El alcornocal y el negocio corchero
Transcrição
El alcornocal y el negocio corchero
El alcornocal y el negocio corchero: Una perspectiva histórica e interdisciplinar O Montado de sobro e o setor corticeiro: uma perspetiva histórica e transdisciplinar Coordinación: José Francisco Rangel Carlos Manuel Faísca Sónia Bombico Pedro Mourisco 1 2 El alcornocal y el precio corchero: una perspectiva histórica e interdisciplinar O Montado de sobro e o setor corticeiro: uma perspetiva histórica e trasdisciplinar Coordinación José Francisco Rangel Carlos Manuel Faísca Sónia Bombico Pedro Mourisco Imprenta: Diputacion de Badajoz 3 Título: El alcornocal y el negocio corchero: Una perspectiva histórica e interdisciplinar / O Montado de sobro e o setor corticeiro: uma perspetiva histórica e transdisciplinar Coordinadores: José Francisco Rangel, Carlos Manuel Faísca, Sónia Bombico y Pedro Mourisco I.S.B.N.: 978-84-608-7632-8 D.O.I.: 10.13140/RG.2.1.4678.6961 Depósito legal: BA - 000105/2016 Edita: Diputación de Badajoz Imprime: Gráficas Diputación de Badajoz Título foto de portada: Uma amostra de uma forte, grande e coesa equipa Autores foto de portada: Five Photography 4 Coordinadores: José Fancisco Rangel Preciado Carlos Manuel Faísca Sónia Bombico Pedro Mourisco Autores (por orden de aparición): Andrés Hernaiz de Sixte Hugo Hilário Sónia Bombico André Carneiro Carlos Manuel Faísca José Maria Paínha Francisco Manuel Parejo Quim Alvarado Fátima Afonso Ignacio García Pereda Armando Quintas Jordi Turró Pedro Mourisco José Francisco Rangel Adrián Tejeda 5 Célia Gonçalves Tavares Clara Prates Maria Dolores Palazón Botella RETECORK Ricardo S. Ceia Rui A. Machado Jaime A. Ramos Ana Cristina Esteves Isabel Fernandes Bart Devreese Artur Alves António Correia Manuel Penteado Ricardo Braga Pedro Aguiar Pinto 6 Índice Pág. – El corcho una industria con color extremeño.................................. 9 – Prefácio.......................................................................................... 11 – Introducción................................................................................... 13 – Historia / História...................................................................... 17 – Do Mar ao Montado: Evidências da utilização e exploração de cortiça na Lusitânia Romana..................................................... 19 – Regulação contratual das práticas suberícolas no Sudoeste Peninsular (1852-1914).................................................................. 45 – A Casa Reynolds 1838-1890 um caso de pioneiro na indústria corticeira no Alentejo e na Extremadura........................................ 67 – La explotación catalana de las dehesas extremeñas. Los Torrellas, 1879-1923............................................................... 91 – A Mundet e o acesso ao «filão da boa cortiça». O abastecimento de matéria-prima às fábricas Mundet (1905 - 1988)....................... 119 – Innovación e internacionalización en el negocio corchero. Cambio técnico en la industria del tapón de corcho: el caso de la familia Sabaté........................................................................ 151 – Economía...................................................................................... 177 – La manera de hacer bien las visitas, fórmulas empresariales para la venta de productos de corcho. El caso de la empresa Esteva de Palafrugell...................................................................... 179 – Does Ponte de Sor have conditions to implement a Triple Helix Model? - The Cork Sector........................................ 203 – El distrito industrial corchero de San Vicente de Alcántara. Desarrollo industrial e internacionalización.................................... 221 7 – Turismo......................................................................................... 247 – Um novo produto turístico para o Alentejo. – A Rota do Montado de Sobro........................................................ 249 – CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. Valorización social y turística de los paisajes corcheros................... 269 – Biología y Silvicultura / Biologia e Sivilcultura..................... 289 – A importância das aves no controlo de pragas de desfolhadores nos montados..................................................... 291 – Diplodia corticola como agente causal do declínio do Montado em Portugal............................................................... 307 – Silvicultura de Precisão: Avaliação da variabilidade espacial e utilização de imagens aéreas de alta resolução na gestão do montado de sobro..................................................... 331 8 El corcho una industria con color extremeño El negocio corchero ha sido, es y será para Extremadura una industria a fomentar y cuidar institucional y empresarialmente. Y más concretamente para la provincia de Badajoz, donde se encuentra la localidad de San Vicente de Alcántara, de la cual me enorgullece ser Alcalde, la población española con mayor número de establecimientos dedicados a este producto, y donde el corchero es un negocio que cuenta con un arraigo y tradición de más de 150 años. Esto nos permite encontrarnos con que las grandes firmas que han existido a nivel mundial, y que en este libro se presentan, hayan tenido sede en San Vicente de Alcántara, como son los Reynolds o los Mundet. Además de encontrarnos en la región con proyectos que han sido punteros, como los llevados a cabo por el Grupo Oeneo o proyectos que tienen visos de convertirse en el impulso del cambio de modelo productivo en la región, como es el caso de la Sociedad Extremeña para la Comercialización y la Innovación del Corcho S.L., que se ponen de relieve en este libro. Es por ello, que los manuales como el que aquí se presentan adquieren una gran relevancia, al mostrarnos una visión histórica que nos lleva a conocer de dónde venimos, una visión económica que nos permite saber dónde estamos y hacia dónde vamos, una visión turística que nos muestra que el corcho es un patrimonio natural, y una visión forestal que nos señalan los males que acechan y las virtudes de este ecosistema. Es un placer para la Diputación de Badajoz y el Ayuntamiento de San Vicente de Alcántara participar en la edición de libros que investiguen y pongan en valor este producto, que tanta importancia tiene para la industria y economía regional, pues no solo genera empleo y rentas en su rama industrial, sino también en su rama forestal y comercial. Es importantísimo sumar esfuerzos para la mejora de este negocio, de ahí que las Universidades de Extremadura y Évora y nuestros vecinos portugueses, pontesorenses y portalegrenses tengan presencia en este libro, es una buena noticia para el negocio corchero, ya que todos somos territorios corcheros. Andrés Hernáiz de Sixte Diputado provincial y Alcalde de San Vicente de Alcántara 9 10 Prefácio O Montado de Sobro e a Cortiça constituem uma das principais riquezas portuguesas, facto que se reflete no papel preponderante que Portugal detém na fileira da cortiça, já que o nosso país é o principal produtor e transformador de cortiça do planeta, com um volume de exportações que ronda os 1000 milhões de euros anuais. O reflexo económico deste setor é, portanto, bastante importante na economia nacional, sobretudo nas principais regiões de produção e transformação de cortiça. Salvo erro de análise ou limitação de conhecimento, esta é a única atividade económica em que o nosso país é líder mundial. Ora, não só o território do Município de Ponte de Sor se encontra na maior região do mundo de produção de cortiça –que engloba ainda os municípios vizinhos de Coruche, Avis, Mora, Gavião e Alter do Chão–, mas também a indústria desempenha aqui um papel preponderante com a existência de cerca de meio milhar de postos de trabalho diretamente relacionados com a transformação de cortiça. Por outro lado, num período da História em que a Humanidade se vê abraços com problemas de ordem ambiental, a gestão tradicional do montado envolve uma parca perturbação do meio ambiente, sendo que estes ecossistemas suportam uma distinta e elevada biodiversidade, que os próprios preservam. Conciliando a exploração e a conservação, graças às suas características de transição entre floresta fechada e o campo aberto, este ecossistema desempenha, também, funções importantes na produção de oxigénio, na retenção de dióxido de carbono, na qualidade da água e na conservação do solo. Assim, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor e conjuntamente com o restante executivo autárquico, foi desde a primeira hora que apoiámos o Congresso Internacional «O Montado de Sobro e a Cortiça: uma perspetiva histórica e transdisciplinar», que decorreu na cidade de Ponte de Sor nos passados dias 11 a 13 de junho de 2015 e cujos textos das respetivas apresentações agora aqui se publicam. Desta forma, permite-se que o conhecimento que foi gerado durante esses três dias possa agora ser consultado por todos aqueles que estudam e investigam questões relacionadas com este complexo sistema agro-sil11 vo-pastoril. De facto, só tendo por base uma investigação científica rigorosa, é que o Montado de Sobro e a Cortiça poderão não só continuar a desempenhar o importante papel que têm tido, como também se poderá alavancar ainda mais as suas potencialidades económicas, sociais e ambientais. Tendo o setor público –central, regional e local– uma responsabilidade acrescida na promoção dos territórios que administra, não podia o Município de Ponte de Sor ter outra postura que não fosse o apoio a esta iniciativa e que, entre muitos outros aspetos, nos aproximou ainda mais de outros territórios ibéricos com preocupações semelhantes o que, certamente, se poderá materializar no surgimento de parcerias profícuas para todos. Por último, um agradecimento público à Comissão Organizadora, integrada por um técnico do Município de Ponte de Sor, à Comissão Científica, a todos os patrocinadores locais e associações do nosso concelho que se envolveram de alguma forma nesta iniciativa que, devido empenho e abnegação que dedicaram a um tema bastante caro à nossa região, se revelou um tremendo sucesso. É, para mim, uma certeza que esta publicação será um contributo relevante para a promoção do sector da cortiça e do montado e que constituirá uma ferramenta disponível, enquanto objeto de reflexão e de aprendizagem para as próximas gerações. Eng. Hugo Hilário Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor 12 Introducción En este manual pretendemos plasmar una selección de los textos que se presentaron al Congresso Internacional «O Montado de sobro e o setor corticeiro: uma perspetiva histórica e transdisciplinar» celebrado en Ponte de Sor los días 11, 12 y 13 de Junio de 2015. Es por ello, que en primer lugar, el equipo coordinador de este libro y los miembros de la comisión organizadora del Congreso queremos agredecer a la Diputación de Badajoz el apoyo para editar este libro, en especial a Andrés Hernáiz de Sixte. Y los compañeros Francsico Manuel Parejo y Adrián Tejeda por su ayuda en la búsqueda de editor para este manual. En segundo lugar, agradecer el apoyo ofrecido al municipio de Ponte de Sor, especialmente al Presidente de la Câmara Municipal Hugo Hilário, por su apoyo para llevar a cabo el Congreso; así como agradecer el apoyo al resto de las entidades organizadoras que hicieron posible llevar a buen puerto el Congreso: el CIDEHUS y la Cátedra UNESCO em Património Imaterial e Saber-Fazer Tradicional de la Universidade de Évora, el Grupo de Estudios de Historia Económica de la Universidad de Extremadura y el Instituto Politécnico de Portalegre. Además de las entidades colaboradoras y patrocínios: CAC (Centro de Artes e Cultura) de Ponte de Sor; Coordenação Interdisciplinar para a Investigação e Inovação (C3i). IPP; ICAAM. Universidade de Évora; IIFA-Universidade de Évora; INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.; ICS. Universidade de Lisboa; ISEG. Universidade de Lisboa; Junta de Freguesia das Galveias; Agrupamento de Escolas de Ponte de Sor; Sedacor-Sociedade Exportadora de Artigos de Cortiça, Lda. Ponte de Sor; Amorim Florestal, S.A. Ponte de Sor; BPI-Balcão de Ponte de Sor; Associação Nova Cultura; Vinhos Monte da Raposinha; y Sociedade Agrícola Alves Pimenta, Lda. Un agradecimiento muy especial al equipo de profesores que han compuesto el comite científico: Ana Cardoso de Matos (CIDEHUS - U. Évora); Antonio Linares (U. Extremadura); Amélia Branco (ISEG/UL); Dulce Freire (ICS/UL); Filipe Themudo Barata (CIDEHUS-U. Évora); Francisco Parejo Moruno (U. Extremadura); Inocêncio Seita Coelho (INIAV); Isabel Machado (IP de Portalegre); João Rocha (CIDEHUS/Departamento de Arquitectura-U. Évora); Nuno Ribeiro (ICAAM-U. de Évora); Paulo Brito (IP de Portalegre); Paulo Guimarães (U. Évora); Teresa Pinto Correia (ICAAM-U. Évora). 13 El objetivo de este manual y del Congreso ha sido reunir y analizar los más recientes resultados que la investigación científica ha producido, y estimular la continuación de la producción científica sobre el sector corchero en las diferentes áreas de conocimiento. Y es que debido al reducido área de localización del alcornoque en el planeta, circunscrita solamente al Mediterráneo Occidental, y dentro de éste, concretamente en la Península Ibérica, las riquezas producidas por este sistema agrícola cuyo objeto principal es la extracción y transformación del corcho, tiene unas connotaciones importantes desde el punto de vista social, cultural y económico para los países ibéricos, en especial para las regiones de Extremadura (España) y Alentejo (Portugal). Posiblemente por este motivo, en la última década los estudios sobre el negocio corchero en las diversas áreas del conocimiento han sido renovados, aunque diversos aspectos todavía se encuentran por explorar. En este ámbito, esperamos que este manual pueda contribuir a un mayor conocimiento de este negocio. Debido al carácter interdisciplinar del manual, nos hemos visto en la necesidad de dividirlo en cuatro grandes apartados, que pasamos a comentar de forma muy breve: – Historia: En el que encontramos un estudio arqueológico de la mano de Sónia Bombico y André Carneiro que ponen de relieve la utilización de productos corcheros en la época romana; un análisis histórico realizado por Carlos Faísca sobre la regulación de las prácticas corcheras en España y Portugual; y la historia de cuatro familias corcheras importantes, como son los Sabaté, Mundet, Reynolds y Torrellas de la mano de los investigadores Ignacio García, Fátima Afonso, José Maria Paínha y Francisco Parejo y Quim Alvarado, respectivamente. – Economía: En que nos encontramos tres capítulos con temáticas muy diferentes. En primer lugar, Armando Quintas y Jordi Turró nos ofrecen el manual de “La manera de hacer bien las visitas”; en segundo lugar, Pedro Mourisco nos muestra el modelo Triple Hélice aplicado a la localidad de Ponte de Sor; y por último, Francisco Parejo, Adrián Tejeda y José Francisco Rangel muestran la creación de un distrito industrial corchero en la localidad de San Vicente de Alcántara. – Turismo: Donde se presentan dos proyectos turísticos, el primero para el Alentejo (Carlos Manuel Faísca, Célia Gonçalves Tavares, Cla14 ra Prates y Maria Dolores Palazón Botella) y el segundo bajo el nombre de CORKLANDTOUR para la Red Europea de Territorios Corcheros (Retecork). – Biología y silvicultura: Donde se presentan tres textos sobre temáticas muy diferenciadas, como son: (1) La importancia de las aves para el control de plagas por Rui A. Machado, Ricardo S. Ceia y Jaime A. Ramos. (2) Sobre la Diplodia corticola de los autores Ana Cristina Esteves, Isabel Fernandes, Bart Devreese, Artur Alves y António Correia. (3) Silvicultura de precisión por Manuel Penteado, Ricardo Braga y Pedro Aguiar Pinto. Por último, nos quedaría brindar nuestro agradecimiento a los autores que han presentado los textos para la realización de este manual; así como indicar que el Congreso tuvo más intervenciones y se encuentran disponibles en la web del congreso: https://congressointernacionalmontado.wordpress.com/programa/. 15 16 Historia / História Fuente: Foto cedida por Five Photography 17 18 Do Mar ao Montado: Evidências da utilização e exploração de cortiça na Lusitânia Romana From Sea to Montado: Evidences of the use and exploitation of cork in the Roman Lusitania Sónia Bombico Bolseira de Doutoramento FCT - Cidehus-Universidade de Évora André Carneiro Departamento de História da Universidade de Évora - CHAIA-Universidade de Évora – Resumo: A identificação de diversas tampas de cortiça, associadas a ânforas de produção lusitana em naufrágios romanos no Mediterrâneo Ocidental, desperta questões relacionadas com a utilização e a exploração da cortiça em Portugal na época romana. O presente artigo visa introduzir essas questões e apresentar, de forma sucinta, as primeiras evidências históricas e arqueológicas de que dispomos. – Palavras-chave: naufrágios; tampas de cortiça; ânforas; villae; agricultura romana. – Abstract: The identification of several cork stoppers, in roman shipwrecks, associated with Lusitanian amphorae in the Western Mediterranean, awakens issues related to the use and exploitation of cork in Portugal during Roman times. This article aims to introduce these issues and present, briefly, the first historical and archaeological evidences that we have. – Key-words: shipwrecks; cork stoppers; amphorae; villae; roman agriculture. 19 1.- Cortiça uma matéria-prima milenar As fontes revelam-nos que a cortiça já era utilizada na China, no Egipto e no Próximo Oriente por volta de 3000 a.C., como vedante para recipientes (tampas para cântaros e ânforas) e no fabrico de aparelhos destinados à pesca, como as bóias. Um fresco proveniente de uma tumba de um alto funcionário egípcio da V dinastia, datável de há 4.500 anos, conservado no Museu do Louvre, representa uma cena de pesca com o uso de bóias em cortiça. (Pouillaude, 1952,1957 apud Dettori et al. 2001) No povoado de S’Urbale em Teti (civilização Nuragica da Sardenha), destruído por um incêndio no século IX a.C., foram identificados vestígios de cortiça no isolamento das casas de planta circular, entre camadas de argila. (Fadda, 1987) As fontes escritas são também reveladoras do uso ancestral da cortiça. Os autores gregos e romanos da Antiguidade Clássica deixaram-nos várias referências às qualidades e aos usos da cortiça no seu tempo. O filósofo grego Teofrasto reconhece as qualidades do quercus suber (Segura Munguía e Torres Ripa 2009, 167-169), nos seus textos sobre Botânica: “O sobreiro (…) tem um fruto parecido à bolota (…) Tira-se-lhes a cortiça, e dizem que se lha deve tirar completamente porque, caso contrário, a árvore degenera. Mas em uns três anos volta a cobrir-se dela.” (III, 17, 1) “O descortiçamento circular acarreta a morte de qualquer árvore (…) Mas quem sabe constitui o sobreiro uma excepção. Porque este ganha mais vigor se se lhe tira a cortiça exterior e a que está debaixo dessa tocando a carne. (…)”1 (IV, 15, 1) No séc. I d.C., Lucius Columella, na sua obra De re rustica; dividida em 12 livros e cujo conteúdo se inspira em obras anteriores de Catão (o Velho), Marco Terêncio Varrão e outros autores latinos, gregos ou cartagineses; refere a utilização da cortiça no fabrico de colmeias. (Alvarez de Sotomayor y Rubio, 1824, Tomo II, 52): “Ordenados os domicílios das Tradução livre desde o espanhol 1 20 abelhas, ter-se-ão de fabricar as colmeias segundo as condições da região. Se esta é abundante em sobreiros, sem dúvida as faremos com cortiça, porque não serão muito frias no inverno, nem muito quentes no verão. (…)”2 (Livro IX, capítulo V, De re rustica) Plínio-o-Velho refere as qualidades isolantes da cortiça na sua História Natural (século I d.C.), fazendo referência à sua utilização na construção de tectos e nas artes da pesca. “O sobreiro é uma árvore pequena, de bolotas más e raras, e cujo único produto é a cortiça, muito espessa e que renasce e dá pranchas que alcançam os 10 pés quadrados. Usa-se sobretudo para os cabos das âncoras dos navios, as redes de pesca, as tampas (…) e ainda para calçado de inverno das mulheres. Por essa razão, os gregos o chamavam, não sem uma certa graça, a árvore da cortiça”3. (Naturalis Historia XVI, 34) (Segura Munguía e Torres Ripa 2009, 169) Também o poeta romano Ovídio (Publius Ovidius Naso-43 a-C.17/18 d.C.) faz referência à capacidade de flutuabilidade da cortiça: “(…) como a leve cortiça flutua à superfície da água, enquanto a pesada rede anexa a ela se afunda.”4 (Riley 1872, 302) As aplicações no âmbito náutico não se resumiriam às bóias das redes de pesca. Os romanos terão usado flutuadores de cortiça como bóias para sinalização de locais de ancoradouro, bem como para salva vidas de homens caídos ao mar. (Casson, 1994) Existem, de resto, vestígios dessas utilizações em épocas históricas mais recentes. (Fig. 1). Tradução livre desde o espanhol. Também Paladio (Séc. IV) refere a utilização de cortiça no fabrico de colmeias. (Livro I, XXVII). 3 Tradução livre desde o espanhol. 4 Tradução livre desde o inglês. 2 21 Figura 1.- Henry Freeman, 1861, sobrevivente de naufrágio Fuente: Foto da Sutcliffe Gallery, Reino Unido Isidoro de Sevilha (século VII d. C.) faz referência, na sua obra Etymologiae, à capacidade de flutuação da cortiça, referindo a sua importância para a navegação. (Acedo Díaz 1970, 62) Segundo informa Estrabão (Geographia, Livro XVII, 3.4) Posidónio, ao aproximar-se da costa africana (actual Marrocos) terá avistado grandes áreas de quercus suber. Noé Villaverde Veja sugere que, no âmbito das actividades de silvicultura de época romana na província da Tingitana, se terá explorado a cortiça. (Villaverde Veja 2001, 288-289) As fontes escritas para as épocas medieval e moderna, relativas à prática da extracção da cortiça e utilização do montado e do sobreiro, são também elas parcas mas, de alguma forma, mais concretas do que as da Antiguidade. As Leis Agrárias Portuguesas, dos princípios do século XIII, fazem a primeira referência ao sobreiro e à azinheira, estabelecendo as bases da protecção da floresta de sobro e azinho. (Natividade, 1950) Nos finais do século XIII, no reinado de D. Dinis, aparecem as cartas de criação de coutadas, que visavam a protecção do sobreiro e da azinheira, 22 proibindo e punindo práticas de exploração, como queimadas, varejamento indiscriminado do fruto, colheita abusiva da rama verde e sobretudo cortes indevidos. (Melhorado, 2007) Os Forais Manuelinos são ricos em referências à protecção das zonas e superfícies de montado, instituindo limitações ao abate de árvores e taxas. O Foral Manuelino de Ponte de Sor, outorgado em 1514, é disso exemplo: “(…) que cortarem azinha carvalho ou sovereyro per pee pagaram quinhemtos reaaes pera ho comcelho (…)” (Faísca 2014, 13). D. João III, em 1546, proíbe o corte de sobreiros e a sua utilização para o fabrico de carvão desde a vila de Abrantes até à foz do Tejo e numa área até 10 léguas do mesmo rio. (Mendes 2002, 183) No entanto, o progressivo desaparecimento do sobreiro em determinadas regiões não foi evitado. A madeira de sobro era utilizada na construção civil e, sobretudo, a partir do período da expansão marítima, para a construção naval. Os sobreiros que Fernando Oliveira viu nos arredores de Lisboa, no século XVI, foram plantados com a finalidade de se destinarem à construção naval, e seriam por isso, muito provavelmente, distintos dos sobreiros que conhecemos hoje em dia, cuja principal função é a extracção de cortiça. (Barker 2000, 163-715) Os tratados navais dos séculos XVI e XVIII indicam a preferência pela madeira de sobro (quercus suber) na construção naval, especialmente utilizada nos elementos estruturais dos navios (quilha e cavernas), a par da utilização de pinheiro bravo e manso para o casco. (Lavanha, 1996 e Oliveira, 1991 apud Creasman 2010, 148) Falamos, por exemplo, do “Livro da Fábrica das Naus” escrito em 1565 pelo Padre Fernando de Oliveira e do “Livro Primeiro de Arquitectura Naval” de J.B. Lavanha, da mesma época. Barata Pimentel chega a defender o uso exclusivo de madeira de sobro, na construção naval portuguesa dessa época. (Barker 2001, 216) A nau Nossa Senhora dos Mártires, naufragada ao largo do Forte de São Julião da Barra provavelmente no ano de 1606, corrobora as fontes escritas e prova a utilização de madeira de sobro nos elementos estruturais (quilha e cavernas) e a de pinheiro manso no casco. (Castro 2003, 10) A cortiça era exportada, pelo menos desde o século XV, para a utilização em artigos de pesca. (Faísca 2014, 13) Uma carta de privilégio 23 confirmada em 7 de Junho de 1457, pelo rei D. Afonso V, concede o monopólio da exportação da cortiça por dez anos a um mercador português estabelecido em Bruges, de nome Martim Leme (Mendes 2002, 180). 2.- As evidências provenientes do mar: as tampas de cortiça A antiga província romana da Lusitânia exportou preparados de peixe, envasados em ânforas, para todo o Mediterrâneo. A identificação de tampas em cortiça, associadas a ânforas de produção lusitana, em diversos contextos arqueológicos de naufrágio no Mediterrâneo Ocidental, apresentou-se-nos como um dado relativamente novo e pouco investigado. As grandes áreas produtoras de preparados de peixe da Lusitânia localizam-se, principalmente, nas desembocaduras dos principais cursos fluviais do sul do território português. Também o litoral alentejano (Sines e Ilha do Pessegueiro) e toda a costa algarvia foram produtoras de preparados de peixe e respectivos contentores anfóricos. Uma produção com características “industriais” que se desenvolveu a partir dos finais do século I a.C., e que se vai prolongar no tempo até ao século VI d.C. (Fabião, 2009) Os estuários do Tejo e do Sado constituíram autênticos “complexos portuários” com unidades de transformação e salga de peixe em ambas as margens. (Blot, 2003) As simbioses desenvolvidas no interior das amplas áreas de estuário conjugavam a existência de um conjunto de actividades complementares: a pesca e a existência de oficinas de transformação de preparados de peixe com cetariae (tanques para salga), localizadas a jusante, e a montante, no curso interior dos rios, localizavam-se os centros oleiros produtores de ânforas e as salinas. O caso sadino é disso exemplo, com uma concentração importante de olarias no curso inferior do rio (Quinta da Alegria, Zambujalinho, Pinheiro, Abul, Enchurrasqueira, Bugio e Barrosinha) e de oficinas de produção de preparados de peixe na área urbana de Setúbal, ao longo da margem norte do estuário (Comenda, Rasca e Creiro) e na margem sul na península de Tróia. (Tavares da Silva, Soares e Wrench, 2010) Este último núcleo produtivo é considerado, até ao momento, o maior de todo o mundo romano com pelo menos 25 oficinas identificadas. (Vaz Pinto, Magalhães e Brum, 2011) Os centros 24 produtivos do complexo portuário sadino estariam, muito provavelmente, sob a dependência das elites administrativas e financeiras de Salacia, a actual cidade de Alcácer do Sal, que deteve ao longo dos séculos uma importância económica notável aliada à exploração do sal. (Fig. 2) Figura 2.- Complexo Produtivo do Sado A selagem dos contentores era feita nas unidades de produção de preparados de peixe, às quais afluíam, beneficiando da via de comunicação fluvial ou marítima, o peixe, o sal, os contentores e, com toda a certeza, a cortiça para as tampas. Depois de cheias e tapadas as ânforas seriam carregadas em navios e exportadas para todo o Mediterrâneo. O inventário actual de naufrágios no mediterrâneo ocidental cujas cargas contiveram ânforas de produção lusitana inclui mais de 40 sítios. O estudo e caracterização desses contextos enquadra-se numa pesquisa, actualmente em curso, no âmbito da dissertação de doutoramento de um dos autores do presente texto5. Partindo dos dados editados (Edmonson 1987; Lopes e Mayet 1990; Parker, 1992; Étienne e Mayet 1993-94; Sónia Bombico, cujo tema de tese é Economia Marítima da Lusitania Romana: Exportação e Circulação de Bens Alimentares. 5 25 Fabião 1996 e 1997; Mayet 2001) procura-se actualizar o inventário de sítios de naufrágio com ânforas lusitanas. Nos finais dos anos 90, Calos Fabião apresenta um total de 33 sítios de naufrágio com ânforas de “tipo lusitano” (Fabião 1997), aumentando os anteriores registos de Françoise Mayet de 20 e 17 naufrágios. (Étienne e Mayet 1993-94; Mayet 2001). Mais recentemente, Andrew Philip Souter, baseando-se unicamente nos dados editados referidos anteriormente, reapresentou a distribuição de naufrágios com ânforas lusitanas no Mediterrâneo, indicando a existência de 29 sítios. (Souter 2012, 156) No entanto, nas últimas décadas, um conjunto de novos trabalhos arqueológicos subaquáticos permitiu acrescentar novos sítios de naufrágio ao inventário. (Bombico et al., 2014; Bombico, 2015) Trata-se de um conjunto bastante heterogéneo, que se estende cronologicamente entre os meados do século I d.C. e a primeira metade do V, em que as ânforas lusitanas podem corresponder à carga maioritária ou constituírem parte da carga secundária das embarcações. Existem também casos em que, pelo seu reduzido número no conjunto do carregamento, podem ser interpretadas como pertences da tripulação. Geograficamente os sítios de naufrágio distribuem-se por todo o Mediterrâneo Ocidental, com áreas de maior incidência, tais como: na costa sudoeste espanhola, no âmbito da influência dos portos de Cádis e Cartagho Nova; na costa sul francesa nos enclaves de Narbonne, Marselha e no corredor fluvío-marítimo de Arles; no arquipélago das Baleares; nas costas da Sardenha e da Córsega, com especial concentração no Estreito de Bonifácio; e nas costas de Sicília. Entre os meados do século I e a segunda metade do século II d.C., as ânforas de salgas de peixe lusitanas seguiam essencialmente as rotas de navegação em direcção a Roma, muitas vezes em cargas mistas constituídas por produtos alimentares, como o azeite e o vinho, mas também os preparados de peixe, produzidos nas outras províncias hispânicas – a Bética e a Tarraconensis. Por seu turno, a partir do século III tornam-se frequentes as cargas mistas onde, para além dos restantes produtos da Península Ibérica, as ânforas lusitanas são acompanhadas por produtos norte-africanos e orientais. Os dados arqueológicos actuais revelam-nos um cenário em que os naufrágios atribuíveis à Antiguidade Tardia, ou seja ao período entre os meados do século III e o século V, são mais numerosos do que os do 26 período precedente. (Bombico 2015, 29) A presença de tampas de cortiça é regular, especialmente nesses contextos de naufrágio posteriores ao início do século III d.C., sugerindo um aproveitamento da cortiça em época romana, no actual território nacional. São, por ora, 10 os sítios de naufrágio da Antiguidade Tardia, incluídos no inventário de sítios com ânforas do tipo lusitano, nos quais foram identificadas tampas de cortiça. Desses 10, em pelo menos 5 é possível aferir a associação directa das tampas às formas de produção lusitana existentes a bordo da embarcação naufragada. Estes 5 casos correspondem assim a 14% do total de contextos conhecidos para essa época. (Fig.3) Nos restantes casos não se conhecem preservadas qualquer tipo de tampas cerâmicas associadas aos referidos contentores, pelo que se depreende a utilização de cortiça, ou de outro qualquer material perecível. Um dos contextos mais elucidativos da utilização de tampas de cortiça em ânforas lusitanas é o naufrágio de Cala Reale A, localizado na costa norte ocidental da Sardenha, à entrada do Estreito de Bonifácio, cuja travessia era quase inevitável nas rotas de navegação com destino aos portos de Roma. Este contexto, intervencionado entre 1995 e 2010, apresenta uma carga constituída por cerca de duas mil ânforas lusitanas, na sua totalidade e muito provavelmente, provenientes do estuário do Sado. A bordo seguiam quatro tipos anfóricos distintos (Sado 3, Almagro 51a-b, Beltrán 72 similis e Almagro 51c), todos produzidos na mesma área e cronologicamente contemporâneos, associadas ao transporte de molhos e conservas de peixe. Foi possível associar tampas de cortiça às quatro tipologias anfóricas, em alguns dos casos preservadas in situ. (Fig. 4 e 5) Nenhum outro tipo de tampa foi identificado no local e durante todo o processo de escavação não foram identificados restos da estrutura do navio. O estrato inferior ao da carga revelou a existência de bastantes tampas em cortiça imediatamente em contacto com o fundo arenoso, o que sugere um processo de formação do sítio decorrente de um naufrágio em que a embarcação se terá virado, causando o vazamento de toda a carga em direcção ao fundo (Gasperetti 2012, 301). Conhece-se um conjunto de soluções distintas para a selagem de ânforas em época romana. O processo mais usual é a utilização de tampas de cerâmica (opercula), mas a cortiça também é referida por grande parte dos investigadores. 27 Figura 3.- Naufrágios com tampas de cortiça e ânforas lusitanas Nota: a) Tampas de cortiça associadas a ânforas lusitanas: 1.- Port-Vendres 1 2.- Cala Reale A 3.- Punta Ala A 4.- Fontanamare A/Gonnesa A 2 5.- Puerto de Cartagena 2. b) Naufrágios com tampas de cortiça e ânforas lusitanas a bordo: 6.- Planier 7 7.- Cap Blanc 8.- Femina Morta 9.- Pampelone e 10.- Scauri (Pantelleria) 28 Figura 4.- Ânfora Beltrán 72 similis, do naufrágio de Cala Reale A, com tampa de cortiça in situ Fonte: Spanu, 1997, fig.11 Figura.– 5.- Ânfora Sado 3, do naufrágio de Cala Reale A, com tampa de cortiça 29 O processo suponha que posteriormente ao envase do contentor, a ânfora fosse fechada com uma tampa de cerâmica ou de cortiça, que por sua vez, normalmente, era selada com uma camada de cinzas e gesso. (Sciallano e Sibella 1994, 14). Num artigo de 2007, Dario Bernal Casasola e António Sáez Romero apresentam as tipologias de selagem de ânforas na área do Estreito de Gibraltar e procuram identificar o sistema mais frequente em cada época. Dessa análise resulta o aparente predomínio da utilização de opercula de cerâmica, entre os séculos I e III d.C., que parecem ser alvo de uma estandardização tipológica. Enquanto que a utilização de cortiça com uma selagem de pozolana ou cal, sobre a qual poderiam ser introduzidos selos comerciais, é mais frequente nos períodos entre o século II e I a.C., e posteriormente entre o século IV e o VII d.C. (Bernal Casasola e Sáez Romero 2007, 3) Essa sugestão cronológica quanto ao sistema predominante ajusta-se à realidade lusitana, onde se conhece a produção de opercula em cerâmica durante os séculos I e II d.C., designadamente em algumas olarias do Sado: Abul (Mayet e Tavares da Sil 2002, 50), Enchurrasqueira (Dias Diogo et ali, 1984) e Largo da Misericórdia, na área urbana de Setúbal (Tavares da Silva 1996, 54), associadas à forma Dressel 14. Esse tipo anfórico foi amplamente produzido na Lusitânia, durante os dois primeiros séculos da nossa Era, e grandemente exportado para o Mediterrâneo Ocidental, sendo frequente a sua presença em Ostia e Roma. (Rizzo, 2012 e Panella e Rizzo, 2014) Os opercula têm em média 10 a 14 cm de diâmetro, apresentando uma pega maciça e um bordo normalmente realçado. Esse tipo de tampa é frequentemente identificado em naufrágios no Mediterrâneo Ocidental, associada às ânforas Dressel 14. Dois desses casos são os sítios de naufrágio San António Abad/Grum de Sal, localizado em Ibiza (Vilar-Sancho e Maña, 1964, 188; Hermanns et ali, no prelo), e Cap Benat 1, no mar de Var, na costa francesa (Calmes 1973, 142), ambos datáveis dos finais do século I e inícios do II d.C. (Figura 6). 30 Figura 6.- Opercula em cerâmica dos naufrágios de Grum de Sal e Cap Bénat 1 Fonte: Calmes, 1973, 143 e E. Puch, DAI Madrid Curiosamente, não se conhecem opercula cerâmicos associados aos tipos anfóricos lusitanos tardo-antigos, não tendo sido, até à data identificada a sua produção nos centros oleiros a laborar entre os meados do século III e o V. Este facto, só por si, sugere a utilização de outros materiais, que não a cerâmica, na selagem dos contentores. A cortiça surge como hipótese mais provável. Algumas tipologias de tampa, de cerâmica ou de cortiça, apresentam um orifício central. (Fig.7) Esse orifício foi inicialmente interpretado como meramente funcional, destinado à passagem de um cordel que possibilitaria depois a abertura da ânfora. Outra hipótese foi avançada, relativamente às tampas de cortiça, relacionada com a eventual saída de gases (CO2 e Etanol), indicando o transporte de vinho em processo de fermentação alcoólica. No entanto, esta segunda hipótese apresenta-se como arriscada e demasiado elaborada à maioria dos investigadores que defende a capacidade romana de estabilização do mosto através da adição de dióxido de enxofre (SO2). (Martín i Oliveras 2015, 30) 31 Figura 7.- Proposta de sistemas de abertura de ânforas com tampas perfuradas. A – Dressel 1 com tampa de cortiça perfurada e cobertura de argila, com corda para extracção; B – Proposta de sistema de extracção de operculum cerâmico com orifício com uma corta Fonte: Bernal Casasola e Saéz Romero, 2007, 15, fig. 6 De entre os casos de tampas de cortiça identificadas nos naufrágios, associadas a ânforas de produção lusitana, não se conhecem exemplares com orifícios, tratando-se todas de peças planas e circulares com diâmetros distintos consoante as dimensões das bocas dos tipos de ânfora que taparam. No que diz respeito às espessuras, da observação visual simples ou através de fotografia, parece-nos que se tratam de tampas que não ultrapassarão os 4cm e que poderão corresponder à espessura total da prancha descortiçada. Isto porque, normalmente, uma das superfícies da tampa aparenta ser mais rugosa, apresentando características visuais associáveis à casca externa da árvore. Ainda que, aparentemente, no caso lusitano a utilização de tampas de cortiça em ânforas pareça ter ganho importância a partir do século III d.C. não se podem associar, no contexto global do mundo romano, cronologias específicas quanto à sua utilização, como demonstrou a investigação de Bernal Casasola e Saéz Romero. Citemos, a título de exemplo, uma tampa de cortiça conservada in situ numa ânfora vinária de tipo Pascal 1 produzida na Tarraconensis e identificada no naufrágio de Cap 32 de Volt, datado da primeira década do século I d.C. Foram feitas análises físico-químicas comparativas entre a tampa antiga e um fragmento de cortiça actual. Dessas análises, realizadas pelo Instituto Catalão da Cortiça (ICSuro), concluiu-se que os componentes principais da cortiça (suberina, lenhina e polissacarídeos) não se degradaram completamente, apesar de terem estado submetidos às condições ambientais do fundo marinho durante mais de dois mil anos. O que prova as qualidades da cortiça enquanto elemento vedante e a sua capacidade de conservação a longo prazo. (Fernández, Cano e Olivella, 2012) Por outro lado, as tampas de cortiça, como vimos, não são exclusivas da Lusitânia, muito provavelmente e logicamente a sua utilização estará relacionada com a existência da matéria-prima nas regiões produtoras dos produtos alimentares envasados nas ânforas. Conhecendo-se exemplos da sua utilização em ânforas de produção de distintas regiões do império romano, nomeadamente a Tarraconensis, o Norte de África, a Península Itálica e a parte oriental do império. Nos contextos de naufrágio de Cap Blanc e Femmina Morta as tampas de cortiça surgem associadas à forma Africana II de produção Norte-Africana. (Parker 1992, 99 e 177) E no caso de Punta Ala A associadas ao tipo Africana II e ao tipo lusitano Almagro 51c. (Dell’Amico e Pallarés 2006, 99 e 100). (Fig.8) Figura 8.- Registo gráfico de ânfora Almagro 51c lusitana com tampa de cortiça in situ – naufrágio de Punta Ala A Fonte: Dell’Amico e Pallarés 2006, 51, fig.5 33 A continuidade da utilização da cortiça em tampas de contentores de transporte marítimo está documentada arqueologicamente para épocas posteriores. Conhecem-se exemplos no naufrágio árabe-normando de San Vito Lo Capo (Sícilia), datado dos séculos XII-XIII (Faccenna, 2006); e em alguns sítios de naufrágio da Época Moderna, como por exemplo em Angra B, na ilha Terceira (Açores), datado do século XVI ou início do XVII (Bettencourt 2013, 248). O ambiente húmido e marinho é mais propício à conservação de materiais tendencialmente perecíveis em ambientes terrestes, pelo que não é de todo inesperada a identificação de tampas de cortiça em contextos subaquáticos de naufrágio, atribuíveis às mais variadas épocas. A arqueologia subaquática dá assim provas da utilização prática da cortiça, corroborando a informação histórica das fontes escritas. A utilização da madeira de sobro na construção de navios romanos está igualmente atestada, mas não podemos de momento compreender a sua real importância para a construção naval, especialmente da área ocidental da Península Ibérica onde o sobreiro é abundante. As estruturas navais romanas conservadas em contextos de naufrágio não são numerosas e não se conhecem as características e especificidades dos navios romanos construídos na área atlântica. Sabemos, por exemplo, que o elemento naval recentemente identificado no fundeadouro romano da Praça Dom Luís, em Lisboa, é de madeira de carvalho (Fonseca, Bettencourt e Quilhó 2013, 1186). No naufrágio de Scauri, na ilha de Pantelleria, datado da primeira metade do seculo V e onde foram identificadas algumas ânforas lusitanas, alguns elementos estruturantes da embarcação e o piso do convés de carga eram feitos de madeira de sobro (Quercus suber). Também no navio romano de Valle Ponti em Comacchio (Ferrara) se identificou a utilização desse tipo de madeira na construção do casco do navio, nomeadamente nas peças do sistema de fixação (mechas) e em peças da proa. Por outro lado, conhecem-se alguns casos em que a madeira de azinho (Quercus ilex) foi utilizada, nomeadamente os navios romanos do Fiumicino, nos do porto de Napoli e de Pisa. Um dos lemes do naufrágio de Gela e os dois do navio Fortuna Maris eram igualmente em madeira de azinho. (Marchesini, Marvelli e Terranova 2009). 34 3.- A exploração agrícola-florestal da Lusitânia e a hipotética exploração de cortiça A cortiça chegaria aos complexos portuários produtivos do litoral lusitano através das vias de comunicação fluviais, que permitiam uma ligação fácil e frequente entre o litoral e o interior do território. O Tejo e o Sado, mas também o Arade ou o Guadiana, eram autênticas “auto-estradas” em época romana, permitindo o acesso aos territórios a montante e às áreas de exploração corticeira do Alentejo e do Algarve. Por via terrestre, as três estradas que ligariam Augusta Emerita, a capital provincial, ao seu porto de mar, Felicitas Iulia Olisipo (a atual Lisboa) testemunham a vitalidade das rotas comerciais e a necessidade de intensificar as ligações interior/litoral. De modo indireto também nos mostram a importância das atividades corticeiras, na medida em que os itinerários atravessam regiões onde a paisagem é propícia à exploração do montado: por exemplo, com elevada probabilidade o itinerário XIV atravessaria o atual concelho de Ponte de Sor, onde se conhece quase todo o seu traçado, com vários testemunhos da estrada romana ainda preservados, além de três marcos miliários existentes ao longo do percurso. Todavia, apenas podemos perceber a importância da exploração corticeira no nosso território em época romana de um modo indireto, visto que não existem evidências arqueológicas que permitam conhecer essa atividade. O registo arqueológico não permite a conservação dos elementos corticeiros, e também não existem espaços e artefactos relacionados de modo inequívoco com este tipo de atividade. Desta forma, resta esperar pelo desenvolvimento de uma pesquisa arqueológica mais atenta, e procurar olhar para outros campos de análise. Um desses domínios de investigação reside nos estudos antracológicos e polínicos que já foram efetuados para algumas zonas territoriais onde o Montado atualmente prevalece na paisagem, em concreto, para a área da Coudelaria de Alter do Chão. (Duque Espino, 2005) Em termos gerais, observa-se para o período romano um momento de grande transformação da paisagem, com a desflorestação das espécies autóctones que caracterizam o bosque caducifólio e a sua substituição por espécies lenhosas mais perenes, a par da criação de espaços para práticas agríco35 las de regadio e horticultura, notando-se em particular a subida sustentada de leguminosas no registo antracológico. Na perspetiva que mais nos interessa, a presença de Quercus Suber também aumenta de modo significativo, em particular no registo da lareira registada na (re)ocupação em época romana da Anta da Soalheira (Alter do Chão), demonstrando que a paisagem está parcialmente ocupada por este tipo de coberto. Outro campo de análise indireto reside na evidência obtida a partir dos pontos de povoamento. Durante esse período, as áreas de Montado do actual território nacional, em especial o Sul do território, conheceram uma época de desenvolvimento e expansão económica, em grande medida assente nas villae, consideradas a base da exploração agro-pecuária do Portugal Romano. Estas infraestruturas eram organizadas de forma tripartida, com núcleos funcionais distintos: a pars urbana, a pars rustica e a pars fructuaria. No entanto, as intervenções arqueológicas têm beneficiado a pars urbana (urbana e/ou habitacional) limitando o nosso conhecimento actual sobre as dependências agrícolas e espaços funcionais das villae da Lusitânia. (Carneiro 2010) O novo desafio da investigação é o da compreensão da existência de diferentes modelos de villa, economicamente complexos e avançados e que ultrapassam o estereótipo da tríade mediterrânea e seus derivados: o trigo, a azeitona (e o azeite) e a uva (e o vinho). Modelos nos quais se incluía a exploração de recursos naturais em regine sazonal e a produção de produtos específicos de qualidade que atingiam nichos de mercado, mas de elevada capacidade aquisitiva; como flores e perfumes, metalurgia, produção cerâmica, tinturaria, produção de animais de alta estirpe (cavalos) e muito provavelmente a extracção da cortiça. Ora, a este nível resulta interessante verificar que os padrões de povoamento registados na região do Alto Alentejo são muito diversificados, conforme a investigação recente tem demonstrado. (Carneiro, 2014) E verifica-se precisamente que é na zona mais propícia para a paisagem de montado –a área central do Alto Alentejo– que a ocupação do território foi baseada em domínios de exploração mais amplos, permitindo uma paisagem de latifúndios. Ao longo dos concelhos de Monforte, Fronteira, Alter do Chão ou Crato temos um maior espaçamento nas distâncias entre sítios arqueológicos classificados como villae, o que leva a crer que estaríamos perante propriedades mais amplas e com maior área de exploração na envolvente. É certo que o Montado não seria o único tipo de paisagem: é precisamente neste âmbito territorial que também encontramos maior quantidade de pesos de lagar, indicando que o olival e/ou a vinha seriam recursos fundamentais para a obtenção do azeite 36 e/ou o vinho. Mas resulta natural pensarmos que neste caso a cortiça poderia ser um acrescento aos proveitos económicos destas villae, pelo facto de este tipo de paisagens e solos terem condições óptimas para a sua implantação. Nada se sabe, por ora, relativamente aos agentes envolvidos no processo de exploração da cortiça em época romana; nem à forma como seria extraída das árvores, tratada e transformada. Restam-nos, nesse campo, apenas as hipóteses baseadas no conhecimento que se tem para as épocas posteriores. Assim, pode supor-se que a extracção se faria por processo manual com recurso a machadas, como até à actualidade. Um processo artesanal e que requer uma mão-de-obra especializada, que podemos considerar uma técnica ancestral de saber fazer tradicional, classificável no âmbito do património imaterial. A machada corticeira é sem dúvida um instrumento com características especiais e particulares que se coadunam com o fim a que de destinam. Um olhar mais atento às colecções de instrumentos de metal romanos, recuperados nos diversos contextos arqueológicos do mundo rural da Lusitânia, poderá contribuir para a identificação de machados com características distintivas. A comparação, entre exemplares contemporâneos de machadas corticeiras e machados de época romana, será um exercício Antropológico útil que procuraremos viabilizar no futuro. Ainda que consideremos, à partida, muito difícil poder vir a identificar machadas que possamos associar à extracção de cortiça com base exclusivamente nas suas características formais, e especialmente tendo em conta o número reduzido de instrumento metálicos romanos conservados no nosso território. Como já foi referido, não se pode afirmar com segurança que existem evidências arqueológicas diretas da exploração corticeira. Contudo, deixamos outro dado para a análise: os machados que podem ter servido para a extracção corticeira. Do Alto Alentejo conhecem-se dois: um exemplar obtido por Leite de Vasconcelos em Sr.ª da Graça, Nisa (1930: 181, com 19 cm de comprimento) e, com maior probabilidade, o exemplar recolhido na sepultura L38 (peça 5) da necrópole da Laje do Ouro, Crato, embora este possa ter sido utilizado para rachar madeira e por isso ter pertencido a um lenhador. (Frade e Caetano, 1993). A escassez de fontes arqueológicas e históricas torna difícil compreender o sistema de exploração da cortiça na Antiguidade. Será que 37 poderemos falar de uma verdadeira exploração extensiva, que se terá desenvolvido a par da agricultura, criando um verdadeiro “negócio” corticeiro? Será que a utilização de opercula cerâmicos para a selagem das ânforas foi preterida em relação à cortiça a partir do século III d.C.? Será que a partir dessa época a utilização da cortiça substituiu por completo a cerâmica, como nos parece indicar o naufrágio de Cala Reale A? São perguntas às quais os dados arqueológicos disponíveis ainda não conseguem dar resposta. 4.- Considerações finais A exploração da cortiça na Lusitânia Romana é uma área da investigação quase por completo se ignora e que deverá ser considerada no futuro próximo. O trabalho que aqui apresentamos não passa de uma reflexão inicial em torno das primeiras evidências que nos apontam para essa realidade. Traçamos um pequeno caminho, cujo despertar teve início no mar, ambiente propício à conservação da cortiça, e que nos conduziu ao Montado e aos vestígios arqueológicos do povoamento rural romano. São inúmeras as interrogações que ficam por responder. Terá a cortiça sido explorada intensiva e extensivamente em época romana? Terá tido processos económicos complexos de produção, transformação e comércio? Como se terá articulado essa actividade com a da produção de carácter industrial de preparados de peixe? Perguntas às quais uma articulação interdisciplinar entre a arqueologia e as ciências exactas, como a física e a química, poderão, talvez um dia, responder. 38 Bibliografía – Acedo Díaz, T. (1970): Árboles más destacados en Villarta de los Montes, Vision Libros, 148. – Álvarez de Sotomayor y Rubio, J. M. (1824): Los doce libros de Agricultura, que escribió en latin Lucio Junio Moderato Columela (traduzidos al castellano por J. M Álvarez de Sotomayor y Rubio, Tomo II, Madrid, Imprenta de D. Miguel de Burgos. – Barker, R. A. (2000): “What Fernando Oliveira Did Not Say About Cork Oak”, in GUERREIRO, I (editor) Fernando Oliveira and his Era: Humanism and the Art of Navigation in Renaissance Europe (1450-1650), Proceedings of the IX International Reunion for the History of Nautical Science and Hydrography, Aveiro, Portugal: Patrimonia, 163-175. – Barker, R. A. (2001): “Sources for Lusitanian Shipbuilding.”, in ALVES, F. (Editor) Proceedings of the International Symposium on Archaeology of Medieval and Modern Ships of Iberian-Atlantic Tradition, Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, 213-228. – Bernal, D.; e Sáez, A. (2007): “Opérculos y ànforas romanas es el Círculo del Estrecho. Precisiones tipológicas, cronológicas y funcionales” in Rei Cretariæ Romanæ Acta 40. – Bettencourt, J. A. (2013): “Angra B, un pecio espanol del siglo XVI en la bahia de Angra (isla Tercera, Azores, Portugal): resultados de una investigacion en curso” in Actas del I Congreso de Arqueología Náutica y Subacuática Española, Cartagena, 14, 15 y 16 de marzo de 2013, ARQUA e Ministerio de Educación, Cultura y Deporte. – Blot, M. L. (2003): Os portos na origem dos centros urbanos: contributo para a arqueologia das cidades marítimas e flúvio-marítimas em Portugal, Lisboa, IPA, Trabalhos de Arqueologia 28, IPA. 39 – Bombico, S.; Nervi, C.; Piccardi, E.; and Allegrini-Simonetti, F. (2014): “A Caminho de Roma? -A Sardenha e a Córsega nos fluxos de circulação das ânforas lusitanas no mediterrâneo ocidental” in Morais, R., Fernández, A e Sousa, M. J. (Eds.) As producções cerâmicas de imitação na Hispanica– Monografias Ex Officina Hisana II (Actas do II Congresso Internacional da SECAH - Ex Officina Hispana, Braga 3 a 6 de abril de 2013), 361-377. – Bombicos S. (2015): “Salted-Fish industry in Roman Lusitania: Trade Memories between Oceanus and Mare Nostrum” in Themudo Barata, Filipe e Rocha, João Magalhães (Eds.) Heritages and Memories from the Sea - Conference Proceedings,1st International Conference of the UNESCO Chair in Intangible Heritage and Traditional Know-How: Linking Heritage, 14-16 january 2015, Évora - Portugal, 19-39. – Calmes, R. (1973): “L’èpave I du Cap Benat” in Cahiers d’archéologie subaquatique 2, 137-145. – Carneiro, A. (2010): Em pars incerta. Estruturas e dependências agrícolas nas villae da Lusitânia. Conímbriga, IAFLUC, vol. XLIX, 225-250. – Carneiro, A. (2014): Lugares, tempos e pessoas. Povoamento rural romano no Alto Alentejo. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, colecção Humanitas Supplementum nº 30 – Casson, L. (1994): Ships and Seafaring, British Museum Press. – Castro, F. (2003): “The Pepper Wreck, an early 17th-century Portuguese Indiaman at the mouth of the Tagus River, Portugal” in International Journal of Nautical Archaeology 32(1), 6-23. – Creasman, P. P. (2010): Extracting Cultural Information from Ship Timber, Dissertação de Doutoramento apresentada à Texas A&M University em 2010 (não publicado). – Della’amico, P.; e Pallarés, F. (2006): Il relitto ‘A’ di Punta Ala (Castiglione della Pescaia, Grosseto), Roma. – Dettori, S.; Filigheddu, M. R. e Gutiérrez, M. (2001): La Coltivazione della Quercia da Sughero, Dipartimento di Economia e Sistemi Arborei, Università degli Studi di Sassari. – Dias Diogo, A.; Carvalho, A.M.G.; Sá Rebelo, I. M.; Fernandes, J.M.L.; e Rollo M.F.G. (1984): O material dos fornos romanos da Enchurrasqueira no Museu do Mar, Cascais, Separata nº 3, Série Arqueológica vol.1, Museu do Mar - Câmara Municipal de Cascais. 40 – Duque, D. (2005): Resultados antracológicos de los yacimientos de la Coudelaria de Alter do Chao y su integración en las secuencias paleoecológicas y paleoambientales de la Prehistoria reciente en el Suroeste peninsular. Revista Portuguesa de Arqueologia vol. 8, nº 1, Lisboa, 21-41. – Edmondson, J. C. (1987): Two industries in Roman Lusitania: mining and garum production, Oxford: BAR International Series. – Étienne, R.; e Mayet, F. (1993-1994): “La place de la Lusitanie dans le commerce méditerranéen” in Conimbriga 32-33, 201-218. – Fabião, C. (1996): “O comércio dos produtos da Lusitânia transportados em ânforas do Baixo Império” in Filipe, G., Raposo, J. M. Cardoso, J. M. C. (Eds.) Ocupação Romana dos Estuários do Tejo e do Sado - Actas das primeiras Jornadas sobre Romanização dos Estuários do Tejo e do Sado. Lisboa: Câmara Municipal do Seixal, Publicações D. Quixote, 329-342. – Fabião, C. (1997): “A Exploração dos Recursos Marinhos” in Fabião, C. - Portugal Romano: a exploração dos recursos naturais. Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia. – Fabião, C. (2009): “Cetárias, ânforas e sal: a exploração de recursos marinhos na Lusitania” in Estudos Arqueológicos de Oeiras, 17, Oeiras, Câmara Municipal, 555-594. – Faccenna, F. (2006): Il relitto di San Vito Lo Capo, Bibliotheca Archaeologica 17. – Fadda, M. A. (1987): “Il villaggio di S’Urbale (Teti-Nu). I materiali del vano F”, in Atti del III Convegno di Studi “Un millennio di relazioni fra la Sardegna ed i paesi del Mediterraneo” (Selargius-Cagliari, 27-30 novembre 1986), Cagliari, Amministrazione provinciale-Assessorato alla Cultura, 53-58. – Faísca, C. M. (2014): Criando os Chaparrais. Dois séculos de Montado de Sobro no Alentejo, Apenas Livros Lda, Colecção Chaparraaando, 1. – Férnandez, I.; Cano, L.; e Olivella, M.A (2012): “Comparación de una muestra de corcho antiguo (Siglo I a.C.) respecto a una muestra de corcho actual” in Enoviticultura Nº. 16, 20-25. 41 – Fonseca, C.; Bettencourt, J.A.; e Quilhó, T. (2013): “Entalhes, mechas e cavilhas: evidências de um navio romano na Praça D. Luís I (Lisboa)” in Actas do I Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1185-1191. – Frade, H.; e Caetano J. C. (1993) A necrópole romana da Lage do Ouro: novos elementos. Conímbriga, vol. XXX, Coimbra, 39-57. – Gasperetti, G. (2012): “L’attività del Servizio per l’Archeologia Subacquea della Soprintendenza per i beni archeologici per le province di Sassari e Nuoro. Un caso significativo” in Erentzias, Rivista della Soprintendenza per i Beni Archeologici per le province di Sassari e Nuoro, Volume I, 2011, 293-305. – Hermanns, M.; Bombico, S.; e Almeida R. (no prelo): “Reevaluando un documento del comercio lusitano de época Alto Imperial. Estudio preliminar del pecio de Grum de Sal (Eivissa / Ibiza)” in Actas do III Congreso Internacional de la SECAH - Ex Officina Hispana, “Amphorae ex Hispania. Paisajes de producción y de consumo”, Tarragona, 10-13 de dezembro de 2014. – Lavanha, J. B. (1996): Reedição. Livro Primeiro de Arquitectura Naval. Lisboa: Academia de Marinha. Edição Original de 1610. – Lopes, C.; e Mayet F. (1990) : “Commerce Régional et Loitain des Amphores Lusitaniennes” in Alarcão, A. e Mayet, F. (Eds) Ânforas lusitanas: tipologia, produção, comércio, Museu Monográfico de Conímbriga, Mission Archéologique Française au Portugal, 295-303. – Marchesi M., Marvelli, S. e Terranova, F. (2009): “Le indagini xilologiche effettuate sui reperti della nave mercantile tardo-romana di Scauri (Pantelleria)” In Il relitto tardo-antico di Scauri a Pantelleria, a cura di Roberto La Rocca, Sebastiano Tusa, Stefano Zangara. – Palermo: Regione siciliana, Assessorato dei beni culturali, ambientali e della pubblica istruzione. Dipartimento dei beni culturali ambientali, dell’educazione permanente e dell’architettura e dell’arte contemporânea, 205-216. – Martín i Oliveras (2015): “Arqueología del vino en época romana: Teoría económica, lógica productiva y comercial aplicada al envasado, la expedición, el transporte y la distribución de ánforas vinarias del noreste peninsular (s. I a.C.-I d.C.)” in Martínez Ferreras, Verònica (Editor) La difusión comercial de las ánforas vinarias de Hispania Citerior-Tarraconensis (s. I a.C. – I. d.C.), Archaeopress Roman Archaeology 4, Universidade de Barcelona, 19-37. – Mayet, F. (2001) : “Les amphores lusitaniennes“ in Céramiques Hellénistiques et Romaines 3, 277-293. 42 – Mayet, F. e Tavares, C. (2002): L’atelier d’amphores de Abul (Portugal), Paris. – Melhorado, F. (2007): A importância da floresta e do Montado ao longo da história, in AlentejoLitoral - http://www.alentejolitoral.pt – Mendes, A. C. (2002): A Economia do sector da cortiça em Portugal: Evolução das actividades de produção e de transformação ao longo dos séculos XIX e XX, Documento de Trabalho, Porto, Universidade Católica Portuguesa. – Natividade, J.V. (1950): Subericultura. Ministério da Economia – Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, Porto. – Oliveira, F. (1991): Reedição. O Livro da Fabrica das Naus. Lisbon: Academia de Marinha. Edição Original de 1580. – Panella, C. e Rizzo, G. (2014): Ostia VI. Le terme del nuotatore. I saggi nell’area NE. Le anfore, Ostia e i commerci mediterranei. Studi Miscellanei 38. “L’Erma” di Bretschneider, Roma. – Parker, A. J. (1992): Ancient shipwrecks of the Mediterranean and Roman Provinces. BAR International Series 580. – Riley, H. T. (1872): The fasti, tristia, pontic episteles, ibis and halieuticon of Ovid, Literally translated into English prose with copious notes. Londo: Bell & Daldy, York Street, Covent Garden. – Rizzo, G. (2012): “Roma e Ostia, un binomio ancora possibile? Di alcuni generi trasportati in anfora in eta` tardo-antonina” in KEAY, S. (ed.) Rome, Portus and the Mediterranean, 21 Archaeological Monographs of The British School at Rome, 87-103. – Sciallano, M.; e Sibella, P. (1994): Amphores: comment les identifier?, 2ª edição, Edisud, 131. – Segura, S. e Torres, J. (2009): Historia de las Plantas en el mundo antiguo, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Publicaciones de la Universidad de Deusto, Bilbao-Madrid. – Souter, A. P. (2012): “Exports from Iberia : understanding the production of Lusitanian amphorae and their significance in Roman commerce between the frist and fifth centuries AD” in Journal of Roman Pottery Studies 15, 140-168. 43 – Spanu, P. G. (1997): “Il relitto «A» di Cala Reale (Asinara)” in Atti del convegno Nazionale di Archeologia Subacquea (Anzio, 30-31 maggio e 1 giugno 1996), Bari, 109-119. – Tavares, C. (1996): “Produção de ânforas na área urbana de Setúbal” in Ocupação romana dos estuários do tejo e Sado (Actas das primeiras Jornadas sobre Romanização dos Estuários do Tejo e do Sado), Lisboa, Publicações Dom Quixote, 43-54. – Tavares, C.; Soares, J.; e Wrench, L. N. C. (2010): “Os primeiros mosaicos romanos descobertos em Caetobriga” in Musa, 3, 149-164. – Vasconcelos, J. L.(1930) Antiguidades alentejanas. O Archeologo Português, XXIX, 173-187. – Vaz, I.; Magalhães, P.; e Brum, P. (2011): “O complexo industrial de Tróia desde os tempos dos Cornelii Bocchi” in CardosoA, J. L. e Almagro-Gorbea, M. (Editores) Lucius Cornelius Bocchus - Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura Latina, Academia Portuguesa da História e Real Academia de la Historia, Lisboa-Madrid. – Vilar- Sancho, B.; e Mañá, J. M. (1964): “Informe sobre la excavacion arqueológica en la Bahia de San Antonio Abad de Ibiza” in Noticiario Arqueologico Hispanico VI, Cuadernos 1-3, 177-188. – Villaverde, N. (2001): Tingitana en la Antigüedad Tardía (siglos IIIVII): Autoctonía y Romanidad en el Extremo Occidente Mediterráneo, R.A.H., Biblioteca Archaeologica Hispana, 11, Madrid, 600. 44 Regulação contratual das práticas suberícolas no Sudoeste Peninsular (1852-1914) The regulation of the cork oak forest and montado management in the southwest of the Iberian Peninsula (1852-1914)1 Carlos Manuel Faísca Universidad de Extremadura; Município de Ponte de Sor2 [email protected] – Resumo: Atualmente Portugal lidera, a nível mundial, todas as facetas do negócio corticeiro, desde o mercado florestal, passando pela transformação industrial, até à comercialização dos produtos de cortiça. A este cenário não é alheio o facto de ser em Portugal que o sobreiro encontra as melhores condições para o seu desenvolvimento. Porém, até aos anos 30 do século XX, este papel foi desempenhado por outros países, sobretudo Espanha, sendo que importa isolar os fatores que contribuíram para esta situação. Um deles poderá corresponder às más práticas silvícolas não só na extração da cortiça, mas também na falta de incentivos para uma correta expansão da área de sobreiro. São precisamente estes fatores que o presente artigo procura aferir através da análise de um milhar de contratos de arrendamento e/ou compra de cortiça, celebrados em duas das principais regiões produtoras de cortiça em Portugal –Alto Alentejo– e em Espanha –Extremadura e Andaluzia–, obtendo-se, desta forma, uma perspetiva comparada entre as duas realidades. O autor deseja agradecer a Ana Isabel Silva e a Francisco Parejo Moruno a ajuda na revisão deste texto do ponto de vista formal e de escrita no primeiro caso e técnico-científico no segundo. É ainda de salientar a possibilidade de aprendizagem que tem tido na região de Ponte de Sor, em grande parte devido ao destaque que o executivo municipal tem dado à fileira da cortiça local. 2 Técnico Superior de História no Município de Ponte de Sor e doutorando na Universidad de Extremadura sob a orientação do Doutor Francisco Parejo Moruno. Biblioteca Municipal de Ponte de Sor, Av. da Liberdade, n.º 64 –F, 7400– 218 Ponte de Sor. E-mail: [email protected]. 1 45 – Palavras-chave: Cortiça; Mercado Florestal de Cortiça; Gestão do Montado de Sobro; Alentejo; Extremadura. – Abstract: Portugal currently leads worldwide all the facets of the cork business, from the forest market, through manufacturing and the trade of cork products. This scenario is enhanced with the fact that in Portugal the cork oak trees have the best conditions for their development. However, up to 1930s, this role was played by other countries, especially Spain, and is important to understand the factors that contributed to this situation. One of them might have been poor forestry practices not only regarding the extraction of the cork, but also the lack of incentive for the proper expansion of the cork oak tree area. These factors are precisely those that this article seeks to measure through the analysis of a thousand fixed-rent contracts and / or purchase of cork, signed in two of the main producing regions of cork in Portugal –Alentejo– and in Spain –Extremadura and Andalusia–, thus obtaining, by this way, a comparative perspective between the them. – Keywords: Cork; Cork Forest Market; Montado de Sobro Management; Alentejo; Extremadura. 1.- Introdução Devido a um conjunto de fatores, muitos dos quais relacionados com as características edafoclimáticas de grande parte do território nacional, Portugal é atualmente o país do mundo com a maior área de sobreiro e, consequentemente, com a maior produção florestal de cortiça, algo que se verifica desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX (Mendes 2009). Dispondo de uma maior oferta de matéria-prima, a fileira da cortiça portuguesa dispõe a priori de uma vantagem absoluta a nível global. Porém, até à década de 1930, o setor corticeiro luso, e em particular a indústria corticeira, gerou menores rendimentos quando comparado com outros países «ocidentais», inclusivamente com aqueles que não possuem produção própria desta matéria-prima (Parejo 2010). Vários fatores poderão ter contribuído para esta situação, desde a escassa 46 capacidade industrial portuguesa, passando por questões relacionadas com a política económica interna –uma sobrevalorização das culturas cerealíferas que disputaram apoios institucionais e até territórios com as atividades suberícolas– e externa –na determinação da política aduaneira e na negociação de acordos comerciais. Neste artigo vamos explorar um outro aspeto que poderá, em parte, ter sido responsável por uma falta de competitividade da rolha portuguesa nos mercados internacionais, –praticamente o único produto da indústria corticeira de então– em concreto a má qualidade das cortiças nacionais, não pelo seu potencial natural, mas fruto de décadas de deficientes práticas suberícolas. Esta hipótese, como iremos ver, é sustentada por diversas fontes coevas, onde se incluem relatórios oficiais de agentes económicos ligados à fileira da cortiça. Como forma de obtermos uma aproximação às práticas suberícolas no «mato» alentejano, principal região produtora de cortiça do planeta, analisámos várias centenas de contratos de arrendamento de cortiça, comparando-os com outros tantos exemplares de uma das principais regiões espanholas de produção corticeira –a Extremadura– e com o trabalho de António Serrano Vargas (2007) que, numa perspetiva qualitativa, também aborda esta questão no espaço geográfico da Andaluzia. Num período em que a legislação sobre as práticas agroflorestais em torno do sobreiro ainda se encontrava ausente, estes contratos, que testemunham uma larga percentagem da extração de cortiça entre meados do século XIX e a primeira guerra mundial, eram a única forma de regulação existente. Assim, numa lógica comparativa, poderemos compreender se existiu alguma diferença significativa de atuação nos dois lados da fronteira, o que conseguirá ajudar a explicar a maior colocação de cortiça espanhola transformada nos mercados internacionais, em detrimento das cortiças portuguesas. A literatura científica internacional tem acentuado a importância de determinados contratos agrícolas não só na redução de comportamentos oportunistas, mas também como forma de estimularem a produção. É precisamente um exercício deste género que pretendemos realizar, ou seja, esclarecer, neste caso concreto, se do ponto de vista económico, os contratos de arrendamento e/ou de compra e venda de cortiça ajudaram a aumentar a qualidade da produção corticeira em Espanha e em Portugal e, consequentemente, a sua comercialização nos mercados internacionais. As principais limitações deste trabalho prendem-se com a área geográfica coberta, já que, apesar de termos reunido mais de um milhar de contratos de arrendamento e/ou de compra e venda de cortiça, estes limi47 tam-se, geograficamente, ao Alto Alentejo3, Extremadura4 e, à parte desta contabilização, a uma fração da Andaluzia, a que tivemos acesso apenas de forma indireta (Serrano, 2007). O artigo começa por explicar a relação entre as práticas culturais suberícolas e as suas consequências na qualidade e na produção de cortiça, para, em seguida, apresentar o negócio corticeiro nacional e internacional na cronologia estudada (1852-1914) e de como, perante este contexto, o decréscimo da qualidade da cortiça portuguesa poderá ter sido um importante fator de perda de competitividade internacional. Após uma breve apresentação das fontes e dos métodos utilizados, analisam-se os resultados da investigação, concluindo-se que, ao que tudo indica, existiu uma desigualdade institucional, favorável a Espanha, na exploração florestal de cortiça entre os dois principais produtores mundiais desta matéria-prima. 2.- As práticas culturais suberícolas, qualidade da cortiça extraída e a sua utilização industrial no século XIX A quantidade e a qualidade de cortiça produzida por um sobreiral, ou por um sistema de montado de sobro, dependem das características das árvores, do clima, do solo, mas também do tratamento silvícola que é dado a todo o ecossistema. A conservação da fertilidade da terra é uma questão que influencia os aspetos citados, já que o declínio do teor de matéria orgânica do solo acentua a perda de bases, facilita o trabalho erosivo, enfraquece a atividade microbiana e torna mais pronunciada a aridez. Esta situação ocorre com frequência quando coexiste uma cultura cerealífera numa zona de sobreiros (Vieira 1952, 154). Contudo, um aspeto ainda mais importante é a execução do descortiçamento, já que esta atividade interfere nos processos fisiológicos da árvore, tanto mais Reunimos 703 contratos celebrados nos cartórios notariais de Ponte de Sor, mas que incluem propriedades dos seguintes concelhos: Abrantes, Almeirim, Alter do Chão, Avis, Castelo de Vide, Chamusca, Coruche, Crato, Gavião, Golegã, Mação, Marvão, Monforte, Mora, Nisa, Portalegre, Ponte de Sor e Sousel. 4 Reunimos 301 contratos que incluem propriedades nos seguintes términos municipales de Albuquerque, de San Vicente de Alcántara e de Villar del Rey, bem como das comarcas de Mérida e de Jerez de los Caballeros. 3 48 quanto maior for a área desnudada. Por isso o sobreiro não suporta o descortiçamento integral, ainda que sobreviva, nas condições climáticas portuguesas, mas não sem graves desordens na sua biologia, quando se põe a descoberto 80% da área total produtora de cortiça virgem e de reprodução (Vieira 1952, 109). Por outro lado, a tiragem de cortiça é uma operação delicada que, se efetuada de forma pouco correta, por exemplo ferindo a árvore ou realizando tiragens precoces, pode comprometer, de forma irremediável e crónica, a qualidade da cortiça produzida por um sobreiro ou até mesmo levar à sua morte (Goes e Tenreiro, 2000). O descortiçamento é de tal forma importante que, já durante o Estado Novo, a Junta Nacional de Cortiça criou duas escolas de podadores e tiradores de cortiça, publicando também pequenos manuais educativos a este respeito (García Pereda, 2009), numa lógica educativa que atualmente o Centro de Formação Profissional da Indústria da Cortiça –CINCORK– tem vindo a recuperar. No entanto, no século XIX, na ausência deste organismo, a tiragem de cortiça dependia da «habilidade» dos tiradores em efetuar o descortiçamento no momento ideal, bem como da «vontade» e do «conhecimento» de proprietários, mas sobretudo de industriais e intermediários, já que estes eram os responsáveis pela extração desta matéria-prima. Isto num período histórico em que existia um grande vazio legal nesta matéria, só preenchido, em Portugal, a partir de 19275 e, em Espanha, a partir de 19326. Aliás, um artigo recente que analisa a fileira da cortiça, no noroeste espanhol, realça o carácter extraordinário de um local concreto em que, por exemplo, se encontrava regulada, no final do século XIX, a periodicidade da extração de cortiça, perante um cenário geral de «desordem» (Guerra Velasco 2015, 73). Assim, até 1927, legalmente nada impedia que um sobreiro no Alentejo fosse descortiçado em intervalos de 6 anos, o que seria terrível para todo o sistema produtivo, a não ser, claro, que existisse um contrato que indicasse o contrário. Por outro lado, pelo menos em Portugal, permanecia uma ausência generalizada de qualquer tipo de instrução silvícola –logo também suberícola–, dos diversos agentes envolvidos no mercado florestal de cortiça, desde os trabalhadores assalariados até aos próprios proprietários. Decreto-Lei nº 13658, de 20 de maio. Decreto de 13 de maio. 5 6 49 Todavia, o ensino estatal preparava-se, ainda que de forma algo lenta, para colmatar essa lacuna formativa. Nesse sentido, foi criada, em 1864, no Instituto Agrícola, em Lisboa, a licenciatura em Engenharia Silvícola, muito embora, na realidade, até 1887, a afirmação da silvicultura no incipiente sistema de ensino superior português, se traduzisse, relativamente ao «curso mãe» de Agronomia, numa única cadeira, precisamente a de Silvicultura. Em simultâneo, surgiu o curso de Regente Florestal e, nas escolas práticas de agricultura distrital do espaço alentejano, leciona-se «subericultura» (Radich e Monteiro, 2000). É o caso da Escola Prática de Agricultura de Portalegre, fundada em 1887, que, no terceiro artigo do seu regulamento, prevê “(…) habilitar operários ruraes (…) instruindo-os nos processos praticos de trabalhos ruraes, taes como: (…) Cultura economica (…) do sobreiro e da azinheira, e utilização dos productos d’estas plantas (…)”7. Porém, o alcance destas formações era curto, não só pelo número reduzidíssimo de estudantes de ensino técnico e, sobretudo, de ensino superior, mas também pela efemeridade das escolas práticas de agricultura distrital. Concretamente, a Escola Prática de Agricultura de Portalegre foi extinta em 1894, ou seja, apenas 7 anos após a sua criação. A reforma do ensino trazida com a República alterará um pouco este panorama, mas será somente em pleno Estado Novo que se assistirá a uma alteração de fundo neste capítulo, através da ação da Junta Nacional de Cortiça. No entanto, continuava a ser essencial que a extração de cortiça se realizasse em determinadas condições, por exemplo, na época do ano correta, com uma periodicidade não inferior a 8-9 anos e não se exagerando a área da árvore desnudada, entre outros aspetos. Atualmente, a cortiça extraída pode ser utilizada para o fabrico de rolhas naturais, isto é, a partir da brocagem de uma prancha de cortiça, produz-se uma rolha uniforme sem recurso a qualquer outro tipo de técnica; para o fabrico de rolhas técnicas, em que o corpo da rolha é construído a partir de aglomerado de cortiça resultante dos desperdícios gerados no fabrico de rolha de cortiça natural, ou das cortiças de pior qualidade e sem calibre para a produção de rolhas de cortiça naturais, sendo as suas extremidades, que entram directamente em contacto com o líquido engarrafado, compostas por discos de cortiça natural; e, por Portugal, Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral de Agricultura (1887, 5-7). 