerou que a EFN era um ser vivo e seria
crime desativá-la. Não eram apenas os trilhos, os dormentes, os pontilhões, estações, os trens
e os vagões, que estavam sendo paralisados, mas um conjunto de cidades que viviam à sua
margem. O narrador ―chora‖ como se tivesse perdido um ente querido, argumentando que
―uma ferrovia é a economia, a saúde, a esperança e até o amor, o destino, a felicidade e a
morte (AEE, p. 125).
Se, por um lado, a construção da EFN, no início do século XX, na região do Vale do
Jequiriçá e sua extensão até Jequié representaram avanço comercial e populacional, por outro,
a sua desativação a partir de 1960, culminando com sua extinção em 1971, trouxe
dificuldades econômicas, principalmente para os moradores da Região do Vale.73
O ―choro‖ do narrador e de moradores de cidades como Amargosa, São Miguel, Laje,
Mutuípe, Jequiriçá, Ubaíra, Santa Inês, Itaquara e Jaguaquara justifica-se porque, na época,
esses municípios não foram contemplados com as rodovias. A política rodoviária só foi
efetivada imediatamente para ligar cidades maiores e mais importantes economicamente. A
partir de 1964, a ferrovia funcionava apenas no trecho compreendido entre São Roque do
Paraguaçu e Santo Antônio de Jesus, numa extensão de 64 km.
Notam-se as dificuldades com a ausência do trem, no Vale do Jequiriçá, quando o
narrador se refere à personagem do sanfoneiro Patrocínio, que se apaixonou pela filha do
Coronel (Lininha) e ficou hospedado na cidade de Nazaré até ela retornar de Salvador. Porém,
quando o sanfoneiro comprou a passagem, com a data marcada para o possível encontro com
sua paixão, no trem, nem reparou que só poderia seguir até Ubaíra, onde começava a
desativação da estrada. De acordo com a narrativa de Santa Inez, Patrocínio não sabia que o
Coronel Astério e a família nunca mais viajariam naquele trem, porque sua fazenda ficava no
município de Itaquara. Iriam de navio até Ilhéus e, de lá, de ônibus até Jequié (cidades
maiores, contempladas com as rodovias), depois de carro e a cavalo até o destino final (AEE,
p. 86).
73
Segundo dados do IBGE, o êxodo rural do Vale foi o maior da Bahia em 1960. Ver Diagnóstico de Municípios
Vale do Jiquiriçá. Edição SEBRAE. Salvador, março de 1995. p. 29.
67
O trem era um espaço móvel que permitia o reencontro das pessoas, favorecendo laços
de amor, amizade, o comércio, o emprego (para quem tocava e cantava, como era o caso do
sanfoneiro), o pedido de esmola (o aleijado), enfim, era parte da vida de quem o usava. Por
isso, em seu discurso literário, Santa Inez não aceita o fim da estrada e argumenta que um dia
o trem voltaria e o povo compreenderia ―que alguns hectares de eucaliptos plantados à
margem das ferrovias resolvem o problema do trem, que não polui, não provoca acidentes,
não dá enfarte‖ (AEE, p. 84). Ele se posiciona contra o advento do automóvel e favorável às
linhas férreas.
Suas lágrimas podem ser evidenciadas quando narra que o trem era o principal meio
de transporte que alimentava aquelas pequenas e ―doces‖ cidades do sudoeste baiano. Movido
a lenha e água, arrastava cinco a seis vagões, levava e trazia gente, notícias e esperança. Por
isso, o fim da estrada contribuiu com a migração dos jovens para Salvador, para São Paulo e
Rio de Janeiro, ―deixando pobreza, solidão e saudades nas cidadezinhas poéticas e no coração
dos velhos, que não tinham mais para onde ir, nem o que fazer, nem o que ver e nem mesmo o
que falar‖ (AEE p. 30).
É notável na narrativa de Santa Inez, que no período de existência da ferrovia, Ubaíra
era apontada como uma cidade importante, mas com ―a morte do trem‖ sofreu
despovoamento e estagnou seu crescimento. ―Foi uma das grandes vítimas da morte do trem.
Deficitário ou não, primitivo ou não, quem matou aquela ferrovia contribuiu — e continua
contribuindo — para o despovoamento do sudoeste baiano‖ (AEE, p. 55). Segundo o
romancista, a juventude que vivia às margens da EFN, ao migrar para os grandes centros
urbanos brasileiros, ocasionou, principalmente, o crescimento da marginalidade miserável e
mal adaptada da periferia de Salvador, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo em que lamenta o fim da ferrovia, o narrador revela um trem lento,
fora do horário, enguiçando na estrada. ―O trem estava atrasado. Pequenas demoras, pequenos
enguiços, improvisaram em Areia o almoço que seria em São Miguel, cinco ou seis estações à
frente‖ (A EE, p. 57).
Após a passagem do trem por Jaguaquara, Itaquara, Santa Inês, Areia (Ubaíra), a
estação de Jaguaritu (entre Jequiriçá e Mutuípe), o narrador, através do diálogo de dois
viajantes, lamenta, indica os motivos e a forma como a ferrovia foi desativada:
— Estão falando que o trem vai acabar. Você já ouviu falar?
— Já. Isso é bom mesmo.
— Você acha?
— Acho. Trem velho, sujo, só vive fora do horário, nem água não tem...
— E de que modo este povo vai viajar?
68
O outro falou, brincando.
— A pé. Gente pobre viaja a pé.
O viajante se revoltava:
— Mas é um crime. Estas cidades todas vivem do trem. Bem ou mal, é
por este trem que toda esta região tem contato com o mundo. Será que
vão mesmo...
— Vão, sim. Daqui a um mês ou dois o trem só vem até Laje. Eles fazem
assim. Depois só até São Miguel. Depois só até Santo Antônio. Depois
acaba. Fica só na saudade. Mas a rodagem já está aí.
— Aí aonde? E quem tem dinheiro para comprar carro, comprar
caminhão? Quem sabe dirigir? E os pobres, como vão viajar?
— Pobre não viaja. Se entoca... (A E E, p. 65-66).
Com a desativação da EFN, a economia do Vale do Jequiriçá entrou em declínio por
não poder escoar sua produção através da ferrovia, que ligava o porto fluvial de Nazaré (a
partir de 1940, o de São Roque) até Jequié. Outro fator que está implícito na citação acima é
que as estradas de rodagens não foram construídas imediatamente para interligar os
municípios vizinhos. Quando a ferrovia foi desativada, a partir de 1960 e 1970, Santo Antônio
de Jesus e Jequié foram cidades contempladas, respectivamente pelas BRs 101 e 116. Já as
cidades de Nazaré, Aratuípe, Muniz Ferreira e também as outras cidades do Vale tiveram
pouca produção agrícola e ficaram mal comunicadas com a rede rodoviária regional, sofrendo
decréscimos populacionais e/ou registrando um crescimento não significativo.
A importância da EFN torna-se evidente nos argumentos do narrador quando ele
afirma que ―estas cidades todas vivem do trem. Bem ou mal, é por este trem que toda esta
região tem contato com o mundo‖ (AEE, p. 65). Mesmo com todos os problemas que a
ferrovia apresentava: ―trem velho, sujo, viajando fora do horário‖, esse meio de transporte
continuava sendo útil, principalmente para as pessoas que não tinham como viajar. Ou seja,
―quem tinha dinheiro para comprar carro, comprar caminhão? Quem sabia dirigir?‖.
