John Krizanc acto ii
Transcrição
John Krizanc acto ii
John Krizanc acto ii não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho t de LempicKa (acto ii) John Krizanc tradução carLos carvaLheiro revisão de regina redinha e de cláudia Gomes tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião edição 2010 Fatias de cá apartado 140 • 2304-909 tomar • portugal tlm 960 303 991 • [email protected] • www.fatiasdeca.net t de L empicKa (acto ii) • Fdc índice 7 acto ii secção J 8 J 49 • sala de Jantar • dante, Finzi dante e Finzi introduzem o público no segundo dia. 11 J 50 • corredor • Finzi Finzi interroga uma espectadora. secção K 12 K 51 • Quarto de mario • dante, emiLia, Finzi, mario mario abre o jogo a dante. 18 K 52 • escritório de Finzi • de spiGa, Finzi de spiga trava Finzi e sabe por mussolini quem é mario. 22 K 53 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio aélis convence d'annunzio a ver carlotta dançar. 28 K 54 • salão • carLotta, Luisa, tamara Luisa e carlotta discutem sobre estrangeiros. secção L 35 L 55 • Quarto de mario • Finzi , mario Finzi interroga mario. 40 L 56 • cozinha • dante, emiLia emilia faz a barba a dante e falam da vida deles. 49 L 57 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, Finzi, Luisa, mario, tamara carlotta dança. secção m 54 m 58 • átrio • d’annunzio, tamara tamara rejeita d'annunzio. 57 m 59 • corredor • tamara tamara autojustifica-se. secção n 58 n 60 • sala de Jantar • d’annunzio d'annunzio auto-enfurece-se. 59 n 61 • salão • aéLis, carLotta, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara Luisa obriga Finzi a assumir-se judeu perante carlotta. 62 n 61a • salão • dante, emiLia, mario emilia confronta mario sobre inglaterra. 3 4 t de L empicKa (acto ii) • Fdc 64 n 61B • salão • Finzi, Luisa Finzi propõe a Luisa partirem juntos para roma. 65 n 61c • salão • de spiGa, tamara tamara conversa sobre uma ida a nice. 67 n 62 • átrio • aéLis, d’annunzio d'annunzio queixa-se a aélis de tamara. secção o 70 o63•salão•aéLis,carLotta,d’annunzio,dante,despiGa,emiLia,Finzi,Luisa,mario,tamara d'annunzio oferece uma rosa a carlotta. 72 o 64 • átrio • de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara partida para o almoço. 75 o 65 • salão • d’annunzio, dante d'annunzio faz perguntas a dante sobre mario. 77 o 66 • átrio • aéLis, carLotta, emiLia carlota diz a aélis que se quer ir embora. 79 o 67 • átrio • emiLia, mario mario fica com o recado que tamara deu a emilia. secção p 80 p 68 • salão • d’annunzio, mario mario convida d'annunzio a ir para inglaterra. 90 p 69 • átrio • emiLia, Finzi Finzi manda emilia revistar o quarto de mario. 94 p 70 • Quarto de d'annunzio e corredor • dante dante descobre que falta a pistola no quarto de d'annunzio. 97 p 71 • corredor • dante, Finzi Finzi e dante falam dos judeus. 99 p 72 • Quarto de mario • emiLia emilia revista o quarto de mario e descobre a pistola de d'annunzio. 101 p 73 • Quarto de mario • emiLia, Finzi Finzi descobre uma caixa com dinheiro no quarto de mario. 103 p 74 • escritório de Finzi • Finzi Finzi telefona para confirmar a origem do dinheiro. 104 p 75 • Quarto de mario • dante, emiLia dante convence emilia a devolver-lhe a pistola de d'annunzio. 107 p 76 • corredor • d’annunzio, Finzi, mario Finzi lê o recado de tamara para d'annunzio. secção Q 109 Q 77 • átrio • aéLis, d’annunzio, dante, de spiGa, carLotta, Finzi, Luisa, tamara regresso do almoço. 112 Q 78 • salão • de spiGa, Finzi, Luisa de spiga e Finzi acompanham Luisa que está ferida. 119 Q 79 • Quarto de carlotta • carLotta carlotta reza a santa catarina. 120 Q 80 • Quarto de carlotta • aéLis, carLotta, dante carlotta faz as malas para se ir embora. t 126 de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 81 • corredor • dante dante monologa sobre ir-se embora. 127 Q 82 • Quarto de mario • emiLia, mario mario apanha emila a arrumar-lhe o Quarto. 132 Q 83 • Quarto de mário e corredor • dante, emiLia, mario dante apanha mario e emilia a beijarem-se. 135 Q 84 • suite • d’annunzio, tamara tamara rompe com d'annunzio. 143 Q 85 • átrio • aéLis, carLotta, dante, Finzi, mario Finzi leva carlotta à estação do comboio. secção r 146 r 86 • salão • aéLis, dante, Luisa, tamara Luisa decide-se a partir com tamara. 151 r 87 • suite • d’annunzio, de spiGa, tamara d'annunzio expulsa de spiga de il vittoriale. 153 r 88 • suite • de spiGa, tamara de spiga obriga tamara a partir para nice com mario. 160 r 89 • suite • tamara tamara monologa sobre d'annunzio e de spiga. 161 r 90 • cozinha • dante dante decide partir. 163 r 91 • Quartos de mario e de emilia • emiLia emilia monologa sobre o seu final feliz. 166 r 92 • Quarto de d'annunzio • mario mario monologa sobre emilia. 168 r 93 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio, mario mario recebe uma carta de d'annunzio. 172 r 94 • átrio • dante, Finzi dante brinca com Finzi. 174 r 95 • corredor • de spiGa de spiga lê a carta do marido de tamara. 175 r 96 • corredor • de spiGa, mario de spiga confronta mario. secção s 177 s 97 • corredor • de spiGa, emiLia, Luisa, tamara de spiga impede Luisa e tamara de partirem. 179 s 98 • átrio • de spiGa de spiga monologa sobre Luisa. 180 s 99 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio aélis levanta d'annunzio. 185 s 100 • Quarto de mario • dante, mario dante explica a mario como pode fugir. 188 s 101 • escritório de Finzi • Finzi Finzi sabe por mussolini quem é mario. 189 s 102 • corredor • emiLia, Luisa, tamara emilia e tamara levam Luisa para o seu quarto. 5 6 t de L empicKa (acto ii) • Fdc 191 s 103 • escritório de Finzi • de spiGa, Finzi de spiga ordena a Finzi que não intercepte mario. 194 s 104 • salão • de spiGa de spiga confessa que viciou d'annunzio em cocaína. secção t 196 t 105 • Quarto de Luisa • Luisa Luisa suicida-se. 198 t 106 • suite • emiLia, tamara tamara dá os presentes de d'annunzio a emilia. 203 t 107 • átrio • aéLis, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, mario Finzi intercepta mario. 207 t 108 • suite • d’annunzio, emiLia, tamara d'annunzio tenta violar tamara. secção u 208 u 109• átrio •aéLis, d’annunzio, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara desenlace. 212 digestivi • refeitóri • tutti café. 213 posfácio “t de LempicKa, uma tragédia clássica contemporânea” carLos carvaLheiro t de L empicKa (acto ii) • Fdc acto ii 7 8 t de L empicKa (acto ii) • Fdc J 49 • refeitório dante • Finzi dante e Finzi introduzem o público no segundo dia. dante: [soBe para cima de uma cadeira] attenzione, per favore, attenzione. presto, presto, estamos à vossa espera. Buon giorno, signore e signori. [espera peLa resposta do púBLico] ahh! estiveram a comer e a beber. têm mais força do que isso. vamos tentar outra vez. Buon giorno! [desta vez o púBLico responde mais aLto. Finzi entra] ahh! eis o sorridente capitano. Finzi: [diriGe-se a uma espectadora] passaporte… Que dia é hoje? [a resposta é normaLmente a data presente ] não, signora, hoje são 11 de Janeiro de 1927. acompanhe-me! [Finzi Leva a espectadora para o corredor, J 50 páG. 11] dante: digam todos ciao à signora. ciao, signora. signore. [apontando] signore, a signora estava consigo? não se preocupe, nós arranjamos-lhe outra signora. ao contrário do capitano, eu não preciso de informadores para saber o que se passa nesta casa. como qualquer bom criado, eu posso dizer-vos quem é que está a fazer o quê, com quem e em que quarto o estão a fazer. vou provar-vos isso. mas primeiro, il comandante pediume para vos lembrar que, quando entrarem numa sala, por favor vão tanto para o fundo quanto possível, encostem-se às paredes, não falem, não fiquem no caminho, não andem por aí por vossa própria conta, e, mais t de L empicKa (acto ii) • Fdc importante que tudo, nunca fiquem atrás de uma porta; alguém pode abri-la de repente e ela bate-vos nas costas. não queremos ninguém ferido. Grazie. Bom, vocês são uns convidados tão adoráveis que il comandante me pediu para vos fazer um convite a todos. no final seria muito agradável se quisessem voltar a esta sala para se juntarem a nós para um café, para um doce, para conversar, no caso de haver uma ou duas pequenas coisas que possam ter perdido no decorrer da noite. [vindo do corredor, ouve-se o Grito da espectadora Que acompanhou Finzi e depois este a Gritar: aprendido, hoJe são “espero Que tenha 11 de Janeiro de 1927”. dante apon- ta para o acompanhante da espectadora] signore, o que é que a sua signora está a fazer ao capitano? reconheceria este gritar onde quer que fosse. Bom, para hoje, il comandante deu-me instruções para vos dizer que ele quer que se sintam aqui como em vossa casa; e agora que já conhecem os cantos à casa e conhecem as regras, ele sugeriu que eu apenas vos dissesse onde estão todos e cada um irá para onde quiser; por isso eu sugiro que cada um decida rapidamente com quem é que quer ir ter. mas antes de sairem desta sala, façam ao dante um favor, per favore; não levem comida nem copos convosco. nada, a não ser as vossas próprias pessoas. e outra coisa… é importante que saiamos todos daqui ao mesmo tempo, pelo que esperem que eu vos diga quando. Bom, então onde é que eles estão? a signora Luisa Baccara está à entrada do salão e ela conduzir-vos-á à signorina Barra, a jovem bailarina e a tamara —não me lembro do último nome— a polaca. il comandante? Bem, uma vez que eu não o fui acordar, sem dúvida que está no seu quarto. a signora aélis conduzir-vos-à. está na 9 10 t de L empicKa (acto ii) • Fdc base das escadas. Quem mais? ao signor de spiga vi-o a ir para a sala do Bilhar. e estão todos, tirando evidentemente nós, os criados. Quando eu sair daqui vou acordar o mario e pôr a emilia a fazer-nos o pequeno almoço. se me quiserem seguir, tenham a bondade. estão todos prontos? [pausa] andiamo. [sai para o corredor] escolhas estão feitas? andiamo. [Luisa as diriGe-se ao saLão, K 54 páG. 28. aéLis diriGe-se ao Quarto de d’an- nunzio, K 53 páG. 22. Finzi diriGe-se ao seu escritório, K 52 páG. 18. dante diriGe-se ao Quarto de mario, K 51 páG. 12] t de L empicKa (acto ii) • Fdc J 50 • corredor Finzi Finzi interroga uma espectadora. Finzi: [vem páG . com uma espectadora do reFeitório, 8] seguiu o mario? [pausa J 49 para a resposta] reparou em alguma coisa anormal, alguma coisa fora do comum? [pausa para a resposta] muito obrigado pela sua informação. Farei chegar a certos ouvidos em roma a valiosa colaboração que deu ao partido. Bem, para que os seus amigos não suspeitem de nada, tenho de lhe pedir para gritar. Grite tão alto quanto puder. Grite. [a espectadora Grita . Finzi Grita ] espero que tenha aprendido: hoje são 11 de Janeiro de 1927. [Baixo] volte para o seu lugar. não fale a ninguém da nossa conversa. a ninguém. [introduz a espectadora no reFeitório e vai para o corredor à espera do púBLico, diriGindo-se depois ao seu escritório, K 52 páG. 18] 11 12 t de L empicKa (acto ii) • Fdc K 51 • Quarto de mario dante • emiLia • Finzi • mario mario abre o jogo a dante. dante: [entra vindo do corredor, J 49 páG. 10 e encontra mario no seu Quarto a tomar Banho] mario, já estás a tomar banho? mario: estás bom? dante: seis horas em cima, seis horas em baixo, o veneziano é assim. como a maré. mario: o Finzi esteve a vigiar-me o quarto. dante: porque é que tu não me salvaste do crocodilo? mario: porque tive medo. dante: tu estiveste na guerra, sabes lutar. mario: ele é a lei. dante: aqui não. aqui a lei é il comandante. mario: o Finzi faz relatórios… para roma. dante: conversa… il comandante faz relatórios melhor. mario: eu sou novo aqui. t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: é a minha vez de ser franco, mario. Quando um turista finge que é marquês, eu trato-o por senhor marquês. venezia é a cidade dos sonhos. mas aqui, mario, não podes fingir comigo. mario: eu não finjo. dante: não, meu amigo, tu mentes. tu pensas que eu sou estúpido. e não sou. a noite passada estavas bêbado. o vodka não é feito de uvas. Bate com força. sabias onde era a lota de uma cidade onde disseste nunca ter estado, citaste shakespeare, sabias o nome do ministro soviético: é muito para um simples chauffer… e é demais para um primo da emilia. mario: eu leio jornais! dante: sim, tu disseste-me, mas olha, mario, a visita do chicherin não veio nos jornais. ele veio secretamente de Genebra passar cá um dia. a imprensa não soube de nada. [mario não responde] tens de te ir embora já. mario: não posso. dante: como é que podes ter esperança? d'annunzio está velho; ele fica. mario: se ele conhecesse o nosso movimento, como nós estamos organizados… dante: ai agora já estão organizados? onde é que esta- 13 14 t de L empicKa (acto ii) • Fdc va a grande organização comunista em 1921? houve uma hipótese nessa altura, antes