7 50 último, uma vasta panóplia de produtos tendo por base o aglomerado ou granulado de cortiça, cuja origem é a mesma que a do corpo da anterior (Zapata, 2010). Contudo, no século XIX, ainda não era utilizado o aglomerado de cortiça, cuja patente data do final desta centúria e que só se disseminará em Portugal após a Primeira Guerra Mundial (Flores 2003, 59-60). Ou seja, a indústria corticeira oitocentista só podia trabalhar com rolhas de cortiça natural, o que significa, por um lado, que apenas as pranchas com maiores calibres tinham aproveitamento industrial e, por outro, a qualidade de cortiça era, ainda mais do que hoje em dia, um fator fundamental no fabrico de rolhas, visto que as piores categorias poderiam originar rolhas com as suas funções vedantes comprometidas. Adicionalmente, as cortiças de pior qualidade e os desperdícios não tinham qualquer aproveitamento industrial, o que desvalorizava imenso, do ponto de vista económico, estes produtos. 3.- O negócio corticeiro em Portugal no «longo» século XIX e o decréscimo da qualidade da cortiça portuguesa como fator de perda de competitividade internacional. No período considerado, Portugal apresentava-se já como o principal produtor florestal de cortiça do planeta, em virtude das excelentes condições naturais que o território nacional detém para o crescimento do sobreiro. No entanto, e apesar de vocacionada para o comércio internacional, a fileira da cortiça portuguesa compunha-se, em grande parte, pela exportação de matéria-prima em bruto, ficando a larga maioria da cortiça lusa por transformar. Assim, não obstante o rápido crescimento da indústria corticeira de transformação, a verdade é que grande parte da cortiça saía do país sem apresentar qualquer valor acrescentado, pois, após um século de crescimento quase sempre contínuo, a cortiça transformada –essencialmente rolhas– representava apenas 25% do valor total das exportações de cortiça (Lains 1995, 95-100). Para além disso, a cortiça portuguesa apenas conseguia obter uma colocação maioritária no mercado inglês, sendo os restantes mercados dominados pela cortiça proveniente de Espanha ou do Magrebe Francês (Parejo 2010, 21). Vários fatores explicativos desta situação foram apontados, quer pela bibliografia coeva, quer pela bibliografia contemporânea, de ordem empresarial –a falta de capacidade da indústria em se modernizar–, insti51 tucional –dificuldades em obter crédito –e político-institucional– ausência de tratados comerciais e uma pauta aduaneira desfavorável. Um dos fatores apontados pelas fontes da época é, como iremos ver, o decréscimo da qualidade da cortiça portuguesa. Devido a todos os aspetos anteriormente referidos, compreende-se facilmente como as más práticas suberícolas poderão ter resultado numa perda de competitividade internacional por parte das cortiças portuguesas. Contudo, esta hipótese só pode ser considerada se nos demais países produtores de cortiça estas práticas forem qualitativamente melhores, com especial destaque para Espanha que, a par de Portugal, é o grande produtor florestal de cortiça a nível mundial; e também se existirem indícios de que de facto os sobreiros portugueses estavam a ser mal geridos do ponto de vista agroflorestal. Na realidade, como já referimos, Portugal apresenta as melhores condições edafoclimáticas para o desenvolvimento do sobreiro e, à partida, nada faria prever uma pior qualidade da cortiça nacional. Porém, existe todo um conjunto de documentos do período em análise que indicam um decréscimo qualitativo da cortiça portuguesa devido à atuação irresponsável de quem a extraía da árvore. O mais importante testemunho desta situação será talvez o Relatório sobre a Questão Corticeira da autoria de Jacintho Nunes e publicado em 1905 (Nunes, 1905). Após décadas de enorme expansão da indústria corticeira portuguesa, nos últimos anos da centúria de Oitocentos, todo o setor começou a sentir diversas dificuldades que significaram o encerramento de algumas unidades fabris, bem como o despedimento de várias centenas de operários. Esta «crise» surge como consequência do avanço tecnológico da indústria corticeira presente em países não produtores de cortiça –casos dos Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Argentina–, e a adoção de políticas protecionistas por destes como forma de proteger as suas indústrias nacionais (Parejo 2009, 119). Alarmada uma parte da «sociedade civil» portuguesa, industriais e operários corticeiros, alguns proprietários, alguns académicos e, inclusivamente, alguns políticos influentes, reclamaram uma intervenção favorável do Estado no sector corticeiro. A «questão corticeira» foi a expressão pela qual ficou conhecida na sociedade portuguesa esta polémica, que se arrastou desde o final do século XIX, passando pela República e chegando ao período da Ditadura Militar. A principal reivindicação era o estabelecimento de uma pauta aduaneira favorável à transformação industrial de cortiça em Portugal, ao invés de se beneficiar a sua exportação em 52 bruto (Branco e Parejo, 2008). Todavia, a componente florestal do sector corticeiro também não foi esquecida. Nesse sentido, o citado relatório, elaborado no âmbito de uma reunião realizada em Vendas Novas, com o intuito de se preparar um Congresso, que se realizaria em Lisboa, “(…) destinado a investigar as causas da crise corticeira e rolheira, e a procurar os meios de a debellar (…)” (Nunes 1905, 5), aborda claramente esta problemática. Assim, desde logo, é apontado como um fator determinante da crise “(…) O descredito das cortiças portuguesas, resultado das tiradas extemporâneas e do tratamento dado aos montados (…)” (Nunes 1905, 7), enquanto, por exemplo, as cortiças argelinas, outro importante concorrente de Portugal no final do século XIX, “(…) augmentam d’anno para anno consideravelmente, e d’anno para anno melhoram as suas qualidades. O Estado, que é quem explora a maior parte dos montados de sobro só auctorisa a tirada de cortiça, quando tenham, pelo menos, 25 millimetros d’espessura, e só as expõe á venda, depois de limpas do refugo e classificadas (…)”. Jacintho Nunes conclui que “(…) a desqualificação das nossas cortiças é tanto mais grave, quanto as da Hespanha manteem intacta a sua reputação primacial, e as da Argelia, exploradas pelo estado, se vão acreditando d’anno para anno, e attrahindo a concorrência geral (…)” (Nunes 1905, 9). O relatório termina com um conjunto de práticas suberícolas que devem ser seguidas pelos agentes económicos presentes no «mato», tais como, por exemplo, “(…) Que se não tirem as cortiças, se não depois d’estarem creadas e com a espessura nunca inferior a 11 linhas (…)” (Nunes 1905, 12). Dez anos volvidos, em 1915, também o anteprojeto da União dos Produtores de Cortiça Portugueses volta a tocar nos mesmos pontos referindo a União que promoverá “(…) que o governo pela Inspecção dos Serviços Florestaes, tome as providencias e estabeleça as penalidades necessárias para evitar: Que, em virtude do tratamento exagerado das terras de montado, de que muitos produtores se valem para promover o rápido desenvolvimento dos sobreiros, seja prejudicada a boa contextura da cortiça; Que o descortiçamento seja realizado de modo que offenda o entrecasco; Que se tirem cortiças com menos de nove anos (…)” (Pessanha 1915, 12). Ainda no século XIX, o periódico O Corticeiro, órgão informativo do operariado corticeiro do sul de Portugal, referia, na sua edição de 29 53 de Outubro de 1899, que “(…) há muito esperávamos a referida baixa [do preço da cortiça em bruto devido à queda da qualidade da mesma] (…) para a qual bastante tem contribuído o excesso de producção que nos últimos annos, tem apparecido no mercado, devido ao intuito ganancioso dos intermediários e em grande numero dos srs. Lavradores, os quaes arrastados pela cegueira do ouro os levou a cometterem actos d’um completo vandalismo, nas ricas e inoffensivas mattas de sobreiros, como se prova, com as cortiças arrancadas com 5 e 6 annos (…)”8. De facto, Clemente Menères, um proprietário florestal e industrial corticeiro, nas suas memórias, confessa que fez «sofrer» os seus muitos sobreiros à custa da baixa especialização da mão-de-obra que contratou, fruto, como o próprio acabou por reconhecer, da sua ignorância. Tendo adquirido, em 1874, um conjunto de propriedades produtoras de cortiça em Trás-os-Montes, as primeiras décadas de atividades suberícolas revelaram-se desastrosas para as árvores e, consequentemente, para o seu negócio. Não compreendendo a especificidade do descortiçamento, Menères contratou sucessivamente trabalhadores que “(...) não sabiam nada de extracção de cortiça (...)”, tendo estes danificado “(...) muitos sobreiros na extracção de cortiça virgem (...)”. E o “(...) desastre completo [de] trazer essa gente para aqui (...)”, continuou, visto que “(...) nos anos seguintes, veio outra gente que se dizia habilitada, mas que pouco mais sabia do que os primeiros e assim sucessivamente até que, chegando às proximidades do 6º ou 7º ano, em que se dizia que a cortiça seria extraída, verifiquei que ela não tinha metade da bitola exigida para os fins a que era destinada (...)” (Menères 1915, 24). Por último, vários são os relatórios de agrónomos9 e outros «estudiosos», como Gerardo Pery, que referem tiragens de cortiça com 6 e 7 anos de criação10. O Corticeiro, Órgão da Indústria Corticeira e do Proletariado em Geral, Almada, Edição de 29 de Outubro de 1899. 9 Referimo-nos ao Questionário agro-florestal do Districto de Bragança elaborado pelos respetivos Serviços Agronómicos e disponível no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Fundo do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, NP 915, doc. nº 7. 10 Neste caso trata-se de um Manuscrito com a caracterização agrícola do Concelho de S. Tiago do Cacém da autoria de Gerardo Pery e elaborado em 1894, disponível no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, NP 901, doc. nº 19. 8 54 Pode-se então concluir que esta questão parecia da maior importância à época. Todavia, só poderia apresentar-se como uma desvantagem competitiva se, de facto, como refere Jacintho Nunes, os principais concorrentes portugueses tinham outra postura para com os seus sobreiros. Ora, é precisamente esse aspeto que vamos procurar aferir através da análise dos contratos de arrendamento de cortiça portugueses e espanhóis, sendo Espanha o líder mundial do setor corticeiro à época. 4.- Fontes e método Para o estudo das problemáticas enunciadas, recorremos à análise qualitativa e quantitativa dos contratos de arrendamento de cortiça celebrados nos cartórios notariais de Ponte de Sor, da região da Extremadura11 e da região andaluza da Serra Morena, estes últimos apenas de forma indireta através do trabalho de Antonio Serrano Vargas (2009). O concelho de Ponte de Sor, com uma produção de cortiça estimada, no ano de 1906, em cerca 800 toneladas, era já o principal produtor de cortiça do Alto Alentejo12, que, por sua vez, com uma produção estimada em cerca de 4.400 toneladas, tinha uma quota de aproximadamente 15% do total nacional13. Esta última região era, à época, coberta em cerca de 11% do seu território por montado de sobro, num total de 70.632 hectares14, sendo o sobreiro, a par da azinheira, a espécie florestal predominante em todo o Alto Alentejo15. Ponte de Sor era, tal como hoje é, um dos con Antonio García García (2006, 2008a e 2008b) A produção de cortiça do Alto Alentejo estava organizada da seguinte forma: Ponte de Sor (800 t), Avis (600 t), Crato (594 t), Nisa (550 t), Portalegre (500 t), Sousel (420 t), Marvão (250 t), Arronches (156 t), Gavião (150 t), Alter do Chão (75 t), Fronteira (50,5 t), Elvas (50 t), Monforte (30 t); Campo Maior não apresentava qualquer extração de cortiça. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral de Agricultura, NP 853. 13 Este valor foi obtido através do quociente entre a produção distrital e a produção nacional do mesmo ano publicada em Lains e Silveira (1998) 14 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral de Agricultura, NP 881. 15 A área de montado de Azinho seria ligeiramente superior contando com 85.402 hectares. Seguia-se a Oliveira, mas a grande distância, contando com “apenas” cerca de 14 mil hectares, enquanto as superfícies de Carvalho (7300 Ha) e de Castanheiro (3900 Ha), embora não fossem desprezíveis, eram de uma ordem de grandeza significativamente menor. 11 12 55 celhos representativos da exploração florestal de cortiça no Alentejo e, por extensão, mas em menor medida, de Portugal. Já a Extremadura e a Andaluzia eram (e são) as duas principais regiões suberícolas do país vizinho, ainda que o grosso da indústria corticeira se localizasse (e localize) na Catalunha, onde também existia (e existe) uma interessante produção de cortiça. Embora seja impossível estimar qual a ponderação da forma de obtenção de matéria-prima por parte da indústria através de contratos de arrendamento, a verdade é que não só é referenciada por autores coevos e contemporâneos16, mas também o elevado número de contratos indica que certamente estes representam uma quantidade elevada da cortiça transacionada. Nesse sentido, a título de exemplo, podemos referir que entre 1857 e 1914, apenas no cartório notarial da então de vila de Ponte de Sor, foram celebrados 703 contratos de arrendamento de cortiça, num total de quase mil contos de réis17. Como forma de estudarmos, numa perspetiva comparada, os casos de Espanha e Portugal, construímos uma base de dados que, entre muitas outras características, assinala a existência de cláusulas contratuais que protegem a tiragem de cortiça por parte dos arrendatários. Embora as más práticas suberícolas pudessem ser também efetuadas pelos proprietários, tratando-se de contratos de arrendamento e/ou de compra e venda de cortiça, em que a responsabilidade da extracção da matéria-prima ficava a cargo dos arrendatários e/ou compradores, estes podiam, de forma oportunista e consoante o valor de mercado, proceder a descortiçamentos precoces, prejudicando, no longo prazo, a qualidade da cortiça; efetuar uma exploração demasiado intensiva; ou fazê-lo com recuso a mão-de-obra não-qualificada, arriscando danificar irremediavelmente estas árvores, cuja replantação implica uma regeneração de cerca de três décadas até ao primeiro descortiçamento rentável. É por este motivo que Ferreira (1923), Michotte (1923) e Guimarães (2006). No total dos 703 contratos de arrendamento de cortiça que analisámos foram transacionados 937.675.168 réis a preços constantes de 1860-63. Para este cálculo utilizámos o índice de preços agrícolas publicado em Justino (1990). Nos anos de 1913 e 1914, omissos nesta publicação, extrapolámos o índice tendo em conta a inflação média dos dez anos anteriores. Para se ter uma impressão da grandeza do valor, em 1863, um trabalhador rural ganharia, por cada dia, 280 réis, o que leva a concluir que, numa estimativa otimista, poderia auferir anualmente cerca de 75 mil réis. 16 17 56 nos centramos nas cláusulas que incidem sobre o comportamento dos arrendatários e não o inverso. 5.- Contratos de arrendamento de cortiça: uma forma de impedir comportamentos oportunistas? A possibilidade da existência de comportamentos oportunistas por parte de arrendatários e de parceiros não é, evidentemente, exclusiva do setor florestal de cortiça. Alguns autores têm-se debruçado sobre a forma como determinados contratos agrícolas adquiriram uma forma que possibilitou, em contextos específicos, a eliminação de grande parte do risco da existência deste tipo de comportamento. Aliás, a relação entre contratos agrários e o desenvolvimento agrícola europeu tem sido bastante analisada pelos historiadores económicos18. Um caso bem conhecido é o da catalã Rabassa Morta, um contrato de parceria vinícola onde as questões de comportamentos oportunistas eram controladas pela divisão da propriedade da terra e das vinhas, pela reputação dos agentes económicos e, sobretudo, pelo facto do contrato se manter em vigor apenas enquanto as vinhas fossem vivas, o que levava o parceiro a ter um especial cuidado com as plantas como forma de preservar esse status quo, pelo menos enquanto lhe fosse favorável. Desta forma, o proprietário acabava por se libertar de custos de monitorização elevados, visto que era do interesse de ambas as partes assegurar a longevidade das vinhas (Carmona e Simpson 1999). Mais recentemente, e apenas para citar outro exemplo, uma análise detalhada da agricultura de regadio da região valenciana do século XIX demonstrou o papel determinante que os contratos podem ter não só sobre comportamentos oportunistas, mas também no aumento da produção agrícola (Garrido e Calatayud, 2011). Neste caso concreto, a concessão de determinados incentivos –essencialmente o pagamento de uma indemnização pelos melhoramentos efetuados na propriedade aquando do final do contrato de arrendamento– aos arrendatários no sentido destes melhorarem, a longo prazo, a produtividade da terra, permitiu uma maior propensão dos arrendatários para trabalhar e investir São os casos, entre muitos outros, de Joel Mokyr, James Simpson, Juan Carmona, Salvador Calatayud ou Samuel Garrido. 18 57 na terra, enquanto os proprietários poupavam em custos de supervisão e reduziam o risco das suas propriedades perderem valor. Adicionalmente, os melhoramentos agiam como uma garantia contra o não-pagamento da renda (Garrido e Calatayud 2011, 608). Os contratos de arrendamento de cortiça parecem não ser tão eficazes como a Rabassa Morta ou os contratos da região valenciana, porém, debaixo de uma monitorização forçosamente custosa, poderiam impor um conjunto de práticas suberícolas que, a médio e longo prazo, seriam benéficas para a produção de cortiça, bem como incentivar, à semelhança do que ocorreu no caso valenciano, a execução de melhoramentos nas propriedades com o objetivo de se melhorar a qualidade e a quantidade da cortiça a ser extraída no futuro. De facto, como notou Serrano Vargas para o caso andaluz, não se tratava apenas de garantir a produção imediata, mas também de garantir a sustentabilidade do sobreiral e inclusivamente de procurar o seu fomento com diversos cuidados, tratando de evitar maus usos que o pudessem prejudicar de alguma forma (Serrano 2009, 223). Ainda que toda a gestão dos sobreirais –fosse em regime de montado ou somente florestal– deva obedecer a um conjunto de práticas florestais, o período crítico para a preservação do arvoredo é, sem dúvida, o do descortiçamento, visto que este interfere diretamente nos processos fisiológicos da árvore. Por este motivo, o corpus legislativo erguido, em Portugal, a partir dos finais dos anos 1920, impõe, por exemplo, que o descortiçamento ocorra somente com uma periodicidade nunca inferior a 9 anos, regulando ainda a época da tiragem, bem como a superfície da árvore sujeita ao descortiçamento. São disposições semelhantes a estas que vamos encontrar em alguns dos contratos de arrendamento e/ou de compra e venda de cortiça, mas, como veremos, com importantes diferenças quantitativas nos dois lados da fronteira. 6.- Proteção do sobreiro e regulação do descortiçamento Ao analisarmos os contratos de arrendamento de cortiça, deparamo-nos com diversas cláusulas que procuram, por um lado, regular o descortiçamento e, por outro, proteger a própria árvore. É, por exemplo, o caso do contrato celebrado, em 1894, na então vila de Ponte de Sor, entre Francisco Vaz Monteiro e a firma britânica Henry Bucknall & Sons, onde se impede o “(...) descortiçamento além do meio das per58 nadas (...)”, obrigando-se à limpeza dos “(...) chaparros na distância de oito metros quadrados uns dos outros (...)”, a que “(...) os operários que hajam de empregar na tirada da cortiça serão sempre homens conhecedores do serviço, que não danifiquem o arvoredo, arrancando-lhe e ferindo-lhe o entrecasco junto com a cortiça (...)” e estabelecendo-se ainda “(...) que os arrendatários poderão fazer a extracção da cortiça das referidas propriedades [a partir] do dia vinte e cinco de maio (...)”19. No lado extremenho, cláusulas semelhantes podem ser encontradas, por exemplo, no contrato de arrendamento de cortiça celebrado, em 1874, na vila de Alburquerque, entre D. Román Duarte y Galván e D. Manuel Cabeza de Vaca y Morales, onde é referido que “(…) el corcho que no tenga ocho años cumplidos, no se sacará (…)”, que o arrendatário é obrigado a “(…) sacar la corcha de los árboles, a los cuales no se volverá a tocar (…) a fin de evitar, que en lo sucessivo, algunos árboles se descorchen dos o tres veces (…)”, entre outros muitos aspetos (García García 2006, 176-177), acontecendo o mesmo na andaluzia (Serrano 2009, 229-230). Para além destes aspetos, alguns contratos iam mais longe e não só procuravam defender a produção imediata, mas também garantir a sustentabilidade do sobreiral ao fomentar determinados cuidados que potenciam a produção suberícola a longo prazo. Assim, nos contratos andaluzes podem encontrar-se cláusulas como “(…) el comprador se compromete a desbornizar todos los alcornoques para aumentar las sucesivas crías (…)” ou “(…) descarchizar de corcho todo lo que corresponda al verificar las cortas para que los árboles prosperen en su desarrollo (…)” (Serrano 2009, 227), enquanto, na Extremadura, também surgem disposições no mesmo sentido, quando se indica que “(…) Con la finalidad de mejorar el fruto del corcho el arrendatario (…) podrá limpiar los alcornoques de retoños o brasos que puedan perjudicar la buena criación de repetido fruto (…)” (García García 2008a, 208) ou que “(…) no ha de despojar de la corcha primeriza que tienen los alcornoques, com el obgeto de aumentar la cría de la segunda (…)” (García García 2008a, 95). No entanto, nos mais de setecentos contratos deste tipo celebrados no cartório notarial de Ponte de Sor, apenas encontrámos três exemplos claros de incentivo à expansão e/ou melhoramento da qualidade do montados de sobro norte-alentejanos. Um deles, tratou-se de um contrato celebrado Arquivo Distrital de Portalegre, Cartório Notarial de Ponte de Sor, Livro 49, fl. 21 a 25 (CNPSR06/001/0049). 19 59 em 1870 que refere “(…) Que elles rendeiros ficão obrigados á limpeza do arvoredo que tiver cortissa virgem menos o comprehendido no terreno matagoso, com a condição de não poderem limpar mais do que uma árvore onde se achem muitas reunidas guardando certo espaço para a boa creação das mesmas arvores (…)”.20 Impõe-se agora compreender se estes tipos de cláusulas apenas surgiam em casos isolados ou se, pelo contrário, constituíam a maioria dos contratos, diferenciando-os entre a Extremadura e o Alentejo, visto que para o caso andaluz apenas dispomos do estudo de Serrano Vargas, que aborda esta problemática somente numa perspetiva qualitativa. Assim, dividimos a nossa análise em dois aspetos que nos parecem essenciais. O primeiro trata-se da regulação das operações de tiragem de cortiça propriamente ditas. Neste campo, assinalámos todos os contratos que incluíam uma ou mais cláusulas a este respeito, nomeadamente impondo, ao arrendatário e/ou comprador, a época do descortiçamento, a secção da árvore de onde se poderia retirar a cortiça, a contratação de trabalhadores especializados e a idade de criação da cortiça, mesmo que esta fosse inferior ao que atualmente é admitido pela legislação. Quadro 1.- Contratos consoante a inclusão de cláusulas de regulação do descortiçamento Regula descortiçamento (% de contratos) Não regula descortiçamento (% de contratos) Extremadura 63,16 % 36,84 % Alto Alentejo 25,12 % 74,88 % Região Fonte: Arquivo Distrital de Portalegre, Cartório Notarial de Ponte de Sor; Antonio García García (2006, 2008a e 2008b) Arquivo Distrital de Portalegre, Cartório Notarial de Ponte de Sor, Livro 20, fl. 14. a 15 v. (CNPSR03/001/0020). 20 60 Os números são bastantes claros, já que, muito embora no caso extremenho ainda exista uma significativa percentagem de contratos que não impõem qualquer regulação à mais importante técnica produtiva de toda a fileira da cortiça oitocentista, cerca de dois terços fá-lo, enquanto, por oposição, apenas um quarto dos contratos celebrados no Alto Alentejo apresenta as mesmas características. No entanto, esta análise deve ter em conta, sobretudo, a quantidade de cortiça que foi extraída debaixo de contratos que juridicamente obrigaram à condução de técnicas protetoras das árvores e da matéria-prima. Ora, como não dispomos da produção corticeira dos sobreiros de cada contrato, a melhor aproximação possível são, sem dúvida, os montantes envolvidos, visto que estes são excelentes indicadores do número de sobreiros contratualizados, bem como da sua respetiva produção. Adicionalmente existe uma enorme disparidade nos valores de cada contrato, pois, por exemplo, tanto se podem encontrar montantes na ordem dos 25 mil réis, como foi o caso do arrendamento de cortiça realizado por Manuel Jerónimo Chambel, em 1904, ao algarvio Manuel Gago, como, no extremo oposto, existem contratos celebrados na ordem dos milhões de réis como foi o caso dos 55 milhões de réis (55 contos de réis) com que, em 1883, António Garcia arrendou a cortiça das suas propriedades no concelho de Coruche à firma britânica Henry Bucknall & Sons. Evidentemente que ambos os contratos representam quantidades de cortiça bastante díspares, pelo que se torna imprescindível diferenciar este tipo de situações. Neste sentido, quando realizamos um exercício semelhante ao efetuado no Quadro 1, mas tendo agora por base os montantes transaccionados, os dados apresentam uma realidade diferente, conforme se pode verificar no Quadro 2. 61 Quadro 2.- Montantes transaccionados consoante a inclusão de cláusulas de regulação do descortiçamento21 Região Regula descortiçamento Não regula descortiçamiento Extremadura 88,4% 11,5% Alto Alentejo 62,4% 37,4% Fonte: Arquivo Distrital de Portalegre, Cartório Notarial de Ponte de Sor; Antonio García García (2006, 2008a e 2008b) A realidade expressa é de que a larga maioria da cortiça transaccionada, quer em Espanha, quer em Portugal, foi extraída debaixo de uma ou mais normas que regulamentaram esta operação. Subsiste uma diferença ainda relativamente significativa entre as duas realidades, em benefício do caso espanhol, contudo, o hiato reduziu-se de cerca de 38%, quando contabilizámos o número de contratos, para, neste caso, aproximadamente 26%. Outra conclusão a retirar é a de que os contratos de maior envergadura se encontravam mais protegidos e vice-versa. Ou seja, os grandes proprietários precaveram-se em proteger aquele que, em muitos casos, era o seu principal ativo agrícola. Quanto à questão do incentivo que os contratos podiam conceder à expansão do montado de sobro através de boas práticas suberícolas, isto é, como já referimos, se estimularam o aumento da produção suberícola a médio e a longo prazo, o cenário é muito mais vincado. Para este cálculo utilizou-se, no caso português, o método descrito na página 9, enquanto para os contratos outorgados em Espanha o método foi sensivelmente o mesmo, mas com base no índice de preços publicado por Reher e Ballesteros que se pode encontrar em Carreras e Tafunell (2005, 1290-1291) 21 62 Quadro 3.- Contratos que incluem cláusulas incentivadoras para o aumento da produção de cortiça Região Incentiva o aumento da produção de cortiça Não incentiva o aumento da produção de cortiga Extremadura 7,0 % 92,97 % Alto Alentejo 0,52 % 99,46 % Fonte: Arquivo Distrital de Portalegre, Cartório Notarial de Ponte de Sor; Antonio García García (2006, 2008a e 2008b) Se, de facto, estes tipos de incentivos são raros em ambos os casos, são praticamente inexistentes no Alentejo, enquanto na Extremadura ainda têm alguma expressão, mesmo que reduzida. Este panorama parece condizer com o estudo do caso andaluz, já que, mesmo sem ter mensurado esta questão, Serrano Vargas é perentório em afirmar que se nota na documentação um interesse crescente na produção corticeira do futuro. Assim, tarefas como as de entressacar, cortar e criar novos sobreirais aparecem nos documentos de formas diversas, ao mesmo tempo que qualquer outro contrato que implique propriedades com sobreiros vai no sentido de se assegurar a segurança da produção de cortiça (Serrano 2009, 225-232). 7.- Conclusão Os dados sugerem que, entre Portugal e Espanha, existiu uma maior preocupação do lado espanhol não só em regulamentar as principais atividades culturais em torno dos sobreiros, mas sobretudo em incentivar a expansão da produção de cortiça em quantidade e qualidade. Ainda que neste aspeto, mesmo do lado espanhol, as cláusulas que o indicam sejam relativamente raras, já no que diz respeito à regulamentação é interessante verificar que a maioria da cortiça comercializada foi sujeita a uma extracção com determinadas preocupações, num total superior a 63 60% do lado português e de quase 90% no lado espanhol, muito embora em números de contratos estas percentagens diminuam, respectivamente, para pouco mais de 60% e para cerca de 25%. A conclusão óbvia é que os grandes proprietários agiram no sentido de proteger os seus sobreiros. Podemos também concluir que os contratos de arrendamento de cortiça e/ou de compra e venda de cortiça, favoreceram a qualidade e a produção corticeira do lado espanhol, em termos comparativos com o Alentejo, numa proporção que, não sendo esmagadora, não deixa, todavia, de ser significativa. É evidente que esta análise tem que ser matizada à luz de certos aspetos, desde logo, no que de facto se passava no «mato», já que, por um lado, esta regulamentação poderia não ser seguida na prática –não faltam exemplos históricos e atuais de leis que no terreno não são cumpridas–, e, por outro, a sua inexistência não significa automaticamente que os tiradores de cortiça não tivessem em atenção os aspetos que encontrámos com maior frequência nos contratos espanhóis. Por outro lado, analisámos apenas uma parte da área de produção de cortiça dos dois países e, embora se tratem de zonas de altamente produtivas, só um estudo mais aprofundado, estendendo este exercício, em Portugal, ao Alentejo Central, ao Alentejo Litoral e ao Algarve, poderá responder com maior precisão. No entanto, a dimensão deste empreendimento implica que só possa ser levado a cabo por uma equipa de trabalho, sendo impossível fazê-lo, num tempo minimamente razoável, num projeto de doutoramento. Ainda assim, se mais nada determina, esta análise assinala uma tendência que, ao ser complementada com a bibliografia coeva que citámos, sugere razoavelmente que a má gestão das práticas suberícolas poderá ter contribuído para a falta de competitividade das cortiças portuguesas. Evidentemente, como também já referimos, este aspeto não foi, certamente, o único que contribuiu para o papel secundário que o setor corticeiro português teve no século XIX em comparação com o seu congénere espanhol. Talvez até nem seja o mais importante, contudo, parece-nos que identificámos, pelo menos, uma tendência e que, apesar de todas as condicionantes e limitações do nosso trabalho, deficientes operações técnicas nas árvores contribuíram também, de uma forma não negligenciável, para a depreciação da cortiça portuguesa perante outros concorrentes diretos presentes no mercado internacional. 64 Ficam, no entanto, por explicar as causas que estão por detrás desta situação e que podem estar relacionadas com inúmeros fatores, entre outros, de ordem social e institucional –costumes, propriedade das árvores, usos comunais, aproveitamento do solo, sistema educativo, etc.–, mas que pretendemos abordar no futuro de uma forma aprofundada, tal como a pertinência da questão o exige, dispondo de espaço suficiente para o conseguir fazer. 65 66 Bibliografía – Branco, A.; e Parejo, F. M. (2008): “Incentives or obstacles? The institutional aspects of the cork business in the Iberian Peninsula (19301975)”, Revista de Historia Económica - Journal of Iberian and Latin America Economic History, 26, 01, Primavera, 17-44. – Carmona, J.; e Simpson, J. (1999): “The “Rabassa Morta” in Catalan viticulture: the rise and decline of a long-term sharecropping contract”, The Journal of Economic History, 59, 02, June, 290-315. – Carreras, A.; e Tafunell, X. (coord.) (2005): Estadísticas históricas de España: siglos XIX y XX, 2ª ed, Bilbao, Fundación BBVA. – Ferreira da Costa Júnior, J. A. (1923): “Indústria Corticeira”, Revista do Instituto Superior de Contabilidade de Lisboa, 06, Outubro, 321-337. – Flores, A. (2003): Almada na História da Indústria Corticeira e do movimento operário: da Regeneração ao Estado Novo (1860-1930), Almada, Câmara Municipal de Almada. – García García, A. (2006): Explotación comercial del corcho en la Provincia de Badajoz: siglo XIX (Albuquerque y San Vicente de Alcántara), Badajoz, Junta de Extremadura. – García García, A. (2008a): Explotación comercial e industrial del corcho en la Provincia de Badajoz, 1841-1908 (Jerez de los Caballeros), Badajoz, Junta de Extremadura. – García García, A. (2008b): Explotación comercial e industrial del corcho en la Provincia de Badajoz, 1833-1912 (Comarca de Jerez de los Caballeros y Mérida), Badajoz, Junta de Extremadura. – García Pereda, I. (2009): Junta Nacional de Cortiça (1936-1972), Lisboa, Euronatura. 67 – Goes, J. M.; e Tenreiro P. M. (2000) A gestão do montado de sobro na charneca de Ponte de Sor, Ponte de Sor, Aflosor, 31-35. – Guerra, J. C. (2015): La Industria corcho-tanponera en el noroeste de España: origen y evolución de una actividad de perfil artesanal (18271977). Revista de Historia Industrial, 57, 24 (2015), 55-86 – Guimarães, P. (2006): Elites e Indústria no Alentejo (1890-1960): um estudo sobre o comportamento económico de grupos de elite em contexto regional no Portugal Contemporâneo, Lisboa, Edições Colibri. – Justino, D. (1990): Preços e salários em Portugal (1850-1912), Lisboa, Banco de Portugal – Lains, P. (1995): A economia portuguesa no século XIX: Crescimento económico e comércio externo, 1851-1913. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. – Lains, P.; e Silveira e Sousa, P. (1998): “Estatística e produção agrícola em Portugal, 1848-1914”. Análise Social 33 (149), Janeiro, 935-968. – Mendes, A. (2009): “Cork production and manufacturing in Portugal from the mid of the XIXth century to the end of the XXth century” in Santiago Zapata Blanco - Suredes i indústria surera: avui, ahir i demà = Alcornocales e industria corchera: hoy, ayer y mañana = Cork oak woodlands and cork industry: present, past and future, Pallafrugell, Museo del Suro de Palafrugell, 2009, 832–834. – Menères, C. (1915): 40 annos de Traz-Os-Montes: publicação de um grupo de amigos de Clemente Menères, Porto, Tip. Officinas de O Commercio do Porto. – Michotte, F. (1923): Manuel de l’industrie du Liège, Paris, Baillière. – Nunes, J. (1095): Relatorio sobre a questão corticeira, Lisboa, s. n. – Parejo, F. (2009) El negocio de exportación corchera en España y Portugal durante el siglo XX: cambios e intervención pública, Dissertação de Doutoramento, Badajoz, Universidad de Extremadura, 2009. – Parejo, F. (2010): El negocio del corcho en España durante el siglo XX, Madrid, Banco de España, 15-32. – Pessanha, J. M. (1915): União dos Productores de Cortiça Portugueses (cooperativa agrícola e de producção), Cascais, Typ. Cardim. 68 Portugal, Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral de Agricultura (1887): Plano de organização da Escola Pratica de Agricultura de Portalegre, Lisboa, Imprensa Nacional. – Radich M. C.; e Monteiro, A. A, (2000) Dois séculos de floresta em Portugal, Lisboa, CELPA. – Serrano, A. (2007) El corcho en la sierra norte sevillana: producción, comercialización e transformación industrial en los siglos XIX y XX, Dissertação de Doutoramento, Sevilha, Universidad de Sevilla. – Vieira, J. (1952): Subericultura, Lisboa, Ministério da Economia, 154. – Zapata, S (2010): “La “revolución vitivinícola” y sus efectos sobre el negocio corchero”. Documentos de Trabajo da Associación Española de Historia Económica, 1002. 69 70 A Casa Reynolds 1838-1890 um caso de pioneiro na indústria corticeira no Alentejo e na Extremadura The Reynolds House 1838-1890 a pioneering case in the cork industry in the Alentejo and Extremadura José Maria Paínha Ministério da Educação e Ciência – Resumo: Alentejo e Extremadura constituem, no século XIX, uma zona económica contígua, atractiva a agentes económicos externos. Os Reynolds chegam pelo negócio da cortiça, estabelecendo-se nos dois lados da fronteira, explorando a vastíssima zona económica do sobro. Implementaram as suas práticas no giro da cortiça, em tudo semelhantes nas duas regiões. Escoural, Igrejinha, Albuquerque, Oliva, Zainos, Barcarrota, Jerez de los Caballeros, Portalegre, Estremoz e Azaruja, os locais, onde se instalaram, pela proximidade da matéria-prima e das vias de comunicação. Nenhuma localização é mais excêntrica do que a fábrica de Londres. Um rasgo de racionalidade económica e pioneirismo. Asseguram parcerias ligadas a interesses britânicos, fontes de financiamento e entrepostos de colocação da produção nos mercados de referência. No final do século a produção dinamiza-se pelo vapor. As fábricas localizam-se por períodos longos, em sítios estratégicos, como a Azaruja e Estremoz. Pela rede transnacional de negócios, os Reynolds são agentes de mudança. A Casa fundada por Thomas Jnr e consolidada pelo Robert, desaparece em 1890. Dos seus despojos, o Alentejo herdou uma História de empreendedorismo e ícones, não na indústria corticeira, mas no vinho. Mouchão, Quinta do Carmo, Herdade do Carvalhas, Gloria Reynolds marcas do Alentejo contemporâneo 71 – Palavras Chave: zona económica; pioneirismo; transnacional. – Abstract: In the XIX century Alentejo and Extremadura was a contiguous economical zone, attractive to external economic agents. The Reynolds arrives by the cork business, established on the both sides of the border, exploring an huge economic area They circuled the political borders and implemented their practices, on the cork circuit, on both sides. Escoural, Igrejinha, Albuquerque, Oliva, Zainos, Barcarrota, Jerez de los Caballeros, Portalegre, Estremoz and Azaruja were the chosen places to established, near the raw materials and the transports. No localization is more unusual than the London factory. A burst of economic rationality and pioneering. They assured partnerships linked to British interests, functioned as sources of financing, and agents to place the cork, on referent markets. At the end of the century the industrialization improve the cork factoring. Factories are paced for long time, in strategic sites, like Azaruja and Estremoz. Reynolds appear as agents of change by their transnational network of business. The House founded by Thomas Jr and consolidated by Robert vanishes in 1890. From its remains Alentejo inherited a business entrepreneurism History, and icons not in the cork but in the wine. Mouchão, Quinta do Carmo, Herdade do Carvalhas, Gloria Reynolds, brands of the contemporary Alentejo. – Keywords: economical zone; pioneering; transnational. 1.- Introdução Os Reynolds, originários do condado de Devonshire, estabeleceram-se na Península Ibérica, na década de 20 do século XIX. Através de alguns documentos como as fabulosas memórias de Guilherme Romão Reynolds, o trabalho de Janet Cadell Reynolds, um estudo mais antigo de autores vários, bem como a árvore genealógica organizada por Leo Mudde, conseguimos delinear o percurso desta família até à sua chegada ao sul da península. A história começa com o nascimento de Thomas Reynolds Snr, em 11 de Outubro de 1786, em Chatam, filho de William Reynolds, um comerciante local e Ann Johnson. O pai de Thomas Reynolds Snr dedicava-se à importação de vinho, fruta e cortiça, da Península Ibérica, 72 aproveitando as vantagens da proximidade com a foz do rio Tamisa. Nos primeiros anos do século XIX Thomas Reynolds Snr e um amigo embarcam como clandestinos a bordo de um navio de guerra inglês. Terá sido nesta fase, que pisou pela primeira vez solo peninsular, atracando no Porto, colhendo as primeiras impressões da cidade e das oportunidades de negócio aí geradas. Em 1809 regressa a casa após a morte do pai, passando a dirigir o negócio familiar juntamente com a mãe. Em 1810 casa-se na Escócia com Marion Hunter. Um ano depois encontra-se a residir em Londres, onde nasce a 29 de Setembro, o primogénito Thomas William Hunter Reynolds, (Thomas Reynolds Jnr). Em 1820, Thomas Reynolds Snr muda-se para Chatam, onde, passa a incidir o seu negócio na cortiça e no vinho. É aí que a 17 de Abril de 1820 nasce o segundo filho, Robert Hunter Reynolds. Por volta 1822 viaja até ao Porto. Não sendo claro o motivo, o certo é que a mesma permitiu-lhe estabelecer contactos para futuros negócios. Em 1827 a família encontra-se no Porto, onde permanecerá cerca de 9 anos (Reynolds 2000, 60) desenvolvendo um negócio de exportação de vinhos, e de cortiça. Por este tempo Thomas Reynolds Jnr atinge a maioridade em 1832 e começa a trabalhar activamente com o pai. 2.- A chegada ao Alentejo A indústria corticeira no Alentejo até meados do século XIX, denotou uma evolução irregular. Apenas com a procura externa se vai estimular o crescimento deste sector (Fonseca 1992, 61) A partir deste momento e até final do século, o Alentejo liderou a indústria corticeira nacional, tornando-se numa actividade vital para as exportações, sendo, a par do vinho, o produto português de colocação mais fácil nos mercados estrangeiros absorvendo estes entre 80 a 90% da cortiça tratada e/ou transformada. No que se refere à operação de preparação e manipulação, a cortiça podia seguir duas fases distintas às quais, correspondiam dois subsectores produtivos: a preparação, de baixo valor acrescentado e o segundo, que produzia as rolhas, através do método catalão de cutelo fixo. Mais tarde, mecanizado o processo através das garlopas criadas pelos ingleses (esta 73 mudança provocada pela crescente procura do mercado, levará a uma pequena revolução no sector), posteriormente foi introduzida uma nova etapa e um novo produto, no sector da cortiça: a semi-manufactura e os quadros de dimensões normalizadas, tornando a produção rolheira mais dinâmica (Fonseca 1996, 53). Não temos uma referência, uma data precisa sobre a chegada dos Reynolds ao Alentejo (Reynolds 2000, 84) não sendo de excluir a hipótese, de um primeiro contacto por volta de 1832, através de Thomas Reynolds Snr. O dado mais consensual nas referidas fontes, reporta-nos a 1836, quando Thomas Jnr na eminência da ruína do negócio familiar encontra emprego, na firma Lindenberg & Cº tornando-se prospector de cortiça no Alentejo, funções que acumula com o arranque de um negócio próprio, em sociedade com o pai, a citada firma Thomas Reynolds & Son. Nesse ano encontra-se a negociar numa área que vai desde Santiago do Escoural a Arraiolos, terminando no Mouchão. Aliás será junto a essa propriedade, (mais tarde um ícone para os Reynolds), que pesa o seu primeiro lote de cortiça. Santiago do Escoural, beneficiava de uma boa localização estratégica, na confluência entre duas das três zonas de implementação da indústria corticeira no Alentejo (Fonseca 1996, 65) marcará decisivamente a vida de Thomas Reynolds Jnr. Aqui, por volta de 1836, funda a primeira fábrica de cortiça, comprando a unidade a outros ingleses, que se encontravam na zona, os Sandlers. No mesmo ano aí conhece Maria Gertrudes Dias, com quem contrai matrimónio. No decorrer de 1837 a família, formada por Thomas Reynolds Snr, os seus três filhos varões (Thomas, Robert e William) e a nora Maria Gertrudes, muda-se de Santiago do Escoural para Vila Viçosa, onde vivem na Tapada Real. Esta mudança surge mais uma vez como temporária, uma vez que a 17 de Janeiro de 1838 nasce o primeiro filho do casal Thomas Jnr e Maria Gertrudes, baptizado com o nome de Thomas Dias Reynolds, na igreja de S. Pedro em Evoramonte, a 24 de Fevereiro. A vila de Evoramonte garantia uma localização estratégica no negócio corticeiro, pelo facto de ficar a meio caminho entre Estremoz e Azaruja, onde se localizariam as mais importantes fábricas dos Reynolds. O próximo destino seria Albuquerque, na Extremadura onde a família assentou arrais durante 9 anos bem sucedidos. 74 3.- De Albuquerque a Jerez 1838-1847 A baliza temporal utilizada neste capítulo prende-se com duas razões. À priori, as fontes. A primeira escritura encontrada data de 1838 e, a última, de 23 de Dezembro de 1846. À posteriori, as memórias de Guilherme Romão Reynolds, nas quais é relatada a saída de Albuquerque no Inverno de 1847. Quando os Reynolds se estabelecem na Extremadura, esta como outras regiões de Espanha, viviam uma época de reformas fundiárias, que permitiram a liberalização da terra, provocando a introdução do capitalismo nos campos, pela desamortização de Mendizábal. Os Reynolds não ficaram à margem deste processo, adquirindo o Convento de S. Francisco em Albuquerque onde fixaram residência, servindo os anexos do mesmo para armazéns e fábrica de cortiça. Os Reynolds integram-se na primeira fase da indústria corticeira em Espanha, temporariamente balizada entre o século XVIII e o final do século XIX. (Zapata 1996, 53) Esta fase caracteriza-se pela predominância da rolha como produto, onde se destaca a importância da mão-de-obra artesanal, especializada vinda da Catalunha. Thomas Reynolds Jnr e o seu pai, vão deslocalizar a mão-de-obra para perto da matéria-prima. Em Albuquerque, tal como na Azaruja e, depois, em Estremoz serão os Catalães a força de trabalho utilizada. Mais extraordinária foi a contratação - feita em 1840 por Thomas Reynolds Jnr - de operários catalães, para laborarem na fábrica de Londres, que estava cargo de seu pai e do irmão mais novo. Nesta fase a industria corticeira aporta pouco capital fixo, com padrões semi artesanais, no carácter móvel das unidades, rentabilizando a sua proximidade, com as zonas de matéria prima e com as vias de comunicação, permitindo o escoamento da produção. Aqui encontramos uma razão para a localização da indústria corticeira na Extremadura, vantajosa pela proximidade com os portos portugueses. Os Reynolds tiraram partido da sua localização na raia, como atestam dois contratos de compra, em que o vendedor ficava obrigado a transportar da Extremadura e Andaluzia para Portugal, a fim de ser embarcada, nos portos algarvios, ficando os direitos alfandegários a cargo de Thomas Reynolds Snr. Os rios Guadiana e Tejo, como vias de comunicação, permitiam essa proximidade aos portos portugueses, mais acessíveis e baratos, pelos taxas 75 que os espanhóis. Estas características, conferiam uma complementaridade entre o Alentejo e à Extremadura. Tal ideia é reforçada por Maria del Cármen Espido Bello, para as décadas de 70 a 90 do século XIX, quando as trocas entre os dois países aumentaram de volume. Uma parte dos produtos que passavam pela raia, não era destinada a Portugal, mas à saída pelos seus portos (Espido Bello 1999, 172) sendo, a cortiça um dos produtos em maior trânsito. Na acção dos Reynolds na Extremadura e, em Albuquerque, podemos diferenciar dois momentos de gestão da casa: um primeiro entre 1838 e 1840 assumindo Thomas Reynolds Snr a direcção dos negócios, sob a designação de Thomas Reynolds & Son. Um segundo momento a partir de Setembro de 1840, quando Thomas Reynolds Snr regressa a Inglaterra, deixando os filhos na direcção dos negócios de cortiça. Por escritura datada de 9 de Setembro do referido ano Thomas Snr, emancipa Thomas Jnr, dando-lhe liberdade para fazer os seus próprios negócios. Importa perceber a área de acção dos negócios corticeiros. Pelas memórias de Guilherme Romão Reynolds estendendo-se desde Sevilha, (com armazéns no palácio de San Telmo), até Lisboa no convento do Beato, passando por toda a Extremadura, e por Portalegre Estremoz e Escoural e ainda, Faro e Vila Real de Santo António no Algarve. Na Extremadura, a área de acção, girava em torno de dois pólos: Albuquerque e Jerez de los Caballeros, tendo sido em torno destas localidades que se verificou o maior número de arrendamentos. Há que considerar também as opções e estratégias empresariais de Thomas Reynolds Jnr. Dos dados disponíveis decorre que a sua linha de orientação era comercial e industrial e não fundiária. No que toca à evolução temporal do negócio verifica-se uma considerável expansão entre 1840 e 1842 para depois definhar. Na análise desta evolução foi tida em conta a frequência das escrituras encontradas. Na duração dos contratos de arrendamento, encontramos a mesma tendência verificada no Alentejo. Os contratos de 9 e 10 anos predominam, correspondendo ao ciclo da cortiça. Além do mais estes arrendamentos mais prolongados, com quantias anuais fixas, permitiam ao rendeiro, jogar favoravelmente com a inflação e a desvalorização monetária. Na distribuição dos arrendamentos por trimestre os resultados não são muito diferentes dos obtidos para o Alentejo, onde os meses mortos do arrendamento correspondem aos trimestres que se estendem de Dezembro a Maio. 76 Os nove anos de sucesso na Extremadura acabam em Dezembro de 1846, quando Thomas Reynolds Jnr é arrastado numa falência. O inglês tinha-se associado com Julian de la Vega de Cádiz e António de la Riva de Sevilha, destes recebeu uma avultada quantia de 1.456.664 Reales e 27 Maravedis, para investir no comércio corticeiro. A companhia dos sócio de la Vega e de la Riva abre falência. Por arrasto a quantia cedida a Thomas Jnr é convertida em dívida, sendo dada como uma das garantias aos credores, as firmas inglesas Gray & Mcfarlan e Sadlen Harrison & Cº. Como pagamento da referida quantia, cede os interesses que tinha a partir de Albuquerque no comércio corticeiro na Península Ibérica, toda a cortiça em bruto nas árvores e armazenada, os arrendamentos por descortiçar e obriga-se a vender o mosteiro de S. Francisco. Vende também uma vinha com 7.200 cepas, além de 330 parcelas de terra com sobreiros e azinheiras, e uma casa de dois pisos em Herrera de Alcântara. Este episódio obrigou Thomas Reynolds Jnr a reduzir o negócio e a deixar a Extremadura em direcção ao Alentejo, onde conservava interesses na Igrejinha, alargando-os a Estremoz e à Azaruja. Dos dados levantados, dos nove anos de Extremadura, podemos traçar um esboço dos contactos empresariais dos Reynolds. Tiveram negócios com os maiores especialistas de Espanha no comércio e indústria corticeira, os catalães. Os nomes Piñol e Ginart que aparecem em escrituras de dívidas a Thomas Reynolds Snr por incumprimento de contrato, pouca margem para dúvidas deixam, associando-se também a andaluzes como de la Vega e de la Riva. O que mais se destaca da actividade empresarial de Thomas Reynolds Jnr é a inovação e o dinamismo. A criação de uma fábrica de cortiça em Londres com operários catalães, através de um contrato de trabalho detalhado, em que estes ganhavam, consoante o número de rolhas produzidas, onde o patrão lhe pagaria, por cada dia que não trabalhassem, por motivos que não lhes fossem imputados, ou o custear da viagem de ida e volta e os alojamentos dos operários, demonstra a importância que estes tinham para os Reynolds. A nomeação em 1841 de Francisco Espárrago, um advogado, para director da sua empresa, representando-a em questões judiciais, demonstra um tipo diferente de cultura de gestão, trazida pelos Reynolds e o seu alto grau de mobilidade espacial, em particular Thomas Jnr. Nos anos da Extremadura, a família Reynolds também cresceu. Nasceram em Albuquerque sete filhos de Thomas Reynolds Jnr. Foi na 77 Extremadura que Robert Hunter Reynolds conheceu Maria da Graça Perez, com quem casou em 10 de Janeiro de 1852. 4.- O regresso ao Alentejo e a separação No Inverno de 1847 Thomas Reynolds Jnr, muda-se para a Igrejinha. Aqui funcionava uma pequena fábrica de cortiça que o mesmo terá fundado em 1845. Robert ficará por mais uns anos na Extremadura, continuando a negociar na zona de Jerez de los Caballeros. A presença na Igrejinha foi curta, uma vez que no Verão desse mesmo ano, acontece uma nova mudança, agora para a zona de Estremoz. Em 1849 Thomas Jnr e a família encontram-se a residir na Quinta do Carmo arrendada por 5 anos. A quinta tinha as condições necessárias para a vida familiar e profissional, de Thomas Jnr, na época: uma boa casa de habitação, espaço para actividade corticeira, anexos onde se podiam armazenar, pranchas de cortiça, instalar uma caldeira e facilitar o alojamento dos operários catalães. Por volta de 1849 Eliza Hunter Reynolds casa com James MacAndrew, um negociante escocês ligado à Igreja Livre da Escócia, que passava por um momento de reorganização. Em conflito com o stablishment religioso anglicano, direccionou-se para as colónias, em particular para a Nova Zelândia. James MacAndrew, será o mentor da viagem até Otago, província no Sul da Nova Zelândia onde a sua Igreja assentava os colonatos. Convence a mulher e restante família a deixar Inglaterra, com as consequências para os negócios de importação de cortiça e outros produtos da Península, que dai decorreram. O fim da empresa Thomas Reynolds & Son, sedeada na St John´s Street perto de Trinity Square em Londres significou a perda de proveitos da ordem das 3.000 Libras anuais, ficando a companhia Fisher Howard com o negócio. A 7 de Setembro de 1850, James MacAndrew, a mulher Eliza, o cunhado William, os sogros Thomas Reynolds Snr e Marion Hunter embarcam no Titan chegando a Port Chalmers em 17 de Janeiro de 1851. A bordo do Titan viajavam também os três filhos mais velhos de Thomas Reynolds Jnr que tinham ficado à guarda da avó, Marion Hunter. 78 Na visão de Guilherme Reynolds, o meio mundo de separação que se abriu entre os três irmãos e a restante família em Estremoz, foi a razão pela qual o pai, seis anos mais tarde largou os negócios que tinha em Portugal e partiu para a Nova Zelândia, deixando tudo o que tinha construído ao longo de 30 anos para o irmão Robert. Outra visão da questão é trazida de forma mais racional por Janet Cadell Reynolds, sustentando que não teria sido só a separação dos três filhos mais velhos, o motivo da partida de Thomas Jnr. O inglês terá visto a ida para a Nova Zelândia como mais uma oportunidade de negócio, num sector emergente em tais paragens, como a criação de ovelhas para a exploração de lã. Fazendo jus ao seu carácter aventureiro e ao pioneirismo nos negócios Thomas terá levado consigo ovinos da raça Merino para criar nos antípodas do Alentejo (Reynolds 2000, 119). Em Dezembro de 1857 depois Thomas Reynolds Jnr, Maria Gertrudes Dias e os filhos, embarcam no John Masterman e 4 meses depois a família estará toda reunida em Dunedin. Após o regresso de Albuquerque, nos 8 anos que se manteve no Alentejo Thomas Reynolds Jnr foi o homem forte da casa, o responsável pelo traçar da sua estratégia de implementação e crescimento. Estabeleceu a sede em Estremoz, fundou as fábricas nesta vila e na Azaruja. Também realizou as primeiras aquisições fundiárias de envergadura da família no Alentejo, provavelmente para evitar situações como as da ruína de Albuquerque. Robert permanecerá em Estremoz, onde consolidará uma forte Casa, com interesses predominantemente industriais. Aqui nascerão 6 dos seus 7 filhos, do casamento com Maria da Graça Perez que dura até 1870, data do seu falecimento. Robert Hunter Reynolds acaba por morrer 2 anos depois, deixando todos os filhos ainda menores de idade. Porém para salvaguardar o seu futuro, Robert deixa em testamento, as linhas orientadoras da casa para os próximos 18 anos: a continuação da mesma sob a designação de Casal Indiviso e a realização de inventário e partilhas, quando o filho mais novo Rafael atingisse a maioridade, distribuindo nesse momento a considerável fortuna acumulada depois de 36 anos de gestão entre 1854 e 1890. 5.- Interesses industriais O percurso espacial dos Reynolds até se instalarem em Estremoz terá que ser considerado não em função das fronteiras políticas que são 79 artificiais, mas sim das zonas económicas. Uma zona com características económicas comuns, tendo em conta a escassa industrialização bem como a predominância de uma economia maioritariamente rural, pode definir-se por certos indicadores. No caso em estudo, as características de ocupação do solo, as culturas agro-pecuárias dominantes (e as tarefas a estas ligadas), a divisão da propriedade e as características geológicas, podem ser os indicadores mais válidos para distinguir uma determinada zona económica. O Alentejo e a Extremadura fazem parte de uma mesma realidade económica oitocentista. Uma zona que possuía no início do século uma das maiores manchas suberícolas do Mediterrâneo. Para Thomas Reynolds Jnr quando se instalou em Estremoz o que estava em jogo talvez não fosse tanto o trabalhar condicionado a um país, mas o explorar toda uma zona. Embora não possamos descorar as vantagens que Portugal oferecia, além de que a aventura em Espanha, não acabou da melhor forma. Não só o estabelecimento do empresário inglês no Alentejo levanta algumas interrogações, mas também a localização das suas fábricas, em Igrejinha, Estremoz e Azaruja, na zona de Évora. Porquê a zona de Évora para estabelecer os negócios corticeiros? Podemos avançar explicações ainda que provisórias para esta estratégia. Uma das hipóteses poderá ser a distribuição das principais zonas de actividade corticeira por vários interesses de certa forma predominantes, que podiam comprometer a expansão da Casa liderada Thomas Reynolds Jnr. Exemplos disto são os Pidwell na zona litoral alentejana, em Sines e George Robinson na zona de Portalegre com centro na mesma cidade. Assim a zona de Évora e concelhos limítrofes poderia ter surgido como a mais viável. A esta acresce uma segunda relacionada com a proximidade geográfica em relação à zona de Oliva de la Frontera e Jerez de los Caballeros, que permitia um controlo mais efectivo nestes negócios. Ao instalarem-se nesta zona tinham acesso a uma das maiores manchas suberícolas do Alentejo Centro-Norte. Num segundo momento, principalmente a partir de 1863, a ligação ferroviária Barreiro-Vendas Novas-Évora e depois, em 1873, a extensão até Estremoz permitiu uma maior eficácia no escoamento da produção, libertando o espaço de armazém, condicionando o aumento da produção. Por outro lado, levou a uma redução nas tarifas de transporte, ficando as mesmas mais acessíveis consoante as grandes quantidades de cortiça transportadas. A primeira fábrica fundada em Estremoz por Thomas Reynolds Jnr, contava com cerca de 70 operários O capital dispendido na fun80 dação desta unidade e na da Azaruja segundo Guilherme Reynolds foi de 330:000$000 réis. A obtenção de matéria-prima para a preparação e transformação, fazia-se num raio de 50 quilómetros em torno das unidades de Estremoz e da Azaruja tendo como centro nevrálgico de acesso à cortiça o concelho de Estremoz onde a freguesia de Evoramonte (correspondente à maior mancha suberícola do concelho), era o espaço mais requisitado, atestado pelos contratos de arrendamento. A cortiça em bruto saía destes e de outros pontos para as duas fábricas. A laboração a que estava sujeita condicionava a coexistência de vários tipos de unidades: as rolheiras, as preparadoras para prancha e as mistas. No início da actividade temos indicações da predominância da componente rolheira. Há algumas fontes que referem a «fabrica de tapones de corcho» sendo o mesmo corroborado por André Camps quando refere que ao ser chamado pela Casa Reynolds trouxe consigo «taponeros catalanes» para trabalhar a cortiça. Em 1890, ano em que se realizam as partilhas da Casa são referidos no inventário dos bens móveis «traquitanas e machinas para rolhas». A tecnologia existente na fábrica é em parte desconhecida. No inquérito industrial de 1858, Robert H. Reynolds apenas discrimina o número de operários (17 operários dos quais 15 homens e 2 menores de 16 anos), não referindo qualquer mecanismo na produção. A mesma omissão é relatada no depoimento de Guilherme Reynolds, perante as questões postas durante o inquérito industrial de 1881 apenas discrimina a força braçal. Se a fábrica de Estremoz tinha, segundo estes depoimentos, uma característica mais artesanal, na qual destacava a componente rolheira, a fábrica da Azaruja mostrava uma realidade algo diferente. Em 1881 a fábrica dos herdeiros de Robert H. Reynolds na Azaruja, além de ser a unidade que empregava mais operários em todo o distrito de Évora, envolvia no processo de preparação e transformação da cortiça, tecnologia mais avançada do que a fábrica de Estremoz (Matos 1991, 573). Assim atesta-se a existência de duas caldeiras para cozer a cortiça, uma máquina para calibrar, dois caixões para enfaixar e uma prensa inglesa Hampson & Betridge Old Beiley para enfardar. Ainda segundo a mesma autora é provável que em 1890 houvesse na mesma unidade uma máquina a vapor que aparece no inventário de 1895. 81 No que toca aos produtos saídos da fábrica da Azaruja, a componente rolheira assumiu de início um grande destaque que deve ter prosseguido ao longo da década de 70 e inícios de 80. Esta componente seria penalizada por onerosos direitos alfandegários, impostos nos principais países consumidores e exportadores (não possuidores de matéria prima) alguns dos melhores mercados das rolhas alentejanas. Este facto é testemunhado por Guilherme Reynolds pois «a fabricação da cortiça em prancha está numa situação sofrível, porém a fabricação de rolhas devido aos grandes direitos que paga este género na América, Alemanha, Rússia e França, está em decadência». Assim não é de excluir a hipótese de que a partir da década de 80 a prancha ou os quadros constituíssem uma fatia importante na produção da fábrica da Azaruja bem como na de Estremoz. O escoamento da produção como foi anteriormente referido podia ser feito pelas linhas de caminho de ferro até aos portos do litoral, nomeadamente Lisboa e Barreiro seguindo daí para o estrangeiro. Em 1881 Guilherme Reynolds referia que os mercados de colocação dos produtos da Casa Reynolds eram «América, Alemanha, Bélgica, Hollanda, Inglaterra e Russia», sendo os produtos saídos das fábricas exclusivamente dirigidos à exportação. No entanto interessa saber quem colocava os produtos da Casa Reynolds fora do país e lhes assegurava a comercialização nos países de destino. No distrito de Évora a maior parte das unidades colocava os seus produtos através da empresa Sória Vilarbedó & Cª. Esta empresa mantinha uma relação privilegiada com o mercado inglês, por sinal o único que não taxava excessivamente a entrada de cortiça em rolhas. Talvez a Casa Reynolds tenha mantido relações comerciais com esta casa. No entanto, outras hipóteses mais viáveis passam por outras companhias. No testamento feito a 24 de Outubro de 1871, Robert H. Reynolds nomeia «(...) como curadores para (...) minha vontade e também como tutores para meus filhos menores o Sr. Adolph Jerosh da casa comercial dos srs Herold & Cª de Lisboa, Sr John Howard da casa dos Srs. Fisher Howard & Sons de Londres, Sr. Antoinne Bonneville negociante de cortiça em Lisboa (...)». A firma “Fisher Howard & Sons com sede em Minories E. London” sendo “Cork Merchants and Importers of Foreing Corks”, teria servido como intermediária à colocação da cortiça da Casa Reynolds e com alguma certeza teria sido o seu interlocutor, senão exclusivo, pelo menos privilegiado no mercado britânico. Esta hipótese sai reforçada pelo papel 82 que a mesma teve no aconselhamento e participação da gerência da Casa após o falecimento do seu líder Robert H. Reynolds, até 1890. A firma O. Herold & Cª, é referida no testamento com uma filial em Lisboa. Porém encerra a sua representação em Portugal, podendo estar filiada na Alemanha. Esta hipótese ganha mais consistência pelo acesso já garantido ao mercado britânico, mas também por Adolph Jerosh um dos gerentes da O. Herold & Cª ser alemão, com residência em Konigsberg. Refira-se também a importância que o mercado alemão tinha como um dos maiores consumidores de produtos corticeiros da Europa. Quanto a Antoinne Bonneville, cidadão francês, negociante de cortiça com sede na Rua do Ouro em Lisboa poderia assegurar também à Casa Reynolds o acesso a algum mercado europeu, provavelmente o francês. 6.- Evolução da casa ao longo das últimas décadas de oitocentos Conhecidos os principais mecanismos de acesso à matéria-prima, o possível processo de laboração nas fábricas e os intermediários que faziam o interposto para o estrangeiro é fundamental conhecer-se agora a evolução da Casa Reynolds. Para isso há a considerar não só estes aspectos, mas também as tendências conjunturais da indústria corticeira ao longo da segunda metade do século XIX. A procura de cortiça pela Casa Reynolds cresce significativamente a partir de 1863. De 1854 até 1862 registam-se apenas 16 contratos de arrendamento. Mais expressiva é a comparação entre os montantes gastos entre um e outro período, aos 18:272$377 réis de 1854 a 1862, contrapõem-se os 68:915$600 réis entre 1863 e 1871. Podemos enquadrar estes resultados na tendência de grande crescimento verificado na indústria alentejana, devido em grande parte ao estímulo da procura externa. Parece-nos também razoável apontar outra hipótese para esta evolução – a melhoria das vias de comunicação. A partir de 14 de Setembro de 1863 ficou concluída a ligação ferroviária Vendas Novas-Évora que por sua vez ligava ao Barreiro (Vieira 1905, 81), importante porto de saída de mercadorias. Assim se medirmos a produção pela procura de matéria-prima, verificamos que a partir de 1863 com uma maior facilidade de escoamento as unidades prepara83 doras e transformadoras encontravam-se em melhores condições para responder ao estímulo da crescente procura, sendo o mercado externo o maior solicitador de produtos corticeiros (Fonseca 1992, 62). A partir daqui podemos fazer um balanço ainda que provisório da evolução da Casa Reynolds no que toca à indústria corticeira pela avaliação dos contratos de arrendamento. De 1854 a 1882 a casa revela um crescimento contínuo do número de arrendamentos, o mesmo não sucedendo nestes contratos quando são especificamente de cortiça (em princípio este facto dever-se-á às alterações no seio da Casa, quando da morte do seu líder, Robert H. Reynolds e com a mudança de gerência). Superados os percalços, o número de arrendamentos tenderá a aumentar até 1886. Temos que considerar esta alteração em função de outro factor: a aquisição de prédios rústicos muitos deles constando de montado de sobro, podendo reduzir a dependência externa de matéria-prima, diminuindo o número de arrendamentos. A partir de 1885 o número destes contratos cai, situação que não se relacionará apenas com a crescente acumulação fundiária, que poderia disponibilizar grandes quantidades de sobro. Em 1881, Guilherme Reynolds refere que a matéria-prima utilizada nas fábricas da Casa é proveniente «das propriedades próprias e arrendadas produzidas em Portugal». Outra realidade que poderia enquadrar a actividade das unidades de Estremoz e da Azaruja é a constituição de uma sociedade pelos filhos varões de Robert H. Reynolds. Roberto Rafael, João e Thomas atingiram a maioridade entre 1877 e 1881. De início passariam a funcionar como negociantes de cortiça, embarcando no Barreiro a produção da Casa, acabando mais tarde por mudar a fábrica para este local. No que concerne ao acesso à matéria-prima há dois factos nos contratos de arrendamento. O primeiro tem a ver com a época de descortiçamento, que começava por volta do mês de Maio, inferindo possivelmente com a realização dos contratos no trimestre que decorria entre Junho e Agosto. Esta estratégia revelar-se-ia a mais adequada, pois no fim do descortiçamento haveria que garantir a matéria-prima para o próximo ano. Para além disso, ter-se-ia uma ideia mais exacta da qualidade da cortiça que havia sido extraída bem como da sua quantidade, e no fim deste processo já se definiam os preços para o próximo ano. Outro condicionante dos arrendamentos em relação à sua duração é o ciclo normal que a cortiça leva a formar (cerca de 9 anos). A este facto não será alheio a maior frequência que os contratos por 9 e 10 anos ocupam no total dos 84 arrendamentos. Também é de notar a frequência de contratos de 2, 3, 6 e 7 anos, o que poderia estar relacionado com as necessidades ocasionais de matéria-prima. É credível que a laboração corticeira da Casa Reynolds tivesse sofrido alterações a partir da década de 70. Tendo em conta que a produção era exclusivamente destinada à exportação. A partir de 1870 o preço da cortiça em bruto é valorizado face às rolhas (Fonseca 1992, 59). Este facto deve-se em parte à concorrência internacional no mercado corticeiro onde os países transformadores mas importadores de matéria-prima, como a Alemanha, os Estados Unidos e a Rússia para salvaguardarem a sua indústria rolheira, garantindo um abastecimento eficaz de matéria-prima, tarifavam pesadamente a entrada de rolhas, liberalizando a entrada de cortiça em bruto. Nesta conjuntura os países produtores de matéria-prima como Portugal e Espanha começaram a valorizar mais a cortiça em prancha, até que Espanha carregou a sua saída de pesados tributos alfandegários, que levou os importadores a preferirem a cortiça portuguesa. Há alguns indícios que nos permitem supor um ganho de importância da componente preparadora face à transformadora. Em 1881 Guilherme Reynolds refere que a produção de prancha se encontra numa situação sofrível mas a produção de rolhas está em decadência pelos direitos alfandegárias que os países de grande consumo, como a Alemanha e os Estados Unidos impunham. Guilherme Reynolds propõe algumas alterações, nas operações, como a raspagem da cortiça em Estremoz, sendo esta depois enviada para o Barreiro onde seria manipulada. No entanto, temos de considerar que a componente rolheira continua a desfrutar de grande importância. Enquanto o preço da arroba de cortiça em bruto andava pelos 1$496 réis, o da cortiça em rolhas rondava os 5$104 réis, embora fosse notória a tendência para a sua desvalorização. O padrão locativo, segue a tendência da média indústria corticeira nos últimos 20 anos do século XIX. Após a dispersão locativa, privilegiava-se o acesso à matéria-prima e às vias de comunicação. Nas últimas décadas do século XIX a preparação tendeu a ficar nas tradicionais unidades dispersas, enquanto que a manipulação foi transferida para o litoral. Aqui era privilegiada a margem Sul do Tejo, se bem que a própria Lisboa constituía um local de alguma concentração da indústria rolheira. Com a transferência da fábrica de Estremoz para o Barreiro e a venda da unidade da Azaruja, em 1905 a Casa confirma a tendência. Esta situação 85 é atestada pelas notícias que Roberto Rafael Reynolds transmite a José d’ Almeida e Sousa, em que procurava um lugar para fixar a sua actividade, acabando por se estabelecer na Quinta do Bramcamp no Barreiro. Importa fazer um balanço da acção da Casa Reynolds na zona de Évora (quando considerada como uma das três zonas alentejanas representativa de produtos corticeiros). Para o efeito teremos que ter em consideração as especificidades da mesma, como a ausência da predominância total de um subsector sobre o outro. Os Reynolds foram industriais, rendeiros, sublocatários e compradores de prédios com cortiça. Durante os 36 anos de actividade mostraram um grande dinamismo na obtenção da matéria-prima, numa grande diversidade de contratos, centrando o seu investimento junto às áreas preparadoras ou transformadoras. Neste período a Casa Reynolds gastou 295:034$542 réis em arrendamentos de cortiça, 107:581$140 réis em compras de prédios constando de montado de sobro. O que representou um total acumulado de 402:615$682 réis, 93% do total das quantias dispendidas em compras e arrendamentos. Este valor quando relacionado com os 36 anos de actividade da Casa representa uma média de 11:183$768 réis anuais gastos em negócios corticeiros. 7.- Conclusão O Alentejo, a Extremadura, a par com zonas da Beira Baixa e da Andaluzia, acabam por constituir no século XIX uma zona económica de continuidade. A ocupação do solo, as culturas agropecuárias dominantes, os trabalhos dai decorrentes, a dimensão da propriedade, as características geo-fisicas e a débil industrialização, apresentam-nos uma unidade económica oitocentista, onde ressalta o artificialismo das fronteiras políticas entre as partes. Unidade adormecida durante séculos, vê chegar por força das circunstâncias políticas a liberalização da terra. Por este processo um grande número de interesses ai ocorre. Protagonizados por gente de fora das regiões e da Península, em busca de oportunidades de negócio. O Alentejo a partir da segunda metade do século XIX funcionou como uma terra de oportunidades. O Alentejo atraiu capitais nacionais e estrangeiros, gente de origem diversa, (enquanto que Portugal enviava os seus filhos para o Brasil) aumentou as suas taxas de urbanização, sendo uma das mais 86 dinâmicas regiões do pais, enquanto que Portugal se mantinha no vagão da terceira Europa. Os Reynolds quando chegaram, “sabiam ao que vinham”, o negócio da cortiça. Como estrangeiros nos dois lados da fronteira, mais do que dois países vêem uma zona económica de continuidade, marcada pelo montado de sobro. As práticas dos Reynolds no giro da cortiça, são muito semelhantes no Alentejo, como na Extremadura. Aproveitar o melhor dos dois lados, foi a forma que os Reynolds encontraram para tornear o artificialismo das fronteiras políticas. Compravam cortiça na Extremadura, para exportarem pelos portos algarvios, estabelecem as suas sedes de negócio em locais junto à fronteira, controlando os interesses que possuíam nos dois lados, funcionando como homens da Raia. Numa época em que o padrão locativo das unidades transformadoras de cortiça era relativamente móvel, decorrendo do método de produção por cutelo fixo, através de operários catalães, surpreende a facilidade com que se deslocalizavam tais unidades. Escoural, Igrejinha, Albuquerque, Oliva, Zainos, Barcarrota, Jerez de los Caballeros, Portalegre, Estremoz, Azaruja, foram destinos escolhidos, pelos Reynolds para a instalação das suas unidades. Este movimento prende-se com a proximidade da matéria-prima, ou das vias de comunicação, para o escoamento da produção. Nenhuma localização é mais excêntrica do que a fábrica de Londres. Num rasgo de racionalidade económica e pioneirismo, Thomas Reynolds Jnr desvia para a capital britânica, a mão-de-obra especializada, através de contratos colectivos de trabalho, desviando também a matéria-prima. Respondendo à importância internacional do mercado inglês, no sector rolheiro, torneando a questão de acordos comerciais e tarifas alfandegárias. Na instalação das suas unidades os Reynolds procuravam assegurar parcerias preferencialmente ligadas a interesses britânicos, que também podiam funcionar como uma fonte de financiamento. Entrepostos que colocassem a produção nos mercados de referência. No mercado britânico, antes da partida para a Nova Zelândia os Reynolds detiveram um entreposto, que ao assegurar a colocação da cortiça, também lhes garantia uma margem de lucro interessante. Na fase final do século XIX quando a produção corticeira se torna mais dinâmica, com o vapor, assiste-se a um aumento do capital imobi87 lizado nas unidades. O carácter “saltimbanco” da actividade desaparece, dando lugar á localização por períodos de tempo mais longos em sítios estratégicos. Os Reynolds escolhem Estremoz e a Azaruja. O espírito empreendedor destes ingleses é demonstrado no acesso á terra. Primeiro através de arrendamentos a longo prazo, coincidentes com o ciclo de formação da cortiça e com a vantagem de poderem jogar favoravelmente com a inflação. Nas aquisições através dos mecanismos que a época disponibilizou as compras dos bens nacionais, a compra de direitos sobre a terra e de propriedade imperfeita. Os Reynolds sinalizaram prédios estratégicos para os interesses corticeiros, através de arrendamentos, sublocações, ou mesmo pela concessão de crédito aos seus proprietários, em que estes hipotecavam a terra e os valores do arrendamento da cortiça. Nas estratégias de acumulação de património, houve a preocupação pela agregação assegurando a continuidade do espaço, facilitando a gestão do mesmo, funcionando também como um símbolo do poder através da posse da terra. Os Reynolds chegaram como comerciantes e industriais de cortiça, tornando-se depois terratenentes no Alentejo oitocentista. Não permaneceram imunes aos estímulos económicos emanados pela região, embora o sector industrial continuasse a ser a trave mestra da Casa. No contexto da diversificação produtiva, da agricultura alentejana, os Reynolds vão investir na criação de gado, no azeite e principalmente no vinho, do qual obtém reconhecimento nacional. A Casa Reynolds, fundada por Thomas Jnr e consolidada pelo irmão Robert, desaparece em 1890 curiosamente um ano depois da publicação da “Lei da Fome”, que mudaria as lógicas agrícolas do Alentejo, submetendo-o à região económica de Lisboa. Dos despojos da Casa Reynolds, o Alentejo herdou uma História de empreendedorismo empresarial. Mas herdou outras marcas mais visíveis, não na indústria corticeira, mas de algo que lhe está intimamente ligado através da rolha - o vinho. O Mouchão, a Quinta do Carmo, (D. Maria) a Herdade das Carvalhas símbolos do Alentejo de hoje. 88 Bibliografia – A.A.V.V., (s.d): Os Reynolds em Portugal, (s.l) – Baylis, D. J. (1997): Growing up English Memories of Portugal 19071930, The British Historical Society of Portugal (s. l.). – Espido Bello, M. C. (1999): “Las economias ibéricas a lo largo de la etapa contemporânea. Una vision general”, in Macorra y Cano e Brandão Alves (coord) La Economia Ibérica: una fértil apuesta de futuro. Coordenação, Mérida, Editora Regional de Extremadura – Espido Bello, M. C. (1999): “Las relaciones comerciales Hispano-Portuguesas (1850-1914)” in Macorra y Cano e Brandão Alves (coord) La Economia Ibérica: una fértil apuesta de futuro. Coordenação, Mérida, Editora Regional de Extremadura – Fonseca, H. A. (1992): Economia e Atitudes Económicas no Alentejo Oitocentista. Dissertação de doutoramento, em História Económica e Social Contemporânea, apresentada à Universidade de Évora, 2 vols., Évora, Exemplar policopiado. – Fonseca, H. A. (1996): O Alentejo no Século XIX Economia e Atitudes Económicas, I.N.C.M, Lisboa. – Fonseca, H. A. (1998): “Elites Agrárias e Crescimento económico na periferia portuguesa do século XIX: o exemplo do Alentejo na era liberal (1850-1910)”, in Análise Social, vol. XXXIII, n.