A obra As Estradas da Esperança nos faz ―viajar‖ na história da estrada de ferro,
seguindo a localização geográfica das cidades que fazem parte da região do Vale do
Jequiriçá.74 Ao explicar em sua narrativa que a estrada foi desativada aos poucos, o narrador
―derrama suas lágrimas, chorando a morte do trem‖:
Laje estava doente. Morria aos poucos. Mas, no momento em que se tornou terminal
ferroviário, tornou-se importante, seu comércio cresceu, vinha gente de vários
lugares para tomar, ali, o trem. Era a melhora que antecede a morte. A chama da
vela que se alteia no momento em que se extingue.
Laje iria morrer. Mas, por enquanto, apresentava um aspecto de renovação, de
renascimento. O prenúncio irônico da agonia, da decadência.
74
Depois de Mutuípe, o autor apresenta a cidade de Laje, em seguida, São Miguel, Amargosa e nos faz alcançar
o recôncavo baiano: Santo Antônio e Nazaré.
69
Era de Laje que o trem saía, ainda madrugada, devagar e barulhento, como um
animal gigantesco ainda mal acordado (AEE, p. 125-126).
Na citação acima está explícita a denúncia de Santa Inez contra a desativação da
ferrovia e é notável também o crescimento do comércio de Laje, quando se torna terminal
ferroviário. Ou seja, de acordo com a narrativa, o trem só vinha até Laje, por isso ―vinha gente
de vários lugares para tomar, ali, o trem‖. Portanto, os trechos dessa estrada de Laje até Jequié
(Mutuípe, Jequiriçá, Ubaíra, Santa Inês, Itaquara e Jaguaquara) já tinham sido desativados e
os moradores dessa região, que haviam se acostumado com o trem, encontravam dificuldades
para viajar, comunicar-se com o mundo e comercializar, principalmente, os produtos
agrícolas.
É visível na obra a riqueza de informações e reflexões do autor sobre a EFN, que
representava a ―vida‖ para as cidades do sudoeste baiano, sendo que a sua desativação
representou a ―morte‖, ou seja, uma agonia com ―choros‖ dos moradores destas cidades, que
estavam acostumados com esse meio de transporte. Além de mencionar a tristeza e o
―urbanicídio‖ das cidades, causadas pela morte do trem, a obra revela a existência de pessoas
que trabalhavam na ferrovia, vendendo passagens, tocando o sino da estação e sinalizando o
momento da chegada e da partida do trem (A E E, p. 29). 75
O fim da estrada de ferro foi melancólico e o narrador lamenta a desativação da
ferrovia onde as velhas locomotivas, umas a óleo, outras a lenha, numeradas, marcavam de
fumaça e de barulho todo o percurso do trem, de Nazaré a Jequié; enfeitavam a noite,
riscando-a com clarões de farol, levando e trazendo carga, gente e animais. O autor chora e
denuncia a morte do trem, levando a compreender que as velhas locomotivas ―morreram sem
glória, devagarinho, despedaçadas, estraçalhadas, um cano arrancado, uma torneira quebrada,
um sino roubado, um pedaço de metal vendido irregularmente...‖ (AEE, p. 84). Com isso, a
população ficou isolada, sofrendo com a forma de retirada dos trilhos (por trecho), restando
apenas saudades daquela paisagem compostas por caatingas, riachos, fazendas, despedidas, a
alegria das estações e o comércio.
Em muitas cidades do interior, construídas às bordas dos trilhos, a população se
dispersou lentamente depois do fim do transporte ferroviário e do processo de concentração
populacional nos grandes centros urbanos, a partir da década de 1970. 76 Santa Inez também
75
De acordo com o romancista, ―urbanicídio‖ significa atraso (morte) do desenvolvimento das cidades do
sudoeste baiano e do Vale do Jequiriçá, que dependiam da EFN.
76
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha: a extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974.
Tese de doutorado – Dep. De História da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2000, p. 74.
70
foi um desses jovens que fugiram para as grandes capitais, deixando para trás a família e
saudades dos pequenos municípios da região do Vale do Jequiriçá e do Recôncavo Baiano.
4.2 Ferrovia e rodovia: sai o trem, entra o caminhão
A situação crítica que domina a EFN, em 1945 reflete uma crise generalizada no
transporte ferroviário no Brasil. O governo brasileiro, a partir daquele momento passou a
investir nas rodovias. Quando o narrador enfatiza A decisão do aleijado, que se encontra em
Santo Antônio de Jesus, necessitando retornar para Jequié, cujo trecho da estrada havia sido
desativado (em maio de 1964), nota-se que a alternativa de transporte neste momento
histórico é o caminhão. Além das dificuldades com o percurso (Santo Antônio de Jesus –
Ilhéus – Itabuna e poucos caminhões para Jequié), o aleijado passava a enfrentar também o
problema da falta de experiência com a rodovia, ou seja, as viagens de caminhão. Como Santo
Antônio de Jesus tinha sido contemplada com a BR-101 e ainda havia o trem — estava
crescendo e se desenvolvendo, a esperança do aleijado estava depositada na possibilidade de
estruturar a sua vida e a de sua família nesta cidade. ―Talvez conseguisse uma casinha no
Andaiá, ou em São Benedito‖ (AEE, p. 95). Ficou subentendido, na narrativa de Santa Inez,
que estes eram bairros habitados por pessoas pobres e humildes, na época. Porém, mesmo
conseguindo a casa, como buscaria a família em Jequié?
Ao se referir à erradicação de ramais ferroviários, no Brasil, Dilma Andrade de Paula,
em sua tese Fim de linha explica que este foi um processo político, institucional, jurídico,
técnico e estratégico, que envolveu a constituição de Grupos de Trabalho formados por
consultores estrangeiros, diretores do DNEF (Departamento Nacional de Estrada de Ferro),
DNER (Departamento Nacional de Estrada de Rodagens), RFFSA (Rede Ferroviária Federal
Sociedade Anônima), Ministério do Planejamento e representantes das Forças Armadas, que
programavam e selecionavam, não só os ramais a erradicar, mas também a construção de
rodovias substitutivas. Foi necessária a elaboração de leis e decretos, que garantiam verbas e
disciplinavam o programa. Não bastava retirar as linhas, precisava-se criar a cultura do ―antiferroviarismo‖. Literalmente, significava erradicar, termo originado do latim erradicare, que
significa desarraigar; arrancar pela raiz, geralmente empregado para o ato de exterminar
pragas da agricultura. Para desarraigar, foi preciso produzir e cultivar o discurso do
deficitário, do antieconômico, do empreguismo das ferrovias, do seu atraso tecnológico
crônico em contraponto ao progresso, que chegava pela via rodoviária. Nesse sentido, a
71
civilização do automóvel ganhava espaço, legitimidade e força política, enquanto o transporte
ferroviário estrangulava-se.77
A narrativa de As estradas da esperança sugere as lamentações da população com o
fim da estrada, principalmente quando se refere à estação de Lagoa Queimada, povoado
localizado entre a cidade de Santa Inês e Itaquara. O romancista conta que Lagoa Queimada
se transformou em Lagoa Morta e estava mais triste, mais abandonada, mais isolada, na
solidão do mundo. O trem, que agitava o marasmo, com a sua presença certa e segura, já não
chegava até ali. Morria em Ubaíra, pois ―aquele marca-passo do coração da cidadezinha fora
trocado por alguns caminhões irregulares, que cortavam a pracinha como feras estranhas,
buzinando, ameaçando atropelar as cabras, os cães, as galinhas‖ (AEE, p. 97).