dos fascistas terem tomado o poder. mario: o partido estava envolvido em lutas intestinas com os socialistas. dante: ele já deixou a política. vai-te embora. ele é feliz aqui. mario: como é que ele pode ser feliz em italia? dante: cocaína. mario: e para os pobres? dante: não há alegria. mario: e tu? dante: tenho saudades de venezia, amo a emilia, odeio o Finzi, sirvo il comandante e penso pouco em mim. mario: então pensa nos outros. dante: e penso em quem? no meu pai, trinta e três anos a ser o representante do nosso sindicato e que foi morto pelos fascistas? mario: sim, pensa no teu pai, e nos outros todos! dante: eu só penso nos que assistiram; os amigos dele t de L empicKa (acto ii) • Fdc assistiram e não fizeram nada. são eles os outros, mario. não sonhes com a resistência das massas! o povo quer os camisas negras. em breve voltarão os cadeados aos portões dos guetos. mario: e porquê? porque homens como d'annunzio nos seduziram com uma fantasia infantil que não tinha forma, nem ideologia, nem moralidade, nem pensamento mas apenas um “Forza italia”. sem moralidade só nos resta a força bruta. dante: não deves falar assim com il comandante. se lhe falares, diz-lhe que sempre admiraste a sua perspectiva política. diz-lhe que, como homem de acção, ele deve saber no seu coração que agora é o momento de agir. Bajula-o. o que é que tu queres, exactamente? mario: posso confiar em ti? dante: confia no meu amor por emilia; se ela não estivesse envolvida, tinha-te denunciado quando chegaste. mario: Queremos levá-lo para o estrangeiro, para que denuncie o apoio que os ingleses dão a um regime que não é apoiado pelo povo italiano. dante: para onde? mario: inglaterra. dante: ele gosta dos ingleses, gosta dos cães deles. Lembra-o dos cães; a taça Waterloo é no mês que vem. 15 16 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: não vamos de férias. dante: tu não, mas se ele for… mario: ajudas-me? dante: não te traio. mario: não ajudas? dante: é ajuda bastante. se ele se for embora contigo, ficas tu com o meu trabalho, vais acordá-lo todas as manhãs e dizer-lhe como ele foi grande e eu volto a venezia para tomar conta da mamma. emiLia: [entra e para mario] Queres vir tomar o pequeno almoço? mario: o Finzi sabe… dante: [para emiLia] disseste-lhe? emiLia: a quem? dante: ao Finzi. disseste? emiLia: disse que o mario não era meu primo. dante: Foi tudo, emilia? emiLia: e disse-lhe que nós eramos amantes. t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: e são? emiLia: inventei uma história. dante: nada mais? emiLia: tens de te ir embora, mario. mario: não posso. dante: és procurado? eles sabem o teu nome? mario: si. dante: o Finzi é lento mas muito metódico. tens dois dias, no máximo três. Finzi: [entra vindo do seu escritório, K 52 páG. 21] mario, lembras-te da nossa conversinha? dante: capitano, estavamos para ir tomar o pequeno almoço. não quer vir connosco? Finzi: emilia, vai dar palha a esse burro. [emiLia saem para a cozinha, Quarto de mario, e dante L 56 páG. 40. mario e Finzi Ficam no L 55 páG. 35] 17 18 t de L empicKa (acto ii) • Fdc K 52 • escritório de Finzi de spiGa • Finzi de spiga trava Finzi e sabe por mussolini quem é mario. [Finzi entra no seu escritório vindo do corredor, J 50 páG. 11. de spiGa, com uma BeBida na mão, acende uma Luz. tem estado no escritório à espera de Finzi.] Finzi: o que é isto? de spiGa: estive à sua espera. porque é que não veio? Finzi: estive acordado toda a noite a vigiar o quarto do mario. de spiGa: Foi muito meritório da sua parte. Finzi: deixei-lhe um recado na minha secretária. de spiGa: [vai à secretária] “nario não é primo da emilia!” deduzo que pretendia dizer mario. [para Finzi] a letra “m” escreve-se com dois montinhos —para a próxima lembre-se do rabo da Luisa. Finzi: não faça— de spiGa: “eu” é que digo não faça! eu é que dirijo esta operação. você faz o que eu mandar e quando eu disser para você não fazer, você não faz. percebido? t de L empicKa (acto ii) • Fdc Finzi: se eu só fizesse o que me mandam, não tinha feito nada. vá beber, Francesco. é você que não está a ver com clareza. disse-lhe desde o primeiro dia que o mario era um subversivo. eu sei de política. você devia agarrarse à música. de spiGa: continue só a observar —mais nada. eu tomo as decisões. Finzi: não há tempo. velocidade. como é que pensa que chegámos ao poder? enquanto os comunistas e os socialistas estavam a discutir as regras, nós alcançámos a meta. velocidade. de spiGa: “chegámos ao poder porque tivémos a força de não fazer absolutamente nada”. mussolini, roubado de shakespeare. Lembro-lhe, aldo, que o partido tomou uma decisão a respeito de d'annunzio em 1924. com certeza que se lembra das palavras de mussolini sobre o assunto. Quais foram? Finzi: “se alguém tem um dente podre, ou o arranca ou o enche de ouro.” de spiGa: muito bem! Já me tinha esquecido que você agora é um admirador de il duce. mas lembra-se do ponto que ele realçou? é mais importante que as pessoas acreditem que o d'annunzio nos apoia do que desfazermo-nos dele e arriscar uma guerra civil. ele aqui não prejudica ninguém. Finzi: o homem está à espera da altura para agir. 19 20 t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: e você também. percebido? interrogue outra vez o mario. Faça a rotina desta vez… já sabe, a morada, o último emprego, etc. e aldo, não use um único músculo. tencionamos ir a Gardone esta manhã almoçar ao Grande hotel. Quando lá chegar, eu telefono para roma… e a emilia —foi a única que falou? Finzi: tive de usar a força. de spiGa: isso não me interessa. ela avisará o mario? Finzi: está demasiado assustada. ela tentou convencerme que eles eram simplesmente amantes mas ele não é um criado. de spiGa: eu sei reconhecer os da minha classe. Faça os interrogatórios estritamente na base das minhas ordens. e não me apareça à frente. se se voltar a sentar à minha mesa— Finzi: há três anos foi você que me pediu para se sentar à minha mesa. “o sub-secretário aldo Finzi vai recebêlo agora, signore.” e você parecia um gato assustado. peguei em si e apresentei-o quando eles nem sequer deixavam os aristocratas estar em roma. porquê? porque era divertido. porque dizia as coisas certas. e agora, que já não estou em posição de favorecer a sua carreira, aproveita todas as oportunidades para me ofender. porquê? Luisa? cortejei a Luisa durante dois anos. Francesco, porque é que me faz isto a mim? t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: nós temos de trabalhar juntos porque mussolini assim o quer, não porque eu o queira. no entretanto, é você a obedecer-me. vamos fazer um bom trabalho, limpinho, e vamos levá-lo direitinho até ao fim. [terminando o coGnac] acho que mereço outro cognac, não lhe parece? [Finzi ao Quarto de mario, cumprimenta de spiGa e diriGe-se K 51 páG. 17. de spiGa retriBui o cumprimento de Finzi e vê-o sair. Quando Fica só, diriGe-se ao teLeFone] roma 3135 [pausa] Luciano, ele está aí?… Benito? Francesco… de spiga. [ri] Gostaste do concerto? [pausa] Julgava que já tinha chegado a altura de te tornares um pouco mais aventureiro. [pausa] há uns arpejos no allegro que estão um bocado complicados de mais —aliás, o violino nem é o meu instrumento, mas podemos fazer uns ajustes… claro… não te preocupes com os harmónicos, eles dão bom efeito, mas não são essenciais. [pausa] sim, mas não precisão militar, Benito. [ri] cinco por quatro não é um tempo de marcha. [ri. pausa] não. não tenho feito muito… não é o Gabri o problema, é o Finzi. arranjou uma obsessão por um tal mario pagnutti… é o … sabes sempre tudo. [ri repente Fica sério] e de devo fazer alguma coisa ou… uh… percebo… [pausa] o quê? o mario é filho do duque de milão? é comunista? mas o duque é fascista. extraordinário! sim. sim. passagem livre para nice. como é que sugeres que eu o lá ponha… se ele se recusar? [pausa] muito bem. Bom, acho que vou beber mais um pouco do cognac do Gabri… sim, do teu cognac, claro. [ri] ciao. [desLiGa o teLeFone e aGarra no copo vazio] Que simpáticos que nós estamos. [sai para o saLão, L 57 páG. 49] 21 22 t de L empicKa (acto ii) • Fdc K 53 • Quarto de d’annunzio aéLis • d’annunzio aélis convence d'annunzio a ver carlotta dançar. [d’annunzio está deitado na cama, de roupão. aéLis entra, com uma moLhada de Facturas] aéLis: Bom dia. d’annunzio: dizes isso como se fosse uma desgraça, aélis. aéLis: aquele imbecil do dante não me acordou. não fui fazer os exercícios com a carlotta. d’annunzio: eu não dormi nada. aéLis: esteve a escrever ou com insónias? d’annunzio: Quero vidros mais grossos em todas as janelas… continuo a ouvir o trânsito… mas não parecem ir para lado nenhum… era só o som dos carros a trabalhar… homens a dar ordens… havia luz à entrada do portão. aéLis: provavelmente esteve a sonhar com a guerra. d’annunzio: não. era a realidade a penetrar pelas frin- chas. Lembras-te quando ainda podiamos sonhar, aélis? o meu sonho era escrever um único volume em prosa que t de L empicKa (acto ii) • Fdc se tornasse num grito de guerra para o povo latino. aéLis: Já o gritou. d’annunzio: não. houve uma chispa em Fiume, talvez mesmo uma pequena chama… mas agora, é tudo fumo. [tira as Facturas da mão de aéLis] trazes-me contas… [dando uma vista de oLhos peLas Facturas] paguei isto tudo pelo vestido que ela usou a noite passada? aéLis: ainda não o pagámos. d’annunzio: Fortunny diz que precisa do dinheiro— aéLis: estamos cinco meses atrasados. d’annunzio: murinni… não pagues esta, o vaso vinha rachado. pratesi— aéLis: Falou com mussolini? d’annunzio: aélis, disse-te para pagares esta o mês pas- sado— aéLis: não temos dinheiro. d’annunzio: passei as minhas mais fabulosas noites de amor entre estes lençois— aéLis: custam 10.000 liras cada um. d’annunzio: manda vir mais duas dúzias. 23 24 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: Gabri— d’annunzio: ouve-me! [pausa] há sete anos comandei trezentos homens em Fiume. ocupei o território que os ingleses nos tinham prometido se entrassemos na guerra, território esse que os nossos diplomatas em versailles tiveram medo de pedir… e nesse território e no coração do seu povo, eu construí uma nova ordem baseada no heroísmo e no talento… não na opulência, nem no sangue, nem no poder. dei ao povo uma constituição, que garantia a igualdade das mulheres, protegia os idosos, dava assistência médica gratuita… aéLis: [em coro] …que garantia a igualdade das mulheres, protegia os idosos, dava assistência médica gratuita… não podiamos ter um dia que não começasse com esse arrazoado? d’annunzio: e como é que eu devia começar? Queres que digam daqui a cem anos: “d'annunzio?… ah sim, era um grande decorador de interiores!” aéLis: [acaLmando-o com um aBraço] Gabri… eu estava lá… ainda não chegou a sua altura… tem de esperar… como é aquela sua frase? “Bendito seja aquele que esperando e acreditando não desperdiça as suas forças, mas preserva-as, com disciplina guerreira.” [aéLis e d’annunzio BeiJam-se. Quando d’annunzio começa a Ficar demasiado excitado, aéLis aFasta-se] Gabri, eu tenho que fazer. não, não, não, t d’annunzio: de L empicKa (acto ii) • Fdc traz a defelice cá a casa e mostra-lhe essa nova habilidade que fazes com a lingua. aéLis: não me diga que já desistiu de tamara. d’annunzio: não sei… a indecisão dela irrita-me. e tu com a carlotta? aéLis: [emBaraçada] deu-me ontem um beijo delicioso mas não vou a lado nenhum até lhe dar a tal recomendação. d’annunzio: não posso comprometer a minha opção estética só para tu poderes ir para a cama com ela. aéLis: e porque não? vai-se deixar retratar só para— d’annunzio: uma rapariga como a carlotta não devia ir para paris. aéLis: ela é boa. d’annunzio: a bondade não tem lugar na dança. ela devia era tornar-se missionária. uma rapariga como ela devia era andar a tratar dos pretinhos que estão a morrer de fome. não é uma recomendação que ela precisa, mas sim de uma auréola. aéLis: Gabri, por favor. a isabelle precisa da sua recomendação. d’annunzio: [Levanta-se da cama, despe o roupão e 25 26 t de L empicKa (acto ii) • Fdc veste o casaco] ah, então é essa a tua obsessão… isabelle. aéLis: eu queria dizer— d’annunzio: entristeces-me, aélis. pensei que tinhas deixado de ver a isabelle em cada virgem que entra por aquele portão. aéLis: e deixei. há algumas semelhanças físicas, admito, mas a carlotta é completamente diferente. d’annunzio: a isabelle morreu. um amor que morre é uma coisa sagrada; tu deprecias a sua memória confundindoa com a carlotta. aéLis: eu não a confundo com a carlotta. Foi um lapsus linguæ… d’annunzio: eu não acredito naquilo a que tu chamas lapsus linguæ porque eles revelam as verdadeiras inclinações. Bom, vou ver essa estúpida dança da rapariga. só espero que ela tenha o cérebro nas pontas