º 146-147, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais,. – García García, A. (2006): Explotación comercial del corcho en la provincia de Badajoz siglo XIX. (Alburquerque y San Vicente de Alcántara). Documentos para la historia económica y social de Extremadura, Badajoz, Editora Regional de Extremadura. 89 – Justino, J. D., (1989): A Formação do Espaço Económico Nacional. Portugal 1810-1913, vol. II, Vega, Lisboa. – Lains, P. (1995): A Economia Portuguesa no Século XIX, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, Lisboa. – Lains, P. (2003): Os Progressos do Atraso. Uma Nova História Económica de Portugal, Instituto de Ciências Sociais, Lisboa. – MatosA, A. C. (1991): “A industria no Distrito de Évora. 1836-90”, in Análise Social, vol. XXVI, n.º 112\113, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 1991. – Paímha, J. M. (2008): Chá de Azeite – O trajecto empresarial da Casa Reynolds no Alentejo e na Extremadura (1838-1890, Câmara Municipal de Estremoz, Estremoz. – Parejo, F. M.; Faísca, C. M.; e Rangel, J. F. (2013): “Los orígenes de las actividades corcheras en Extremadura: El corcho extremeño entre catalanes e ingleses” in Revista de Estudios Extremeños, Tomo LXIX, N.º 1. – Reis, J. (1993): O Atraso Económico Português 1850-1930, I.N.C.N, Lisboa – Reynolds, J. C. (2000): A Family History, (s.l) – Ribeiro, O. (1987): Mediterrâneo. Ambiente e Tradição, 2.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa – Silveira, L. E.(1991): “Venda de Bens Nacionais, Estrutura da Propriedade e estrutura Social da região de Évora na primeira metade do Século XIX.”, Análise Social, vol. XXVI, n.º 112\113, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 1991 – Vieira, C. P., (1905): Caminhos de Ferro Portuguezes. Subsídios para a sua história, Livraria Clássica Editora, Lisboa. – Zapata, S. (1996) “Corcho extremeño y andaluz, tapones gerundenses”, Revista de História Industrial, n.º 10. 90 La explotación catalana de las dehesas extremeñas. Los Torrellas, 1879-1923 Catalan exploitation of Extremadura cork oaks. The Torrellas, 1879-1923 Joaquim Alvarado Costa Universitat de Girona [email protected] Francisco Manuel Parejo Moruno1 Universidad de Extremadura [email protected] – Resumen: En este trabajo se analiza la inserción de la familia Torrellas en el negocio corchero extremeño de finales del siglo XIX y primeras décadas del XX. Los Torrellas fueron una familia catalana, originaria de Tossa de Mar, que en 1879 establecieron una pequeña fábrica preparadora de corcho en Serrejón (Cáceres), realizando desde entonces una intensa actividad comercial e industrial corchera en el suroeste español, hasta convertirse en una de las firmas de referencia en el negocio de la época. Además de la geografía de sus actividades y de las estrategias seguidas por la empresa en el negocio corchero, analizamos su proceso de internacionalización y los factores que precipitaron su bancarrota en la década de 1920, incluyendo dicho análisis en el proceso ocurrido des Información de contacto: Área de Historia e Instituciones Económicas; Departamento de Economía; Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales de la Universidad de Extremadura; Avda. de Elvas s/n, 06071, Badajoz (España); Tel.: 924289300 (89152); Fax: 924272509. 1 91 de mediados del siglo XIX por el que numerosos industriales corcheros catalanes se instalaron en el suroeste peninsular para dar inicio a la fabricación del corcho en estas regiones. – Palabras clave: Torrellas; Industria corchera; Corcho; Cataluña; Extremadura. – Abstract: In this work it is analyzed the insertion of the Torrellas family in the Extremadura cork business in the late nineteenth and early twentieth centuries. Originally from Tossa de Mar, the Torrellas family established a small cork factory in Serrejón (Cáceres) in 1879, developing since then an intense commercial and industrial activity in the Spanish southwest regions up to get being one of the most important firms in the business of this period. Besides the geography of their activities and the strategies followed by the company in the cork business, we analyze its internationalization process and the factors that precipitated its bankruptcy in the 1920s, including this study in the process occurred since the mid-nineteenth century whereby numerous Catalan industrials came to the Iberian southwestern to begin the cork manufacturing in these regions. – Key-words: Torrellas; Cork industry; Cork; Catalonia; Extremadura. 1.- Introducción La familia Torrellas, originaria de Tossa de Mar (Gerona, Cataluña), se significó durante el último cuarto del siglo XIX y el primer cuarto del siglo XX dentro del negocio corchero por su condición de comerciantes de corcho, en particular por proveer de materia prima (corcho en plancha y cuadradillos, principalmente) a las más importantes empresas corcheras de Cataluña y, en algunos momentos de este periodo, de Europa2. En Avanzamos en ese trabajo los resultados obtenidos hasta la fecha de la investigación que estamos desarrollando a raíz de un encargo del Centre d’Estudis Tossencs para la elaboración de un libro sobre la familia Torrellas y su imbricación en el negocio corchero. Agradecemos a esta entidad la confianza depositada en nosotros, así como el apoyo recibido por parte de los señores Francisco Aromir Massaguer y José Collado Aromir, descendientes de la familia objeto de este trabajo. Agradecemos, igual- 2 92 este trabajo apenas describimos la historia empresarial de esta familia incidiendo particularmente en su política de provisión de corcho, si bien nos hacemos eco de su actividad industrial, de la expansión geográfica de sus actividades en el suroeste peninsular y en otros países, y de las estrategias seguidas por la empresa en el negocio corchero. El marco temporal del trabajo está justificado en la documentación de que disponemos. De hecho, las primeras referencias de los Torrellas buscando corcho en el suroeste español son de 1879. Inicialmente, sus actividades en el suroeste se circunscribieron a las proximidades de Serrejón, localidad cacereña donde ese mismo año pusieron en funcionamiento una pequeña fábrica preparadora de corcho. Desde entonces, fueron frecuentes sus operaciones en las dehesas del Campo Arañuelo (comarca situada al este de la provincia de Cáceres) y en las comarcas limítrofes, primero; en toda la provincia de Cáceres, después; y en el resto de Extremadura, posteriormente, hasta los últimos años de su historia. El fin de la actividad corchera de los Torrellas se produjo en 1923, cuando, tras sufrir de lleno el contexto de crisis corchera de la guerra y posguerra mundial, sus acreedores procedieron a ejecutar las garantías hipotecarías de sus créditos, liquidando la práctica totalidad del patrimonio familiar y empresarial. Lamentablemente, no se dispone de un fondo empresarial propio de esta familia, aunque sus descendientes conservan algunas cartas particulares y un rico inventario fotográfico3, que no será usado en este trabajo. Ante la ausencia de este fondo hemos tenido que recurrir a otras fuentes primarias y secundarias para conocer mejor la historia empresarial de esta familia, destacando entre éstas los protocolos notariales (se han consultado sobre todo los de las provincias de Gerona y Cáceres); las fuentes municipales de las localidades donde se tiene constancia que los Torrellas estuvieron presentes (comprando corcho, instalando algún esta- mente, la inestimable ayuda de David Moré Aguirre, archivero municipal de Tossa, en el acceso a documentación inédita sobre la familia. Finalmente, agradecemos la ayuda prestada por parte del personal de los diferentes archivos y bibliotecas consultados, cuya relación obviamos por razones de espacio. 3 Este inventario fotográfico se conserva en su mayor parte en el archivo particular de Francisco Aromir Massaguer, al cual reiteramos nuestro agradecimiento por su ofrecimiento y por la ayuda prestada. 93 blecimiento, comprando fincas...); algunos fondos de empresas a las cuales los Torrellas vendieron corcho; determinadas fuentes judiciales; y publicaciones periódicas de la época (prensa, revistas de divulgación, etc.) y boletines oficiales, susceptibles en la mayoría de los casos de consulta on line. Dentro de estas fuentes ha sido muy útil la consulta del Archivo del Banco de España, pues en él hemos encontrado valiosa documentación sobre la situación real del patrimonio de los Torrellas y sobre el embargo que recayó sobre éste en la década de 1920, cuestión sobre la que volveremos más adelante. El objetivo de este trabajo es analizar la inserción de los Torrellas en el negocio corchero extremeño de finales del siglo XIX y comienzos del XX, tratando de contemplar esta experiencia dentro del proceso ocurrido desde mediados del siglo XIX, por el que numerosos industriales corcheros catalanes viajaron al suroeste peninsular para dar inicio a la fabricación del corcho en estas regiones. Contemplamos la investigación presentada en este trabajo como un estudio de caso en perspectiva histórico-económica cuyos resultados son preliminares y, en algún caso, provisionales, estando pendientes aún los autores de culminar la investigación para presentar resultados más definitivos. El texto se estructura cronológicamente en 6 apartados. En el primero se aborda el arranque de la actividad corchera de los Torrellas en Extremadura, poniendo el énfasis en la constitución de la primera sociedad y en la política de provisión de corcho en la provincia de Cáceres. En el segundo apartado se analiza el período de consolidación del negocio familiar de los Torrellas en Extremadura, y en el tercero el proceso de internacionalización seguido por la empresa en el negocio corchero. En el último año del período analizado en este apartado, 1906, tuvo lugar la división de la empresa familiar en dos ramas, aspecto que es abordado en el apartado 4. Del mismo modo, en el apartado 5 se analiza el proceso de quiebra de la empresa familiar, acontecida tras la difícil situación del negocio en la posguerra mundial y tras los embargos del patrimonio familiar sobrevenidos a la misma en 1923. Finalmente, en el sexto apartado realizamos un breve comentario a modo de conclusión. 94 2.- El arranque de los Torrellas en el negocio corchero extremeño (1879-1890) 2.1.- La constitución de la primera sociedad familiar: Torrellas, Mestres y Cía (1879) El 3 de julio de 1879 Dalmacio Torrellas Pujol, panadero y comerciante, y José Mestres Auger, capitán de barco, ambos originarios de Tossa, constituyeron la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía, con un capital de 30.000 pesetas, aportado a partes iguales por los dos socios, teniendo como objeto “la compra y venta de corcho, elaboración del mismo y demás géneros que consideren útiles”4. En esta primera escritura ya se constataba el papel clave del primogénito de Dalmacio Torrellas, Pedro Torrellas Nadal (nacido en 1856), que al año siguiente se casó con la hija de José Mestres, Asunción Mestres Brugueras. Pedro Torrellas quedó al frente de la casa principal de esta sociedad, ubicada en Serrejón (Cáceres) para “la fabricación, venta y expedición de géneros”, casa que había comprado Dalmacio Torrellas el mes anterior, como acto seguido indicaremos. El 7 de octubre de 1885 los tres socios iniciales firmaron una nueva escritura de sociedad con modificaciones muy destacables5, destacando entre ellas la entrada en la sociedad de los otros dos hijos de Dalmacio Torrellas, Camilo (nacido en 1859) y Secundino (nacido en 1861); también del hijo menor de José Mestres, llamado José (nacido en 1864)6, y de Jaime Moré Bosch, comerciante de origen tossense establecido en Barcelona7. Éste último había prestado a la sociedad 156.801,47 pesetas Arxiu Comarcal de la Selva (ACSE), Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: José Antonio Rodés. Volumen 53, folios 377-380. 5 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Blanes-1. Notario Antonio Llampallas Alsina. Volumen 75, folios 795-804. 6 En 1885 Secundino Torrellas Nadal y José Mestres Brugueras eran aún menores de edad, por lo que, formalmente no entraron en la sociedad. Apenas se reconoció que habían trabajado para la misma, invitándoseles a entrar de pleno derecho cuando tuvieran la edad correspondiente (más de 25 años). 7 La madre de éste había financiado la construcción de la corbeta Camila Primera de Tossa, de la que José Mestres fue capitán, así como varios de los viajes que éste realizó a América en las décadas de 1860 y 1870 (Zucchitello 2013). 4 95 para hacer frente a los arrendamientos de corcho contratados hasta esta fecha y para el buen funcionamiento de la sociedad. Se pactó que Jaime Moré entrara en la sociedad en condición de socio comanditario, concretándose su participación en la reducción del importe pendiente de cobrar del préstamo antes indicado. Por otra parte, se fijó un capital de 33.738 pesetas, a repartir a partes iguales entre Dalmacio Torrellas, José Mestres y Jaime Moré. Los dos primeros tendrían que aportar a la sociedad la nueva fábrica de Tossa,8 las fincas compradas en Serrejón, los arrendamientos de corcho en curso en Extremadura y las existencias disponibles en Tossa y Serrejón. Los socios industriales, que serían los tres hijos de Dalmacio Torrellas y el hijo menor de José Mestres, quedaban al cargo de gestionar la factoría de Serrejón y las que pudieran tener en el futuro. De este modo, entre 1879 y 1885 la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía modeló su estructura empresarial en los siguientes ejes: provisión de corcho en las dehesas de la provincia de Cáceres, preparación del mismo en Serrejón y traslado de este corcho preparado a Cataluña, bien para hacer tapones en la fábrica de Tossa, o para venderlo a otras empresas. Además, por lo que se indicaba en la escritura de 1885, la sociedad ya había hecho algunos arriendos de corcho. Hemos encontrado parte importante de estos negocios, que pasamos a comentar. 2.2.- La política de provisión de corcho La intensa actividad comercial desarrollada por los Torrellas en la provisión del corcho extremeño, desde su instalación en Serrejón (Cáceres) en 1879,9 fue apuntada ya en un trabajo pionero del profesor Fer- En 1882 Domingo Brugueras, cuñado de José Mestres, le cedió a él y a Dalmacio Torrellas un terreno en donde se ubicaría esta fábrica. ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: José Antonio Rodés. Volumen 56, folios 161-164. Por lo que se indica en la escritura que comentamos, en 1885 ya habrían acabado las obras de edificación de la misma. 9 El desembarco de los Torrellas en Serrejón se inicia con la venta de varios inmuebles que Cosme Remus Ruffi hizo a Dalmacio Torrellas Pujol en junio de 1879. Entre los bienes enajenados se encontraban diversas fincas de olivar (la mayor parte de ellas en el término municipal de Serrejón), un lagar de aceite (en la calle del Redondillo, de Serrejón), lo cual denota también el interés de los Torrellas en el negocio olivare8 96 nando Sánchez Marroyo.10 En dicho trabajo, se situaba a la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía como uno de los grandes compradores de corcho en la provincia de Cáceres entre 1879 y 1900, especialmente en el término municipal de Navalmoral de la Mata, y en general en las comarcas cacereñas de Campo Arañuelo y de los Ibores. La documentación notarial que hemos consultado corrobora lo expresado en el párrafo anterior. A modo de ejemplo, nos consta un subarriendo que hizo Braulio Pérez Aparicio a favor de Dalmacio Torrellas Pujol, su hijo Pedro Torrellas Nadal y su apoderado Martín Torrubias y Tusell, del corcho de la Dehesa de la Sierra y el Zamarril (término municipal de Serrejón), formalizado el 18 de marzo de 1879 para un período de 10 años.11 Ese mismo año, el 2 de junio, Cosme Remus vendió a Dalmacio Torrellas “todos sus derechos de arriendo de corcho, tanto los adquiridos por traspaso o cesión, como los hechos propios” que poseía en la Alta Extremadura. Junto a estos arriendos, efectuados por Cosme Remus en las décadas de 1860 y 1870, este transmitía al patriarca de los Torrellas también todo el corcho que tenía almacenado, tanto elaborado en cuadros y tapones como sin elaborar, herramientas y utensilios de fabricación, mobiliario y otros enseres, además de la fábrica en construcción que tenía en la localidad de Mesas de Ibor.12 El 12 de septiembre de 1880 se formalizó la escritura de arriendo del corcho de la Dehesa de Rodeo Moral, situada en el término municipal de Pasarón de la Vera, a favor de la sociedad Torrellas, Mestres y ro, y una casa situada en la calle Audiencia de la misma localidad cacereña, donde la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía inició su actividad industrial corchera en Extremadura (Archivo Histórico Provincial de Cáceres (AHPC), Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN2996, folios 382-400). 10 Sánchez Marroyo (1993). Para ubicar mejor la actividad empresarial de esta familia en el negocio corchero extremeño de la época, recomendamos la lectura de Sánchez Marroyo (1996) y de Parejo, Faísca y Rangel (2013), que sintetizan el proceso acontecido a finales del siglo XIX por el que numerosos industriales corcheros catalanes llegaron a las dehesas extremeña para acaparar el corcho de esta región. 11 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Romangordo. Notario: Gumersindo Calleja y Calleja. Volumen PN2862, folios 61-70. En la escritura se explicitaba que el contrato establecía una sola pela de cada alcornoque, a efectuar entre junio de 1878 y septiembre de 1888, fijándose el importe a pagar en 1.500 pesetas. 12 La cantidad a pagar se fijó en 135.000 pesetas, a pagar en 7 años, en 8 pagos iguales (AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN656, folios 382- 400). 97 Compañía. En la misma figuraba como arrendador Gabriel Herrero, y como arrendatario Pedro Torrellas Nadal, en nombre de la citada sociedad. Con este contrato, la sociedad se aseguraba el corcho producido en esta dehesa en los 10 años siguientes, pagando por ello 2.500 pesetas.13 Pedro Torrellas Nadal también aparece como arrendatario en la escritura de arriendo del corcho de la Dehesa de Macarra (en el término municipal de Toril, Cáceres), arrendada por Luis y Miguel Lozano el 16 de octubre de 1880 por un período de 10 años y por un importe total de 42.500 pesetas.14 Ya en 1881 se produjeron otros dos arriendos importantes por parte de la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía en Extremadura. Por un lado, el arriendo del corcho de la Dehesa de Sierra Colada (Almaraz, Cáceres), efectuado por Joaquín de la Calle a favor de Pedro Torrellas el 7 de julio, por un importe de 4.000 pesetas y por una duración de 9 años (afectaba al período 1884-1893).15 Y por el otro, el arriendo del corcho de la Dehesa de Malueñas (Jaraicejo, Cáceres), efectuado por Lucas Román de Salas (administrador de los bienes de María de las Candelas Ulloa y Robles) a favor de Pedro Torrellas el 13 de septiembre, por 10 años (a comenzar en octubre de 1881) a raíz de 79 pesetas por año.16 El 22 de febrero de 1882 el propio Pedro Torrellas firmaba como arrendatario la escritura de arrendamiento del corcho de la Dehesa del Espadañal, sita en el municipio de Navalmoral de la Mata (Cáceres), en la que actuaba como arrendador Ventura de Castro. Lo interesante de este contrato es que, a diferencia de los anteriores, consistía en una obligación que asumía la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía de comprar todo el corcho segundero de 9 años o más extraído al precio de 12 pesetas por quintal. Consistía, por tanto, en acaparar todo el corcho apto para la fabricación de tapones de una de las dehesas de mayor notoriedad en la región extremeña.17 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN2997, folios 580-584. 14 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN2997, folios 664-670. 15 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Almaraz. Notario: Joaquín Fernández Gómez. Volumen PN2917, folios 65-68. 16 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Romangordo. Notario: Gumersindo Calleja y Calleja. Volumen PN2863, folios 149-150. 17 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN2999, folios 91-93. 13 98 El proceso de aprovisionamiento de corcho iniciado por la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía en 1879 en la provincia de Cáceres se mantuvo con intensidad hasta 1890. Así, nos consta el arrendamiento del corcho de varias fincas de Navalmoral de la Mata y municipios aledaños en 1885 concertado entre Matías Rodríguez y Secundino Torrellas, este último en representación de la sociedad, y siempre por un período de 10 años, estando entre ellas la denominada “La Solana”.18 También tenemos documentado que Dalmacio Torrellas y José Mestres habían conseguido arrendar a Eulogio Navas Asensio el corcho resultante de la saca de 1895 en la Dehesa de Majadilla, ubicada en el municipio de Guijo de Granadilla (Cáceres), de 318 hectáreas de superficie.19 E igualmente, sabemos del arriendo por 10 años (a comenzar el 1 de octubre de 1893) del corcho de la dehesa “Porquerizas de Macarra” (ubicada en el municipio de Toril), concertado entre Miguel Lozano Barquera y la sociedad Torrellas, Mestres y Compañía el 22 de febrero de 1890.20 3.- Consolidación y auge (1890-1899) 3.1.- Los Torrellas se hacen con el control de la sociedad En la década de 1890 se produjeron importantes transformaciones en la estructura, funcionamiento y estrategia empresarial de Torrellas, Mestres y Compañía. El principal cambio fué el abandono progresivo de la sociedad por parte de la familia Mestres: José Mestres hijo, pese a que se le invitó a entrar en 1885, que sepamos, no llegó a participar de los negocios de la sociedad,21 a diferencia de los tres hijos de Dalmacio To AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN3008, folios 435-441. 19 ACBE. Fondo notarial. Notaría de Sant Feliu de Guíxols. Notario: Joaquín Sala Martí. Volumen 43, folios 172-177. 20 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Urbano González Corisco. Volumen PN3021, folios 221-236. 21 En la escritura de 1885 se indicaba que José Mestres Brugueras había hecho algún negocio con la sociedad, pero, hasta la fecha, no hemos localizado nada en los protocolos de Cáceres relativos a actividades desarrolladas por este personaje. Sabemos que la vida le llevó a Monda (Málaga) en donde se estableció a partir de 1889. José Antonio Borrallo cita a José Mestres como uno de los múltiples productores de corcho residentes en Monda en el momento de redactar su obra (Borrallo 1909). 18 99 rrellas. Diferentes escrituras consultadas de los años 1890 y 1891 ponen de manifiesto que los Torrellas se habían convertido en los impulsores de la sociedad, destacando la firmada el 17 de noviembre de 1891, en la cual, se formaliza la entrada definitiva de Secundino Torrellas como socio industrial, pactándose que los beneficios futuros se repartirían por quintas partes entre los dos socios gerentes y los tres socios industriales de la compañía. Además, hay que señalar que en 1887 el socio comanditario, Jaime Moré, se había declarado en suspensión de pagos, por lo que los demás socios tuvieron que negociar con la comisión liquidadora creada a tal efecto las condiciones para saldar la deuda pendiente. Al hilo de lo anterior, en 1891 Dalmacio Torrellas y José Mestres acordaban el modo de efectuar el pago de las 144.777 pesetas y 17 céntimos que la sociedad aún debía a Jaime Moré del préstamo que provocó su entrada en la compañía. Se acordó un pago fraccionado de esta deuda, a finalizar en 1896, y como garantía, hipotecaban la fábrica de Tossa y las dieciséis fincas de Serrejón.22 Un elemento que prueba el buen funcionamiento de la sociedad aquellos años es que la deuda se saldó bastante antes. El 4 de octubre de 1894 se firmaba la carta de pago por la entrega del importe pendiente, cancelándose las hipotecas creadas a tal efecto. Jaime Moré dejaba de ser socio comanditario.23 La sociedad pasaba a ser regular colectiva, acto formalizado el 3 de junio de 1896.24 Tan sólo nueve días después fallecía José Mestres Auger. La muerte de uno de los socios fundadores significaba, a efectos prácticos, la desvinculación definitiva de los Mestres, aunque esta desvinculación no se formalizó hasta la liquidación de la sociedad, el 20 de febrero de 1899.25 Los tres hijos de José Mestres Auger abandonaban la sociedad, percibiendo la liquidación correspondiente. Finalizaban así veinte años de sociedad formal entre las familias Torrellas y Mestres, y se constituía una nueva sociedad, Torrellas e Hijos. Arxiu Històric de Protocols de Barcelona (AHPB), Notario: Ricardo Permanyer Ayats. Volumen 1403-37, folios 2959-3000. 23 AHPB. Notario: José Escarrá Vergés. Volumen 1436-2, folios 1200-1239. 24 ACSE. Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 80, folios 354- 369. 25 ACSE. Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 83, folios 145- 150. 22 100 En todo caso, la década de 1890 fue, a nuestro entender, una década de auge para el negocio de los Torrellas. Habían transcurrido diez años desde los primeros arriendos, por lo que se habían efectuado ya algunas sacas que habían generado un producto objeto de comercialización. A raíz de este negocio había ya unos ingresos. Estos ingresos, una vez saldadas las deudas más urgentes, permitieron un nuevo enfoque del negocio, cuya parte más significativa fue el establecimiento de una nueva estrategia empresarial: la compra de fincas de alcornocal para su explotación. 3.2.- La política de compra de fincas extremeñas En la década de 1890 la Sociedad Torrellas, Mestres y Compañía se lanzó a la compra de fincas de alcornocal, en lo que entendemos como una estrategia de integración vertical de la empresa que tenía dos objetivos: por un lado, garantizarse el mayor suministro de corcho posible, y por el otro, reducir su exposición al comportamiento errático y creciente de los precios que esta materia prima venía registrando en Extremadura desde la década anterior. A grandes rasgos, la adquisición de fincas realizada por la Sociedad Torrellas, Mestres y Compañía se circunscribió al municipio de Castañar de Ibor (Cáceres), donde tenemos documentada la compra de al menos 32 fincas entre 1892 y 1899, la mayor parte de ellas de alcornocal y de superficie reducida. Aunque en el mismo período también nos consta que adquirieron fincas en Serrejón,26 Mesas de Ibor, Mohedas y Cerezo, siempre en la provincia de Cáceres27. Sin ánimo de ser exhaustivos, en 1892 la sociedad adquirió al menos 7 fincas de alcornocal en Castañar de Ibor, de unas 2 hectáreas de di- En Serrejón, la sociedad había comprado en 1884 una pequeña finca de olivar en el sitio de la “Calleja de Santa Lucía” a Ángel Jiménez Fernández por un importe de 379 pesetas (AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN1287, folios 122-126). 27 Por medio de la escritura pública de disolución de la sociedad Torrellas e Hijos, de fecha 21 de marzo de 1903, tenemos constancia de que el patrimonio inmobiliario de los Torrellas en esa altura constaba de al menos 97 fincas repartidas por municipios de la provincia de Cáceres (ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 87, folios 169-200). 26 101 mensión media cada una, lindantes unas con otras en algunos casos.28 Un año después, en 1893, compró al menos otras 12 fincas con alcornoques en la misma localidad, con características muy similares a las expresadas en términos de dimensión y localización;29 otras 2, que nos conste, en 1894;30 3 en 1897;31 7 en 1898;32 y una más en 1899.33 Aunque, sin duda, una de las propiedades de mayor relevancia adquiridas por la Sociedad Torrellas, Mestres y Compañía, por su dimensión y sus posibilidades corcheras, fue la denominada dehesa de “La Valenciana”, situada en el término municipal de Mohedas (Cáceres).34 La adquisición de “La Valenciana” fue registrada en Béjar en escritura pública otorgada ante Jerónimo Fernández, notario de esta ciudad salmantina, el 4 de abril de 1895. El vendedor de la finca, y antiguo propietario de esta, era Juan Antonio Hernández Granado, actuando como comprador, y en nombre de la Sociedad Torrellas, Mestres y Compañía, Pedro Torrellas Nadal.35 Merece la pena exponer los detalles de la citada escritura. De entrada, en la escritura de compraventa se relacionan tres propiedades de Juan Antonio Hernández Granado que eran objeto de ena- AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN2898, 1892, folios 202-209; 218-257; 258-261; 262-265; 266-269; 270-273; 274-277;278-281. 29 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN2898, 1893, folios 1-4; 2-7; 8-14; 71-74; 79-82; 83-86; 122-125; 126-143; 126-129; 130-133; 152-155; 204-207; 190-191. 30 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN2898, 1894, folios 173-175; 183-186. 31 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN2899, 1897, folios 13-14; 15-16; 256-259. 32 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN2899, 1898, folios 1-4; 5-8; 9-12; 13-16; 17-19; 21-23; 25-27. 33 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Joaquín Durán y Mendoza. Volumen PN653, 1899, folios 7-10. 34 Agradecemos al profesor Fernando Sánchez Marroyo que nos pusiera tras la pista de esta finca, la cual aparecía registrada como una propiedad de los Torrellas en los “apéndices de amillaramiento” de Mohedas relativos a 1928 (éstos fueron consultados por Sánchez Marroyo en el AHPC), especificándose que se trataba de una dehesa de 194 hectáreas de encinas y alcornoques, con presencia de olivos, cuya propiedad estaba dividida en 50 acciones, todas ellas en manos de la familia Torrellas. 35 Archivo Histórico Provincial de Salamanca (AHPS), Fondo notarial. Notaría de Béjar. Notario: Jerónimo Fernández, 1895, folios 511-530. 28 102 jenación. La primera era una dehesa poblada de encinas y alcornoques titulada “Dehesa Vieja”, en el término municipal de Mohedas, cerca de Hervás, de algo más de 168 hectáreas de superficie, la cual se valoraba en 26.000 pesetas. La segunda era la denominada “Dehesa de Abajo”, en el cercano municipio de Cerezo (Cáceres), de algo más de 83 hectáreas, y también de alcornoques y encinas, valorada en 30.000 pesetas. Y por último, un terreno de pasto y labor de 193 hectáreas situado en Mohedas, en el sitio de “Los guijos”, a la cual se le establecía el valor de 14.000 pesetas, y cuyo nombre se omite en la escritura. Todas las fincas se enajenaban “con toda la cabida que resultaba de lindes adentro”, es decir todo el terreno, con el arbolado y con todos los usos, derechos y servidumbres, por el montante, nada desdeñable, de 70.000 pesetas, que fue satisfecho al contado en el momento de la firma. A priori, debe entenderse que las tres fincas conformaban la denominada dehesa “La Valenciana”36, aunque, por los datos que ofrecen los expedientes de amillaramiento de Mohedas de 1928, que ofrecíamos en la nota a píe de página número 33, parece que éstos relacionaban a la citada dehesa solo con la tercera de las fincas especificadas. En cualquier caso, todo lo anterior da una idea de la estrategia empresarial de los Torrellas, pero también de su capacidad financiera y patrimonial. Además, corrobora que, en una coyuntura favorable para sus negocios y de liberalización de los factores productivos, los Torrellas no pudieron sustraerse a la tentación de la tierra, convirtiéndose en importantes terratenientes en Extremadura. 4.- La internacionalización del negocio (1899-1906) Sabemos que en 1897 y 1898 Torrellas, Mestres y Compañía vendieron corcho a las sociedades Hijos de H. A. Bender, de Palafrugell, y Caner y Ferrer, de Begur.37 El 20 de septiembre de 1898 José Raset, Al menos, es lo que se desprende del inventario de bienes de los Torrellas que, a efectos de embargo, se elaboró en 1923-24, al cual nos referiremos en el apartado 5, en el que se equipara “La Valenciana” al total de las tres fincas. 37 Servei de l’Arxiu Municipal de Palamós (SAMP), Fondo Montaner. Correspondencia comercial. Legajo 35. 36 103 representante del industrial Tomás Brugada en Lisboa, escribía a sus padres, en Llagostera, e indicaba, entre otras cosas, que aquel año los mejores corchos que llegaban a Cataluña eran los de los Torrellas.38 Nuestra familia se había hecho un nombre en el mundo corchero catalán, pero no solo catalán. Ya en la escritura de 1896, en que la sociedad dejaba de ser comandita para pasar a ser regular colectiva, se incluyó “la expedición al extranjero de la primera materia en bruto” como uno de los objetos de la sociedad.39 La creación de la nueva sociedad Torrellas e Hijos coincidió en el tiempo con la consolidación de este proyecto. En 1901, el hijo mayor de Pedro Torrellas, José Torrellas Mestres (nacido en 1882), residente en Hamburgo en aquellos momentos, recibía poderes de su padre y sus tíos para administrar, regir y gobernar la sucursal que Torrellas e Hijos poseía en aquella ciudad, cuidar las cargas y descargas de mercancías, controlar la llegada de remesas,...40 Al año siguiente, el suplemento literario del periódico gerundense El Autonomista incluía un pequeño reportaje sobre los hermanos Torrellas en el que se hablaba de la sucursal de Hamburgo, de otra en Leeds, de la presencia de un corresponsal en París y de la reciente apertura de un almacén en Gerona, ubicado frente a la estación de ferrocarril.41 De este modo, el cambio de siglo abría una nueva etapa en la historia comercial de los Torrellas, caracterizada por esa perspectiva internacional. 4.1.- De Torrellas e Hijos a Torrellas Hermanos Quien no pudo disfrutar de esa nueva etapa fue Dalmacio Torrellas, que había fallecido en Tossa el 5 de febrero de 1900. En consecuencia, el 21 de marzo de 1903 se firmaba la liquidación de la sociedad Torrellas e Hijos,42 y el 4 de abril de ese mismo año se constituía la sociedad Arxiu Municipal de Llagostera (AMLLA), Fondo Francisco Coris Mundet – José Raset Sastre, Correspondencia. Legajo 10234. 39 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 80, folios 354- 369. 40 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 85, folios 1040-1042. 41 El Autonomista, 1 de mayo de 1902. 42 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 87, folios 151-156. 38 104 regular mercantil Torrellas Hermanos.43 La nueva sociedad, con domicilio en Tossa y factorías en Serrejón, Hamburgo y Leeds, tendría como objeto el comercio y explotación del corcho, todos los elementos por los cuales esta materia primera podía ser objeto de explotación, incluyendo el arriendo de montes de alcornocales, expedición al extranjero de esta materia, elaborada o no, y la compraventa de fincas. Se establecía un capital de 500.000 pesetas a cubrir por partes iguales por los tres hermanos Torrellas Nadal. La escritura finalizaba con la aportación a la sociedad de las 97 fincas ubicadas en la provincia de Cáceres, que habían ido comprando en los 25 años anteriores: 14 en Serrejón,44 una en Cerezo, 12 en Mohedas, 43 en Castañar de Ibor y 27 en Mesas de Ibor (todas ellas, localidades de la provincia de Cáceres). El hecho de contar con las factorías de Hamburgo y Leeds respondía a una clara estrategia de internacionalización que trataba de dar respuesta a dos grandes desafíos que afrontaba el negocio corchero mundial a comienzos del siglo XX desde el lado de la demanda. El primero de ellos era el de atender al fuerte crecimiento de la demanda europea de manufacturas corcheras, habida cuenta del aumento del consumo de vino y de otras bebidas, como la cerveza, que se venía produciendo desde las últimas décadas del siglo XIX en el viejo continente (Medir 1953). En esta coyuntura, disponer de un establecimiento en Hamburgo suponía estar presente en uno de los principales canales de distribución de manufacturas corcheras hacia Europa Central y del Norte. Al mismo tiempo, la proximidad de Hamburgo a Delmenhorst, localidad germana donde se localizaba el grueso de la industria corchera alemana, facilitaba a la sociedad el acceso a uno de los principales centros demandantes de corcho bruto del continente a comienzos del siglo XX.45 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Lorenzo Garzón Naya. Volumen 87, folios 169- 200. 44 Dos de las 16 fincas compradas en Serrejón en 1879 fueron vendidas el 10 de junio de 1895 (AHPC, Fondo notarial. Notaría de Almaraz. Notario: Joaquín Durán Mendoza. Volumen PN2899, folios 122-129. 45 A modo de ejemplo, a comienzos del siglo XX Alemania absorbía, aproximadamente, una cuarta parte de las exportaciones portuguesas de corcho bruto, siendo el segundo mercado en importancia del corcho sin manufacturar luso tras Inglaterra. Igualmente, fue hasta la primera guerra mundial uno de los 4 mayores importadores de corcho bruto español, junto a Estados Unidos, Francia e Inglaterra (Parejo 2009). 43 105 En cuanto al segundo desafío aludido, nos referimos al descubrimiento del corcho aglomerado a finales del siglo XIX, cuyas implicaciones en términos de diversificación productiva de la industria corchera son ya suficientemente conocidas (Medir 1953; Zapata 2002; Sala 2003). En paralelo, los nuevos descubrimientos derivaron también en el desarrollo de una potente industria del linóleo en los países del norte de Europa, principalmente en Inglaterra, que reforzó, con ello, su papel de demandante de corcho bruto.46 La fabricación del linóleo requería de corcho, como es sabido, de tal forma que la sucursal de los Torrellas en Leeds debió tener el claro propósito de atender el creciente mercado británico de corcho bruto asociado al crecimiento de esta industria, sin perjuicio de la demanda generada por la también creciente industria inglesa de aglomerados. 4.2.- Comercialización de corcho extremeño La información de que disponemos sobre las actividades comerciales corcheras de los Torrellas en Extremadura entre 1899 y 1906 es más irregular y escasa que para las décadas finales del siglo XIX. La razón principal es que, con el cambio de siglo, desapareció la obligación de recoger en escritura pública las operaciones de arriendo de fincas, desapareciendo también, por tanto, los arriendos de corcho de los protocolos notariales. De esta forma, las referencias de que disponemos proceden, básicamente, de la documentación que hemos consultado en el Fondo Documental de la empresa Martín Montaner, disponible para el investigador en el Arxiu Municipal de Palamós.47 Entre las existencias de corcho relacionadas en la documentación de la empresa Martín Montaner para el período referido son frecuentes las referencias a los Torrellas. En particular, se relacionan importantes cantidades de corcho adquiridas por esta empresa a los Torrellas procedentes Como se señala en la nota anterior, Inglaterra ya era uno de los mayores importadores mundiales de corcho bruto antes del descubrimiento del corcho aglomerado. Tras este, y las posibilidades de emplear incluso el corcho de peor calidad para su fabricación, su condición de demandante de corcho sin elaborar no hizo sino reforzarse (Parejo 2009). 47 SAMP, Fondo Montaner. 46 106 de Plasencia en 1903,48 año en que nos constan operaciones de compra de corcho de la familia en Jerez de los Caballeros. También hay apuntes de abundantes cantidades de corcho trefino (de excelente calidad) en 1906 procedentes de la “Dehesa Herguijuela” (Toril, Cáceres), una de las dehesas de mayor notoriedad en Extremadura por su dimensión y por la calidad de su corcho,49 y otros muchos apuntes del mismo período que, a pesar de no indicar procedencia, debieron de ser enviados por los Torrellas desde las dehesas extremeñas.50 Es significativo, por último, que ya en 1907, tanto Pedro Torrellas como la sociedad Hermanos Torrellas tuvieran sendos almacenes en San Vicente de Alcántara para hacer “las operaciones de nueve mil quintales de corcho”,51 lo que da una idea, no solo de la dimensión de nuestra familia en el negocio corchero extremeño, sino también de la extensión de sus actividades a otras latitudes corcheras de la región extremeña. 4.3.- La división de 1906 El 23 de junio de 1906 Pedro Torrellas se separaba de la sociedad. En aplicación de los puntos quinto y sexto de la escritura de sociedad que habían modificado tres días antes,52 el mayor de los hermanos decidía En una carta de la sociedad Torrellas Hermanos a Martín Montaner de 3 de noviembre de este año se comunicaba la llegada por tren de un vagón con 30 fardos de corcho procedente de Plasencia (SAMP, Fondo Montaner, Correspondencia comercial, Legajo 39). 49 En concreto, en una carta remitida por la sociedad Torrellas Hermanos a Martín Montaner fechada el 21 de marzo de 1906, se informaba haber pesado para su envío a ésta 3 carros de corcho trefino obtenidos de la dehesa Herguijuela, importando un total de 3.400 kilogramos (SAMP, Fondo Montaner, Correspondencia comercial, Legajo 39). 50 En total, la sociedad Torrellas Hermanos envió a Martín Montaner entre 1898 y 1906 cerca de 90.000 quintales de corcho, la mayor parte de ellos de calidad, y en su mayoría también, presumiblemente, de Extremadura (SAMP, Fondo Montaner, Correspondencia comercial). 51 SAMP, Fondo Montaner. Correspondencia. Legajo 50. 52 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: José Granell Grau. Volumen 91, folios 418-419. 53 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: José Granell Grau. Volumen 91, folios 420-425. 48 107 continuar los negocios en solitario.53 En el reparto patrimonial resultante de esta separación, Pedro Torrellas se adjudicaba la fábrica de Tossa, la tercera parte de las fincas de Cerezo, Mohedas, Castañar de Ibor y Mesas de Ibor; la tercera parte de los contratos en curso de compraventa y arriendo de la sociedad (valorados en 126.000 pesetas) y la tercera parte de los muebles, corcho y otras mercaderías existentes en Tossa y en las sucursales de Serrejón, Hamburgo y Leeds. Así mismo, se aseguraba la posesión del almacén de Gerona, abriendo una nueva fábrica en Plasencia, adquirida ese mismo año.54 El mismo día, tanto Pedro Torrellas como sus hermanos remitieron cartas a sus clientes, entre ellos a Martín Montaner55 y Francisco Coris Mundet,56 explicando que la razón de la separación era “... dar mayor extensión e impulso a las operaciones de arriendo de bosques alcornocales, compraventa de corcho en plancha, enrazado y elaborado,...”. Camilo y Secundino indicaban que el 1 de julio abrirían sus nuevos almacenes en Sant Feliu de Guíxols y que mantendrían la titularidad de la factoría de Serrejón. Pensamos que la intención de Pedro Torrellas era mantener la estructura de la sociedad de los últimos años, continuando con los negocios internacionales (pese a que procedían a la liquidación de la sucursal de Hamburgo), mientras que Camilo y Secundino habrían apostado por centrarse en el negocio de provisión de corcho a las grandes empresas catalanas. Una escritura de convenio firmada entre los tres hermanos el mismo día regulaba el reparto de la gestión de las propiedades y arriendos extremeños, el pago de deudas pendientes, el reparto de las pérdidas que ocasionaba la liquidación de la sucursal de Hamburgo y de la factoría de Leeds,...57 El convenio firmado el mismo día de la separación de Pedro ponía de manifiesto que la división no podía ser total. Y a fecha de hoy, aún nos preguntamos hasta qué punto se produjo dicha separación, ya que la historia corchera de Pedro Torrellas y de sus hermanos hasta la crisis de 1923 fue, a grandes rasgos, paralela en lo que respeta a objeto AHPC, Fondo notarial. Notaría de Plasencia. Notario: Pío Torres Fernández. Volumen PN5498, folios 960-967. 55 SAMP, Fondo Montaner. Correspondencia comercial, legajo 36. 56 AMLLA, Fondo Francisco Coris Mundet - José Raset Sastre. Correspondencia. Legajo 10281. 57 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: José Granell Grau. Volumen 91, folios 426-433. 54 108 de negocio (pese a un par de incursiones de Pedro en actividades ajenas al mundo del corcho), espacio geográfico de búsqueda de corcho, clientes,... Otra cosa fueron las incursiones de Pedro Torrellas en otros ámbitos como la fabricación de harinas, la banca, el comercio de pescado o la salazón de pescado. En todo caso, un artículo publicado en el periódico El Liberal el 12 de julio de 1912 ponía de manifiesto la importancia de la casa de Pedro Torrellas, al señalar que, además de la casa central de Tossa y de las sucursales de Sant Feliu de Guíxols, el mayor de los Torrellas disponía (si hay que hacer caso a la fuente periodística) de otra sucursal en Montevideo y de representantes en París, Leeds, Asti, Alessandria y El Cairo. Una estructura empresarial que, sin ninguna duda, fue gravemente afectada por el estallido de la Gran Guerra, en verano de 1914. 5.- De la separación de 1906 a la muerte de Pedro y Secundino Torrellas (1919) La característica principal de esta etapa es que las dos vertientes empresariales de la familia Torrellas se convirtieron en importantes proveedores de corcho para las principales casas corcheras catalanas. A modo de ejemplo, tanto Manufacturas del Corcho SA,58 de Palafrugell, como Martín Montaner,59 de Palamós, fueron adquirientes de corcho proporcionado por los Torrellas. En la documentación consultada de ambas empresas se constata que tanto Pedro Torrellas como Torrellas Hermanos vendieron regularmente corcho a estas casas en un momento de importante demanda en el negocio, por las nuevas posibilidades que ofrecía el aglomerado. También compraron regularmente corcho de los Torrellas otras firmas de menor entidad, como José Raset,60 fábrica ubicada en Llagostera. Por cuestiones de espacio no entramos a detallar las características de Museu del Suro de Palafrugell, Centro de Documentación. Fondo Armstrong. Contabilidad. Libros Mayores. Legajos 6.12.7.6 a 6.12.7.19. 59 SAMP, Fondo Montaner. Correspondencia comercial. Legajos 10, 35 y 36. 60 AMLLA, Fondo Francisco Coris Mundet - José Raset Sastre. Contabilidad. Libros diarios. Legajos 10272-10274. 58 109 estos negocios, aunque nos parece significativo apuntar que, en la documentación conservada en los fondos de las tres empresas aludidas, se constata que entre 1906 y 1920 Torrellas Hermanos facturaba el triple que la sociedad iniciada por Pedro Torrellas. Es decir, por cada peseta ganada por Pedro Torrellas vendiendo corcho a estas empresas, Camilo y Secundino acostumbraban a facturar tres. Ello es indicativo de que, al menos en el negocio de la provisión de corcho a otras fábricas catalanas, la dimensión de Torrellas Hermanos debió de ser considerablemente mayor a la de la empresa iniciada por el mayor de los hermanos Torrellas. Aunque parece que Pedro Torrellas contaba con un negocio más diversificado. 5.1.- Los negocios de Pedro Torrellas Un año después de separarse, Pedro Torrellas comunicaba el cierre de sus almacenes de Gerona y su traslado a Sant Feliu de Guíxols, a un local que había sido la fábrica de tapones de Ildefonso Pedrieux, próxima a la estación de ferrocarril de esta localidad.61 Tenemos la teoría de que Pedro Torrellas tenía la intención de compaginar la actividad de comercio de corcho sin manufacturar con la fabricación de tapones en su factoría de Tossa, pero llegó un momento en que se vio obligado a abandonar esta última. La no llegada del ferrocarril a Tossa y la supresión de su Aduana, en 1906,62 aislaron a Tossa de las líneas comerciales corcheras. Por ese motivo, a lo largo de la década de 1910, Pedro Torrellas centró sus esfuerzos en la comercialización del corcho, además de en sus actividades como banquero, documentadas a partir de 1911,63 y de comerciante de pescado y titular de una fábrica de salazón de pescado.64 Dicha fábrica, precisamente, sustituyó desde 1916 a la antigua fábrica de tapones trein- SAMP, Fondo Montaner. Correspondencia. Legajo 10. La Ley de Presupuestos de 1906 estableció la supresión de ese punto de salida de mercancías, autorizándose al administrador de Aduanas de Sant Feliu de Guíxols para, a partir de ese momento, despachar los productos con origen y destino Tossa. 63 Servei de l’Arxiu Municipal de Lloret de Mar (SAMLR), Fondo Pujol Hermanos –Arxer Hermanos– José Moré Comisiones y Representaciones; Administración, Copiador de cartas, legajos 66.190.2 y 66.191.2 64 Anuario General de España, actividades documentadas entre 1912 y 1922. En las Matrículas industriales de Tossa no constaron esas actividades, por no estar sometidas al pago de ese impuesto, hasta el ejercicio de 1923. 61 62 110 ta años después del inicio de sus actividades. Pero esas actividades eran complementarias de la principal: la comercialización de corcho. En la década de 1910, la creciente demanda de corcho bornizo, a partir de las nuevas posibilidades comerciales que supuso la aparición del aglomerado, hizo ver a Pedro Torrellas la necesidad de centrar sus esfuerzos en la adquisición de corcho de todas clases en Extremadura para su posterior venta a las empresas corcheras catalanas y extranjeras (aunque, muy probablemente, el estallido de la Primera Guerra Mundial le limitara el radio de comercialización internacional a partir de 1914). 5.2.- La actividad comercial de Torrellas Hermanos Entre los años 1910 y 1914 Torrellas Hermanos hizo importantes restructuraciones de su organigrama empresarial. El hecho más remarcable fue su abandono de Serrejón. Después de más de treinta años, los Torrellas abandonaban su población de referencia en Extremadura. Entre 1910 y 1913 vendieron ocho de las fincas de Serrejón que aún obraban en su poder.65 En 1922 sólo conservaban ya la casa-fabrica y el lagar de aceite, por lo que hay que deducir que vendieron el resto de fincas de que disponían en este término municipal a lo largo de los años siguientes. Cáceres fue, en principio, su población de destino. Tenemos constancia de que en 1912 firmaron un contrato de arriendo de una cerca en esta ciudad extremeña,66 de poco más de una hectárea, por 15 años y por el precio de 1.000 pesetas anuales. Se acordaba en el contrato que los hermanos Torrellas podían hacer las edificaciones que consideraran oportuno, estipulándose una opción de compra que los Torrellas podían hacer efectiva en cualquier momento por importe de 24.000 pesetas. A pesar de la escasez de información existente al respecto, los indicios apuntan a que en esa finca pusieron en marcha una fábrica de corcho, que entendemos fue la sucesora de la antigua factoría de Serrejón.67 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Navalmoral de la Mata. Notario: Víctor López Arrojo. Volumen PN5350- 5351, folios 936-957 y Volumen 5357-5358, folios 664672. 66 AHPC, Fondo notarial. Notaría de Cáceres. Notario: Gabriel Álvarez Álvarez. Volumen 5660, folios 2499- 2504. 67 La pista de esta fábrica de Cáceres es bastante confusa. En marzo de 1916 es la primera vez que en los anagramas de la correspondencia comercial se hace referencia 65 111 Por otra parte, en tierras catalanas, como hemos indicado, Torrellas Hermanos se instaló en Sant Feliu de Guíxols en 1906, para poder distribuir mejor el corcho que vendía a los industriales de esta población, y, sobre todo, del resto de la comarca.68 También adquirió un local en Palamós,69 en un punto estratégico de la zona industrial de esta población, ubicado entre los diferentes locales de Martín Montaner, al oeste, y los de la Corchera Internacional, al este. En nuestro criterio, el objetivo empresarial de Camilo y Secundino Torrellas era evidente: convertirse en proveedores de materia prima de las principales fábricas de corcho catalanas. En marzo de 1911, Gerardo Serra, representante de Martín Montaner en San Vicente de Alcántara, le escribía una carta en la que explicitaba lo siguiente: “Referiendo a negocios, supongo que ya estarás enterado de lo valientes que son los Torrellas Hermanos, ya que en estos alrededores han contratado (a bién decir) de cuatro partes tres del corcho que deberá sacarse desde este año a 12 o 14 años venideros; sus precios en su mayoría son de 14, 15 y 16 arriba, salidendo algunas hasta en 18 ptas quintal; basta en decirlo que una gran parte de los corchos de Mayorga han pagado 16 y 17 ptas... no solamente han comprado a los propietarios sino que también a a esta sucursal (AMLLA, Fondo Francisco Coris Mundet – José Raset Sastre. Correspondencia. Legajo 10286). Esta fábrica nunca tributó a efectos de Contribución Industrial y nunca constó en el Registro de la Propiedad. Tanto en la hipoteca que se constituyó sobre dicha finca en 1922 como en los diferentes anuncios de subasta de los años siguientes, se indicó que se trataba de un derecho de arriendo, se citaron las características del contrato, pero en ningún momento se indicó, en documentación de este tipo, la existencia de esta fábrica. En cualquier caso, los informes enviados al Banco de España incidieron particularmente en el gran valor de este establecimiento (Archivo del Banco de España (AbdE), Secretaría, Valores en suspenso, legajo 2209). En todo caso, un artículo publicado en el periódico El Liberal, el 12 de octubre de 1913, indicaba que esa fábrica ya estaba en funcionamiento. 68 En 1911, Camilo Torrellas, como gerente de Torrellas Hermanos, declaraba ante notario que a lo largo de 1910 habían enviado a Sant Feliu de Guíxols 67.493 bultos de corcho, de los cuales, sólo 6.888 habían sido vendidos en la misma plaza, y el resto se habían enviado a otras poblaciones de la comarca. Arxiu Comarcal del Baix Empordà (ACBE). Fondo notarial. Notaría de Sant Feliu de Guíxols. Notario: José Lloret Garrigosa. Volumen 1042, folios 637-638. 69 ACBE, Fondo notarial. Notaría de Palamós. Notario: José Bellido Mascías. Volumen 897, folios 903-906. 112 los fabricantes que tenían negocios hechos también se los han traspasado y con buenas primas: en una palabra, han hecho buenas ofertas de casi todo el corcho de estos términos; bueno y malo sin fijarse en nada.” La creciente demanda de corcho lanzó a los hermanos Torrellas a la búsqueda de esta materia prima. Lamentablemente, disponemos de pocos datos sobre los nuevos arriendos efectuados por Torrellas Hermanos en la década de 1910, aunque se mantienen para este período las referencias al corcho extremeño adquirido a los Torrellas por la empresa Martín Montaner en el fondo documental de ésta, principalmente el procedente de localidades como Jerez de los Caballeros y Burguillos del Cerro, ambos de la provincia de Badajoz70. Al hilo de lo anterior, tenemos constancia de una carta de 26 de enero de 1911 remitida a la sociedad Torrellas Hermanos por el industrial corchero inglés George W. Robinson, afincado por entonces en Portalegre (Portugal), en la que se informaba de la aceptación de la propuesta de arriendo de la “Dehesa Casillas”, de la que Robinson era propietario, por parte de aquélla. Por medio de este acuerdo, Torrellas Hermanos se garantizaba el corcho extraído hasta 1921 de una de las dehesas más significativas del término municipal de Valencia de Alcántara, de cerca de 600 hectáreas de superficie71. 6.- Los últimos años y la quiebra de 1923 El 6 de octubre de 1919 Pedro Torrellas moría en Sevilla, mientras que su hermano Secundino fallecía en Cáceres el 2 de diciembre del mismo año. Sus descendientes intentaron continuar la actividad comercial, aunque con poco éxito. Los hijos de Pedro Torrellas constituyeron la sociedad comanditaria Hijos de P. Torrellas Nadal s.c.,72 y el hermano superviviente, Camilo, intentó continuar la actividad de Torrellas Hermanos SAMP, Fondo Montaner, Correspondencia comercial, Legajos 39 y 40. SAMP, Fondo Montaner, Correspondencia comercial, Legajos 39. 72 ACSE, Fondo notarial. Notaría de Lloret de Mar. Notario: Enrique Salamero Radigales. Sabemos de los elementos esenciales de dicha escritura, aún no disponible a los investigadores en general, gracias a los datos contenidos en ACBE, fondos judiciales. Juzgado de Primera Instancia e Instrucción 1 de la Bisbal. 70 71 113 con uno de sus yernos y con dos de los hijos de Secundino.73 Pero el contexto de crisis del sector corchero después de la Primera Guerra Mundial, acrecentado por la instauración de la Ley Seca en Estados Unidos, y por la gran crisis alemana de los años 20, dejó multiplicidad de existencias en los almacenes de ambas casas sin posibilidad de venta. La solución momentánea fue pedir hipotecas. La práctica totalidad de su patrimonio se convirtió en garantía de unos préstamos, solicitados a entidades bancarias (Banco de Barcelona, Banco de Palafrugell,...y sobre todo, al Banco de España) y a particulares varios de Barcelona y Gerona, incluyendo familiares de los Torrellas.74 Mención especial merecen las hipotecas que ambas sociedades constituyeron el 16 de febrero y el 21 de junio de 1922 a favor del Banco de España. En la primera escritura hipotecaban la práctica totalidad de su patrimonio: las fincas de Extremadura, la fábrica de Sant Feliu de Guíxols, dos fincas de Tossa... por 500.000 pesetas. Y en la segunda, por 70.000 pesetas, hipotecaban el derecho de arriendo de la finca ubicada en Cáceres, que incluía la fábrica de corcho levantada unos años antes y el derecho de opción de compra de dicha finca.75 Al cabo de un año Hijos de P. Torrellas Nadal, s.c. se declaraba en suspensión de pagos,76 y se decretaba la quiebra necesaria de Torrellas Hermanos.77 El Banco de España ejecutó sus hipotecas y se adjudicó la práctica totalidad del patrimonio de las dos sociedades. En todo caso, la consulta de la documentación conservada en el Archivo del Banco de España relativa a estos embargos da una imagen menos trágica de lo que el relato de los hechos parece sugerir. La mayor parte del patrimonio inmobiliario de los Torrellas estaba muy deteriorado. Archivo Aromir. Escritura de poder otorgada por Camilo Torrellas Nadal a favor de Camilo y Dalmacio Torrellas Rivas y Joaquín Mundet Vidal, 5 de mayo de 1920, ante el notario de Sant Feliu de Guíxols José Lloret Garrigosa. 74 Es significativo indicar que el impulsor de las dos demandas ejecutivas que provocaron la quiebra necesaria de Torrellas Hermanos fue Teresa Plana Vilà, viuda de Simeón Mestres Brugueras, por lo tanto, cuñada de Asunción Mestres y de Pedro Torrellas. 75 Archivo Aromir. 76 Boletín Oficial de la Provincia de Gerona; 12 de abril, 2 de junio y 23 de septiembre de 1923. 77 No se conservan los expedientes judiciales de Santa Coloma de Farners anteriores a 1925, pero hay una copia del Auto de declaración de quiebra necesaria de Torrellas Hermanos en ACBE, Fondos judiciales. Juzgado Municipal de Sant Feliu de Guíxols. 73 114 Se habían quemado los alcornocales de las fincas de Castañar de Ibor y Mesas de Ibor; las dos fincas que aún quedaban de Serrejón estaban en ruinas; la casa de Plasencia (abandonada en 1922) tampoco se encontraba en muy buen estado... Únicamente la fábrica de Cáceres, edificada sobre el arriendo que hizo Torrellas Hermanos en 1912, y la Dehesa “La Valenciana”, de Cerezo y Mohedas, tenían un importante valor de mercado. Es muy significativa la carta que el Director de la Sucursal de Gerona enviaba a la sede central el 2 de septiembre de 1924: “En esta fecha se ha celebrado la tercera subasta en el ejecutivo de Hijos de P. Torrellas Nadal, s.c., Torrellas Hermanos y Lucía Rivas. Trece fincas tasadas en la hipoteca con un valor de 330.475 pesetas y con un valor real de 140.500 pesetas han sido adjudicadas al Banco por 80.500 pesetas.”78 Este informe resume a la perfección el sentido de las hipotecas de 1922, donde las fincas fueron tasadas por un valor muy superior al real. Con estos beneficios, los Torrellas dispusieron de un capital para empezar de nuevo. Se deshicieron de su patrimonio y se lanzaron a otras actividades. En el caso de los dos hijos varones de Pedro, José y Simeón, continuaron en el mundo corchero. José vivió unos años en Sevilla y en Fregenal de la Sierra, donde tenemos indicios que hacen suponer que continuó en el mundo del corcho. En 1928 fue el adjudicatario de la subasta del bornizo de la gaba de Larache, en Marruecos,79 mientras que su hermano fue director de las sucursales de la Compañía General del Corcho en Valencia y Cágliari.80 Aunque el nuevo contexto de crisis mundial iniciada con el crack de Wall Street en 1929 les hizo abandonar definitivamente el sector corchero. AdBE, Secretaria. Valores en suspenso. Legajo 2209. Boletín Oficial de la zona de Protectorado español en Marruecos. Año XVI. Núm. 17, 25 de agosto de 1928. Sobre el bornizo de Larache ver García Pereda (2014). 80 Información oral facilitada por Domingo Torrellas Colomer, hijo de Simeón Torrellas Mestres, en entrevista de fecha 24 de marzo de 2014, y fruto también de algunas cartas personales conservadas en el Archivo Aromir. 78 79 115 7.- Conclusiones Los Torrellas fueron unos de los múltiples corcheros catalanes que hicieron negocios con el corcho extremeño en las últimas décadas del siglo XIX y primeras del XX, favorecidos por la abundancia de esta materia prima en Extremadura, por la demanda catalana de corcho y por las mejoras de los medios de comunicación. Entre 1879 y los años del cambio de siglo, el corcho del norte de la provincia de Cáceres, preparado en la factoría de Serrejón y convertido en tapones en la de Tossa o vendido a otras empresas, fue el objeto de negocio de la sociedad. A lo largo de esa etapa, coincidiendo con la llamada “edad de oro del taponero”, el corcho de calidad para elaborar tapones fue el comercializado por la sociedad. Con el cambio de siglo, y con el incremento de demanda de corcho de todo tipo, los Torrellas ampliaron su radio geográfico de búsqueda de materia prima, y a lo largo de la década de 1910 se especializaron en la provisión de corcho para las grandes empresas corcheras catalanas (Manufacturas de Corcho S.A., Martín Montaner, La Corchera Internacional,...). La dinámica de crisis del sector, acentuada en los años 20 a partir de la ley seca norteamericana, y de la gran crisis alemana, provocó el colapso de ambas empresas y su caída en 1923. Atrás quedaron los rastros históricos de una empresa familiar singular, con una estrategia productiva y comercial especial y original, cuyas actividades económicas, muy diversas inicialmente, acabaron desembocando prioritariamente en el abastecimiento de corcho a las principales empresas transformadoras catalanas. Con todo, no estamos en disposición de ofrecer conclusiones definitivas más allá de las impresiones que acabamos de exponer. Éstas tendrán que esperar a la finalización de la investigación, todavía en curso, que estamos realizando sobre esta empresa familiar y su contribución al desarrollo del negocio corchero en Extremadura y Cataluña. 116 Fuentes Archivos y fondos documentales – Arxiu Comarcal del Baix Empordà (ACBE). Fondo notarial – Arxiu Comarcal de la Selva (ACSE), Fondo notarial – Archivo del Banco de España (AbdE), Secretaría – Archivo Histórico Provincial de Cáceres (AHPC), Fondo notarial – Archivo Histórico Provincial de Salamanca (AHPS), Fondo notarial – Arxiu Històric de Protocols de Barcelona (AHPB), Fondo notarial – Arxiu Municipal de Llagostera (AMLLA). Fondo Francisco Coris Mundet – José Raset Sastre – Museu del Suro de Palafrugell, Centro de Documentación. Fondo Armstrong – Servei de l’Arxiu Municipal de Palamós (SAMP), Fondo Montaner – Servei de l’Arxiu Municipal de Lloret de Mar (SAMLR), Fondo Pujol Hermanos –Arxer Hermanos– José Moré Comisiones y Representaciones 117 Bibliografía – Borrallo, J. A. (1909): Producción, industria, comercio y defensa corcho-taponera, J. Santigón imp., Sevilla. – García Pereda, I. (2014): “Cortiça em Marrocos. A excursão florestal de Octavio Elorrieta em 1933”, Documentos de Trabajo de la Sociedad Española de Historia Agraria, Núm. 1414. – Medir, R. (1953): Historia del gremio corchero, Alhambra, Madrid. – Parejo, F. M. (2010): “El negocio del corcho en España durante el siglo XX”, Estudios de historia económica del Banco de España, 57. – Parejo, F. M.; Faísca, C. M.; y Rangel, J. F. (2013): “Los orígenes de las actividades corchera en Extremadura: El corcho extremeño entre catalanes e ingleses”, Revista de Estudios Extremeños, LXIX (I), 455-484. – Sala, P. (2003): Manufacturas del corcho S.A. (antiga Miquel & Vincke). Líder de l´exportació industrial española (1900-1930), Museu del Suro, Palafrugell. – Sánchez Marroyo, F. (1993): Dehesas y terratenientes en Extremadura. La propiedad de la tierra en la provincia de Cáceres en los siglos XIX y XX, Asamblea de Extremadura, Mérida. – Sánchez Marroyo, F. (1996): “Los catalanes en la Extremadura del siglo XIX. La edad de oro del negocio corchero” en Pérez Picazo, María Teresa, Segura Mas, Antoni, Ferrer Alòs, Llorenç Els catalans a Espanya, Barcelona, Universitat de Barcelona i Generalitat de Catalunya, 193-211. – Zapata, S. (2002): “Del suro a la cortiça. El ascenso de Portugal a la primera potencia del mundo”, Revista de Historia Industrial, 22, 109-137. – Zucchitello, M. (2013); En mar i en terra. Una història de Tossa i la seva gent (1186-1835), Centre d’Estudis Tossencs, Tossa de Mar. 118 A Mundet e o acesso ao "filão da boa cortiça". O abastecimento de matéria-prima às fábricas Mundet (1905 - 1988) Mundet and access to "lode of good cork". The supply of raw materials to Mundet factories (1905-1988) Fátima Afonso Ecomuseu Municipal do Seixal [email protected] – Resumo: Com uma dimensão mundial e produzindo uma grande variedade de produtos, era de crucial importância para a corticeira Mundet, em atividade no concelho do Seixal, entre 1905 e 1988, a aquisição de matéria-prima adequada aos diversos fins. O presente trabalho visa assim apresentar as estratégias industriais e os meios utilizados pela Mundet no acesso à matéria-prima portuguesa, garantindo o domínio do “filão da boa cortiça” e assegurando o aprovisionamento de cortiça em qualidades e quantidades bastante para satisfazer as necessidades de matéria-prima indispensável ao incremento das várias unidades fabris que a empresa detinha, não só em Portugal, como no estrangeiro (nos E.U.A., no Canadá e em Inglaterra), condição essencial para alicerçar uma estratégia de consolidação e de supremacia da empresa no negócio corticeiro internacional. – Palavras-chave: montado de sobro; compra de cortiça; indústria corticeira. 119 – Abstract: With worldwide reach and producing a wide range of products it was crucial for the Mundet cork enterprise, operating in Seixal, between 1905 and 1988, the acquisition of raw materials suitable for various purposes. This study aims to present the industrial strategies and the means used by the Mundet in access to Portuguese principal source of raw materials, ensuring the dominance of the “mother lode of good cork” and the enough supply of quality and quantity cork to meet the needs of raw materials vital for the industrial activity of several factories that the company had not only in Portugal but also abroad (U.S.A., Canada and England), necessary requirement to support a strategy of consolidation and supremacy of the cork company in the international business. – Keywors: cork oak forest; purchasing cork; cork industry. 1.- Introdução A história empresarial da Mundet, em atividade em Portugal entre 1905 e 1988, encontra-se interligada com o fenómeno da internacionalização do negócio corticeiro, abrangendo países situados longe das áreas de produção suberícola. Partindo de uma abordagem histórica, que se cruza com alguns dados da relação familiar que alicerçava o negócio corticeiro Mundet, numa primeira parte do trabalho iremos circunscrever a nossa análise às estratégias desenvolvidas pela empresa para garantir o domínio da cortiça portuguesa, conjugando as qualidades e as quantidades necessárias aos objetivos de abastecimento de matéria-prima destinada às várias unidades industriais Mundet, procurando alicerçar uma estratégia de consolidação internacional da empresa no negócio corticeiro. Entre as estratégias de acesso e apropriação da cortiça portuguesa, destacaremos a instalação de um sistema de estabelecimentos fabris da Mundet em territórios de produção suberícola e de unidades transformadoras, e a organização de um eficaz sistema de informação sobre as diferentes regiões produtoras de cortiça. Este sistema de informação permitia à empresa realizar uma previsão sobre os vários tipos e qualidades de cortiça disponíveis nos montados nas próximas campanhas de descortiçamento. 120 Empresa de base familiar, procuraremos ainda compreender até que ponto a transmissão familiar de liderança do negócio e a desarticulação da organização internacional da Mundet, no início da década de 1960, se refletiram na estratégia industrial da Mundet & C.ª, Lda., em Portugal. 2.- A mundialização do negócio corticeiro Mundet À data da instalação da fábrica corticeira da L. Mundet & Sons no Seixal (1905), a empresa de origem catalã tinha já em laboração um estabelecimento industrial em Brooklyn - Nova Iorque (E.U.A.)1. Passados quinze anos, a Mundet detinha uma segunda unidade fabril destinada à indústria corticeira de aglomerados, em Hillside - Nova Jérsia (E.U.A.). A Mundet & C.ª, Lda. (1922) foi sucessora, em Portugal, da L. Mundet & Son, Inc. empresa que, fundada em 19082, desenvolveu a sua atividade industrial e comercial nos Estados Unidos da América. Na década de 1930, a empresa americana sedeada em Nova Iorque passa a designar-se Mundet Cork Corporation (Afonso e Ferreira 2011, 282). Conquanto a empresa Mundet & C.ª, Lda. fosse autónoma, podemos considerar o grupo de sociedades da Mundet (plurilocalizadas nos continentes americano, europeu e africano) como um projeto económico de grande dimensão –o negócio corticeiro Mundet– alicerçado em relações familiares, de tal modo que a empresa familiar se tornou um símbolo da família e a família se tornou um símbolo da empresa (Lima 2003, 24). Ao longo da sua história, as posições que os membros da família Mundet ocuparam na hierarquia da empresa, refletiram as relações de autoridade existentes no seio da própria família. Em carta de 18 de outubro de 1928, enviada a Luíz Gubert y Capellà, sócio e gerente da Mundet & C.ª, Lda., José Mundet afirmava que as fábricas de enfardar estabelecidas na Europa funcionavam em benefício das unidades transformadoras que a empresa detinha no continente Após a aquisição de uma nova fábrica da Mundet Cork Corporation, em North Bergen - Nova Iorque (1946), a unidade industrial de Brooklyn terá sido vendida. 2 Em 1908 deu-se a dissolução da sociedade L. Mundet & Sons, Inc., na sequência da autonomização do ramo de negócio gerido por Artur Mundet, no México. 1 121 americano. Podemos assim considerar que a principal motivação para o estabelecimento de uma fábrica corticeira da Mundet em Portugal, terá sido a ampla oferta de matéria-prima necessária ao provimento das unidades fabris que a empresa mantinha no estrangeiro e, em especial, na América do Norte. Ao instalar-se no nosso país, a Mundet reduziu os encargos inerentes ao transporte de matéria-prima portuguesa para a Catalunha (Espanha) e continuou a beneficiar de facilidades quer na aquisição de produtos subsidiários à indústria corticeira, quer no escoamento da produção através do porto de Lisboa, onde a exportação de prancha e de outros produtos corticeiros não encontrava obstáculos ou pesados encargos. Em 1938, Joseph Mundet Jr., sócio maioritário (após a passagem filial de ações nas empresas em que José Mundet tinha sido, até então, acionista principal), em carta dirigida à Mundet & C.ª, Lda., de 9 de agosto do referido ano, ao mesmo tempo que procurava legitimar o processo de continuidade familiar através da transmissão da liderança do negócio Mundet3, afirmava que o sucesso do negócio da cortiça Mundet se alicerçava na coesão das várias companhias, localizadas na Europa e na América do Norte, que deviam funcionar como um todo. Esta relação comercial de subsidiariedade e complementaridade económica, técnica e industrial terá sido consolidada ao longo do tempo, pelo facto dos sócios maioritários e gerentes da sociedade portuguesa –José Mundet, entre 1905 e 1938, e o seu filho, Joseph Mundet Jr., a partir de 1938–, o terem sido também nas sociedades norte-americanas. Afigura-se-nos, pois, estar assim perante um caso de sociedades coligadas em relação de domínio4, ou seja, embora independentes, funcionaram sob uma orientação estratégica comum exercida pela companhia americana, mercê da participação maioritária de membros da família Mundet quer no capital, quer nos órgãos de gestão da Mundet & C.ª, Lda. Este predomínio no capital da sociedade portuguesa terá dado origem à ascendência daqueles sócios maioritários, pelo que a empresa terá funcionado, durante um certo período, sob a superintendência estratégica da Mundet Cork Corporation (E.U.A.), então uma das maiores empresas No início dos anos 20, José e Minna Mundet adotaram Joseph John Mundet Jr. e, mais tarde, designam-no seu herdeiro. 4 Cf. Art.º 486 do Código das Sociedades Comerciais. 3 122 transformadoras de cortiça5. Para além da Mundet Cork Corporation ter sido um dos mais importantes clientes da Mundet instalada em Portugal, foi, até meados da década de 1960, o seu principal distribuidor de produtos, sobretudo, para os E.U.A. e para vários países localizados na América Central e do Sul. A título de exemplo, importa referir que em julho de 1938, em resposta ao inquérito da Direção Geral das Industrias, no que se refere especificamente à Fábrica da Mundet (Seixal), a empresa afirmava produzir anualmente 57 540 milhões de fardos de aparas e 476 160 milhões de fardos de prancha6. Contudo, em 1951, para além das seis unidades industriais que detinha em Portugal –em Amora (concelho do Seixal), Seixal, Montijo, Ponte de Sor, Mora e Vendas Novas–, o negócio corticeiro Mundet encontrava-se organizado em diversas empresas e estabelecimentos fabris localizados no estrangeiro: Mundet Cork Corporation, com fábricas em North Bergen e Hillside, Nova Jérsia - nos E.U.A.; Mundet Cork & Insulation Ltd., com fábricas em Montreal e Toronto –no Canadá; e Mundet Cork Products Ltd., com fábrica em Croydon, Surrey– em Inglaterra, produzindo uma gama variada de produtos em cortiça natural e aglomerada, e mantendo uma rede comercial de projeção mundial. Mas, de que modo é que a Mundet garantia anualmente o aprovisionamento de grandes quantidades de cortiças com valor industrial, adequadas à diversidade de produtos que eram produzidos nas suas unidades industriais, algumas das quais localizadas em regiões não produtoras de matéria-prima? A partir de uma abordagem histórica, procuraremos apresentar de seguida os meios a que a empresa recorreu para procurar garantir o domínio da matéria-prima portuguesa. Esta ascendência da companhia americana foi assumida em alguns momentos da história da Mundet (Portugal) quando, em situações de conflito sócio laboral, se hasteava a bandeira americana na fábrica. As embarcações da sua frota privativa de transporte de cortiça evidenciavam-se pelos símbolos da bandeira americana pintados no calcês do mastro, distanciando-se assim das pinturas tradicionais dos barcos do Tejo. 6 A Fábrica da Mundet (Seixal), para além da sua própria produção, recebia ainda os fardos de cortiça provenientes de todas as outras fábricas Mundet em laboração em Portugal, procedendo depois à sua exportação. 