Nota-se que ―a morte do trem‖ interferiu na feira, no hábito de vestir-se bem, calçar-se
e ir à estação; no transporte de alunos da região, para o referencial Colégio Taylor Egídio da
cidade de Jaguaquara; e no cultivo agrícola das pequenas e grandes propriedades em torno da
EFN, pois muitas pessoas se mudaram para cidades maiores. As estradas da esperança revela
que a desativação da linha férrea, por trecho, foi muito desconfortável porque as crianças
ficavam andando pelos restos dos trilhos e os adultos comentavam a volta do trem:
— Ouvi dizer que mês que vem ele está aí de novo.
— É. Disseram que o prefeito de Jequié já falou com o Governador.
— Onde já se viu isso? Vai acabar é com o Colégio de Jaguaquara.
Na própria conversa percebia-se a esperança e a descrença. Dona Severina era mais
pragmática:
— Isso aqui, sem o trem, é como defunto. Só vai piorar. Eu gosto daqui, mas não
fico.
— E para onde a senhora vai Dona Sé?
— Prá qualquer lugar. Isso aqui ficou muito triste. Acho que vou prá Valença. Já fui
lá. É uma cidade bonita, grande, tem fábrica de tecidos, tem muito peixe...
Téia ouvia-a encantada.
— Me leve, quando a senhora for.
— Olha que eu levo. Se teu pai deixar, eu te levo. (AEE, p. 98).
O trecho da ferrovia que ligava o Vale do Jequiriçá a Jequié foi o primeiro a ser
desativado. Sem o trem, muitas pessoas iam tentar a sobrevivência em outros municípios
como Valença, Santo Antônio de Jesus, Salvador e até mesmo São Paulo. Em As estradas da
esperança, as personagens Téia e Dona Sé, abandonaram suas casas e migraram de Lagoa
Queimada para Jequié, na cabina de um caminhão (AEE, p. 98 - 99).
Com a morte do trem, as cidades do Vale do Jequiriçá ficaram desvinculadas
comercialmente e perderam seu elo, porque o caminhão, além de ser um transporte diferente,
77
PAULA, 2000, p. 189 – 190.
72
ainda era escasso. Com o fortalecimento do transporte rodoviário, incrementa-se a saída do
transporte ferroviário. De acordo com Paula, ―quem persistia na utilização dos precários trens
era a população de baixa renda, tanto no transporte suburbano quanto no do interior‖. 78 Na
forma de pensar dessa autora, esse dado favoreceu o golpe final nas ferrovias, porque era
preciso força política/econômica para fazer frente aos interesses multinacionais, que estavam
associados aos nacionais, corporificados no Estado brasileiro. Somando-se a isso a idéia do
moderno, representado pelo automóvel.
Na narrativa de Santa Inez, especificamente, o diálogo da substituição do trem pelo
caminhão, fica evidente as dificuldades que os ricos e, principalmente, os pobres enfrentaram
com a desativação da ferrovia. A obra As estradas da esperança possibilita pensar na
conciliação da rodovia com a ferrovia. Numa breve reflexão sobre a retirada dos trilhos no
Brasil, nota-se que as estradas de ferro foram construídas para transportar as riquezas
existentes ao longo das linhas (produtos agrícolas, cargas diversas, minérios, entre outros).
Poucas ferrovias se preocuparam com o transporte de passageiros, porque no caso da EFN, o
lucro desta estrada não era resultante deste tipo de transporte.
Os responsáveis pelos transportes na Bahia não estavam preocupados em articular
ferrovia e rodovia. O objetivo era a substituição de um sistema de transporte pelo outro. A
ampliação da rede de vias terrestres e do parque de automóveis, caminhões e ônibus, no
interior do estado, notadamente após a década de 1930, alterou profundamente o papel da
EFN. O trem, o único meio mecânico de locomoção disponível, durante décadas, passou a ser
considerado um sistema enrijecido e pouco operativo, com demoras intoleráveis de 60 e até
90 dias para a entrega de mercadorias.
Em seu estudo, Zorzo informa que no ano de 1934, a relação entre a lotação utilizada e
a oferecida pelos trens da empresa era de menos da metade, ou seja 49%. Em 1935, ao ser
entregue a BA-2, de Ipiaú até Itabuna e ao porto de Ilhéus, o cacau da região da mata passou a
ser transportado pela rodovia para esse porto, a fim de se dirigir a Salvador. O tráfego
descendente Jequié a Nazaré perdeu enormemente seu volume de cargas. No tempo do
transporte de cargas por tração animal, a ferrovia concentrava muito mais a produção
regional. As 10.065 toneladas de cacau, transportadas pelo trem de Nazaré, em 1938,
baixaram para 304 toneladas em 1954. As 18.536 toneladas de café, transportadas em 1937,
reduziram-se a 1.380 toneladas em 1952. A conclusão da rodovia Rio-Bahia (BR-116), na
década de 1950, também enfraqueceu as possibilidades da EFN.79
78
79
PAULA, 2000, p. 249.
ZORZO, 2001, p. 242-243.
73
Deduz-se das informações acima que o transporte de mercadorias era mais importante
e lucrativo que o de passageiros, porque quando há redução no volume de cargas
transportadas pelo trem, a ferrovia passa a ser desativada. Infere-se também que parte da
produção passou a ser escoada pelas rodovias.
Em As estradas da esperança, o narrador revela sua preferência pelo trem,
desqualificando as viagens de caminhão, argumentando sobre o perigo e o desconforto que
este meio de transporte causava com os tombos, balanços e as dificuldades dos passageiros
para subirem até a carroceria. O seu posicionamento de apreço à ferrovia pode ser
evidenciado no retorno de Alípio para Jequié.
4.3 O retorno de Alípio para Jequié
Alípio foi uma das personagens que enfrentou dificuldades com a desativação da
estrada, para retornar para Jequié e também para os braços da sua amada (Rosa). Ele
―trabalhava como diarista na Prefeitura de Mutuípe, trocando lâmpadas queimadas, fincando
postes, abrindo e fechando a água da usina‖ (AEE, p. 96). Quando pensou em regressar à
família, o trem só o levaria até Ubaíra e, daí até Jaguaquara, logo, deveria aventurar-se num
caminhão ou num jipe para seguir viagem. Como as cidades do Vale do Jequiriçá não eram
contempladas pela BR-101, nem pela BR-116, restando apenas as deficientes estradas de
rodagens, subentende-se que o número de jipes e caminhões disponíveis era menor que nas
rodovias federais.
Ao narrar a viagem de Alípio, de Ubaíra até Jaguaquara Santa Inez registra que o
caminhão era uma solução para se aproximar de Jequié e que na carroceria deste meio de
transporte já havia algumas pessoas, entre elas, mulheres e crianças:
E o caminhão seguiu, sacolejando, trepidando, parecendo ter as rodas quadradas.