dos pés. [sai para o saLão, seGuido por aéLis] aéLis: na verdade o que está é ciumento… tem medo de lhe dar a recomendação e que eu vá com ela para paris. d’annunzio: eu confio em ti. esta é a tua casa. aéLis: eu sei. não volto com a palavra atrás. são só uns dias— t d’annunzio: de L empicKa (acto ii) • Fdc e acabou-se? aéLis: acabou. prometo. [cheGam ao saLão] d’annunzio: ora vamos lá então à parte dolorosa. [aéLis e d’annunzio entram no saLão, L 57 páG. 49] 27 28 t de L empicKa (acto ii) • Fdc K 54 • salão carLotta • Luisa • tamara Luisa e carlotta discutem sobre estrangeiros. [Luisa entra vinda do corredor de J 49 páG 212. tamara está a Fazer um esBoço em carvão de carLotta Que Faz exercícios de dança] tamara: Bonjour. L uisa: [sorri para tamara . FaLa para carLotta ] Levantou-se cedo. carLotta: para a minha família, cedo significa antes do sol nascer. ainda estão a pensar ir a Gardone? Luisa: se o Francesco acordar. carLotta: o tio Guido também era assim. dormia, dormia, dormia. costumava dizer que dormir era o único acto verdadeiramente talentoso. o que é que ele quereria dizer com aquilo? engraçado, o tio Guido. Foi horrível quando ele morreu. eu pensava que ele estava a dormir. e eu abanava-o, abanava-o. “acorda, tio Guido, acorda!” pobre tio Guido. Luisa: [depois de uma pausa oLha por cima do omBro de tamara para ver o esBoço] tem estado a desenhá-la. madame de Lempicka t de 29 L empicKa (acto ii) • Fdc carLotta: diga-lhe para não o fazer. Luisa: devia sentir-se honrada. ela é muito boa. carLotta: diga-lhe para parar! Luisa: não sei falar francês. [carLotta saca a FoLha a tamara e oLha para eLa] tamara: vous pouvez l'avoir si ça vous plait. carLotta: não odeia estrangeiros, Luisa? [rasGa o papeL] Luisa: carlotta! rasgou a obra de arte dela. carLotta: odeio estrangeiros Luisa: então porque quer ir para paris? carLotta: para estudar. Luisa: pensa que pode aprender com pessoas que odeia? carLotta: eu odiava o meu professor de ballet —era judeu. Luisa: Judeu italiano ou judeu estrangeiro? carLotta: a Luisa é muito esquisita! 30 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: conversou com o Finzi sobre esse assunto? carLotta: o que é que há para conversar? todos os judeus são estrangeiros. Luisa: você é uma criança odiosa. deve ser difícil dançar com tanto ódio na cabeça. Julgava que as raparigas da província como você estivessem libertadas disso. carLotta: eu não sou uma rapariga de província. eu sou uma mulher moderna. Luisa: só na aparência. diga-me, signorina Barra, como é que as mulheres modernas conciliam arte com intolerância? porquê mover o corpo se a cabeça está parada? [Luisa aGarra carLotta Fazendo-a cair no chão] carLotta: não compreendo. está zangada. não compreendo. Luisa: a quem? a mim? à tamara? aos judeus? Quem é que não compreende? carLotta: está a gritar comigo. Luisa: Quer compreender? carLotta: [perto das LáGrimas] mas não é assim? o papá diz que os judeus baixaram os juros. Que são maus para os nossos bancos. se o papá só tiver seis por cento de rendimento não pode mandar-me para paris. t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: e o que é que os polacos fizeram aos juros? carLotta: Luisa, por favor, não se zangue. porque é que é errado não gostar dos estrangeiros? nós somos italianas. a italia não é o maior país do mundo? Luisa: césar já morreu. carLotta: mas il comandante está vivo, e il duce e o papa. Luisa: [aGarra num pedaço do esBoço rasGado] nunca será uma bailarina moderna. pode mexer-se, mas não é livre. tem um muro à sua volta. não pode aprender ou comunicar se transformar o mundo em pedaços de papel. carLotta: [chorando] porque é que tão cruel para mim, Luisa? Luisa: Qual é a bondade que a leva a pensar tão mal dos outros? a das freiras? carlotta, tem uma oportunidade para ser grande, uma oportunidade que eu também já tive; agarre-a. tem a sua arte. pare de olhar para deuses que se adoram e para demónios que se detestam. carLotta: eu não olho, eu não olho! Luisa: então não me fale do il comandante ou do mussolini. se quer dançar, dance. não por italia, ou por outro país, mas pela dança. carLotta: il comandante escreve pela italia. 31 32 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: o quê? diga-me o que é que ele escreveu nos úlltimos cinco anos? dez anos? é demasiado nova para perceber. abandonei a minha carreira para seguir o Gabri em Fiume. os jovens aderem sempre a movimentos, mas os movimentos continuam a marchar —e um dia acordamos abandonadas… velhas e sózinhas. hoje em dia, quando eu toco, há dedos nas teclas… [Baixo] mas não há música. é demasiado tarde para mim, talvez sempre o tivesse sido. o meu pai era tão italiano que eu não podia tocar Bach lá em casa. o pobre do Gabri pensa que eu consigo tocar debussy. eu também quis ir estudar para paris, mas o meu pai arranjou maneira de mo impedir. carLotta: o meu papá quer que eu vá. Luisa: enquanto disser “sou italiana” antes de dizer “sou bailarina”, não faz sentido ir. pavlova não era uma bailarina russa, era uma bailarina. eu não quis ser uma pianista italiana, ou uma mulher pianista, só quis ser pianista. [para tamara] concorda comigo? oh! você não percebe. tamara: comment? (como?) Luisa: uh. sabe falar francês, carlotta? carLotta: só os termos de dança. Luisa: [tentando FaLar em Francês] non, est une artiste, si, oui? une artiste être, t de L empicKa (acto ii) • Fdc tamara: naturellement, oui. (naturalmente, sim.) Luisa: ce n'est pas un… como é que se diz? ce n'est pas une questão… tamara: Question? (Questão?) Luisa: oui, une question de… nacionalidade. tamara: La nationalité? non, je suis polonaise. J'habite à paris. maintenant je suis en italie. pour l'artiste, le monde entier est sa patrie et sa patrie son art. c'est un pays que l'on apelle Liberté. vous comprenez? (a nacionalidade? não, eu sou polaca. habito em paris. agora estou em itália. para o artista, o mundo inteiro é a sua pátria e a sua pátria é a sua arte. é um país que se chama Liberdade. compreende?) Luisa: oui, non. [indica Que perceBeu um pouco] carLotta: o que é que ela disse? Luisa: não sei bem. carLotta: está a ver, nem consegue falar com os estrangeiros. o papá diz que eles nos andam a roubar há demasiado tempo. agora temos de reaver o que é nosso. Luisa: a cultura não é vestir bonecas, carlotta. não se pode pedir a Lizt para tirar o sabor italiano às suas “pelerinages”. 33 34 t de L empicKa (acto ii) • Fdc carLotta: às suas quê? Luisa: o que eu estou a dizer é que a sua principal responsabilidade é dançar. carLotta: não. primeiro, deus nosso senhor, depois o papá, e no fim a dança. Luisa: deixemos a conversa. dance simplesmente. [Luisa toca aproximadamente Quatro compassos e meio de “La marseiLLaise” para homenaGear tamara e continua com a vaLsa de chopin “op. dançar com chopin] cena continua em 70 #2”. carLotta começa a Frederic chopin. polaco. [esta L 57 páG. 49] t de L empicKa (acto ii) • Fdc L 55 • Quarto de mario Finzi • mario Finzi interroga mario. [Finzi e mario continuam de K 51 páG. 17] Finzi: mario, lembras-te da nossa conversa? tentei ontem à noite contactar com a tua última patroa, a principessa d'avignon. mario: ela passa o inverno em capri. Finzi: parece que não tem telefone. olha lá, mario, é esse o teu verdadeiro nome, mario? mario: si. Finzi: preciso de saber, mario, e tu tens de me responder com franqueza: és, ou foste, do partido comunista? mario: no. Finzi: devias saber, mario, que eu insisto com todos os meus amigos para me tratarem por capitano. um homem deve ser sempre identificado pela sua patente… ou pelo ser partido. volto a perguntar: és comunista? mario: no, capitano. Finzi: conheceste algum comunista? 35 36 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: no, capitano. Finzi: por três vezes negaste. [estende-Lhe um BLoco e uma caneta] Quero que me escrevas aqui o teu nome completo, a morada da tua família, a profissão do teu pai e qual foi o teu posto na tropa. mario: eu não sei escrever. Finzi: não andaste na escola? mario: no, capitano. Finzi: Falas bem demais para quem nunca andou na escola. mario : o meu capitano na tropa era um visconti. aprendi a falar como ele. Finzi: a morada da tua família é… mario: via emanuelle Filiberto, nº 15, perto de santa scala. conhece roma? Finzi: a embaixada Britânica é lá perto, não é? mario: a maior parte das embaixadas são lá perto, mas da cave não se conseguem ver. Finzi: profissão do teu pai? t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: era padeiro. Finzi: ah, já morreu? mario: há dois anos. Finzi: a tua mãe ainda vive nesta morada? mario: si, capitano. Finzi: o teu posto? mario: cabo. Finzi: Quando é que foste desmobilizado? mario: em 1917, com um ferimento grave. Finzi: Lutarias outra vez por italia? mario: eu lutarei sempre para salvar a italia. [pausa] esteve na guerra, capitano? Finzi: isso não tem importância. e agora esse visconti… mario: o meu capitano na guerra. Finzi: Foi morto? mario: si. Finzi: o nome dele era… 37 38 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: mas ainda agora o disse… Finzi: diz outra vez! [pausa] há quem ache que eu sou lento: eu não sou lento, mario. confirmo. e então qual é que era o primeiro nome do capitano visconti? nos arquivos do exército aparecem três viscontis. mario: mario. Finzi: como tu. mario: Foi por isso que nos conhecemos. alguém chamou “mario” e ambos respondemos. e depois atirámos a moeda ao ar, e eu perdi. e por isso passaram a chamarme pelo apelido, pagnutti. Finzi: porque é que eles não lhe chamavam capitano? mario: ele não deixava. Finzi: como é que ele morreu? mario: Foi condenado à morte por um tribunal militar. Finzi: e foi esse homem o teu modelo? mario: ele salvou-me a vida! Finzi: nada em que se possa ter orgulho. ele desobedeceu a uma ordem! t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: estávamos numa posição exposta. ele levou-nos de volta para as trincheiras. Finzi: isso não é desculpa para retirar. mario: a nossa linha caiu! [caLmamente] se tivesse estado na linha da frente, saberia que ele fez a coisa certa. Finzi: mas então explica-me: como é que esse teu capitano mario visconti, depois de morto, te recomendou para trabalhares para a principessa d'avignon? mario: eu fui desmobilizado antes de ele ir a tribunal. Finzi: não é estranho, mario, que o teu capitano mario visconti nunca tenha ido a tribunal? terá fugido? mario: eu chamo-me mario pagnutti. Finzi: e a polícia anda agora à procura desse mario visconti, implicado no rebentamento de uma bomba em padua e no assalto a um banco em turin. mario: eu tenho que fazer. [vai para sair] Finzi: o quê? mario: Já tem os meus dados. Finzi: Que vão ser confirmados. e quando chegarem, reconfirmá-los-ei. [saem para o saLão, L 57 páG. 52] 39 40 t de L empicKa (acto ii) • Fdc L 56 • cozinha dante • emiLia emilia faz a barba a dante e falam da vida deles. dante: [sai do Quarto de mario com emiLia, K 51 páG. 17, em direcção à cozinha] eu vou-me embora, emilia, vais ver. ou então mato-o. porque é que il comandante o aceitou? Governávamo-nos muito bem sem ele. emiLia: o Finzi veio para ficar. dante: eu não! porque é que não pode ser como em venezia? emiLia: e tu a dares-lhe com venezia, dante. os canais cheiram mal. os ratos são maiores que os gatos. cada moléstia que acontece na europa começa em venezia. e o que é que nós lá iamos fazer? aqui ganha-se mais. dante: eu não. não tenho o teu equipamento. não posso fazer trabalho extra. emiLia: il comandante precisa de ti lá em cima. dante: ele já está acordado? emiLia: Faz a barba primeiro. [dante tira os utensíLios de Fazer a BarBa de uma prateLeira e enche uma púcara de áGua. emiLia arruma a Loiça] do tu choravas, emilia. Lembro-me de quan- t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: só se foi quando nasci. dante: o dinheiro não te interessava. Quando chegaste, só tinhas um vestido. aélis não te queria, lembras-te? mas arranjaste o emprego porque o dante disse a sua alteza que tu tinhas os olhos de uma grã-sacerdotiza romana. emiLia: não me lembres isso. dante: aqui toda a gente quer esquecer. Bons tempos, esses. emiLia: Quem é que se consegue esquecer? estamos rodeados pelo passado. tu e il comandante vivem-no. as coisas mudaram, dante. mudaram. dante: eu só tenho uma devoção, emilia. [corta-se na cara] emiLia: toma atenção. estás a fazer a barba. dante: como é que tu podes deixar que o Finzi te mexa? emiLia: dá cá isso. [tira a navaLha a dante para o BarBear] senta-te. preciso do dinheiro. dante: um fascista. emiLia: Grande diferença —os homens são todos uns porcos. 