5 123 3.- As estratégias de domínio e aprovisionamento de matéria-prima Nos primeiros anos do seu funcionamento, de acordo com os livros de Diário da L. Mundet & Sons, entre 1906 e 1908 a aquisição de matéria-prima para aprovisionamento da Fábrica da Mundet (Seixal) era adquirida nas regiões centro e sul do país –Rossio ao Sul do Tejo (Abrantes); Chamusca (Santarém); Ponte de Sor e Amieira (Portalegre); Castelo Branco; Lavre (Montemor); Lisboa; Barreiro, Moita, Alcácer do Sal e Grândola (Setúbal); Ameixial (Estremoz); Vendas Novas, Portel e Azaruja (Évora); Cuba (Beja) e Silves (Faro) (Filipe et al. 2010, 32)– sendo posteriormente transportadas até à Fábrica da Mundet (Seixal), sede do negócio em Portugal, quer por via ferroviária, quer por via fluvial. A criação de um sistema de informação sobre cortiça terá sido iniciada nesses primeiros anos de instalação da empresa em Portugal, reportando-se o registo mais antigo à herdade de Vale de Reis, concelho de Alcácer do Sal, com a aquisição, em 1908, de 60 000 arrobas de cortiça amadia. 3.1.- O sistema de informação sobre a cortiça Não tendo sido identificada, até ao momento, qualquer herdade de sobro que tenha sido adquirida ou arrendada pela Mundet, tudo indica que o aprovisionamento de matéria-prima se baseava num trabalho de prospeção em diversas zonas geográficas do país. 124 Figura 1.- Produção da cortiça portuguesa - delimitação das zonas produtoras (c.1960?) Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda. 125 Os trabalhos de prospeção organizam-se em quatro regiões designadas pela Mundet, Chamusca, Mora, Sado e Ponte de Sor, que integravam o que a Mundet considerava ser o “filão da boa cortiça”. Definidas em meados da década de 1960, estas áreas não terão sofrido alterações até ao encerramento da atividade industrial da Mundet, em 1988 O “filão da boa cortiça” era constituído por um largo corredor que, cortando longitudinalmente o país com uma orientação dominante sudoeste - nordeste, abrangia administrativamente os distritos de Setúbal, Évora, Portalegre, Santarém e uma franja reduzida do distrito de Castelo Branco (correspondendo a áreas territoriais de influência de parte da bacia hidrográfica do rio Sado, sul da bacia hidrográfica do rio Tejo e da sub-bacia do Sorraia). Um meio que demonstrou ser fundamental ao domínio e à aquisição da produção de cortiça portuguesa foi a organização de um sistema eficaz de informação, periodicamente atualizado, sobre as diferentes regiões produtoras, as herdades, os sobreiros e o tipo de cortiça (classificada em fraca, regular ou boa) produzida por cada produtor florestal, permitindo à empresa avaliar sobre os vários tipos e qualidades de cortiça disponíveis nos montados após os nove anos de criação, bem assim como a previsão sobre as quantidades de matéria-prima que se estimavam poder vir a ser adquiridas, elementos imprescindíveis para o planeamento das próximas campanhas de descortiçamento. O acesso à matéria-prima e a garantia da sua posse, conjugando as qualidades e as quantidades necessárias aos objetivos da empresa (quer a nível nacional, quer para abastecimento das suas congéneres Mundet localizadas no estrangeiro, quer ainda para venda a industriais corticeiros, aos quais a empresa servia de intermediário), constituía a base do negócio corticeiro. Em termos funcionais e considerando a grande diversidade de fabricações da Mundet, terá existido uma importante articulação entre as diferentes fábricas da empresa a nível internacional e o sector de compras de cortiça centralizado na Fábrica da Mundet (Seixal). Esta articulação tinha como objetivo não só a aferição de critérios de classificação de cortiça em termos de calibres e classes necessários à produção industrial, como também evitar a acumulação de stocks sem utilização corrente, visando ainda informar a gerência da empresa da falta de stock livre positivo de cortiça suficiente e capaz de satisfazer as encomendas em carteira. 126 O serviço de compra de cortiça baseava-se na ação dos seus empregados e escolhedores de prancha da Mundet que, instruídos das necessidades da empresa e detentores de conhecimento empírico sobre as características e as qualidades da cortiça e do seu valor industrial, se deslocavam periodicamente às regiões suberícolas. A prospeção das cortiças fazia-se fundamentalmente durante os meses de junho e julho, coincidindo com o período de descortiçamento. Figura 2.- Equipa do mato da Mundet, 1962 Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda. As informações e impressões recolhidas pelas equipas do mato eram compiladas e registadas numa ficha síntese concebida pela Mundet para reunir os dados fornecidos anualmente, informação fundamental a uma boa gestão da política de compras. 127 Pretendia-se deste modo conhecer e registar as características de cada herdade de sobro onde se fazia prospeção das cortiças, coligindo-se informações sobre o tipo de terreno em que se localizava o montado, a facilidade de saída e de transporte da partida de cortiça, o revestimento do terreno, o tipo de arvoredo e de povoamento, o tipo de podas e de extrações a que as árvores tinham sido sujeitas, bem como as características e defeitos da cortiça. O conjunto de informações reunido nas sucessivas campanhas do mato foi fundamental para a construção de um sistema de informação e para o conhecimento sobre o universo da cortiça em Portugal, permitindo localizar o “filão da boa cortiça”. Os milhares de registos de compras de cortiça arquivados ao longo de quase toda a existência da Mundet & Cª, Lda. (relativos ao período entre 1908 e 1976, sendo raros os indicadores de compras dos primeiros anos, bem como do período pós-25 de Abril), revelam-se assim de grande interesse. Entre as fontes documentais da Mundet reportadas à relação da empresa com as áreas de produção suberícola nacional, salientamos os designados “índice de concelhos” e o “índice de compras”. Figura 3.- Fonte: Dados tratados a partir de informação existente no fundo documental Mundet & C.ª, Lda. - Índice de concelhos (1908-1976). Carrasco 2000, 3. 128 O índice de concelhos é um ficheiro de registo das herdades com montados de sobro onde a Mundet realizava periodicamente as suas sondagens, organizado por distritos e por concelhos, encontram-se ali registadas mais de 7 300 propriedades. Através da sua análise, conclui-se que cerca de 82% do total das herdades onde a Mundet fazia periodicamente prospeção, encontram-se localizadas nos distritos de Santarém, Évora, Portalegre e Setúbal (Carrasco 2000, 3). Para o período considerado (1908 - 1976), dispomos de uma outra fonte –o índice de compras, composto por cerca de 1 400 herdades– contendo o registo das propriedades onde a Mundet & Cª, Lda. se abastecia de matéria-prima, com informação sobre os tipos e as quantidades de cortiça adquirida. Figura 4.- Fonte: Dados tratados a partir de informação existente no fundo documental Mundet & C.ª, Lda. - Índice de compras (1908-1076). Comparando os dados provenientes do índice de concelhos com o volume de compras de cortiça efetuadas pela empresa durante o mesmo 129 período (informação patente no índice de compras), verificamos que os distritos onde se concentrava um maior número de herdades prospetadas pela empresa, foram também aqueles onde a Mundet procedeu à aquisição de um maior volume de cortiças – 85,6% do total de cortiça adquirida pela Mundet entre 1908 e 1976, foi obtida nos distritos de Santarém (33,5%), Évora (30,7%), Portalegre (21,4%) e Setúbal (13,1%). Se considerarmos o volume de compras efetuado por concelho, destacam-se como principais municípios abastecedores, o de Coruche (15,8%), seguido de Montemor-o-Novo (13,6%), Ponte de Sor (11,8%), Santiago do Cacém (11,7%) e Odemira (9,9%). Naturalmente, o interesse em acompanhar o desenvolvimento da cortiça nas herdades onde habitualmente a empresa adquiria a matéria-prima mais adequada às suas necessidades, repercute-se na quantidade e qualidade da informação, metodicamente organizada e atualizada nas fichas. Este conjunto de informações era enviado para o sector de compras, servindo de base às opções de compra da empresa. O serviço de compra de matérias-primas era um sector fundamental para a prosperidade do negócio, nele laboravam gerentes e empregados, detentores de um perfeito conhecimento do mercado. Para além da cortiça amadia em prancha, a Mundet exportava cortiças para trituração adquiridas quer em montado (o índice de compras regista, entre 1908 e 1976, a aquisição de 32 887 toneladas7 deste material: refugo, bocados, falca, cortiça queimada e virgem, resultando em cerca de 8% do total de cortiças obtidas em áreas de produção suberícola), quer, sobretudo, grandes quantidades de aparas e de outras cortiças residuais das transformações industriais (os fracos, o refugo e os desperdícios) realizadas nos seus estabelecimentos fabris, matéria-prima para a indústria corticeira de aglomerados. Até à década de 1930, a Mundet & C.ª, Lda. terá sido a única fornecedora de aparas de cortiça da sociedade norte-americana Mundet. De forma a uniformizar os dados referidos ao longo do texto, procedemos à equivalência entre os valores em arrobas (tal como se encontram nos registos da empresa e que foram trabalhados nos gráficos que apresentamos) e toneladas, unidade de medida divulgada nos relatórios e estatísticas, elaborados pela Mundet 7 130 De acordo com os dados da estatística interna de exportação da empresa, destinados a informar a Junta Nacional de Cortiça (organismo de coordenação económica para o sector da cortiça, criado em 1938), em 1937 a empresa exportou um total de 12 984 toneladas de aparas, valor que no ano seguinte ascendeu a 61 006 toneladas. A partir de 1939, há uma redução significativa para 6 432 toneladas, não se voltando a verificar valores de exportação de aparas de cortiça similares aos anteriormente apurados. 3.2.- Do montado à fábrica Proveniente de várias herdades, a cortiça era reunida em terrados ou armazéns de retém arrendados, situados em locais de fácil escoamento e transporte da produção suberícola (entre outros, Alcácer do Sal, Chamusca, Coruche, Lavre, Vendas Novas). Nas primeiras décadas de atividade da empresa em Portugal, num período anterior ao desenvolvimento das vias rodoviárias e à construção das travessias sobre o rio Tejo, o tráfego fluvial desempenhou um papel basilar no transporte da cortiça adquirida em zonas de montado até à Fábrica da Mundet (Seixal). A navegação fluvial de tráfego de mercadorias, entre as quais a cortiça, utilizava os portos de Rossio de Abrantes, Vila Nova da Barquinha (mais tarde, com o advento do caminho de ferro, está última será preterida, passando o Entroncamento a ser o principal ponto de embarque de mercadorias) e Constância8. Não sendo servida por via-férrea, a Chamusca foi também um porto de eleição para o tráfego fluvial, dispondo do designado “Porto da cortiça”, embarcadouro especializado naquela matéria-prima. Em 1938, a Mundet arrendou esta propriedade9, composta por terreno, armazém de materiais e casa de habitação para o empregado que supervisionava o transporte, a pesagem e as cargas e descargas dos barcos. A viagem fluvial entre Rossio de Abrantes e Lisboa levava em média de dois a quatro dias a percorrer. Este tráfego fluvial cessa no período pós-II Guerra Mundial (Gaspar 1970, 187). 9 A Mundet sucede à firma H. Bucknall & Sons, Ltd. no arrendamento da propriedade. Mais tarde, este terreno passa a ser propriedade da Sociedade Ribatejana de Cortiças, Lda. 8 131 Ao contrário de outros portos do rio Tejo, cujo tráfego declinou com o desenvolvimento do transporte ferroviário, o Rossio de Abrantes beneficiou da implementação da via ferroviária. Um grande volume de cortiças proveniente do Alto Alentejo (muita dessa cortiça concentrava-se, numa primeira fase, em Ponte de Sor, seguindo depois o seu percurso de comboio) chegava à gare do Rossio de Abrantes, e seguia depois de barco até Lisboa (Gaspar 1970, 186). Em pleno estuário do Tejo eram utilizados os cais acostáveis das fábricas da Mundet, em Seixal e Montijo, para descarregar a cortiça. A unidade fabril do Montijo constituiu, ao longo do seu período de laboração (1921-1988), um ponto de apoio –graças à proximidade do caminho-de-ferro ao cais acostável da fábrica– na movimentação das mercadorias vindas das fábricas do norte Alentejo e em trânsito, supervisionando o transbordo da cortiça do caminho-de-ferro para o transporte fluvial. Com o desenvolvimento da rede ferroviária nacional, a Mundet & Cª, Lda., em determinadas fases da sua atividade, armazenou cortiça em depósitos localizados nas proximidades das estações de caminho-de-ferro. Os terrenos melhor localizados junto às gares eram, frequentemente, objeto de grande concorrência entre as empresas corticeiras. A ocupação do terreno, por períodos de seis a doze meses, era remunerada de acordo com a sua distância em relação à estação de caminho-de-ferro para expedição dos produtos e em correspondência à carga estimada. Em 1940, a Mundet arrendou um terreno da herdade da Torre de D. Diogo, junto à estação de caminho-de-ferro do Lavre (Montemor-o-Novo), para depósito de cortiças. Passados dois anos, alugou um depósito, na Quinta dos Mártires, junto à estação de Alcácer do Sal. Entre 1947 e 1948, a Mundet reorganiza os depósitos de cortiça que detinha em várias localidades, reduzindo o número de terrados e armazéns de retém de cortiças. Na sequência desta reorganização, no final de 1947, foi encerrado o depósito de cortiça que até então mantinha na Chamusca. As declarações anuais da empresa à Direção Geral das Contribuições e Impostos, reportado ao período entre 1948 e 1963, identificam, no primeiro ano de referência, a existência de armazéns de retém na Quinta da Trindade (beneficiando do ramal ferroviário privado Seixal - Trindade, no concelho do Seixal), na Quinta Grande (concelho de Coruche), no Lavre (concelho de Montemor-o-Novo), em Alcácer do Sal e Lisboa. 132 A partir de 1953, o estabelecimento industrial da Mundet em Vendas Novas passou a funcionar como depósito da empresa, porém, passados cinco anos, cessou o seu arrendamento. A partir de 1958, o único depósito da Mundet encontrava-se instalado na Avenida de Paris, em Lisboa. 3.3.- As Fábricas da Mundet no Alentejo. A unidade fabril pontessorense A necessidade de preparar grandes quantidades de cortiça de diferentes proveniências, possibilitando a concentração de volumes apreciáveis de cada uma das classes e calibres exigidos pelas necessidades internas da empresa portuguesa e das congéneres Mundet instaladas no estrangeiro, terá levado à instalação de unidades industriais em região de produção suberícola. Definida a área do “filão da boa cortiça” para aprovisionamento de matéria-prima, a Mundet vai instalar no seu âmago as unidades industriais para preparação e armazenamento de cortiças provenientes do mato –Mora (1914), de Ponte de Sor (1927) e de Vendas Novas (1949)–, permitindo-lhe mais facilmente, e em articulação com os depósitos de cortiça, explorar os recursos suberícolas disponíveis. Figura 5.- Pilhas de cortiça na Fábrica da Mundet em Mora (c. 1950?) Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda. 133 As fábricas instaladas em Mora e em Ponte de Sor funcionaram ainda como “entrepostos avançados da empresa em regiões suberícolas por excelência, de onde partiam as equipas técnicas” (Carrasco 2000, 13) sendo, simultaneamente locais onde as cortiças provenientes do mato podiam ser preparadas e armazenadas. Para melhor compreensão da importância das fábricas preparadoras instaladas no norte Alentejo, tomaremos como exemplo a Fábrica da Mundet (Ponte de Sor), enquadrando o seu funcionamento no sistema integrado de unidades preparadoras e transformadoras da Mundet. Em 1927, a Fábrica da Mundet n.º 11 –estabelecimento industrial de preparação de cortiças em Ponte de Sor10–, instala-se no lugar do Rato ou Ónias11. Anteriormente à aquisição da propriedade pela Mundet, o terreno terá pertencido a Tomas Gatius, Lda. que, por sua vez, tinha adquirido a propriedade, em 1923, à Sociedade Nacional de Cortiças (ali instalada desde 1902). Figura 6.- Fachada principal da Fábrica da Mundet na Rua Dom José Mundet, em Ponte de Sor (c. 1950?) Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda. Apesar de desconhecermos os critérios que serviram de base à atribuição desta numeração, em 1950 a Mundet detinha cinco fábricas no estrangeiro e seis em Portugal. De acordo com inscrição pintada nas fachadas dos estabelecimentos, à Fábrica da Mundet (Mora) correspondia o n.º 4, e à de Ponte de Sor o n.º 11. 11 À Fábrica da Mundet (Ponte de Sor) foi atribuído o alvará n.º 11 475, de 9 de dezembro de 1927. 10 134 Ocupando uma área total de 46 169 m2, o terreno era atravessado pelo ribeiro do Padrão ou das Ónias. A propriedade encontrava-se organizada em duas áreas: o recinto de fabricação e uma outra área, de maior extensão, de exploração agrícola, composta por terras de semeadura, com oliveiras, sobreiros e árvores de fruto. Na planta topográfica mais antiga existente no Fundo Documental Mundet / Ecomuseu Municipal do Seixal, presumivelmente elaborada nos anos 30 do séc. XX, verificamos que, para além das instalações reportadas à escolha e ao cozimento da prancha de cortiça, existia uma oficina de quadração, junto aos antigos escritórios e ao portão principal da fábrica, provavelmente para aproveitamento de bocados e aparas grossas de cortiças, para produção de quadros destinados ao fabrico de rolhas. Figura 7.- Planta e alçado da Fábrica da Mundet em Ponte de Sor (c. 1930?) Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda Outra das produções da fábrica terá sido a lã de cortiça para enchimento de edredons e colchões (registada, em 1938, no livro de escrituração), o que indicia a presença de maquinaria para trituração de aparas. 135 Em 1947 foi ampliado o armazém de escolha de prancha e instalam-se, por imposição da 4ª Circunscrição Industrial da Direção Geral das Industrias, balneários e refeitórios para o pessoal (a fábrica empregava então 132 trabalhadores). Hermínio Lopes Castilho (1907-1969), desenhador e chefe da divisão técnica da empresa (Seixal 2003, 9-10), sedeada no Seixal, foi o autor do projeto dos refeitórios. Nesse mesmo ano, a gerência atribuiu fundos para o lactário de Ponte de Sor, entidade que dava assistência a sete crianças, filhos de operários da Mundet. Para além deste apoio social, os trabalhadores dispunham da Caixa de Previdência do Pessoal da Firma Mundet & C.ª, Lda. constituída em 1942 –a primeira organização deste tipo em Portugal no âmbito da indústria corticeira– abrangendo na sua ação os empregados e operários assalariados com carácter permanente de todas as unidades fabris e depósitos da empresa (atingindo um total de 4 246 beneficiários no primeiro ano de funcionamento), sendo os benefícios extensíveis a elementos da família a seu cargo. Após visita às fábricas de Mora e Ponte de Sor, em abril de 1948, António Iglésias y Cruz (sócio gerente então encarregue das fábricas do Alentejo) refere: “Duma forma geral trabalhava-se já nestas fábricas numa base muito certa e esperava que já neste verão, na altura das novas compras, tudo corresse muito melhor até poder atingir uma boa organização em 1949. (…) Em Ponte de Sor as obras devem ficar concluídas até final de maio e sem dúvida nenhuma ficará uma fábrica muito bem instalada para a preparação de cortiça em prancha”12. Cf. Livro de Actas da Gerência da Mundet & C.ª, Lda. Lv. I, 19 de Abril de 1948, pp. 14 - 14a. 12 136 Figura 8.- Recinto da fabricação da Fábrica da Mundet em Ponte de Sor (c. 1940?) Fonte: Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda. Nesse mesmo ano, foi instalada a linha Decauville, com três placas giratórias e material circulante constituído por seis vagonetas e duas zorras grandes puxadas a muares, para transporte de cortiça. Em 1949 foi construído um edifício para instalação das novas caldeiras de cozer cortiça, de acordo com o projeto do técnico de engenharia catalão Telmo Trill Cals13, indiciando uma maior capacidade de preparação de cortiça. Admitido na empresa em 1936, Telmo Trill foi responsável pelos serviços técnicos de mecânica da Fábrica da Mundet (Seixal) no que respeita à área de projeto de construção e instalação de máquinas corticeiras e equipamentos complementares. Para além destes casos, terá existido um Temo Trill Cals (1885-1960) foi um dos responsáveis da empresa catalã Talleres Trill de Palafrugel, especializada na construção de máquinas para a indústria corticeira. 13 137 importante apoio técnico ministrado por pessoal especializado da sede (Seixal) que, transitoriamente, era deslocado para a unidade fabril potessorense, prestando apoio à instalação de novas oficinas e equipamento, ou supervisionando as equipas de prospeção e compra de cortiças no mato. No início da década de 1950, as instalações fabris foram ampliadas de modo a acolher a instalação de novas máquinas corticeiras. Sobre esta situação, nos dá conta o testemunho de um dos trabalhadores da fábrica, publicado no jornal local Ecos do Sor, a 30 de março de 1955: “A fábrica onde trabalho (…) ali para as Ónias (…) é justamente considerada o baluarte n.º 1 da indústria do nosso meio. Suas condições de higiene satisfazem plenamente, desde os espaçosos e confortáveis vestuários e balneários, à pureza do ar que se respira em todo o estabelecimento (…)”. Em 1958, para além da área destinada a aproveitamento agrícola e florestal e respetivos equipamentos (casa da horta, galinheiro e celeiro14) e das dependências para habitação do pessoal deslocado, a propriedade integrava o recinto de fabricação constituído por: escritório da empresa, edifícios do gerador de vapor e das caldeiras de cozer, oficina de quadradores, armazéns de recorte, escolha e classificação de prancha, barracão para enfardamento da prancha, armazéns para recolha de aparas, prancha e produtos acabados, barracão para recolha de fardos e redes, depósito de cortiças, garagem e cocheira. A fábrica encontrava-se ainda apetrechada com carpintaria e serralharia. Ao analisarmos os equipamentos existentes na fábrica, podemos facilmente depreender, quer pela existência de dez balanças romanas e de oito prensas do mato, relacionadas com a aquisição de cortiça e transporte para a fábrica, quer pela presença de tanques para cozer cortiça e de prensas de enfardamento de prancha cozida, o papel preponderante que lhe foi destinado na organização Mundet: o de preparação industrial de cortiça. Porém, as infraestruturas energéticas descritas no Boletim de Cadastro Industrial, a 20 de fevereiro de 1956 –caldeira geradora de vapor Os livros de escrituração da empresa referem que, em 1938, a empresa vendeu aguardente produzida nas instalações. 14 138 Argibay, de timbre 8 kg/1cm2, máquina a vapor de êmbolo Robey & Co., Ltd., de 6 cv de potência, trabalhando em complementaridade com alternador A. Van Keick, de 7,5 kVA–, deixam adivinhar a existência de uma pequena central termoelétrica na fábrica, para acionamento das máquinas corticeiras, por corrente produzida no próprio estabelecimento15. Podemos assim considerar que, em especial a partir de finais da década de 1940, os produtos que se obtêm na fábrica não se resumiam apenas à prancha preparada e selecionada (que, contudo, continuava a dominar), mas antes concilia a atividade preparadora com a transformadora de cortiça. Este aspeto encontra-se confirmado na lista de máquinas que integra o processo de venda da fábrica, do início da década de 1960, a qual se refere à existência de 49 garlopas, 23 brocas a pedal, 4 máquinas de rebaixar e 6 máquinas de marcar rolha, destinadas à indústria rolheira. Ao longo do seu período de atividade, a fábrica pontessorense terá produzido prancha, lã de cortiça, quadros e rolhas. Tendo iniciado a sua atividade, em 1927, com 30 trabalhadores (Faísca 2014, 9), no Boletim de Cadastro Industrial de 20 de fevereiro de 1956, o pessoal ao serviço era constituído por 85 homens e 5 menores, empregados no enfardamento no mato e no transporte da matéria-prima para a fábrica. Nas oficinas fabris, após cozimento, a prancha era empilhada, traçada, recortada, escolhida e classificada para posterior utilização, sendo de novo enfardada para expedição, com destino à Fábrica da Mundet (Seixal). Esta centralizava toda a produção das fábricas da Mundet do norte Alentejo, quer para o seu próprio abastecimento de matéria-prima, quer para exportação da restante cortiça em prancha. Nunca chegando a ultrapassar a centena e meia de trabalhadores, a fábrica viu progressivamente decrescer o seu número de operários. No ano de 1953, a fábrica ocupava 89 operários, que trabalharam ao longo do ano cerca de 2 700 toneladas de matéria-prima em prancha. No final da década de 1950, o seu quadro de pessoal encontrava-se reduzido a 52 trabalhadores. 15 Todos os motores, máquina a vapor e alternador foram vendidos em novembro de 1958, pelo que depreendemos que, a partir deste ano, a fábrica passou a depender integralmente da rede de distribuição de energia elétrica, fornecida pela Hidroelétrica do Alto Alentejo. 139 A fábrica pontessorense cessou a sua laboração em 1964, sendo vendida (propriedade e equipamentos industriais) a Manuel Rodrigues Pimenta, com fábrica de preparação de cortiças, a qual, por sua vez, encerrou no ano seguinte 4.- O contexto de crise corticeira nacional e a desarticulação internacional da Mudet Figura 9.- Fonte: Dados tratados a partir de informação existente no fundo documental Mundet & C.ª, Lda. - Índice de compras (1908-1076). Entre 1908 e 1976, a Mundet adquiriu nas áreas de produção suberícola portuguesa, um total de 405 715 toneladas de cortiça. Se considerarmos o gráfico (ver Figura 9), verificamos que, durante o período considerado, a matéria-prima foi adquirida num crescendo ao longo dos primeiros decénios (inclusivamente durante o período da I Guerra Mun140 dial16) até atingir, na década de 1950, as 147 441 toneladas. Na década seguinte, regista-se uma redução acentuada para 25 926 toneladas, descendo para as 5 410 toneladas adquiridas nos anos 70. Apesar do valor máximo de matéria-prima adquirida pela Mundet em Portugal ter sido atingido em plenos anos 50 do séc. XX, no decénio anterior a empresa denota já dificuldades que, associadas ao contexto de crise corticeira nacional17, se vão progressivamente agravando na década de 1960. A perda de influência em alguns mercados no período do pós II Guerra Mundial, o desenvolvimento de novas unidades industriais corticeiras melhor equipadas tecnologicamente e especializadas em determinados produtos, em países onde anteriormente não existia indústria corticeira –entre os quais salientamos a Alemanha e o Brasil–, fez diminuir o valor das exportações, verificando-se ainda uma maior concorrência aos produtos portugueses. Outro golpe foi, apesar do pré-estabelecimento de um tratado de comércio entre os dois países, a decisão unilateral do corte de 30% do valor das exportações para França. O desenvolvimento tecnológico da indústria vidreira e a mecanização do fabrico, levaram à normalização do diâmetro e do formato da mariza das garrafas. Este aspeto da normalização dos formatos e tamanhos das garrafas, associado ao aperfeiçoamento do engarrafamento mecânico das bebidas, irá refletir-se na redução de tipologias de rolhas, afetando ainda a procura de rolhas utilizadas no rolhamento manual de garrafas (em relação ao ano anterior, em 1948, a Mundet regista uma diminuição de 20% de vendas de rolhas pontudas). Ao longo da década de 1950, o desenvolvimento da embalagem em lata com aplicação, por exemplo, em refrigerantes e cerveja, fez decair a utilização de rolhas. Exportando os seus produtos para os E.U.A. a Mundet terá sido melhor sucedida durante este período, do que outras empresas corticeiras que canalizavam a sua produção exclusivamente para o mercado europeu (Noronha 1915). Em plena Grande Guerra e empregando cerca de 600 trabalhadores na sua ábrica no Seixal, em 1917 a empresa instala uma segunda unidade industrial em Amora, concelho do Seixal. 17 A 7 de abril de 1949, face aos vários problemas que afligiam a atividade corticeira portuguesa, o ministro da economia nomeia uma comissão para proceder à análise da situação e propor soluções. 16 141 Outra das dificuldades da indústria corticeira radicou-se na redução do volume de exportação de rolhas e discos de cortiça natural, pela gradual substituição desses produtos por vedantes plásticos, em alguns sectores, nomeadamente no das especialidades farmacêuticas (Afonso 2001, 64). No entanto, a crise dos sucedâneos da cortiça não se circunscreveu apenas ao sector dos vedantes, também o fabrico do papel de cortiça para revestimento dos filtros de cigarro (produto produzido pela Mundet desde 1915) foi afetado. No início da década de 1940, com o falecimento de José Mundet, fundador e principal acionista, a empresa entra num período atribulado de transmissão de liderança do negócio, tendo sido interposta por Luíz Gubert e Joaquim de Sousa uma ação judicial para dissolução da sociedade Mundet & C.ª, Lda., contra Joseph Mundet Jr.18, José Maria Genis e António Iglésias. Com sessões a decorrer no Tribunal de Iª Instância de Almada que suscitaram o interesse dos jornais da capital, a ação terminou em 1947 e teve como consequência a saída da gerência e, mais tarde da empresa, de Luíz Gubert, sócio-gerente desde 1906, e grande impulsionador do desenvolvimento da empresa portuguesa. Esta situação terá perturbado a organização e a gestão do negócio em Portugal. Para além deste conflito empresarial, as atas da gerência da Mundet & C.ª, Lda. (1947-1956) refletem a crise corticeira nacional manifestada quer pela concorrência que os sucedâneos faziam aos seus produtos corticeiros, quer pelo aumento do custo das cortiças no mato. Em 1954, a Mundet estimava precisar de adquirir 9 000 toneladas de cortiça, quantidade mínima para o seu funcionamento. Na campanha desse mesmo ano, a arroba de cortiça amadia custava cerca de 100$00, o que significava um aumento de cerca de 25% em relação ao preço médio praticado no ano anterior19. Na campanha seguinte, os preços oscilaram entre 120$00 a 150$00 a arroba20. Em 1938, José Mundet (1869-1940), sócio fundador da empresa, fez cedência de cotas da Mundet & C.ª, Lda. a Joseph John Mundet Jr., que passa a manifestar interesse em integrar a gerência da sociedade. 19 Cf. Livro de Actas da Gerência da Mundet & C.ª, Lda. Lv. III, 25 de maio de 1954, p. 41A 20 Idem, 28 de abril de 1955, p. 45. 18 142 O aumento dos custos de matéria-prima, decorrente da sua livre exportação e da grande procura nos mercados estrangeiros, teve repercussões, por um lado, na diminuição das vendas e ao nível da redução da margem de lucro, dado que os encargos fixos da indústria não baixaram proporcionalmente. Por outro lado, a diminuição da procura levou à redução de produção fabril e, consequentemente, à suspensão do trabalho nas fábricas. Sob uma nova gestão, entre 1947 e 1948, a Mundet irá procurar adaptar-se e superar a crise, através da reorganização dos seus depósitos e fábricas. Assim, a década de 1950 –apesar dos significativos montantes de cortiça adquiridos no montado e que pareciam indicar um período de pujança para o negócio– foi marcada por dificuldades conjunturais, que se irão prolongar e agravar no decénio seguinte. O falecimento de Joseph Mundet Jr., em 1962 (sócio maioritário nas sociedades Mundet, portuguesa e americana), seguido da venda da Mundet Cork Corporation21, veio precipitar a desarticulação da organização internacional do negócio Mundet e teve importantes consequências na estratégia industrial da Mundet & C.ª, Lda. (Portugal), iniciando a empresa numa nova etapa da sua história, que se distancia do período de hegemonia do negócio internacional Mundet. A desativação do sistema de unidades preparadoras e transformadoras, com a decisão de encerramento das fábricas de Mora, de Ponte de Sor e de Amora (Seixal), que se fez anunciar a partir de meados da década de 50 do séc. XX, tornou-se irreversível após a venda da Mundet Cork Corporation, seu principal cliente e, durante décadas, o seu ponto de apoio na comercialização e na projeção internacional dos seus produtos. Concomitantemente, a partir de inícios da década de 60, a Fábrica da Mundet (Seixal) verá algumas das suas áreas oficinais ampliadas de modo a receber diversos equipamentos industriais provenientes das unidades fabris entretanto encerradas. A secção de preparação, escolha e classificação da prancha –uma área de espaços amplos destinados à cortiça vinda do mato– sofre uma reestruturação quer com vista à tentativa A Mundet Cork Corporation foi adquirida pela Crown Cork & Seal Company, Inc. (Baltimore – E.U.A.), a 7 de novembro de 1963 (Lasser). 21 143 de implementação de um certo grau de mecanização neste sector, quer visando a instalação de novos armazéns e hangares para preparação de prancha, provenientes das unidades industriais entretanto desativadas. A maioria das suas produções continuará, porém, a ser caracterizada por processos de fabricação muito tradicionais, exigindo um elevado número de trabalhadores. Contudo, a fábrica adquire a fisionomia que a vai caracterizar até ao seu encerramento, em 1988. Na base do negócio, continuou a ser de fundamental importância o sistema de informação sobre a cortiça. Longe dos valores anteriormente verificados, para manter o normal funcionamento das suas fábricas –agora restringidas às unidades fabris de Seixal, Montijo (Portugal) e Croydon (fábrica instalada em 1926, em Inglaterra)–, a Mundet & Cª, Lda. necessitava de adquirir, na década de 70 do séc. XX, 7 500 toneladas de matéria-prima diversificada22 e em 1981, época de acentuada crise na empresa, de acordo com a informação do sector de compras dirigida ao conselho de gerência, reunido em 16 de abril de 1982, as compras de matéria-prima para as suas fábricas totalizavam as 9 450 toneladas. 5.- Conclusões O presente estudo procurou, através da apresentação de estratégias de aquisição da matéria-prima necessária à satisfação das necessidades do negócio internacional Mundet, fazer uma abordagem histórica de algumas das fontes empresariais da Mundet reportadas especificamente à aquisição de cortiças portuguesas. Para além da matéria-prima adquirida em Portugal, em diversos momentos da história da empresa foi necessário adquirir matéria-prima em Espanha, na Sardenha - Itália e na Argélia (norte de África). Numa estratégia concertada com a Mundet Cork Corporation para aquisição de matéria-prima, a Mundet & C.ª, Lda. foi a principal impulsionadora da criação, na década de 1920, das empresas afiliadas Corchos Mundet España, SA. e Mundet África, SA., com fábricas de laboração temporária, Cf. Acervo documental Mundet & Cª, Lda., Abastecimento de matéria-prima, 23 de Novembro de 1977. 22 144 respetivamente em San Vicente de Álcantara e em Djidjelli - Argélia (negócios encerrados em 1947). Contudo, o estudo do tipo de cortiças e das quantidades adquiridas nestas regiões suberícolas obrigaria ao recurso de outras fontes que não aquelas que pretendemos trabalhar nesta fase. Este trabalho visou ainda compreender de que modo as relações familiares e a transmissão da liderança no negócio, a partir da década de 1940, poderão ter contribuído para a desarticulação da organização internacional Mundet, colocando em risco a posição cimeira do negócio mundial corticeiro que, até então, partilhara com algumas outras empresas, designadamente com a Armstrong Cork Company, aspeto que nos permite ver claramente a importância das relações familiares em determinadas dimensões da economia internacional. A desarticulação internacional do sistema integrado e organizacional da Mundet, no início da década de 1960, refletiu-se no esforço de reestruturação e na estratégia industrial da Mundet & C.ª, Lda. (Portugal) que, a partir desse momento, restringe o desenvolvimento e a projeção da sua atividade a uma dimensão geográfica e economicamente mais circunscrita. 145 146 Arquivo – Fundo Documental Mundet & C.ª, Lda., do qual destacamos: – Estatística de exportação da Mundet & C.ª, Lda. (1936-1958). Apontamentos e mapas destinados a informar a Junta Nacional de Cortiça. – Índice de concelhos (1908-1976). Registo das herdades com montados de sobro, organizado por distritos e, dentro destes, por concelhos. – Índice de compras (1908-1976). Registo das propriedades a quem a Mundet & Cª, Lda. adquiriu cortiça. – Junta Nacional da Cortiça / Comissão nomeada por portaria de 7.04.1949: “Relatório sobre a situação e perspetivas das atividades corticeiras” (1949). – Livros de Actas da Gerência da Mundet & C.ª, Lda. Lvs. I-III, de 4 de agosto de 1947 a 5 de setembro de 1956. – Traslado parcial do inquérito que decorreu por ação judicial para dissolução da sociedade Mundet & C.ª, Lda. proposta por Luíz Gubert e Joaquim de Sousa, contra Joseph Mundet Jr., José Maria Genis e António Iglésias (1940-1947?). 147 148 Bibliografia – Afonso F. (2001): “Uma abordagem histórica à indústria corticeira portuguesa nos anos 50 e 60 do século XX” in SEIXAL, Ecomuseu Municipal (org.) Do montado à fábrica de cortiça: fotos de Júlio Pereira Dinis. Catálogo de exposição, Seixal, Câmara Municipal, Ecomuseu Municipal, 63-67. – Afonso, F.; Ferreira, F. (2011): “Desde Seixal para el mundo: la iconografía en las colecciones documentales de Mundet & Cª Lda. antigua empresa de fabricación de corcho” in Álvarez Areces, Miguel Ángel (ed.) Diseño + imagen + creatividad en el Património Industrial, Gijón, CICEES, 279-286. – Carrasco, C. (2000): “Do mato à fábrica: as fontes da Mundet para a história da cortiça” in Filipe, Graça (coord.) Cortiça, património industrial e museologia [Documento electrónico], Seixal, Câmara Municipal, Ecomuseu Municipal, 1 CD-ROM. Ecos do Sor (1955): órgão paroquial da Família Pontessorense, propr. Paróquia de S. Francisco de Assis, Ponte de Sor, P.S.F.A. – Faísca, C. (2014): “Os primórdios da indústria corticeira em Ponte de Sor (1894-1964)”, A Ponte, março 2014, 9. – Filipe, G.; Afonso, F.; Carrasco, C.; y Ferreira, F. (2010): “A Mundet e os modelos de formação de “centros corticeiros” no século XX. Da Catalunha ao Seixal (Portugal): o período de instalação e de consolidação” in Filipe, Graça e Afonso, Fátima (coord.) Quem diz cortiça, diz Mundet, Seixal, Câmara Municipal, Ecomuseu Municipal, 17-55. – Gaspar, J. (1970): “Os portos fluviais do Tejo”, Finisterra, 10 (5), 153204. 149 – Lasser S. (2015): “Products line exception did not prevent corporate successor’s responsibility for asbestos-related products liability claims” [em linha], [Consult. em 23 jun. 2015], disponível em URL: http://resourcefullaw.com/products-liability-top-story?id=24057. – Lima, M. A. (2003): Grandes famílias, grandes empresas: ensaio antro- pológico sobre uma elite de Lisboa. Lisboa: Dom Quixote. – Noronha, F.(1915): “Industrial corticeira”, O trabalho, 683, 1. – Seixal. Câmara Municipal. Ecomuseu (2003): “Os 50 anos da Casa da Infância da Mundet & C.ª, Lda. (1943 – 2003)”, Ecomuseu Informação, 27, 8-11. 150 Innovación e internacionalización en el negocio corchero. Cambio técnico en la industria del tapón de corcho: el caso de la familia Sabaté. Innovation and internationalization in the cork business. Technical change in the cork industry: the case of Sabaté family. Ignacio García-Pereda Euronatura - Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado, LEAP1 [email protected] – Resumen: Este artículo analiza el proceso de internacionalización de la empresa Sabaté. El estudio quiere encontrar nuevas evidencias empíricas en el sector corchero a las teorías existentes sobre internacionalización. Se mostrará que el crecimiento de la empresa fue apoyado por una serie de factores: una notable capacidad para innovar; una activa participación de la familia en redes sociales diversas; una intensa internacionalización. Un proceso de acumulación de conocimiento dentro de la misma empresa fue la base para su capacidad adaptativa, así como la llave para entender cómo Sabaté pasó de ser un pequeño depósito de corcho familiar en 1939, a la segunda corchera del mundo en los años 90. Center | Espaço Amoreiras, Rua D. João V nº24 , 1250-091 Lisboa. 1 151 – Palabras clave: Corcho; tapón; internacionalización; innovación; Francia; España. – Abstract: This paper analyzes the internationalisation process of the Sabaté firm. This study aims at offering new empirical evidence on cork industries to the existing internationalisation theories. It will be shown that the growth of the company was supported by a number of factors: a notable capacity for innovation, not only technological but in terms of management and organisation; the active insertion of the family in a diversity of social networks; an intense internationalisation. A process of knowledge accumulation within the company itself was the foundation for all of this adaptational capacity, and the key to understanding how Sabaté evolved from a small family-owned cork manufacture in 1939 to the second world’s leading cork industrial in the 1990s. – Key Words: Cork; stopper; internationalisation; innovation; France; Spain. 1.- Introducción La mayor parte de los estudios recientes indican que las empresas familiares habrían tenido ventajas competitivas gracias a una serie de factores: mayores incentivos personales, capacidad de compromiso y sacrificio del personal, de flexibilidad, costes de agencia reducidos a través de altruismo, flexibilidad a la hora de adaptarse a los cambios y a la innovación, capacidad de aprendizaje, así como especiales capacidades para acumular “activos intangibles.”2 Además, las desventajas competitivas se pueden superar estableciendo alianzas con otras empresas, preferiblemente familiares, con las que se comparten valores.3 La incorporación de la historia empresarial en el debate de las empresas familiares ha proporcionado una perspectiva temporal para el estudio de estos materiales. La mayoría de estos trabajos subraya la variedad de modelos dentro de esta estructura de propiedad, la influencia de patrones nacionales o culturales, la importancia del conocimiento “a largo plazo” o la capacidad de las empresas familiares para aprender. Casson (1999); Galve y Salas (2003); Fernández-Moya (2010), Puig y Fernández (2009). 3 Colli, Fernández y Rose (2003); Church (1993); Fernández y Puig (2007). 2 152 Un estudio de la familia Sabaté permite un análisis de los procesos y cambios en las estrategias de las empresas familiares con un buen grado de profundidad temporal (más de sesenta años), a medida que la empresa vivió un crecimiento continuo gracias en parte a un sólido proceso de internacionalización. La familia Sabaté supone un caso histórico (al superar al menos un proceso de sucesión) e internacionalizado (contando con filiales comerciales o industriales estables fuera de la base en Francia). De hecho, la historia de los Sabaté proporciona evidencias empíricas nuevas en los temas concernientes a la habilidad de las empresas familiares para crecer y hacerse internacionales. Un caso, además, perteneciente a la cultura catalana, donde se concentra la mayor parte del capitalismo familiar español. El artículo levanta la cuestión de la importancia para el crecimiento de una empresa familiar de factores como la innovación o la participación de los miembros de la familia en redes sociales, destacando la capacidad de empresas familiares para acumular conocimiento y activos intangibles. Además, el artículo intenta proporcionar entendimiento de un sector (el corchero), sobre el que apenas se ha estudiado desde la perspectiva de la empresa familiar. El trabajo pretende también contribuir a un mejor conocimiento de este sector, e ilustrar con datos novedosos su proceso de evolución en el período posterior a la guerra civil española así como su localización geográfica y estructura empresarial. Este caso de estudio está basado en fuentes de archivo,4 entrevistas personales,5 así como varios artículos de prensa y académicos. Además de la citada bibliografía, el trabajo de Mark Casson en las particularidades de las empresas familiares dinásticas se ha considerado.6 La importancia de la profesionalización como se analizó en el trabajo de Puig y Fernández también ha sido influente,7 como las ideas de Sáiz sobre el proceso de innovación.8 A su vez es un trabajo que debe enmarcarse en el campo de conocimiento de la historia empresarial corchera,9 un sector auxiliar relevante en el proceso de crecimiento económico español. Se ha manejado como fuente algunas patentes registradas en España. Su consulta se realizó en el Archivo Histórico de la Oficina Española de Patentes y Marcas (AHP). En general la patente como fuente de información para la historiografía española forestal ha sido muy poco frecuentada, Delgado (2010). 5 Entrevistas realizadas a varios especialistas corcheros, en el marco del trabajo de investigación “Mujeres Corcheras” García-Pereda (2014). 6 Casson (1999). 7 Puig y Fernández (2009). 8 Saiz (1999, 267), Hilaire-Perez (1984). 9 Parejo (2006); Zapata (2006). 4 153 El marco teórico empleado para analizar la internacionalización de empresas será la visión gradualista propuesta por la escuela de Uppsala y la Teoría Evolucionaria de la Empresa Internacional de Udo Zender y Bruce Kogut,10 un modelo que añade una dimensión dinámica e histórica en este asunto, dando énfasis a la importancia del conocimiento y mirando la internacionalización como un proceso de aprendizaje a largo plazo. Los trabajos de Uppsala presentan aplicabilidad a pequeñas y medianas empresas, ofreciendo una perspectiva temporal amplia, acorde con el enfoque longitudinal aplicado en este trabajo. Otras tres conjeturas de este artículo son que las empresas están incrustadas en redes sociales profesionales, que influencian el proceso de internacionalización;11 la percepción de la empresa como un conjunto organizado de recursos y no una simple función de producción;12 y la acumulación de conocimientos como esencia del proceso de innovación.13 El trabajo en sí mismo está organizado de acuerdo a una estructura cronológica para facilitar el análisis del proceso de acumulación de conocimiento y de la transmisión generacional del legado de la empresa. El artículo muestra cómo con la Guerra Civil Española fueron numerosos los industriales corcheros catalanes que se marcharon a otras regiones corcheras. Aquellas empresas que habían sobrevivido hasta los años 80, aprovecharon las nuevas condiciones políticas y económicas de España para fomentar sus negocios, en un momento de cambio técnico con pocos precedentes. Desde 1980 el sector corchero ha protagonizado una auténtica ‘revolución’ que ha afectado a la terminación del producto más emblemático: el tapón de vino. El fenómeno ha respondido en parte, al desafío de las exigencias enológicas que irrumpieron en los mercados mundiales a comienzos de la década de 1980,14 exigiendo medidas contra viejos problemas del producto como el conocido por “olor a moho” o TCA. Pero el nuevo momento de cambio también trajo un proceso de Johanson & Vahlne (1977); Kogut & Zander (1993); Valdaliso (2010). Los autores de esta escuela conciben la internacionalización como un proceso gradual de aprendizaje: tras tener una posición asentada en el mercado nacional las empresas comienzan a exportar, primero a los países más próximos culturalmente; después establecen delegaciones comerciales y finalmente pueden crear filiales productivas. 11 Granovetter y Swedberg (1992). 12 Penrose (1962). 13 Rosenberg (1982). 14 Martínez-Carrión y Medina-Albadalejo (2008). 10 154 concentración empresarial, que acabaría expulsando a la familia Sabaté de la empresa que ellos mismos habían creado. 2.- Los primeros pasos de una multinacional: Sabaté (1939-1986) En la Cataluña de la segunda mitad del siglo XIX se hizo evidente un proceso de modernización de la industria corchera. El espectacular desarrollo de algunas fábricas corcheras señalaría la llegada de una nueva era, una fase más industrial y capitalista, menos artesanal. A pesar de la modernización tecnológica, el sector se caracterizaba por el predominio de las relaciones personales y familiares o la autofinanciación.15 Varias fueron las familias catalanas que participaron con fuerza en este proceso de modernización. Si hasta 1845 los tapones de champán, por ejemplo, se habían hecho de una sola pieza, cortada a mano con cuchillo, desde ese momento empezaron a llegar al mercado español privilegios reales y patentes de nuevas máquinas que permitían hacer más rápidamente los tapones.16 La siguiente evolución, en el último tercio del XIX, consistió en unir diferentes discos de buena calidad, unidos con algún pegamento, fórmula secreta de cada fabricante. Esta innovación abarató enormemente la producción, pues los buenos cuadrados de corcho, los que se usaban para conseguir el mejor tapón, eran cada vez más escasos y más caros. Unos de los primeros ejemplos lo gestionó Juan Marti Cama (1846-1914),17 quien había dirigido en la ciudad francesa de Los rasgos del tapón relevantes para su consumo no dejan de estar condicionados por los de su materia prima forestal, con largo ciclos de vida del árbol y de su aprovechamiento forestal. En el caso de los sectores forestales, la actividad y sus sujetos tienen rasgos propios, como el escaso capital líquido, el acceso limitado al crédito, la dispersión espacial, el aprendizaje informal, etc. Los problemas específicos de la generación y difusión de innovaciones en el mundo forestal (con sus industrias), y en pequeñas y mediana empresas, pueden acabar explicando la importancia del Estado en buena parte de los procesos de renovación. Schlebeker (1977) y Pan-Montojo (2009). 16 AHP, privilegio real, 245. 17 Archive Prats et Bonany, Petite Histoire de la Maison Prats & Bonany des Origines à nos Jours, Margueritte Mensior-Prats, 1977. 15 155 Reims una fábrica donde se comenzaron a hacer los tapones Geminus,18 formados por varios pedazos diferentes. Martí Cama presentó en 1903 patente de invención en España con el título de “Un tapón insustituible para frascos, botellas y otros envases.”19 Las últimas décadas del siglo XIX pasaron así a la historia como una “edad de oro del taponero,”20 como también lo fue para vitivinicultura española.21 Si los negocios de la familia de Martín Cama fueron importantes, la gran dinastía catalana corchera del siglo XIX fue la familia Barris, una familia con negocios corcheros por lo menos desde 1760.22 A mediados del siglo XIX José Barris (1817-1890), a la vez que controla una fábrica en Sevilla, se encuentra en Argelia como representante de Alfred de Montebello, personaje protagonista de una de las más viejas empresas de negocio del vino de la región de Champaña todavía en actividad. José Barris había marcado su presencia en Epernay, desde por lo menos 1842.23 En menos de cuatro décadas, él y sus hijos construyeron una red forestal, industrial y comercial que no sólo pasaría por España, Francia y Argelia, sino también por Londres.24 En 1895 el corcho argelino se estaba transformando en una nueva fábrica del sur de Portugal, en Silves. En el momento de la muerte de José la prensa habló de él como que “posee inmensos bosques de alcornoques en África, ricas y soberbias propiedades aquí y en el extranjero, además de sus renombradas sucursales en La Calle, París, Champagne y Londres.”25 Este tipo de empresas familiares podía tener una posición muy clara en el siglo XIX, cuando la incertidumbre y riesgo eran muy elevados; las instituciones estaba poco desarrolladas (la legislación mercantil era escasa y difícil de cumplir) y lo sistemas de comunicación lentos, dificultando relaciones a larga distancia y control de agentes y empleados.26 La familia era una fuente de capital físico y humano; a ella se recurría para conseguir financiación y empleados de confianza.27 Una familia podía funcionar como red de negocios, 20 21 22 23 24 25 26 27 18 19 Sala (1998, 121). AHP, patentes (ES. 3270). Medir (1953). Martínez-Carrión (2008, 59) Sala (2002, 35). Leroy (2006). Archives Départementales du Marne, Chalons, 14U1425. La dinastía, Barcelona, 30 de enero de 1890, p. 2. Valdaliso y López (2000, 172). Woronoff (1994, 262); Landes (2006) 156 proporcionando canales informales de información o crédito. Así se puede entender la importante presencia de corcheros catalanes en Reims y Epernay. Donde se desarrollaba cultura de “alta confianza”, se reducían los “costes de transacción”. Ya entrado el siglo XX, se inicia una nueva saga corchera desde otra familia catalana. Su fundador fue Modest Sabaté (1909-1986), nacido en Cassá de la Selva,28 nieto de taponeros, que se vio obligado a escapar por barco al sur de Francia durante la Guerra Civil.29 La llegada a Francia no fue fácil, aunque tuvo la fortuna de entrar en 1936 y no al final de la guerra, cuando “la retirada.”30 Hasta su salida de Barcelona había trabajado en una galería de arte, donde había conocido a pintores como Pere Daura (1896-1976). Fue éste quien primero ayudó a Modest en Francia, dándole refugio en la casa que tenía en Saint-Cirq-Lapopie.31 Tras varios meses en ese pueblo, Modest vio en la prensa francesa que se vivía penuria de tapones de corcho. Se acercó a la capital del departamento, Cahors, consiguiendo un permiso de la prefectura para abrir un taller de tapones.32 Modest se trasladó en 1939 a Port-Vendres, en un momento en que varios industriales catalanes huidos a Francia al estallar la guerra, estaban haciendo dinero aprovechando el contrabando permitido por agentes de aduanas de puntos como Perthus.33 Le enviaban tapones por barco desde España corcheros como Ángel Gruart (1909-1984), quien también había ayudado a pasar la frontera por barco a la mujer y a la primera hija de Modest, desde el puerto de Palamós.34 El nombre de la nueva sociedad, Gruka, es posiblemente indicador de la importancia del corcho facilitado por los Gruart en la iniciativa (Fig. 1). La facilidad de entrada Sabaté (1932). Sabaté (1981), Sentis (2006), Sentis (1986), otro periodista que escaparía de España en circunstancias parecidas fue Josep Plá. 30 Grando (2005). Cuando cae Barcelona a principios de 1939, 250.000 civiles y 250.000 militares españoles intentan pasar la frontera. Alrededor de 100.000 son dirigidos a campos de concentración. 31 Cristina Sabaté, comunicación personal. 32 Olivier (2007, 80). 33 Archivo Guerra Civil de Salamanca (PS, Barcelona, 711/5). 34 Cristina Sabaté, comunicación personal, junio de 2014. Anna María nació en 1934. Ya nacieron en Francia Augustin (1939-1998), Bernard (1940-2008), Alex (1942), Cristina (1943, en Boulou), Georges (1946, en Boulou). 28 29 157 del corcho español en la zona de Perpiñán creaba un alto aliciente para la práctica del contrabando. Empresarios de la provincia de Gerona, que habían visto cómo sus fábricas eran colectivizadas, intentaban ganar algo de dinero “naturalizando” como francés corcho español. Modest dejaría Port-Vendres al final de la Segunda Guerra Mundial cuando las tropas alemanas destruyeron ese puerto.35 Al acabar los conflictos bélicos montó una nueva manufactura en Le Boulou. El primer taller, durante los años 40, funcionaba en el garaje de la casa que acabarían comprando en la calle Clemenceau.36 Apenas trabajaban unos seis obreros, muy poco comparado con los quinientos que empleaba Torrent en el mismo pueblo.37 La producción en ese garaje duró más de una década; un espacio donde los niños jugaban y empezaban a ayudar con máquinas como la de parafina, cobrando su trabajo “a la pieza”. En la cocina de la casa la esposa de Modest preparaba todas las mañanas la cola, uno de los secretos del éxito del tapón “spécialité collée deux pièces”. El corcho se compraba ya cocido, habiendo adquirido bastante en Argelia, gracias a la cercanía del puerto de Port-Vendres, sobre todo en el tiempo que estuvo cerrada la frontera con España (en 1946). Era Modest, con una maleta, quien se ocupaba personalmente de la parte comercial, con zonas vinícolas como Champagne o Burdeos. En 1955 abrió un pequeño depósito en España, en La Junquera.38 La firma Sabaté se convirtió en los años ochenta “la más importante de Francia para la fabricación de tapones de champagne.”39 Modest trató en todo momento de modernizar la empresa. Se destacó sobre todo en la preocupación por la calidad, constante que el fundador de la saga sabría transmitir a sus descendientes. Las transformaciones del mercado del tapón desde la década de 1970 provocaban que la noción de calidad del producto fuese cada vez más imprescindible. Pero para el caso del corcho, no se entiende hoy por calidad a lo mismo que se entendía hace cuarenta años. Si antes había Marc Sabaté, comunicación personal. Cristina Sabaté, comunicación personal. 37 A unos kilómetros, en Céret, el fabricante de tapones más importante era Roqueta. Jean Louis Roqueta, comunicación personal, mayo de 2013. 38 Manufacturas Sabaté, abierto en 1955, 3 máquinas paradas. Archivo General de la Administración, 6-27-0; 35/62.101, 349 (censo industrial de 1964). 39 Sentis (1983). 35 36 158 tapones de élite y tapones populares, tapones de una pieza y tapones de aglomerado, ahora cualquier tapón de la gama que sea debe asegurar una ausencia de riesgos frente a la amenaza del llamado TCA. En la década de 1980, cuando nada parecía que podía poner en cuestión el monopolio del corcho como producto base para fabricación de los mejores tapones de vino,40 surgió con fuerza un problema viejo al que se le colocó un nombre técnico por primera vez. No era una novedad la cuestión del “olor a moho”. En 1900 ya se comentaba una cuestión de ese tipo, atribuyendo un origen microbiológico, relacionando todo con problemas forestales como la “mancha amarilla.”41 En la década de 1920, por ejemplo, había negociantes de tapones de Reims que se quejaban de recibir partidas con un 5% de “tapones susceptibles de dar aroma al tapón.”42 Durante todo el siglo XX, se sucedieron los intentos en la investigación enológica para localizar la causa de esos malos olores que estropeaban una proporción no despreciable de botellas de vino. Sólo con la aplicación de nuevas técnicas químicas, desde la década de 1970 se empezaron a entender los diversos procesos que provocaban estas alteraciones y, sobre esta base, se pudieron desarrollar las herramientas necesarias para las mejoras. En definitiva, apenas entonces vinieron a coincidir las condiciones necesarias por el lado de la oferta –la renovación de los conocimientos científicos y su aplicación en el campo industrial– y por el lado de la demanda –la exigencia de un esfuerzo para resolver ciertos problemas–, para permitir las transformaciones técnicas que se comentan. La década de 1980 fue un tiempo de inquietud para los corcheros; se multiplicaban las devoluciones de envíos y aparecieron varios casos muy sonados de “olor a moho” que habían hecho perder mucho dinero a algunas bodegas.43 De hecho, el compuesto culpable de los problemas del corcho en el vino hacía ya varios años que había sido detectado, sin que en conjunto, el sector corchero se tomara en serio la cuestión. Tanner, del Wädenswil Institute, se dedicó desde finales de los años 60 a investigar los problemas del “olor a moho". Tras 15 años de intentos, incorporó a los análisis una nueva tecnología, la “gas chromatography - mass spec- Elena (2006, 141). Bordas (1904). 42 Archive Departamental, Reims, Fondo Bouchonnerie Tassigny, 29j1-273, carta de Tassigny a la corchera Roure, 1924. Tassigny mencionaba un “corcho podrido, corcho contaminado, corcho que una vez recortado con el cuchillo huele muy fuerte.” 43 Taber (2007, 54). 40 41 159 trometry”, útil para la identificación de compuestos. Consiguió encontrar la molécula orgánica culpable, los cloroanisoles, especialmente el 2, 4, 6-tricloroanisol, más conocido por las siglas TCA. En 1981 publicó sus primeros resultados.44 Entrados los años 80, la ola de quejas comenzó a hacerse insostenible. En 1984, Modest y sus hijos son de los pocos taponeros a reaccionar con velocidad al desafío. Presentan una patente francesa de “lavage anti-goût”, el proceso SBM. En 1985 esta patente llega a España, un invento con el claro objetivo de acabar con “los derivados orgánicos clorados, que pueden transmitir al líquido alimentario un sabor desagradable.”46 Los nuevos lavados del invento ofrecían “una deslignificación y una desinfección”. La normalización del producto acabado era “superior y permite satisfacer mejor la demanda del mercado internacional.” 45 3.- De la cima a la expulsión del sector corchero. Sabaté (1986-2003) La muerte de Modest Sabaté en 1986 dejó definitivamente la gestión de la empresa en las manos de sus cuatro hijos varones, liderados por Augustin desde 1984, que se había encargado durante años de la parte comercial en Reims. En este primer cambio generacional, la formación de los sucesores tuvo su importancia. Alguno de los hermanos ya tuvo educación universitaria, como Alex, que estudió en una facultad de química. En el negocio del corcho siempre ha sido esencial la elección de la materia prima adecuada, que siempre requería la intervención directa de algún miembro de la familia. Es de notar la implicación de los cuatro hijos varones en el negocio, al lado de la ausencia de las dos hijas (Fig. 4). Pero como en casi toda la industria europea corchera hasta el último tercio del siglo XX la inmensa mayoría de empresas fueron controladas por hombres emparentados (hermanos, primos, padres e hijos, cuñados, yernos), con la colabora- Tanner (1981). Taber (2007, 79). 46 AHP, patentes (B27K7/00). 44 45 160 ción irregular y no remunerada de parientes femeninas, en un modelo altamente personalista y paternalista de gestión.47 Los cuatro varones, incorporados todos de alguna manera ya desde 1966,48 acabarían de conseguir que la mediana empresa terminase de despegar en los años 80,49 pasando a ser el líder en aquel país donde Modest había emigrado. El hecho de que varios de los hermanos trabajasen permanentemente fuera de la región (Augustin en Reims, Alex en España y Marruecos), se puede relacionar con la idea de Penrose (1962) de que el crecimiento de la empresa se ve impulsado por la necesidad de explotar plenamente los excesos de capacidad que se producen en recursos infrautilizados. Al mismo tiempo, la mayor parte del tejido industrial corchero francés se estaba deshaciendo; el destino final de muchas empresas fue casi siempre la venta a empresas extranjeras (como el grupo Amorim) o la simple extinción.50 Desde 1986, la expansión de Sabaté se debería sobre todo a la estrategia de internacionalización. Para la compra de materia prima el primer mercado escogido fue el país de origen del fundador: España. En esos años muchos taponeros del sur de Francia habían decidido trasladar sus unidades industriales a países con costes más bajos, casi siempre Portugal.51 Pero Sabaté nunca dejó de mantener una parte de la producción en Francia. Se lanzó en 1972 en las exportaciones al mercado europeo, y en 1977 al mercado estadounidense.52 Después de adquirir un alcornocal,53 en 1986 compraron parte del grupo español Corchos de Mérida, asegurando así la adquisición de materia prima en los montes del sudoeste español;54 de nuevo fue de mucha ayuda para esta instalación García-Pereda (2014). Olivier (2007, 81). Bernard era calificado como el “inventivo”, Augustin el “gestor”, y Alex y Georges los comerciales. 49 Galinier (1997). 50 En la zona de Le Boulou Amorim acabó haciéndose, entre otros, con Trescases y Pairot. 51 Es el caso de Robert Payrot, taponero de Céret que en la década de 1980 se instala cerca de Lisboa, en Montijo. Robert mencionó otro ejemplo de franceses en Portugal: Gerard Bourrassé. Comunicación personal, agosto de 2014. 52 Arxiu Nacional Catalunya, Fondo Modest Sabaté. 5.126, Copia del discurso realizado el 27.10.77 en presencia del cónsul de España. 53 Olivier (2007), 81. 54 En 1988 Corchos de Mérida proporcionaba el 50% de la materia prima. La empresa española fue comprada en su totalidad en diciembre de 1989 (Midi Libre, 11.12.1989). 47 48 161 la familia Gruart, instalados en San Vicente de Alcántara desde los años 40 (Fig. 2).55 Con los nuevos productos de Corchos de Mérida, Sabaté SA optó por buscar economías de gama a partir de diversificación productiva, como el corcho para construcción, rentabilizando los residuos de las fábricas. Además, se ampliaba cuota de mercado neutralizando competencia de marcas. Por primera vez, se abordaba producción directa fuera de Francia. Dada la orientación exportadora cada vez más acentuada, se puede decir que la estrategia empresarial se centraba en tres objetivos complementarios: asegurar provisión de inputs, como los corchos de Extremadura; segundo, para la penetración en el mercado era determinante la infraestructura representada por agentes comerciales que asumían las funciones de consignación y venta a comisión. Varios miembros de la familia adquirían experiencia y conocimiento de clientelas, mercados y canales de venta que abarcaban desde China a Argentina; tercero, dada la presión competitiva, revistió gran importancia la apuesta por una fuerte inversión en publicidad. A la forma tradicional (tarjetas, objetos de regalo, anuncios en prensa…) se añadía la participación en certámenes y eventos internacionales fortaleciendo el valor añadido y prestigio de la empresa completado todo con acción de mecenazgo. La estrategia de internacionalización nació de una conjunción de variables: contactos anteriores con empresas extremeñas a través de redes sociales catalanas; la cultura española de los miembros de la familia; la participación de los socios en asociaciones empresariales. Hay que recordar la importancia del socio en Extremadura de los Sabaté, Gruart, en la creación de la Asociación de empresarios corcheros de San Vicente de Alcántara, y en la iniciativa de creación del Instituto de Promoción del Corcho de Extremadura. Eran movimientos que formaban parte de una estrategia diseñada por dos familias, con la que a la vez se ganaba acceso a los “círculos de información.” Se formaba una “red de alta confianza”, muy útil para consolidar negocios en entornos inciertos. Modest Sabaté y Ángel Gruart compartían valores, que podían ser políticos, ideológicos, lazos culturales derivados de la procedencia geográfica, además de lazos de amistad. Estas relaciones entre dos familias catalanas que habían abandonado Cataluña tras la Guerra Civil, facilitó el proceso de interna- Jorge Gruart, comunicación personal, septiembre de 2011; Madriá y Basart (2011). 55 162 cionalización. Los Sabaté estaban empapados de valiosas redes sociales de contactos.56 Como los clientes extranjeros, estos contactos pasaban a los herederos, preservados y expandidos hasta pasar a ser uno de los más fuertes activos de la empresa. Desde 1986 la política de exportaciones de la empresa no sería apenas reactiva, sino que se iniciaba un claro proceso de internacionalización, con especialistas no franceses contratados. Otras unidades industriales se abrirían en países como Marruecos. Las dos primeras fases de la secuencia descrita por la escuela de Uppsala aquí se cumplen: exportación a través de agentes e instalación de oficinas de venta. El funcionamiento de una unidad industrial en Extremadura desde 1986 suponía en paso final en la secuencia de la escuela de Uppsala: la instalación de producción subsidiaria. Para incrementar la producción, la empresa invirtió en nueva maquinaria. Una de las decisiones de la nueva generación fue el cambio de ubicación de la fábrica y la renovación de las instalaciones para acentuar la integración de la cadena productiva; en 1992 los hermanos deciden abandonar las instalaciones de Le Boulou, trasladándose al vecino municipio de Céret; por 15 millones de francos adquieren un espacio de 55.000 metros cuadrados. Algunas tareas, que siempre se habían hecho por mano de obra femenina como el escogido, pasan a hacerse con “escogedoras ópticas electrónicas.”57 En 1994, cuando la empresa fabricaba 500 millones de tapones al año, lanzaron un nuevo tapón, Altec, fruto de la colaboración de investigadores como Joël Massé. Surge así “un producto normalizado, vendido a un precio correcto para rendimientos de alto nivel.”58 Con la personalidad de Bernard se da lo que Rosenberg denominaba aprendizaje por el uso, o “learning by using”, que surge de observar las diferentes formas en que los clientes usan los productos de la empresa.59 Los conocimientos de Bernard eran tan reconocidos a nivel nacional, que prestigiosas editoriales le solicitaban el texto de capítulos sobre taponado en tratados sobre enología.60 Se hacían comprar máqui- 58 59 60 56 57 Granovetter, M. y Swedberg, R. (1992) Arnaud (1992). Arnaud (1994). Rosenberg (1982) Sabaté (1988). 163 nas diseñadas en Italia, con capacidad para hacer 600.000 tapones por día cada una. El número de comerciales crece con los años; si bien Francia sigue siendo el principal comprador (fig. 4), hay cuarenta comerciales en todo el mundo en 1993.61 Se abren nuevas oficinas comerciales, como la de China en 1997,62 o la de California, dirigida por uno de los nietos de Modest, François. Así en esta década de 1990 comienzan a incorporarse al negocio miembros de la tercera generación. Educados en la universidad, políglotas, completaron su formación trabajando codo con codo con la segunda generación. En la década de 1990 Sabaté exportaba con fuerza también a países como Australia o Argentina, en un momento en que la mayor parte de los fabricantes de Francia detienen la producción.63 Pero el mercado norteamericano tuvo consecuencias fatales para la familia Sabaté, como las tuvo la temprana muerte de Augustin en 1998. De la patente presentada por Modest en 1984 se había pasado a la marca Altec. Altec era un tapón que seguía conteniendo suberina, la parte elástica del material, pero del que se había eliminado la lignina “de donde surgen las venas tan típicas del corcho, pero que altera su neutralidad organoléptica”. Como comentaba Augustin Sabaté al periódico Le Monde, ese residuo de la madera era el responsable de los malos gustos.64 Gracias al acuerdo en exclusividad con Azko-Nobel se había alcanzado una sutil aleación de suberina reducida a polvo y de microesferas sintéticas surgidas de las últimas novedades “de la petroquímica”; era el primer verdadero “tapón industrial”, que les ayudaría a hacerse con el vientre del sector, los cinco mil millones de botellas de gama mediana que se producían anualmente, “el segmento de mercado más industrializado, el más internacional, y para el cual el lado errático del tapón de corcho clásico no permite el mantenimiento de una calidad estándar”. Dieciocho meses después de su presentación, Altec ya generaba un tercio de la cifra de negocio de Sabaté SA. Otra consecuencia del tapón Altec era la posibilidad de realizar campañas de marketing. Era el momento de desarrollar estrategias para 63 64 61 62 Idoeta (1993, 30). Les Echos, 18.6.1997. Olivier (2007), 81. Galinier (1987). 164 acumular capital simbólico que ayudase a construir una marca. En principio, los problemas con TCA de los Altec eran muy inferiores a los de las otras marcas corcheras. Otra estrategia empleada sería la de “afiliación”, acumulando prestigio gracias a la asociación con nombres de marcas de vino conocidas. La imagen de familia en sí, también podía beneficiar la construcción de la marca Sabaté como un seguro de calidad. Después de medio siglo de trabajo, el compromiso de los Sabaté con su legado daba a la empresa un conjunto de activos intangibles. Fallecido Augustin con menos de 60 años, le sucede como CEO Marc,65 su hijo, quien quizás no contaba todavía con suficiente preparación para ese desafío.66 Marc había ocupado el cargo de director financiero desde 1991, si bien sus tíos, Bernard (jubilado en 2001), Alex y Georges, seguían presentes. Las estrategias de internacionalización y diversificación provocaron que el grupo creciera de tamaño dramáticamente en apenas una década. Cuando fallece Augustin ya se había alcanzado el segundo puesto en el ranking mundial de empresas corcheras, exportando fuera de Francia la mitad de la producción. La última decisión importante y arriesgada de la familia antes de la desaparición del hijo mayor de Modest se tomó en 1995, cuando se dedicaba un 3% del presupuesto a investigación y desarrollo: salir a cotizar al segundo mercado de la Bolsa de París. Esta transformación en Sociedad Anónima no debe ser interpretada como la desaparición como Empresa Familiar. De hecho, se podía tratar de un intento de reducir conflictos en momentos de sucesión, una vez que el número de familiares había aumentado.67 Los Sabaté podían seguir asegurando una posición de fuerza en accionariado. En el delicado momento en que habían juntado en sólo tres años la salida en Bolsa y la sucesión de Augustin, la familia tenía más que nunca el papel crucial de mantener la estabilidad empresarial, con sucesores capaces. ¿Cómo era posible que el pequeño almacén de corchos que había en Cahors en 1938 se hubiera convertido en uno de los líderes mundiales del sector? ¿Cómo se podía sostener la creciente complejidad organizacional de la empresa? Como se ha entendido, los cuatro hermanos aprendieron las claves de cómo gestionar un negocio corchero de un maestro L´Indépendant, 25.5.1998 Olivier (2007, 82). 67 Colli, Fernández y Rose (2003, 34) 65 66 165 hecho a sí mismo –Modest– de quien aprendieron las particularidades del propio negocio, así como heredaron el libro de contactos. Pero estas habilidades no son suficientes para gestionar una empresa creciente en un contexto cambiante. El apoyo de otras familias catalanas en Extremadura fue una de las claves. La segunda generación, y el negocio en conjunto, fue la que se benefició del modelo de enseñanza interno, que Casson describe como una típica estrategia del negocio familiar dinástico.68 Una pequeña parte de la segunda generación, o los miembros de la tercera, recibieron enseñanza universitaria fuera de la empresa, un pre-requisito en el mundo empresarial industrial después de la segunda revolución tecnológica.69 Esta enseñanza externa podía abrir las puertas a una nueva empresa no dinástica, como efectivamente sucedió. A la muerte de Augustin se sumó una crisis de prestigio vivida con los Altec en los Estados Unidos.70 Se denunciaron, por cuatro empresas, miles de botellas contaminadas. El asunto se consideró un ataque grave a los consumidores, y el grupo se defendió mal. En unos meses Altec perdió la confianza de sus clientes. Fragilizados, la empresa buscó alianzas nuevas, lo que sucedió en 2000 con Diosos,71 líder mundial de tonelería. Las pérdidas no se detuvieron y tomó el control del nuevo grupo un holding de Remy Cointreau, quien enseguida redujo a una cantidad simbólica la parte de la familia Sabaté en el accionariado.72 Marc abandona el grupo a finales de 2002,73 “cuando en la familia ya solo controlábamos menos del 12 % de las acciones.”74 Patrick sale de la dirección de exportación en febrero de 2003, François lo hace de Oeneo Closures USA en noviembre de 2003. En ese mismo mes, la prensa local ya echaba de menos los tiempos de los cuatro hermanos, “los mosqueteros del tapón.”75 70 71 72 73 Casson (1999). Fernández y Puig (2007). Olivier (2007), 82. L´Indépendant, 9.11.2000. Galtés (2008). L´Indépendant, 16.10.2002. El sucesor de Marc en la dirección corchera, Fougère, declaraba a la prensa que la actividad corchera había descendido un 13%, lo que provocó en las 12 unidades industriales corcheras 88 despidos entre los 840 trabajadores. 74 Marc Sabaté, comunicación personal. Hoy, ya no queda ningún Sabaté en las fábricas. Apenas Cristina conserva un lote de acciones. 75 L´Indépendant, 13.11.2003. 68 69 166 Pero Diam Bouchage, como se llama ahora la parte taponera de Oeneo (sucesora de Sabaté-Diosos), sigue privilegiando el mensaje de la lucha contra el TCA. En 2003 decidieron abandonar todas las otras líneas de negocio corchero, apostando exclusivamente por “el tapón tecnológico”. Sucediendo a la marca Altec, que no había dejado de sufrir problemas de TCA, hoy se trabaja con el tapón Diamant, donde el tratamiento del granulado de corcho a base de CO2 en condiciones supercríticas (alta presión y temperatura) logra luchar eficazmente contra el TCA. Esta vez, los investigadores han trabajado desde 1997 con el Laboratorio de los Fluidos Supercríticos y de las Membranas (Comisaría de Energía Atómica), situado en Pierrelatte.76 Una nueva patente internacional fue presentada en Francia en septiembre de 1999. Una inversión a gran escala - se supera los 18 millones de euros en la factoría española de San Vicente de Alcántara “permite acercarse a una era nueva en el tratamiento del corcho y en la fabricación de nuevos productos.”77 4.