Uma velha começou a rezar, em voz alta, enquanto se ouvia, em contra-ponto, o
choro amedrontado de uma criança. Alípio afundou o chapéu na cabeça, para que o
vento não o levasse, e ficou pensando na diferença que havia entre a viagem de trem
e aquela tortura de sol quente, de saltos e de perigo que era o caminhão (AEE, p. 97).
Com a desativação da ferrovia, a cidade de Jequié foi contemplada pela BR-116
(rodovia também chamada de Rio-Bahia) e continuou crescendo. Com Santo Antônio de
Jesus não foi diferente, porque havia o transporte rodoviário (ligando-a diretamente com Feira
de Santana) e o trem, mesmo em situação precária, ainda fazia o percurso São Roque do
74
Paraguaçú – Santo Antônio de Jesus. Entretanto, as cidades do Vale do Jequiriçá enfrentavam
sérios problemas com transportes. Ao se referir à decadência da EFN e a desarticulação da
rede urbana, Zorzo considera que São Miguel transformou-se num município isolado e
decadente e decresceu em números populacionais. A desativação do ramal ferroviário de
Amargosa, no início da década de 1960, aliada ao declínio do seu principal cultivo, o do café,
correspondeu a incontestável perda populacional. ―Ubaíra e a zona adjacente do Vale do
Jequiriçá também sofreram muito com a decadência da ferrovia, juntamente com Santa
Inês‖.80
A narrativa referente ao retorno da personagem Alípio para Jequié evidencia as
dificuldades da população com a ausência do trem no Vale do Jequiriçá.
DE JAGUAQUARA A JEQUIÉ
O caminhão despejou a sua pobre carga de gente e pacotes e sacolas e malas na
praça de Jaguaquara. Alípio estava ali, com fome, desorientado. Teve vontade de
perguntar para que lado ficava Jequié, e andar até morrer. Mas ficou com vergonha,
acanhado.
— O senhor sabe de alguém que vai prá Jequié?
— Ali na oficina tem um moço que leva o pessoal. Ele tem um jipe.
Alípio foi até a oficina:
— É daqui que sai um jipe prá Jequié?
— Não. Daqui sai um jipe prá qualquer lugar. O senhor contrata a viagem, e eu levo
o senhor até onde o senhor quiser.
Alípio não gostou do discurso. Não gostava de ser tratado como criança.
Se o desgraçado do jipe ia para qualquer lugar, é claro que iria até Jequié. Não
gostou da cara do sujeito.
— E por quanto o senhor me leva até Jequié?
— O senhor vai sozinho?
Era uma pergunta idiota. Alípio chegou a pensar que era brincadeira do outro. Como
iria sozinho, se não sabia dirigir? E mesmo que soubesse, o outro iria entregar-lhe o
jipe?
— Como, sozinho? O senhor não vai dirigindo?
Foi a vez do outro sorrir:
— O senhor sabe quanto custa uma viagem daqui até Jequié?
— Não.
— Pois é por isto que eu estou perguntando se o senhor vai sozinho. Eu costumo
levar cinco ou seis. Já levei oito. Quando é muita gente a despesa fica dividida.
Porque eu tenho que cobrar ida e volta, porque não sei se vou achar passageiros para
voltar. Entendeu agora?
Alípio teve vontade de dar-lhe um soco. Mas estava aprendendo a conviver com o
mundo.
— Se eu for sozinho, quanto o senhor cobra?
O outro não respondeu. Examinou-lhe a roupa, a bagagem — aquela malinha azul,
de madeira — e disse:
— É melhor o senhor esperar. Daqui a dois ou três dias eu já juntei gente bastante
para uma carga.
Ficaram conversando mais um pouco e Alípio ficou sabendo que, mesmo dividindo
por cinco, a sua passagem iria custar vinte vezes mais do que se fosse de trem. E se
80
ZORZO, 2001, p. 235.
75
ele fosse sozinho chegaria pedindo esmola, porque todo dinheiro que trazia não dava
para aquela viagem.
— Quer dizer, que o senhor acha que só vai daqui a três dias?
— É. Mas não posso garantir. Se tiver passageiros... (AEE, p. 99-100).
O trem sai da história entra o caminhão e o jipe, mas Alípio não tinha dinheiro para
pagar a despesa com a passagem e viajar sozinho. Esperar mais passageiros demoraria mais
dois ou três dias, mesmo assim a passagem custaria bem mais do que se fosse de trem. O que
fazer diante de tal situação? O trem estava velho, atrasava, mas todos os dias fazia o percurso
Nazaré a Jequié e vice-versa. A partir da dificuldade desta personagem, pode-se imaginar o
sofrimento de toda população do Vale com transporte, principalmente, nas décadas de 196070, que a estrada estava sendo desativada e o número de automóveis ainda era baixo. Se o
lombo dos animais era a opção para transportar a produção agrícola, das fazendas nos
arredores da ferrovia até as estações, agora, juntamente com o caminhão e o jipe, servia
também para transportar as pessoas do meio rural para as cidades e de uma cidade para outra.
O trem tinha sido ―enterrado‖, mas os dormentes levariam Alípio até Jéquié, porque, hoje,
pela rodovia (que foi construída seguindo os trilhos do trem), a distância entre estas duas
cidades é aproximadamente de 60 km.
UM A UM, OS DORMENTES SÃO CONTADOS
[...] Jequié não estava longe. Se aquele trem lento vinha tão rápido, ele poderia ir a
pé. Por que não? Sabia andar, não era aleijado; a mala estava leve. A noite vinha
chegando. Melhor, ainda, porque ninguém iria rir dele.
Comprou alguma coisa para comer, comprou um facão novo, já que ia viajar
sozinho e à noite, e esperou a escuridão. Mas não esperou muito, que estava com
pressa. Pouco se importava que risse dele, com aquela mala ridícula, como criança,
contando os velhos dormentes, que prendiam os trilhos: um, dois, três, quatro, cinco,
seis... O fundo das casas, o fundo da igreja, do templo batista, das ruas da Muritiba,
Casca, o começo da ladeira... As luzes do ginásio parecia que alguém cantava, talvez
estivessem em festa.
Os dormentes tinham uma distância uniforme que lhe obrigava as passadas. Talvez,
por isto, estivesse cansado. E aquele diabo de mala, como pesava! Nunca imaginou
que uma malinha daquelas pesasse tanto. Antes tivesse mesmo esperado. O homem
do jipe estava com a razão. A distância era enorme. As mãos doendo na alça da
mala, o melhor é levá-la ao ombro ou, como as negras, na cabeça, um, dois, três,
quatro, o ginásio ainda está ali, essa estrada dá voltas...
A noite fresca leva Alípio estrada afora. No céu, profundo e aveludado, luzem
mundos de estrelas. O caminho de são Tiago, estrada de luz sem trilhos, sem
dormentes, lança uma claridade suave sobre os passos do viajante. Ah, se o trem
passasse por aqui! Café com pão, bolacha não, café com pão, bolacha não...
Piiiiiiiii...
A primeira luz da manhã encontrou-o cansado, sedento, faminto, contando
dormentes em direção a Jequié: um, dois, três, quatro, cinco... (A E E, p.100-101).
76
Além da personagem Alípio, outras personagens da narrativa de Santa Inez estão
chegando a Jequié (Dona Sé e Téia). A estrada fora desativada por trechos, perdendo espaço
para as rodovias, porque no pensamento e interesse das autoridades políticas brasileiras,
naquele momento, o automóvel representava o moderno e o trem estava ultrapassado.