41 42 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: podiamos ter casado. emiLia: eu sou católica, não sou judia. dante: houve uma altura em que podias ter-te convertido, antes de teres dado em puta. emiLia: [mostrando-Lhe a navaLha] estás a ver isto? é uma navalha! dante: da primeira vez que me barbeaste, quase que me cortaste a garganta. emiLia: espirraste. dante: estava constipado. Foste tu que quiseste que eu mergulhasse no Grande canal. emiLia: como il comandante. dante: tem de ser tudo como il comandante? emiLia: Quem é que quis que eu lhe rapasse o cabelo? dante: um bêbado! emiLia: não estavas nada. dante: estava sim senhor. emiLia: Lembro-me dos poemas que me costumavas t de L empicKa (acto ii) • Fdc escrever. dante: não escrevia nada, emilia! emiLia: [rindo e recitando] “o teu peito navega tão suavemente como as gondolas de san marco”. dante: ensinei-te a andar calçada. emiLia: [continuando] “a minha mão estende-se, tu foges, eu vomito”. dante: e vomito outra vez se não parares com isso. emiLia: eras tão engraçado. dante: eramos ambos… inexperientes. um homem fica mais velho. Gostava de ser sensato, como o meu pai. tornei-me sensato? emiLia: não. dante: não, acho que não. se os homens sensatos são felizes, então eu sou… doido. nessa altura as coisas pareciam possíveis. pensávamos que nos íamos tornar num conde e numa condessa. emiLia: eu continuo a pensar. dante: a dormir com o Finzi? emiLia: dante, eu não tinha escolha. ele sabe do mario. 43 44 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: Filho da puta! [pausa] porque é que trouxeste o mario para cá? il comandante não vai. emiLia: eu não sei o que é que ele quer. disseram-me que era só para conversar com ele. dante: ele quer que il comandante vá para inglaterra. emiLia: e nós? e eu? o meu emprego. dante: ajudá-lo a fugir —é uma acusação séria. emiLia: a defelice disse que era só para conversarem. dante: a putana privada de il comandante é comunista? e mais quem? emiLia: eu não sei de nada. eles disseram que era só para conversar. il comandante irá, dante? dante: olha o meu nariz! emiLia: não sei fazer isto. [pousa a navaLha. dante Limpa a espuma Que Ficou. emiLia saca uma GarraFa escondida e BeBe] o que é que nós vamos fazer? dante: o que é que tu vais fazer!… emiLia: se ele se for embora, tu perdes o emprego. dante: venezia é linda nesta altura do ano. se o Finzi t de L empicKa (acto ii) • Fdc sabe do dinheiro, o mario está lixado. emiLia: dante, ajuda-me! dante: calma… o mal já está feito… emiLia: e se eu contar à Baccara? dante: estás lixada. emiLia: vou contar tudo ao Finzi. dante: desde que o Finzi não saiba do dinheiro, não acontece nada. nunca acontece. emiLia: ele não vai deixar passar desta vez. dante: ele contará à Baccara? essa coisa de tu e o mario serem amantes? emiLia: não… eu… não, se eu dormir com ele. dante: il comandante, o Finzi e quem mais? e se a aélis descobrir? —também vais para a cama com ela? emiLia: odeio-os a todos! [BeBe] dante: com mais um bocado disso passas do ódio ao esquecimento que é um instante. emiLia: eu nunca os vou esquecer. como não me esqueço da rapariga que fui. nós nunca fomos felizes, dante. 45 46 t de L empicKa (acto ii) • Fdc eu sei o que era: uma rapariga do campo. dante: e agora és uma mulher do mundo. emiLia: eu quero que a nossa filha seja uma senhora. dante: e por isso a puseste num colégio de freiras. emiLia: si, até eu ter uma vida melhor. dante: onde é que ela está? nunca me disseste. um homem tem o direito de saber. [emiLia não responde] tivémos uma oportunidade, emilia. as coisas podiam ter dado certo. emiLia: …para a filha de um gondoleiro? para que futuro é que ela podia olhar? pensas que me esqueci da tua mãe? à espera do teu pai todas as noites? sempre a rezar para que os fascistas não o apanhassem. dante: o sindicato tomou conta dela. emiLia: não me mintas, dante. eu sei que il comandante lhe manda dinheiro. é por isso que ainda cá estás, não é? não é por minha causa. dante: não seria assim connosco. emiLia: pois não, seria pior. muito pior. dante: Qualquer coisa seria melhor… do que ser puta. t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: hei-de ter uma oportunidade. sim, sofri muito, mas não me ponho para aqui a chorar. de alguma maneira me hei-de arranjar. hei-de arranjar um homem rico. dante: e a caterina? se engatares um homem rico, o que é que fazes dela? ele recebe-a? dá-lhe o nome? nunca serás a mulher de ninguém. Quem é que aqui vem a não ser uma meia duzia de velhos fascistas? emiLia: [chorando] não me interessa a idade dele. se ele tiver noventa anos, farei de menina. dante: e quando isto acabar? Quando já ninguém usar o preto a não serem as viúvas? emiLia: Fico com o dinheiro. dante: e a nossa filha? a minha caterina! achas que ela quer a tua herança? uma herança fascista? emiLia: pelo menos terá dinheiro. dante: dinheiro sujo. emiLia: Faço isto por causa dela. dante: podes sempre dizer isso. emiLia: todos somos umas putas, dante. deixa de andar nas nuvens. olha para il comandante —il duce é o dono dele. e a tamara —ela vai ter de o gramar se lhe quiser pintar o retrato. 47 48 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: o teu mundo é feio. emiLia: só há um mundo. dante : [corta um Limão] toma. Levanta o ânimo. [amBos mordem o seu Bocado de Limão] amarga? emiLia: não tanto como eu. [BeiJa-o] dante: vamos. [dante e emiLia diriGem-se ao saLão] hoje vai haver sol? emiLia: [rindo] Lembras-te? a caterina costumava perguntar-te isso todas as manhãs. dante: ela pensava que era eu que fazia o truque— emiLia: [imitando uma criança] papá, faz o sol brilhar. dante: era um bom truque. ia para a cama de noite e quando acordava de manhã, já o sol tinha nascido. emiLia: e depois choveu durante um mês. dante: mas ela continuou a gostar de mim, mesmo que eu não fosse lá um grande mágico. [pausa] eu não consigo fazer o sol brilhar, emilia, mas eu amo-te; casa comigo, por favor. [emiLia saLão, para não responde e amBos entram no n 61 páG. 59] t de 49 L empicKa (acto ii) • Fdc L 57 • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Finzi • Luisa • mario • tamara carlotta dança. [tamara, carLotta e Luisa continuam no saLão de K 54 páG. 34. de spiGa entra vindo do escritório de Finzi de K 52 páG. 21. d’annunzio e aéLis entram vindos do Quarto de d’annunzio de K 53 páG. 27. Luisa pára de tocar Quando d’annunzio entra] d’annunzio: então o anjo encantado sempre vai dançar? carLotta: agora? Quer que eu… posso… agora? Quer que eu dance? oh! comandante! [aBraça-o] desculpe. [emBaraçada peLa QueBra do decoro, Faz uma vénia] estou tão excitada. Finalmente! o que é que eu faço? Luisa, toca para mim? Luisa: sim. d’annunzio: [para tamara] et comme orfée, j’ai decen- du chercher ma euridice dans ce submonde. (e como orfeu, desci para procurar a minha euridice neste submundo.) de spiGa: deduzo que a querias encontrar em lingerie. d’annunzio: cala-te, Francesco! sabes bem como odeio a voz de um homem pela manhã. 50 t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: [para Luisa] Que linda blusa… Luisa: está muito chic. d’annunzio: [para tamara] certaines femmes ont laissé une impression, une image, une trace. vous seriez la première à laisser un portrait. (algumas mulheres deixaram uma impressão, uma imagem, um traço. você será a primeira a deixar um retrato.) aéLis: claro, Gabri, ela é pintora. d’annunzio: não sejas óbvia, aélis. [para tamara] Le portrait, madame. [d’annunzio e tamara vão para sair] aéLis: comandante, a dança. d’annunzio: sim, claro. [para tamara] La petite veut danser pour moi. (a miúda quer dançar para mim.) carLotta: Luisa, toca-me “o milagre”? d’annunzio: aélis, senta-te ali. Luisa, vai para o piano. e tu, Francesco, arranja um assento. [seGredando a tamara] vous avez peut être bien fait de me faire attendre. (talvez tenha feito bem em me fazer esperar.) Luisa: dites non. d’annunzio: il y a un moment où attendre est le ferment de l’amour… (há um momento em que esperar é o fermento do amor…) t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: dites non. d’annunzio: …mais il y en a un autre, pas moins évident… (…mas há outro, não menos perceptível…) Luisa: dites non. d’annunzio: …où attendre peut devenir un enfer. (…em que esperar pode tornar-se um inferno.) [vai Luisa, aGarra-Lhe na mão e seGreda-Lhe] não desistes. [voLtando-se Junto de parto-ta se para carLotta] pronta, carlotta? c arLotta: [Fazendo um úLtimo exercício ] si, comandante! [Luisa toca dois compassos de “miLaGre” de carLos dâmaso] espere, Luisa. Luisa: [pára de tocar] não posso tocar isto! [Levantase] carLotta: a Luisa prometeu-me. Luisa: não posso. d’annunzio: Luisa, não nos faças suportar as marteladas do Francesco. de spiGa: [ternamente] vai-te sentar, Luisa; eu trato da parte díficil. [vai para o piano] carLotta: mas prometeu. 51 52 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: porque é que têm de ser os artistas os únicos a cumprir promessas? aéLis: podemos começar? carLotta: Grazie, signore. Grazie. esta é a história do milagre de santa catarina de siena. de spiGa: [senta-se ao piano. Finzi e mario estarão a entrar vindos do Quarto de mario, de L 55 páG. 39. de spiGa toca e canta a canção Fascista “Giovinezza, Giovinezza”. todos riem excepto aéLis e carLotta] Giovinezza, giovinezza… carLotta: signore de spiga, isto é muito importante para mim. o senhor pode ter muitas influências, ter muitos amigos importantes… aéLis: comandante! por favor. Faça alguma coisa. de spiGa: desculpe, minha querida carlotta, mas esque- ci-me que nem todos os eventos culturais têm de começar obrigatoriamente com este hino. [entretanto, Luisa vai Junto do coGnac e serve-se de uma BeBida. oLhando para tamara, arranca dramaticamente o seu Fio do pescoço e deita o medaLhão na BeBida. tamara reparou em tudo] d’annunzio: une plaisanterie personelle. (uma piada.) carLotta: muito obrigado. o milagre de santa catarina t de siena. [FinaLmente, “miLaGre”. de L empicKa (acto ii) • Fdc carLotta começa a dançar o cerca de dez compassos depois, tamara Levanta-se e sai do saLão para o corredor em direcção ao átrio. d’annunzio seGue-a. começa m 58 páG. 54. a dança de carLotta é de uma inGenuidade virGinaL e é dançada de Forma a dar um eFeito cómico. durante a dança, Luisa continua a BeBer. a cena continua no saLão em n 61 páG. 59] 53 54 t de L empicKa (acto ii) • Fdc m 58 • átrio d’annunzio • tamara tamara rejeita d'annunzio. d ’annunzio: [seGuindo tamara Que saiu do saLão durante a dança de carLotta, de L 57 páG. 53] Qu’y a- t-il? Que s’est-il passé? c’est à cause de sa danse? (o que foi? o que é que aconteceu? Foi a dança dela?) tamara: Je ne peux pas accepter la manière dont vous faites souffrir Luisa. (não posso aceitar a forma como atormenta a Luisa.) d’annunzio: c’est elle qui se fait mal. croyez-moi, cela n’a rien à voir avec nous. (ela é que se atormenta a ela própria. acredite-me, aquilo não tem nada a ver connosco.) tamara: elle a laissé son art pour être avec vous et maintenant que vous l’avez utilisée, vous la gardez dans ce… dans ce musée. (ela deixou a sua arte para estar consigo e agora que já a usou mantém-na aqui neste… neste museu.) d’annunzio: Je l’ai utilisée? ce n’est pas ce que vous alliez faire avec moi? vous êtes venue ici paindre le portrait d’un grand homme, dans l’espoir de devenir célebre à mes dépens. (usei-a? não era isso que ia fazer comigo? veio cá para pintar o retrato de um grande homem, na esperança de ganhar fama à custa da minha.) t de L empicKa (acto ii) • Fdc tamara: Je l’admets— non. ce n’est pas la vraie raison. J’avais l’espoir de trouver en vous quelqu’un avec qui je puisse partager ma… non, je ne voulait pas dire philosophie— quelqu’un qui comprendrait ce que j’essaie de peindre, quelqu’un qui— (eu admito— não. não é essa a verdadeira razão. esperava sinceramente encontrar em si alguém que pudesse partilhar a minha… não queria dizer filosofia —alguém que sentisse, que percebesse o que é que eu tento pintar. Que—) d’annunzio: nous n’allons pas inventer une philosophie de l’art. pour moi il me suffit de dire: l’histoire de la culture se résume à un mot: ouuui! J’adore ce mot. (não vamos inventar uma filosofia da arte. para mim basta dizer: a história da cultura pode ser resumida a uma palavra —siiim! adoro esta palavra.) tamara: non. L’homme est arrivé lá où il est arrivé parce qu’il a dit non. La civilization a avancé en disant non à l’obscurité. (não. o homem chegou onde chegou porque disse não. a civilização avançou dizendo não à escuridão.) d ’a nnunzio : oui. sortons de cette pièce obscure. Laissez-moi vous emmener au lit où nous juirons de notre aura. (sim. vamos sair desta sala escura. deixe-me levála para a cama onde poderemos gozar da nossa aura.) tamara: vous n’avez pas entendu ce que j’ai dit? (não ouviu o que eu disse?) 