- Conclusiones El propósito de este artículo ha sido el de explicar la capacidad de adaptación y crecimiento de una empresa familiar durante tres generaciones. ¿Qué elementos fueron claves para la estrategia de los Sabaté? Una estrategia de internacionalización; una notable capacidad para innovar; la activa participación de la familia en redes sociales internacionales. Lejos de ser variables independientes, estos elementos juntos forman un sólido patrón de interrelación. Una predisposición para innovar ha caracterizado los Sabaté desde los años 40, siendo vital para el crecimiento de la empresa. Igualmente, el espíritu emprendedor de Modest se mantuvo en las dos generaciones siguientes, con diverso resultado. La vocación por innovar de la segunda generación confirmaría la apuesta por los tapones tecnológicos en los años 90, cuando la competencia de los sustitutivos se hacía sentir con más fuerza y obligaban a cambios en la arquitectura interna empresarial. La estructura de empresa familiar no fue un obstáculo para esta innovación, constituyendo una ventaja en cuanto a motivación y liderazgo. El Aracil (2005). Elena (2006). 76 77 167 caso de Sabaté, modesto pero analizado desde la perspectiva histórica, ilustra que los modelos no son estáticos, modelos perennes de organización de empresas, sino que pueden ser aplicados en varias fases de la vida de una empresa familiar. Siguiendo el trabajo de Puig y Fernández, el caso Sabaté testimonia la importancia de la acción colectiva en las empresas. Gracias a los Gruart y a sus actividades y contactos en Extremadura, los Sabaté recibieron beneficios, sirviendo estos canales para la transferencia de tecnología o para la realización de contactos, en un sector marcado por la relevancia de las relaciones personales. Se formaron sin duda alianzas estratégicas en momentos adecuados. Para Sabaté SA, corchera superviviente del sur de Francia, se impuso la revisión de sus estrategias de crecimiento: la calidad y la diferenciación, los mercados emergentes y la creación de productos nuevos fueron algunas de las respuestas. Una variable que marcó el crecimiento de Sabaté fue su internacionalización. ¿Qué percepción proporciona Sabaté en el campo de la internacionalización de las empresas familiares? Este artículo muestra un proceso gradual y acumulativo. El caso de estudio confirma el modelo teórico descrito en el Modelo de Uppsala así como la Teoría Evolutiva de la Empresa Multinacional. Es un buen ejemplo de la importancia de la acumulación de conocimiento en el desarrollo de la internacionalización, marcado también por el peso europeo, económico y cultural de la historia reciente. ¿Qué herramientas de gestión, capacidades y habilidades apoyaron esta internacionalización? Hubo valores como los adquiridos en la zona de una comarca fronteriza, habilidades como las de acumular activos intangibles, o un creciente conocimiento de los mercados internacionales. Eran aprendizajes que no debían quedar en una generación de gestores, sino incorporados a la misma empresa. Enseñanza interna basada en relaciones de familia que hizo posible la trasmisión de conocimiento entre generaciones, mantenido dentro de la empresa. El caso Sabaté proporciona nuevas evidencias empíricas de una forma familiar de gestión, lejos de ser obstáculo de una internacionalización, sino ventaja competitiva para acumular conocimiento o construir una marca con activos intangibles, elementos clave para el éxito del proceso. El grado de crecimiento y concentración de los principales grupos corcheros, acentuado con la crisis provocada por el “efecto TCA”, no deja de reforzar la hipótesis de que el aprendizaje es esencial en la internacionalización. Varias fueron las grandes empresas corcheras con recursos 168 suficientes como para crecer internacionalmente a través de la compra de empresas emblemáticas. Pero esta misma fase de concentración fue lo que acabó expulsando a los Sabaté de las fábricas que ellos habían creado. Y hoy en día son las mismas patentes que la familia Sabaté empezó a presentar en los años 80, las que dominan cada vez más el negocio actual de los tapones de corcho. 169 170 Bibliografía – Aracil, J. M. (2005): “El proceso Diamant: un objetivo de gran envergadura”, Revista de Enología, 6, 2-7. – Arnaud, J. (1992) : “Sabaté s’installe à Céret dans une nouvelle usine”, Les Echos, 30 octobre, 14. – Arnaud, J. (1994): “Sabaté innove pour séduire les Anglo-Saxons”, Les Echos, 7 de noviembre, 17. – Bordas, F. (1904): “Sur la maladie de la tache jaune des lièges”, Bulletin Académie Sciences, 138(15), pp. 928-929; Ibid. 138(21), 1287. – Carmona, J.; Colomé, J.; Pan-Montojo, J.; y Simpson, J. (eds.), (2001): Viñas, bodegas y mercados. El cambio técnico en la vitivinicultura española, 1850-1936, Zaragoza, Prensas Universitarias de Zaragoza. – Casson, M. (1999): “The Economics of the Family Firm”, Scandinavian Economic History Review, 47 (1), 10-23. – Church, R. (1993): “The family firm in industrial capitalism: International perspectives on hypotheses and history”. Business History, 35(1), 17-43. – Colli, A.; Fernández Pérez, P.; y Rose, M.B. (2003): “National Determinants of Family Firm Development? Family Firms in Britain, Spain and Italy in the Nineteenth and Twentieth Centuries”, Enterprise & Society, 4(1), 28-64. – Delgado, J. L. (2010): Historia técnica de la resina en España, 1826-1936, tesis de master, Universidad Autónoma de Madrid – Elena, M. (2006): “El corcho en la encrucijada: la pérdida del monopolio”, Boletín Económico de ICE, 2889, 127-147. – Fernández, P.; y Puig, N. (2007): “Bonsais in a Wild Forest? A Historical Interpretation of the Longevity of Spanish Large Family Firms”, Revista de Historia Económica. Journal of Iberian and Latin American Economic History, 25(3), 459-498. 171 – Fernández Moya, M. (2010): "A family-owned publishing multinational: The Salvat company (1869-1988)", Business History, 52, 453-470. – Galinier, P. (1997): "En Roussillon, Sabaté invente le nouveau bouchon", Le Monde, 26 de agosto. – Galtés, M. (2008): "Georges Sabaté, empresario del corcho y presidente de Barena Hispania", La Vanguardia, 29 de junio, 71. – Galve, C.; y Salas, V. (2003): La empresa familiar en España: fundamentos económicos y resultados, Bilbao, Fundación BBVA. – García Pereda, I. (2014): Les femmes et le liège, Perpignan, Trabucaire. – Grando, R. (2005): "La retirada de 1939", Républicains espagnols en Midi-Pyrénées, exil, histoire et mémoire, Toulouse, Presses universitaires du Mirail. – Granovetter, M.; y Swedberg, R. (1992): The sociology of economic life, Boulder CO, Westview Press. – Hilare-Pérez, L. (1984): "Le “Privilège", source d’Histoire Economique et révélateur d’une politique au XVme siècle, in Carón, F. (ed.). Les Brevets: leur utilisation en Histoire des Techniques et de l’Economie, Gif-sur-Yvette, CNRS. – Idoeta, N. (1993): "El grupo Sabaté exporta tapones a todo el mundo", Dinero, 8 de marzo, 502, 30-33. – Jiménez Blanco, J. I. (2013): "Un siglo sin innovación en la saca del corcho", Historia Agraria, 61, 79-114. – Johanson, J.; y Valhlne, J. (1977): "The internationalization process of the firm", Journal of International Business Studies, 8 (2), 12-32. – Martínez-Carrión, J. M.; y Medina-Albaladejo, F. J. (2008): "Innovación en el reino de la Monastrell. Cambio técnico e instituciones vitivinícolas en el sureste de España", Historia Agraria, 44, 53-88. – Kogut, B.; y Zander, U. (1993): "Knowledge of the firm and the evolutionary theory of the multinational corporation", Journal of International Business Studies, 24(4), 625-645. – Landes, D. S. (2006): Dinastías: fortunas y desdichas de las grandes familias de negocios, Barcelona, Crítica. – Leroy, F., 2006, "Les bouchonniers de champagne", Le patrimoine des caves et des celliers. Vins et alcools en Champagne-Ardenne et ailleurs, Reims: SCEREN/CRDP de Champagne-Ardenne. 172 – Madriá, E.; y Basart, P. (2011): "De Cassá a San Vicente", Gavarres, 19, 104-105. – Mathieu L. (1900): "Les goûts de bouchon dans les vins mousseux", Revue Viticulture, 1, 273-278 – Medir, R. (1953): Historia del Gremio Corchero, Madrid, Alhambra. – Olivier, P. (2007): Sagas industrielles en Languedoc-Roussillon, Villeveyrac, Le Papillon Rouge Editeur. – Pan-Montojo, J. (2009): "Las vitiviniculturas europeas: de la primera a la segunda globalización", Mundo Agrario, 9, 18, – Parejo, F. M.l (2006): "Cambios en el negocio mundial corchero: un análisis a largo plazo de las exportaciones españolas", Historia Agraria, 39, 241-265. – Penrose, E. (1962): Teoría del crecimiento de la empresa, Madrid, Aguilar. – Puig, N.; y Fernández, P. (2009): "La internacionalización de la gran empresa familiar española. Una perspectiva histórica", Información Comercial Española, 849, 27-38. – Riboulet, J. M. (1982): Contribution a l’étude chimique et microbiologique des "gouts de bouchon" dans les vins, Thèse 3me. Cycle, Université de Bordeaux – Rosenberg, N. (1982): Inside the Black Box: Technology and Economics, Cambridge, Cambridge University Press. – Sáiz, P. (1999): "Patentes, cambio técnico e industrialización en la España del siglo XIX", Revista de Historia Económica, 2. – Sabaté, B. (1998): "Bouchage de vins tranquilles par bouchon liège", Œnologie, fondements scientifiques et technologiques, Paris, Claude Flancy, Lavoisier. – Sabaté, B. (1993): "L’appellation garantie d’origine du liège: aide puissante a la régénération des subéraies", in Simposium mediterráneo sobre regeneración del monte alcornocal, Recopilación de Trabajos, Montargil, Mérida, Sevilla. – Sabaté, M. (1932): "Una industria catalana, los tapones de corcho", Estampa, 22 de abril, 22-23. – Sabaté, M. (1981): "El no d’en Cambó, a Gènova, l’any 1936", L’Avenç, 39, 14-15. 173 – Sala, P. (1998): "Obrador, indústria i aranzels al districte surer català (18301930)", Recerques, 37, 109-136. – Salas, P. (2003): Manufacturas de Corcho SA, antiga Miquel & Vincke: líder de l’exportació industrial espanyola, 1900-1930, Palafrugell, Museu Del Suro. – Saumell, A. (2001): "Propietarios, comerciantes y técnicos: La estación enológica de Vilafranca del Penedés 1901-1936", in Carmona, J.; Colomé, J.; Pan-Montojo, J. y Simpson, J. (eds.), (2001): Viñas, bodegas y mercados. El cambio técnico en la vitivinicultura española, 1850-1936, Zaragoza, Prensas Universitarias de Zaragoza. – Schlebecker, J. T. (1977): "Farmers and bureaucrats: reflections of technological innovations in agriculture", Agricultural History, 51, 641-655. – Sentis, C. (1983): "Modest Sabaté, condecorado", La Vanguardia, 14 de abril, 23. – Sentis, C. (1986): "Modest Sabaté o la vocación transpirenaica", La Vanguardia, 28 de noviembre, 30. – Sentis, C. (2006): Memòries d’un espectador, 1911-1950, Barcelona, La Campana. – Simpson, J. (2001): “Introducción”, in Carmona, J.; Colomé, J.; Pan-Montojo, J. & Simpson, J. (ed.): Viñas, bodegas y mercados. El cambio técnico en la vitivinicultura española, 1850-1936, Zaragoza, Prensas Universitarias de Zaragoza, 141-151. – Taber, G. (2007): To cork or not to cork, Tradition, Romance, Science, and the Battle for the Wine Bottle, New York, Scribner. – Tanner, H.; Zanier, C.; y Busser, H. R. (1981): "2-4-6 Trichloroanisol: eine dominierende Komponente des Korkgeschmakes", Schweizerische Zeitschrift für Obst und Weinbau, 117, 97-103. – Valdaliso, J. M.; y López, S. (2000): Historia económica de la empresa, Barcelona, Crítica. – Valdaliso, J. M. (2010): "Innovación y cooperación: la internacionalización de las empresas del clustr de la electrónica y las TICs del País Vasco (c. 1970-2007)", Revista de Historia Industrial, 43, 163-191. – Woronoff D. (1994): Histoire de l’industrie en France: du XVIe siècle à nos jours, Paris, Seuil. – Zapata, S. (1996): "Corcho extremeño y andaluz, tapones gerundenses", Revista de Historia Industrial, 10, 37-68. 174 Figura 1.- Encabezado anterior a 1939, con la dirección de la primera fábrica de los Sabaté en Francia. Ya se menciona un depósito cerca de la frontera, en Argelés Fuente: Archivo Maison Sabaté, Le Boulou Figura 2.- Imagen de una cena donde se pueden ver a Jorge Gruart, Modest Sabaté, sus esposas y otra mujer Fuente: Archivo familiar Jorge Gruart 175 Figura 3.- Los cuatro hermanos Sabaté en una fotografía de los años 90: Georges, Bernard, Augustin, Alex Fuente: Archivo Maison Sabaté, Le Boulou Figura 4.- Red de comerciales de Sabaté en Francia en 1993 Fuente: Bulletin des établissements Sabaté, 1993, Archivo Maison Sabaté, Le Boulou 176 Economía / Economia Fuente: Foto cedida por Five Photography 177 178 La manera de hacer bien las visitas, fórmulas empresariales para la venta de productos de corcho. El caso de la empresa Esteva de Palafrugell1 The way to make well visits, entrepreneurial forms for the sale of cork products. The case of Esteva Company of Palafrugell Armando Quintas (CIDEHUS – Universidad. de Évora, CECHAP, Património Industrial no Sul de Portugal) [email protected] Jordi Turró (Centre de Documentació Ramir Medir - Museu del Suro de Palafrugell) [email protected] – Resumen: Entre la diversa documentación incorporada en el Centro de Documentación Ramir Medir Museu del Suro de Palafrugell, adquiere un especial interés para el conocimiento de la historia de la industria del corcho en Catalunya, los archivos de empresas de compra, procesamiento y de producción de maquinaria. De los diversos fondos y colecciones, se encuentra el fondo Joaquim Esteva S.A., de la empresa familiar Esteva, fundada en 1836 por Miquel Esteva Martinell, que tuvo su taller dedicado a la producción de tapones de corcho en la localidad de Palafrugell, comarca del Baix Empordà (Girona, España). La clasificación e inventario del fondo Joaquim Esteva S.A. ha resultado del proyecto Leonardo Da Vinci a través del convenio entre el Museu del Suro e Euronatura, siendo ejecutado por Armando Quintas entre Octubre e Diciembre de 2014, siguiendo la normativa catalana de descripción archivística (NODAC). 1 179 Esta empresa expandió su negocio entrando en los importantes mercados de Alemania, Francia, Suiza, etc., manteniendo relaciones comerciales con importantes compañías y estableciendo representantes en las principales ciudades de España y el resto de Europa. Dentro de sus archivos, destaca el documento intitulado “La manera de fer bé les visites”, escrito en los inicios del siglo XX, cuya función era el de preparar a los comerciantes de tapones que vendían directamente a los consumidores o detallistas. El texto recoge las principales cualidades para formar a un buen comerciante y las fórmulas para saber vender sus productos a través de un diálogo entre un comerciante de tapones y un posible cliente. – Palabras Clave: Catalunya; Industria Corchera; Museo del Suro; Joaquim Esteva S.A. – Abstract: Among the different incorporated documents in the Museu del Suro de Palafrugell (Palafrugell Cork Museum), in their Documentation Center Ramir Medir, acquires a special significance for the history of the cork industry in Catalonia the files of the purchasing, processing and machinery production companies. On the various documents, we find the Joaquim Esteva S.A. fund, a enterprise archive of the Esteva family business, founded in 1836 by Miquel Martinell, who had his workshop dedicated to the production of cork stoppers in the town of Pallafrugell, region of Gerona, Spain This enterprise expanded their business entering in the important markets of Germany, France, Switzerland, maintaining commercial relations with major companies and establishing representatives in the main cities of Spain and Europe. Within its archives, the document entitled “La manera de fer bé les visites “stands written in the early twentieth century, whose function would be to prepare caps traders who sold directly to consumers or retailers. Picking the main qualities of a good trader and formulas to know how to sell their products through dialogues between a trader and a a hypothetical customer. – Keywords: Catalonia; Cork Industry; Museo del Suro; Joaquim Esteva S.A. 180 1.- El fondo Joaquim Esteva del Museu del Suro El Museu del Suro de Palafrugell2, es una institución cultural fundada en 1972 con la misión de adquirir, conservar, interpretar y valorizar el patrimonio en torno del corcho de Catalunya, como elemento de paisaje, industria e identidad colectiva. En 2012, tras varios años en las instalaciones de la calle Tarongeta, se cambia al antiguo complexo industrial de Can Mario, donde a partir de 1900 se instaló la empresa Miquel, Vincke & Meyer (Manufacturas del Corcho S.A, des de 1916). En 1930 fue comprada por la empresa americana Armstrong Corck Co., pasándose a denominar Manufacturas del Corcho Armstrong S.A. y allí funcionaria hasta la década de los ochenta del siglo pasado. En sus momentos áureos había empleado más de un millar de obreros, siendo la fábrica más importante de la localidad.3 Figura 1.- Museu del Suro de Palafrugell http://www.museudelsuro.cat/ Sala (2003) y Fernàndez (1995). 2 3 181 El museo gestiona varios espacios culturales, desde el complexo rehabilitado y musealizado de la antigua fábrica de Manufacturas del Corcho S.A, donde posee la exposición del antiguo circuito productivo, con máquinas y recursos didácticos, servicios educativos y un auditorio. También gestiona un centro interpretativo del antiguo depósito de agua de Can Mario, que suministraba agua a la antigua fábrica, el Conjunto Monumental de Sant Sebastià de la Guarda y el Centro de Documentación Ramir Medir. Este Centro de Documentación incorpora documentos y archivos de empresas de corcho y entidades de regulación, compra, procesamiento y de producción de maquinaria. Dentro de la política de preservación del museo, adquiere un especial interés por el aporte científico al conocimiento de esta industria en Catalunya, constituyéndose como un centro especializado en la historia corchera. Entre los principales fondos documentales se incluyen fondos comerciales y de empresa, y fondos de instituciones corcheras. Como fondos comerciales y de empresa, destacamos los fondos Manufacturas del Corcho S.A, Genís y Cia, Industria Corchera Bertrán, Joaquim Esteva S.A. y Eduardo Bruguera. Todos estos fondos corresponden a antiguas fábricas de transformación. También se conservan fondos de empresas de producción de maquinaria (fondos Talleres Gallart y Tallers Trill) y los fondos de las entidades reguladoras de esta industria, como el fondo de la Delegación Nordeste del Sindicato Nacional de Madera y Corcho, el Grupo Provincial de la Madera y el Corcho y Aecork además de entidades mutuales como el fondo de la Mutual Corchera. Respecto al fondo Joaquim Esteva, su documentación fue cedida al Museu en el verano de 2014 por la misma familia, que, desde 1836, ha regentado la fábrica de corcho situada en el centro de Palafrugell. Actualmente el fondo tiene un volumen considerable de 146 cajas y 5 libros de gran formato, ocupando 15 metros lineares en el archivo. Su contenido es muy diverso: libros de contabilidad, correspondencia, documentos sobre proveedores de corcho, producción, salarios, entre otros.4 Para una descripción pormenorizada del fondo, consultar su inventario disponible en: www.museudelsuro.cat 4 182 2 .- La empresa Esteva. Una introducción La empresa Esteva es fundada en 1836 por Miquel Esteva Martinell, que construye su primer taller de producción de tapones de corcho en Palafrugell, calle Serra i Avellí, donde todavía se encuentra la empresa. Le sucede su hijo, Joaquim Esteva de Mata, que en 1885 va a expandir el negocio familiar, entrando en los mercados europeos, sobretodo Inglaterra, Francia y Suiza, y manteniendo relaciones comerciales con importantes compañías que adquirían tapones catalanes, como William Rankin & Sons de Glasgow, entre otras. En su política comercial, establecerá representantes en las principales ciudades de España y de Europa ( Barcelona, Madrid, Londres, París, etc.) Figura 2.- Miquel Esteva Martinell, finales del siglo XIX (Centre de Documentació Ramir Medir - Museu del Suro, Fondo Joaquim Esteva S.A.) De Joaquim Esteva de Mata, la empresa pasa en 1942 a Miguel Esteva Girbauque va orientar la producción para los mercados de Estados Unidos y América Latina, debido al descrecimiento de la procura europea motivada por la Segunda Guerra Mundial. En 1960, Joaquim Esteva Genís asume la gestión, renovando los sistemas de producción de la fábrica. 183 Por último, en el año de 1984 la empresa adopta una nueva denominación, Joaquim Esteva S.A. y la sucesión pasa a Enric Frigola Esteva, dejando de seguir la línea familiar directa de padre a hijo. Des de entonces, se especializa la producción para las bodegas de champán del sur de Francia, un mercado de gran valor económico que consigue absorber una producción personalizada. El fondo de esta empresa, todavía por explorar, ofrece múltiples posibilidades para la investigación histórica. Evidentemente, posibilita presentar un estudio de caso, un análisis de empresa de dimensiones básicamente micro-económicas, pero también puede aportar elementos innovadores en la contextualización económica del sector en las tres etapas que Santiago Zapata dividió la evolución histórica del corcho en España (Zapata, 1996). En la primera, desde los orígenes hasta finales del siglo XIX, la empresa era una más del distrito corchero catalán, básicamente ampurdanés, que producía exclusivamente tapones para el mercado exterior. La empresa mantuvo el tapón como producto exclusivo en la primera mitad del siglo XX caracterizada por la introducción de nuevos productos, como el aglomerado, y la aparición de las grandes empresas. La empresa inició su mecanización y sin olvidar el mercado exterior, extendió sus representaciones en las principales ciudades españolas. Este mercado interior se consolidó en la tercera etapa, iniciada en 1950. La abundante documentación conservada en el Centro de Documentación del Museo, permite estudiar los proveedores de materia primera de la empresa principalmente de la España sur y sur-oeste- y las relaciones establecidas, no siempre cordiales, con los propietarios productores. También posibilita analizar las relaciones con empresas extranjeras subministradoras de materias químicas y auxiliares (ácido oxálico, caseína, etc.) La documentación permite reseguir otros aspectos, como las relaciones de trabajo entre los fabricantes y los obreros y los salarios de la clase trabajadora. Sin embargo, la documentación conservada más abundante trata sobre los clientes y la comercialización de los tapones. En este sentido, el fondo permite profundizar sobre los tres modelos de comercialización adoptados por la empresa (Roger, 1911): 184 a) La venta directa a los clientes. Este modelo, adoptado por los comerciantes de tapones des del siglo XIX, se caracterizaba por el trato directo con el consumidor. Para alcanzar el éxito, eran fundamentales las visitas, realizadas por el patrono o el comerciante de la empresa, que permitían conocer personalmente el cliente y sus necesidades. b) La formalización de pactos con mayoristas importadores extranjeros. Se trataba de compañías ubicadas en el país de destino de las mercaderías que se encargaban de la distribución de los tapones a los clientes. Normalmente, eran almacenistas o detallistas que servían a bodegas, tabernas o farmacias, entre otros. c) El establecimiento de relaciones contractuales con agentes y representantes. Des de finales del siglo XIX, la empresa desarrolló una red de representaciones tanto en el extranjero como en el interior de España. La presente comunicación pretende, además de dar a conocer este importante fondo documental, analizar una de estas técnicas de comercialización. El modelo de venta directa a través de las visitas a los clientes, lo vamos a analizar con más profundidad en el siguiente apartado, a través de un documento singular conservado en el fondo de la empresa y titulado “La manera de hacer bien las visitas”. 3.- La manera de hacer bien las visitas Entre la diversa documentación existente en el fondo, destacamos el documento titulado “La manera de fer bé les visites”, una libreta cuyo texto se atribuye a Miguel Esteva Girbau, nieto del fundador y escrito alrededor de 1915. Este documento está relacionado con la venta de tapones a principios del siglo XX en el transcurso las visitas que se hacían a los clientes. El texto recoge el prototipo característico de los comerciantes de tapones establecidos en Catalunya, que vendían directamente a los consumidores o detallistas, con los cuales trataban a través de la correspondencia o bien con las visitas de los viajantes. Estos viajes tenían el objetivo de ampliar demandas y conseguir nuevos clientes. Constituían la mejor manera de estudiar las empresas que compraban tapones (bodegas, fábricas de cervezas, perfumerías y de refrescos carbónicos, etc.) Adaptán185 dose a sus necesidades y sus gustos, haciendo publicidad de sus tapones y productos e intentando hacer entender al cliente que con el producto que le ofrecían, podría satisfacer sus objetivos. Por este motivo, el texto recoge dos de las principales cualidades que, a principios del siglo XX, debía poseer un buen comerciante para alcanzar su éxito: saber comprar la materia primera y realizar bien las trías o selección. Está dividido en cinco grandes puntos y abarca desde las fórmulas para saber introducirse, la presentación del escaparate hasta fijar los precios y las condiciones de venta para las demandas. En el primero punto, podremos observar el detalle de la información sobre los productos presentados, cuando se hace referencia a la disponibilidad de diferentes clases de tapones: “1er Punt – Sapiguer introduirse V– Bon dia tingui! Dispensi la molèstia ! C– No hi ha de què! Què se l’hi ofereix? V– Vinc a oferirli els productes de la casa Joaquim Esteva de Palafrugell (P[rovin]cia de Girona) la qual fabrica tota classe de taps de suru, de totes les classes i dimensions, de les millors procedències i a preus reduïts. [..]” En el segundo punto, se hace referencia al origen y calidad de la materia primera bien como se pone en relieve el tipo de tapón ideal para la explosión de la apertura de la botella de champán de forma a satisfacer una necesidad específica del cliente. “2n Punt – Sapiguer fer la presentació del mostruari Mostres de 24’’ x 11/12 per sidra V– Aquestos són els taps per a sidra que puc oferirli. La clase de suru és bona i garantida, perquè prové de propietats de suru que tenen fama per la seva bona producció i de tota confiança (montanya del Montseny). [..] 186 Observarà vostè també que aquestos taps són molt pastosos, que és lo que crec volen vostès, perquè al destaparse facin explosió com el champagne. [..]” En definitiva, el documento, escrito en forma de diálogo entre un comerciante de tapones y un hipotético cliente, recoge tanto las aptitudes que debe tener un buen comerciantes de tapones como las condiciones necesarias que debe tener en cuenta para la venda de sus artículos. Nota sobre la edición del manuscrito Para elaborar la presente edición, hemos hecho una transcripción íntegra del manuscrito, conservado en el Centre de Documentació Ramir Medir del Museu del Suro. Hemos normalizado la acentuación e insertado signos de puntuación indispensables para la correcta inteligibilidad del texto. Se han desarrollado también las abreviaturas, con la parte suprimida en cursiva. En ningún caso, hemos realizado otras normalizaciones de tipo ortográfico o lingüístico. Apéndice MANERA DE FER BÉ LES VISITES 5 1er Punt- Sapiguer introduirse 2n Punt- Sapiguer fer la presentació del mostruari 3r Punt- Sapiguer fer l’article 4t Punt- Sapiguer obtenir ordres y fixar bé les condicions 5 Punt- Sapiguer despedirse Transcripción realizada por Jordi Turró. Documento original en : Centre de Documentació Ramir Medir – Museu del Suro, fondo Joaquim Esteva S.A. Apunts i notes, Caja 111. 5 187 Visita de presentació e introducció 1er Punt – Sapiguer introduirse V– Ab permís ? Es pot entrar ? C– Qui demana? V– Un viatjant de comerç que desitja oferir-ls’hi els seus serveis. C– Endavant! Què se li ofereix? V– Desitjaria parlar quatre paraules ab el duenyo o l’encarregat de la casa. C– En aquest moment li és impossible rebre’l. Està molt ocupat! Què voldria ? V– Tinc el gust de oferir-me a vostè com a fabricant de taps de suru i, haventme sigut recomanada aquesta casa, prenc la llibertat de venir a oferir-ls’hi els meus serveis per qualsevol classe de taps que necessitin en tots calibres i dimensions. C– El Sr. Romate diu que, com ja existències sobrades, no vol pas veurer res. V– Li digui de part meva que, encare que no mes fos per saludarlo i coneixe’l particularment desitjaria parlar-hi, doncs seria una verdadera llàstima d’entornarmen sense poguer-lo conèixer. C– Vol fer el favor d’entrar al despatx? V– Bon dia tingui! Dispensi la molèstia! C– No hi ha de què! Què se l’hi ofereix? V– Vinc a oferirli els productes de la casa Joaquim Esteva de Palafrugell (P[rovin]cia de Girona) la qual fabrica tota classe de taps de suru, de totes les classes i dimensions, de les millors procedències i a preus reduïts. C– Sento molt que en aquestos moments estic completament assortit, si vol donarme la seva direcció, quand se presenti l’occasió ja li escriuria. V– Perdoni la meva impertinència, però si pogués concedirme una audiència de 10 minuts no més per ensenyarli quatre mostres, li agrahiria molt i molt, i como diu l’adagi, que per mostra basta un botó, ab elles podria vostè jutjar si a l’occasió podrian serli o no útils els meus serveis. 188 C– Porto pressa i no puc entretenirme. V– Ni una paraules més. Li suplico perdoni el meu atreviment, i aquí té la meva direcció ab nota de preus per si alguna vegada desitja probar els meus articles que poso a la seva entera disposició. Com a punt final, si volgués insinuarme les classes de taps que en la seva fàbrica consumen principalment en prendria nota, a fi de poguerli fer ofertes de quand en quand si vostè no tingués inconvenient. Suposo que essent vostè un fabricant de vi necessitarà principalment el taps de 20 de llarg per 10/11 de diàmetro, o sigui, 44 m/m de llarg o 25 m/m de diàmetre. La classe del suru, suposo [que] voldrà ferm (criat) tractantse de vi, i les classes de 25 a 30 pts per els vins fins i de 15 a 20 per a els corrents. D’aquí 4 a 5 mesos, que probablement ja haurà agotat les seves reserves de taps, li enviaré mostres i celebraria arrivessin a entrar en relacions comercials. C– Vostè dissimuli, però com que me surteixo desde fa molt temps ab un amic meu i estic satisfet dels seus envíos, me sembla seria temps perdut tota vegada que no seria pertinent un cambi sense motius justificats. V– A igualtat de condicions és molt natural i llògic que vostè procuri no canviar de comprador. Emperò precisament perquè estic convençut de què puc oferir-li millors ventatges que qualsevol altra, li prego me permeti, si no ha de serli molt molest ensenyar-li les mostres. C– És vritat! Però com qu’els taps és un article tant secundari per a nosaltres, a lo millor un encarrega les comandes per amistat. V– Dispensi que li digui qu’és una costum molt perillosa i tot fabriquant de vins o licors que senti una mica de zel per les seves marques i tingui aquesta costum, no’s pot arrivar a pensar el perjudici que ocasiona a la seva butxaca i les greus conseqüències a què s’exposa. Tots els líquits que s’embotellen en bon estat, i en les degudes condicions i es malmeten dins la botella, en tots els casos, per lo menos de 100 als 90, s’ha d’atribuir la causa a la mala procedència del suru del tap. I essent aixís, que la relació entre el preu del líquit i el del tap (per bo qu’aquest sigui) és de una differència tant grand, és una cosa que no’s comprèn que hi hagi algú que no volgui donar la importància qu’es mereix a la compra dels taps quand les conseqüències sont tan fatals i abdós valors tant desproporcionats. 189 C– Sí, però no hi ha manera de saber exactament quins sont els taps bons i els dolents! V– Ab això té molta rahó i comprenc l’indecisió dels consumidors. Per a els que no han tingut occasió d’intervenir en la fabricació del suru, és molt difícil de saber distingir el suru bo del flac, perquè això és el resultant d’un cúmul de condicions i qualitats que s’han de saber observar i que únicament la pràctica ensenya del tot. Es pot sentar com a principi que el suru de la província de Girona és el que mereix més confiança, encare que també hi han localitats que donen suro podrit i que deixa molt que desitjar. S’ha de comprar, doncs, en les localitats i a productors que tinguin bona cullita i aquestos són molt difícils de tractar, perquè exigeixen condicions exageradament ventatjoses per a ells, pago al comptat sense descompte, franc de ports, preus més elevats, etc. A casa tractem ab 2 propietaris de suru que ens reserven el suru de cada cullita ja fa més de 15 anys. Però com qu’és una mercaderia de tota confiança, prefereixo pagar una mica més i guanyar menos, però possehir una clientela sòlida que tingui complerta confiança en els nostres taps. Me permet que li ensenyi les mostres? C– Veyam, ensenyi les mostres, encare que hi tinc molt poca confiança, perquè les que s’ensenyen totes són bones, però a lo millor un fa una nota i allà sont les dificultats. En molts casos, he tingut de lamentar reclamacions per resultar la partida més flaca que la mostra. V– Sento verdaderament que tingui aquesta prevenció tant justificada per altra part per l’informalitat de la majoria dels viatjants, llàstima només que en això com ab tot tingui que pagar el just pel pecador. Per altra part, no puc arrivar a entendre el per què d’aquesta tàctica ab un article de tant poc valor com són els taps de suru, perquè si no’s pot pas lograr la repetició continua de les ordres, la ganancia se redueix a 0. Se comprèn això ab la venta d’articles de grand preu com les joyes, sedes, etc. qu’ ofereixen un marge de benefici molt crescut, però ab els taps lo que s’aprecia i té estima és la clientela numerosa, sòlida i durable. De totes maneres, això no’m preocupa ni poc ni molt, perquè estic segur de que si arrivem a entendrens, no hauran mai de tirarme en cara una informalitat semblant. Ab 10 anys qu’estic dintre del negoci, no he tingut que contestar més que 4 o 5 reclamacions d’aquesta mena, que foren ate190 ses degudament, i que no és extrany en un període tan llarc, perquè no hi ha modo d’evitar un descuit en rectificar degudament el trevall dels obrers. Considero que té aquesta condició una importància tant capital, i l’observo ab tanta escrúpol, que la faig resaltar a tot arreu a ahont me presento, com un reclam, i solzament desitjo que ab el temps li pugui demostrar pràcticament la vritat de les meves paraules. 2n Punt – Sapiguer fer la presentació del mostruari — Mostres de 24 x 11/12 per sidra V– Aquestos són els taps per a sidra que puc oferirli. La clase de suru és bona i garantida, perquè prové de propietats de suru que tenen fama per la seva bona producció i de tota confiança (montanya del Montseny). El suru dóna per blanc, qu’en diem nosaltres, no és podrit i aixís és que no hi ha por de que donguin mal gust al líquit. Aquesta és una condició que no la trovarà pas ab tots els fabricants taps, i que a pesar de tot, té una importància capital, perquè una sidra embotellada ab un tap de suru podrit, està molt exposada que tingui mal gust, sobretot si ha de quedar molt de temps embotellada. Observarà vostè també que aquestos taps són molt pastosos, que és lo que crec volen vostès, perquè al destaparse facin explosió com el champagne. En el cas de que considerés aquestos taps massa flonjos, porto una altra mostra de suru més ferm, però de la mateixa classe i de iguals bones condicions. — Mostres de 20 per a vins Aquestes són les classes de taps per a vins que fabrica la nostra casa. Classe 2ª i 3ª.- Aquestes són les més barates per a vins usuals, de consum diari. La procedència del suru és la mateixa per la classe superior, únicament que és la part no tan bona del trio. Passa ab elles lo mateix que ab les taronges i altres fruites que encare que tinguin el mateix origen i siguin fruits del mateix arbre s’els classifica en moltes classes segons la seva finor. Dat cas de que hagin de menester aquestes classes barates, li puc assegurar qu’en quedaria molt satisfet. 191 A continuació, tinc aquestes dugues classes per a vins més escullits que requereixen una presentació més acurada. El gra, com pot veurer, és petit i fort, que no deixa escapar serrí de suro, que fa tant mal efecte quand se tira el vi a la copa. Per a les seves classes de vi extra, puc oferir-li aquestos taps que no tenen rival, tant per la seva finor com per la procedència immillorable del suru. Han sigut triats i escullits, de manera que no hi hagi cap tap que no’s pugui garantir. La procedència del suru és tant bona que no hi ha el més petit temor per més anys qu’el vi tingués de quedar embotellat, qu’en sofrís lo més mínim. Per lo demés, pot estar ben convençut de que aquestos taps no han de dar el més petit gust extrany al líquid, ni cambiar el seu bouquet ni molt menos comunicar-li mal olor. Encare hi ha més, ab l’intenció d’evitar tota posibilitat de que caigui la més petita volva de serrí, que fora molt possible, donada la pressió que sofreix el tap dins la botella, se’ls hi ha fet un cap net, ab lo que es guanya, a més de no deixar escapar ni una partícula de serrí, qu’el cap sigui impermeable. Per a les mitjes botelles, porto aquestes altres mostres, que corresponen en quant a classe a l’altra mida, i per lo que fa referència al calibre, pot ferse de la manera i tant exacte com vostè vulgui. — Mostres de 17 per a cerveses, gaseoses i aigües minerals V– Li demano faci el favor d’examinar aquestes mostres per a cerveses que tinc la convicció, que li han d’agradar. El suru és de la millor procedència i de propietats de suru que els experiments i la gran pràctica han consagrat com essent de lo millor aixís és que, sense el més petit escrúpol, pot aplicar aquestes classes per a els usos de més compromís i més delicats. Al mateix temps, puc garantirli, tap per tap ,que ni un sol d’ells donarà mal gust a la seva cerveza, aixís com tampoc deixen mal olor, condicions que s’han de tenir molt en compte. Ademés, la sustància del suru és gomosa, això és, s’emmotlla perfectament a la forma de la botella, i se reinfla al ésser dintre el coll, no deixant penetrar ni una molècula d’aire, ni deixa escapar la més petita cosa de gas de la cerveza. 192 Les classes sont també molt fines proporcionalment als seus preus. La classe superior particularment és admirable, tenint la ventatja de que té un cap net a fi de que no deixi escapar en el líquid ni una volva de serrí, i que al tirar la cervesa dins la copa surti immaculada i transperent com el cristall. 3r Punt- Sapiguer fer l’article C– Quines qualitats ha de reunir el tap de suro i quins defectes no ha de tenir? V– El tap de suro, lo mateix que totes les coses de la terra, té una missió a cumplir, i aquesta no és altra que tapar bé les botelles, perquè el líquit no vessi, però hi ha qu’ afegir...sense perjudici car les seves qualitats, això és sense cambiar el color, ni treure l’aroma donant mal olor. El que un tap sigui més o menos fi, i tingui més o menos gra no és lo principal, perquè pot molt bé donarse el cas de que un tap sigui molt fi i, en cambi, que no serveixi per tapar per ser de mala procedència i donar mal olor. Un exemple viu el tenim amb el suru africà, el de Tarifa i el de Huelva, que tot i essent molt fins, per rahó de la naturalesa del subsól ahont creixen, fan mal olor, i encare que no en tanta escala existeixen també propietats a Extremadura, Portugal, Andalucia... y hasta en alguns punts de Cataluña que donen suru pudent. Però el cas més declarat és el del suru africà, y a pesar d’això, degut a n’els preus ventatjosos a qu’es venen aquests surus en els magatzems, hi ha molts fabricants despreocupats que serveixen avui dia a n’els seus clients no més que taps d’aquesta classe. Jo, personalment, he pogut comprobar com alguns fabricants de vins i principalment de cerveses, no volen donar la més petita importància a la compra dels taps i, ab tal qu’els hi ofereixin 1 o 2 pts al mil més barato, refusen lo bo i admeten lo que a cap preu deurien comprar, sense calcular que una economia tant petita i insignificant, pot tirar a perdre la reputació més sòlida, adquirida a costa de tants sacrificis, i de costosos gastos d’anunci i propaganda. C– En que’s distingeixen els taps podrits dels bons? V– Personalment, pot adivinar-ho, si veu que li ofereixen taps a preus massa ventatjosos. Ovservant sobre el tap és molt difícil... casi impossible 193 de comprobar-ho, perquè la mala procedència no es manifesta en cap signo exterior. De vegades, quan un tap és exageradament podrit, ja se sent pudir antes d’ésser dins la botella, però per regla general, aquesta mala condició se’ls hi desarrolla al estar en contacte ab la constant humitat del líquit. Emperò, nosaltres, els fabricants de taps coneixem perfectament si els nostres taps sont bons o dolents, perquè ens sabem de memòria els països, comarques, boscos i hasta propietats que donen el suro bo o dolent, ab les qualitats i defectes de cada hu d’ells. Exemple i gracia: nosaltres sabem que tal o cual magatzemista de suru, vend suro africà, per ésser representant d’una firma argelina... ja no se n’ha de parlar més, el fabricant que compra d’aquell suru per a la fabricació de taps és un desaprensiu al qui poc l’importa els interessos dels seus clients que, tard o d’hora, se’n ressentiran. Aqueixos fulanos s’estimen més anar d’aquí i d’allà enganyant innocents, que no pas ferse una clientela a dieta i constant, i s’ha de convenir, qu’es una manera de fer negocis molt cómoda i agradable, perquè els consumidors accepten ab facilitat les seves mercaderies per esser el suru africà fi y... barato. Ab tot i això, no deixa de ser un engany manifest, perquè els hi consta que aquests taps els poden perjudicar en gran manera. C– Y els seus taps, com són? V– Desde qu’he estic ficat dintre la fabricació del suru, he procurat sempre tant com he pogut, que’ls meus taps reuneixin totes les condicions qu’es poden desitjar, bona hechura, exactitut de dimensions, però, per sobre de tot, he posat un cuidado especial en fabricar els meus taps de suro procedent de propietats nombrades per la seva bona producció i d’una confiança a tota prova. Aixís i tot, tinc ordres donades a n’els operaris triadors, que quand trobin un tap dubtós, el separin, i els hi dong un ral de gratificació per cada tap podent que troben. Però pasa tant poques vegades qu’es un cas extraordinari. C– A qui s’han de comprar, doncs, els taps? V– Jo li recomano ab tot desinterès, si vol estalviar-se sorpreses desagradables, d’escullir un fabricant de taps que li mereixi tota la confiança, i quines mercaderies posades a observació durant algun temps, no li hagin ocasionat queixes dels seus consumidors, dihent que de quand en quand senten en les seves botelles una pudó extranya i repugnant. 194 Una vegada hagi conseguit això, jo li asseguro que haurà donat un grand pas per a consolidar la fama dels seus productes. Un exemple viu el té vostè en les fàbriques de Champagne (França) a les que tant els hi interessa que les seves marques siguin ben consolidades, i no corrin el perill de ser desbancades del mercat. Posen un cuidado portentós ab escollir el seu furnidor de taps, però una vegada han comprobat que és una persona íntegra, i li han posat la seva confiança, allavors només se troven segurs ab els taps del seu furnidor. 4t Punt- Sapiguer obtenir ordres i ficar bé les condicions C– A quins preus, té els seus taps? V– Preus mòdics, com veurà: Pts: 12,50 % per la 3ª classe, 17 en 2ª, Pts: 20 per la c/, 24 per la 1ª i pts 30 per la classe extra. Aquestos preus són calculats nets per mi, això és, corren pel seu compte els gastos de transport, acarreos, etc... C– No vull gastos suplementaris, me dongui el preus nets aquí. V– Ab aquestes condicions resulten els mateixos preus, més l’1% de recàrrec. C– Permetim que li digui qu’els seus preus sont molt exagerats i compro ab més ventatje a n’el meu furnidor. D– Ab això dels preus me permetrà li fassi una petita observació, que explicat és la clau per arribar moltes vegades ab un accord. El preu de una classe de taps depend del trio més o menos depurat, influint aquesta causa en més o menos escala en la cotisació dels preus. D’aquí en resulta qu’al començament sigui una mica difícil arrivar a adivinar els gust del consumidors de taps, perquè antes de conèixer la classe més ventajosa per a ells, sont necessaris una sèrie de tanteigs que, moltes vegades, per una mala inteligència fan fracassar l’èxit de l’operació. Una sola cosa puc assegurarli, i és que jo que fa 10 anys que estic en contacte i al corrent de tots els cambis oscil·lacions d’aquest negoci, li dic ab tota convicció i sinceritat que li ofereixo taps de tota confianza en bones condicions. 195 C– Això a mi ni m’importa, ni poc ni molt, el cas és de que jo puc comprar taps més fins a preus més ventatjosos i, si no ho vol creurer, li podria ensenyar la factura perquè s’en convencés. V– De cap manera, tinc la pretensió de negar-ho, però és la meva convicció que tota vegada que el seu furnidor li fa condicions tant ventatjoses, d’una manera o altra, s’ha de rescabalar, perquè del contrari voldria dir que perd diners ab la venta, cosa que no’s pot admetre de cap manera. En aquest cas, de segur qu’el suru, no és de bona procedència i d’ésser així seria lo pitjor que li podria arrivar. Respecte als taps, li aconsello vagi ab cuidado ab això de les economies, que moltes vegades, resultan molt cares, perquè desenganyar-se, un líquit embotellat ab un tap de suru de males condicions és impossible qu’es conservi bé. Al meu entendre, seria més prudent fer economies ab etiquetas, lacres, alambres, botelles que no pas ab els taps, perquè aquells fan un servei accidental, mentres que dels taps en depèn la millor conservació del líquit. C– Tot això està molt bé, però la qüestió és que els taps que compro són més fins i baratos qu’els seus, de consegüent seria un grand contrasentit que deixés lo bo i barato per comprar lo car i dolent. V– Tingui per molt segur que no sempre els taps d’aspecte més agradable són els millors. Si vostè veyés els trios del taps de Champagne se’n convenceria desseguida, i allà veuria taps molt fins que van a la classe flaca, i taps molt picats qu’es tiren ab la classe superior, perquè tant o més que a la finor, lo qu’es mira és la raça i la procedència del suru que, al cap i a la fi, és lo esencial. Perquè això de la finor (ja no és cap secret per a ningú) que las més de les vegades s’obté a copia de rentatges ab sustàncies químiques que, encare que no siguin cap veneno, mai donen res de bo al líquit. Y això és lo que fan tots, absolutament tots, els que pretenen vendre bo i molt barato, perquè no tenen altra remei que justificar els seus preus que amagar els defectes de les seves mercaderies ab procediments viturables,6 rentatges forts de cloro, ensofrarlos... i mil porqueries més que tenen el mateix objectiu qu’els cosmètics i pomades ab les cares de les senyores, esto es, cubrir ab l’apariència la realitat. Però el cas més curiós i extravegant és el d’aquells altres fabricants que per donar a n’els seus taps un aspecte fi i agradable els he fabriquen ab Actitud blasmable. 6 196 màquines al esmeril o paper de vidre, ab lo que logren fer els seus taps molt exactes, molt emmotllats i d’un aspecte molt fi, precisament perquè el serrí que desprèn el papel de vidre al rosegar el suro per ferlo rodó, tapa els poros (forats) del tap, i tot ell es troba cobert d’una pols finíssima, casi imperceptible, que té la virtut i la gràcia de tornar els taps flacs en bons. Els consumidors que tapan ab aquestos taps es creuen tapar ab un bon tap de suru, i en realitat tapen ab un dipòsit de serrí, succehint que al anar a destapar l’ampolla un se troba ab un pòsit que no és més que pasta de serrí, i qu’el consumidor atribueix a no ser el líquit prou clarificat. La meva norma de conducta en la fabricació consisteix: 1r. En que les primeres matèries siguin lo millor possible (això és lo essecial). 2n Fabricar els taps per procediments (antic si vostè vol) emperò inofensius (màquinas de gabinet) i 3r. Oferir els taps tal com són, sense empastifarlos. Ab això resulta que a mi me costa una mica més de feina el viajar els meus articles, però en cambi, tinc la seguretat que una vegada he posseït un nou client, l’he conservat per sempre. Y no’s cregui que jo sigui un rutinari ab els procediments de fabricar, lo que hi ha és que jo crec que s’ha de distingir entre procediments nous, que representen una ventatja positiva, els procediments que s’inventen ab la santa intenció de mistificar els géneros, dels procediments que serveixen per a sustituir l’article bo, sencer, per el dolent estimulats per l’alicient perniciós de un preu més baix, que no compensa ni de molt els perills a que un s’exposa en fi dels procediments que serveixen per vendre a 1 pta. més barato, però 2 pts. més dolent. C– De totes maneres, els seus preus sont molt cars. V– Me cregui que ab els preus que li dong, s’aprofita de les millors ventatges ab un cost mínim. C– Si me fes un 5% de rebaix tal vegada, ens arrivaríem a entendre. V– Per probarli els bons desitjos que tinc i a modo d’introducció, li cotejaré els preus que li he donat ab un 2% de rebaix, sobre el total de la factura. C– Al 5% me té per parroquià! V– Ab tota franquesa, i sentintho molt, no me és possible arrivar-hi. Ja donada la competència d’avui en aquest negoci, i a fi de logar algun client aquí Espanya, per la paralizació dels negocis a l’estranger, habia confeccionat la meva llista de preus reduhïda a lo més mínim, i que tenia molta confiança de que seria ben acullida. 197 Ja rebaixant-li un 2 %, me excedeixo en les meves facultats, però tota altra rebaixa seria ruïnós per a mi. Tingui la complerta seguritat que en els preus que li donc s’aprofita de totes les ventatjes que li és possible lograr, tota vegada que compra taps molt bons i de tota confiança a preus ben mòdics. C– Lo dit, dit! V– Per favor, no sigui tan intransigent i no em posi ab l’alternativa de volguer i no poder, moderi les seves pretensions, i jo fent lo impossible, m’ajupiré a fer-li el 3%. C– O el 5 % o res! V– Essent així, no’m queda altra remei que esperar un altra dia, prefereixo privar-me del gust (que seria molt grand per mi) de començar negocis ab vostè que no perdre diners, perquè un es pot conformar ab no guanyar res, però perdre és una temeritat quand no una tonteria... Vaja home, sigui una mica complacent, perquè ja veu que faig tot lo que puc, i estigui segur, de que no s’arrepentirà mai d’haver entrat amb relacions comercial ab mi, antes al contrari puc assegurar-li s’alegrarà més d’una vegada d’haber probat els meus articles, i m’afavorirà ab una amistat constant i durable. C– De vostè depend, me concedeixi el 5% o no’m parlem més! V– Caray! Ja veig qu’és irreductible...! Doncs bé! Com que no puc resistir la temptació de començar a tractar ab vostè i encare que m’escou molt aquest sacrifici, i com a reclam, me conformo en fer-li un 5% de rebaix, però tingui present que vaig contra els meus interessos per complaurer-lo, i espero que en justa compensació se recordarà de mi per les altres classes, donantme, (si els meus taps li agraden) el monopoli de les seves compres, perquè és molt just que qui rossega els ossos, mengi una mica de polpa també. Per quand necessita vostè aquestos taps i quina cantitat apuntaré? C– D’aquestos taps en consumo uns 50 mil al any, però avant de passarli nota, necessito rebre una mostra per comprar. V– No hi tinc el més petit inconvenient, encare que pot tenir la seguretat més absoluta de que no hi ha cap necessitat; encare més li diré, tots els meus clients quand necessiten una classe nova, me donen l’ordre sense partida de proba tant sols. Y la rahó és molt clara. Un verdader fabricant ha de tenir com a base del seu negoci, la continuïtat de les ordres, i seria innocent i tonto sacrificar el porvenir qu’és molt llarc a n’el present, que no més dura un instant. 198 Perquè exemple i gràcia, suposant que vostè me fes el pedido complert de moment, que és lo que hi guanyaria ab donarli una decepció? El no pogué tornar més a n’ aquesta casa. I ab un negoci com aquest que la principal base del benefici és el giro de grands cantitats a l’any no de 200 ni de 500 mil sinó de 40 o 50 millions, serien ganes de perdre miserablement el temps, si’m dediqués a enganyar d’aquí i d’allà per treurer total un benefici ridícul d’unes quantes centes pessetes. Ja li dic, lo essencial d’aquest negoci i lo únic positiu és el aconseguir una clientela sòlida i durable, aixís és que hasta per egoisme estic interessat de qu’els envios siguin a la seva entera satisfacció. De més a més, com que espero que la seva intenció no és demanar-me això sols, estigui segur de rebre un género més bo, encare en tant que posible que la mostra. C– Tot lo que vostè vulgui, no vull pas exposarme ab un chasco, m’enviï mostres. V– No es vagi a creurer que m’hi oposi, però sol arrivar que com que l’èxit d’una mostra sempre és problemàtic, a la fàbrica devegades no donen a l’envio d’una mostra el cuidado i l’importància que es mereix. Per això és que sempre procuro qu’em passin una nota de proba, perquè estic segur que lograntho, ja he conquistat un nou client. Per lo demés ab una mostra d’una dotzena de taps tampoc el consumidor es pot fer càrrec del conjunt, per lo que li demano me permeti enviarli una bala com a mostra major. C– No puc complaure’l. Enviï la mostra i veurem. V– És una verdader llàstima! Perquè estic convençut de que, si volgués ferme l’honor de fer una prova ab els meu taps, en quedaria tant satisfet, que podria contarme per sempre en el número dels seus furnidors i amistats. Sense volgué rebaixar en res les qualitats dels meus competidors, puc afirmar, sense pecar de vanitós i fanfarró, de que en 2 punts estic molt per sobre d’ells: 1ª) Escrupolositat en no enviar mai sino taps procedents del suru de tota confianza, que puguin donar un resultat contrapruduhent. 2ª) Seguretat absoluta d’enviar sempre les mateixes classes tractades. Si alguna vegada tingués occasió de preguntar sobra la meva casa, veuria la coincidència de lo que li dic ab els informes que li darian. 199 Només puc dirli, sinó que quand jo vaig entrar en el negoci, i avants de viajar per l’estranger, fèiem el nostre negoci ab una dotzena de clients a lo més, coneguts ja de temps del meu avi, i ab els cuals no ens havíem vist mai, i que ab 30 anys qu’el meu pare regeix la fàbrica no n’hem perdut ni un sol, no sabent lo que són reclamacions, retorns ab tot i haber atravessat les circumstàncies més crítiques, i dins de la competència desenfrenada en qu’es desenrotlla aquest negoci. Això sol és més que suficient per avalar l’honradesa comercial d’una firma i constitueix l’alabanza més estupenda que pugui donarse a ningú. Aquesta és la causa de la meva porfia en aconseguir a tota costa una odre com a proba, perquè’m consta que és la vàlvula per a entrar en bona i durable intelligència. 5è Punt – Sapiguer despedir-se V– Com li van els negocis? Sembla que tenen bastant animació en aquesta comarca! C– No ho cregui pas, fa la mar de temps que el negoci està completament parat. V– Malo...! Si no fos importunar-lo massa, li demanaria un favor! C– Estic a la seva disposició. Mani i disposi. V– Com que desconec aquest mercat per ser la primera vegada que’l tracto, porto una llista molt nombrosa de fabricants i comerciants, que m’ha semblat podien haver de menester els meus serveis, i desitjaria hi dongués un cop d’ull, indicantme les cases que a n’el seu entendre, puguessin comprarme taps. C– Ab molt de gust... Este...ese...aquel. V– Moltes gràcies. Com que no vull molestarlo més, ab el seu permís me despediré. He tingut molt de gust en coneixe’l, i encare que pel moment no hagi estat possible fer molts negocis, espero tenir més sort un altra dia. De tots modos, estic sempre a les seves ordres, i mani i disposi en tot lo que vulgui que faré els meus possibles per complaurel. Estigui bo! Passi-ho bé! 200 Bibliografía – Fernàndez, M. (coord.) (1995): El Museu del Suro de Palafrugell, Quaderns de didatica i difusió, núm. 7 – Roger, M. (1911): Els tipus socials de la producción suro-tapera, Barcelona, Tip. L’Avenç. 213-280. – Sala, P. (2003): Manufacturas del corcho S.A (antiga Miquel & Vincke). Líder de l’exportació industrial espanyola (1900-1930), Palafrugell, Museu del Suro. – Zapata, S. (1996): "Corcho extremeño y andaluz, tapones gerundenses", Revista de Historia Industrial, núm 10, 44-45. 201 202 Does Ponte de Sor have conditions to implement a Triple Helix Model? - The Cork Sector Pedro Mourisco Município de Ponte de Sor; Mestrado no IPP [email protected] – Abstract: Ponte de Sor is a town, in Alto Alentejo, in the Interior of Portugal. Like many Industrial town Ponte de Sor is trying to reinvent itself. With the shutdown of the main employer, Delphy Automotive Systems, this town was faced with two threats: unemployment and desertification. To answer to these two threats, Ponte de Sor focused on four strategic vectors: aeronautics, agriculture, tourism and cork. Although, other strategic vectors are on full development pace, such as aeronautics, the development of the cork vector is giving the first baby steps towards an innovative model of economic and social development. This model shows characteristics of Etzkowitz Triple Helix Model, showing relationships between Industry, Government and University/Polytechnics. This paper will show some of the dynamics of this model that are already happening in Ponte de Sor, prove that there are conditions to implement a Triple Helix Model and suggest a Model and some strategies to be applied. – Key words: Cork; Ponte de Sor; Triple Helix. 1.- Introduction “The life and death question of the future for older industrial cities is to find new ways of development” (Svensson 2010, 505). Ponte de Sor faces this life and death question since the closing of Municipality main 203 employer, Delphi Automotive Systems. Since then Ponte de Sor has been faced with two difficult threats: unemployment and populational desertification. The usual strategies to fight these threats have been the offering of subsidies to firms to relocate and the attraction of higher education and research institutions. However, new strategies are being created all over the world, hybrid strategies that connect old and new industries to research and development of superior education institutions (Svensson, 2010). One great example of innovation is the Triple Helix, which establishes a connection between Government, Industries and Superior Education Institutions. Any strategy to develop a new economic model has to be based on the endogenous resource and in the existing firms/companies (Mello, 2005; Svensson 2010; Etzkowitz 1995). In the case of this town, cork and cork companies are the endogenous resource. For decades Ponte de Sor has been the center of cork production (Conceição, 1986), exporting cork to the cork factories in the North and to other places. In the past, cork industry players such as Mundet, a great cork industry player (Parejo, 2013) established here an inter station of cork, but only by the end of the 20th century, beginning of the 21st century, Amorim ( leader of the cork industry) and other cork players established in Ponte Sor factories of mass production of cork stoppers. It’s argued by local people, companies and foundations that Ponte de Sor is the center of production of cork in the world but few statistics prove this argument, although, it is undoubted that Ponte de Sor is a center of cork production and manufacturing of cork stoppers. 2.- Methodology This exploratory study started with a simple question: Have other cities suffered the same problem that Ponte de Sor is facing? The answer to this question is yes. This study found many similarities with other places in the world. The main inspiration was: ”An Entre204 preneurial University Strategy for Renewing a Declining Industrial City: The Norrkoping way” - by Peter Svensson, Magnus Klofsten and Henry Etzkowitz. The case of the city of Norrkoping was the most specific case of similarities with Ponte de Sor found. Norrkoping implemented a Triple Helix Model, the establishing of partnership with Linköping University has been fructuous for Norrkoping and has fought the major economic and social threats to the city. Norrkoping faced the same problems that Ponte de Sor is facing now and the solutions they found seems to be very familiar to how Ponte de Sor is solving its problems. This almost similar way opened new questions: Is Ponte de Sor also implementing a Triple Helix Model? Does Ponte de Sor have conditions to implement a Triple Helix Model? In the last months this study conducted an observation of information released by the Municipality of Ponte de Sor, on their webpage1, on their Facebook page and in events such as conferences or public speeches of the Municipality Mayor. The study also researched information of companies and institutions that were in some way related with the Municipality and with events and conferences. Based on the observation this study will show what is happening in Ponte de Sor that can lead or not to a Triple Helix Model. This study will recommend which model to apply. Please note that this is still an exploratory study and things are still evolving being difficult to predict what will happen in this Municipality or if it will continue the same strategy followed until now. 3.- The Triple Helix Model With the end of the cold war the “role of the military decreased and academia has risen in institutional structures of the contemporary society” (Etzkowitz 2000: 109). This rise of the academia in modern society was already forecasted by Karl Marx in 19th century, Marx predicted the growth of science based industries academic-industry relations (Etzkowitz, 1998). http://www.cm-pontedesor.pt/ 1 205 It’s still argued that universities should return to their primary goal, teaching and research, but nowadays Universities have a new mission: being a way to regional development (Etzkowitz 2000). “Universities”2 have a more and more important role in Research and Development but also in Innovation. The impact of the innovation in society influences many sectors such as: companies and firms; public institutions; foundations; and others. University is the source of knowledge in the society, knowledge of knowledge based economy (Mello, 2005; Etzkowitz 1998). It’s not only University that have a role on this knowledge based economy, Governments (local, national, and supra national) have a role of guaranteeing a stable interaction and exchange while Industry has the focus of production of the output (Mello, 2005). This leads to the Triple Helix, a connection between university, industry and governments. There are three triple helix models configurations conceptualized (Etzkowitz 2000). Model One (figure 1) was a type of configuration very common in the former Soviet Union, in eastern countries and in some Latin American countries (Etzkowitz, 2000). In this model (figure 1), the government controls everything and there isn’t a direct relation between the Institutions. Industry and University in these cases work for the goals of government and not for shared or common goals. Figure 1.- Model 1 Goverment Industry University Source: Self-made but based on “Etzkowitz 2000” Please Note that this Paper when referring to University is referring to Polytechnics, Universities and specialized education Institutions, in other words, education a research institutions are in possess of knowledge. 2 206 The second model is Model 2, this Model (figure 2) consists in separating the three institutional spheres creating strong borders and circumscribing these institutions among the spheres of competence (Etzkowitz, 2000). This configuration is the most known configuration and the most commonly used one. Figure 2.- Model 2 Goverment Industry University Source: Self-made but based on “Etzkowitz 2000” The third and final configuration, Model 3 (figure 3), “is a generating knowledge infrastructure in terms of overlapping institutional spheres” (Etzkowitz, 2000, 111) creating hybrid organizations and interfaces between institutions. Figure 3.- Model 3 Goverment Industry University Source: Self-made but based on “Etzkowitz 2000” 207 4.- Norrkoping and Ponte de Sor With the come to the end of the Industrial Society many industrial cities had to reinvent themselves. There are many examples troughout the world but this study will only focus on one good example, Norrkoping (Svensson 2010). By reading “An Entrepreneurial University Strategy for Renewing a Declining Industrial City: The Norrkoping way” - by Peter Svensson, Magnus Klofsten and Henry Etzkowitz, it can be seen that Ponte de Sor has many similarities with Norrkoping, as it can be seen in the next table (table 1). As Table 1 shows, there are many similarities between Norrkoping and Ponte de Sor, however Ponte de Sor is still “light years” from achieving what Norrkoping has achieved in economic development. 208 Norrkoping Ponte de Sor Closing of Ericksson 1990, city main employer; Closing of Delphi Automotive Systems, city main employer; Decreasing of population, 4th bigger city in population 40 years ago; Decreasing of population; Presence of Linkoping University, with a campus, in Norrkoping; Municipality established relations with other institutions, for example: university and business institutions; Creation of a University Campus; A bet on an economy of knowledge based products; Presence of the academy in the Municipality Strategy Source: Self-made Municipality established a protocol between I.P.P.3; I.S.E.C.4; U.B.I.5; and CINCORK6; Municipality established many relations with other institutions, for example: ACIPS7 in the “companies nest”8; There are companies in Ponte de Sor that are leading the innovation on the cork industry, one good example is the project Aerocork9 developed by companies that are or were based in Ponte de Sor; Ponte de Sor Municipality has been establishing connections with the academic world, one good example was the International Congress of Cork in June 2015. Instituto Politécnico de Portalegre - polytechnic institute Instituto Superior de Educação e Ciências - Superior Education Institute http://www. isec.universitas.pt/ 5 Universidade da Beira Interior - Beira Interior Unversity - http://www.ubi.pt/en/ 6 Centro de Formação Profissional da Indústria da Cortiça - a professional education center 7 Associação Comercial e Industrial do Concelho de Ponte de Sor - www.acips.pt 8 “Companies Nest” ou Ninho de Empresas in Portuguese, it’s an infrasctruture built by the Municipality to help companies establish in Ponte de Sor. 9 http://www.amorimcorkcomposites.com/innovation.php/project/28 3 4 209 5.- Developments towards a Triple Helix Model The International Congress of Cork10, that took place in June 2015, is one of the good examples of the connections between University, Government and Companies. This congress was funded by private companies and by the Municipality. The Municipality offered the facilities11 where the congress took place and paid some expenses such as the promotion of the Congress. This congress was a partnership between: universities, who brought their researchers to the congress; the Municipality who lent the infrastructures and made the promotion; and private companies who funded the congress. This congress showed and opened the door to the dynamics between government, universities and industry. Besides this, and also important to refer, these triple helix connections where built around an endogenous resource that is cork. This Congress showed the dynamics that are being established between University –Government– Industry, being one good example the exhibition of the Foundation of the Houses of Fronteira and Alorna12. The Municipality has established decades ago a protocol with this private foundation, with the goal of promoting culture in Ponte de Sor. This Foundation has its main source of income, coming from their Ponte de Sor forest and agriculture property, “Herdade Condado da Torre”. It’s important to refer that “Herdade Condado da Torre” is one of the biggest cork producers in the region of Ponte de Sor and so has been at least for one century. During the congress the Foundation of the Houses of Fronteira and Alorna made a cork design exhibition and established a partnership with other companies and entrepreneurs. In this exhibition it is important to highlight the presence of two local entrepreneurs of the district, CsCork and If Cork. These entrepreneurs work in the design apparel business, Carina Santos of CsCork designs cork handbags (Figure 4) and Inês Fernandes of If Cork is a fashion designer who designs cork clothing (Figure 5). https://congressointernacionalmontado.wordpress.com/ponte-de-sor/ The congresso took place in the Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor 12 http://www.fronteira-alorna.pt 10 11 210 Figure 4.- CsCork Handbag Source: CsCork Figure 5.- If Cork clothing Source: Inês Fernandes CsCork is in a phase of promotion of the handbags and is adopting an internationalization strategy, selling their handbags to the North of Europe and North America. CsCork also have developed synergies with other companies such as SEDACOR which is one of its main suppliers. 211 SEDACOR is one of the cork companies established in Ponte de Sor. SEDACOR or SEDACOR III is one of the industrial units of JPS Cork Group, a group born in 1924 that works in four areas of the cork industry: cork stoppers; decoration; building & industry; and fashion & ecodesign. SEDACOR believes that there is a need to diversify the Industry and find new ways of application of cork on other industries. These “new ways” of cork application can only be found in knowledge sources, such as universities and in college educated entrepreneurs, such as design ateliers. One good example of a design atelier that was also present in this congress was Sara Malta Atelier, a new entrepreneur connected to the furniture business. Sara Malta is an architect, who sells furniture through her company Decorpar and does recycling of furniture. She used this opportunity to promote her new products, old furniture recycled using cork applications. Sara Malta wasn’t the only designer present, she established a partnership with Sara Oliveira and Tiago Silva, who are also cork designers and together they promoted their cork design products. Malta and her team also made a partnership with the municipal FABLAB (FABLAB Alentejo), to design a new piece of design, a cork mosaic, in other words, Sara Malta and her team used her knowledge and the municipal resources to design these mosaics. Figure 6.- Sara Malta furniture recycling Source: Sara Malta 212 This FABLAB was also a bet of the Municipality. The Municipality funded a FABLAB project, by buying printers and 3D printers and by establishing protocols with artists, such as Leonel Moura and associations like Nova Cultura13. This FABLAB is also open to those who want to establish a protocol with the Municipality. In the future, this FABLAB can be useful for one of the pillars of the local economy, the aeronautic pillar. Ponte de Sor has been establishing many protocols with the academic world and Professional Schools. Ponte de Sor established protocols with: Beira Interior University; Polytechnic Institute of Portalegre; and with CINCORK, a professional school. On the Photo (Figure 7) bellow it’s interesting to notice the dynamics of a Triple Helix Model: the knowledge of the Professional school, the presence of representatives of the Industry, represented by LEADERSOR14; and the presence of the local government: the Municipality. Besides this, CINCORK is also establishing partnerships with other companies such as CsCork. Figure 7.- Signing of the Protocol Note: Sitting at the table are, on the right, the representative of CINCORK, Rui Jorge Cardoso, on the left João Jordão and at the center the Mayor, Hugo Hilário. Source: Ponte de Sor Municipality www.montargil.com Leadersor is an association that represents businessmen and companies of the primary sector of the economy, forest and agriculture. 13 14 213 CINCORK already established and implemented professional courses in Coruche Municipality related with cork, possibly will implement the same strategy in Ponte de Sor. Another Institution that is implementing itself in Ponte de Sor is Instituto Politécnico de Portalegre (I.P.P.). This Institution has created courses of agro-forestry in Ponte de Sor but it is still too early to say what will be the role of this Institution in Ponte de Sor, although it is undisputable that the role of I.P.P. will grow in Ponte de Sor. Cork is also being used for the promotion of Tourism. Recently Ponte de Sor entered the World Guinness Records by making the largest cork mural. This was done in partnership with a private cultural institution called “7 Sóis 7 Luas” who brought the Albanian artist Samir Strati to make the Mural. The Launching of the Mural was the opportunity to launch the candidacy of the “Montado”15 to UNESCO, together with Turismo do Alentejo and Évora University. Finally, the Aerocork Project. The Aerocork Project was a consortium between Dyn’Aero Ibérica, Corticeira Amorim and PIEP (Innovation in Polymer Engineering - University of Minho) and AST (Active Space Technologies). Dyn’Aero Ibérica was based in Ponte de Sor at the time and Corticeira Amorim is also based in Ponte de Sor through their company Amorim Florestal. The goal of this project was “testing and certifying cork composites with a view to replacing synthetic materials used on the airplanes of Dyn’Aero Ibérica by cork composites”16. 7.- Conclusion towards Triple Helix Ponte de Sor, like NorrKoping, is trying to answer to an economic recession. To answer to this economic recession new strategies have been implemented in Ponte de Sor. Montado or Dehesa is the agro-sylvo-pastoral system of southern and central Spain and southern Portugal. 16 Source: http://www.amorim.com/en/whats-new/news/Portuguese-aeronautical-industry-is-developing-an-ECO-AEROPLANE/1284/ 15 214 This study suggests that these strategies go towards a Triple Helix Model of economic development. This can be seen through the interconnections between all helix players: between the municipality and companies, between Companies and sources of knowledge; and between the municipality and sources of knowledge. This study suggests an implementation of Triple Helix Model 3, similar to NorrKoping. The reason to choose type 3 Model is to comprehend better and to adapt to reality, this study will change the name of the Helix being: the government called municipality; Industry called private sector; and university called sources of knowledge. Model 3 will also help a better interaction between the Helixes in a way to overlay of institutional structures through the interaction among three Helixes (Etzkowitz, 1998). Besides this, the goal is to establish an overlapping between the spheres and avoid that one sphere controls all others, as happens in Model 1 of Triple Helix. Figure 8.