Entretanto, no processo de substituição da ferrovia pela rodovia, o Vale do Jequiriçá,
composto por cidades distantes umas das outras, aproximadamente, entre 10 e 20 km, foi
muito prejudicado com a ausência do trem, porque não era contemplado, nem com a BR-101,
nem com a 116. Restavam as estradas de rodagens e os deslocamentos mais extensos, em
lombos de animais, para os produtores agrícolas. Havia estações da ferrovia não só nas
cidades, mas em localidades rurais — povoados como Barra (entre Mutuípe e Jequiriçá);
Jenipapo (entre Ubaíra e Santa Inês) e Lagoa Queimada (entre Santa Inês e Itaquara). Como a
cidade de Jaguaquara está localizada a mais ou menos 10 km da BR-116, o povoado aí
existente se transformou num grande distrito, cujo nome é ―Entrocamento de Jaguaquara‖, por
influência da rodovia. Este distrito tem uma população igual ou maior que a da cidade de
Jequiriçá, ou da de Santa Inês, ou Itaquara. Outra cidade que ganhou um ―entrocamento‖ foi
Laje, por estar localizada a 15 Km da BR-101. Já as cidades de Mutuípe, Jequiriçá, Ubaíra,
Santa Inês e Itaquara, que são mais afastadas destas duas BRs, tiveram crescimento
populacional baixo, se comparado com a população que havia na década de 1970. Cada um
destes municípios, ainda hoje, tem população inferior a 30.000 habitantes.
O surgimento das rodovias foi fator influenciador do crescimento populacional de
alguns municípios (Santo Antônio de Jesus e Jequié). Porém, outros fatores como a
localização e o comércio com cidades vizinhas podem explicar porque algumas cresceram,
outras não e algumas perderam população, no período de convivência da ferrovia e a rodovia
(1950 – 1970). Santo Antônio de Jesus, Capela do Padre Mateus, na época em que pertencia a
Nazaré, foi ponta de trilhos por 10 anos (1880-1890), no início da construção da ferrovia. Foi
beneficiada também, no período de desativação da estrada, porque usou o trem por mais
tempo que as outras cidades do Vale do Jequiriçá. Quando Nazaré deixou de ser ponto de
partida para se tornar apenas ponto de passagem do trem, a partir de 1940, com a inauguração
do porto de São Roque, perdeu importância comercial e teve baixo crescimento populacional.
Na medida em que as cidades servidas pelo trem passaram a escoar parte de sua produção
pelas rodovias e a manter vínculo comercial com outras cidades (com Vitória da Conquista,
Ilhéus, Itabuna, Feira de Santana), a EFN entrou em crise e Nazaré das Farinhas teve seu
comércio prejudicado.
77
Jequié, que era o fim de linha da estrada, não sofreu muito com ―a morte do trem‖,
porque ganhou a rodovia e ampliou seu contato com cidades maiores como Vitória da
Conquista, por exemplo. Portanto, a desativação da EFN no Vale do Jequiriçá obrigou cidades
como Santa Inês, Itaquara e Jaguaquara a intensificarem seus contatos com Jequié e a usar a
BR-116. Já as cidades de Jequiriçá, Mutuípe, Laje, Amargosa e São Miguel, passaram a usar a
BR-101, favorecendo o comércio com Santo Antônio de Jesus.
4.4 “Doenças” que causaram “a morte do trem de Nazaré”
Em As estradas da esperança, o romancista considera que a ferrovia era uma porta
para o mundo e a decisão do governo em desativá-la nada tinha de democrática, mas o povo
tão ignorante não fez nenhuma manifestação para impedir ―o direito divino dos que decidem‖
(AEE, p.135). Ou seja, ―a morte do trem‖ teria sido uma decisão autoritária dos governantes,
que não dependiam daquele meio de transporte e nunca havia utilizado aquele serviço. É
válido lembrar que em pleno regime militar as pessoas não tinham espaços para reclamar e se
posicionar contra a desativação da EFN.
Em seu estudo Douradense: a agonia de uma ferrovia, Ivanil Nunes analisou a
desativação desta ferrovia paulista, argumentando sobre o ―fim da era ferroviária‖. Nunes
sinalizou, que após a crise de 1929, teria ocorrido a decadência do complexo cafeeiro,
esgotando-se, por conseqüência, o modelo de transportes baseado na ferrovia. A partir de
1940, no Brasil, foi feita a opção pelo ―rodoviarismo‖ e a partir de 1960 se iniciou uma
verdadeira operação de desmonte do sistema ferroviário paulista.81
No terceiro capítulo dessa obra, intitulado de ―A retirada dos trilhos‖, Nunes
considerou o ano de 1961 como marco de substituição das ferrovias por estradas de rodagens.
Em sua argumentação, além de citar a publicação do Decreto-Lei número 2.698, de
27/12/1955, que dentre outras providências, estabelecia a substituição de ferrovias,
reconhecidamente deficitárias, por rodovias, este autor pontua um conjunto de fatores que
favoreceram o crescimento rodoviário, asfixiando as ferrovias e provocando a retirada de
ramais, considerados ―antieconômicos‖. Entre estes fatores, estariam o caminhão, o ônibus e
automóveis, como os concorrentes das ferrovias, apoiados, tanto pela vantagem comparativa
em determinados percursos (comparação do tempo, velocidade e custo da viagem, por
81
NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2005. p. 18. Livro
originado da dissertação de Mestrado em Economia, UNESP, Araraquara, 2002.
78
exemplo), quanto pela infra-estrutura montada pelo setor público para o beneficio desses
novos elementos.82
Ainda que o processo de desativação da Douradense tenha sido semelhante ao da EFN,
não se pode pensar que a retirada dos trilhos no Brasil aconteceu de forma homogênea. Isso
dependia muito da importância da ferrovia e dos interesses dos governos (estadual e federal,
em parceria com os administradores privados). Paulo Roberto Cimo Queiroz problematizou o
debate acerca da retirada dos trilhos, fazendo-nos pensar se naquele momento (1950-1970), o
Brasil tinha ou não condição de modernizar sua rede ferroviária. Ele considerou que o triunfo
das rodovias teria sido obtido graças a um verdadeiro complô, envolvendo, numa vasta trama
de corrupção, os governos e as grandes empresas petrolíferas e automobilísticas (todas
estrangeiras) — complô pelo qual se teriam deliberadamente deixado as ferrovias à míngua de
recursos, os quais, em contrapartida, haveriam sido generosamente fornecidos ao setor
rodoviário.83
Ao analisar os principais fatores que conduziram à retirada das linhas da Douradense,
Nunes assinala o aumento da despesa de custeio, principalmente a partir de 1918; queda do
número de passageiros transportados já na década de 1920 (em 1925); redução na tonelagem
transportada de café a partir de 1939; redução da receita com as crises conjunturais (1ª e 2ª
Guerras Mundiais, intercaladas pela Crise de 1929), causando déficits crescentes à
Companhia, os quais a impossibilitaram de cumprir seus compromissos financeiros. Portanto,
a operação desmonte nas linhas da Douradense é entendida por esse autor como uma
―agonia‖, devido ao seu processo relativamente lento de desativações parciais em função do
asfaltamento das estradas. Em decorrência disso, houve a substituição das Jardineiras pelos
ônibus e aumento do número de caminhões na região (Douradense), que provocaram ao longo
do tempo a perda da concorrência dos trechos restantes da ferrovia.84
O processo de desativação da EFN, de certa forma, foi muito parecido com o da
Douradense, em comparação aos trechos da estrada, que eram desativados de forma a causar
uma ―agonia‖ na população do conjunto de cidades servidas pelo trem de Nazaré. Em 1963, o
tráfego da estrada já não era realizado em toda sua extensão. O trecho Santa Inês – Jequié
havia sido interrompido, assim como o ramal de Amargosa. Continuava em funcionamento o
trecho São Roque – Santa Inês, numa extensão de 189 km.