55 56 t de L empicKa (acto ii) • Fdc d’annunzio: si vous n’en aviez pas envie, vous seriez par- tie la nuit dernière. allors, quelle est la vrai raison? vous avez peur de tomber enceinte? ne riez pas. en afrique j’ai appris le secret des pigmés: l’orgasme sans éjaculation. J’utilise mes fluides vitaux dans mon travail. ouvrez mes livres, ils sentent le sang et le sperme. (se não quisesse mesmo tinha-se ido embora a noite passada. então qual é a verdadeira razão? tem medo de ficar grávida? não ria. em africa aprendi o segredo dos pigmeus: orgasmo sem ejaculação. eu uso o meus fluidos vitais no meu trabalho. abra os meus livros, cheiram a sangue e a esperma.) tamara: Je ne veux pas attrapper la syphilis. (não quero apanhar sifilis.) [sai para o corredor para m 59 páG. 57] d’annunzio: sifilis? ela atreve-se a falar-me em sifilis? [começa a ter um ataQue de cóLera Que continua em n 60 páG. 58] t de L empicKa (acto ii) • Fdc m 59 • corredor tamara tamara auto-justifica-se. tamara: [sozinha, páG. no corredor, vinda do átrio, m 58 56] pourquoi sommes nous tous si vaniteux? J’ai blessé son orgueil —et le mien? il ne comprend pas que je ne puisse coucher dans un lit qu’il est encore tiède —peu m’importe qu’ils ne soient pas ensemble depuis des années —je ne peux pas jouir tout en sachent qu’elle souffre, qu’il souffre et ainsi de suite. J’ai l’impression d’être dans un opéra italienne. (porque é que somos todos tão vaidosos? Feri o orgulho dele — e o meu? ele não percebe que eu não me posso deitar numa cama que ainda está morna —não me interessa se eles já não estão juntos há anos —não posso ter prazer sabendo que ela sofre e ele sofre e por aí fora. sinto-me no meio de uma opera italiana.) [reentra no saLão para n 61 páG. 59] 57 58 t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 60 • átrio d’annunzio d'annunzio auto-enfurece-se. d’annunzio: [Foi deixado sozinho no átrio depois da saída de tamara. m 58 d'annunzio! [Fecha páG . 56] sifilis —ao Gabriele a porta] eu, que com palavras e obras purifiquei o phallus que era a italia da podridão e do seu provincianismo que o infectou durante quinhentos anos. eu, que agarrei a italia nas mãos e utilizei o seu sémen, a sua juventude, o meu semen, a minha juventude a propagar a nova ordem, fazendo a nova italia, pura e orgulhosa, voltar a pulsar pela esquecida paixão do império. eu, que fiz a europa cair de joelhos à vista de tão terrível membro latejando por tão singular objectivo e determinação. ela atreve-se a sugerir, a mim, que fui o progenitor de uma nação, que eu estou infectado? [chama] aélis! [pausa] Julga ela que eu sou um sultão árabe fora do harém? eu que sou o modelo do verdadeiro sedutor, o que trouxe dionysos para a secretária e as mais distintas mulheres da europa para a cama. [chama] aélis! aélis! [aéLis entra vinda do saLão, esta cena continua em n 62 páG. 67] n 61 páG. 60. t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 61 • salão aéLis • carLotta • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara Luisa obriga Finzi a assumir-se judeu perante carlotta. [aéLis, carLotta, de spiGa, Finzi, Luisa e mario continuam no saLão, de L 57 páG. 53. emiLia e dante entram vindos da cozinha, de L 56 páG. 48. carLotta acaBa de dançar. todos apLaudem. carLotta não aGradece os apLausos] aéLis: superbe! eu não fazia ideia. a carlotta dança melhor que a rubinstein. tamara: [entra páG. no saLão vinda do corredor de m 59 57] monsieur d'annunzio a un mal de tête affreux. (monsieur d'annunzio tem uma dor de cabeça) aéLis: uma dor de cabeça? mas ele nunca tem— Je verrai ce que je peux faire. merci, madame. (vou ver o que posso fazer. obrigado, madame) carLotta: a aélis disse que ele ia ver— e agora como é que eu vou ter a minha recomendação para diaghilev? aéLis: vai tê-la, carlotta, mas primeiro tenho de ir tratar da dor de cabeça de il comandante. carLotta: eu sei curá-las com uma massagem! de spiGa: não só sabe dançar, como sabe fazer milagres. 59 60 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: não quer ir pôr o seu vestido novo? vamos almoçar ao Grande hotel a Gardone. tem cinco minutos para se aprontar. [sai para ir ter com d’annunzio ao átrio, n 62 páG. 67] carLotta: vem almoçar connosco, capitano? Finzi: não posso, tenho um relatório para fazer. carLotta: Gostava de saber o que é que achou da minha dança. Luisa: surpreende-me que lhe interesse a opinião do Finzi, carlotta. carLotta: dou mais valor à opinião dos amigos do que à de estrangeiros. Luisa: mas segundo si, ele é um estrangeiro. Finzi: porque é que está a beber, Luisa? [esta não responde] carLotta: eu só falei das pessoas que— Luisa: ele é judeu, carlotta. não disse que todos os judeus são estrangeiros? de spiGa: isto é mesmo necessário? anda cá, Luisa… [Luisa não se move] t de L empicKa (acto ii) • Fdc Finzi: devia ir-se mudar, signorina. Luisa: [Baixo] diga-lhe. diga-lhe ou eu grito. Finzi: nunca o neguei. pois não, dante? [dante não responde] eu sou judeu. carLotta: [Baixo, para Finzi] nós beijámo-nos… por- quê? porque é que me levou a isso? Luisa: aquilo que a leva a si é o ódio. Finzi: Luisa, por favor. Luisa: eu também era assim, carlotta. mas ainda está a tempo de mudar. mude, carlotta. carLotta: [Baixo] tenho de me ir aprontar para o almoço. [carLotta sai para uma mudança rápida de roupa e reGressa mesmo antes de aéLis e de d’annunzio reentrarem, vindos de o 63 páG. 70. a partir daQui, a cena divide-se em três cenas simuLtâneas: mario, emiLia e dante Ficam Juntos em n 61a páG. 62. mais coGnac e Finzi diriGe-se-Lhe em Luisa vai Buscar n 61B spiGa voLta-se para FaLar com tamara em páG. 64. de n 61c páG. 65] 61 62 t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 61a • salão dante • emiLia • mario emilia confronta mario sobre inglaterra. emiLia: [para dante] olha a braguilha. [dante BraGuiLha. emiLia seGreda a mario] Fecha a como é que podes estar tão calmo? [mario não responde] o Finzi sabe mais do que pensas. mario: o quê? emiLia: era melhor ires-te já embora. mario: traíste-me? dante: cala essa boca. mario: Falo com il comandante e vou-me embora esta noite. emiLia: mentiste-me. dante: [aLto] claro que menti. não queria que andasses a fazer espalhafato por causa do meu aniversário. emiLia: vais levá-lo para inglaterra. dante: [aLto] uma camisa de inglaterra. mario: nós pagámos-te! t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: [aLto] pagaste muito caro. Luisa: dante, se têm de discutir, façam-no na vossa zona. dante: si, signora Baccara. emiLia: e eu? ainda acabo na prisão. mario: Faz como eu te disse e ficaremos todos vivos. dante: se não acabam com isso, quem dá cabo de vocês sou eu. [d’annunzio começa e aéLis entram vindos do átrio e o 63 páG. 70] 63 64 t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 61B • salão Finzi • Luisa Finzi propõe a Luisa partirem juntos para roma. Finzi: Luisa, o que é que se passa? nunca a vi assim. Luisa: [BeBendo Grandes GoLes] somos todos tão horrivelmente educados. il duce fala do caos, mas não é o caos que nos vai matar… vamos morrer de chá, aldo. iremos dizer sim signora, um farrapinho de leite e açúcar e uma bala na cabeça. Finzi: de que é que está a falar? Luisa: a carlotta fala de judeus e de estrangeiros como se estivesse a falar do tempo. ninguém repara nisso. nem mesmo tamara. ela pensa que é livre, mas o Gabri já a conseguiu enredar na sua rede… porque é que eu não posso ir… eu só me queria ir embora. Finzi: Luisa, tenho um assunto em mãos. um assunto que vai cortar as asas ao Gabri e que vai fazer de mim coronel. iremos juntos para roma, Luisa. você e eu. Luisa: Juntos? entre você, o Gabri e o Francesco eu ainda dou em doida. eu quero-me ir embora… sozinha… odeio esta casa! estas mãos! Finzi: tenha calma, Luisa. [d’annunzio e aéLis entram vindos do átrio e começa o 63 páG. 70] t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 61c • salão de spiGa • tamara tamara conversa sobre uma ida a nice. tamara: Luisa va bien? (a Luisa está bem?) de spiGa: un petit contretemps. Bon, et le portrait… vous avez pensée dans quel position le ferez vous? (uma pequena contrariedade. Bom, e a respeito do retrato… Já pensou na pose?) tamara: non. (não) de spiGa: Je suis sûr qu’avec le temps… (estou conven- cido de que, com o tempo…) tamara: malheuresement je dois être a nice la semaine prochaine. (infelizmente tenho de estar em nice na próxima semana.) de spiGa: a nice? (em nice?) tamara: oui, j’y ai du travail. pas aussi important qu’ici, il ne s’agit pas de peindre un poète mais un médecin, je crois. il faut bien gagner sa vie. (sim, há a possibilidade de um trabalho, não tão importante como um poeta; um médico, acho eu. precisamos de ganhar a vida.) de spiGa: parlez-moi avant de partir; j’y ai des amis. Le duc de milan, par exemple. (Fale comigo antes de ir; 65 66 t de L empicKa (acto ii) • Fdc tenho amigos lá. o duque de milano, por exemplo.) tamara: visconti? de spiGa: vous le connaissez? (conhece-o?) tamara: J’ai fait le portrait de sa femme. (pintei a mulher dele.) de spiGa: avec sa famille? (com o resto da família?) tamara: non, non, elle était à zurich avec des amis; je n’ai jamais connu sa famille. (non, non, ela estava em zurique com pessoas amigas; nunca conheci a família.) de spiGa: ah… vous savez ce que vous pouriez faire? demander à Gabri si mario pouvait vous accompagner à nice pendant quelques jours, pour être avec ce médecin, et en suite vous reviendriez. (ah… sabe o que podia fazer? pedia ao Gabri se o mario a podia levar a nice por uns dias, para estar com esse médico, e depois voltava…) tamara: Je ne peux penser qu’á un portrait à la fois, monsieur. (só consigo pensar num retrato de cada vez, monsieur.) de spiGa: Je vois. (estou a ver.) [d’annunzio entram e começa o 63 páG. 70] e aéLis t de L empicKa (acto ii) • Fdc n 62 • átrio aéLis • d’annunzio d'annunzio queixa-se a aélis de tamara. [d’annunzio está sozinho no átrio, de aéLis entra vinda do saLão, de d’annunzio: n 60 páG. 58. n 61 páG. 60] sabes o que é que ela me disse? aéLis: Foi muito cruel para a carlotta quando saiu no meio da dança. d’annunzio: nem quero acreditar. ninguém— aéLis: disse que a via dançar! partiu-lhe o coração, Gabri. d’annunzio: aélis, estás-me a ouvir? aéLis: estou, estou a ouvir. d’annunzio: ela teve a lata de me dizer a mim, Gabriele d'annunzio, que tinha medo que eu lhe pegasse a sifilis! eu, que pude escolher de entre todas as mulheres com título na europa! aéLis: ela disse-lhe isso? d’annunzio: a rubenstein disse? ou a duse?… 67 68 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: nenhuma, Gabri, nenhuma. d’annunzio: ou a Bernhardt, a nike, a isadora duncan? a emma visconti? aéLis: nenhuma, Gabri. d’annunzio: e as palavras, aélis. devias ter ouvido as maravilhosas palavras… os presentes— aéLis: Já gastou 150.000 liras com ela. a mulher é uma profissional. d’annunzio: não, ela é… ela é… mais do que isso! aéLis: é perversa! d’annunzio: [FeLiz com a paLavra] perversa. tenho de lhe chamar isso. perversa. aéLis: não vai fazer nada disso. vai voltar ao salão e dizer à carlotta que ela foi maravilhosa. d’annunzio: maravilhosa? a rapariga é uma desgraça. aéLis: não me interessa, Gabri. a tamara disse que o Gabri estava com dor de cabeça e a carlotta em vez de dizer que esperava que a dor de cabeça o matasse, perguntou-me se podia vir fazer-lhe uma massagem. agora vá ter com ela e diga-lhe que ela foi maravilhosa, para depois irmos almoçar a Gardone. t d’annunzio: de L empicKa (acto ii) • Fdc o que é que eu faço com a de Lempicka? aéLis: seja o que for, Gabri, faça-o depressa, por favor. estou farta de ter a casa em pantanas por causa dos pelos púbicos dela. [vai a uma Jarra com uma rosa, tiraa e dá-a a d’annunzio] Bom, se fizer a carlotta feliz… deixe-me realçar a palavra se… trago uma carta do dottore Barzini a dizer que não está infectado. d’annunzio: aélis, tu és maravilhosa. aéLis: diga isso à carlotta. venha. [saem para o saLão, o 63 páG. 70] 69 70 t de L empicKa (acto ii) • Fdc o 63 • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara d'annunzio oferece uma rosa a carlotta. [d’annunzio, com uma rosa, entra com aéLis, vindos do átrio, de de n 62 páG. 69. continuam dante, emiLia e mario n 61a páG. 63, Finzi e Luisa de n 61B páG. 64, de spiGa e tamara de n 61c páG. 66 e carLotta de n 61 páG. 61] d’annunzio: Quem é que sofe de dor de cabeça? é o mundo que sofre, não eu. carLotta: está melhor, comandante? aéLis: emilia, os casacos. mario, o automóvel. [mario sai para a rua peLa porta do iL vittoriaLe e reentra em o 64 páG. 72. Finzi seGue e reentra em o 64 páG. 73. emiLa sai para o átrio, o 64 páG. 72] d’annunzio: não teve importância. Fiquei subjugado pela sua dança, foi tudo. carLotta: vai recomendar-me? d’annunzio: se eu conseguir encontrar as palavras ade- quadas— de spiGa: se eu conseguir encontrar a música adequa- da… t de 71 L empicKa (acto ii) • Fdc carLotta: Grazie, comandante. o meu papá vai ficar tão orgulhoso. d’annunzio: [para carLotta, com a FLor] eis a minha carta de recomendação para si… devia colocar-lhe isto. mas onde? [vai para pôr a FLor na oreLha de carLotta] aéLis: [aGarrando [dá na FLor] a FLor a carLotta] com licença, comandante. temos de ir andando. [aéLis carLotta saem para o átrio, para e o 66 páG. 77] Luisa: sim, vamos. [Luisa sai e tamara seGue-a, para o 64 páG. 72] d’annunzio: Francesco, o que é aborreceu a Barracuda? ela nunca bebe. de spiGa: estou surpreendido por teres reparado. d’annunzio: Francesco, eu convidei-te para fazeres com que a Luisa se voltasse a interessar pela música e não para que ela se tornasse numa alcoólica. de spiGa: então deixa-me levá-la para longe daqui, para longe de ti. d’annunzio: nunca. Limita-te a levá-la a almoçar. Quero- a sóbria quando ela voltar. e Francesco, diz ao teu farmaceutico para me arranjar outra dose. [Gesto de inaLar cocaína. de spiGa sai para o átrio, para d’annunzio continua com dante, em o 64 páG. o 65 páG. 75] 72. 