- Ponte de Sor Triple Helix Source: Self-Made 215 In this model (Model 3) there is an overlapping of each sphere with the goal of overlapping each Institutional sphere. This study suggests the creation of municipal Board that represents all Helixes (Municipality, Private Sector and Sources of Knowledge) and with the goal of coordinating all Triple Helixes relations and strategies. This board/cabinet would establish protocols and alliances, create consensus between Helixes and explain the strategy to all actors. This board/cabinet would also write a strategic plan for the cork sector in Ponte de Sor, similar to what NorrKoping has done. For companies to implement there is a need to create physical infrastructures where companies can implement themselves, in other words, an industrial park totally dedicated to the cork industry. Physical Spaces can be also co-work spaces, with low rents, where small design ateliers can establish themselves and work together with the cork industry, in design of cork furniture, for example. This strategy must be established between the municipality and the private sector to understand what the needs of the industry are. Another overlapping of the spheres is between the municipality and the Sources of Knowledge. It’s important to create research groups based in Alto Alentejo, the reason to this is to have research groups studying the endogenous resources of the region. These research groups should study not only forestry but also History, Design, Economics, and other subjects related with the industry. It’s also important to create Research Centers that are located near this endogenous resource, the municipality must have an important role creating infrastructures that harbor these Research Centers. The knowledge created in these sources must be shared with industry and funded by the Industry with the goal of creating value added products and services. Although there isn’t a tradition of funding research and venture capital, some companies are starting to fight this. An example is Amorim Ventures17, an Amorim Group company that supports entrepreneurs that use cork in their ideas/projects. Another company, SOFALCA (located in the district of Santarém, 20 Km from Ponte de Sor) established a protocol with UBI to make Geogreen, “Waste geopolymeric binder-ba- http://www.amorim.com/en/how-we-do-it/amorim-cork-ventures/ 17 216 sed natural vegetated panels for energy-efficient building green roofs and façades”18. In terms of Design many things can be accomplished through the establishment of protocols especially with I.P.P., and if the Private Sector explores the benefits that I.P.P. can give many positive externalities can be achieved. In conclusion, Ponte de Sor has pillars to establish a Triple Helix Model, similar to Norrkoping. This study suggests a similar strategy applied in Norrkoping and suggests a Triple Helix model referred on the top for a better relation between the Institutions. https://geogreencmade.wordpress.com/ 18 217 218 Bibliography – Conceição, P. (1986). Cinzas do Passado. Câmara Municipal de Ponte de Sor. – Etzkowitz, H.; y Leydesdorff, L. (1995). The Triple Helix –University– Industry - Goverment relations: A laboratory for knowledge based economic development. EASST Review 14 (1995, nr 1) 14-19. – Etzkowitz, H.; y Leydesdorff, L. (1998). The Endless Transition: A “Triple Helix” of University-Industry-Government Relations. Minerva 36 (3), 203208. – Etzkowitz, H.; y Leydesdorff, L. (2000). The Dynamic of innovation: From National Systems and “Mode 2” to Triple Helix of university-industry- government relations. Elsevier. Research Policy 29, 109-123. – Mello, J.; Etzkowitz, H.; y Almeida, M. (2005). Towards “meta-innovation” in Brazil: The evolution of the incubator and the emergence of a triple helix. Elsevier. Research policy 34 (2005) 411-424. – Parejo, F. M.; Branco, A.; Lopes, J. C.; Rangel, J. F. (2013): Regional Integration and firm location choices: A long run approach to the cork industry in the Iberian peninsula. I.S.E.G. School of Economics and Management. – Svensson, P.; Klofsten, M.; y Etzkowitz, H. (2010). An Entrepreneurial University Strategy for Renewing a Declining Insdustrial City: The NorrKoping Way. Routledge. European Planning Studies Vol. 20, No 4, April 2012. 219 220 El distrito industrial corchero de San Vicente de Alcántara. Desarrollo industrial e internacionalización San Vicente de Alcantara’s cork industrial district. Industrial development and internationalization José Francisco Rangel Preciado Universidad de Extremadura - OCICEX [email protected] Adrián Tejeda Cano Universidad de Extremadura - OCICEX [email protected] Francisco Manuel Parejo Moruno1 Universidad de Extremadura - OCICEX [email protected] – Resumen: La historia del negocio corchero en la localidad extremeña de San Vicente de Alcántara (Badajoz) ha desembocado en la formación de una aglomeración empresarial, que ha dotado a las empresas que la conforman de una ventaja competitiva. En la actualidad, en un contexto de crisis económica mundial, y más concretamente, en un contexto Información de contacto: Área de Historia e Instituciones Económicas; Departamento de Economía; Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales de la Universidad de Extremadura; Avda. de Elvas s/n, 06071, Badajoz (España); Tel.: 924289300 (89152); Fax: 924272509. OCICEX es el Observatorio para la Comercialización y la Industrialización del Corcho de Extremadura. 1 221 de crisis para el negocio corchero, el retroceso en términos de empleo y número de empresas en la localidad ha obligado a los empresarios a buscar soluciones. En este marco se ha impulsado la institucionalización plena de un distrito industrial corchero en la localidad con el objetivo principal de corregir las limitaciones de la industria corchera extremeña, como son (1) la marcada especialización en la simple preparación del corcho, y (2) la escasa diversificación de mercados a nivel nacional e internacional. En este trabajo pretendemos mostrar los pasos que ha seguido la industria corchera de San Vicente de Alcántara para la formación del distrito industrial. – Palabras clave: Distrito Industrial; Corcho; San Vicente de Alcántara; Industria corchera. – Abstract: The history of the cork business in the frontier town of San Vicente de Alcántara (Badajoz) has led to the formation of an industrial district, which has provided a competitive advantage to the companies that constitute it. Today, in a context of global economic crisis, and more specifically, in a context of crisis in the cork business, the decline in terms of employment and number of companies in this region has forced employers to look for solutions. In this situation, it has been promoted the full institutionalization of the cork industrial district with the main objective of correcting the main limitations of the Extremadura cork industry, such as(1) the high specialization in the first stages of cork manufacturing, and(2) the lack of markets diversification at national and international levels. In this paper, we show the steps that have been taken by the cork industry in San Vicente de Alcántara for the formation of the industrial district. – Key-words: Industrial district; Cork; San Vicente de Alcántara; Cork industry. 1.- Situación y problemas del negocio corchero en San Vicente de Alcántara La localidad extremeña de San Vicente de Alcántara lleva más de un siglo vinculada estrechamente al negocio corchero, para ser más precisos desde que este negocio llegó a Extremadura. Concretamente en el año 1838 el inglés Tomas Reynolds Hunter abrió el primer establecimiento para la preparación del corcho en la localidad pacense de Alburquerque, situada cerca de la Sierra de San Pedro, a 22 kilómetros 222 de San Vicente de Alcántara (Parejo, Faísca y Rangel, 2013). Seis años después este mismo empresario abrió otro establecimiento en Jerez de los Caballeros y terminó extendiéndose a otras localidades pacenses, entre ellas San Vicente de Alcántara (Ortiz, 2001). Desde este momento San Vicente de Alcántara empezó su idilio con el negocio corchero, llegándose a convertir con el paso de los años en el centro de la actividad corchera extremeña, como se desprende del Cuadro 1. Cuadro 1.- Establecimientos y distribución relativa de la industria corchera en la provincia de Badajoz 1926 1999 2010 N.º Est. % N.º Est. % % (a) N.º Est. % Alburquerque 1 3,6 2 2,9 100 2 2,4 100 = Almendral 0 0,0 2 2,9 = 1 1,2 = -50 Arroyo San Serván 0 0,0 1 1,4 = 2 2,4 = 100 Badajoz 1 3,6 0 0,0 -100 1 1,2 = = Barcarrota 1 3,6 0 0,0 -100 0 0,0 -100 = Carmonita 1 3,6 0 0,0 -100 0 0,0 -100 = El Torviscal 0 0,0 2 2,9 = 1 1,2 = -50 Fregenal de la Sierra 1 3,6 2 2,9 100 2 2,4 100 = Herrera del Duque 0 3,6 1 1,4 = 0 0,0 = -100 Higuera la Real 1 32,2 0 0,0 -100 0 0,0 -100 = Jerez Caballeros 9 3,6 6 8,6 -33 6 7,1 -33 = Mérida 1 3,6 1 1,4 = 1 1,2 = = Oliva de la Frontera 1 3,6 2 2,9 100 1 1,2 = -50 S. Vicente Alcántara 11 39,3 51 72,9 364 67 79,8 509 31 Total 28 100 150 84 100 200 20 70 100 % (a) % (b) Notas: (a): Aumento relativo con respecto al año 1926. (b): Aumento relativo con respecto al año 1999. Fuente: para 1926, Anónimo (1926); para 1999, IPROCOR; y para 2010, Rangel (2013, 106 223 Hacia 1999, San Vicente de Alcántara era, sin dudas, el enclave corchero de referencia a nivel provincial y regional, pero también era la localidad que hacia 2010 contaba con mayor número de establecimientos corcheros y de puestos de trabajo (asociados de forma directa) a nivel nacional, estando en estos indicadores por delante de localidades históricas del negocio corchero español como Cassà de la Selva y Palafrugell (Cuadros 2 y 3). Y es que, a grandes rasgos, hacia 2010 San Vicente de Alcántara contaba con casi la cuarta parte de los establecimientos industriales corcheros del país, los cuales daban trabajo directo a la quinta parte de los trabajadores de esta rama de la industria en la nación. Cuadro 2.- Localidades españolas con mayor número de establecimientos industriales corcheros en el año 2010 Posición Localidad Comunidad Autónoma N.º establecimientos 1º S. Vicente de Alcántara Extremadura 66 23,2 2.º Cassa de la Selva Cataluña 42 14,8 3.º Palafrugel Cataluña 16 5,6 4.º Santa Feliu de Guixols Cataluña 10 3,5 Jerez de la Frontera Andalucía 7 2,5 Navahermosa Castilla la Mancha 7 2,5 Palamós Cataluña 7 2,5 5.º Fuente: Rangel (2013) 224 % s/ total Cuadro 3.- Localidades españolas con mayor número de empleados en la rama corchera en el año 2010 % s/ total Posición Localidad Comunidad Autónoma 1º S. Vicente de Alcántara Extremadura 366 20,1 2.º Cassa de la Selva Cataluña 214 11,9 3.º Palafrugel Cataluña 202 11,1 4.º Santa Feliu de Guixols Cataluña 154 8,5 5.º Jerez de la Frontera Andalucía 108 6,0 N.º empleos Fuente: Rangel (2013) Con todo, en los años que llevamos de siglo XX, en nuestro criterio, no se han aprovechado las ventajas comparativas y competitivas que otorga a las empresas de la localidad la cercanía a la materia prima y la presencia en ésta de una aglomeración industrial corchera para dar un impulso a la fabricación del producto terminado. Al contrario, la tendencia de las empresas sanvicenteñas ha sido hacia el afianzamiento en la producción de corcho en plancha (esto es, en la mera preparación del corcho bruto, para su posterior transformación), donde sí han sabido aprovechar la ventaja comparativa de estar localizadas en una de las mejores zonas productoras de corcho del planeta: la Sierra de San Pedro (Asecor 2004, 61). En definitiva, la industria corchera extremeña, y por ende la sanvicenteña, no ha sido capaz de revertir en los últimos años la especialización que ha tenido históricamente en el negocio corchero, calificada por Santiago Zapata como auxiliar de Cataluña, a donde ha enviado tradicionalmente el corcho en plancha para su transformación (Zapata 1996 y 2002; Medir 1953). Aunque es cierto que hoy no es Cataluña, sino Portugal, el principal receptor del corcho sin transformar extremeño, circunstancia que hace que, cada vez más, se reduzca la generación de valor añadido por parte de esta industria en nuestro país. Siendo así la especialización de la industria corchera extremeña, entendemos que existe un serio riesgo para su desarrollo futuro, en tanto que el mercado internacional de corcho en plancha no ha hecho sino 225 reducirse en las últimas décadas. Al menos es lo que han puesto de manifiesto diversas investigaciones, que inciden en las estrategias seguidas por las grandes empresas en el sector tendentes a integrarse verticalmente hacia atrás, comenzando a realizar también las primeras fases del proceso productivo, siendo, por tanto, cada vez más pequeñas las compras de corcho sin transformar que realizan en el mercado (Parejo y otros 2013 y 2015; Branco y otros 2016; Lopes y otros 2016). Curiosamente, este problema ya fue avistado por la Junta Directiva de la Industria Corcho-Taponera de Jerez de los Caballeros en el año 1891, habiendo sido anticipado más recientemente también por trabajos como Zapata (1996). Aunque, en este momento, la amenaza de estar especializados en la preparación del corcho es mayor debido a dos factores. El primero es el rápido desarrollo que está teniendo la industria en algunas localidades interiores de Portugal como Ponte de Sôr y Coruche, donde se han instalado en las dos últimas décadas establecimientos de gran dimensión técnicamente avanzados, en los cuales, además de la producción de manufacturas, también se lleva a cabo una actividad significativa de preparación de corcho2. El segundo factor aludido es la fuerte irrupción que han tenido en los últimos años los denominados tapones técnicos en el mercado de tapamentos, para cuya producción no es necesaria la plancha de corcho, con lo que ello supone para el subsector preparador. Ambos factores han ocasionado la destrucción de empleos y la desaparición de empresas en San Vicente de Alcántara, estimándose que, en poco más de 5 años, los 66 establecimientos corcheros existentes en la localidad en 2010 han quedado reducidos a tan solo 33. Esto se ha visto reflejado, no solo en la caída de los establecimientos corcheros de la región, sino especialmente en el descenso de éstos con presencia en el mercado internacional, que viene ocurriendo desde comienzos del decenio de 2000, como se desprende del Gráfico 1. Según éste, el número de empresas exportadoras extremeñas en el negocio corchero se habría reducido desde 74 a 42 entre 2000 y 2015, aunque es cierto que la caí- A modo de ejemplo, la empresa Corticeira Amorim ha cerrado recientemente un establecimiento preparador que tenía en San Vicente de Alcántara y ha desplazado esta actividad hacia sus factorías de Ponte de Sor y Coruche, donde se trabaja con estrategias propias de la empresa chandleriana. 2 226 da se ha frenado en los últimos 5 años, entrándose en una preocupante senda de estancamiento. Gráfico 1.- Evolución del número de empresas corcheras extremeñas exportadoras Nota: El dato de 2015 es provisional, según indica la fuente. Fuente: Datacomex. Ministerio de Economía y competitividad (Datos extraídos el 14/12/2015) La consecuencia de la reducción del número de empresas exportadoras, y principalmente del estrechamiento del mercado internacional de corcho en plancha, no ha sido otra que la caída de las exportaciones corcheras extremeñas, como se muestra en el Gráfico 2. Aunque es cierto que el Capítulo 45 “Corcho y sus manufacturas” sigue siendo uno de los capítulos arancelarios más dinámicos dentro del comercio de exportación de Extremadura, solo por detrás de las conservas vegetales (de frutas y verduras) y del comercio de frutas (Cuadro 4). 227 Gráfico 2.- Exportaciones de corcho y sus manufacturas de Extremadura (Tms.) Nota: El dato de 2015 es provisional, según indica la fuente. Fuente: Datacomex. Ministerio de Economía y competitividad (Datos extraídos el 14/12/2015) Una vez planteado el problema, nos encontramos en la tesitura de que la industria corchera sanvicenteña tiene muchos problemas para la supervivencia debido a que su especialización productiva no goza de un mercado que pueda absorber toda la oferta productiva que la localidad es capaz de generar. Al mismo tiempo, pensamos que la estructura de las empresas existentes en la localidad impide que de forma individual sean capaces de afrontar el tránsito hacia la transformación, al no tener dimensión suficiente para dotarse del capital necesario ni de llevar a cabos los procesos de innovación productiva y organizativa que serían necesarios para ello. El objetivo de este trabajo, y del proyecto que ha venido realizándose hace ya un tiempo, es corregir estas deficiencias estructurales del tejido productivo sanvicenteño con la finalidad de hacer viable el negocio corchero en la localidad. Y esto pasa por la creación e institucionalización de un distrito industrial, esto es, por una unión de esfuerzos que otorgue capacidad a las empresas para dar el salto hacia la transformación, innovación e internacionalización del negocio. 228 Cuadro 4.- Principales capítulos arancelarios (TARIC) en el comercio de exportación de Extremadura, 2015 (Código) Capítulo arancelario Volumen (miles euros) % s/ exportaciones totales 20 Conservas de verduras o frutas 224.522 17,0 08 F rutas/Frutos, s/ Conservar 175.111 13,2 45 Corcho y sus manufacturas 87.696 6,7 72 Fundición, Hierro y Acero 85.997 6,5 22 Bebidas todo tipo (exc. zumos) 84.052 6,4 24 Tabaco y sus sucedáneos 65.533 5,0 84 Máquinas y aparatos mecánicos 65.304 4,9 02 Carne y despojos comestibles 49.818 3,8 73 Manuf. de fundic. Hier./Acero 42.844 3,2 07 Legumbres, Hortalizas, s/cons 40.772 3,1 (Fuente: Datacomex. Ministerio de Economía y competitividad (Datos extraídos el 14/12/2015) 2.- Avanzando hacia la transformación del corcho: el diseño del distrito industrial El 17 de Julio de 2014 miembros del Grupo de Estudios de Historia Económica de la Universidad de Extremadura presentaron públicamente, y frente a las instituciones, el proyecto “Hacia la constitución de un distrito industrial corchero en San Vicente de Alcántara”. En el acto de 229 presentación del proyecto, que vino precedido de una reunión técnica con representantes de las administraciones regional y local, participaron agentes del negocio corchero en sus diferentes vertientes (empresarios, trabajadores, grupos de acción local, agentes bancarios, ciudadanos en general, etc.), teniendo una excelente acogida, acorde a las expectativas que había tenido el anuncio de presentación. Figura 1.- Reunión técnica de presentación del proyecto a las administraciones extremeña y sanvicenteña Fuente: Archivo privado de los autores A grandes rasgos, el proyecto se resume en la creación de un distrito industrial en San Vicente de Alcántara3. La idea central es crear una red de colaboración entre las pequeñas empresas corcheras sanvicenteñas para que unidas adquieran la dimensión necesaria para ser capaces de dar el paso hacia la transformación, innovación e internacionalización. En palabras de Vicente Soler: “Está demostrado que la capacidad competitiva puede mejorar en la pyme cuando ésta está inserta en una red de empresas territorialmente agrupadas –llámense DI, clusters, filières o lo que sea–, a través de la profundización en la cooperación interempresarial” (Soler 2008a, 24). 3 230 Pero, ¿qué es un distrito industrial? Esta realidad teórica fue descrita por el economista neoclásico inglés Alfred Marshall en el año 1890, en su libro Principles of Economics (Marshall, 1963). A través de la observación, Marshall se dio cuenta de que existían enclaves en Inglaterra donde las pequeñas y medianas empresas dedicadas a un mismo sector se aglomeraban generando una serie de ventajas competitivas que les permitían competir con las grandes empresas. Después, el concepto de “distrito industrial” cayó en el olvido durante 60 años, debido a que se trataba de una noción que no encajaba dentro del pensamiento económico dominante de la época, centrado en las ventajas de las grandes empresas con la visión fordista. Hasta que un grupo de economistas italianos liderados por Giacomo Becattini profundizaron en este concepto e hicieron una relectura del mismo, investigación que ha permitido que, a día de hoy, en Italia exista una legislación que propicie la creación, fomento e institucionalización de este tipo de realidades, de forma que son el eje económico de algunas regiones. Podemos definir “distrito industrial” como “una aglomeración local de pymes (pequeñas y medianas empresas) independientes industriales, todas especializadas en una industria (específica, diríamos nosotros) y que disfrutan de unas economías externas idiosincrásicas dependientes del entorno” (Hernández y Soler, 2008). En este sentido, “la concentración geográfica de empresas de sectores similares o relacionados permite la existencia de economías de escala externa, que son la fuente de ventaja competitiva para la industria” (Catalan, Miranda y Ramón-Muñoz, 2011)4. 2.1. - Las líneas generales del proyecto a) La necesidad de integración vertical La especialización es el verdadero arma con el que las PYMES pueden ser competitivas frente las grandes firmas. De hecho, precisamente Aunque la definición original dada por Becattini dice así: “entidad socioeconómica que se caracteriza por la presencia activa de una comunidad de personas y una población de empresas en un área natural e históricamente delimitada” (Becattini 1990, 39, traducción de Molina 2008, 184). 4 231 una de las estrategias de las grandes empresas es aprovechar la estandarización, accediendo a una mayor diversificación de su producción mediante la subcontrata de pequeñas y medianas empresas. Esta estrategia permite a la gran empresa matizar la estandarización de su producción y con ello acceder a mercados más diversificados, satisfaciendo nichos de mercado más específicos. Los distritos industriales basan su fuerza en esto, en el hecho de que la unión de pequeñas empresas altamente especializadas, cada una en su parcela específica, permite a éstas competir en el mercado en igualdad de condiciones que las grandes empresas. Estamos hablando de la necesidad de desarrollar un distrito industrial corchero, por lo tanto, la base productiva de ese tejido empresarial obviamente se debe centrar principalmente en actividades corcheras de forma preferencial, aunque como veremos y argumentaremos, en los distritos se establece todo un entramado de empresas auxiliares diversas, siendo ésta una de las virtudes del distrito; su contribución a la generación de tejido productivo y de actividad económica. Cualquiera que leyese esto mismo podría entender que San Vicente de Alcántara cumple ya con ese condicionante, el de la especialización, lo cual es cierto. Pero en el caso sanvicenteño hay una deficiencia de base que hace que de momento no podamos hablar de distrito, y es la ausencia de capital social, o al menos esa es la impresión que tenemos tras abordar la realidad económica y social de la localidad en torno al corcho. Además, en el hipotético caso de que este condicionante se diese, el distrito industrial existente sería uno de tipo horizontal, esto es, una aglomeración de empresas especializadas en un tipo de proceso productivo casi exclusivamente, la preparación de corcho en plancha, a pesar de que hay un pequeño número de empresas manufactureras. Curiosamente esta misma “asimetría” se da en el caso del sistema productivo local corchero que encontramos en el distrito administrativo de Aveiro, en Portugal. Sin ningún género de dudas, estamos ante la aglomeración de empresas corcheras (en este caso un verdadero distrito) más importante del mundo. Hablar de Aveiro es hablar del negocio corchero portugués con todo lo que eso supone. No obstante, existe una diferencia de peso entre Aveiro y el caso sanvicenteño, y es que en el caso portugués, la relación de empresas se invierte a favor de las termi232 nadoras y comercializadoras, justamente al contrario que en San Vicente de Alcántara. Precisamente este hecho es lo que ha condicionado que ambos sistemas productivos locales (o aglomeraciones empresariales) hayan evolucionado de forma inversa. El distrito portugués, no solo lidera el negocio corchero mundial, sino que también influye (y controla) otros tramos del negocio “aguas arriba”, llegando incluso a la etapa forestal. El tejido empresarial corchero sanvicenteño, si quiere ser autónomo y autosuficiente, necesita ampliar su red de especialización en esos eslabones “clave” en donde Aveiro es fuerte, la manufacturación y la terminación, de tal forma que éstos ayuden a complementar el proceso “histórico” de la preparación, y así definir un verdadero distrito industrial de tipo vertical compacto. Esto supondría todo un cambio “de paradigma” sobre el propio negocio corchero local. Existen algunos antecedentes notables en donde se pone de manifiesto esta realidad. Uno de los casos más sorprendentes es el del distrito agroalimentario almeriense, el cual, hasta mediados de los años ochenta del siglo pasado, no incluía dentro de las actividades del distrito la comercialización. A partir del momento en el que esta etapa clave pasó a tener presencia en el distrito, el tejido empresarial agroalimentario almeriense empezó a desarrollarse de forma exponencial, tanto en número de empresas directas y auxiliares afincadas en tierras almerienses, como de los volúmenes de negocio y facturaciones que las mismas realizan. Además existe otra ventaja que no hay que obviar, y es el hecho de que un distrito que integra verticalmente sus procesos funciona como una incubadora de nuevas oportunidades de negocio, puesto que la existencia de una nutrida cartera de procesos productivos y de sus demandas auxiliares (logísticas, mecánica, servicios tecnológicos, etc.), no deja de abrir nichos de mercado, que además pueden degenerar en la aparición de nuevas etapas clave en el propio distrito. Existen casos muy curiosos, como el del distrito italiano de Castellfiardo, con más de doscientos años, que se constituyó como fabricante de instrumentos musicales y que hoy en día centra su actividad en componentes electrónicos como consecuencia de esta evolución debida en parte a la poliespecialización. También en España hay ejemplos, como el del distrito valenciano del juguete, ahora especializándose en procesamientos de mecanizado, y nacido en el siglo pasado desde la industria del latón. 233 Por tanto, es preciso dinamizar la especialización en la terminación y la comercialización, prioritariamente en los procesos productivos vinculados a la industria taponera, aunque sin descuidar de forma paralela una apuesta por la búsqueda de la diversificación. Esto supone definir una estrategia específica con dos enfoques principales: un enfoque hacia el conocimiento y la innovación, y otro enfoque hacia el emprendimiento. b) Enfoque hacia el conocimiento y la innovación Uno de los fenómenos más importantes que ocurren en los distritos industriales es el denominado “desbordamiento del conocimiento”, esto es, la capacidad que tienen las empresas para enriquecerse del “saber hacer” a partir de la experiencia de otras, dada su cercanía física y la tradición que existe en el entorno en esa actividad o actividades que se desarrollan en el distrito, que hace que se genere un conocimiento resultante de la tradición y del “boca a boca”. Esto mismo sucede en San Vicente de Alcántara, y es una de las explicaciones de por qué existe una especialización casi exclusiva en la preparación (ésta resultaría de la transmisión de ese saber hacer de forma tácita entre generaciones de corcheros). La ausencia de ese mismo saber hacer en aspectos que tienen que ver con la fabricación y la comercialización ha condicionado claramente que no existan prácticamente empresas que centran sus actividades en esos aspectos. Por lo tanto, si se pretende dinamizar el sector en los términos indicados, hay que generar ese conocimiento. Para ello, entendemos que existen dos maneras: por un lado, hacerlo mediante la transmisión del conocimiento desde las empresas que hay en el distrito y se dedican a la manufacturación y la comercialización; y por el otro, mediante la educación “formal”, a partir de los recursos educativos reglados y no reglados. Se trata de desarrollar una demanda continua de formación específica de la que el negocio corchero pueda abastecerse. La cualificación en el dominio de los procesos productivos y servicios, pero también en aspectos que tienen que ver con la gestión de las empresas en general, son necesidades inevitables que han estado siempre presentes. Hay que indicar que desde el sistema educativo han existido y existen algunas iniciativas en el ámbito de la formación profesional. La más ambiciosa fue la del desarrollo del ciclo formativo de transformación del corcho que, lamentablemente, dejó de impartirse por ausencia de de234 manda. Se ha de exigir y plantear la definición de planes formativos específicos en el que participen recursos educativos diversos de la educación media y superior, y que culminen en la existencia de una oferta lectiva necesaria para paliar aquellas deficiencias existentes en el ámbito del “saber hacer”. Precisamente, es gracias a este conocimiento que se adquiere desde la experiencia pero también desde la educación, de donde procede el otro elemento angular de esta línea estratégica, la innovación. En los tiempos actuales, en cualquier negocio que pretenda ser competitivo, las empresas tienen la obligación de estar continuamente reinventándose a sí mismas. Esto implica una continua búsqueda de alternativas en la oferta de la cartera de productos, pero también en procesos y servicios asociados. El negocio corchero, históricamente, no se ha caracterizado por ser un ejemplo de dinamismo en este aspecto. Realmente, si descontamos la aparición de algunas mejoras en procesos productivos específicos, la contribución más reseñable desde el punto de vista de la innovación fue la aparición del corcho aglomerado a finales del siglo XIX. Desde entonces no ha existido una verdadera “revolución” corchera en este aspecto. Hoy en día sigue existiendo una casi monoespecilización en la fabricación de tapones, el “producto clásico”, aunque también hay que mencionar que existen alternativas en otros campos como son los pavimentos, aislamientos, elementos de automoción, etc. Es necesario no obviar esa realidad paralela en cuanto a la existencia de otras aplicaciones para el corcho, que, aunque sean minoritarias, están ahí, y por lo tanto, es susceptible de que exista una cierta demanda. Por otro lado, también hay que seguir buscando alternativas, como de hecho así lo están haciendo los departamentos de innovación y desarrollo de las grandes firmas, y también los centros tecnológicos. Precisamente, son estos últimos, junto con las universidades, quienes lideran la búsqueda de la innovación continuada, y la ponen al servicio de muchos de los distritos industriales. De hecho, forman parte de ellos como agente constituyentes, tal y como hablaremos posteriormente. No todos los sistemas productivos locales pueden hablar de la existencia de un centro tecnológico al servicio del distrito, y aquellos que lo disponen, lo presentan como un elemento angular sobre el que se toman las decisiones estratégicas en desarrollo e innovación. El negocio corchero extremeño posee un centro tecnológico a su disposición (IPROCOR-IC235 MC), que, en nuestra opinión, no ha sido aprovechado al máximo, algo que atribuimos a la debilidad de una demanda real de necesidades surgida del propio negocio corchero. En cualquier caso, entendemos que se dan las condiciones para que este centro tecnológico de capital público lidere este enfoque estratégico del servicio a la innovación del distrito, que pase por el propio diseño pero también por la puesta práctica de las alternativas innovadoras. Unido a lo anterior, actualmente, hay que tener en cuenta la contribución a la innovación que surge desde un tipo de micro-empresa cuyo sentido principal es precisamente ese: aportar innovación según las necesidades del mercado en base a soluciones tecnológicas. Hablamos de las denominadas “start up”, muy vinculadas a las universidades, que en cierta manera vienen a cubrir, o cuando menos a complementar, el rol de los centros tecnológicos, haciéndolo además de una manera mucho más en sintonía con las empresas a las que abastecen. Esta nueva vía hacia la innovación está teniendo mucho arraigo actualmente en nuestra región, en parte por el apoyo que están recibiendo desde la administración regional. Sería, por tanto, necesario localizar en el propio distrito una red de empresas “start up” que tuviesen al negocio corchero como elemento de referencia. c) Enfoque hacia el emprendimiento Otro de los fenómenos curiosos que se da dentro de los sistemas productivos locales, en donde existe un fuerte arraigo en el territorio, es la tendencia que tiene la población hacia el emprendimiento. San Vicente de Alcántara no es una excepción. El mero origen del negocio corchero sanvicenteño tuvo que ver con esa cuestión, la voluntad de muchos emprendedores, quienes tuvieron el coraje de embarcarse en un modelo de negocio no sujeto a riesgos. Partimos pues con esa ventaja, en la existencia de ese tipo de espíritu que se manifiesta siempre que se dan las condiciones para ello. El papel de algunos de los agentes del distrito debe ir dirigido a que afloren esos sentimientos de arrojo, que están latentes en cualquiera de los habitantes de un sistema productivo local como el nuestro. En ese aspecto es fundamental la labor de la administración. Tanto la administración regional como la local deben apoyar con sus propios recursos la creación 236 de empresas desde diferentes puntos. Primero, mediante la cesión de infraestructuras para aquellos procesos y servicios donde las PYMES tienen dificultades de acceso por razones de dimensión o capacidad financiera. En la localidad existen infraestructuras públicas infrautilizadas que bien pudieran ser empleadas para la puesta en marcha de líneas de producción de base tecnológica al servicio del distrito, y a las que las empresas locales pudieran acceder. También vinculado a lo anterior, en cuanto a las infraestructuras, aunque en este caso encaminado a la comercialización, la administración regional puede y tiene que poner al servicio del distrito sus recursos de cara a permitir que las empresas tengan acceso al mercado exterior, tal y como está haciendo en otros sectores. Ahí es muy importante la labor que lleva a cabo la empresa pública AVANTE. Igualmente, es preciso incentivar la constitución de nuevas empresas, consolidar las ya presentes y atraer aquellas otras que están deslocalizadas en otros lugares, mediante el desarrollo de políticas específicas a favor del distrito que se traduzcan en incentivos económicos (léase desgravaciones y exenciones fiscales, ayudas a la innovación dirigidas al negocio, etc.). Finalmente, hemos de mencionar la necesidad de un servicio específico para la ayuda a la constitución de empresas, que asesore y ayude al emprendedor en toda la labor burocrática. En este sentido está previsto poner en funcionamiento en la localidad una incubadora de empresas, que debería cubrir esa necesidad. Obviamente, la banca también debe servir para fomentar el emprendimiento, favoreciendo el acceso al crédito. Sin duda, la institucionalización del distrito en los términos necesarios debe servir como aval para el ámbito financiero local, tal y como ocurre en otros lugares de la geografía española, como es el caso del levante español. d) Definición de los agentes del distrito y sus roles Una de las causas que han llevado a la no constitución de un verdadero distrito industrial en San Vicente de Alcántara, cuando han existido intentos para ello tanto de forma natural (es decir, con origen desde el propio negocio), como de forma planificada (desde las políticas de la administración), ha sido la no consideración de los agentes que forman par237 te de cualquier organización “distritual”. Y esto es consecuencia de la no participación de protagonistas clave, o de que incluso cuando aquéllos han participado, lo han hecho sin asumir su papel de forma específica. Así, en los casos estudiados, forman parte de la unidad del distrito los siguientes agentes: los centros tecnológicos y la universidad; la administración local; la banca o el sector financiero; las asociaciones de empresarios y de trabajadores; y las empresas. Todos estos agentes participan en la propia gobernanza del distrito mediante la constitución de un consejo de distrito en donde todos participan en la toma de decisiones estratégicas que afectan al conjunto, lo cual hacen mediante el asesoramiento de un equipo técnico del distrito, generalmente formado por miembros de la universidad y de los centros tecnológicos. 2.2.- El desarrollo de capital social La clave fundamental del funcionamiento de un distrito industrial es la existencia del denominado “capital social”, que, tal y como lo define Vicent Soler (Soler 2008b), supone la existencia de “relaciones de confianza entre las empresas basadas en la especialización productiva y/o en los valores e identidad local”. Este aspecto es el que da viabilidad a las empresas del distrito, al poder disfrutar éstas de las denominadas “economías externas”, es decir, las ventajas de la interdependencia entre empresas que comparten un mismo territorio, y que debido a ese vínculo que les une con el territorio da lugar al “carácter público del saber hacer” de los aspectos más esenciales del negocio, y por tanto la no existencia de desconocimiento alguno. Entre las ventajas que podemos mencionar ante este hecho, está la atenuación “del factor oportunista” propio del mercado “abierto”, lo que hace disminuir los costes de transacciones entre las empresas del propio distrito. Además, se genera un clima propicio para la colaboración y confianza mutua entre proveedores, clientes e incluso entre competidores potenciales del propio distrito. Como resultado de este capital social, que fluye en la “atmósfera” de los distritos, se producen fenómenos curiosos de aprovechamiento mutuo entre las pequeñas y medianas empresas de los distritos (la base del tejido empresarial de los mismos, tal y como hemos descrito) y aqué238 llas reconocidas como grandes empresas, en el caso de que existan, las cuales adquieren un rol de liderazgo del distrito que arrastra a las pequeñas y medianas empresas. Mientras tanto, las grandes empresas se benefician de la existencia de proveedores, mano de obra y del resto de condiciones favorables que se crean en los territorios en donde existe una concentración de empresas que colaboran entre sí. Justamente es lo que ocurre en el caso de Aveiro, donde la empresa Corticeira Amorin asume ese papel “jerarquizador”, aportando “al bien común” el acceso a los mercados internacionales, al que llegan las pequeñas empresas terminadoras como complemento (nunca compitiendo) a la oferta que hace el holding líder del negocio mundial. En San Vicente de Alcántara existen unos condicionantes similares, con la todavía presencia de empresas del grupo Amorin, a pesar de la reciente deslocalización de algunas de sus líneas sanvicenteñas en favor de los municipios portugueses de Ponte de Sor y Coruche, y sobre todo, por la presencia en el municipio sanvicenteño del grupo Oeneo, que bien pudiera asumir este papel jerarquizador. Hoy por hoy, estamos lejos de que esto se pueda producir, ya que en San Vicente de Alcántara no existe capital social; más bien todo lo contrario, puesto que el aspecto competitivo ha superado siempre al colaborativo. De hecho, incluso podemos hablar de algunos “episodios” derivados de ese espíritu de competencia desleal que siempre ha fluido por el negocio, como es el caso de la burbuja de precios en el campo que cada cierto tiempo aparece. La esencia está en un cambio hacia un comportamiento en donde se le dé importancia al aspecto colaborativo, sin descuidar al competitivo, que por otro lado también es necesario. Algunos autores indican que el capital social es el resultado de siglos de historia, de una manera de proceder muy arraigada en los territorios (como por ejemplo en Italia), y que, por tanto, es difícil de adquirir por aquéllos que no están “educados” en esa manera de proceder. Ante esta tesitura no podemos dejar de mencionar que existen fórmulas para conseguir alcanzar esa “quimera”, como pudiera ser una institucionalización “distritual” al modo “italiano”. 2.3.- La necesidad de la institucionalización del distrito “Institucionalizar el distrito industrial” significa “hacer natural” el funcionamiento del distrito industrial, lo que se traduce en que todos los 239 agentes deben asumir su rol con el objetivo de asegurar las condiciones necesarias para que se dé una organización de interdependencia de las empresas constituyentes, en base a las relaciones que tengan en cuenta la colaboración entre ellas. Para conseguir definir ese marco que garantiza la existencia de capital social es necesario dotar al distrito de entidad jurídica propia, y de un marco regulador específico de acuerdo con el orden normativo nacional e internacional, que nazca del consenso y del desarrollo conjunto de todos los agentes del distrito, y que defina simplemente todos los aspectos necesarios para que exista capital social. Con estas medidas, se definiría, por un lado, el elemento de referencia sobre el que las empresas del distrito se identificarían como miembros (uno de los condicionantes del capital social según Soler (Soler 2008b). De esta forma afloraría ese necesario sentimiento de arraigo a la idea de distrito. Por otro lado, desde el ordenamiento reglamentario específico se podrían definir las bases del aseguramiento de las relaciones de confianza. Este último aspecto es quizás el más controvertido, ya que entran a debate cuestiones “ideológicas” referidas a la intervención o no intervención del estado (en este caso interno al distrito) desde la reglamentación, que obviamente no se pretende hacer desde aquí. No obstante, hay que indicar que, frente a las reticencias que estos planteamientos pudieran suscitar, hay que mencionar que incluso entre aquellos que aplauden el libre-mercado de forma más “radical”, existe la conciencia de la necesidad de unas leyes mínimas que garanticen la seguridad jurídica y el buen funcionamiento del mismo. Además, hay que añadir que, para el negocio corchero en particular, lejos de suponer una barrera, el papel del estado en su regulación ha sido altamente beneficioso. Podemos mencionar dos casos de éxito: por un lado, la vertiente más “extrema” desde el punto de vista intervencionista, la del Estado Novo portugués durante la dictadura salazarista, cuyas medidas condicionaron el desarrollo del negocio corchero portugués hasta los niveles que hoy en día tenemos; y por otro, un caso actual, como es el modelo de regulación de distritos italianos, entre los que se incluye naturalmente el caso del distrito corchero sardo. Precisamente este debe ser el modelo de referencia de estudio por cuestiones obvias. No podemos dejar de mencionar otro tipo de ventajas que otorgaría la definición institucional del distrito, como es el hecho de crear una 240 marca propia de cara a los mercados (algo muy respetado en el caso de los distritos italianos), no excluyente de las individualidades de cada empresa, quienes obviamente preservarían su identidad específica, a la que unirían “la marca distrito”. 2.4.- El modelo de distrito industrial que presentamos para San Vicente de Alcántara En definitiva, desde este proyecto hemos optado por presentar un modelo de comportamiento y jerarquización del negocio corchero que agrupe todas las opiniones y que propicie la creación de un capital social y de una red de interrelaciones. Concretamente, éste se resume en la Figura 2. Figura 2.- Esquema del Distrito Industrial sanvicenteño Fuente: Elaboración propia de los autores 241 3.- ¿Qué se ha conseguido hasta ahora?: primeros resultados del proyecto Los avances del proyecto se asientan en numerosas reuniones mantenidas con todos los agentes vinculados al negocio corchero en San Vicente de Alcántara y en Extremadura (empresarios, trabajadores, administración local, Grupo de Acción Local, administración regional, agentes bancarios y la ciudadanía de San Vicente de Alcántara), a los que se han unido una serie de instituciones regionales que han favorecido el camino hacia la consecución de los objetivos planteados. Destacamos entre estas últimas a Cycitex, la empresa pública Extremadura Avante y la institución FUNDECYT PCTEX. Todo esto ha llevado a la construcción de la Sociedad Extremeña para la comercialización y la Innovación del corcho S.L., compuesta por veintiuna de las treinta y tres empresas que se encuentran activas en la localidad de San Vicente de Alcántara. Esto ha supuesto la dotación de un capital social, ya que las empresas han llegado a una serie de acuerdos que permitan mediante la colaboración de todas crear el producto final terminado y venderlo en el extranjero. Concretamente en la actualidad, las veintiuna empresas asociadas, con la colaboración de Avante Extremadura, han organizado una misión comercial a Chile para establecer contactos y poder exportar su producto hacia este mercado. Figura 3.- Reunión de trabajo entre el Ayuntamiento de San Vicente de Alcántara, empresarios, Cycitex, Avante y miembros del Grupo de Estudios de Historia Económica de la UEX En definitiva se ha conseguido: 242 Fuente: Archivo fotográfico de los autores 1.– Crear un capital social, es decir, hacer que las empresas “cambien el chip” realizando una colaboración entre ellas sin renunciar a la identidad, a la autonomía y al necesario carácter competitivo. 2.– Se ha articulado la forma para que las empresas unan sus fuerzas para poder llegar a dar el paso hacia la transformación, aportando cada una su capacidad productiva. 3.– Se ha internacionalizado el negocio, concretamente con la realización de la primera misión comercial al extranjero desde el seno de la nueva empresa. 4.– Se ha conseguido poner a trabajar a todos los entes y agentes sociales que componen el distrito en un mismo fin, logrando dar el paso hacia la transformación y la internacionalización de los productos corcheros de la localidad. Concretamente, el objetivo es dejar todo el valor añadido en la localidad, generando empleos y rentas, que permitan el desarrollo local. 5.– Por último, se ha creado el Observatorio para la Comercialización y la Industrialización del Corcho Extremeño (OCICEX), que es una asociación sin ánimo de lucro cuyo objetivo fundamental es la promoción y el fomento de la especialización en la transformación de productos corcheros en Extremadura desde la Gestión del Conocimiento, sirviendo para ello como punto de encuentro de las propias Empresas y sus asociaciones; los centros educativos y científico-tecnológicos de la región; administraciones; y la sociedad en general, para así poder diseñar y desplegar estrategias comunes eficaces, efectivas y eficientes. 243 Figura 4.- Tarjeta de presentación de la Sociedad Extremeña para la Comercialización y la Innovación del Corcho S.L. en su misión a Chile San Vicente de Alcántara Badajoz-Extremadura España Sociedad Extremeña para la Comercialización y la Innovación el corcho S.L. [email protected] @SECIcorchoSL Fuente: Archivo fotográfico de los autores Figura 5.- Muestras de la Sociedad Extremeña para la Comercialización y la Innovación del Corcho S.L. en su misión a Chile Fuente: Archivo fotográfico de los autores 244 Bibliografía – Asecor (2004): Características del mercado del corcho extremeño. Análisis estratégico. San Vicente de Alcántara. ASECOR. – Anónimo (1926): Anuario industrial-mercantil y guía gráfica de la provincia de Badajoz. Año 1926, El Financiero, Madrid. – Branco, A.; Parejo, F. M. Lopes, J.C.; y Ranhel, J. F. (2016): “Cambios en la localización de la industria corchera mundial. Una perspectiva histórica”, Revista de Estudios Regionales (en prensa). – Catalán, J.; Miranda, J. A.; y Ramón-Muñoz, R. (2011): Distritos y clusters en la Europa del Sur, Madrid: LID Editorial Empresarial. – Hernández, F.; y Soler, V. (2008): “Medición del «efecto distrito»: Una aproximación no paramétrica” en Soler, V. (Coord.) Los distritos industriales, El Ejido (Almería), Mediterráneo Económico, 13, 83-96. – Junta Directiva de la Industria Corcho-Taponera de Jerez de los Caballeros (1891): Ligeros apuntes sobre la cuestión corcho-taponera, Madrid. – Lopes, J. C.; Branco, A.; Parejo, F. M.; y Rangel, J. F. (2016): “Determinants of success and failure in the internationalization of the cork business: A tale of two Iberian family firms”, 15th EBES Conference Proceedings, Springer (en prensa). – Marshall, A. (1963): Principios de economía. Un tratado de introducción, Madrid, Aguilar (edición original en inglés. Principles of Economics, Londres, Macmillan and Co., 1890). – Medir, R. (1953): Historia del gremio Corchero. Madrid. Alhambra. – Molina, X. (2008): “Los distritos industriales en la Europa Mediterránea. Las diferencias entre Italia y España” en Soler, V. (Coor) Los distritos industriales, El Ejido (Almería), Mediterráneo Económico, 13, 183-201. 245 – Ortiz, R. (2001). Los inicios de la Industria del Corcho taponera e San Vicente de Alcántara en el siglo XIX, Badajoz, Diputación de Badajoz. – Parejo, F. M.; Branco, A.; Lopes, J. C.; y Rangel, J. F. (2013): “Regional Integration and Firm Location Choices: A Long Run Approach to the Cork Industry in the Iberian Peninsula”, Working Papers Department of Economics 2013/18, ISEG - School of Economics and Management, Department of Economics, University of Lisbon. – Parejo, F. M.; Branco, A.; Lopes, J. C.; y Rangel, J. F. J.F. (2015): “La internacionalización de las empresas familiares en el negocio corchero mundial: los casos de Reynolds, Mundet y Corticeira Amorim”, DT-SEHA, n. 1508. – Parejo, F. M.; Branco, A.; Lopes, J. C.; y Rangel, J. F. (2013): “Los orígenes de las actividades corchera en Extremadura: El corcho extremeño entre catalanes e ingleses”, Revista de Estudios Extremeños, Tomo LXIX Nº I, 455-484. – RangelL, J. F. (2013): La industria corchera extremeña en las últimas décadas. Un análisis desde la óptica de los distritos industriales, Colección Torre Isunza Nº 4, Don Benito, GEVA. – Soler, V. M. (2008a): “Los distritos industriales como una oportunidad competitiva“, en Soler, V. E. M. (Coor), Los distritos Industriales, El Ejido (Almería), Mediterráneo Económico, 13, 11-42. – Soler,, V. E. M. (2008b), Los distritos Industriales, El Ejido (Almería), Mediterráneo Económico, 13. – Zapata, S. (1996): “Corcho extremeño y andaluz, tapones gerundenses”, Revista de Historia Industrial, 10, 37-67. – Zapata, S. (2002): “Del suro a la cortiça. El ascenso de Portugal a la primera potencia del mundo”, Revista de Historia Industrial, 22, 109-137. – Zapata, S. (2009): “Declive y resistencia de la industria corchera española en la segunda mitad del siglo XX. Una descripción cuantitativa” en Zapata, S. (ed.), Suredes i industria surera: avui, ahir i demà. Alcornocales e industria corchera: Ayer, hoy y mañana. Cork oak woodlands and cork industry: present, past and future, Girona, Museu del Suro de Palafrugell, 840-875. 246 Turismo Fuente: Foto cedida por Five Photography 247 248 Um novo produto turístico para o Alentejo1. A Rota do Montado de Sobro A new tourism product for Alentejo. The Montado Route Carlos Manuel Faísca Universidad de Extremadura e Município de Ponte de Sor [email protected] Célia Gonçalves Tavares Fundação Robinson – Museu Robinson [email protected] Clara Prates Município de Ponte de Sor [email protected] María Dolores Palazón Botella Universidad de Murcia [email protected] Neste artigo a designação Alentejo é aquela que corresponde à região NUTS II Alentejo, incluindo, para além da região histórica do Alentejo, a parte sul do Ribatejo. Noutras ocasiões, sempre que se justifique, utilizar-se-ão, para uma melhor caracterização, as regiões NUTS III Alto Alentejo e Lezíria do Tejo. 1 249 – Resumo: No território português, entre o Ribatejo e o Alto Alentejo, reúnem-se condições excecionais para se dinamizar uma oferta turística em torno do montado de sobro e da cortiça. Desde logo, trata-se da região com maior produção de cortiça do planeta e, consequentemente, com um extraordinário património natural. Por outro lado, existe um exemplar quase único de património histórico industrial corticeiro, enquanto continuam a laborar várias unidades de média e de grande dimensão. Este artigo apresenta uma proposta para a criação de uma rota turística em que se articula o património industrial histórico e atual (Espaço Robinson em Portalegre e o cluster corticeiro em Ponte de Sor); ao património natural (Montado de sobro da região, onde se destaca o percurso pedestre PR1 de Ponte de Sor, já devidamente sinalizado); às ofertas culturais existentes como o Observatório do Sobreiro e da Cortiça de Coruche, o Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor –onde se encontra o maior mosaico do mundo em rolhas de cortiça– e o Museu Municipal de Coruche; e, por último, não são esquecidas as atividades comerciais em torno de produtos gastronómicos, de comércio e de artesanato. – Palavras-chave: Turismo; Alentejo; Montado de Sobro; Cortiça. – Abstract: In Portugal, between Ribatejo and Alto Alentejo, there are exceptional conditions in order to create a touristic route with a focus on the cork oak tree forests. As a matter of fact, this is the largest raw cork producing area of the world, with an exceptional natural heritage. On the other hand, it is possible to find here one of the most extraordinary preserved cork factories from the 19th century as an example of the industrial heritage of the region alongside with a considerable number of large and medium size cork industries still in production. This article presents a proposal to create a touristic route that gathers the historical and industrial heritage of the region (Robinson Space in Portalegre and the cork cluster in Ponte de Sor); its natural heritage (cork oak forests and the foothpath of Ponte de Sor); the variety of cultural offerings like the Observatory of Cork Oak Tree and Cork in Coruche, the Cultural and Arts Centre in Ponte de Sor (with the world’s largest cork stoppers mosaic), the Municipal Museum of Coruche; and, finally, commercial activities with gastronomic products and handicrafts. – Keywords: Tourism; Alentejo; Cork Oak Forests; Cork. 250 1.- Introdução Os rendimentos gerados pelo setor económico do turismo, um dos pilares da economia portuguesa, têm conhecido, na região do Alentejo, um acelerado crescimento alavancado não só pela conjuntura nacional, mas também pelos sucessivos prémios de excelência internacionais com que a região tem sido galardoada. No entanto, em termos comparativos, o Alentejo é ainda uma das regiões portuguesas com menor número de dormidas turísticas e, sobretudo, com uma das mais baixas taxas de turistas provenientes do estrangeiro. Neste sentido, a apresentação de uma rota turística diversificada, aliando, a partir de um dos mais importantes recursos endógenos do mediterrâneo ocidental, o touring cultural ao touring paisagístico, passando ainda pelo turismo enogastronómico, poderá ter o potencial necessário para captar turistas nacionais e estrangeiros, neste último caso vindos de regiões onde o montado de sobro e a cortiça só são conhecidos quando se abre uma garrafa de um bom vinho. Assim, este artigo segue esta lógica ao caracterizar, numa primeira fase, o turismo no Alentejo, para, em seguida, caraterizar, do ponto de vista ecológico e económico, a região por onde passa a rota e, por último, descrever com algum detalhe a Rota do Montado. 2.- O Turismo no Alentejo: características e potencialidades Portugal dispõe de diversos recursos que lhe permitem o desenvolvimento de diferentes tipos de turismo. Este setor tem apresentado uma importância crescente na economia portuguesa, sendo que as receitas provenientes desta atividade registaram um crescimento de 6,4 mil milhões de euros, em 2004, para 9,2 mil milhões de euros, em 2013, enquanto, no mesmo período, o número de camas passaram de 442.975 para 500.105 (PORTUGAL, Ministério da Economia 2014, 19). De facto, aquando da elaboração, em 2007, do Plano Estratégico Nacional do Turismo, já se previa o aumento progressivo do setor do Turismo enquanto atividade económica, ao mesmo tempo que se assinalava o crescimento da ponderação relativa do turismo interno face ao turismo externo. Este, por sua vez, está dependente de quatro mercados emissores: Reino Unido, Espanha, Alemanha e França. O Alentejo não foge muito ao cenário 251 atrás descrito, já que viu aumentar quer o número de camas, quer as receitas globais referentes à atividade turística. Neste último aspeto, foram gerados pelo setor do Turismo no Alentejo, em 2004, aproximadamente 46,75 milhões de euros, valor que, em 2013, já se tinha elevado para cerca de 55,35 milhões de euros (PORTUGAL, Ministério da Economia 2014, 70). Por outro lado, os principais mercados emissores de turistas para a região são, respetivamente, o espanhol, o francês, o brasileiro e o alemão. Tipicamente o turista que visita Portugal valoriza a oferta natural e a oferta cultural (paisagens, monumentos, museus, enogastronomia e praias), bem como a simpatia da população, o que acaba por fidelizar o turista. Nesse sentido, um estudo recente demonstrou que cerca de 93% dos turistas estrangeiros que visitaram Portugal, tencionam regressar (PORTUGAL, Ministério da Economia 2015, 5). Uma outra tendência a assinalar é a atitude do consumidor para com as atividades turísticas, já que se procura cada vez mais a possibilidade de se realizarem experiências diversificadas e autênticas, numa lógica de envolvimento e de interação com o território que se visita. É neste contexto que o Alentejo pode continuar a afirmar-se, do ponto de vista turístico, como a principal região emergente de Portugal, já que o seu produto principal materializa-se em torno do touring cultural e paisagístico que, ao ser trabalhado e aproveitado corretamente, poderá possibilitar experiências distintivas ao turista através do estabelecimento de diferentes sinergias. As rotas turísticas temáticas inserem-es neste contexto, pela criação de produtos com um valor acrescido face às ofertas tradicionais presentes no território. Na região do Alentejo, o montado de sobro é, sem dúvida, um dos principais recursos naturais da região, tendo um grande potencial enquanto recurso turístico que, lentamente, começa a ser explorado. Desde logo, devido à biodiversidade deste ecossistema, aparece associado o turismo de natureza, que nesta região se desenvolve, por exemplo, através da realização de percursos pedestres e do birdwatching. Aliás, considerando o potencial turístico, entre outros, da paisagem cultural do Montado, a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo iniciou recentemente uma candidatura do Montado a Património da Humanidade, atribuição da responsabilidade da UNESCO. A par do touring paisagístico surge também o touring cultural aliado quer às questões gastronómicas (através 252 da elaboração de pratos utilizando produtos/alimentos relacionados com o montado de sobro como a bolota, cogumelos, espargos e ervas aromáticas), quer ao conceito emergente de turismo industrial. Detenhamo-nos um pouco mais na análise deste conceito já que é aquele que, por ser mais recente, é também mais desconhecido da população em geral. O turismo industrial enquadra-se no conceito geral de turismo cultural. Desde meados dos anos 70 do século XX que, devido à desindustrialização da Europa Ocidental, muitas unidades fabris encerraram, passando a olhar-se para as instalações industriais devolutas como uma oportunidade de manter viva a memória de um passado não muito distante. Desta forma, a reabilitação do património industrial apresenta-se como uma forma de dinamização cultural das zonas que ficaram mais afetadas pelo encerramento de unidades fabris. Estes edifícios são readaptados a novas utilizações como museus, equipamentos públicos, centros culturais, entre outros. A recuperação deste património começou no final dos anos 50 do século XX no Reino Unido, país tremendamente marcado pela Revolução Industrial. No entanto, na maioria dos países da Europa Ocidental, este fenómeno só surge a partir dos anos 70 do século XX, pelos motivos já expostos. Em 1973 realizou-se, em Ironbridge (Reino Unido), a 1ª conferência internacional sobre o património industrial e, cinco anos mais tarde, a UNESCO incluiu na lista de Património Mundial o primeiro equipamento industrial: Mina de Sal de Wieliczka (Polónia) (Pardo 2004, 13). Nos países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, França e Itália, onde existe uma grande riqueza artística e histórica a nível patrimonial, este tipo de turismo surge mais tarde, mas tem sido recebido com grande entusiasmo gerando-se fluxos de visitantes impressionantes2. A musealização destes espaços industriais deve ser encarada numa ótica do desenvolvimento sustentável das regiões, já que permite apro- O aproveitamento turístico de património industrial tem sido alvo de diversas resoluções por parte do Conselho da Europa, destacando-se a Recomendação nº R (87) 24 sobre as cidades industriais europeias (1987) e a Recomendação nº R (90) 20 relativa à proteção e a conservação do património técnico, industrial e de obras de arte na Europa” (1991). Vale a pena também consultar a Comissão Internacional para a Conservação do Património Industrial, nomeadamente a Carta de Nizhny Tagil para o Património Industrial (2003). 2 253 veitar edifícios devolutos que marcam profundamente a paisagem, contribuindo para alterar a ideia de que as fábricas são elementos de degradação do ambiente. Este trabalho de reabilitação serve também para proporcionar crescimento económico, através do turismo, ao mesmo tempo que se recuperam e preservam laços entre o passado do território e as comunidades locais. Por outro lado, existe habitualmente uma dimensão cultural e um cariz didático através da abordagem de temáticas como a arqueologia, a técnica, a componente socioeconómica e produtiva. Com uma tendência clara de crescimento, têm vindo a surgir um conjunto de rotas e/ou de itinerários industriais que funcionam numa lógica de complementaridade com a oferta turística associada ao património histórico-artístico das regiões. Neste sentido, podem ser estabelecidas rotas urbanas, concentradas apenas numa cidade ou rotas regionais em que se agregam vários espaços industriais ao longo de uma região com uma identidade semelhante. De facto, o continente europeu dispõe de inúmeros itinerários turísticos culturais que incluem aspetos industriais relacionados, entre outros, com matérias-primas como o ferro, a azeitona, o vinho e a cerâmica. Nesse sentido, existe mesmo uma Rota Europeia de Património Industrial3 que funciona como uma entidade promotora do turismo industrial. Os números de visitantes a lugares de património industrial são bastante ilustrativos do potencial emergente deste tipo de turismo. Assim, em 2004, o Museo Minero de Cercs (Espanha) recebeu mais de 29 mil visitas, enquanto a Mina de Sal de Wieliczka (Polónia) foi visitada cerca de 800.000 mil vezes (Pardo 2004, 30). Em Portugal existem já alguns casos de sucesso, como, por exemplo, o Museu da Chapelaria de São João da Madeira, a Fábrica da Pólvora de Barcarena, a Real Fábrica de Panos da Covilhã, a Fábrica de Cerâmica Jerónimo Pereira Campos de Aveiro ou o Ecomuseu Municipal de Seixal. O turismo industrial pode ser realizado em duas vertentes distintas, ora perceber e conhecer o passado fabril dos últimos séculos, ora realizar visitas a fábricas ainda em laboração, onde se explica o fabrico de determinado produto. Em Portugal, o mais recente caso de sucesso que ilustra este cenário é o projeto Turismo Industrial de São João da Madeira. European Route of Industrial Heritage 3 254 A Rota que iremos apresentar tem todas as características para a prática do tipo de turismo referido. Partindo do montado de sobro e da cortiça, uma das principais riquezas patrimoniais do Alentejo, a criação de uma rota associada ao montado de sobro e à cortiça pode trazer inúmeras vantagens, já que permite a dinamização do território, o envolvimento da população e o aproveitamento de um recurso endógeno. O visitante pode perceber todo o sistema produtivo desde a extração da cortiça, passando pela sua transformação e comercialização do produto final. Noutra perspetiva, há a possibilidade de compreender o contexto histórico do setor, através de uma antiga unidade já desmantelada, de fruir da natureza e de provar os sabores do montado de sobro. Por tudo o que foi explicado anteriormente, a criação desta rota tem os elementos necessários para a oferta de uma experiência distintiva e autêntica para o turista atual. 3.- Os concelhos de Ponte de Sor, Portalegre, Coruche e a região envolvente: breve caracterização da fileira da cortiça A Rota do Montado de Sobro atravessa o território de cinco municípios, quatro dos quais situados no Alto Alentejo –Portalegre, Crato, Alter do Chão e Ponte de Sor– e um último –Coruche–, na Lezíria do Tejo. Trata-se de uma zona com grandes povoamentos de sobro, sobretudo, em primeiro lugar, nos concelhos de Coruche e de Ponte de Sor, mas também em Portalegre, remetendo-se Alter do Chão e o Crato para posições menos preponderantes neste aspeto, ainda que o sobreiro tenha uma presença significativa nestes dois territórios. Dando uma expressão mais numérica a esta realidade, basta referir que Coruche é o concelho com maior área de povoamento dominante de sobro de Portugal, com 49.719 hectares, enquanto Ponte de Sor surge, neste indicativo, em quinto lugar, com 37.458 hectares (APCOR, 2012). Portugal, por sua vez, detém a maior área de sobreiro do mundo, apresentando-se também como o maior produtor florestal e o maior transformador industrial do planeta (APCOR, 2014). Na transformação industrial, não obstante o grosso da indústria corticeira se situar atualmente em torno de Santa Maria da Feira, a verdade 255 é que o setor de atividade económica onde se emprega o maior número de trabalhadores em Coruche e em Ponte de Sor é a indústria corticeira. Nestes dois concelhos estão presentes diversas unidades fabris do Grupo Amorim, do Grupo Piedade, da Waldemar Fernandes S.A., do JPSCorkGroup e a Sofalca4 aos quais se juntam, em Alter do Chão, uma unidade do Grupo M.A. Silva e, por último, a Robcork de Portalegre, herdeira da centenária Robinson, no total de uma dezena de fábricas, empregando mais de um milhar de trabalhadores. Este cenário não é, todavia, uma novidade na região, já que há notícia da extração de cortiça para fins industriais desde, pelo menos, os anos 18305. Por outro lado, ao longo dos dois últimos séculos, algumas das maiores multinacionais do planeta mantiveram unidades fabris nesta região como, por exemplo, as britânicas Robinson, Henry Bucknall&Sons, as unidades ligadas à família Reynolds e a catalã Mundet, a par de um grande número de pequenas fábricas de capital nacional. Pode-se concluir então que a fileira da cortiça é uma das mais importantes atividades económicas dos territórios incluídos nesta rota e que, por sua vez, já conta com uma presença secular na região, pelo que há um saber fazer autêntico acumulado geracionalmente pelas populações locais. 4.- A Rota do Montado de Sobro: descrição e pontos de interesse A Rota do Montado de Sobro é um itinerário linear cujas extremidades são, do lado Este, a cidade de Portalegre e, do lado Oeste, a vila de Coruche. Com uma extensão aproximada de 128 km tem como pontos de paragem recomendados, para além destas duas povoações, a zona de Montargil e a cidade de Ponte de Sor. Na ausência de uma ordem de visita, a rota pode ser percorrida em qualquer um dos sentidos, sendo que aqui optámos pelo seu início em Portalegre. Na realidade a Sofalca situa-se já no concelho de Abrantes, porém, numa freguesia contígua ao concelho de Ponte de Sor e a apenas 16 Km desta cidade. 5 Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor, Câmara Municipal de Ponte de Sor, Correspondência recebida. 4 256 Figura 1.- Rota do Montado de Sobro Fonte: Ilustração de Tiago Vital Nesta cidade, situa-se uma das maiores e mais antigas fábricas de cortiça em Portugal que, sob diferentes designações em torno do nome Robinson, laborou durante mais de cento e sessenta anos, entre 1848 e 2009. No entanto, segundo a tradição, George William Robinson adquirira uma pequena oficina de transformação de cortiça ao seu compatriota Thomas Reynolds, fazendo recuar a cronologia desta unidade em mais alguns anos (Guimarães, 2006, 165). Instalada em parte das instalações do antigo Convento de São Francisco, nacionalizado após a extinção das ordens religiosas (1834) a fábrica prosperou, tornando-se, em finais do século XIX, a maior unidade de transformação de cortiça presente em Portugal. Reflexo disso mesmo é o crescimento do número de operários empregues pela Robinson que, em 1861, não ultrapassaria os 47, mas trinta anos mais tarde atingia o impressionante número de 1200 (Freitas, 2007, 254). Durante o seu período de laboração a fábrica especializou-se no fabrico de rolhas, de bóias, na preparação de pranchas de cortiça e na produção de aglomerados (aglomerado branco; aglomerado negro). 257 Figura 2 .- Linha de autoclaves. Produção de Aglomerado Negro Fonte: Rosa Reis, 2009 Deste passado bastante ativo e que se estenderá por todo o século XX, terminando somente na primeira década do século XXI, subsiste grande parte da maquinaria, com uma cronologia que percorre quase toda a história da fábrica. É o caso, por exemplo, da secção de produção de aglomerado negro, conforme ilustra a Figura 2, com um conjunto de 12 autoclaves, ou as caldeiras a vapor Babcock & Wilcox, representadas na Figura 3, datadas do início do século XX. 258 Figura 3.- Caldeiras Babcock & Wilcox Fonte: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2011 Da antiga fábrica, é ainda de realçar o antigo showroom, onde o visitante pode conhecer os vários produtos que aqui foram fabricados, assim como pequenos núcleos que ilustram a importância da fábrica no desenvolvimento da cidade, como é o exemplo do espólio da Corporação de Bombeiros Privativos Robinson fundada em 1908. O Espaço Robinson, classificado como Conjunto de Interesse Público a 24 de dezembro de 2012 (Portaria nº 740-DX/2012) integra também o Núcleo da Igreja do Convento de São Francisco, como parte do Museu Robinson, pela intervenção que a família de ingleses teve na readaptação do antigo espaço conventual ainda no século XIX. Este núcleo resulta na adaptação da antiga igreja conventual cuja construção se iniciou no séc. XIII. Com a abertura deste núcleo em 2011, a Fundação Robinson apos259 tou na Educação como forma de divulgação, sensibilizando os diferentes públicos e comunidade local para o potencial patrimonial que representa o Espaço Robinson. Através do Museu Robinson, a Fundação garante a realização de visitas guiadas aos diferentes espaços (igreja e fábrica) onde são abordados temas de acordo com a especialidade dos técnicos que integram a equipa do museu: de história, história de arte, arqueologia, conservação e restauro. Com projeto de reabilitação do consórcio de arquitetos Eduardo Souto de Moura e Graça Correia, a intervenção no antigo espaço industrial prevê a valorização de todo o conjunto patrimonial com o objetivo de o reconverter num espaço público de fruição cultural ao serviço da comunidade, promotor de educação, conhecimento, inovação, empreendedorismo e bem-estar social. Integrado neste projeto está a Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre que se encontra a funcionar no espaço desde 2008. Na cidade de Portalegre é ainda possível encontrar, no comércio local, os mais diversos objetos produzidos em cortiça, desde peças típicas de artesanato regional até acessórios de vestuário com um design arrojado. Figuras 4, 5, 6 e 7.- Espaço Robinson (Núcleo da Igreja do Convento de São Francisco) Fonte: Fundação Robinson, 2014 260 Partindo de Portalegre, os sobreiros recomeçam a reapropriar-se da paisagem à medida que nos aproximamos de Ponte de Sor, cidade onde, no Centro de Artes e Cultura, se encontra o maior painel do mundo em rolhas de cortiça, recorde certificado pelo Guinness World of Records. Esta obra, executada pelo artista albanês Saimir Strati, conta com aproximadamente 400 mil rolhas doadas pela indústria corticeira local - Amorim Florestal, S.A., Sedacor e Álvaro Coelho & Irmão. Figura 8.- Maior painel do mundo em rolhas de cortiça Fonte: Fotografia tirada por Ricardo Cruz, 2014 Contíguo ao mosaico, está sedeado o Fablab Alentejo, um laboratório de apoio à criatividade, que permite a produção rápida de protótipos tridimensionais e que se tem especializado no trabalho em cortiça. Figura 9.- Trabalho em cortiça executado no Fablab Alentejo Fonte: Fotografia tirada por Aníbal Oliveira, 2015 261 A partir deste centro cultural, ele próprio uma antiga Fábrica de Moagem de Cereais e de Descasque de Arroz do início do século XX, é possível obter informação sobre a «Pequena Rota 1 de Ponte de Sor», um percurso pedestre que, como iremos ver, apresenta diferentes características do montado de sobro. Assim, logo no início do itinerário, surge uma zona de montado de sobro em plena produção, enquanto, dois quilómetros depois, poder-se-á verificar a regeneração de alguns sobreiros, bem como a morte de outros tantos, que foram sujeitos a um incêndio recente. Umas centenas de metros adiante, surge então a oportunidade de se observar sobreiros em diferentes estados de crescimento, desde algumas plantações de pequenos chaparros, passando por sobreiros que se desenvolveram devido ao aproveitamento da regeneração natural, até às árvores mais maduras e produtoras de cortiça amadia. O percurso prossegue então junto à Ribeira de Sor onde a existência de moinhos de água de rodízio, com os respetivos açudes, permitem uma concentração de água sobre a qual converge grande parte da biodiversidade da região. Desta forma, para além dos moinhos em si, pode-se encontrar grande parte da fauna característica do montado de sobro, composta por diferentes tipos de mamíferos e de aves, às quais se juntam algumas espécies de peixes de rio e, ocasionalmente, lontras. Figura 10.- Moinho da Pontinha Fonte: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2011 262 Numa outra vertente em torno da fileira da cortiça, na zona industrial de Ponte de Sor e na vizinha freguesia de Bemposta, concelho de Abrantes, existem diversas fábricas que têm a possibilidade de integrar esta rota, como, aliás, já acontece com algumas corticeiras da região de S. Brás de Alportel. Aqui o turista ficaria a conhecer o complexo sistema produtivo da indústria corticeira, quer na produção de discos para rolhas, quer na produção de aglomerados para utilizações muitos diversas como, por exemplo, isolamentos usados na construção civil, no setor automóvel e no setor aeronáutico, até acessórios de moda e outras peças de vestuário. Por último, em Ponte de Sor encontram-se, uma vez mais, lojas especializadas em produtos de cortiça, bem como restaurantes cuja gastronomia se baseia nos produtos do montado. Figura 11.- Produção de discos na Amorim Florestal, S.A. Fonte: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2015 Seguindo viagem, os amantes da natureza encontram na Albufeira de Montargil um enorme espelho de água, com cerca de 20 km de extensão, perfeitamente enquadrado numa zona de montado de sobro que suporta uma rica diversidade de aves terrestres e aquáticas. Tratando-se de um dos poucos locais do território nacional onde é possível admirar quase todas as espécies de andorinhas que nidificam em Portugal –andorinha-dos-beirais, andorinha-das-rochas, andorinha-das-chaminés, andorinha-das-barreiras–, às quais se juntam a trepadeira-azul, o rabi263 rruivo-de-testa-branca, a felosa de Bonelli, o papa-moscas-cinzento e um grande número de rouxinóis-comuns. Figura 12.- Albufeira de Montargil Fonte: Município de Ponte de Sor A rota termina então em Coruche, onde, para além da oferta gastronómica, comercial e industrial que é semelhante à de Ponte de Sor, se destaca o Observatório do Sobreiro e da Cortiça e o Museu Municipal. Relativamente ao primeiro, trata-se de um edifício desenhado pelo Arquiteto Manuel Couceiro, com o intuito de criar uma orgânica que remeta para a metáfora do sobreiro como elemento vivo, pelo que é todo revestido a cortiça. No seu interior, encontram-se os laboratórios e oficinas destinados ao estudo do sobreiro e da cortiça bem como o centro documental que visa ser um espaço dedicado à compilação de elementos bibliográficos relacionados com a fileira da cortiça, e por fim o auditório de 150 lugares de paredes revestidas com aglomerado negro com frescos nas cores do montado e que se encontra disponível para a realização de seminários, conferências e encontros. Este projeto foi vencedor de uma Menção Honrosa na Categoria de Melhor Projeto Público 2014, dos Prémios de Turismo do Alentejo e Ribatejo. 264 Figura 13.- Observatório do Sobreiro e da Cortiça Fonte: Município de Coruche 5.