82
NUNES, 2005, p. 156.
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimo. Notas sobre a experiência das ferrovias no Brasil. História Econômica &
História de Empresas. 1991, p. 91.
84
NUNES, 2005, p.185 – 186.
83
79
Porém, ―a morte do trem de Nazaré‖ foi causada por ―doenças‖ específicas. Além da
concorrência rodoviária, queda da produção agrícola e desgaste da ferrovia, aconteceram
algumas enchentes (em 1947, 1952 e 1960), que causaram grandes estragos e prejuízos à
EFN, destruindo estações, pontes e interferindo no tráfego. Em As estradas da esperança, ao
se referir à passagem do trem pela estação de Laje, Santa Inez informa que a cidade se
chamava Nova Laje, porque todo ano a enchente levava as casas, que eram muito próximas ao
rio e o povo tinha que reconstruí-la.85 Em 1964, foi supresso o tráfego de Santo Antônio de
Jesus a Jequié, em caráter definitivo, funcionando apenas, de modo precário, o trecho São
Roque do Paraguaçu – Santo Antônio, numa extensão de 64 km.86
O início da ligação da EFN, em 1957, entre Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas
tinha o objetivo de integrar o trem de Nazaré à Via Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB),
para diminuir a dependência com a navegação marítima no intercambio com Salvador, pois o
porto de São Roque encontrava-se carente de instalações adequadas, guindastes e armazéns. O
cais estava sob ameaça de possíveis desabamentos e não sendo feitos os reparos ficou
comprometido o transporte das mercadorias.
Com a desativação de trechos da estrada e o trem perdendo espaço para as rodovias,
foi cancelada a ligação entre a EFN e a VFFLB (Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas).
No ano de 1965, ocorreu o desmoronamento parcial do cais do porto de São Roque, tornando
a situação insustentável, contribuindo para o fechamento do último trecho em tráfego (Santo
Antônio a Nazaré), em 1971. Neste mesmo ano de liquidação da EFN, foram iniciadas as
operações Ferry Boat entre Salvador e a Ilha de Itaparica, ligando esta ao continente, na parte
de Nazaré, pela ponte do Funil.87
No capítulo 137, O direito divino dos que decidem, Santa Inez retoma o discurso
sobre a utilidade do trem de Nazaré para o conjunto de cidades servidas pela ferrovia. Além
disso, sobressai nos argumentos do autor que ―a morte do trem‖ foi uma decisão do governo,
sem se preocupar com a população ou tomar medidas para salvar a ferrovia. A obsolescência
da EFN, incapaz de competir com o transporte rodoviário, associada à ausência de uma
política que integrasse ferrovia, rodovia e navegação resultaram no enrijecimento e crise do
sistema ferroviário baiano.
85
As enchentes mais comentadas, ainda hoje, pela população do Vale do Jequiriçá, são a de 1914 e de 1960, que
destruíram casas da cidade de Laje e outras cidades do Vale: Mutuípe, Jequiriçá e Ubaíra. Nos relatórios e Plano
de Reequipamento da EFN, referentes aos exercícios de 1947, 1952 e 1960 constam enchentes nos rios Jequiriçá
e Jaguaripe, que causaram sérios prejuízos à estrada.
86
Relatório da EFN, referente ao exercício de 1964, p. 1 e 2.
87
Ver CARLETTO, 1979, p. 231.
80
Conforme o estudo de Carletto, a situação de crescente abandono do parque
ferroviário brasileiro só tomaria uma dimensão nova a partir de 1973, com a crise
internacional do petróleo. O Brasil, que vinha sendo um país francamente rodoviário, com
uma média de 80% do seu transporte de carga feito por rodovia, viu-se obrigado a repensar a
sua política de transporte. Isso porque a inauguração de rodovias de custo elevado e
manutenção cara, ao lado da crescente desarticulação de ramais ferroviários, passou a
despertar críticas cada vez mais freqüentes.88
Em As estradas da esperança, Santa Inez sinaliza que um dia o trem voltará. Não se
trata de ficar chorando e sofrendo com a desativação das ferrovias no Brasil, ou adotar uma
postura favorável ou cruciante para as rodovias, mas pensar a integração desses meios de
transportes de forma a contribuir com o desenvolvimento do país. Na análise da narrativa de
Santa Inez, além de notar a saudade e apego ao trem, vê-se também que este estava sujo,
velho e ―doente‖, trafegando para a morte. Percebe-se, ainda, a substituição deste pelo
caminhão e o jipe. No diálogo do aleijado com a personagem Franz, obtêm-se as seguintes
informações:
[...] Se ainda tivesse o trem eu ia ver você todo mês. Mas agora...
— Mas agora tem esse Jipe brabo. Se você não se importar de viajar junto desse cão
feio.
— Eu vou gostar muito de ir lá. Se não for trabalho...
— Não é. Eu estou sempre por aqui, por causa dos meus negócios. E a fazenda é
quase caminho.
O trem ainda existia. Mas era um pouco como o próprio aleijado: Toda uma
grandeza de possibilidade contida dentro de uma limitação imposta. O aleijado
mesmo comentava:
— Esse trem é igual a mim. Ele, que me cortou as pernas, agora tem os trilhos — as
pernas dele — cortadas. É um trem aleijado (AEE, p.141 - 142).
A associação do personagem aleijado com o trem, que estava com o tráfego limitado,
restando apenas os trilhos de Santo Antônio de Jesus a Jequié e funcionando precariamente,
de São Roque do Paraguaçu a Santo Antônio, indicava o caminho para a morte e restava
somente a esperança. Era uma esperança depositada na possibilidade de estruturar a vida,
aguardando, quem sabe um dia, o seu retorno. A presença dos trilhos, nos trechos desativados,
ao mesmo tempo em que significava o fim, a saudade e a dor, representava também a
existência de um trem que podia ser reativado. É possível imaginar o sofrimento da
população, necessitando daquele meio de transporte, vendo os trilhos e sabendo da morte.
Talvez, alguém (um prefeito das cidades servidas pelo trem, um engenheiro, o governador)
88
CARLETTO, 1979, p. 261 – 262.
81
tomasse uma atitude para evitar a desativação e revitalizar aquele trem aleijado. Com
entusiasmo e paixão, o aleijado, que agora morava em Santo Antônio de Jesus, contou sua
vida, falou do trem e escreveu uma carta com ―A mensagem de esperança‖ para um amigo
que morava em Jequié:
Agora, todo dinheirinho que ganho, vou comprando terras. Porque eu sei que mais
dia menos dia, o trem vai voltar. Às vezes, eu até ouço o apito dele, quando estou
cortando sola, bordando as caronas das selas.