72 t de L empicKa (acto ii) • Fdc o 64 • átrio de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara partida para o almoço. [emiLia aJuda Luisa a vestir o casaco. tamara veste-se sozinha e vai a uma mesa escrever um BiLhete. vieram do saLão de o 63 páG. 71] emiLia: é muito cedo para começar a beber, signora Baccara. Luisa: é muito tarde. de spiGa: [entra vindo do saLão, de o 63 páG. 71] vai haver muito para beber no restaurante, Luisa. não tens de o levar contigo. [aGarra-Lhe no copo e coLoca-o na mesa onde tamara está a escrever um BiLhete] Luisa: Quero ir ao aérodromo… Francesco, vamos levar a tamara ao aérodromo. podíamos voar para longe. de spiGa: [mario entra vindo da rua na seQuência da sua saída do saLão, de o 63 páG. 70] duvido que um avião te consiga levar ainda para mais longe. não é, mario? mario: si, signore. de spiGa: [pedindo-Lhe as chaves] eu conduzo. t de 73 L empicKa (acto ii) • Fdc mario: tenho de lhe mostrar uma coisa na embraiagem; está presa. [saem para a rua. mario voLtará a reentrar na presente cena o 64 páG. 74. de spiGa voLta a entrar na seQuência da ida a Gardone, em Q 77 páG. 111. Finzi entra da rua na seQuência da sua saída do saLão, de o 63 páG. 70] Luisa: [BeBendo do seu coGnac Que está na mesinha] aldo, devolva-me a minha arma. Finzi: não, a Luisa— Luisa: não vou sem ela. Finzi: [tira para Fora um peQueno revoLver e dá-Lho] muito bem. agora meta-a na sua bolsa. e largue essa bebida. Luisa: [pousa o copo. para Finzi, antes de sair] Bang, bang. [sai para a rua seGuida por Finzi. voLta a entrar na seQuência da ida a Gardone, em reentra no átrio em Q 77 páG. 111. Finzi p 69 páG. 90] tamara: [acaBa de escrever um recado para d’annunzio: “aLLons, mon Frère, cédons à nos Bons instincts et emBrassons-nous, puisQue nous souFFrons, tous Les deux, pitoyaBLes… tamara”. (“vamos, meu irmão, cedamos aos nossos Bons instintos e aBracemo-nos, Já Que amBos soFremos, inFeLizes de nós… tamara) dá o recado a emiLia. mario reGressa do automóveL] monsieur d'annunzio. pour 74 t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: o quê? tamara: pour monsieur d'annunzio. emiLia: ah… si, signora. [aGarra no recado] tamara: merci… Grazie. [sai para Gardone. reentrará em Q 77 páG. 111. mario aproxima-se de emiLia no átrio, em o 67 páG. 79] t de L empicKa (acto ii) • Fdc o 65 • salão d’annunzio • dante d'annunzio faz perguntas a dante sobre mario. d’annunzio: páG. [continua com dante no saLão, de o 63 71] dante. dante: si, comandante. d’annunzio: não me acordaste esta manhã. dante: eu estive… o mario e eu estivemos a tentar diminuir a quantidade de vodka existente no mundo. d’annunzio: embebedaram-se os dois a noite passada? dante: é a melhor maneira de se ver venezia. d’annunzio: Fala-me do mario. dante: comandante? d’annunzio: tu não és tolo, dante. eu sei que tens a infelicidade de ver a realidade como ela é. por isso, dizme quem é realmente o mario? dante: isso ele não disse, mas pareceu-me ansioso para falar consigo. d’annunzio: só falar? 75 76 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: ele não lhe quer fazer mal, comandante. peçolhe, per favore, por favor, oiça-o e deixe-o ir embora… por causa da emilia. d’annunzio: da emilia? dante: si. d’annunzio: porquê essa mentira de eles serem primos? porque é que ela o ajudou? dante: dinheiro. talvez se lhe tivesse pago os ordenados dos últimos cinco meses, isto não tivesse acontecido. d’annunzio: mas nós somos uma famiglia. dante: eu compreendo, comandante, mas sabe muito bem como é a emilia, gosta de fazer compras, de comprar vestidos, quer parecer-se como a signora de Lempicka. d’annunzio: uma pavoa de chapéu. dante: Bella. [Faz um Gesto sexuaL, indicando as cur- vas deLa] d’annunzio: [Batendo-Lhe na cara de uma Forma amiGáveL] eh! Já chega. agora pira-te para os teus canais… e dante, vai arrumar o meu quarto. [dante Quarto de d’annunzio, para continua no saLão em p 70 p 68 páG. 80] páG. 94. sai para o d’annunzio t de L empicKa (acto ii) • Fdc o 66 • corredor e átrio aéLis • carLotta • emiLia carlota diz a aélis que se quer ir embora. aéLis: [diriGe-se saLão de com carLotta para a rua, vindas do o 63 páG. 71. no átrio vestem os casacos com a aJuda de emiLia] não foi um gesto maravilhoso de il comandante ter-lhe oferecido a flor? carLotta: aélis, acha que consegue que ele me passe a recomendação? aéLis: Logo que chegarmos. e então— carLotta: eu só quero ir para casa. aéLis: então que é isso, carlotta? pensei que ficava feliz por ter conseguido a sua recomendação. carLotta: o meu papá é que a quer. aéLis: e a carlotta? carLotta: o capitano Finzi é judeu, aélis. sabia? aéLis: com certeza. o que é que isso tem a ver… ele disse-lhe alguma coisa que a aborrecesse? eu falo com il comandante se— carLotta: não. é… o que estivemos a falar na noite 77 78 t de L empicKa (acto ii) • Fdc passada. aéLis: paixão? amor? é disso que está a falar? carLotta: eu estou a falar… meu deus, eu não sei do que estou a falar. é tudo tão confuso. santa catarina, ajuda-me. [corre para o automóveL] aéLis: oh meu deus. com tantas freiras neste país, será que não consigo ao menos uma? [aéLis e carLotta saem para Gardone. reGressam em Q 77 páG. 109] t de L empicKa (acto ii) • Fdc o 67 • átrio emiLia • mario mario fica com o recado que tamara deu a emilia. mario: [para emiLia, de o 64 páG. 74] emilia! tens um recado de madame de Lempicka. vi-a a dar-to. dá-o cá. emiLia: mentiste-me. mario: emilia, eu menti-te para te proteger. por favor. é esta a minha oportunidade, eu depois vou-me embora. emiLia: Leva-me contigo. mario: não posso. emiLia: o Finzi obrigou-me a contar-lhe da defelice. mario: meu deus. emiLia: [assustada] vamos ser todos presos… mario: pronto. eu levo-te comigo. mas tens de confiar em mim se queres sair daqui. emiLia: será como tu quiseres. [dá-Lhe o recado] mario: aguenta o Finzi. dá-me cinco minutos com o d'annunzio. cinco minutos. [BeiJa-a e vai para o saLão, p 68 páG. 80. emiLia Fica no átrio para p 69 páG. 90] 79 80 t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 68 • salão d’annunzio • mario mario convida d'annunzio a ir para inglaterra. mario: [entra vindo do átrio, de o 67 páG. 79 e chama] comandante. d’annunzio: [continua no saLão, de nando aLGuns dos seus Livros] o 65 páG. 76, exami- sssh. [Faz sinaL a mario para se aproximar e se pôr em Frente a eLe. mario oBedece e Fica caLado por aLGuns momentos] parece que ela voltou. mario: está a falar de quê, comandante? d’annunzio: há uma traça na minha casa. a espiar-me. sento-me e agarro na caneta para escrever, e aí está ela. mario: o Finzi? d’annunzio: não. [rindo] uma traça dos livros. [Lenta- mente diriGe - se a um Livro Fechado numa caixa ] penetrou no meu catullus, no sextus propertius, no ovídio… pensei que o petrarca a faria parar, afinal parou-me a mim. o homem é um cangalheiro… ela atacou-o logo! pensei que a podia confinar aos estudos, mas agora também anda por aí. mas ela não vai apanhar o meu maquiavel. está hermeticamente selado… uma primeira edição de il principe, publicado por antonio Baldo, roma, 1532. t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: e estará a salvo na caixa? d’annunzio: achas que não? mario: e se a traça entrou lá dentro? d’annunzio: na caixa? tu não conheces maquiavel. mario: um livro é para ser lido, não é? d’annunzio: os meus foram vividos. mario: então o que eu pergunto é o seguinte: para que é que serve um livro que está fechado dentro de uma caixa? d’annunzio: é uma primeira edição. mario: é exemplar único? d’annunzio: há trinta e sete. mario: se eu estivesse fechado numa caixa, acabava por morrer, não era? d’annunzio: pois morrias. mario: eu acho que esta casa… é uma grande caixa. d’annunzio: também o mundo. mario: tem sorte de só ter de se preocupar com traças 81 82 t de L empicKa (acto ii) • Fdc de livros. o meu capitano na guerra gostava de escrever. uma vez os canhões austríacos bombardearam-nos durante doze horas seguidas. não conseguia pensar em mais nada, e por isso escreveu sobre canhões; e os canhões calaram-se. d’annunzio: [Que continuou a vaGuear peLa saLa, aGarra noutro Livro] d'annunzio não escreve sobre traças! mario: mas se fosse contra alguma coisa— d’annunzio: denunciava-a. mario: a qualquer preço? d’annunzio: eu sou “o italiano”. mario: eu sou o chauffer. d’annunzio: só chauffer, mario? sabes porque é que eu encravei o puglia em frente da casa? mario: por ter sido um dos barcos que usou no seu assalto a split? d ’a nnunzio : o capitano do puglia era meu amigo. tommaso Gulli. Foi ferido durante o assalto. no hospital pediu para ver as feridas. Quando o médico lhe disse que podia morrer se as ligaduras fossem retiradas, ele resolutamente arrancou-as. deixa que este acto seja um exemplo para ti, mario, um exemplo para toda a italia, descobrir as feridas e enfrentá-las sem recuar. t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: e ele sobreviveu? d’annunzio: ele não tinha medo de morrer. mario: morreu. d’annunzio: [zanGado] sim. sim, meu idiota, morreu. Foi um dos que teve sorte. mario: mas o comandante tem outros amigos. o seu retrato acompanha sempre il duce. il duce gosta de si. cita os seus poemas. d’annunzio: os meus amigos morreram. mario: está disposto a descobrir as feridas? d’annunzio: [não responde; aBre o Livro Que traz na mão; tira a arma Que tem dentro] estou demasiado cansado para continuar a saltar sobre as metáforas como se elas fossem pedras a fazer richiochetes na água dum ribeiro. [aponta a arma a mario] o que é que tu queres? mario: comandante, madame de Lempicka pediu-me para lhe dar este recado. d’annunzio: tu não és chauffer. mas não vieste para me matar. por isso, volto a perguntar, o que é que tu queres? mario: o meu nome é mario visconti e quero a sua ajuda. 