- Conclusão Inserida num contexto de crescimento da procura turística no Alentejo, a Rota do Montado de Sobro pretende ir ao encontro das “novas” expetativas que os turistas, nacionais e estrangeiros, exibem. Nesse sentido, apresentou-se um produto turístico que, a partir de uma ligação identitária com a região, desenvolve um conjunto de atividades variadas, abarcando o touring cultural, paisagístico e gastronómico. É nossa profunda convicção de que se esta Rota for dinamizada, numa lógica de parceria entre a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, as autarquias locais, a indústria corticeira, proprietários florestais e empresas de animação turística, não só se valorizará os diferentes tipos de património da mesma, mas também constituir-se-á uma mais-valia económica para a região com a consequente criação de emprego e fixação de populações. 265 266 Bibliografia - Associação Portuguesa da Cortiça - APCOR (2012): Anuário 2012, APCOR, Santa Maria de Lamas. - Associação Portuguesa da Cortiça - APCOR (2014): Anuário 2014, APCOR, Santa Maria de Lamas. - Caamaño Franco, I. (2011): “La comercialización del turismo industrial, Rotur – revista de ocio y turismo, 4, 161-180. - Faísca, C. (2014): Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo, Apenas Livros, Lisboa. - Freitas, A. (2007): Demografía, economía, sociedad y política en un espacio fronterizo: El districto de Portalegre (1850-1930), Dissertação de Doutoramento, Universidad de Extremadura, Cáceres. - Guimarães, P. (2006): Elites e Indústria no Alentejo (1890- 1960). Um estudo sobre o comportamento económico de grupos de elite em contexto regional. Edições Colibri, Lisboa. - Pardo Abad, C. (2002): “Rutas y lugares de patrimonio industrial en Europa: consideraciones sobre su aprovechamiento turístico”, Espacio, Tiempo y Forma, VI, 15, 69-94. - Pardo Abad, Carlos (2004): “La reutilización del patrimonio industrial como recurso turístico. Aproximación geográfica al turismo industrial”, Trebals de la Societat Catalana de Geografia, 57, 7-32. - Pardo Abad, C. (2011): “Paisajes industriales e industrias para el turismo: simbolismo patrimonial y alcance territorial”, Rotur - revista de ocio y turismo, 4, 161-180. - Portugal, Ministério da Economia (2007): Plano Estratégico Nacional do Turismo, Turismo de Portugal, Lisboa. 267 - Portugal, Ministério da Economia (2014): Anuário das Estatísticas do Turismo 2013, Turismo de Portugal, Lisboa. - Portugal, Ministério da Economia (2015): Inquérito a turistas abril de 2015, Turismo de Portugal, Lisbo. 268 CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. Valorización social y turística de los paisajes corcheros CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. An Appreciation of the Corklands, an assessment of their potential to the tourist industry RETECORK, Red Europea de Territorios Corcheros [email protected]; [email protected] – Resumo: Mediante el proyecto CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. Valorización social y turística de los paisajes corcheros, el cual recibió la colaboración de la Fundación Biodiversidad, del Ministerio de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente de España, descubrirá el mundo del corcho a través de sus municipios, los espacios naturales donde se ubican y los museos y centros de interpretación. Este proyecto pretende fomentar el desarrollo local de los territorios corcheros y la sensibilización sobre la importancia y singularidad de su patrimonio natural y cultural mediante la valorización turística. Se ha creado una extensa gama de productos turísticos de naturaleza, activos, culturales, enogastronómicos, industriales… dirigidos a distintos nichos de mercado nacional y de los principales países europeos emisores de turismo hacia España. Esta actividad turística debe generar nuevas oportunidades de desarrollo económico en zonas rurales que sean compatibles y complementarias con el mantenimiento de actividades primarias (silvicultura) y secundarias (transformación del corcho) como base de desarrollo sostenible de estos territorios. – Palabras clave: Paisaje corchero; promoción turística; desarrollo rural sostenible. 269 – Abstract: Throughout the project CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. An Appreciation of the Corklands, an assessment of their potential to the tourist industry, which receives the assistance of the Biodiversity Foundation and the Ministries of Agriculture, Food and Environment of Spain, you will discover the world of cork area by area, the open countryside where museums and visitor centers can be found. To promote the local development of cork-producing territories and create awareness about the importance and uniqueness of its natural and cultural heritage through tourist revitalisation. Through revitalising landscapes and cork-producing heritage, the aim is to create an extensive range of nature, active, cultural, wine and gastronomy and industrial tourist products aimed at different niches of the national market and the main European markets from which tourists come to Spain. This tourist activity should create new opportunities for economic development in rural areas that are compatible and complementary with maintaining the primary (forestry) and secondary (cork transformation) activities as a basis for the sustainable development of the territories. – Keywords: Cork landscape; tourism promotion; rural development. El proyecto CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. Valorización social y turística de los paisajes corcheros, se ha desarrollado en los territorios corcheros de Andalucía, Aragón, Castilla-La Mancha, Castilla y León, Cataluña, Comunidad Valenciana y Extremadura adheridos a RETECORK, dado que esta implicación ha sido la base para la implementación de las actuaciones contempladas. Concretamente, los municipios que han participado en el proyecto son: Hornachuelos, Los Barrios, Sestrica, Navahermosa, Muelas del Pan, Agullana, Calonge, Cassà de la Selva, Llagostera, Palafrugell, Sant Celoni, Santa Coloma de Farners, Tordera, Eslida, San Vicente de Alcántara y la Mancomunidad Sierra de San Pedro. CORKLANDTOUR ha pretendido poner en valor el paisaje corchero, uno de los más genuinos del Mediterráneo Occidental, así como el patrimonio social, cultural y etnológico asociado al aprovechamiento del alcornocal mediante la creación de productos turísticos temáticos. A partir de los análisis y contactos realizados a través de un proyecto piloto de la Red Rural Nacional, ejecutado durante los años 2011, 270 2012 y 2013, se han podido constatar las oportunidades que tiene la valorización turística de estos territorios para el apoyo a su conservación y fomento del desarrollo endógeno; todo ello como complemento a las actividades tradicionales de aprovechamiento del corcho. También se detectó la necesidad de sensibilizar a la población (residente y visitante) sobre la importancia de mantener la gestión de los alcornocales y el consumo de productos de corcho. El objetivo general del proyecto fue el de fomentar el desarrollo local de los territorios corcheros y la sensibilización sobre la importancia y singularidad de su patrimonio natural y cultural mediante la valorización turística. A través de la valorización de los paisajes y el patrimonio corchero, se ha pretendido crear y comunicar una gama de productos relacionados con el turismo de naturaleza, activo, cultural, enogastronómico, industrial… dirigido a distintos nichos de mercado nacional y de los principales países europeos emisores de turismo hacia España. Figura 1.- Visita de la asociación “Amics de la Pagesia” a un alcornocal de Llofriu, Girona 271 Esta actividad turística debe generar nuevas oportunidades de desarrollo económico en zonas rurales que sean compatibles y complementarias con el mantenimiento de actividades primarias (silvicultura) y secundarias (transformación del corcho) como base de desarrollo sostenible de estos territorios. Así, los objetivos específicos del proyecto que se plantearon fueron: - Aprovechar las oportunidades que tienen los territorios corcheros para dinamizar la actividad turística, basada en la sostenibilidad. - Poner en valor los paisajes corcheros y su patrimonio social, cultural y etnológico asociado y dar a conocer su singularidad. - Facilitar la creación de productos temáticos vinculados al senderismo, ecoturismo, cicloturismo, BTT, rutas a caballo, gastronomía, touring, visitas a empresas y similares. - Incentivar el trabajo en red entre micro, pequeñas y medianas empresas, espacios naturales protegidos, museos, agencias de turismo y de promoción económica, y operadores turísticos. - Desarrollar campañas de promoción de temática corchera dirigidas a los visitantes potenciales nacionales y de países extranjeros utilizando distintos soportes, físicos y tecnológicos. - Sensibilizar a la población de los territorios corcheros sobre la importancia y la función ambiental de los territorios corcheros. Figura 2.- Visita de un grupo del municipio de Maureillas-Las Illas al Museo del Corcho de Palafrugell 272 Las propiedades físico-químicas del corcho han permitido desarrollar una actividad económica muy importante en las zonas rurales vinculadas a los sectores primario, secundario y terciario. La extracción y aprovechamiento del corcho ha sido, y continúa siendo, un factor clave de cohesión territorial y de generación de riqueza para muchas de estas zonas. Las actividades llevadas a cabo alrededor de este material han generado un patrimonio cultural, reconocido como la “civilización del corcho”. El legado patrimonial de esta actividad, con más de 200 años de historia, junto con la singularidad de los paisajes corcheros, constituyen un excelente recurso para generar nuevas oportunidades en estos territorios, vinculadas al desarrollo de nuevos modelos de turismo sostenible. Figura 3.- Taller sensorial sobre el corcho y su interacción con el vino en las jornadas “Vinos de tramuntana”, organizadas por la DO Empordà Según datos del Instituto del Corcho, la Madera y el Carbón Vegetal de Extremadura y la Confederación Europea del Corcho, la producción estimada de corcho es de 340.000 toneladas anuales. Los trabajos silvícolas (permanentes) y de saca (temporales) significan unos dos millones de jornadas al año en el bosque. La industria de preparación, la de acabados y el comercio se traducen en Europa entre 90.000 y 100.000 empleos. 273 En esta línea, el presente proyecto apoya la cooperación entre espacios naturales, museos, centros de interpretación y agentes económicos para compartir experiencias, recuperar y difundir el patrimonio y paisaje corchero como signo de identidad común para conseguir su valorización social y turística y, de esta forma, consolidar nuevas oportunidades laborales que mejoren la calidad de vida de los habitantes de estos territorios. El ámbito de actuación del proyecto CORKLANDTOUR abarca espacios naturales de un alto valor ecológico. La mayoría de los municipios y/o entidades locales integrados en éste se ubican en espacios naturales que cuentan con figuras de protección: Parque Nacional de Cabañeros, Parque Natural Tajo Internacional, Parque Natural de la Sierra de Hornachuelos y Reserva de la Biosfera, Parque Natural de Los Alcornocales, Parque Natural del Montseny y Reserva de la Biosfera, Parque Natural del Montnegre y el Corredor, Parque Natural de la Sierra de Espadán y Espacios de Interés Natural de la Albera y Les Gavarres, así como la Z.I.R. Sierra de San Pedro. Figura 4.- Inauguración de FICOR 2014 en el municipio de Coruche El alcornocal forma un ecosistema de gran riqueza que alberga, asimismo, una gran biodiversidad, donde viven especies de alto valor faunístico protegidas por las directivas europeas como el águila imperial ibérica, el águila perdicera, el buitre negro, el águila real, la cigüeña ne274 gra, el búho real; y entre los mamíferos, el lobo, el lince, el gato montés y el ciervo. El alcornoque, en sus diversas formaciones y localizaciones, crea un ecosistema que se encuentra únicamente en el Mediterráneo Occidental, ubicación estratégica para frenar la desertificación al mejorar los balances hídricos y ser resistente a los incendios forestales. Otra de las amenazas con las que se enfrentan los territorios corcheros está asociada al abandono del medio rural y la falta de estrategias comunes para poner en valor el patrimonio forestal. Por todo ello, las oportunidades de impulsar productos turísticos temáticos a partir del proyecto, vienen determinadas por: - La singularidad de los paisajes de alcornocal, poco reconocidos en las ofertas turísticas nacionales y europeas. - El legado cultural tangible e intangible de la actividad corchera en los últimos 250 años, que se ha convertido en un elemento de identidad y autoestima. - La capacidad de crear productos turísticos comunes a los territorios corcheros pero, a la vez, transferibles a nivel de metodología a otras zonas rurales y al resto de países asociados a RETECORK. - El interés creciente por los nuevos modelos de turismo responsable que tienen como lema “mejores lugares para vivir, mejores lugares para ser visitados”. Asimismo, la creación de productos temáticos permitirá la diversificación de los visitantes, la reducción de la estacionalidad, la creación de nuevos puestos de trabajo (más estables y de calidad) y la mejora de la rentabilidad de la actividad turística. De este modo, el alcornocal será más conocido y valorado socialmente por todos los servicios ambientales que éste ofrece como ecosistema, hecho que contribuirá a su correcta conservación y gestión. En esta misma línea, su valorización turística es un mecanismo para concienciar, tanto a la población residente como a los visitantes de estos territorios, sobre la necesidad de su conservación y gestión sostenible. 275 RETECORK, a través de proyectos anteriores, disponía de información general de los municipios integrados en la Red (breve descripción, relación del municipio con el corcho, datos de contacto, población y extensión, listado de espacios protegidos, listado de recursos turísticos y número de establecimientos de oferta turística). Por otro lado, durante la anualidad 2012 se realizó un inventario de todos los espacios naturales protegidos de España en los cuales el alcornocal tenía una presencia relevante; y en esa misma línea, se llevó a cabo también un inventario y breve ficha descriptiva de los museos y centros de interpretación de temática corchera o que albergan algún espacio dedicado a esta cultura. Cabe destacar que sólo se disponía de estas fichas en dos idiomas: castellano y catalán. En relación al objetivo del proyecto CORKLANDTOUR, el cual se centra en presentar las principales características y elementos de interés turístico de los territorios corcheros participantes en él, se partió de la información citada como base documental y se llevó a cabo un proceso de estructuración, actualización de datos y síntesis, de manera que el resultado fuera atractivo y de fácil lectura en los formatos turísticos que se pretendían utilizar. Figura 5.- Taller de creación de producto turístico en el marco de la “Fiesta del vino” de Calonge, Girona 276 De esta forma, se diseñaron unas nuevas fichas donde la información de los distintos recursos se estructuró de la siguiente manera: Municipios: breve descripción, relación del municipio con el corcho, datos municipales, espacios protegidos, parques naturales y otros (texto explicativo y enlaces directos), producto local y artesanía, recursos turísticos –patrimonio histórico construido, patrimonio natural, patrimonio cultural, fiestas, tradiciones y gastronomía– (texto explicativo y enlaces directos), oferta turística y más información. Espacios naturales: breve descripción, hábitats, vegetación, flora y fauna singular, patrimonio, municipios en el área protegida, rutas, caminos y otros, servicios y equipamientos, actividad económica y publicaciones. Museos y centros de interpretación: breve descripción, secciones e instalaciones del equipamiento, otros datos, horario de apertura al público, acceso y más información. Cabe destacar también que, conjuntamente, se realizó una tarea de recopilación de fotografías ilustrativas de estos recursos turísticos así como del propio municipio, espacio natural y/o museo y centro de interpretación para poder adjuntar a las fichas. Figura 6.- Fiesta de la saca del corcho en Llofriu, Girona 277 Además, atendiendo a las características del proyecto, una vez realizadas las fichas y validadas por los implicados, han sido traducidas a los siguientes idiomas: castellano, inglés, alemán, francés, catalán, portugués e italiano. Esta información es la base de toda la documentación turística generada a través del proyecto: dossier profesional, folleto divulgativo, plataforma tecnológica, etc. Para la preparación y/o actualización de cada una de las fichas se contactó de manera física a través de entrevista, o de forma telefónica o mediante correo electrónico con cada uno de los municipios implicados, espacios naturales, museos y centros de interpretación. Asimismo, se consultaron las páginas web de cada entidad para actualizar los datos sobre la oferta turística, alojamientos, restauración, servicios… así como las infraestructuras para realizar actividades: caminos señalizados, rutas, empresas, etc. Por otro lado, si en algún caso se detectó falta de información, se procedió al contacto con organismos superiores como patronatos provinciales, diputaciones y consejos comarcales. Así, se dispone de las siguientes fichas turísticas: — Municipios corcheros: Hornachuelos – Córdoba Los Barrios – Cádiz Sestrica – Zaragoza Navahermosa – Toledo Muelas del Pan – Zamora Agullana – Girona Calonge – Girona Cassà de la Selva – Girona Llagostera – Girona 278 Palafrugell – Girona Sant Celoni – Barcelona Santa Coloma de Farners – Girona Tordera – Barcelona Eslida – Castellón San Vicente de Alcántara – Badajoz Mancomunidad Sierra de San Pedro – Cáceres — Espacios naturales corcheros: Parque Natural de Los Alcornocales Parque Natural de la Sierra de Hornachuelos Parque Nacional de Cabañeros Paraje Natural de Interés Nacional de La Albera Espacio de Interés Natural Les Gavarres Parque Natural del Montseny Parque Natural del Montnegre y el Corredor Parque Natural de la Sierra de Espadán Zona de Interés Regional Sierra de San Pedro Parque Natural Tajo Internacional Parque Natural de Doñana Parque Natural de Los Montes de Málaga Parque Natural de Despeñaperros Parque Natural de la Sierra de las Nieves Parque Natural de la Sierra de Grazalema Parque Natural de la Sierra de Cardeña y Montoro 279 Parque Natural de la Sierra de Aracena y Picos de Aroche Parque Natural de la Sierra Norte de Sevilla Parque Natural de la Sierra de Andújar Reserva Regional de la Sierra de la Culebra Parque Natural de Batuecas y Sierra de Francia Parque Natural de Cornalvo y Sierra Bermeja Parque Nacional de Monfragüe Parque Regional El Valle y Carrascoy — Museos y centros de interpretación: La Suberoteca de Andalucía – Cádiz Centro de Visitantes El Aljibe – Cádiz Centro de Interpretación El Alcornocal – Zamora Museo del Corcho – Girona Centro de Interpretación Can Caciques – Girona Centro de Visitantes del Parque Natural de la Sierra de Espadán – Castellón Museo de Identidad del Corcho – Badajoz A lo largo de todo el periodo de ejecución del proyecto CORKLANDOTUR se ha participado en distintos eventos y reuniones que han permitido la presentación del propio proyecto e informar de su evolución y resultados finales a agentes turísticos y otros vinculados a los territorios corcheros. Dependiendo de la tipología de acontecimiento, se han diseñado presentaciones en formato power point y dossiers informativos para facilitar la comprensión de las actuaciones del proyecto. 280 Cabe destacar que entre dichas actuaciones, 10 concretamente, han sido ejecutadas fuera de las fronteras españolas (Portugal, Francia e Italia) debido al carácter internacional de la Red. Asimismo, se han llevado a cabo acciones de apoyo a la creación de producto turístico en los distintos territorios corcheros. El objetivo de esta actividad es asegurar que los agentes turísticos de los territorios conozcan el proyecto y se impliquen en él a través de la creación de producto específico. Figura 7.- Visita de unos estudiantes de la Universidad Paul Valéry de Montpellier al Instituto Catalán del Corcho Primeramente se realizó el contacto con el municipio que se pretendía fuera el anfitrión del taller de creación de producto turístico en territorio corchero. Una vez concretada la fecha, lugar y hora del acto, se procede a la edición digital y envío al municipio de un saluda/invitación para su difusión a todos aquellos agentes turísticos del propio municipio, zona y espacio natural: hostelería, restauración, empresas de actividades turísticas, etc. A continuación, se edita de manera digital y se hace llegar también al municipio un cartel promocional del taller de creación de producto turístico. Para cada uno de los talleres se ha preparado una presentación power point teniendo en cuenta las necesidades de cada territorio y du281 rante el acto se hacía llegar a cada representante una ficha a cumplimentar para la creación de producto específico. Una vez finalizado, el equipo técnico de la Red se ponía a disposición de cada uno de los participantes para ofrecerles asesoramiento, en el caso de que fuera necesario, para finalmente obtener un producto atractivo para el mercado turístico nacional e internacional. Este asesoramiento continuó en todo el proceso de creación de producto a través de contactos telefónicos y mediante correo electrónico con los interesados. Esta es una de las actividades esenciales del proyecto que tiene por objetivo disponer de una plataforma de promoción turística de los territorios corcheros que se pueda mantener e incluso ampliar una vez concluido el proyecto. Para ello, se diseñó un sistema de promoción basado en la edición de material off-line de contacto con operadores y profesionales, la edición de folletos para distribuir entre el público potencial y el diseño de una plataforma que contenga información de interés tanto para el público general como para los profesionales del turismo. Para todo ello se ha contado con la colaboración de especialistas en materia de diseño gráfico, programación web y online y profesionales del sector turístico. Por otro lado, se editó un dossier profesional bajo el título Descubre los territorios corcheros. Los textos de presentación de las singularidades de los territorios corcheros y las fichas de los espacios naturales, municipios y museos y centros de interpretación de los territorios participantes del proyecto CORKLANDTOUR son la base de este dossier profesional, incorporando, también el tipo de actividades que se ofrecen en estos territorios para conocer en profundidad su atractivo, organizadas por tipologías de producto: turismo activo, ecoturismo, turismo cultural, turismo etnológico, turismo gastronómico y touring. Este dossier profesional se ha traducido a 7 idiomas (castellano, inglés, alemán, francés, catalán, portugués e italiano) y tiene un formato online, fácilmente descargable a través del apartado “Profesional” de la plataforma tecnológica www.visitterritorioscorcheros.es - Descubre los territorios corcheros. Asimismo, la aplicación online diseñada a medida para el proyecto CORKLANDTOUR permite que desde la propia oficina y desde un ordenador cualquiera, el equipo técnico de la Red pueda editar, añadir un 282 apartado, eliminar, etc., sin depender de ningún especialista, e incorpora un diseño en formato pdf para que pueda ser impreso y entregado en las presentaciones y entrevistas con operadores, líderes de opinión, medios de comunicación especializados, etc. El formato online del dossier profesional Descubre los territorios corcheros se presenta también en formato de memoria usb para evitar la utilización excesiva de papel y asegurar que la actualización permanente de este dossier no tiene una repercusión en los costes de producción. Se han editado 100 unidades de esta memoria usb que se entrega de manera personalizada a líderes de opinión y operadores turísticos. Figura 8.- Visita a la saca del corcho para sumilleres y expertos gastronómicos en el Parque Natural de Los Alcornocales, Cádiz Como complemento al dossier profesional se ha editado un folleto en formato papel para la promoción de los territorios corcheros, el cual incluye textos que nos presentan estos territorios a través de los valores y singularidades que ofrecen y la tipología de actividades que se pueden desarrollar. El folleto sirve, asimismo, para promocionar el portal turístico www. visitterritorioscorcheros.es - Descubre los territorios corcheros, y a tal fin, se ha traducido a los siguientes idiomas: castellano, inglés, alemán, francés, catalán, portugués e italiano. 283 Este material ha sido utilizado en eventos de presentación del proyecto CORKLANDTOUR y las acciones de promoción que desarrollan los distintos territorios. Está dirigido a oficinas de información turística, de promoción económica y visitante potencial; por ello, se han enviado 50 ejemplares a cada municipio miembro del proyecto, para que en una primera fase, lo hagan llegar también a las empresas turísticas y esté al alcance de los visitantes a través de las oficinas de turismo. Una parte muy significativa del proyecto es la promoción y comunicación de éste. Así, durante el periodo de ejecución del proyecto CORKLANDTOUR, se han editado y difundido las siguientes notas de prensa: 17/02/2014: Se celebra en Madrid la Conferencia Internacional Alcornocales y sector corchero con más de 300 participantes. 26/02/2014: Jerez de la Frontera, Ciudad Europea del Vino 2014. 15/03/2014: El 95% de los vinos y cavas participantes en el concurso Giroví tapados con corcho. 07/05/2014: El Consejo Regulador de la DO Empordà celebra la jornada Vins de Tramuntana. 19/05/2014: La asociación Amics de la Pagesia descubre el mundo del corcho en Palafrugell. 23/05/2014: RETECORK colabora con el proyecto Ecoturalia, del programa EmpleaVerde de la Fundación Biodiversidad. 30/05/2014: Agentes turísticos de la Sierra de San Pedro y el Parque Natural Tajo Internacional se ponen en marcha para la creación de producto turístico. 17/06/2014: El núcleo de Llofriu acoge la Fiesta del Descorche que llega a su 12ª edición. 09/07/2014: Los agentes turísticos de Eslida y el Parque Natural de la Sierra de Espadán se ponen en marcha para la creación de producto turístico vinculado al patrimonio corchero. 24/09/2014: Se reúnen agentes turísticos de Los Barrios, en pleno Parque Natural de Los Alcornocales, para la creación de producto turístico. 284 08/10/2014: La nueva plataforma tecnológica Descubre los territorios corcheros ya está online, ¿a qué esperas? 10/11/2014: Agentes turísticos del entorno de los parques naturales del Montseny y del Montnegre y el Corredor se ponen en marcha para la creación de producto turístico. 17/11/2014: El municipio de Calonge, un año más, celebra la Fiesta del Vino Nuevo. 21/11/2014: RETECORK celebra su Comisión Ejecutiva en Calangianus, municipio corchero y miembro fundacional de la Red. 01/12/2014: Los territorios corcheros en el Congreso Internacional de Turismo rural y de Naturaleza. 11/12/2014: La descubierta del territorio llega a nuestras manos a través de los smartphones: NaturaLocal. 17/12/2014: RETECORK finaliza el proyecto CORKLANDTOUR. Cork, Landscape & Tourism. Valorización social y turística de los paisajes corcheros. Uno de los instrumentos más importantes del proyecto es la plataforma tecnológica que se ha diseñado para la promoción de los territorios corcheros. A través de sus criterios de diseño y fácil navegación, se ha conceptualizado como un instrumento de soporte al material off-line, que además, asegura la actualización permanente de los contenidos. Este espacio web contiene toda la información del dossier profesional e incluso mucho más ampliado. No obstante, incorpora un apartado clave que bajo el título “Experiencias turísticas”, agrupa los productos que ofrecen agentes turísticos de los distintos territorios corcheros. En el momento de finalizar el proyecto, este apartado incorpora 30 productos distribuidos de la siguiente forma: 11 de turismo activo, 12 de ecoturismo, 3 de turismo gastronómico, y 4 de turismo cultural y/o etnológico; y se asegura su actualización a través del equipo técnico de la Red que ha estado trabajando en el desarrollo de la plataforma. Para asegurar un buen posicionamiento de esta página web en los mercados turísticos potenciales, se han comprado dominios específicos para los principales países emisores: 285 España - www.visitterritorioscorcheros.es Reino Unido - www.visitcorkterritories.co.uk Alemania - www.visitcorkterritories.de Francia - www.visitterritoiresduliege.fr Cataluña - www.visitterritorissurers.cat Portugal - www.visitterritorioscorticeiros.pt Italia - www.visitterritoridelsughero.it Como instrumento de promoción de la página web, se han utilizado las redes sociales Facebook y Twitter de RETECORK, para dar información a los territorios y a los agentes turísticos de los mismos, sobre el desarrollo del proyecto y la organización de talleres y acciones promocionales. También han servido para que otros usuarios de estas redes sociales conozcan el proyecto CORKLANDTOUR y su evolución. Por otro lado, una de las premisas del proyecto era, no solo diseñar un espacio informativo sobre los territorios corcheros, sino también la estrategia que asegurara su presentación a profesionales del sector relacionados con la creación de producto de turismo activo y naturaleza y la promoción de los destinos turísticos. Por este motivo, se ha utilizado un estudio previo realizado por RETECORK en 2011 sobre la presencia de los territorios corcheros en las ofertas de los operadores turísticos de los principales países emisores de turismo para tener una base de datos potente de estos organizadores de viajes especializados, los cuales potencialmente pueden estar interesados en esta tipología de productos. Esta base de datos se completó con información sobre medios de comunicación y agencias de promoción turística de los destinos a nivel autonómico y estatal. En este ámbito debemos agradecer la colaboración del Sr. James Woodcock, que como contribución voluntaria a la valorización turística de estos territorios, se ha responsabilizado del contacto directo con los operadores turísticos del Reino Unido, líderes de opinión, entidades de promoción turística, etc. 286 Este proceso se irá desarrollado durante el año 2015 y siguientes, como una de las tareas específicas del equipo técnico de RETECORK. Así, hasta el momento, se ha contactado con un total de 77 operadores turísticos; 12 de España, 8 de Francia, 40 del Reino Unido, 8 de Alemania, 4 de Bélgica y 5 de Holanda. ¿Qué es RETECORK? RETECORK es la Red Europea de Territorios Corcheros. A través de esta Red, con más de 50 socios de España, Portugal, Francia e Italia, se ha querido constituir desde la administración local una plataforma para el conocimiento, la promoción y el desarrollo de la cultura del corcho, integrada por representantes de las comunidades tradicionalmente vinculadas a la producción, transformación y comercialización de este material. RETECORK quiere ser la voz política del sector corchero, representando y defendiendo los intereses de las colectividades territoriales con presencia de este sector; y contribuyendo a la valorización y difusión del legado cultural y patrimonial vinculado a esta actividad, procurando también por el desarrollo sostenible a nivel social, económico y ambiental de estos territorios. Los objetivos a largo plazo de la entidad son asegurar que la actividad corchera continúe siendo un importante recurso de desarrollo local y de valorización de los recursos territoriales. 287 288 Biología y Silvicultura / Biologia e Silvicultura Fuente: Foto cedida por Five Photography 289 290 A importância das aves no controlo de pragas de desfolhadores nos montados The importance of birds in pest control of defoliators in cork oaks Ricardo S. Ceia MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal [email protected] Rui A. Machado MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal Departamento de Biologia II, Ecologia Comportamental, Ludwig-Maximilians Universidade de Munique, Alemanha Jaime A. Ramos MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal – Resumo: As interacções entre as aves insectívoras e os desfolhadores foram estudadas no montado para avaliar a importância das aves no controlo natural destas pragas. Esta investigação foi conduzida em cinco passos, implicando (1) uma revisão bibliográfica, e observações de campo sobre (2) a ecologia alimentar das aves insectívoras, (3) as respostas a surtos de desfolhadores, (4) a dieta das crias, e (5) o efeito da instalação de caixas-ninho nas populações destas aves. Os resultados obtidos são coerentes em demontrar que espécies comuns de passeriformes insectívoros são predadores-chave de desfolhadores durante a Primavera. 291 Este grupo de aves é constituído principalmente por quatro espécies que se alimentam nas folhas, o chapim-azul (Cyanistes caeruleus), o chapim-real (Parus major), o chapim-de-crista (Lophophanes cristatus) e o tentilhão (Fringilla coelebs), e duas que se alimentam na casca das árvores, a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) e a trepadeira-azul (Sitta europaea). Estes passeriformes têm uma distribuição ampla e contam-se entre as espécies mais abundantes do montado, contudo podem ocorrer variações significativas nas suas populações com o sistema de gestão. Algumas práticas comuns e a utilização episódica de insecticidas podem provocar uma diminuição do controlo natural de pragas pelas aves, visto que reduzem os seus recursos alimentares e de nidificação. – Palavras-chave: caixa-ninho; insectivoria; lagarta-do-sobreiro (Lymantria dispar); largarta-verde (Periclista andrei); passeriforme. – Abstract: We carried out a systematic investigation on the interactions between insectivorous birds and defoliator pests in montados (Mediterranean oak woodlands) in order to assess the importance of birds in the regulation of these pests. Our five-step research included (1) a literature review, and field studies on (2) the foraging ecology of insectivorous birds, (3) responses to defoliator outbreaks, (4) nestling diet, and (5) the effect of nest-box provision on birds populations. Our results are consistent in showing that tree-foraging passerines are key predators of defoliators during spring. This guild of birds is basically composed by four foliage-gleaning species, Blue Tit (Cyanistes caeruleus), Great Tit (Parus major), Crested Tit (Lophophanes cristatus) and Chaffinch (Fringilla coelebs), and two bark-gleaning species, Short-toed Treecreeper (Certhia brachydactyla) and Nuthatch (Sitta europaea). These small insectivorous passerines are amongst the most abundant and widespread species in montados, although considerable changes in their populations take place at a local scale according to land management. A decrease in the natural regulation of pests by birds may result from common management practices, but also from insecticide spraying episodes, which reduce food and nesting resources for insectivorous passerines. – Keywords: gypsy moth (Lymantria dispar); insectivore; nest-box; passerine; sawfly (Periclista andrei). 292 1.- Introdução Os insectos que consomem folhas (desfolhadores) estão relacionados com o declínio do montado que tem ocorrido em décadas recentes na região SW da Península Ibérica (Branco e Ramos 2009). Na sua maioria são larvas de Lepidoptera, entre as quais se destacam a lagarta-do-sobreiro (Lymantria dispar, Lepidoptera: Erebidae) a portésia (Euproctis chrysorrhoea, Lepidoptera: Erebidae), a lagarta-de-libré (Malacosoma neustria, Lepidoptera: Lasiocampidae) e o burgo (Tortrix viridana, Lepidoptera: Tortricidae), mas também a lagarta-verde (Periclista andrei, Hymenoptera: Tenthredinidae). Estes insectos atacam tanto o sobreiro (Quercus suber) como a azinheira (Q. rotundifolia), embora existam algumas diferenças entre o montado de sobro e azinho quanto às pragas que mais os afectam actualmente (Ferreira e Ferreira 1991; Romanyk e Cadahia 1992). A desfolha ocorre sobretudo na Primavera, iniciando-se nas folhas mais jovens e estendendo-se depois às folhas mais velhas. As desfolhas podem ser parciais ou totais e, de acordo com a sua intensidade, ter efeitos negativos mais ou menos significativos na economia do montado. A desfolha reduz o crescimento das árvores e a produção de bolota (Magnoler e Cambini 1973; Rieske e Dillaway 2008; Branco e Ramos 2009). No caso dos sobreiros, provoca também falsos crescimentos de cortiça, diminuindo a sua qualidade, e por isso não se aconselha o descortiçamento nos dois anos subsequentes à desfolha (Heitor e Pereira 2004; Branco e Ramos 2009). A perda de vigor causada por sucessivas desfolhas pode culminar na morte das árvores, dado que estas ficam particularmente vulneráveis a ataques de insectos xilófagos, e.g. o plátipo (Platypus cylindrus, Coleoptera: Curculionidae) (Sousa e Inácio 2005), e de fungos patogénicos, e.g. a doença da tinta (Phytophthora cinnamomi) e o carvão-do-entrecasco (Biscogniauxia mediterranea) (Vannini, Valentini e Luisi 1996; Moreira e Martins 2005). Os prejuízos causados por pragas de desfolhadores no montado têm justificado o seu controlo químico deste início do século XX. Arseniatos e DDT foram usados até à década de 80, quando foram eliminados na maioria dos países europeus, e os métodos actuais de controlo consistem na aplicação, desde meios aéreos, de insecticidas biológicos à base de Bacillus thuringiensis ou de reguladores de crescimento como o diflubenzurão. Por outro lado, numerosos agentes patogénicos, parasitóides e predadores contribuem certamente para limitar as populações de desfol293 hadores, através de mecanismos dinâmicos de regulação que abrangem algumas fases ou todo o ciclo de vida dos desfolhadores (e.g. Villemant e Ramzi 1995; Villemant e Andreï-Ruiz 1999). As aves insectívoras têm demonstrado uma enorme importância como predadores de desfolhadores em diversos sistemas agro-florestais a nível mundial (e.g. Hooks, Pandey and Johnson 2003; Koh 2008; Van Bael et al. 2008; Whelan, Wenny e Marquis 2008; Johnson, Kellermann e Stercho 2010). Embora a acção das aves como predadores de pragas no montado seja unanimemente considerada como positiva, apenas em anos recentes esta interacção tem sido objecto de estudos científicos (Ceia e Ramos 2014, Pereira et al. 2014). O efeito das aves sobre as populações de desfolhadores (entre outras pragas) pode potencialmente servir de base, ou de apoio, a um programa de controlo de pragas no montado, no entanto, a promoção de um plano de gestão florestal com a recorrência às aves deverá acarretar ainda o desenvolvimento de estudos acerca dos impactes das aves nas populações destes insectos e nas dinâmicas dos seus surtos. Neste artigo apresentamos os principais resultados e conclusões de uma investigação sistemática das dinâmicas populacionais, ecologia alimentar e dieta das principais aves insectívoras no montado, com o objectivo de avaliar a sua importância no controlo de pragas de desfolhadores. 2.- Resultados e discussão 2.1.- O potencial das aves como predadores de pragas no montado São conhecidas cerca de uma centena de espécies de insectos que podem causar danos em sobreiro e azinheira, das quais aproximadamente duas dezenas estão na origem de prejuízos económicos consideráveis (Ferreira e Ferreira 1991; Romanyk e Cadahia 1992). Estas pragas podem ser de vários tipos –desfolhadores, mineiros, brocas do entrecasco, destruidores do fruto, xilófagos ou destruidores de cortiça– e, na sua maioria, afectam quer sobreiro quer azinheira. Através de uma pesquisa bibliográfica centrada na ecologia alimentar e dieta das aves nidificantes, invernantes e residentes na região SW da Península Ibérica, que incluiu 294 referências a 26 livros e 205 artigos científicos publicados desde 1889, estabeleceu-se o potencial das aves como predadores de pragas no montado. Foram identificadas 26 espécies de aves como predadores regulares dos vários tipos de pragas do montado. Na sua maioria, as aves insectívoras são predadores generalistas, polífagos, e os seus nichos de alimentação estão associados à predação de pragas em distintas fases do seu ciclo de vida (ovos, larvas, pupas e adultos). No caso dos desfolhadores, o controlo das suas populações advém da predação complementar de 22 espécies de aves que se alimentam de pupas enterradas no solo, consomem ovos, larvas e pupas em distintos nichos das árvores, ora capturam os insectos adultos em voo. A Primavera representa um período extraordinariamente importante no controlo de desfolhadores pelas aves uma vez que a fase larvar destes insectos, em desenvolvimento nas folhas, se encontra vulnerável à predação de várias espécies de passeriformes que ocorrem em elevadas densidades no montado. 2. 2.- A ecologia alimentar das aves no montado A ecologia alimentar das aves no montado foi investigada, de modo a confirmar as previsões anteriores e identificar no terreno as principais espécies que podem estar envolvidas na predação das larvas de desfolhadores durante a Primavera. Para este efeito, foram percorridos a pé 25 transectos com 1 km de comprimento, repetidos em dois anos, para observar aves em alimentação nas árvores (sobreiros e azinheiras). Ao consumirem insectos desfolhadores, as aves podem melhorar o estado fisiológico das árvores nas quais se alimentam (Holmes, Schultz e Nothnagle 1979; Marquis e Whelan 1994; Murakami e Nakano 2000; Sanz 2001), por isso, registaram-se também as condições fisiológicas (e.g. transparência da copa, exsudações no tronco, amarelecimento das folhas, folhas comidas) das árvores onde as aves se alimentaram para testar essa relação no montado. No total, foram registados 648 indivíduos pertencentes a 17 espécies de aves, cujo comportamento foi observado ao longo de aproximadamente 28 horas (Figura 1). A maior parte dos registos obtidos (90%) pertence a um grupo restrito de espécies de passeriformes residentes no montado, que inclui quatro espécies que se alimentaram sobretudo nas 295 folhas, o chapim-azul (Cyanistes caeruleus), o chapim-real (Parus major), o chapim-de-crista (Lophophanes cristatus) e o tentilhão (Fringilla coelebs), e duas espécies que se alimentaram quase exclusivamente nas cascas dos troncos e dos ramos, a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) e a trepadeira-azul (Sitta europaea). Através de modelos estatísticos que analisaram o tempo dispendido pelas aves em cada árvore, foi demonstrado que árvores onde as aves se alimentavam durante longos períodos apresentavam melhores condições fisiológicas e, em alguns casos, essa preferência estava associada à ocorrência de desfolhadores. Figura 1.- Tempo dispendido em alimentação e os nichos utilizados (troncos e ramos, ou folhas) pelas várias espécies que procuraram alimento nas árvores durante observações sistemáticas realizadas no montado (tempo total de observação = 1673 min). O número de registos obtidos para cada espécie é apresentado à direita da respectiva barra (número total de registos = 648) 296 2.3.- Respostas numéricas e funcionais das aves a surtos de desfolhadores no montado O crescimento das populações de insectos pode ser limitado por predadores se uma maior proporção da população for consumida quando o número de insectos aumenta. As respostas destes predadores à densidade de presas podem ser de dois tipos: (1) numérica, se existir um aumento na abundância de predadores; ou (2) funcional, no caso de aumentar o número de insectos consumidos por cada predador (Solomon 1949; Holling 1961; Hassel e May 1986). Para determinar se as aves podem controlar surtos de desfolhadores no montado, analisaram-se as suas respostas numéricas e funcionais a duas importantes pragas de desfolhadores, a lagarta-do-sobreiro e a lagarta-verde (Figura 2). Em dois anos consecutivos, durante a Primavera, a densidade das principais espécies de aves insectívoras (resposta numérica) e o tempo dispendido em alimentação nas árvores (resposta funcional) foram comparados entre duas áreas com surtos de lagarta-do-sobreiro e de lagarta-verde, localizadas nos concelhos de Sines e de Coruche, respectivamente, e uma área de referência não infestada por desfolhadores, localizada no concelho de Montemor-o-Novo. Quatro espécies de aves evidenciaram respostas positivas significativas aos surtos de desfolhadores: as densidades de trepadeira-azul e de tentilhão foram mais elevadas nas áreas atacadas por lagarta-do-sobreiro e lagarta-verde, respectivamente, e o chapim-azul e o chapim-de-crista passaram mais tempo em alimentação nas árvores infestadas por lagarta-do-sobreiro. A conspicuidade da lagarta-do-sobreiro e a camuflagem da lagarta-verde, enquanto nas folhas, estiveram provavelmente na origem das diferentes respostas verificadas aos surtos de cada uma destas pragas, dado que algumas aves não detectam facilmente presas crípticas (Lawrence 1985). Este estudo demonstrou, pela primeira vez, que as aves estão envolvidas directamente no controlo das pragas do montado, nomeadamente através de mecanismos dinâmicos de regulação por parte de algumas espécies abundantes de passeriformes residentes. 297 Figura 2.- Aspecto da lagarta-do-sobreiro (Lymantria dispar, Lepidoptera: Erebidae) (esquerda) e da lagarta-verde (Periclista andrei, Hymenoptera: Tenthredinidae) (direita) na página inferior de folhas de sobreiro. Nesta investigação, verificou-se que algumas espécies de passeriformes podem controlar surtos destas duas pragas de desfolhadores por intermédio de respostas numéricas e funcionais 2. 4.- A dieta das principais aves insectívoras do montado A época de reprodução de várias espécies de passeriformes insectívoros coincide com a eclosão das larvas de desfolhadores, que são o principal alimento das suas crias (Cholewa e Wesołowski 2011). De modo a avaliar o papel das principais aves insectívoras do montado como predadores de larvas de desfolhadores, estudou-se a dieta das crias de chapim-azul, chapim-real e trepadeira-azul. Em dois anos, foi efectuada a amostragem de 491 crias (com 5-23 dias de vida) em 82 caixas-ninho onde nidificaram estas três espécies de passeriformes. Para obter informação sobre as presas consumidas ao longo de todo o período de crescimento das crias, combinaram-se métodos clássicos com métodos pioneiros de análise de dieta: o método do colar foi utilizado para recolher 920 presas destinadas à alimentação das crias, e foram medidos os valores 298 de isótopos estáveis de carbono (C) e azoto (N) em penas de 146 crias voadoras. Embora na área de estudo existissem níveis muito baixos de desfolhadores (as árvores apresentaram menos de 1% de folhas comidas), as larvas de desfolhadores (Lepidoptera) foram o principal alimento das crias das três espécies, sendo inclusivé capturados alguns Lepidoptera adultos e em fase de pupa (Figura 3). Esta ordem de insectos engloba a maior parte dos desfolhadores e representou mais de metade das presas capturadas pelo chapim-azul e pelo chapim-real, e 24% das presas da trepadeira-azul. Em termos de biomassa, a percentagem de Lepidoptera na dieta das crias das três espécies foi superior a 50%, podendo chegar a 86% no caso do chapim-azul. Foram ainda identificadas nas dietas várias larvas de lagarta-do-sobreiro, um dos mais importantes desfolhadores do montado. Estes resultados sugerem que, num montado saudável, o controlo pelas aves pode ser suficiente para manter as populações de desfolhadores em níveis inofensivos e impedir que se tornem pragas. Figura 3.- Percentagem de biomassa das larvas, pupas e adultos de Lepidopterana dieta das crias de chapim-azul (Cyanistes caeruleus), chapim-real (Parus major) e trepadeira-azul (Sitta europaea). Foram obtidos resultados idênticos recorrendo a dois métodos –o método do colar, a que se referem os resultados apresentados nesta figura, e a análise de isótopos estáveis– para estimar a importância dos desfolhadores (Lepidoptera) na dieta das crias destas três espécies-chave de passeriformes insectívoros 299 2. 5.- Aumento da densidade de aves insectívoras no montado A instalação de caixas-ninho pode ser uma medida eficaz para reduzir a quantidade de desfolhadores e os danos por si causados em ecossistemas florestais, através do aumento da densidade reprodutora de passeriformes insectívoros (e.g. East e Perrins 1988; Sanz 2001; Mänd et al. 2009). A viabilidade deste método para auxiliar o combate a desfolhadores no montado foi testada ao longo de dois anos. No primeiro ano, foram escolhidas dez parcelas idênticas (500 m x 100 m) onde se efectuou uma contagem de aves no período de Abril-Maio, correspondente à época de reprodução das aves. No final desse primeiro ano, foram instaladas 20 caixas-ninho em cada uma de cinco dessas parcelas (4 caixas-ninho. ha-1, distanciadas 50 m entre si), permanecendo as outras cinco parcelas desprovidas de caixas-ninho. As contagens de aves foram então repetidas na época de reprodução seguinte para avaliar o efeito das caixas-ninho nas populações dos principais passeriformes insectívoros. Cerca de metade das caixas-ninho colocadas no montado (46%) foi ocupada por três espécies: o chapim-azul, o chapim-real e a trepadeira-azul. A densidade destas espécies nas parcelas com caixas-ninho aumentou no segundo ano, tendo por referência as densidades no primeiro ano em que ambos os grupos de parcelas não tinham caixas-ninho. Este aumento foi especialmente significativo para o chapim-azul cujas populações locais aumentaram 38% com as caixas-ninho (27% e 14% nos casos do chapim-real e da trepadeira-azul, respectivamente). De acordo com este estudo, as populações das principais espécies de passeriformes insectívoros no montado podem estar limitadas pela disponibilidade de cavidades para nidificação nas árvores. Nesta situação, a instalação de caixas-ninho favorece as densidades das suas populações reprodutoras e, consequentemente, amplia o efeito destas espécies nos desfolhadores. 3.- Conclusões Os cinco estudos aqui referidos formam um conjunto coerente permitindo afirmar que espécies comuns de aves residentes no montado são predadores-chave de desfolhadores, nomeadamente durante a Primavera quando as larvas destes insectos estão expostas nas folhas das 300 árvores. Embora estas aves tenham uma distribuição ampla e representem as espécies mais abundantes neste ecossistema, a uma escala local as suas populações podem sofrer variações consideráveis de acordo com o tipo de gestão do montado. Uma diminuição do controlo natural das pragas pelas aves pode resultar de práticas comuns de gestão, tais como a desmatação, o desbaste selectivo de árvores, as podas e desramações, e o descortiçamento, uma vez que estas reduzem significativamente os recursos onde as aves podem obter alimento ou nidificar (Rabaça 1990; Almeida 1992; Pulido e Díaz 1992; 1997; Tellería 2001; Santos, Tellería e Carbonell 2002; Díaz, Pulido e Marañón 2003; Camprodon e Brotons 2006; Godinho e Rabaça 2011; Leal et al. 2011; 2013; Pereira et al. 2014). A instalação de caixas-ninho deve ser considerada sempre que a disponibilidade de cavidades de nidificação seja afectada, de modo a mitigar uma possível redução do controlo natural de pragas pelos passeriformes insectívoros. Outro exemplo a referir, é o do risco da aplicação de insecticidas. A manifestação súbita no montado de várias espécies de desfolhadores (e outras pragas) na segunda metade do século XX é atribuída aos primeiros tratamentos químicos de desfolhadores, nas décadas de 40 e 50, que causaram a quebra dos mecanismos de controlo naturais (Sousa et al. 2007). Ainda que, actualmente, os produtos homologados para o controlo químico de desfolhadores não sejam directamente tóxicos para as aves, a sua aplicação reduz indiscriminadamente as populações de insectos e, por conseguinte, apresenta consequências negativas para as aves insectívoras (Cooper et al. 1990; Rodenhouse e Holmes 1992; Sample, Cooper e Whitmore 1993). Tal como no passado, o desequilíbrio da dinâmica de controlo natural pelas aves pode resultar no surgimento de outras pragas ou no agravamento das infestações, no entanto uma preocupação acrescida poderá advir do contexto actual de aquecimento global em que se prevê o aumento da intensidade dos surtos de pragas nas florestas europeias (Netherer e Schopf 2010). Tradicionalmente, o montado é um sistema agro-silvo-pastoril de baixa intervenção humana. Porém, as técnicas recentes de gestão têm conduzido os montados a condições particularmente artificiais que os prejudicam, não só pela incidência alarmante de pragas, como também pela inexistência de regeneração natural (Arosa et al. 2015). Uma gestão do montado que integre as populações de predadores de pragas pode ser bastante útil para o futuro deste ecossistema, visto contribuir de uma 301 forma holística para a sua sustentabilidade. É necessário, contudo, investir ainda um grande esforço na monitorização das populações de predadores e de pragas. A comunidade ornitológica do montado apresenta importantes variações sazonais (Herrera 1978; Almeida e Granadeiro 2000), e o seu impacte deve ser avaliado em cada fase do ciclo de vida dos desfolhadores. Agradecimentos Para a realização dos trabalhos de campo deste projecto foi necessária a colaboração de várias entidades. Agradecemos sobretudo a A. Sendim, a J.F. Fonseca, a M.T. Varela e J. Vilhena, e a R. Bonacho e M. Rosa em representação, nessa mesma ordem, da Sociedade Agrícola do Freixo do Meio, S.A., da Sociedade Agrícola da Serra e Amendoeira Lda., da Herdade do Adaíl e da Herdade do Areeiro e Caneira, por terem permitido a realização dos trabalhos de campo nas suas propriedades e pelo apoio logístico prestado. Agradecemos ainda à Associação de Produtores Florestais do Concelho de Coruche e Limítrofes (APFC) e à Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado (ANSUB), nas respectivas pessoas de M.C. Santos Silva e P. Silveira, por facilitarem o contacto com os proprietários. Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), por intermédio da bolsa de doutoramento SFRH/ BD/78813/2011 concedida a R.S. Ceia. 302 Bibliografia – Almeida, J. (1992): “Alguns aspectos dos efeitos do maneio dos montados de sobro Quercus suber na avifauna nidificante”, Airo, 3, 69-74. – Almeida, J.; e Granadeiro, J. P. (2000): “Seasonal variation of foraging niches in a guild of passerine birds in a cork-oak woodland”, Ardea, 88, 243-252. – Arosa, M. L.; Ceia, R. S.; Costa, S. R.; e Freitas, H. (2015): “Factors affecting cork oak (Quercus suber) regeneration: acorn sowing success and seedling survival under field conditions”, Plant Ecology & Diversity, 8, 519-528. – Branco, M.; e Ramos, A. P. (2009): “Chapter 9: Coping with Pests and Diseases” in Aronson, J., Pereira, J. S. & Pausas, J. G. (eds.) Cork oak woodlands on the edge, Island Press, Washington, 103-111. – Camprodon, J.; e Brotons, L. (2006): “Effects of undergrowth clearing on the bird communities of the Northwestern Mediterranean Coppice Holm oak forests”, Forest Ecology and Management, 221, 72-82. – Ceia, R. S.; e Ramos, J. A. (2014): “Birds as predators of cork and holm oak pests”, Agroforestry Systems, doi:10.1007/s10457-014-9749-7. – Cholewa, M.; e Wesolowki, T. (2011): “Nestling food of European hole-nesting passerines: do we know enough to test the adaptive hypotheses on breeding seasons?”, Acta Ornithologica, 46, 105-116. – Cooper, R. J.; Dodge, K. M.; Martinat, P. J; Donahoe, S.B.; e Whitmore, R.C. (1990): “Effect of diflubenzuron application on eastern deciduous forest birds”, Journal of Wildlife Management, 54, 486-493. – Díaz, M.; Pulido, F. J.; e Marañón, T. (2003): “Diversidad biológica y sostenibilidad ecológica y económica de los sistemas adehesados”, Ecosistemas, 2003/3 – East, M .L.; e Perrins, C. M. (1988): “The effect of nestboxes on breeding populations of birds in broadleaved temperate woodlands”, Ibis, 130, 393401. 303 – Ferreira, M. C.; e Ferreira, G. W. S. (1991): Pragas das Folhosas, Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, Lisboa. – Godinho, C.; e Rabaça, J. E. (2011): “Birds like it Corky: the influence of habitat features and management of ‘montados’ in breeding bird communities”, Agroforestry Systems, 82, 183-195. – Hassell, M. P.; e May, R. M. (1986): “Generalist and specialist natural enemies in insect predator-prey interactions”, Journal of Animal Ecology, 55, 923-940. – Heitor, A. C.; e Pereira, S. (2004): Manual das principais pragas florestais, Confagri, Lisboa – Herrera, C. M. (1978): “Ecological correlates of residence and non–residence in a Mediterranean passerine bird community”, Journal of Animal Ecology, 47, 871-890. – Holling, C. S. (1961): “Principles of insect predation”, Annual Review of Entomology, 6, 163-182. – Holmes, R. T.; Schultz, J.C.; e Nothnagle, P. (1979): “Bird predation on forest insects: an exclosure experiment”, Science, 206, 462-463. – Hooks, C. R. R.; Pndey, R.R.; e Johnson, M. W. (2003): “Impact of avian and arthropod predation on lepidopteran caterpillar densities and plant productivity in an ephemeral agroecosystem”, Ecological Entomology, 28, 522-532. – Johnson, M. D.; Kellermann, J.L.; e Stercho, A. M. (2010): “Pest reduction services by birds in shade and sun coffee in Jamaica”, Animal Conservation, 13, 140-147. – Koh, L. P. (2008): “Birds defend oil palms from herbivorous insects”, Ecological Applications, 18, 821-825. – Lawrence, E. S. (1985): “Sit-and-wait predators and cryptic prey: a field study with wild birds”, Journal of Animal Ecology, 54, 965-976. – Leal, A. I.; Correia, R. A.; Granadeiro, J.P.; e Palmeirim, J. M. (2011): “Impact of cork extraction on birds: Relevance for conservation of Mediterranean biodiversity”, Biological Conservation, 144, 1655-1662. – Leal, A. I.; Correia, R. A.; Palmeirim, J. M.; e Granadeiro, J.P. (2013): “Does canopy pruning affect foliage-gleaning birds in managed cork oak woodlands?”, Agroforestry Systems, 87, 355-363. – Magnoler, A.; e Cambini A. (1973): “Radial growth of Cork Oak and the effects of defoliation caused by larvae of Lymantria dispar and Malacosoma neustria”, Boletim do Instituto dos Produtos Florestais Cortiça, 35, 53-59. 304 – Mänd, R.; Leivits, A.; Leivits, M.; e Rodenhouse, N. L. (2009): “Provision of nestboxes raises the breeding density of Great Tits Parus major equally in coniferous and deciduous woodland”, Ibis, 151, 487-492. – Marquis, R. J.; e Whelan, C. J. (1994): “Insectivorous birds increase growth of white oak through consumption of leaf-chewing insects”, Ecology, 75, 2007-2014. – Moreira, A. C.; e Martins, J. M. S. (2005): “Influence of site factors on the impact of Phytophthora cinnamomi in cork oak stands in Portugal”, Forest Pathology, 35, 145-162. – Murakami, M.; e Nakano, S. (2000): “Species-specific bird functions in a forest-canopy food web”, Proceedings of the Royal Society B, 267, 15971601. – Netherer, S. ; e Schopf, A. (2010): “Potential effects of climate change on insect herbivores in European forests - general aspects and the pine processionary moth as specific example”, Forest Ecology and Management, 259, 831-838. – Pereira, P.; Godinho, C.; Roque, I.; Marques, A.; Branco, M.; e Rabaça, J. E. (2014): “Time to rethink the management intensity in a Mediterranean oak woodland: the response of insectivorous birds and leaf-chewing defoliators as key groups in the forest ecosystem”, Annals of Forest Science, 71, 25-32. – Pulido, F.; e Díaz, M. (1992): “Relaciones entre estructura de la vegetación y comunidades de aves nidificantes en las dehesas: influencia del manejo humano”, Ardeola, 39, 63-72. – Rabaça, J. E. (1990): “The influence of shrubby understory in breeding bird communities of Cork Oak (Quercus suber L.) woodlands in Portugal”, Portugaliae Zoologica, 1, 1-6. – Rieske, L. K.; e Dillaway, D. N. (2008): “Response of two oak species to extensive defoliation: tree growth and vigor, phytochemistry, and herbivore suitability”, Forest Ecology and Management, 256, 121-128. – Rodenhouse, N. L.; e Holmes, R. T. (1992): “Results of experimental and natural food reductions for breeding Black-throated Blue Warblers”, Ecology, 73, 357-372. – Romanyk, N.; e Cadahia, D. (eds.) (1992): Plagas de insectos en las masas forestales españolas, 2ª edición, Ministerio de Medio Ambiente, Madrid. – Sample, B. E.; Cooper, R. J.; e Whitmore, R. C. (1993): “Dietary shifts among songbirds from a Diflubenzuron-treated forest”, Condor, 95, 616624. 305 – Sanz, J. J. (2001): “Experimentally increased insectivorous bird density results in a reduction of caterpillar density and leaf damage to Pyrenean oak”, Ecological Research, 16, 387-394. – Santos, T.; Tellería, J.L.; e Carbonell, R. (2002): “Bird conservation in fragmented Mediterranean forests of Spain: effects of geographical location, habitat and landscape degradation”, Biological Conservation, 105, 113-125. – Solomon, M. E. (1949): “The natural control of animal populations”, Journal of Animal Ecology, 18, 1-35. – Sousa, E.; e Inácio, M.L. (2005): “New Aspects of Platypus cylindrus Fab. (Coleoptera: Platypodidae): Life History on Cork Oak Stands in Portugal” in: Lieutier, F. & Ghaioule, D. (eds.) Entomological Research in Mediterranean Forest Ecosystems, INRA Editions, Paris, 147-168. – Sousa, E. M. R.; Santos, M. N. S.; Varela, M. C.; e Henriques, J. (2007): Perda de vigor dos montados de sobro e azinho: análise da situação e perspectivas, Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Direcção-Geral dos Recursos Florestais e Instituto Nacional dos Recursos Biológicos, Lisboa. – Tellería, J. L. (2001) “Passerine bird communities of Iberian dehesas: a review”, Animal Biodiversity and Conservation, 24, 67-78. – Van Bael, S. A.; Philpott, S.M.; Grenberg, R.; Bichier, P.; Barber, N.A.; Mooney, K.A.; e Gruner, D.S. (2008): “Birds as predators in tropical agroforestry systems”, Ecology, 89, 928-934. – Vannini, A.; Valentini, R.; e Luisi, N. (1996): “Impact of drought and Hypoxylon mediterraneum on oak decline in the Mediterranean region”, Annales des Sciences Forestières, 53, 753-760. – Villemant, C.; e Ramzi, H. (1995): “Predators of Lymantria dispar (Lep. Lymantriidae) egg masses: spatio-temporal variation of their impact during the 1988-89 pest generation in the Mamora cork oak forest (Morocco)”, Entomophaga, 40, 441-456. – Villemant, C.; e Andreï-Ruiz, M. C. (1999): “Life-cycles and biological features of eggs predators of Lymantria dispar (Lepidoptera: Lymantriidae) in the Mamora cork oak forest, Morocco”, European Journal of Entomology, 96, 29-36. - Whelan, C. J.; Wenny, D. G.; e Marquis, R. J. (2008): “Ecosystem services provided by birds”, Annals of the New York Academy of Sciences, 1134, 25-60. 306 Diplodia corticola como agente causal do declínio do Montado em Portugal Diplodia corticola, as a causative agent of the cork oak forest decline Ana Cristina Esteves Departmento de Biologia, CESAM, Universidade de Aveiro, Portugal Isabel Fernandes Departmento de Biologia, CESAM, Universidade de Aveiro, Portugal Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Engenharia Biomolecular (L-Probe), Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Universidade de Gent, Bélgica Bart Devreese Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Engenharia Biomolecular (L-Probe), Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Universidade de Gent, Bélgica Artur Alves Departmento de Biologia, CESAM, Universidade de Aveiro, Portugal António Correia Departmento de Biologia, CESAM, Universidade de Aveiro, Portugal 307 – Resumo: O declínio do Montado na Bacia do Mediterrâneo tem sido descrito desde o século XIX. É uma doença multifatorial, caracterizada por sintomas como a morte dos ramos e necrose vascular, que culmina com a morte dos sobreiros afetados. O oomiceto Phytophthora cinnamomi, um conhecido agente patogénico, é considerado como um dos principais fatores biológicos associados ao declínio do sobreiro. Contudo, outros agentes patogénicos, nomeadamente fungos, têm sido consistentemente recolhidos em plantas em declínio. Este é o caso do fungo filamentoso Diplodia corticola, um agente patogénico que foi considerado o fungo mais virulento associado ao declínio do sobreiro, induzindo sintomas mais danosos do que P. cinnamomi. Por outro lado, D. corticola foi também já descrito em diversos países europeus e na América do Norte como agente patogénico de carvalhos, da videira e do eucalipto. Assim, é vital a compreensão dos mecanismos de infeção utilizados por este agente patogénico, de modo a diminuir ou suprimir os impactos negativos que tem nas florestas. No trabalho que aqui apresentamos, utilizaram-se metodologias de proteómica que permitiram identificar as proteínas expressas por D. corticola e potencialmente envolvidas no mecanismo de infeção de D. corticola. Em última análise, a identificação destas proteínas permitirá o desenvolvimento de estratégias para uma gestão adequada das doenças do Montado. – Palavras-chave: Declínio do sobreiro; Fungos fitopatogénicos; Mecanismo de infeção; Proteómica. – Abstract: The decline of the cork oak forest in the Mediterranean Basin has been described since the XIX century. This is a multifactorial disease, characterized by symptoms such as dieback and vascular necrosis, culminating in host death. The oomycete Phytophthora cinnamomi, a known pathogen, is considered one of the main biological factors associated to the decline of the cork oak. Nonetheless, other pathogens, namely fungi, have been consistently collected from symptomatic plants. This is the case of the filamentous fungus Diplodia corticola, a pathogen that was already considered the most virulent fungus associated to the decline of the cork oak, inducing more aggressive symptoms than P. cinnamomi. On the other hand, D. corticola was already described in other European countries and in North America as a pathogen of aks, grapevines and eucalyptus. Therefore, understanding this pathogen’s infection mechanisms is fundamental to help diminishing or suppressing the negative impacts it has on the forests. 308 In the work we present, proteomics was used to identify the molecules expressed by D. corticola that are potentially involved in the infection mechanism. The identification of these proteins will allow, in the future, developing effective management strategies of the cork oak forest. – Keywords: Cork oak decline; Phytopathogenic fungi; Infection mechanisms; Proteomics. 1.- Introdução - o Montado e o seu declínio O sobreiro (Quercus suber L.) ocorre naturalmente na região Oeste do Mediterrâneo, com especial incidência na Península Ibérica. Com uma grande longevidade (250-300 anos), as florestas de sobreiro são consideradas hotspots de biodiversidade, que coexistem com um sistema agro-silvo-pastoral (Camilo-Alves, 2014). Este habitat é extraordinariamente rico em espécies animais e vegetais, das quais várias se encontram ameaçadas e em risco de extinção (Selvi e Valleri, 2012). Os montados na região da Bacia do Mediterrâneo são reconhecidos pela Diretiva Habitats da União Europeia (Diretiva 92/43/CEE, 21 de Maio de 1992) como habitat protegido, apresentando uma elevada proteção jurídica. Atualmente, estes habitats são uma das grandes prioridades de conservação da paisagem tradicional do Mediterrâneo. Na União Europeia as florestas de sobreiro ocupam aproximadamente 20 000 km2, dos quais 61% estão localizados na Península Ibérica. Em Portugal, o sobreiro é a segunda espécie florestal, ocupando mais de 23% da área florestal portuguesa (IFN6, 2013). O relatório de progressos da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas da Agência Portuguesa do Ambiente (APA, 2013) refere que, em Portugal, o complexo agro-florestal representa aproximadamente 2% do PIB, sendo apenas superado na União Europeia pela Finlândia e pela Suécia. Além do seu enorme valor ecológico e social, a grande relevância das florestas de sobreiro advém da utilização da cortiça. A cortiça é colhida periodicamente (em intervalos de 9 anos), segundo um processo tradicional que não causa impactos significativos na saúde das árvores (Costa et al. 2015; Oliveira e Costa 2012). A cortiça, e os produtos relacionados, são um dos pilares da indústria florestal portuguesa, possuindo um impacto regional muito significativo: este sector emprega mais de 8700 trabalhadores, com um impacto de 23% no volume total de expor309 tações florestais (INE, dados de 2011). A indústria corticeira em Portugal, líder mundial na produção (49,6%), transformação e exportação (64,7%) baseia-se essencialmente no fabrico de rolhas (68%, APCOR, 2014), mas as propriedades deste material como isolante acústico e térmico, a impermeabilidade à água, entre outras características, têm vindo a promover a aplicação em indústrias tão diversas como a aeronáutica, a construção ou as indústrias do calçado e do têxtil (Gil 2015; Silva 2005). Desde o século XIX que surgem referências ao declínio da floresta de sobreiro na Bacia do Mediterrâneo, o qual se intensificou a partir dos anos 80 do séc. XX (Sousa et al. 2007). Apesar dos numerosos estudos que têm sido realizados, a influência dos diversos fatores envolvidos no declínio ainda não está completamente esclarecida, uma vez que estes interagem de uma forma complexa (Linaldeddu et al. 2014). Este declínio generalizado do Montado é causa de grande preocupação relativamente ao futuro deste ecossistema. É sabido que o declínio é causado pela conjugação de diversos fatores ambientais, biológicos e antropogénicos adversos: seca, temperaturas elevadas, fogos florestais, erosão dos solos e alteração das práticas agrícolas (Acácio 2009; Bréda et al. 2006; Catry et al. 2012; Sousa et al. 2007). Outro parâmetro fundamental na implantação e desenvolvimento do declínio são as pragas e doenças que afetam o Montado. A sintomatologia associada ao declínio do Montado é variada e podem ser distinguidos sintomas associados a um declínio crónico e a um declínio agudo. O primeiro, mais comum, desenvolve-se lentamente ao longo de vários anos e caracteriza-se por uma perda da folhagem com início no topo das ramadas e que pode alastrar pela copa ou, pelo contrário, permanecer apenas em alguns ramos periféricos (Camilo-Alves, Clara e Ribeiro 2013; Sousa et al. 2007). Pelo contrário, o declínio agudo é caracterizado por uma brusca seca da copa (2-4 semanas), com a particularidade de que as folhas secas não caem, culminando com a morte rápida dos sobreiros afetados (Camilo-Alves, Clara e Ribeiro 2013; Sousa et al. 2007). As alterações climáticas, que claramente estão em curso, são vistas como uma séria ameaça à conservação do ecossistema do montado. Na Bacia do Mediterrâneo, estas alterações climáticas estão a causar um aumento anual da temperatura (com um aumento previsto de 2,5-3,5 ºC até 2050) e uma diminuição da precipitação (de até 30-45 %) (Branco et al. 2014). Além das implicações para as árvores, estas alterações terão 310 também implicações diretas na biologia, distribuição e comportamento dos agentes patogénicos florestais, e implicações indiretas relacionadas com o aumento da susceptibilidade dos hospedeiros. Num cenário em que o Montado está progressivamente sujeito a temperaturas crescentes e diminuição da precipitação, é preocupante a falta de conhecimento que estas alterações terão nos agentes patogénicos e na sua interação com os hospedeiros. Um dos agentes patogénicos consistentemente encontrado em árvores sintomáticas é o fungo filamentoso Diplodia corticola. Na realidade a sua patogenicidade relativamente a espécies de carvalhos do Mediterrâneo já foi demostrada (Luque e Girbal 1989, Brasier 1992, Luque, Parladé e Pera 2002, Luque Pera e Parlade 2008, Phillips et al. 2013, Linaldeddu et al. 2014). Na Califórnia e na Florida (EUA) esta espécie foi também implicada na morte de dezenas de milhares de km2 de florestas de carvalhos (Quercus chrysolepis e Quercus agrifolia; Lynch et al. 2013). 2.- O agente patogénico - Diplodia corticola Diplodia corticola pertence à família Botryosphaeriaceae (Alves et al. 2004, Phillips et al. 2013), conhecida pela sua distribuição mundial especialmente associada a plantas lenhosas. Alguns membros desta família são os agentes patogénicos mais agressivos que se encontram na comunidade endofítica das plantas (Slippers e Wingfield 2007). Sabe-se que as espécies da família Botryosphaeriaceae podem ser endofíticas, com um modo de vida assintomático, mas que, dependendo dos genótipos do fungo e da planta, bem como das condições ambientais, se podem tornar patogénicos. Os mecanismos de infeção destas espécies são maioritariamente desconhecidos. No entanto, nos últimos anos, têm-se desenvolvido esforços no sentido de perceber quais são os efetores moleculares de infeção destas espécies (Andolfi et al. 2011). Um dos factos comummente aceites é que as doenças causadas por fungos da família Botryosphaeriaceae são desencadeadas pelo stress do hospedeiro. O fator de stress mais relevante que se pensa ser desencadeador da patogenicidade destes endofíticos é o stress hídrico, causado pela seca (Slippers e Wingfield 2007, Desprez-Loustau et al. 2006). Quanto a D. corticola, não existem dados concretos acerca da modulação da patogenicidade desta espécie pelo stress do hospedeiro. Como também não existe informação dispo311 nível que confirme que de facto o stress é responsável pelo desencadear da doença. De fato, Luque e seus colaboradores sugerem que não existe relação entre a virulência de D. corticola e o stress hídrico das plantas inoculadas (Luque, Parladé e Pera 2000). É aceite que D. corticola é mais virulento para espécies de Quercus que outros fungos (Luque, Parladé e Pera 2002, Linaldeddu et al. 2014). Diplodia corticola afeta plantas de diferentes idades causando diversos sintomas e morte das árvores afetadas (ver mais pormenorizadamente em “Mecanismos de infeção”). Em Portugal não existem medidas de tratamento ou fungicidas aprovados, nem mesmo medidas de controlo em curso. Luque et al. (2008) identificou vários fungicidas comerciais para aplicação durante o descortiçamento. Das várias formulações testadas, carbendazim foi o mais eficaz quando aplicado nas plantações. Se o fungicida for aplicado nas 4h seguintes ao descortiçamento, origina uma diminuição de 75% no aparecimento de cancros no tronco descortiçado. Aplicações mais tardias não são eficazes. Apesar do aparente potencial deste fungicida, a falta de especificidade relativamente a D. corticola sugere que a sua aplicação no campo poderá conduzir a toxicidade generalizada, interferindo no microbioma do sobreiro e do solo circundante. Adicionalmente, e como referido por Luque e seus colaboradores (2008), a aplicação do fungicida numa faixa temporal tão estreita após o descortiçamento, compromete definitivamente a sua aplicação no campo. O primeiro relato de D. corticola em Portugal foi em 1990 (Fonseca 1990). Embora esta espécie seja reconhecida como possuindo um papel importante no declínio do Montado nos principais países produtores de cortiça na Europa (além de Portugal, Espanha, França, Itália e Marrocos; Luque e Girbal, 1989, Brasier 1992, Luque, Parladé e Pera 2002, Linaldeddu et al. 2014), em Portugal não existe um inventário da sua dispersão ou da doença. 3.- Mecanismos de infeção Tal como para muitos outros membros da família Botryosphaeriaceae, embora o carácter patogénico desta espécie seja amplamente reconhecido (Luque, Parladé e Pera 2002, Fernandes et al. 2014, Branco et al. 2014), muitas das características relacionadas com a sua virulência não estão identificadas. 