Eu acho que quem tiver juízo vai comprar umas terrinhas e plantar eucalipto. Vai
reflorestar. E, de quebra, plantar cajueiros, mangueiras, jaqueiras, que se a gente não
aproveitar, os passarinhos aproveitam.
O trem, agora, não vai mais até Laje. Aquela parte, que é uma pena, vai morrer,
como as outras morreram. Mas um dia o trem voltará.
Talvez já não seja para mim. Mas meus filhos viajarão, como eu viajei, conversando
com a gente, comprando copos de mingau, rolete de cana... (AEE, p.145 - 146).
Quando aparece na narrativa de Santa Inez a alternativa do reflorestamento às margens
da ferrovia, imagina-se o desmatamento e subentende-se que o combustível utilizado pelo
trem de Nazaré era outro fator de preocupação dos administradores da estrada. ―Eu acho que
quem tiver juízo vai comprar umas terrinhas e plantar eucalipto. Vai reflorestar‖ (AEE, p.
145). Em 1947 são adquiridos os terrenos das fazendas ―Bela Floresta 1ª‖, ―Bela Floresta 2ª‖
e do sítio ―Boa Vista‖, situados entre os km 107 e 109 da linha tronco, no município de São
Miguel das Matas, com o objetivo de construir o Horto Florestal da EFN. A aquisição destas
propriedades, de animais e de ferramentas atingiu a soma de Cr$ 200.000,00 (duzentos mil
cruzeiros) e era uma aspiração preconizada desde 1935, para suprir a estrada, que já
enfrentava a crise de combustível e dormentes.89
As matas próximas à ferrovia estavam devastadas, porque se fazia o uso da lenha
como combustível e também na confecção dos dormentes. Segundo Carletto, ―além de
escassa, a lenha já era extraída a mais de 8 léguas de distância da linha. No inverno, o seu
transporte, quando não cessava, tornava-se caro e dificílimo‖.90
Josemir Camilo de Melo, referindo-se ao fracasso das Ferrovias Inglesas no Nordeste,
argumentou que o combustível importado foi um dos fatores que influenciaram a baixa
rentabilidade no tráfego, dificultando o reembolso da taxa de garantia de 7% de juros. Melo
explicou:
89
90
Relatório da EFN, referente ao exercício de 1947. Ver p. 6; 13; 14 e 20.
CARLETTO, 1979, p. 214.
82
O transporte de combustível da Europa para o Brasil encarecia manter ferrovias nos
trópicos, porque envolvia riscos e seguros altos. As próprias retortas de carvão para
fabricar a hulha vinham também da Inglaterra. No final do século XIX, a importação
deste combustível caiu em 20% e as ferrovias se adaptaram para usar lenha,
começando aí, uma grande devastação do meio ambiente. 91
A constituição do Horto Florestal da EFN seria uma iniciativa louvável, se o trem de
Nazaré necessitasse, naquele momento, apenas de dormentes e do combustível — a lenha.
Mas, os investimentos para restaurar e reequipar a ferrovia foram deslocados para as rodovias,
estacionando o trem na história.
Entre as ―doenças‖ que ocasionaram ―a morte do trem de Nazaré‖, estão a proibição
da exportação do café de terreiro, cultivado por pequenos agricultores do Vale; a crise que
esse produto vivenciou a partir de 1930; o péssimo estado de conservação da ferrovia; a
concorrência das rodovias, com a introdução do automóvel; a despesa maior que a receita, em
decorrência da queda no transporte de cargas; o combustível utilizado – a dificuldade de
encontrar lenha nas proximidades da ferrovia; as indenizações, resultantes dos acidentes, pois
o trem já estava ―velho e sujo, vivendo fora do horário‖; as enchentes de 1947, 1952 e 1960,
nos rios Jaguaripe e Jequiriçá, que causaram prejuízos à estrada; enfim, as políticas de
transportes no cenário nacional, que influenciaram no fechamento dessa ferrovia.
A partir da Segunda Guerra Mundial, no Brasil, na Europa e no mundo, o trem não
representava mais o moderno e o automóvel era o transporte da vez. Porém, As estradas da
esperança evidencia o apreço de Santa Inez por este meio de transporte. É explícito o seu
desejo e esperança na ―ressurreição‖ da ferrovia, a partir da criação da personagem ―o
aleijado‖: ―Mas um dia o trem voltará. Talvez já não seja para mim. Mas meus filhos viajarão,
como eu viajei, conversando com a gente, comprando copos de mingau, rolete de cana...‖
(AEE, p. 146). Infere-se que o romancista enfatiza o retorno da linha férrea e ao mesmo tempo
sugere que o trem foi desativado porque estava com dificuldade de se locomover. A retirada
dos trilhos foi comparada à ausência das pernas da personagem o aleijado, sugerindo que a
falta dos membros ao corpo era como aquele meio de transporte para a população,
especificamente, a do Vale do Jequiriçá.
91
MELO, 2007, p. 160.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra As estradas da esperança pode ser caracterizada como o romance da Estrada
de Ferro Nazaré, porque é a ferrovia que aparece em primeiro plano. Porém, também pode ser
classificado como o romance do cotidiano rural; do cultivo da mandioca; da saudade do trem
no Vale do Jequiriçá; das cidades baianas (além das que eram conectadas pela EFN, são
citadas também Ilhéus, Itabuna, Vitória da Conquista, Brumado, Caculé e Condéuba);
memorialístico, porque Santa Inez cria e reproduz seus enredos (a maioria deles), com base
em sua experiência de vida na Bahia. Mesmo tendo morado no Rio de Janeiro e em São
Paulo, é de cidades como Jequié, Jaguaquara, Itaquara, Santa Inês, Ubaíra, Jequiriçá,
Mutuípe, Laje, São Miguel das Matas, Amargosa, Varzedo, Santo Antônio de Jesus e Nazaré,
que ele relembrou e localizou suas personagens.
O trem funciona como um espaço móvel para a composição de sua narrativa. A Bahia
como um espaço que necessitava ser lembrado, descrito, quem sabe, conhecido pelos amigos
de São Paulo ou por intelectuais, que debateram o tema ferrovia entre os anos de 1970 e 1982,
quando publicou sua obra. Talvez, nada disso o tenha influenciado a produzir o romance As
estradas da esperança e o motivo pode ter sido diversão, prazer e a vontade de ser escritor.
Com apenas duas obras, Santa Inez contou e cantou a sua terra, sua gente, principalmente,
Serra Grande (onde nasceu e cresceu) representada por Serra do meio, primeiro romance
publicado, em 1980.
Esse escritor de dois livros contribuiu para articular uma discussão envolvendo ficção,
representação, história, memória, cotidiano e ferrovia. O objetivo não foi dissertar esses
conceitos teoricamente, mas localizá-los na obra As estradas da esperança, com o auxílio das
outras fontes citadas: os livros de memórias, os outros textos literários de Santa Inez, algumas
fotografias, alguns jornais e os relatórios da EFN.
Os trabalhos acadêmicos sobre ferrovia na Bahia e no Brasil, mencionados nesta
dissertação, também contribuíram para a descrição e entendimento dos problemas da
pesquisa: a representação do cotidiano, da região e da desativação da linha férrea. Tanto o
romance quanto os livros de memórias representaram um discurso de modernidade, progresso,
utilidade e saudade, referente ao trem. As fotografias, os jornais e relatórios sobre a EFN
foram de fundamental importância para situar o recorte temporal (1960-1971), porque a fonte
literária é rica em descrições cotidianas, mas não oferece datas, oscilando no tempo.