83 84 t de L empicKa (acto ii) • Fdc d’annunzio: o teu pai é o duque de milão? mario: é. d’annunzio: e a tua mãe é a emma? mario: tenho a certeza de que conhece ambos muito bem, mas eu tenho pressa. o Finzi sabe. d’annunzio: é muito bonita, a emma. sim. sim. consigo perceber as parecenças. os olhos. [poisa a arma] marchese mario visconti. então, o que é que quer que eu faça? mario: as pessoas que me mandaram querem que deixe italia. d’annunzio: porquê? mario : porque tem uma voz. Querem que vá para inglaterra. o seu amigo, o duque de connaught, pertence à câmara dos Lordes; tem influências no Governo. Juntos, podem acabar com os empréstimos britânicos que sustentam o regime de mussolini. d’annunzio: a sua mãe é inglesa; você conhece essa gente. porque é que precisa de mim? mario: eles não negoceiam com comunistas. d’annunzio: então você é comunista? t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: está disposto a juntar-se à nossa luta? d’annunzio: pela liberdade, sem dúvida nenhuma. mas deixe-me dizer-lhe, mario, que a liberdade é um vício sobreestimado. mario: em italia é uma virtude subestimada. d’annunzio: e quando é que a nossa cruzada pela liber- dade começa? mario: esta noite. d’annunzio: impossível. mario: esta noite. d’annunzio: as pessoas pedem-me sempre para lhes indicar o caminho. todos os anos há uma nova causa, um novo movimento. esta é a minha casa, jovem mario. o meu palácio de cristal. o ar aqui é limpo. mario: então porque é que ele me dá vómitos? d’annunzio: [zanGado] porque cada homem tem de car- regar a sua cruz! eu desprezo-o, jovem. mario: [recuando] tinha intenção de demorar o tempo que fosse preciso, levá-lo daqui para fora com calma, mas não há tempo. o Finzi está a escrever o relatório. e uma vez que me contratou, vai ser deduzido que o senhor 85 86 t de L empicKa (acto ii) • Fdc voltou novamente a colaborar com a esquerda. d’annunzio: eu não me envolvo em política. mario: o Finzi saberá convencê-los do contrário. d’annunzio: também tenho relações com roma. mario: é por isso que o fascista Finzi está à entrada desta casa? d’annunzio: um homem da minha posição precisa de protecção. mario: de quem? de quem? Lembra-se do 13 de agosto de 1922? Quatro meses antes de mussolini ter chegado ao poder, o senhor estava preparado por si só para avançar para roma. mas os fascistas empurraram-no daquela varanda abaixo! d’annunzio: caí! perdi o equilíbrio. mario: ou terá perdido a coragem? d’annunzio: Já dei o suficiente! não posso dar mais. mario: o senhor não deu nada. vocês “artistas” fartamse de chorar que não podem dar mais. Qu'est-ce que vous avez donné? c'est du faux! c'est de la merde! você inspirou uma nação com palavras, encheu-a com ideias de grandeza e glória mítica. “Forza italia!” gritava o senhor. e alimentava-nos com uma exótica dieta que mis- t de L empicKa (acto ii) • Fdc turava a roma clássica com portos modernos e comboios pontuais. mas a italia continua a morrer de fome. porque o senhor não deu nada. as suas palavras hipnotizam mas não alimentam. o que o senhor escreveu, a italia esquecerá. d’annunzio: posso sempre dar-lhe um tiro. mario: [zanGado] o senhor só pode dar aquilo que os fascistas lhe deram! d’annunzio: tenho esta arma. mario: pois tem. e pode tirar-me a vida, se quiser. mas não pode tirar-me a consciência. chegou a altura de escolher. há uma escolha que precisa de ser feita. diga sim… veja, o antonio Gramsci, no mês passado— d’annunzio: outro comunista! mario: …é um membro do parlamento eleito democraticamente —é meu amigo— o antonio Gramsci foi preso. todos os dias as liberdades são cerceadas. as únicas leis que passam são as que restrigem a liberdade. sabe muito bem estas coisas. esta não é a italia nova com que sonhou. porque eu estava lá em 13 de maio de 1915, na véspera do dia em que entrámos na guerra, quando discursou da varanda do capitólio. o senhor desmascarou o governo. chamou-lhes “palhaços com faixas tricolores, cujas atoardas desonram o chão sagrado de italia”. não é isso que o mussolini é?… um palhaço?… e eu aqui a dar-lhe sermões. não fui cá mandado para isso. eu parto 87 88 t de L empicKa (acto ii) • Fdc esta noite. preciso de uma resposta sua. d’annunzio: acha que os ingleses me iam ouvir? mario: acho! d’annunzio: depois de todos as coisas insultuosas que eu disse sobre o Lloyd George? mario: é o Baldwin que está agora no poder. d’annunzio: ai é verdade. [pausa] a eleanora duse enviou-me um telegrama mesmo antes da guerra, pedindo-me para trocar a arte pela política. eu disse simplesmente: “teria de mudar as asas”. tenho saudades de voar, mario. pensava fazer uma viagem ao Japão, mas julgo que inglaterra é um destino melhor. m ario : [estendendo o recado de tamara ] comandante, vim entregar-lhe este recado da parte de madame de Lempicka. d’annunzio: Lê-o. mario: [Lê] “allons, mon frère, cédons à nos bons instincts et embrassons-nous, puisque nous souffrons, tous les deux, pitoyables… tamara”. d’annunzio: por italia! [aBraçando mario] mario: por italia! t d’annunzio: de L empicKa (acto ii) • Fdc até logo à noite, jovem mario. mario: comandante. [mario cumprimenta e sai para o seu Quarto. Quando sai do saLão encontra Finzi no corredor em p 76 páG. 107. d’annunzio, depois de ouvir a discussão deLes, chama Finzi em p 76 páG. 107] 89 90 t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 69 • átrio emiLia • Finzi Finzi manda emilia revistar o quarto de mario. [Finzi veio da rua, de átrio, de o 67 páG. o 64 79. páG. 73. emiLia continua no emiLia aGarra num cesto de LaranJas e atira uma, convidativa, a Finzi] Finzi: de que é que tu e o mario estiveram a falar? emiLia: o dante pediu-me outra vez para casar com ele. [emiLia encosta-se convidativamente. Finzi BeiJa-a. emiLia acaricia Finzi, dá uma risada e acena para o seu Quarto. Finzi aGarra-a e, suBitamente, dá-Lhe um pontapé, o Que a Faz cair espaLhando as LaranJas] Finzi: emilia, o que é que tu disseste ao mario? contrariamente ao teu comandante, eu não me encolho quando uma mulher me impressiona. emiLia: só os homens lhe metem medo. Finzi: Bom, o que é que tu disseste ao mario? emiLia: disse-lhe para se ir embora. Finzi: tu queres desgraçar-me? ele não se pode ir embora! ele é a melhor coisa que me aconteceu. roma! o teu cérebro é capaz de entender o que eu estou a dizer? roma. t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: roma. venezia. vocês, homens, não me interessam. nem as vossas cidades! Finzi: roma não é uma cidade, é o meu futuro! emiLia: se o mario ficar eu não terei futuro. Finzi: não tens escolha, emilia. eu sou o teu futuro. Quer ele fique ou vá. tu trouxeste-lo para cá. eu levá-lo-ei… quando me convier. o que é que te acontece a ti? depende… emiLia: e aélis, e a Baccara?… vai pôr-nos a pedir na rua para pagar a sua passagem para roma? Finzi: pedi à Luisa para vir comigo. emiLia: nem ganha para lhe mandar afinar o piano. Finzi: [apontando as LaranJas no chão] Limpa isto! mussolini tinha dinheiro? o poder traz dinheiro. d'annunzio tem dinheiro mas não tem poder. ela irá. emiLia: [apanhando as LaranJas] aqui, ele tem poder. Finzi: aqui. no jardim. emiLia: e aélis? Finzi: será deportada para França. 91 92 t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: e… Finzi: tu, emilia? se ficares em liberdade, arranja-te com o dante. é o que ele quer e o melhor que podes esperar. emiLia: [Levantando-se] eu não preciso do dante. Finzi: [empurrando-a contra uma coLuna] o que é que ele sabe? emiLia: nada. Finzi: eu acho que ele sabe mais do que tu. emiLia: está enganado. Finzi: embebedaram-se ontem à noite. emiLia: o dante embebeda-se todas as noites. Finzi: eu apanhei-os. estavam a conspirar. tenho a certeza. eu depois trato dele. emiLia: [acariciando Finzi] ele não sabe nada. deixe-o de fora, aldo. ele pensa que o mario é meu amante. estivemos a discutir por causa dele esta manhã. Finzi: [empurrando-a novamente contra uma coLuna] eu sei como lidar com ele. Quanto tempo é que ele demora a limpar o quarto de il comandante? emiLia: porquê? [pausa] não sei. t de L empicKa (acto ii) • Fdc Finzi: és demasiado estúpida para te fazeres de ingénua. Quanto tempo? emiLia: dez minutos, sei lá. Finzi: vai revistar o quarto do mario. emiLia: e se ele aparece? Finzi: eu fico à espera dele. [cospe-Lhe LaranJa] uma casca de vai. emiLia: ele deve estar a chegar. Finzi: podia mandar-te prender por menos do que isto. [cospe-Lhe nova casca de LaranJa] vai. emiLia: o que é que eu vou procurar? Finzi: [cospe-Lhe uma terceira casca de LaranJa] vai! emiLia: onde é que eu procuro? Finzi: és tu que és a ladra. emiLia: eu não esconderia nada de valor no meu quarto. Finzi: [atira-Lhe com a LaranJa] vai! [emiLia corre para o Quarto de mario, para p 72 páG. 99. Finzi, tira outra LaranJa e sai para o corredor para p 71 páG. 97] 93 94 t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 70 • Quarto de d'annunzio e corredor dante dante descobre que falta a pistola no quarto de d'annunzio. dante: [vem do saLão, de o 65 páG. 76. passa por mario e Faz-Lhe um sinaL Que pode FaLar com d’annunzio. Quando passa peLo átrio vê emiLia e Finzi a BeiJarem-se. FaLa para si próprio enQuanto se diriGe ao Quarto de d’annunzio] Quando ela o está a beijar, eu sei que ela está a pensar no quanto o odeia. e ele beija-a como se lhe estivesse a bater —e a mim. e eu não faço nada porque a amo. porque é que o mundo ficou de pernas para o ar? [entra no Quarto de d’annunzio e começa a pôr em ordem a secretária, aGarrando em FoLhas de papeL escrito Que Foram amarFanhadas e atiradas ao chão. Quando coLoca o tinteiro na Gaveta da secretária, Faz uma pausa] [procura a arma de il comandante não está aqui. na secretária] há seis anos que arrumo este quarto, já mudou duas vezes de mobília —os livros vão e vêm, mas a arma estava sempre carregada e nesta gaveta. onde é que ela estará? estava aqui ontem. porque é que desapareceu hoje? mario. mario, é o único que a podia ter levado. il comandante diz que é sagrada e que não toca nela. diz que pertencia a um general austríaco derrotado, mas não é essa a verdadeira razão pela qual ele a guarda… a arma está aqui porque assim ele pode… como é que é que ele diz… [imitando d’annunzio] “porque assim posso escolher o momento de morrer… quando as palavras já não brotarem… quando as mulheres me voltarem as costas… no dia em que eu não acredi- t de L empicKa (acto ii) • Fdc te nas mentiras que tu me dizes de quão grande eu sou… nesse dia, carrego no gatilho.” [termina a imitação] só os ricos podem pensar em suicídio. ele quer escolher o momento de morrer —como é que eu posso alguma vez saber quando é que as minhas responsabildades terminaram? Quantas vezes já eu pensei que não podia continuar neste sofrimento: vejo a emilia com outro homem, não posso ver a minha filha caterina… mas eu continuarei, com ou sem elas. tenho de continuar. e quando não houver outra razão, continua a haver deus, continua a haver a memória do meu pai. ele nunca desistiu. Quando apareceram os barcos a motor, lutou contra eles em nome de todos os gondolieri. e quando os fascistas apareceram lutou contra eles, mesmo sabendo que ia perder, que uma noite eles haviam de o apanhar. [Faz uma pausa e vai para Fazer a cama mas senta-se e aBraça uma aLmoFada] papà, lembas-te do que costumavas dizer: “a vida é labuta, dante. o sofrimento… a felicidade, vão e vêm como as marés. o que interessa é o que a gente bebe do copo que deus nos dá”. il comandante recusa-se a beber. deita-se nesta cama mole e não sente nada. e papà, continuo a ver-te nu naquela pedra fria de mármore, o teu corpo moído e inchado pelos dois dias dentro do canal. o rabi Levi borrifou-te primeiro com água quente, depois com fria —mas tu não te mexeste. enrolámos-te num lençol; depois pusemos-te o xaile das orações… e eu desmanchei um por um os quatro nós; finalmente ficaste livre das tuas responsabilidades… perante deus e perante todos nós. mas as minhas continuam. [Breve pausa] Basta. hoje vou-me esquecer de fazer a cama. [sai para o átrio a cantar a canção FoLcLórica “tumBaLaLaiKa”] 95 96 t de L empicKa (acto ii) • Fdc tumbala, tumbala, tumbalaika tumbala, tumbala, tumbalaika tumbalaika, tumbalaika shpiel Balalaika, tumbalaika Fraylach sol zine shate ah Bucher, shate und tracht, tracht und tracht ah Gonzor nacht: vemin tsu nemim une nit Fer shemin? vemin tsu nemim une nit Fer shemin? (desafina balalaica, desafina balalaica, toca babalaica, sê alegre. agarra-te a um estudante, agarra-te e pensa, pensa e pensa, uma noite inteira: o que é que eu posso escolher sem vergonha? o que é que eu posso escolher sem vergonha?) [continua no corredor, para p 71 páG. 97] t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 71 • corredor dante • Finzi Finzi e dante falam dos judeus. [dante está sentado no corredor, vindo de p 70 páG. 96 a cantar. Finzi vem do átrio, de p 69 páG. 93] Finzi: olhem para o romântico gondoliere a cantar para os canais de venezia. isso que estás a cantar podia ser a “tumbalalaika”, si? dante : e onde é que um fascista aprendeu a “tumbalalaika”? Finzi: a minha mãe era judia, dante. dante: e a mãe do capitano ensinou-o a dançar quando ele era rapazinho? Finzi: canta, dante. [dante canta e Finzi dança] isto fazme lembrar um tempo antigo. si, lembro-me. o tempo antigo, dante. mas o que é que ele nos deu? meia dúzia de canções folclóricas? nós não pudemos dançar à antiga fora do ghetto em 1848. tivemos de lutar. se os judeus não tivessem financiado Garibaldi, a italia continuaria a ser um conjunto de cidades-estado propriedade dos aristocratas e da igreja. e porque é que lutámos? porque não devíamos lealdade nem aos aristicratas nem à igreja. nós fomos os primeiros verdadeiros italianos, dante. 