312 Como foi referido no início deste capítulo, as infeções causadas por D. corticola foram já descritas em diversos ecossistemas e em diversos hospedeiros: em carvalhais (Q. Ilex, Q. agrifolia Née, Q. coccifera L., Q. chrysolepis Liebm. e Q. virginiana Mill.), em videiras (Vitis vinifera L.) e, mais recentemente, em eucalipto (Eucalyptus globulus Labill.) (Alves et al. 2004; Barradas et al. 2015; Carlucci e Frisullo 2009; Dreaden, Shin e Smith 2011; Linaldeddu et al. 2014; Lynch et al. 2013; Tsopelas et al. 2010; Úrbez-Torres et al. 2010; Varela et al. 2011). Foram realizados testes de patogenicidade que mostraram que os sintomas causados por este agente patogénico são transversais aos vários hospedeiros, e que incluem clorose das folhas, dieback, cancros do tronco, quebras na casca e necrose vascular, culminando na morte das plantas infetadas (Linaldeddu et al. 2009; Lynch et al. 2013; Tsopelas et al. 2010; Varela et al. 2011). Outra observação prende-se com a rapidez do desenvolvimento dos sintomas nas plantas infetadas, que origina a rápida morte de jovens plântulas, 4-6 semanas após a inoculação. Aquando da infeção, D. corticola utiliza o sistema vascular para penetrar na planta, causando uma diminuição das trocas gasosas e perturbando o balanço metabólico da planta (Linaldeddu et al. 2009). Estudos recentes (Fernandes et al. 2016) mostram que existem variações no grau de agressividade desta espécie que parece ser dependente da estirpe testada. Foram conduzidos testes de patogenicidade que avaliaram os sintomas induzidos por diversas estirpes de D. corticola. Os testes foram realizados em sobreiros juvenis, com um ano de idade, em condições controladas de hidratação e temperatura reguladas. Seguindo a metodologia de Linaldeddu e seus colaboradores (2009), foram inoculadas 8 estirpes de D. corticola e, após 30 dias de ensaio, avaliados os sintomas induzidos (Figura 1). Foram detetadas estirpes aparentemente não patogénicas –que não desencadearam qualquer manifestação de doença– assim como estirpes capazes de induzir a morte de sobreiros juvenis em poucas semanas (Figura 1). Estes resultados apontam para a existência de diversidade fenotípica, com fatores de virulência específicos para cada estirpe. Não podemos, contudo, obviar o facto de que o genótipo das árvores testadas não é idêntico. A multitude de genótipos existentes na espécie Q. suber favorece certamente o aparecimento de respostas diversas ao agente patogénico. A informação disponível acerca das estratégias de infeção de D. corticola é ainda muito escassa. Há relatos que referem a coincidência 313 entre o descortiçamento e o aumento da mortalidade dos sobreiros (Luque e Girbal 1989). Esta correlação poderá estar associada a danos mecânicos que contribuam para o aparecimento de aberturas que facilitam a penetração do agente patogénico, como o que acontece durante o descortiçamento (Costa et al. 2004). Esta situação é paralela à relatada em videiras, em que o acesso do agente patogénico ao hospedeiro pode ser feito pelas feridas causadas pela poda (geralmente realizada durante a época das chuvas que é contemporânea da libertação de conídios, que são assim transportados pela água) (Úrbez-Torres et al. 2010a; Úrbez-Torres e Gubler 2011). É igualmente plausível que haja uma alternância entre um modo de vida endofítico e um modo de vida necrotrófico que tira partido do stress hídrico causado pelo descortiçamento e resulta na incapacidade do hospedeiro resistir à doença. O descortiçamento leva a uma perda de água pela planta, por evaporação, obrigando a árvore a despender um esforço adicional para evitar a desidratação e manter a homeostasia (Oliveira e Costa 2012). Assim, o stress causado pelo esforço induzido pelo descortiçamento pode favorecer a transição para um estado patogénico de D. corticola. Diplodia corticola é assumidamente um agente patogénico de tronco: os pontos de entrada no hospedeiro localizam-se no tronco e os sintomas primários são também no tronco (os sintomas foliares seguem-se temporalmente aos sintomas no tronco). Existem, no entanto, algumas evidências de que este organismo coloniza também as raízes de Quercus agrifolia (Lynch et al. 2013), assim como é capaz de utilizar as folhas como porta de entrada em Q. suber e Quercus cerris (Paoletti, Anselmi e Franceschini 2007). Sabe-se também que D. corticola é capaz de produzir fitotoxinas. Foram já purificados e caracterizados vários metabolitos capazes de induzir toxicidade in planta. Alguns desses metabolitos, diplofluranos A e B, diplopirona, sapinofuranona B, esferopsidinas A-C e diplofuranilonas A e B (Evidente et al. 2003, Evidente et al. 2006, Evidente et al. 2007) permitem a atuação do fungo em locais distantes do ponto de entrada na planta, explicando parcialmente a sintomatologia foliar (Andolfi et al. 2011; Möbius e Hertweck 2009). A produção destes metabolitos citotóxicos será (em parte) responsável pela impossibilidade sistemática de isolamento deste agente patogénico a partir de pontos (sintomáticos) longe do ponto de inoculação (Mullerin 2013). 314 4.- A proteómica como ferramenta A proteómica afirmou-se como técnica nos anos 70 do século XX, com o desenvolvimento da eletroforese bi-dimensional (2D-PAGE) por Kenrick e Margolis (Kendrick e Margolis 1970). O termo “proteómica” refere-se à combinação das técnicas que são utilizadas para estudar o conjunto das proteínas codificadas por um determinado genOMA: o proteOMA, como foi definido por Wilkins e seus co-autores (Wilkins et al. 1996). Contrariamente ao genoma que, para a maioria dos organismos, é estável ao longo da vida, o proteoma é extremamente dinâmico e responde continuamente a números sinais intra- e extracelulares (Barrett, Brophy e Hamilton 2005). Atualmente é consensual a noção de que todos os organismos vivos respondem a alterações ambientais, ainda que pequenas, através da alteração da expressão de múltiplos genes. Tendo em conta os vários processos que condicionam a concentração de proteínas celulares (síntese, processamento, secreção e degradação) é impossível inferir corretamente populações de proteínas a partir de dados genómicos ou de transcriptómica (Frohlich et al. 2009). Assim, a proteómica tem-se mostrado uma ferramenta fundamental na análise molecular da fisiologia de inúmeros organismos (Lemos et al. 2010) e concretamente de fungos filamentosos (Fernandes et al. 2014; González-Fernández e Jorrín-Novo 2012). Nos últimos anos temos assistido a um número exponencialmente crescente de publicações que descrevem evoluções tecnológicas em proteómica, e ao concomitante aumento da sequenciação massiva de genomas. No caso dos fungos fitopatogénicos, a proteómica possibilita a identificação das proteínas envolvidas na interação com o hospedeiro e, portanto, na infeção. Adicionalmente, a proteómica permite também conhecer os mecanismos de resposta destes organismos ao seu meio circundante, permitindo elucidar mecanismos de fitness e prever redes de dispersão. Mais ainda, e tendo em conta que os fungos segregam proteínas relevantes para a sua nutrição e para a infeção (Faulkner e Robatzek 2012), a análise do secretoma contribui para a elucidação dos mecanismos de patogénese, fornecendo informação que pode ser utilizada para o desenvolvimento de estratégias de controlo das doenças. O secretoma de um organismo é definido como o conjunto das proteínas secretadas por esse organismo (Fernandes et al. 2014). Há quem, na definição de secretoma, inclua ainda as proteínas que, sendo membranares, estejam localizadas no exterior da parede celular (no caso 315 dos fungos) e que, em conjunto com as restantes proteínas verdadeiramente extracelulares, possam ter um envolvimento direto nos mecanismos de colonização, estabelecimento, invasão e infeção do hospedeiro. No entanto, apesar da melhoria significativa na tecnologia disponível dos últimos anos, a proteómica de fungos filamentosos é ainda uma área em que existem inúmeras dificuldades (Kim, Y., Nandakumar e Marten 2007). Uma das dificuldades prende-se com a falta de genomas sequenciados. Atualmente a identificação de proteínas é feita, quase exclusivamente, com recurso à Espectrometria de Massa e comparação com dados existentes em bases de dados de genomas. Esta estratégia de identificação, também conhecida como Peptide Mass Fingerprint (PMF), depende totalmente da informação –qualitativa e quantitativamente– disponibilizada nestas bases de dados: o conjunto dos pesos moleculares dos péptidos obtidos por digestão tríptica é utilizado como uma marca, uma impressão digital, que permite a identificação da proteína (Sickmann, Mreyen e Meyer 2003). Atualmente, têm-se desenvolvido estratégias menos dependentes da informação existente nas bases de dados de genomas, como é o caso dos novos algoritmos associados à sequenciação de novo (Ma e Johnson 2012). Esta metodologia permite determinar a sequência dos péptidos diretamente a partir dos espectros de massa em tandem (MS/MS). Estas sequências são posteriormente comparadas com bases de dados de proteínas (McGinnis e Madden 2004). Contudo, e apesar dos significativos avanços tecnológicos a que temos assistido nos últimos anos, a identificação de proteínas é grandemente dependente de uma adequada preparação da amostra. Os fungos são organismos particularmente recalcitrantes à extração de proteínas devido à robustez das suas paredes celulares, a uma elevada concentração de polissacarídeos e à baixa concentração de proteínas extracelulares (González-Fernández e Jorrín-Novo 2012; Medina e Francisco 2008). Deste modo, este primeiro passo –extração de proteínas– deve ser visto como um passo fundamental e extremamente sensível. Qualquer que seja a técnica utilizada para a subsequente separação de proteínas, este passo pode comprometer irreversivelmente os dados obtidos. Fernandes e colaboradores (2014) desenvolveram um método que permite a extração e caracterização do secretoma de D. corticola. Este trabalho é um dos poucos que caracterizam o proteoma de um fungo da família Botryosphaeriaceae (Cobos et al. 2010). Esta primeira abordagem ao proteoma de D. corticola permitiu a identificação de proteí316 nas relacionadas com a nutrição, mas também com a patogénese. Foram maioritariamente identificadas proteínas dos grupos das glicosil hidrolases (glucoamilase, glicoside hidrolase 71, neuraminidase e uma glucano-β-glucosidase) e das proteases (uma carboxipeptidase S1 putativa, uma protease serínica putativa e uma deuterolisina). Embora a função primária das enzimas que degradam de polissacarídeos (como é o caso das glicosil hidrolases) seja contribuir para os requisitos nutricionais dos organismos, a sua relação com processos de patogénese em plantas já foi amplamente descrita (Abbas et al. 2005; Jung et al. 2012; Wang et al. 2011). Durante a infeção, a ação sinergística destas enzimas leva à degradação dos polissacarídeos da parede vegetal, comprometendo a sua integridade e permitindo a penetração das hifas (Abbas et al. 2005, Jung et al. 2012, Wang et al. 2011). As glicosil hidrolases secretadas por D. corticola pertencem a classes que se sabe atuarem sinergisticamente para degradar a celulose [(exo-glucanases, endo-glucanases and β-glucosidases (Horn et al. 2012)]. Já foram descritas enzimas destas classes no secretoma de fungos que degradam madeira (Abbas et al. 2005; Phalip et al. 2005; Sato et al. 2007), assim como noutros fungos fitopatogénicos (Fernández-Acero et al. 2010; Jung et al. 2012; Wang et al. 2011). A degradação da celulose das paredes celulares pelas celulases é auxiliada por esterases (Aspeborg et al. 2012) que levam a cabo a desacetilação de polissacarídeos (Biely, 2012). Uma destas enzimas é a esterase do ácido ferúlico, que foi identificada no secretoma de D. corticola (Fernades et al. 2014, Fernandes et al. 2016). Estas esterases do ácido ferúlico são capazes de remover o ácido ferúlico da suberina (Graça e Santos 2007), comprometendo assim a sua estabilidade. A suberina é um componente essencial da cortiça (Jové, Olivella e Cano 2011), e é responsável por muitas das propriedades deste material, nomeadamente a sua elevada resistência contra agentes patogénicos. Um organismo que produza enzimas capazes de comprometer a estabilidade desta molécula será certamente capaz de penetrar esta defesa mecânica dos sobreiros. Curiosamente, ao analisar o secretoma de duas estirpes, uma virulenta e outra não virulenta, verifica-se que, concomitantemente com a expressão da esterase do ácido ferúlico, há secreção de lipases pela estirpe virulenta, o que não se verifica no secretoma da estirpe não virulenta. As lipases são reconhecidas como fatores de patogenicidade em fungos (Blümke et al. 2014; Gaillardin 2010; Subramoni, Suárez-Moreno e Venturi 2010; Voigt, Schäfer e Salomon 2005), atuando em sinergia com as esterases. Em conjunto, estas enzimas (esterases e lipases) contribuem para as ne317 cessidades nutricionais do patogénio e promovem a permeabilidade dos tecidos do hospedeiro (Pietro, Roncero e Roldán 2009). Outra enzima a realçar é a neuraminidase (Fernades et al. 2014). Esta enzima é uma exo-glicosidase capaz de catalisar a remoção do ácido siálico de glicoconjudados (Warwas et al. 2010), contribuindo para a disrupção das paredes celulares vegetais (Lerouxel et al., 2006). Esta enzima foi já identificada nos secretomas de outros fungos fitopatogénicos como Verticillium albo-atrum Reinke et Berthold e Mycosphaerella graminicola (Fuckel) J. Schröt. (Amaral et al. 2012, Mandelc e Javornik 2015), e identificada nos genomas de fungos da família Botryosphaeriaceae, Macrophomina phaseolina, Neofusiccocum parvum e Diplodia seriata, também patogénicos (Blanco-Ulate, Rolshausen e Cantu 2013, Islam et al. 2012, Morales-Cruz et al. 2015). O papel das proteases na infeção por agentes fitopatogénicos foi desconhecido durante muitos anos. No entanto, é cada vez mais evidente que estas enzimas têm uma função preponderante na colonização do hospedeiro. O estabelecimento de um agente patogénico num hospedeiro depende da sua capacidade de degradar (ou evitar) as defesas do hospedeiro. As proteases têm um papel importante neste mecanismo, contribuindo simultaneamente para aumentar o aporte de aminoácidos necessários para a nutrição do agente patogénico (Espino et al. 2010, Faulkner e Robatzek 2012, Jung et al. 2012). Alguns estudos mostraram que diversos fungos segregam mais proteases na presença de extratos vegetais, demonstrando a sua importância nas estratégias de fitopatogenicidade (Espino et al. 2010, Phalip et al. 2005, Zorn et al. 2005). Curiosamente a percentagem de proteases secretadas por D. corticola é maior em estirpes virulentas (25% do secretoma) do que em estirpes não virulentas (20% do secretoma) (Fernandes et al. 2016). É ainda de realçar a expressão diferenciada de uma metaloprotease, a deuterolisina, em estirpes de D. corticola (Fernandes et al. 2014, Fernandes et al. 2016). Esta enzima foi identificada como fator de virulência em bactérias e fungos patogénicos (Monod et al. 2002, Arnadottir et al. 2009, Espino et al. 2010), mas este é o primeiro relato de uma diferença de expressão entre estirpes virulentas e não virulentas da mesma espécie. De facto, Fernandes e colaboradores (2016) descrevem que uma estirpe virulenta de D. corticola (CAA499) expressa significativamente mais deuterolisina do que uma estirpe não virulenta (CAA008), o que corrobora o seu papel como agente de patogénese. Adicionalmente, estes autores verificaram que a estirpe virulenta (mas não a estirpe não virulenta) expressa e secreta outra 318 metaloprotease (família M43 da MEROPS). Mais ainda, a expressão da M43 é induzida pela presença de tecido do sobreiro. Embora não existam muitos relatos que associem a presença da protease M43 à virulência de fungos (Lu et al. 2009), em bactérias esta associação já foi claramente identificada (Hesami et al. 2011). Adicionalmente, e temporalmente coincidentes, são expressas por D. corticola outras moléculas com impacto na adesão celular, na permeabilização dos tecidos do hospedeiro e na indução de sintomas de doença. É o caso da cerato-platanina, cuja expressão é induzida pela presença de tecido de sobreiro (Fernandes et al. 2016). Nos últimos anos, esta família de proteínas tem recebido atenção especial, devido à sua intervenção na patogénese de fungos (Baccelli 2014, Pazzagli et al. 2014). A intervenção das cerato-plataninas na fitopatogénese é diversificada, tendo sido já descritas funções tanto como bloqueador como desencadeador das defesas das plantas. As cerato-plataninas induzem a produção de radicais livres de oxigénio e de óxido nítrico pela planta (Pazzagli et al. 2014). No caso específico de Botrytis cinerea, estas proteínas são capazes de se associarem às membranas celulares do hospedeiro, induzindo alterações celulares e lesões necróticas (Frías et al. 2014), tendo sido identificadas como essenciais para a patogenicidade de B. cinerea. Adicionalmente, D. corticola contém outro fator indutor de necrose, a Nep (necrosis- and ethylene- inducing protein), cuja função como indutor de necrose em fungos patogénicos é amplamente conhecida. O tratamento de Arabidopsis thaliana com Nep1 de Fusarium oxysporum inibiu o crescimento de raízes e de cotilédones, e induziu a morte celular, comprovando o seu efeito citotóxico. A presença de proteínas capazes de induzir necrose no secretoma de D. corticola comprova molecularmente a sua capacidade de induzir danos nos tecidos do hospedeiro. O proteoma intracelular de D. corticola revelou ser mais estável do que o secretoma aquando na presença de tecido do hospedeiro (Fernandes et al. 2016). No entanto, foi registado o aumento da expressão da aminotransferase do 4-aminobutirato, quando o fungo se encontra na presença de tecido do hospedeiro. Esta enzima metaboliza o ácido γ-aminobutírico (GABA) e tem sido associada a infeção, por exemplo, em Cladosporium fulvum Cooke (Divon e Fluhr 2007). Cladosporium fulvum manipula o metabolismo da planta de modo a utilizar o GABA como fonte de azoto, mantendo uma interação biotrófica com o hospedeiro. O GABA é um sinalizador de stress (biótico ou ambiental) em plantas, e a 319 sua concentração aumenta nas plantas em respostas a fatores ambientais adversos. Foi também descrito um aumento da concentração de GABA durante remobilização interna de azoto aquando da formação de novos rebentos. Este é o caso de Q. ilex em que há um aumento significativo desta molécula durante os meses de Maio a Julho (Nabais, Hagemeyer e Freitas 2005). Assumindo que em Q. suber ocorre um mecanismo idêntico, tal acontecerá durante a fase do descortiçamento, altura em que, segundo a literatura, ocorre um aumento significativo de infeção por D. corticola e em que os sintomas induzidos são mais agressivos (Luque, Parladé e Pera 2002). A hipótese de que os fungos da família Botryosphaeriaceae são susceptíveis a fatores externos que despoletam a infeção é, há muito, aceite. No entanto são poucos os trabalhos em que se identificam inequivocamente estes fatores. Sugerimos que além de fatores ambientais, fatores diretamente relacionados com a fisiologia do hospedeiro, mais concretamente a concentração de GABA, possa ser o gatilho desencadeador da infeção por este agente patogénico. Figura 1.- Severidade dos sintomas causados por infeção por D. corticola 30 dias após inoculação em sobreiros juvenis (1 ano de idade) Nota: Escala de sintomas: 0 – sem sintomas foliares, 1 - ≤ 25% de desidratação foliar, 2 – 25-50% de desidratação foliar, 3 – 50-75% de desidratação foliar and 4 - ≥ 75% de desidratação foliar. Fonte: Adaptado de Fernandes et al. (2016). 320 6.- Conclusões O estudo da interação entre um agente patogénico e o seu hospedeiro é sem dúvida necessário para a compreensão das patologias decorrentes. A utilização de metodologias que abordam a componente molecular desta interação permite identificar moléculas chave para os processos de infeção permitindo assim elaborar estratégias de combate eficientes e dirigidas para o agente patogénico. Diplodia corticola está inextricavelmente associado ao declínio de várias espécies do género Quercus (Linaldeddu et al. 2009; Lynch et al. 2013; Úrbez-Torres et al. 2010b), com especial relevo para o sobreiro. Esta espécie segrega uma panóplia de moléculas degradativas que facilitam a absorção de nutrientes obtidos por digestão dos tecidos do hospedeiro, nomeadamente das paredes celulares. Adicionalmente, D. corticola expressa e secreta proteínas que estão diretamente relacionadas com sua patogenicidade. Algumas destas moléculas são expressas constitutivamente (como é o caso da neuraminidase), mas outras são induzidas pela presença de tecido do hospedeiro. É o caso da cerato-platanina, responsável pela indução de lesões necróticas em outros sistemas fitopatológicos. No entanto, os secretomas de estirpes virulentas distinguem-se dos secretomas das estirpes não virulentas, existindo proteínas que são mais expressas ou mesmo expressas unicamente pela estirpe virulenta. É o caso da deuterolisina, que também foi descrita noutros fungos fitopatogénicos, mais prevalente na estirpe virulenta, ou da protease M43 exclusiva da estirpe virulenta. Estas proteínas poderão vir a tornar-se bons marcadores moleculares de patogenicidade ou alvos para o desenvolvimento de antimicrobianos específicos. Por fim, é de realçar o potencial envolvimento da aminotransferase do aminobutirato no desencadear da infeção. O GABA tem um efeito protetor em plantas sujeitas a stress, tendo sido sugerido que há um aumento da concentração desta molécula nos sobreiros durante a época do descortiçamento, temporalmente coincidente com o início da infeção. É, assim, possível sugerir que esta molécula seja um sinalizador molecular para a patogenicidade de D. corticola. 321 Em suma, os dados fornecidos pela proteómica xplicam molecularmente o estilo de vida hemibiotrófico de D. corticola, alternando entre um estado biotrófico e um estado necrotrófico e infecioso. Agradecimentos Este trabalho foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através do projeto UID/AMB/50017/2013. A FCT também financiou I. Fernandes e A.C. Esteves (BD/66223/2009, BPD/102572/2014). 322 Bibliografia – Abbas, A.; Koc, H.; Liu, F.; e Tien, M. (2005): “Fungal degradation of wood: initial proteomic analysis of extracellular proteins of Phanerochaete chrysosporium grown on oak substrate”, Current Genetics, 47(1), 49–56. – Acácio, V. (2009): “The dynamics of cork oak systems in Portugal: the role of ecological and land use factors”. Wageningen University. – Alves, A.; Correia, A.; Luque, J.; e Phillips, A. (2004): “Botryosphaeria corticola, sp. nov. on Quercus species, with notes and description of Botryosphaeria stevensii and its anamorph, Diplodia mutila”, Mycologia, 96(3), 598–613. – Amaral, A. M.; Antoniw, J.; Rudd, J.; e Hammond-Kosack, K. (2012): “Defining the predicted protein secretome of the fungal wheat leaf pathogen Mycosphaerella graminicola” PloS One, 7(12): e49904. – Andolfi, A.; Mugnai, L.; Luque, J.; Surico, G.; Cimmino, A.; e Evidente, A. (2011): “Phytotoxins produced by fungi associated with grapevine trunk diseases”, Toxins, 3(12), 1569–1605. – Arnadottir, H.; Hvanndal, I.; Andresdottir, V.; Burr, S.; Frey, J.; e Gudmundsdottir, B. (2009): “The AsaP1 peptidase of Aeromonas salmonicida subsp achromogenes is a highly conserved deuterolysin metalloprotease (family M35) and a major virulence factor”, Journal of Bacteriology. 191 (1), 403–410. – Aspeborg, H.; Coutinho, P.; Wang, Y.; Brumer, H.; e Henrissat, B (2012): “Evolution, substrate specificity and subfamily classification of glycoside hydrolase family 5 (GH5)”. BMC Evolutionary Biology. 12 (1), 186–202. – Apa (2013) Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas. Acedido em www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/AlteracoesClimaticas/ Adaptacao/ENAAC/Apresentacoes/ENAAC_Relat_Progresso.pdf 323 – Apcor (2014). Cork sector in numbers. Portuguese Cork Association. – Baccelli, I. (2014): “Cerato-platanin family proteins: one function for multiple biological roles?” Frontiers in Plant Science. 5 (1), 769–772. – Barradas, C.; Phillips, A.; Correia, A.; Diogo, E.; Bragança, H.; e Alves, A. (2015): “Diversity and potential impact of Botryosphaeriaceae species associated with Eucalyptus globulus plantations in Portugal” Manuscript submitted for publication. – Barrett, J.; Brophy, P. M.; e Hamilton, J. V. (2005): “Analysing proteomic data”, International Journal of Parasitology, 35, 543-553. – Blanco-Ulate, B.; Rolshausen, P.; e Cantu, D. (2013): “Draft genome sequence of Neofusicoccum parvum isolate UCR-NP2, a fungal vascular pathogen associated with grapevine cankers”, Genome Announcements, 1(3): e00339–13. – Blümke, A.; Falter, C.; Herrfurth, C.; Sode, B.; Bode, R.; Schäfer, W.; Feussner, I.; e Voigt, C. (2014): “Secreted fungal effector lipase releases free fatty acids to inhibit innate immunity-related callose formation during wheat head infection”, Plant Physiology, 165(1), 346–358. – Brasier, C. (1992): “Oak tree mortality in Iberia”, Nature, 360, 539. – Bréda, N.; Huc, R.; Granier, A.; e Dreyer, E (2006): “Temperate forest trees and stands under severe drought: a review of ecophysiological responses, adaptation processes and long-term consequences”, Annals of Forest Science, 63(6), 625–644. – Branco, M.; Bragança, H.; Sousa, E.; e Phillips, A. J. L. (2014): “Pests and Diseases in Portuguese Forestry: Current and New Threats” in Reboredo, Fernando (Ed.) Forest Context and Policies in Portugal. Present and Future Challenges. Series: World Forests, 19. Springer International Publishing – Camilo-Alves, C. (2014): “Studies on cork oak decline: an integrated approach”. University of Évora, Portugal. – Camilo-Alves, C.; Clara, M.; e Ribeiro, N. (2013): “Decline of Mediterranean oak trees and its association with Phytophthora cinnamomi: a review”, European Journal of Forest Research, 132(3), 411–432. – Carlucci, A.; e Frisullo, S (2009): “First report of Diplodia corticola on grapevine in Italy”, Journal of Plant Pathology. 91(1), 231–240. 324 – Catry, F.; Moreira, F.; Pausas, J.; Fernandes, P.; Rego, F.; Cardillo, E.; e Curt, T. (2012): “Cork oak vulnerability to fire: the role of bark harvesting, tree characteristics and abiotic factors”, PloS One. 7(6): e39810. – Costa, A.; Nunes, L.; Spiecker, H.; e Graça, J. (2015): “Insights into the responsiveness of cork oak (Quercus suber L) to bark harvesting”, Economic Botany. 69(2), 1–14. – Desprez-Loustau, M.; Marçais, B.; Nageleisen, L.; Piou, D.; e Vannini, A. (2006): “Interactive effects of drought and pathogens in forest trees”, Annals of Forest Science, 63, 597–612. – Divon, H.; e Fluhr, R. (2007): “Nutrition acquisition strategies during fungal infection of plants”, FEMS Microbiology Letters. 266 (1), 65–74. – Dreaden, T.; Shin, K.; e Smith, J. (2011): “First report of Diplodia corticola causing branch cankers on live oak (Quercus virginiana) in Florida”, ISME Journal, 95(8), 1027. – Espino J.; Gutiérrez-Sánchez, G.; Brito, N.; Shah, P.; Orlando, R.; e González, C. (2010): “The Botrytis cinerea early secretome”, Proteomics, 10(16), 3020–3034. – Evidente, A.; Maddau, L.; Spanu, E.; Franceschini, A.; Lazzaroni; e S., Motta, A. (2003): “Diplopyrone, a new phytotoxic tetrahydropyranpyran-2-one produced by Diplodia mutila, a fungus pathogen of cork oak”, Journal of Natural Products, 66(2), 313–315. – Evidente, A.; Andolfi, A.; Fiore, M.; Spanu, E.; Maddau, L.; Franceschini, A.; Marras, F.; e Motta, A. (2006): “Diplobifuranylones A and B, 5’-monosubstituted tetrahydro-2 H-bifuranyl-5-ones produced by Diplodia corticola, a fungus pathogen of cork oak”, Journal of Natural Products, 69(4), 671–674. – Evidente, A.; Andolfi, A.; Fiore, M.; Spanu, E.; Franceschini, A.; e Maddau, L. (2007): “Diplofuranones A and B, two further new 4-monosubstituted 2 (3H)-dihydrofuranones produced by Diplodia corticola, a fungus pathogen of cork oak”, Arkivoc. 7(VII), 318–328. – Faulkner, C.; e Robatzek, S. (2012): “Plants and pathogens: putting infection strategies and defence mechanisms on the map”, Current Opinion in Plant Biology, 15(6); 699–707. – Fernandes, I.; Alves, A.; Correia, A. C.; Devreese, B.; e Esteves, A. C. (2014): “Secretome analysis identifies potential virulence factors of Diplodia corticola, a fungal pathogen involved in cork oak (Quercus suber) decline”, Fungal Biology, 118(5-6), 516-523. 325 – Fernandes, I.; Alves, A.; Correia, A.C.; Devreese, B.; e Esteves, A. C. (2016): “Proteomics of Diplodia corticola”, Manuscrito em preparação. – Fernández-Acero, F.; Colby, T.; Harzen, A.; Carbú, M.; Wieneke, U.; Cantoral, J.; e Schmidt, J. (2010): “2-DE proteomic approach to the Botrytis cinerea secretome induced with different carbon sources and plant-based elicitors”, Proteomics, 10(12), 2270–2280. – Foseca, N. (1991): “Seca dos ramos (Dieback) em sobreiro e azinheira. Notícia da ocorrência em Portugal de Botryosphaeria stevensii como agente causal”, Floresta e Ambiente 12, 27. – Frías, M., Brito, N., González, M., González, C. (2014): “The phytotoxic activity of the cerato-platanin BcSpl1 resides in a two-peptide motif on the protein surface”, Molecular Plant Pathology, 15(4), 342–351. – Frohlich, T.; Arnold, G. J.; Fritsch, R.; Mayr, T.; e Laforsch, C. (2009): “LC-MS/MS-based proteome profiling in Daphnia pulex and Daphnia longicephala: the Daphnia pulex genome database as a key for high throughput proteomics in Daphnia”, BMC Genomics, 10. – Gaillardin, C. (2010): “Lipases as pathogenicity factors of fungi” in: Timmis, K. (ed.), Handbook of Hydrocarbon and Lipid Microbiology, Springer, 3259–3268. – Gil, L. (2015): “New cork-based materials and applications”, Materials, 8(2), 625–637. – González-Fernández, R.; e Jorrín-Novo, J. (2012): “Contribution of proteomics to the study of plant pathogenic fungi”, Journal of Proteome Research, 11(1), 3-16. – Graça, J.; e Santos, S. (2007): “Suberin: a biopolyester of plants’ skin”, Macromolecular Bioscience, 7(2), 128–135. – Hesami, S.; Metcalf, D.; Lumsden, J.; e Macinnes, J (2011): “Identification of cold-temperature-regulated genes in Flavobacterium psychrophilum”, Applied and Environmental Microbiology, 77(5), 1593–1600. – Horn, S.; Vaaje-Kolstad, G.; Westereng, B.; e Eijsink, V.G (2012): “Novel enzymes for the degradation of cellulose”, Biotechnology for Biofuels, 5(1), 1–13. – Icnf (2013): “IFN6 - Áreas dos usos do solo e das espécies florestais de Portugal continental. Resultados preliminares”. [pdf], 34 pp, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Lisboa. 326 – Islam, S.; Haque, S.; Islam, M.; Emdad, E.; Halim, A.; Hossen, Q.; Hossain, Z.; Ahmed, B.; Rahim, S.; Rahman, S.; Alam, M.; Hou, S., Wan, X.; Saito, J.; e Alam, M. (2012): “Tools to kill: genome of one of the most destructive plant pathogenic fungi Macrophomina phaseolina”, BMC Genomics, 13(1), 493–509. – Jové, P.; Olivella, M.; e Cano, L. (2011): “Study of the variability in chemical composition of bark layers of Quercus suber L. from different production areas”, BioResources, 6(2), 1806-1815. – Jung, Y.; Jeong, S.-H.; Kim, S.; Singh, R.; Lee, J.; Cho, Y.-S., Agrawal, G.; Rakwal, R.; e Jwa, N.-S. (2012): “Secretome analysis of Magnaporthe oryzae using in vitro systems”, Proteomics, 12(6), 878-900. – Kendrick, K. G.; e Margolis, Joel (1970): “Isoelectric focusing and gradient gel electrophoresis gel. A 2-dimensional technique”, Analytical Biochemistry, 33, 204-207. – Kim, Y.; Nandakumar, M.; e Marten, M. (2007): “Proteomics of filamentous fungi”, Trends in Biotechnology, 25(9), 395-400. – Lemos, M.; Soares, A.; Correia, A. C.; e Esteves, A. C. (2010): “Proteins in ecotoxicology - how, why and why not?”, Proteomics, 10(4), 873-87. – Linaldeddu, B.; Sirca, C.; Spano, D.; e Franceschini, A. (2009): “Physiological responses of cork oak and holm oak to infection by fungal pathogens involved in oak decline”, Forest Pathology, 39(4), 232–238. – Linaldeddu, B.; Scanu, B.; Maddau, L.; e Franceschini, A. (2014): “Diplodia corticola and Phytophthora cinnamomi: the main pathogens involved in holm oak decline on Caprera Island (Italy)”, Forest Pathology, 44(3), 191200. – Lu, G.; Wolf, H.; Shang, Y.; Filippi, C.; Bhattarai, K.; Li, D.; e Ebbole, D. (2009): “Developing resources for analysis of secreted proteins from Magnaporthe oryzae”, in XIAOFAN, Wang and Valent, B. (ed.), Advances in Genetics, Genomics and Control of Rice Blast Disease, Springer, 113-124. – Luque, J.; e Girbal, J. (1989): “Dieback of cork oak (Quercus suber) in Catalonia (NE Spain) caused by Botryosphaeria stevensii”, European Journal of Forest Pathology, 19(1), 7-13. – Luque, J.; Parladé, J.; e Pera, J. (2000): “Pathogenicity of fungi isolated from Quercus suber in Catalonia (NE Spain)”, Forest Pathology, 30(5), 247-263. 327 – Luque, J.; Pera, J.; e Parlade, J. (2008): “Evaluation of fungicides for the control of Botryosphaeria corticola on cork oak in Catalonia (NE Spain)”, Forest Pathology, 38(3), 147-155. – Lynch, S.; Eskalen, A.; Zambino, P.; Mayorquin, J.; e Wang, D. (2013): “Identification and pathogenicity of Botryosphaeriaceae species associated with coast live oak (Quercus agrifolia) decline in southern California”, Mycologia, 105(1), 125-140. – Ma, B.; e Johnson, R. (2012): “De novo sequencing and homology searching”, Molecular & Cellular Proteomics, 11(2), 1-16. – Mandelc, S.; e Javornik, B. (2015): “The secretome of vascular wilt pathogen Verticillium albo-atrum in simulated xylem fluid”, Proteomics, 15(1), 787-797. – McGinnis, S.; e Madden, T. (2004): “BLAST: at the core of a powerful and diverse set of sequence analysis tools”, Nucleic Acids Research, 32(2), W20-W25. – Medina, M.; e Francisco, W. (2008): “Isolation and enrichment of secreted proteins from filamentous fungi” in Posch, A. (ed.) 2D PAGE: Sample Preparation and Fractionation, Springer, 275-285. – Möbius, N.; e Hertweck, C. (2009): “Fungal phytotoxins as mediators of virulence”, Current Opinion in Plant Biology, 12(4), 390–398. – Monod, M. l.; Capoccia, S.; Léchenne, B.; Zaugg, C.; Holdom, M.; e Jousson, O. (2002): “Secreted proteases from pathogenic fungi”, International Journal of Medical Microbiology, 292(5), 405-419. – Morales-Cruz, A.; Amrine, K.; Blanco-Ulate, B.; Lawrence, D.; Travadon, R.; Rolshausen, P.; Baumgartner, K.; e Cantu, D. (2015): “Distinctive expansion of gene families associated with plant cell wall degradation, secondary metabolism, and nutrient uptake in the genomes of grapevine trunk pathogens”, BMC Genomics, 16(1), 469. – Mullerin, S. (2013): “The pathogenicity of Diplodia corticola and Diplodia quercivora on oak species of the southeastern coastal plain: a host-range study”, University of Florida, USA. – Nabais, C.; Hagemeyer, J.; e Freitas, H. (2005): “Nitrogen transport in the xylem sap of Quercus ilex: the role of ornithine”, Journal of Plant Physiology, 162(5), 603-606. – Neno, J.; Diogo, E.; Valente, C.; Reis, A.; Fernandes, C.; Santos, L.; Alves, A.; e Bragança, H. (2014): “Pathogenicity of Botryosphaeriaceae species on cork oak and eucalyptus”, 1º Simposio SAAP/7º Congresso da SPF, Oeiras, Portugal. 328 – Oliveira, G.; e Costa, A. (2012): “How resilient is Quercus suber L to cork harvesting? A review and identification of knowledge gaps”, Forest Ecology and Management, 270(1), 257-272. – Paoletti, E.; Anselmi, N.; e Franceschini, A (2007): “Pre-exposure to ozone predisposes oak leaves to attacks by Diplodia corticola and Biscogniauxia mediterranea”, The Scientific World Journal, 7(S1), 222-230. – Pazzagli, L.; Seidl-Seiboth, V.; Barsottini, M.; Vargas, W.; Scala, A.; e Mukherjee, P (2014): “Cerato-platanins: elicitors and effectors”, Plant Science, 228(1), 79-87. – Phalip, V.; Delalande, F.; Carapito, C.; Goubet, F.; Hatsch, D.; Leize-Wagner, E.; Dupree, P.; Dorsselaer, A.; e Jeltsch, J.-M. (2005): “Diversity of the exoproteome of Fusarium graminearum grown on plant cell wall”, Current Genetics, 48(6), 366-379. – Pietro, A.; Roncero, M.; e Roldán, M. (2009): “From tools of survival to weapons of destruction: the role of cell wall-degrading enzymes in plant infection” in Deising, H. (ed.), Plant Relationships, Springer, 181-200. – Sato, S.; Liu, F.; Koc, H.; e Tien, M. (2007): “Expression analysis of extracellular proteins from Phanerochaete chrysosporium grown on different liquid and solid substrates”, Microbiology, 153(9), 3023-3033. – Sickmann, A.; Mreyen, M.; e Meyer, H (2003): “Mass spectrometry - a key technology in proteome research” in Hecker, M., Müllner, S., Cahill, D., Cash, P., Cordwell, S., Hecker, M., Meyer, H., Mreyen, M., Nordhoff, E., Nouwens, A., Schubert, W., Sickmann, A., Vanbogelen, R., Walsh, B. (ed.), Advances in Biochemical Engineering/Biotechnology. Springer, 141-176. – Silva, S. (2005): “Cork: properties, capabilities and applications”, International Materials Reviews, 50(6), 345–365. – Slippers, B.; e Wingfield, M. J. (2007): “Botryosphaeriaceae as endophytes and latent pathogens of woody plants: diversity, ecology and impact”, Fungal Biology Reviews, 21, 90-106. – Sousa, E.; Santos, M.; Varela, M.; e Henriques, J. (2007): “Perda de vigor dos montados de sobro e azinho: Análise da situação e perspectivas”, Estação Florestal, Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento e das Pescas. – Subramoni, S.; Suárez-Moreno, Z.; e Venturi, V. (2010): “Lipases as pathogenicity factors of plant pathogens” in Timmis, K. (ed.), Handbook of hydrocarbon and lipid microbiology, Springer, 3269-3277. 329 – Tsopeas, P.; Slippers, B.; Gonou-Zagou, Z.; e Wingfield, M. (2010): “First report of Diplodia corticola in Greece on kermes oak (Quercus coccifera)”, Plant Pathology, 59(4), 805–805. – Úrbez-Torres, J.; Battany, M.; Bettiga, L.; Gispert, C.; McGourty, G.; Roncoroni, J.; Smith, R.; Verdegaal, P.; e Gubler, W. (2010a): “Botryosphaeriaceae species spore-trapping studies in California vineyards”, Plant Disease, 94(6), 717-724. – Úrbez-Torres, J.; Peduto, F.; Rooney-Latham, S.; e Gubler, W. (2010b): “First report of Diplodia corticola causing grapevine (Vitis vinifera) cankers and trunk cankers and dieback of canyon live oak (Quercus chrysolepis) in California”, Plant Disease, 94(6), 785-785. – Úrbez-Torres, J.; e Gubler, W. (2011): “Susceptibility of grapevine pruning wounds to infection by Lasiodiplodia theobromae and Neofusicoccum parvum”, Plant Pathology, 60(2), 261-270. – Wang, Y.; Wu, J.; Park, Z.; Kim, S.; Rakwal, R.; Agrawal, G.; Kim, S.; e Kang, K. (2011): “Comparative secretome investigation of Magnaporthe oryzae proteins responsive to nitrogen starvation”, Journal of Proteome Research, 10(7), 3136-3148. – Warwas, M.; Yeung, J.; Indurugalla, D.; Mooers, A.; Bennet, A., e Moore, M. (2010): “Cloning and characterization of a sialidase from the filamentous fungus, Aspergillus fumigatus”, Glycoconjugate Journal, 27(5), 533–548. – Wilkins, M.; Sanchez, J. C.; Gooley, A. A.; Appel, R. D.; Humphery-Smith I.; Hochstrasser D.F.; e Williams K. L. (1996): “Progress with proteome projects: why all proteins expressed by a genome should be identified and how to do it”, Biotechnology and Genetic Engineering Reviews, 13:19-50. – Varela, C.; Fernández, V.; Casal, O.; e Vázquez, J. (2011): ”First report of cankers and dieback caused by Neofusicoccum mediterraneum and Diplodia corticola on grapevine in Spain. Plant Disease”, 95(10), 1315-1315. – Voigt, C.; Schäfer, W.; e Salomon, S. (2005): “A secreted lipase of Fusarium graminearum is a virulence factor required for infection of cereals”, The Plant Journal, 42(3), 364-375. – Zorn, H.; Peters, T.; Nimtz, M.; e Berger, R. (2005): “The secretome of Pleurotus sapidus”, Proteomics, 5(18), 4832-4838. 330 Silvicultura de Precisão: Avaliação da variabilidade espacial e utilização de imagens aéreas de alta resolução na gestão do montado de sobro Precision Forestry: Evaluation of spatial variability and use of high resolution airborne imagery for Cork Oak forest management Manuel Penteado Bolseiro de Investigação, Departamento de Ciências e Engenharia de Biossistemas (DCEB), Instituto Superior de Agronomia [email protected] Ricardo Braga Prof. Aux., DCEB, Instituto Superior de Agronomia Pedro Aguiar Pinto Prof. Cat., DCEB, Instituto Superior de Agronomia – Resumo: Os objetivos deste estudo são: (1) avaliar a magnitude da variabilidade espacial da produtividade e qualidade da cortiça num montado de sobro alentejano, utilizando uma ferramenta de agricultura de precisão –a detecção remota– bem como (2) avaliar o desempenho dos índices de vegetação e geométricos na modelação daquelas variáveis. 331 Com este propósito foi escolhida uma parcela de montado de sobro em Aguiar, Viana do Alentejo, e consecutivamente foi feita a recolha dos dados de campo correspondentes a árvores pertencentes a um conjunto amostral. Após o cálculo dos parâmetros de estatística descritiva das variáveis de campo, estas foram posteriormente correlacionadas com os índices de vegetação, calculados através de dados de detecção remota, como o NDVI, PCD e IPVI bem como com alguns índices geométricos. Relativamente às correlações entre variáveis, os índices geométricos demostraram forte correlação com a produtividade, mas com fraca correlação com a qualidade da cortiça enquanto os índices de vegetação apresentam ainda fortes correlações com a qualidade da cortiça e fracas correlações com a produtividade. Usando esses índices, obtiveram-se modelos ajustados de forma a explicar a variabilidade espacial no campo. Os modelos foram capazes de explicar 58% da variabilidade da produtividade e 50% da variabilidade da qualidade da cortiça, pelo que se perspectiva a possibilidade de desenvolver um novo conceito de gestão da produção de cortiça no montado de sobro tradicional utilizando a detecção remota na estimativa da qualidade e da produtividade da cortiça de um montado de sobro, antes do descortiçamento. – Palavras-chave: Detecção remota; Índices de vegetação; NDVI; cortiça; montado de sobro. – Abstract: The goals of this study are: (1) to evaluate the magnitude of the spatial varibility of cork productivity and quality in a cork oak forest (montado) in Alentejo, using a precision farming tool -remote sensingand to (2) evaluate the performance of vegetation and geometric indices to model those same variables. A cork oak forest in Aguiar, Viana do Alentejo, was chosen and consecutively field data from a sample set was collected. Following the calculation of descriptive statistics of field data variables, these were subsequently correlated with vegetation indices such as NDVI, PCD and IPVI as well as some geometric indices. The geometric indices showed strong correlation with productivity, but no correlation with cork quality and strong correlations between vegetation indices and cork quality with weak correlations with productivity. 332 Using these indices we adjusted models to explain the spatial variability in this cork oak forest. The models were able to explain 58% of the variability of productivity and 50% of the variability for cork quality. Thus, using these models it will be possible to develop a new concept of cork production management using remote sensing, by means of estimating the quality and productivity of a cork stand, before debarking. – Key-words: Remote sensing; Vegetation indices; NDVI; cork; Cork oak forests. 1.- Introdução A agricultura de precisão, bem como a silvicultura de precisão são sistemas culturais que têm vindo a ganhar expressão em Portugal, embora a sua aplicação prática ainda seja incipiente. Neste estudo foi testada uma aplicação deste sistema de cultura, procurando usar a tecnologia de detecção remota na gestão do montado de sobro. Assim, procurar-se-á avaliar a magnitude da variabilidade espacial da produtividade e qualidade da cortiça, bem como a capacidade dos índices de vegetação e índices geométricos (obtidos por detecção remota) em explicá-las. Tendo em consideração as dificuldades que se encontram na qualificação dos lotes de cortiça à tiragem, o auxílio da detecção remota poderá tornar possível uma melhor aproximação do valor real do lote retirando influência ao método empírico de qualificação acordado para a operação de extração de cortiça. A operação de extração de cortiça pode ser executada de três formas diferentes: na primeira, a tiragem fica a cargo do produtor e os operadores são pagos por jornada de trabalho; na segunda, a tiragem ainda é da responsabilidade do produtor, mas os operadores são pagos em função da quantidade de cortiça extraída; e na última, a tiragem é totalmente da responsabilidade do comprador que paga ao produtor consoante a quantidade e qualidade de cortiça que extrai (Carvalho, 2007). Os dois últimos métodos foram ganhando cada vez mais expressão, conduzindo a uma valorização inadequada do produto, uma vez que o produtor ignora a qualidade real do seu lote de cortiça, que é exactamente a característica que melhor valoriza o seu produto. 333 A necessidade de optimizar a gestão dos recursos tem motivado a adopção da agricultura de precisão. Este conceito está normalmente associado à avaliação e monitorização da variabilidade espacial de condições de uma parcela, para, em seguida, aplicar diversos factores de produção em conformidade com o potencial produtivo (Coelho et al., 2004). Desta forma, a agricultura de precisão poderá ajudar a gerir a variabilidade espacial de uma parcela de terreno, conduzindo à aplicação de factores de produção de forma diferenciada e dessa forma caminhando para a maximização da margem bruta (Braga et al., 2011) e preservação ambiental (Zhang et al., 2002). Em agricultura de precisão são utilizadas diversas tecnologias como o GPS, os sistemas de informação geográfica (SIG) os sistemas de monitorização de produtividade, a tecnologia de taxa variável (VRT), a detecção remota, entre outras. Neste estudo será dada maior relevância à detecção remota que actualmente detém grande relevância na prevenção e combate a incêndios, em estudos de fitossanidade (Olsson et al., 2012), inventário florestal, cartografia e estudos de produção florestal (Ingram et al., 2005; Tomppo et al., 2008). A detecção remota é uma ferramenta que permite a recolha de informação de um objecto ou área em estudo, através de sensores de radiação electromagnética, sem recorrer a contacto directo (Chuvieco e Huete, 2010; Cracknell e Hayes, 2007; Lillesand e Klefer, 1994). Em agricultura de precisão, a detecção remota é utilizada principalmente através de imagens aéreas, com o objectivo de registar e gerir a variabilidade espacial das culturas, árvores e solo. Assim, durante o ciclo produtivo, é possível gerir as variações do crescimento vegetativo causados por stress hídrico e de nutrientes e de ataque de pragas, que podem afectar negativamente a quantidade e a qualidade da produção final (Whelan et al., 2013). Uma forma de gerir o ciclo produtivo das culturas com auxílio de tecnologia de detecção remota é através da utilização de índices de vegetação, por se tratar de uma transformação de dados capaz de resumir a informação de detecção remota para a gestão da cultura ou povoamentos florestais A cada objecto está associada uma assinatura espectral, isto é, um padrão de reflectância associado a diferentes comprimentos de onda da radiação reflectida e emitida por um objecto (Ribeiro, 2007). É a partir do conhecimento das assinaturas espectrais e das suas variações de superfície para superfície e entre espécies vegetais que se podem construir os 334 índices de vegetação capazes de oferecer informação variada e diferenciada entre si. Desta forma, os índices de vegetação são algoritmos matemáticos resultantes da combinação entre diferentes bandas espectrais, tornando-se numa solução simples de redução de múltiplos dados das diferentes bandas registadas num pixel a um simples valor numérico (Mateluna et al., 2009). Os índices de vegetação fornecem-nos informação variada, servindo de exemplo o NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) que é normalmente utilizado para conhecer o vigor da vegetação, pelo pressuposto de que uma planta com bom vigor irá absorver uma grande parte da radiação na banda do vermelho (V) e reflectir mais radiação na banda do infravermelho próximo (Pattenaude et al. 2005). A possibilidade de se conhecer a variabilidade espacial do azoto numa parcela agrícola é mais um exemplo que revela a utilidade desta ferramenta de agricultura de precisão. A produção vegetal depende muito da aplicação adequada de azoto, o que torna o conhecimento da sua variabilidade espacial importante para a gestão agrícola. Uma vez que esta variabilidade não é passível de ser medida directamente através de detecção remota, é necessário o recurso a um indicador. Assim, a variabilidade espacial do azoto pode ser estimada através de medições da variabilidade espacial da clorofila com a qual tem uma forte correlação (Weichelt, 2012). Conhecendo a capacidade de cada índice de vegetação, os dados obtidos através desta tecnologia fornecem um método eficiente de descrição da variabilidade espacial, e quando adicionados a modelos de culturas fornecem um apoio fiável à tomada de decisão (Jones e Barnes, 2000). Demonstrando a existência de variabilidade espacial e sua magnitude quer da qualidade quer da produtividade de cortiça e ainda que os índices de vegetação e geométricos são capazes de explicar essa variabilidade, poderá tornar-se possível aceitar a detecção remota como uma eficaz ferramenta de gestão do montado de sobro. Existem vários estudos que demonstram ser possível observar relações significativas entre os diferentes índices de vegetação existentes e o desempenho produtivo de diferentes culturas agrícolas através de imagens aéreas, de que são exemplo os artigos de Sereno (2009), Fiorillo et al. (2012) e Martinez-Casasnovas et al. (2012) que demonstram existir relação entre índices de vegetação, como o NDVI, com a produtividade e qualidade na vinha, entre outros 335 parâmetros e Yang et al. (2008) que demonstrou existir o mesmo tipo de relação na produção de repolho. Para este estudo as variáveis a estudar serão a produtividade de cortiça e a sua qualidade comercial na gestão do montado de sobro, sendo fundamental ter em conta o conceito de coeficiente de descortiçamento e o de qualidade da cortiça. O coeficiente de descortiçamento descreve e limita a intensidade de descortiçamento e é calculado através da divisão da altura de descortiçamento pelo perímetro à altura do peito (1,3m de altura). Apesar do coeficiente de descortiçamento variar com outros factores, como a idade do povoamento, torna-se obvia a relação entre o coeficiente de descortiçamento e a produtividade do povoamento e deste modo o interesse que existe em encontrar correlações com variáveis de detecção remota. A qualidade da cortiça poderá ser dividida em dois parâmetros: calibre e classificação em classes de qualidade. Quando se faz referência ao calibre da cortiça, apenas se considera a sua espessura que está directamente relacionada com o crescimento anual e o número de anos de crescimento; o calibre é um factor importante a ter em conta na indústria corticeira uma vez que é necessário atingir (ou ultrapassar) um limite mínimo de 27mm para que a cortiça seja utilizada no fabrico de rolhas (Pereira, 2007; Tinoco et al., 2008). A classificação em sete classes de qualidade é actualmente reduzida, na Península Ibérica, a uma escala com apenas 4 classes (1ª- 3ª; 4ª-5ª; 6ª e refugo) onde a primeira classe é representativa de melhor qualidade (Fortes et al., 2004; Pereira, 2007; Tinoco et al., 2008). Esta classificação baseia-se em dois critérios chave: o primeiro relativo à porosidade e o segundo relativo à presença de defeitos na cortiça e sua relevância na indústria (Pereira, 2007). A avaliação do calibre e qualidade da cortiça, antes do descortiçamento pode ser feita através da extração e classificação de pequenas quadrículas de amostras de cortiça designadas por “calas”, ou através da utilização de uma ferramenta portátil - Coveless® CQ05. No processo por extração de amostras, as calas são aparadas, medidas e cozidas da mesma forma que se verifica no processamento industrial da cortiça. Este exame é feito por técnicos experientes que avaliam a qualidade da cortiça tendo em conta a porosidade assim como a presença e intensidade de outros defeitos (Vieira, 2009). 336 Utilizando o Coveless® CQ05 é possível fazer uma avaliação semelhante à análise das calas, uma vez que este aparelho tem a capacidade de medir a espessura da cortiça, detectar defeitos e avaliar a qualidade, sem abater a árvore, nem retirar qualquer cortiça. Assim, o Coveless detecta o defeito de verde, classifica a qualidade da cortiça em quatro níveis de qualidade utilizados em Portugal e Espanha: 1-3, 4-5, 6 e refugo e mede a espessura da cortiça, em milímetros e em número de anéis de crescimento (linhas). Tendo em conta o que foi descrito, os objetivos deste estudo são, avaliar a magnitude da variabilidade espacial da produtividade e qualidade da cortiça num montado de sobro alentejano, com uso da detecção remota, bem como avaliar o desempenho dos índices de vegetação e geométricos na modelação daquelas variáveis. 2.- Material e Métodos 2.1.- Descrição da Parcela A parcela estudada localiza-se na Herdade das Falcoeiras, pertencente ao concelho de Viana do Alentejo, na qual a exploração do montado é feita pela Sociedade Agrícola do Moinho da Falcoeira. A exploração do montado tem como produtos a cortiça, gado bovino de carne e caça. Esta parcela (figura 1), com área de 110 ha, é constituída por um montado de sobro rodeado de cercas, com densidade de plantação de aproximadamente 21 árvores/ha, incluindo também azinheiras com pastagem natural sob coberto, sendo limitada, tanto a Noroeste como a Sudeste, por linhas de água e caminhos a Nordeste e Sudoeste. A área em estudo é preenchida por duas manchas de solo, uma Pg e outra Pgm (Cardoso, 1965). 337 Figura1.- Parcela de montado de sobro em estudo, delimitada a laranja O clima é, de acordo com a classificação de Köppen, mesotérmico húmido (Csa) (estação meteorológica de Évora). Nos 9 anos do ciclo de produção da cortiça registou-se uma precipitação total de 4584,5mm perfazendo cerca de 510mm de precipitação média anual, que se encontra abaixo do limite inferior (600mm) do intervalo óptimo de precipitação anual para produção de cortiça (Pereira, 2007). Para o ano em que foi efectuado o descortiçamento (2012) registaram-se as temperaturas médias mais elevadas nos meses de Junho (21,6oC), Julho (23,2oC), Agosto (23,7oC) e Setembro (22oC), coincidindo com o período de menor ocorrência de precipitação, tendo-se registado 0,51mm no mês de Junho, 1,27mm no mês de Agosto e precipitação inexistente no mês de Julho (bem como Fevereiro). As precipitações mais elevadas foram por sua vez registadas no período de Outubro a Dezembro, com uma diferença significativa no mês de Novembro (168,7mm), em relação aos outros meses do ano. 338 2.2.- Delineamento experimental e metodologia geral do ensaio 2.2.1.- Dados de campo Para a obtenção de amostras representativas, a escolha das árvores para recolha de dados de campo foi feita no seguimento do trabalho (efectuado por uma empresa contratada) de amostragem de qualidade da cortiça para efeitos de gestão da exploração. Foram recolhidas as amostras de qualidade de 35 árvores com o Coveless ® CQ05, escolhendo de forma aleatória 7 pontos dentro da parcela, como pontos de partida para selecionar as 5 árvores mais próximas de cada ponto. O Coveless ® CQ05 (figura 2) classifica a cortiça em quatro níveis de qualidade utilizados em Portugal e Espanha: 1-3, 4-5, 6 e refugo, medindo também a sua espessura, em milímetros e em linhas. As árvores amostradas foram então marcadas com fita plástica, numeradas e georreferenciadas com o receptor GPS Trimble® Geo Explorer XT. Figura 2.- Análise de qualidade de cortiça com Coveless® CQ05 339 Para recolha dos dados de campo das variáveis dendrométricas, seguiram-se os processos descritos por Godinho e Tomé (2002). As variáveis dendrométricas analisadas foram: diâmetro à altura do peito; diâmetro na base; altura total; altura da base da copa; altura do fuste; altura da bifurcação; altura de descortiçamento; raios da copa; número de pernadas; número de pernadas descortiçadas; e por fim a produtividade, medida logo após descortiçamento (árvore a árvore) com uma balança digital, com erro máximo de 100g. A partir destas variáveis medidas no campo foram derivadas as variáveis que constam do quadro 1. Após a obtenção das estatísticas descritivas seguiu-se a análise de correlação tendo-se desenvolvido modelos ajustados para a parcela em estudo, usando o software Statistica 8 (StatSoft®). Para a gestão da informação geográfica relativa a índices de vegetação e geométricos foi efectuada com auxílio de plataformas SIG, nomeadamente QGIS® Lisboa e ArcView® 3.2. 2.2.2.- Dados de Detecção Remota Os índices de vegetação e geométricos foram obtidos através de imagens de detecção remota, capturadas de avião (antes de descortiçamento em 2012), com reflectância das bandas do visível (RGB) e infravermelho próximo. Para tal, foi contratada uma empresa especializada que efectuou um voo a cerca de 500 metros de altitude tendo a imagem uma resolução espacial resultante de 15 cm. Depois de capturadas, as imagens foram georreferenciadas e corrigidas, para que a sua disposição espacial fosse a mais correcta. O passo seguinte baseou-se na separação da informação de interesse (copas das árvores) da informação restante, representativa de pastagem e solo. Desta forma foi aplicado um filtro para a separação destes pixéis, eliminando a informação inútil e individualizando copa a copa. Para a obtenção dos valores de reflectância para cada árvore foi criado um centróide em cada indivíduo, contendo a informação necessária para o cálculo dos índices de vegetação (figura 3). O valor correspondente a este centróide foi calculado com base num filtro de média focal 4x4 pixéis. Os índices de vegetação utilizados no estudo são índices baseados apenas nas bandas de RGB e IV próximo, por serem índices de obtenção 340 mais acessível e barata. Estes índices por terem origem apenas nas bandas RGB e infravermelho próximo são índices que estão relacionados com o vigor das plantas, actividade fotossintética, densidade de pigmentos nas folhas e ainda com a diferenciação entre solo, plantas e água. Por outro lado, os índices geométricos foram utilizados e testados pela possibilidade da geometria das árvores estar relacionada com a produtividade e qualidade da cortiça produzida, tal como já foi demonstrado para a geometria do tronco (Ferreira e Oliveira, 1991; Costa, 1992; Ribeiro, 1992). Tanto os índices de vegetação como os índices geométricos utilizados no estudo estão discriminados nas colunas dos quadros 1 e 2. Figura 3.- Exemplo de individualização de copas com centróide a) copas das árvores; b) individualização das copas e c) copas individualizadas com centróides 3.- Resultados e Discussão 3.1.- Estatística descritiva A estatística descritiva foi utilizada para estudar a magnitude da variabilidade dos dados de campo bem como dos dados de detecção remota no montado em estudo. A medida de maior relevância para esta análise é o coeficiente de variação já que indica o desvio relativo médio. Assim, em observação ao quadro 1 verifica-se que a espessura da cortiça e a área média das copas demonstram variabilidade significativa, atingindo valores de 33% e 42%, respectivamente; a superfície descortiçada, a produtividade e a classificação da cortiça, sendo das variáveis de maior importância para o estudo, apresentam valores de coeficiente de variação mais significativos, sendo estes de 47%, 68% e 53%, respec341 tivamente, encontrando-se assim entre as variáveis com coeficientes de variação mais elevados; o número de pernadas descortiçadas e o comprimento de descortiçamento apresentam grande variabilidade, 80% e 95% (respectivamente). Por fim averiguou-se que não existe nenhuma variável que não apresente variabilidade significativa, isto é, com coeficiente de variação inferior a 10%. Como Tomé (2004) refere, o principal factor de heterogeneidade na produção num povoamento de sobreiros poderá mesmo ser a genética, e uma vez que o polimorfismo é evidente num montado de sobro, este factor poderá mesmo ser um dos grandes responsáveis pela variabilidade espacial. Tendo em conta a gestão da parcela, a amplitude que as variáveis apresentam tem relevância, uma vez que podem surgir casos de grande disparidade como é o caso da produtividade de cortiça que apresenta uma amplitude de 115kg. Tendo em conta que o valor máximo de produtividade verificado foi de 126kg/árvore, a gestão na colheita terá de ser diferente da árvore com menores resultados produtivos (11kg/árvore). 342 343 Quadro 1.- Estatística descritiva dos dados de campo Quadro 2.- Estatística descritiva dos dados de detecção remota Nos dados de detecção remota (quadro 2) verificou-se que as variáveis com maior variabilidade são o NDGRI (figura 5) com coeficiente de variação de 59% e a área da copa (figura 4) com 49%. Os índices geométricos, perímetro, raio com base na área e raio com base no perímetro são os que se seguem, a par com o índice de vegetação SGB com coeficientes de variação entre 20% e 30% (27%, 25%, 27% e 22%, respectivamente). Por último, com variabilidades consideradas reduzidas (muito próximo de 10% de coeficiente de variação) encontra-se o NDVI (16%), o DVI(15%), o NDVIG (12%), o NDGBI (16%), o NDRBI (16%), o I (11%), o S (12%) e a circularidade (16%). 344 Figura 4.- Carta de áreas das copas Figura 5.- Carta de NDGRI 345 3.2.- Análise de correlação A análise de correlação permitiu-nos verificar a relação existente entre cada variável em estudo. Isto é, o coeficiente de correlação indica-nos a linearidade que possa existir entre as variáveis dos dados de campo e de detecção remota, podendo ser positiva ou negativa (entre -1 e 1). Desta forma, as variáveis de maior interesse para o estudo da gestão do montado de sobro, dada a sua relevância na produção de cortiça, são: a produtividade (de cortiça) em kg/árvore e a classificação da cortiça, na escala de classificação de 1 a 7. Analisando as correlações mais significativas entre a produtividade e os dados de campo, observou-se que: a produtividade do sobreiro revela uma forte correlação com a geometria da árvore, tendo-se registado valores de 81% para o perímetro à altura do peito (e variáveis provenientes), 74% para o perímetro na base (e variáveis provenientes), 75% para a área, perímetro e raio médios da copa; as variáveis referentes às pernadas demonstram correlação significativa com 72% para o número de pernadas, 78% para o número de pernadas descortiçadas e 84% para o comprimento de descortiçamento das pernadas; a altura de descortiçamento vertical, a par com a superfície de descortiçamento, são as variáveis com maior relação com a produtividade, tendo-se registado valores de 88% e 94%, respectivamente; a produtividade apresenta uma linearidade significativa com a espessura cozida, r=71%; e por fim, a única correlação negativa, significativa, verifica-se com a altura de descortiçamento no fuste, r= - 67%. Estes valores de correlação observados, para as variáveis de estrutura do sobreiro, sugerem que a arborescência tem grande influência na produtividade de cortiça, uma vez que se verificou que quanto mais elevados forem os valores que estas variáveis tomem, maior será a produtividade da árvore, especialmente quando aumentam as dimensões do tronco e número de pernadas. Analisando as correlações entre a classificação de qualidade da cortiça e os outros dados de campo, observou-se que não existem correlações (p<0,05), com excepção da classe real que tem a mesma proveniência (r=97%). Isto sugere, que em oposição ao que acontece com a produtividade, a estrutura do sobreiro não tem qualquer influência ou relação com a qualidade da cortiça. 346 A análise das correlações entre a produtividade e os dados obtidos por detecção remota (quadro 3), verificou-se que mais uma vez as variáveis com maior correlação com a produtividade são as relativas à geometria da árvore, dentro destas encontram-se a área da copa, o perímetro e os raios obtidos (56%<r<62%); a correlação negativa existente com a Intensidade (I) e Saturação (S), r=-42% e r=-44%, respectivamente demostra que a eficiência de absorção das bandas de RGB (na sua globalidade) está positivamente relacionada com a produtividade, isto é, a capacidade fotossintética do sobreiro está directamente relacionada com a produção de cortiça, uma vez que os pigmentos fotossintéticos das folhas são os orgãos com maior responsabilidade na variação de reflectância das bandas do vísivel. Analisando as correlações mais significativas entre a classificação da cortiça e os dados obtidos por detecção remota (quadro 3), constatou-se que as correlações com o PVR (r=41%), NDGRI (r=40%), o GPER (r=41%) e o DVI (r=46%) revelam que para a cortiça ter uma boa classificação (melhor qualidade), a absorção na banda do vermelho tem de ser maior e sucede-se o inverso com a banda do verde, tendo estes resultados fundamentação no facto da clorofila absorver energia com comprimentos de onda da banda o vermelho (bem como no azul) e reflectir ligeiramente mais o verde, conferindo a cor verde das plantas saudáveis; as correlações positivas com o NDVI (r=45%) e com o IPVI (r=45%) demonstram que a boa classificação de qualidade da cortiça está relacionada com o bom vigor da árvore; e que o PCD, que traduz a quantidade de biomassa fotossinteticamente activa, apresenta correlação positiva com a classificação, r=44%. Posto isto, verifica-se que a qualidade da cortiça está bastante correlacionada com o conforto do sobreiro, que não existindo limitantes como água, nutrientes e radiação a produção de cortiça de melhor qualidade estará mais salvaguardada. De referir que para além da classificação da cortiça apresentar correlações com as variáveis de índices de vegetação bastantes distintas das correlações que a produtividade apresenta (com as mesmas variáveis), a classificação da cortiça apresenta correlações muito fracas (p<0,05) com índices geométricos, o que sugere que a estrutura da árvore não terá qualquer influência na qualidade do produto, mas sim na sua produtividade. 347 348 Quadro 3.- Análise de correlação entre os dados de campo e dados de detecção remota (p < 0,05). A vermelho estão os valores com correlações significativas 3.3.- Modelos ajustados Os modelos ajustados encontrados são relativos à utilização de todas a variáveis de detecção remota existentes para a sua construção (25), sendo as variáveis eliminadas gradualmente, para a obtenção do melhor modelo ajustado. Os modelos ajustados para a produtividade e classificação de cortiça (quadro 2) foram escolhidos como sendo os melhores, através do R2 ajustado mais elevado. Para o caso do modelo da produtividade (R2 ajustado = 0,58), pelo quadro 5 verificou-se um declive da recta de regressão de 0,75 e que a sua ordenada na origem é igual a 12,71. O R2 ajustado é igual a 0,58, mostrando que consegue estimar 58% dos valores observados. Possui uma raiz de erro médio quadrático (RMSE) igual a 16,96 e o seu valor de RDP (Rácio do Desvio Padrão) situa-se no intervalo em que o modelo discrimina valores elevados e valores baixos, com um valor de 1,74. O modelo apresenta uma boa eficiência de modelação, ME=0,75, uma vez que a unidade nos indica a perfeição de eficiência de modelação e tal como o enviesamento, o PBIAS apresenta valor nulo, indicando a perfeição de simulação da realidade por parte do modelo, no que toca a este parâmetro estatístico. Através do quadro 4 verifica-se que o modelo para a produtividade é composto por 12 variáveis, entre elas 8 são índices de vegetação e apenas 4 são índices geométricos. Apesar de os índices de vegetação representarem 75% das variáveis que compõem este modelo, são os índices geométricos que possuem coeficientes de regressão estandardizados mais elevados. Dentro disto, contrasta-se que o I, índice de vegetação com coeficiente de regressão estandardizado mais elevado (22,24) é significativamente inferior ao Rácio dos Raios, índice geométrico com coeficiente de regressão estandardizado mais elevado (114,36). O modelo de regressão linear da classificação de qualidade de cortiça (R2ajustado = 0,50) tem um declive de 0,67 e uma ordenada na origem de 1,49 com uma raiz de erro médio quadrático igual a 1,34. O seu RPD por ser igual a 1,77 indica-nos que o modelo descrimina valores elevados e valores baixos. O modelo apresenta uma boa eficiência de modelação, ME=0,67 e por fim tal como se verificou com o modelo de produtividade com base em dados de detecção remota, este modelo possui um PBIAS nulo. 349 Para este modelo da classificação da qualidade da cortiça, verificou-se que este é composto por 10 variáveis, sendo distribuído por 50% de índices de vegetação e 50% de índices geométricos, onde os coeficientes de regressão estandardizados se encontram entre valores de -15,69 e 11,88, não existindo nenhum índice com valores significativamente maiores ou menores que o resto dos índices. Quadro 4.- Modelos ajustados para as variáveis dependentes Produtividade e Classificação da cortiça com base em dados obtidos por detecção remota. Com coeficientes de regressão estandardizados Variável dependiente Produtividade Classificação R2 0,75 0,67 R2 ajustado 0,58 0,5 12 10 N.º de variáveis NDVI 1,87 PVR 7,15 PCD -3,98 PPR -5,85 -1,31 IPVI DVI SGB -8,41 6,58 RB NDVIG 4,39 NDGRI NDGBI 350 6,6 -5,07 Variável dependiente Produtividade Classificação NDRBI I 22,24 HUE S -17,79 -3,12 RPER GPER BPER Área (m2) Perímetro (m) 1,32 0,61 Raio con base na área (m) -13,74 11,16 Raio com base no perímetro (m) Rácio dos raios 114,36 -15,69 Circularidade -77,12 11,88 Compacidade 37,68 351 Quadro 5.- Análise do modelo para a Produtividade e Classificação da qualidade de cortiça com base em dados de detecção remota Modelo de Produtividade (Detecção Remota Modelo de Classificação (detecção Remota) Declive 0,75 0,67 R2 ajustado 0,58 0,50 Ordenada na origen 12,71 1,49 RMSE 16,96 1,34 B 0,00 0,00 RDP 1,74 1,77 ME 0,75 0,67 PBIAS 0,00 0,00 4.- Conclusões Dos resultados obtidos no estudo, pode-se concluir que as duas variáveis em estudo (produtividade e classificação de cortiça) se apresentam com elevada variabilidade espacial no montado de sobro tornando-se relevante e de grande interesse para o agricultor o mapeamento e a compreensão da distribuição das variáveis chave para o sistema. Apesar de ser apenas um primeiro passo para a utilização da ferramenta, podendo melhorar o seu poder de caracterização e estimação com o aumento de bandas espectrais a utilizar, ficou realçada a importância desta tecnologia pelo seu poder de caracterização e estimação do sistema que caracteriza a variabilidade das variáveis estudadas. 352 Esta tecnologia pode ser considerada viável e útil para a gestão do montado de sobro, com a particularidade de ser mais barata que a recolha de dados de campo possibilitando uma recolha de informação completa para cada uma das árvores da parcela. Num futuro próximo a detecção remota poderá tornar-se numa ferramenta de apoio à tomada de decisão na criação de lotes de cortiça ainda no campo e logo após o descortiçamento. 353 354 Bibliografia – Braga, R. (2009): Viticultura de Precisão, Associação de Jovens Agricultores de Portugal. 84. – Braga, R.: e Pinto, P. A. (2011): “Agricultura de Precisão, adopção e principais obstáculos”, Agrotec. Dezembro, 84-89. – Cardoso, J. V. (1965): Os Solos de Portugal, Sua classificação, Caracterização e Génese, A Sul do Rio Tejo, Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, Lisboa, 310. – Carvalho, J. (2007): Princípios da gestão de sobreirai, Principia, Estoril, 108. – Chuvieco, E.; e Huete, A. (2010): Fundamentals of Satellite Remote Sensing. Taylor and Francis Group, Boca Raton, 436. – Coelho, J. C.; Silva, L. M.; Tristany, M.; Neto, M. C.; e Pinto, P. A. (2004): Agricultura de Precisão. Prefácio, Lisboa, 106. – Cracknell, A.; e Hayes, L. (2007): Introduction to Remote Sensing, Second Edition. Taylor and Francis Group, Boca Raton, 335. – Fiorillo, E.; Crisci, A.; De Filippis, T.; Di Gennaro, S. F.; Di Blasi, S.; Matese, A.; Primicerio, J.; Vaccari, F. P.; e Genesio, L. (2012): “Airborne high-resolution images for grapes classification: changes in correlation between technological and late maturity in a Sangiovese vineyard in central Italy”, Australian Journal of Grape and Wine Research, 18, 80-90. – Fortes, M. A.; Rosa, M. E.; e Pereira, H. (2004): A Cortiça. IST Press, Lisboa, 259. – Godinho, J. M.; e Tomé, M. (2002): Protocolo de instalação e medição de parcelas em povoamentos juvenis de sobreiros, Grupo de Inventariação e Modelação de Recursos Florestais - ISA/UTL, 15. 355 – Ingram, J.; Dawson, T.; e Whittaker, R. (2005): “Mapping tropical forest structure in southeastern Madagascar using remote sensing and artificial neural networks”, Remote Sensing of Environment, 94, 491-507. – Jones, D.; e Barnes, E. M. (2000): “Fuzzy composite programming to combine remote sensing and crop models for decision support in precision crop management”, Agricultural Systems, 65, 137–158. – Lillesand, T. M.; e Kiefer, R. W. (1994): Remote sensing and image interpretation. Wiley & Sons, 750. – Martinez-Casasnovas, J. A.; Agelet-Fernandez, J.; Arno, J.; e Ramos, M. C. (2012): “Analysis of vneyard differential management zones and relation to vine development, grape maturity and quality”, Spanish Journal of Agricultural Research, 10, nº 2. – Mateluna, P.; Ramírez, R.; Opazo, C.; e Farias, S. (2009): Alcance de la agricultura de precisión en Chile: estado del arte, ámbito de aplicación y perspectivas, Governo de Chile, Oficina de Estudios y Políticas Agrarias; 112. – Olsson, P.; Jönsson, A.; e Eklundh, L. (2012): “A new invasive insect in Sweden - Physokermes inopinatus: Tracing forest damage with satellite based remote sensing”, Forest Ecology and Management, 285, 29-37. – Pattenaude, G.; Milne, R.; e Dawson, T. (2005): “Synthesis of remote sensing approaches for forest carbon estimation: reporting to the Kyoto Protocol”, Environmental Science & Policy, 8, 161-178. – Pereira, H. (2007): Cork: biology, production and uses. Elsevier, Lisboa, 336. – Ribeiro, J. (2007): A Detecção Remota no Inventário Florestal. Análise das Potencialidades da Utilização das Imagens e Satélite, Dissertação de Mestrado, ISEGI-UNL, Lisboa, 138. – Sereno, P. (2009): Viticultura de precisão: Utilização da deteção remota no estudo da variabilidade espacial do vigor, produção e qualidade, castas “Syrah” e “Touriga franca”. Dissertação de mestrado em viticultura e enologia, Universidade Técnica de Lisboa. – Tinoco, I.; e Pestana, M. (2008): “A qualidade da cortiça versus modalidades de gestão do montado de sobro na região de Setúbal”, Vida Rural, 1734, 30-32. – Tomé, M. (2004): Modelo de crescimento e produção para a gestão do montado de sobro em Portugal. Projecto POCTI/AGR/35172/99. Relatório Final - Relatório de Execução Material (Volume I), Publicações GIMREF 356 RFP 1/2004. Universidade Técnica de Lisboa. Instituto Superior Agronomia. Centro de Estudos Florestais. Lisboa. 89. – Tomppo, E.; Olsson, H.; Ståhl, G.; Nilsson, M.; Hagner, O.; e Katila, M. (2008): “Combining national forest inventory field plots and remote sensing data for forest database”, Remote Sensing of Environment, 112, 1982-1999. – Vieira, H. (2009): Análise de características da cortiça amadia relevantes para a sua qualidade industrial, Dissertação para obtenção de grau de Mestre. ISA-UTL. Lisboa, 51. – Weichelt, H.; Rosso, P.; Marx, A.; Reigber, S.; Douglass, K.; e Heynen, M. (2012): The RapidEye Red Edge Band, White Paper. RapidEye, 6. – Whelan, B.; e Taylor, J., (2013): Precision Agriculture, for grain production systems. CSIRO. 199. – Yang, C.; Liu, T.; e Everitt, J. (2008): “Estimating cabbage physical parameters using remote sensing technology”, Crop Protection, 27, 25-35. – Zhang, N.; Wang, M.; e Wang, N. (2002): “Precision agriculture - a worldwide overview”, Computers and Electronics in Agriculture, 36, 113-132. 357 358 Listagem de acrónimos NDVI - Normalized Difference Vegetation Index SAVI - Soil Adjusted Vegetation Index PVR - Photosynthetic Vigour Ratio PCD - Plant cell density PPR - Plant pigment ratio IPVI - Infrared Percentage Vegetation Index DVI - Difference Vegetation Index NDVIG - Normalize Difference Vegetation Index NDGRI - Normalize Difference Green Red Index NDGBI - Normalize Difference Green Blue Index NDRBI - Normalize Difference Red Blue Index I - Intensidade S - Saturação SGB - Subtraction Green Blue RB - Red Blue RPER - Red Percentage GPER - Green Percentage BPER - Blue Percentage 359 360 Partiendo de un análisis histórico e interdisciplinar de la utilización de los productos del alcornocal, este libro pretende, por un lado, reunir y analizar los más recientes resultados que la investigación científica ha producido, y, por otro lado, estimular la continuación de la producción científica sobre el sector corchero en las diferentes áreas de conocimiento. Partindo da análise histórica e transdisciplinar da utilização dos produtos do montado de sobro, este livro pretende, por um lado, reunir e analisar os mais recentes resultados que a investigação científica tem produzido, e, por outro, estimular a continuação da produção científica sobre o setor corticeiro nas mais varia das áreas do conhecimento.