84
As Estradas da Esperança serviu para abordar questões que outras fontes não
permitiriam e para levar a entender que os discursos históricos e literários constroem uma
idéia de realidade e nos ajuda a refletir sobre o ofício do historiador. Na literatura, os
romancistas têm liberdade para criar personagens e inventar os fatos, além disso, é um
discurso que dispõe de maior habilidade para seduzir o leitor e não se compromete
diretamente com a veracidade. O pesquisador da história depende do arquivo, deve fazer as
citações dos mais variados tipos de fontes usadas na pesquisa, caracterizar seu objeto, situá-lo
no tempo e no espaço e apresentar uma escrita atraente.
Ao longo da análise do romance As estradas da esperança, o objetivo foi
problematizar o cotidiano, a região e a desativação da EFN, com base na trajetória das
personagens e nos papéis desenvolvidos, como se fossem pessoas vivas. Muitas vezes estas
personagens são reproduzidas de situações reais e ajudam a interpretar a vida do criador. As
informações sobre a vida de Santa Inez — ano e onde nasceu, estudou, morou, em que
trabalhou, o que leu, publicou — serviram para classificar sua obra como romance
memorialístico, por suas vivências na EFN (as viagens no trem), a região (o uso dos nomes
reais das cidades) e o tempo que retratou.
O título da dissertação é ―Uma viagem histórica pelas estradas da esperança‖ e não ―a‖
viagem, porque muitas outras viagens podem ser feitas, alcançando novas temáticas e
problemáticas. Porém, o que foi observado, foi escrito com o objetivo de evidenciar que a
obra As estradas da esperança serviu para representar aspectos históricos e memorialísticos
da EFN.
Se Mad Maria é uma tentativa de reconstrução da história da ferrovia Madeira –
Mamoré, sugerindo temáticas e questionamentos, referentes ao meio ambiente amazônico,
saúde, corrupção, prostituição, a política nacional no início do século XX, o cotidiano dos
trabalhadores, o surgimento da cidade de Porto Velho, em função do trem e uma crítica à
modernidade e ao capitalismo, As estradas da esperança representa a memória de Santa Inez.
Suas lembranças sobre os modos de viver, os aspectos da economia local e regional, o
surgimento, crescimento e desarticulação de um conjunto de cidades baianas, tudo isso,
atrelado à Estrada de Ferro Nazaré. Este estudo chega às considerações finais, sinalizando a
possibilidade de ampliação da historiografia sobre a implantação e desativação de linhas
férreas na Bahia e no Brasil, a partir de discursos literários.
85
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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ANDRADE, Daria Gláucia Vaz de. Colégio Taylor Egídio: 100 anos (org.). Ed. Eletrônica,
1998.
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AMARAL, Ítalo Rabêlo do. Jaguaquara: Dados Históricos; Intendentes e Prefeitos. Salvador,
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SANTA INEZ, Antônio Leal de. Serra do meio. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1980.
115p.
______. As Estradas da Esperança. São Paulo: Clube do Livro, 1982. 146 p.
______. A família é um arquipélago ou Os Santa Inês da Bahia, arquivo da família, texto
datilografado, mas não publicado (47p).
______.Contos de amor e ternura, arquivo da família, texto datilografado, encadernado, mas
não publicado. (78p).
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Mensagem apresentada à A.G.L. pelo Dr. Luiz Vianna, Governador da Bahia, em 07 de abril
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Mensagem apresentada à Assembléia Geral Legislativa pelo Dr. Severino Vieira, Governador
do Estado, em 11 de abril de 1901. Bahia, typ. e Enc. do Diário da Bahia, 1901.
Mensagem apresentada à Assembléia Geral Legislativa do Estado da Bahia, na abertura da 1ª
sessão ordinária da décima Legislatura pelo Dr. João Ferreira de Araujo Pinho, Governador
do Estado. Bahia, Oficina da Empresa à Bahia, 1911.
Mensagem apresentada à Assembléia Geral Legislativa do Estado da Bahia, na abertura da 2ª
sessão ordinária da 11ª Legislatura pelo Dr. J. J. Seabra, Governador do Estado. Bahia,
Secção de Obras da Revista do Brasil, 1912
Mensagem de despedida lida perante a Assembléia Legislativa, em sessão extraordinária de
27 de janeiro de 1951, pelo Dr, Otávio Mangabeira, Governador do Estado. Imprensa Oficial,
1951.
87
Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, pelo governador do Estado Luiz Regis
Pacheco Pereira, em 07 de abril de 1952. Salvador, Imprensa Oficial, 1952.
Relatórios da EFN, referentes aos exercícios de (1947, 1960, 1963, 1964).
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Bahia pelo Sr. Barão de São Lourenço,
Presidente da Província, em 1º de março de 1871. Bahia, Typ. de J. G. Tourinho, 1871.
ARQUIVOS PARTICULARES
1.Rosiery Santa Inez
Cópia do livro: SANTA INEZ, Antônio Leal de. As Estradas da Esperança. São Paulo: Clube
do Livro, 1982. 146 p.
____. A família é um arquipélago ou Os Santa Inês da Bahia. Texto datilografado, mas não
publicado (47p).
2. Vânia Maria Santa Inez
Livro: SANTA INEZ, Antônio Leal de. Serra do meio. São Paulo: Edições Melhoramentos,
1980. 115p.
_____. Contos de amor e ternura. Texto datilografado, encadernado, mas não publicado.
(78p).
3. Professora Joselita Vilasboas
Livros: BAHIA. Diagnóstico de Municípios Vale do Jiquiriçá. Edição SEBRAE. Salvador,
Março de 1995. 125p.
Mutuípe: um Município em Marcha. Mensagem apresentada à Câmara Municipal de Mutuípe,
na solenidade de instalação, realizada em 07 de abril de 1954, relativa ao exercício de 1953.
Bahia – Brasil. 49p.
Almanaque Jequiriçá, ano 1, Nº 1, 2003. 28p.
JORNAIS
88
O paládio de 1946, nº 2.225; 1951, nº 2.379
O Mutuípe de 1946, nº 2.
FONTES ORAIS
Depoimento de Antônio Rosiery Bulhões de Santa Inês; sobrinho do autor, Sociólogo e
funcionário público (Fórum), que reside em Mutuípe – BA. Entrevista concedida em
12/05/2009.
Depoimento de Miguel Santa Inês, irmão do autor, nascido em 06/10/1932, residente na
Fazenda Cariri, Mutuípe – BA, agricultor, 77 anos. Entrevista concedida em setembro de
2009.
Depoimento de Vânia Maria Moura de Santa Inez, Psicóloga, filha de Antônio Leal de Santa
Inez, nascida em 06/05/1956, que concedeu a entrevista em 12/12/2009, no seu apartamento,
em Salvador – Bahia.
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93
ANEXO
I.
MAPA DO VALE DO JEQUIRIÇÁ – DIVISÃO TERRITORIAL (Cidades do Vale
que eram servidas pela ferrovia: Jaguaquara, Itaquara, Santa Inês, Ubaíra, Jequiriçá,
Mutuípe, Laje, Amargosa e São Miguel).
SEPLAN – Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (Disponível em:
<www.seplan.ba.gov.br/mapa>. Consultado em 08 de agosto de 2010).
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