97 98 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: mas para a signorina Barra é simplesmente um judeu. Finzi: ela é jovem. embora a igreja tenha conseguido suprimir a história dos judeus, o fascismo em breve mudará isso. estamos a entrar numa nova era, dante. dante: e nesta nova era do capitano, será que ele vê um fim para o ódio que dividiu o nosso amado país? Finzi: talvez, talvez quando nos tivermos desembaraçado dos agitadores. dante: isso depende de quem está a agitar o quê —de que lado da trincheira se está. Finzi: e os que se sentam em cima da trincheira, dante? e esses? dante: é o senhor que se senta em cima da trincheira, capitano, meio fascista, meio judeu. [Finzi da LaranJa a dante] para sair] atira metade Grazie, capitano. [Finzi voLta-se capitano, eu também tenho um presentinho. [Finzi, cauteLoso, mete a mão à arma] uma coisa para o lembrar dos velhos dias. [atira a Finzi uma yarmuLKe] Finzi: [perto das LáGrimas] shalom alechim, dante. dante: alechim shalom, aldo. [Finzi de mario, para sai para o Quarto p 73 páG. 101. dante recomeça a cantar. e diriGe-se ao Quarto de mario, para p 75 páG. 104] t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 72 • Quarto de mario emiLia emilia revista o quarto de mario e descobre a pistola de d'annunzio. emiLia: [entra vinda do átrio de p 69 páG. 93 para revistar o Quarto de mario] cinco minutos… oh, mario, nem consegui aguentar o Finzi os cinco minutos que me pediste. o que é que o Finzi pensará que ele cá tem? eu não queria… mas tem de ser; desculpa, mario… [começa a procurar] de que é que eu ando à procura… meias… cuecas… camisas… [tira uma camisa do Baú] está descosida… tenho de lhe coser isto… só me preocupo com roupa e continuo a dizer que me hei-de apaixonar por um homem rico que use camisas de seda e tenha um alfaiate em milão, como il comandante. [deixa cair a camisa e na cama, deBaixo da aLmoFada, encontra uma meia preta de senhora] então foi aqui que eu a deixei… e ele meteu-a aqui, debaixo da almofada, deve querer dizer qualquer coisa. [pausa] ele ama-me… bem, pelo menos uma parte minha. [recomeça Quarto] a revistar o Boa. não há nada aqui. mario, tu és esperto que chegue para o Finzi. eu sabia que tu não ias esconder nada no teu quarto. Bene. nada. [encontra arma deBaixo do coLchão] uma a arma do comandante! mario, como é que podes ser tão estúpido? achavas que o Finzi não acabava por vir revistar? ou obrigar-me a fazê-lo? disseste “confia em mim”. confiei que fosses esperto, que me levasses daqui. Quando o Finzi encontrar esta arma eu vou… não, ele não vai encontrá-la… vou escondê-la… dizer que não havia nada aqui. 99 100 t de L empicKa (acto ii) • Fdc [esconde a arma no BoLso] oh mario, quem me dera odiar-te; traía-te e acabava com tudo… ó meu deus, se isto é o amor, eu odeio-o, odeio-o. [reFaz a cama e continua no Quarto de mario para p 73 páG. 101] t de 101 L empicKa (acto ii) • Fdc p 73 • Quarto de mario emiLia • Finzi Finzi descobre uma caixa com dinheiro no quarto de mario. Finzi: [entra vindo do corredor, de p 71 páG. 98] então, encontraste alguma coisa, emilia? emiLia: [continua no Quarto de mario, de p 72 páG. 100. tenta manter-se caLma] no, capitano. vi em todo o lado. acabei de revistar e não havia nada. Finzi: [aBre o Baú] viste aqui dentro, emilia? [tira as roupas para Fora] emiLia: si, capitano, vi e não há nada. está a ver? Finzi: aqui? emiLia: si. Finzi: e aqui? emiLia: si, capitano. vi em todo o lado. Finzi: viste na cama do mario, emilia? emiLia: capitano, por favor, deixe a cama em paz. Já a revistei e não havia nada. Finzi: [BaLdeia a cama de uma vez só] viste debaixo da 102 t de L empicKa (acto ii) • Fdc almofada? [empurra-Lhe a meia contra a cara] viste debaixo do colchão, emilia? [Finzi atira o coLchão para o chão. Levanta a cadeira e vê uma caixa por Baixo do assento. emiLia JuLGa Que eLe Lhe vai Bater e encoLhese. Finzi mostra-Lhe a caixa, tira-a e aBre-a. está cheia com notas de miL Liras, contendo cerca de 130.000 Liras] emiLia: capitano… eu… é as poupanças dele… ele sempre foi muito poupado. Finzi: podem estar aqui mais de 100.000 liras. emiLia: talvez a principessa d'avignon lho tivesse dado. talvez— Finzi: os comunistas assaltaram o Banco ambrosiano em turim no mês passado, este dinheiro pode ter vindo de lá… isto é muito grave, emilia. emiLia: capitano, eu não sabia nada disto… tem de acreditar em mim. Finzi: este quarto está desarrumado, emilia. arruma-o! [Finzi sai para o seu escritório, para p 74 páG. 103. emiLia começa a arrumar e dante cheGa para p 75 páG. 104] t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 74 • escritório de Finzi Finzi Finzi telefona para confirmar a origem do dinheiro. Finzi: [vindo do Quarto de mario, de p 73 páG. 102, entra no seu escritório e põe o dinheiro na secretária. depois, aGarra no teLeFone e disca para o operador] Quartel de Garda, por favor. [pausa] cabo tittonni… tittonni, daqui é o capitano Finzi… os teus homens continuam escondidos ao portão? óptimo… e puseste a tua gente à procura da defelice… óptimo… não… eu vou aí ter. isto significa roma para mim… e uma promoção para ti… Bom, vês se consegues arranjar um lista com os números de série do dinheiro roubado do Banco ambrosiano no mês passado… em turim… si… ciao. [desLiGa. sai para o corredor para p 76 páG. 107] 103 104 t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 75 • Quarto de mario dante • emiLia dante convence emilia a devolver-lhe a pistola de d'annunzio. [emiLia continua a arrumar o Quarto de mario, de p 73 páG. 102. dante vem do corredor, de p 71 páG. 98] dante: [oLhando em redor] porque é que estiveste a revistar este quarto, emilia? emiLia: porque o Finzi mandou. [continua Quarto] a arrumar o agora vai-te embora antes que ele te apanhe aqui. dante: Falta uma arma nos aposentos de il comandante. encontráste-la? emiLia: não. dante: se eu contar ao Finzi isso não te vai ajudar em nada. onde é que ela está, emilia? emiLia: não há aqui nada. dante: onde é que ela está? [Levanta o coLchão] emiLia: odeio-te! tudo o que eu faço é errado. Faço o que é melhor para a caterina. dante: para a nossa caterina? não, deixa a miúda fora t de L empicKa (acto ii) • Fdc disto. não vamos mentir. eu deixo de falar em venezia e tu da caterina. va bene? emiLia: é tudo tão complicado. eu não queria dizer mas… dante, eu contei ao Finzi aquilo da defelice e agora se ele acha a arma, eu— dante: a arma vai voltar para o quarto de il comandante! ninguém vai saber. Quando o mario partir, nós vamos embora. talvez possamos ir para a palestina. a mamma conhece gente em Jerusalem. emiLia: agora é Jerusalem. dante: para qualquer lado. prá china. só tu e eu e a caterina. ela vai fazer nove anos no mês que vem. emiLia: pára de me atormentar com sonhos. não há saída. Quer o mario vá, quer não, o Finzi lixa-me. ele não me vai deixar em paz. dante: Faz com que te despeçam. rouba o medalhão da Baccara. emiLia: Já roubei. dante: então deixa-te apanhar! emiLia: [rindo] nunca paras, pois não? dante: um judeu aprende a sobreviver. Bom, onde é que está a arma? 105 106 t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: [dá a pistoLa a dante] depressa. dante: pediu um gondoliere? [aGarra na pistoLa. BeiJa emiLia na cara e sai vaGarosamente] emiLia: depressa! presto! dante: arruma o quarto. [sai e corre peLas escadas da saLa de Jantar para o Quarto de d’annunzio onde coLoca a pistoLa na secretária, depois de Lhe ter tirado as BaLas. voLta novamente ao corredor, em direcção ao átrio, para Q 77 páG. 110. emiLia continua a arrumar o Quarto de mario e este entra para Q 82 páG. 127] t de L empicKa (acto ii) • Fdc p 76 • corredor d ’annunzio • Finzi • mario Finzi lê o recado de tamara para d'annunzio. [mario sai do saLão vindo de p 68 páG. 89. encontra Finzi no corredor, vindo do seu escritório, de p 74 páG. 103] Finzi: de que é que vocês os dois estiveram a falar? mario: [iGnorando Finzi e diriGindo-se para o seu Quarto] Fui entregar um recado de madame de Lempicka. Finzi: o que é que ele dizia? m ario : estava escrito em francês. pergunte a il comandante. [vai para o seu Quarto e apanha emiLia a arrumá-Lo, em Q 82 páG. 127] d’annunzio: [Que ouviu esta curta conversa do saLão, de p 68 páG. 89, Grita para Finzi] Finzi! Finzi! [Finzi espera por d’annunzio. à medida Que d’annunzio se aproxima, Finzi repara Que d’annunzio tem o recado Que mario Lhe deu. Finzi Levanta a mão na expectativa Que d’annunzio Lhe passe o recado] toma. Lê. [ao mesmo tempo, d’annunzio Bate-Lhe com o recado na cara. d’annunzio ri-se e diriGe-se à suite cantando “ruLe Britannia”. depois de entrar na suite, d’annunzio continua a cantar enQuanto tira o casaco e veste um Quimono. estuda depois aLGumas posições para ser encontrado 107 108 t de L empicKa (acto ii) • Fdc por tamara na cama até Que, o som de aéLis a Gritar o Faz reGressar ao átrio para Q 77 páG. 110] Finzi: recados amorosos— [rasGa o recado] ele pensa que eu sou parvo? não vai ser isto que eles vão ler— Já estou a ver o cabeçalho— “capitano aldo Finzi desmascara organização comunista liderada por Gabriele d'annunzio”. [vai para se diriGir ao seu escritório mas é interrompido por carLotta Que irrompe peLa porta principaL, seGuida por aéLis, em Q 77 páG. 109] t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 77 • átrio aéLis • d’annunzio • dante • de spiGa • carLotta • Finzi • Luisa • tamara regresso do almoço. [Finzi vai para se diriGir ao seu escritório com o recado de d’annunzio rasGado, de p 76 páG. 108, Quando carLotta irrompe peLa porta principaL, seGuida de aéLis, vindas de Gardone na seQuência de o 66 páG. 78] carLotta: [chorando] capitano! capitano, ajude-me! [aBraça-o] ela está embriagada! tentou matar-me! Finzi: Quem? Quem é que tentou matá-la? carlotta, acalme-se. aéLis: [entra Finzi] oFeGante e vê carLotta nos Braços de carlotta! ele é que é o responsável. carLotta: [separando-se de Finzi] o que é que eu estou a fazer? você fez com que eu mostrasse os meus sentimentos. Finzi: carlotta, tem de perceber— carLotta: saia da minha vista, judeu! [corre para o seu Quarto, para Q 79 páG. 119] aéLis: [Gritando carlotta. [vendo atrás deLa ] carlotta… espere… dante Que veio de recoLocar a arma no Quarto de d’annunzio, de p 75 páG. 106] dante, ajuda 109 110 t de L empicKa (acto ii) • Fdc a signorina Barra a fazer a mala e diz ao mario para a levar ao Grande hotel. [dante carLotta, vai para o Quarto de Q 80 páG. 120] Finzi: o que é que ela estava a dizer? Quem é que a quis matar? d’annunzio: [vindo da suite, de p 76 páG . 108] aélis, o que é que se passa? trouxeste-me a carta do dottore Barzini? aéLis: Gabri, há soldados no portão… dispararam contra a Luisa— d’annunzio: mataram a minha Barracuda? aéLis: non. a bala passou de raspão. Finzi: onde é que ela está? [vai para sair peLa porta de iL vittoriaLe] d’annunzio: Finzi, porque é que há soldados lá fora? Finzi: Foi necessário reforçar a segurança para lidar com a presente situação. aéLis: Que situação? estamos em perigo? d’annunzio: então tu queres fazer-me frente? acabou- se por aqui, Finzi… vais morrer como um burocrata, não como um soldado: morto por telefone. t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: porque é que estamos cercados pela tropa? d’annunzio: aélis, nós não estamos cercados pela tropa, estamos cercados pelas contigências. hoje —neste momento, não posso fazer nada. aéLis: então mande o Finzi para fora desta casa. d’annunzio: vou telefonar para roma… mas primeiro, tamara. o sexo antes da batalha. [sai para a suite, para Q 84 páG. 135. de spiGa e tamara, amparando a emBrie- Gada Luisa, Ferida na mão esQuerda, entram no átrio, vindos de Gardone na seQuência de o 64 páG. 73] Finzi: Luisa! meu deus, Luisa! [corre empurra tamara para o Lado] vai para a suite, para para Luisa e afaste-se dela! [tamara Q 84 páG. 135] aéLis: eu não quero apanhar mais cacos! ouves-me Luisa? sou eu que dirijo esta casa e assim não é possível. Foi intolerável o que fizeste. intolerável! tudo! [vai para o Quarto de carLotta, para Q 80 páG. 120] Luisa: voltei! Já cá estamos outra vez! [de aJudam Luisa a ir para o saLão, para spiGa e Finzi Q 78 páG. 112] 111 112 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 78 • salão de spiGa • Finzi • Luisa de spiga e Finzi acompanham Luisa que está ferida. [vindos do átrio, de Q 77 páG. 111, de spiGa e Finzi entram no saLão com Luisa, Ferida na mão esQuerda. aJudamna a sentar-se] Luisa: Francesco, tu disseste que iamos voar para longe. não me sinto bem. de spiGa: descansa, Luisa, iremos em breve. Finzi: Luisa, o que é que ele quer dizer com isso de irem em breve? de spiGa: a Luisa decidiu-se finalmente a ir viver comigo. Finzi: ela está embriagada. de spiGa: e muito. encomendei uma refeição magnífica: pasta, vitela— Luisa: insalata. Finzi: o que é que se passou? Luisa: Bang! de spiGa: parei no portão para ir buscar o correio. t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: vamos embora. Finzi: esteja calada, Luisa! [aJoeLhando-se para Luisa] desculpe… eu… não queria gritar consigo. de spiGa: deve haver um regimento inteiro lá fora. Luisa: não me sinto bem. Finzi: Feche os olhos, Luisa. encoste a cabeça. [para de spiGa] de Foi uma medida preventiva. spiGa: não foi autorizado. Finzi: não havia tempo. de spiGa: a Luisa começou a falar com um dos soldados. o homem parece que era um atirador de élite. Finzi: [aproximando-se de de spiGa] como é que ele se chama? de spiGa: não sei o nome dele. Luisa: [Levanta-se] vitto, vitto, “sem-dedo”. de spiGa: disse que se tinha atingido acidentalmente no dedo do pé durante a guerra. Luisa: “à-ledo”, “sem-dedo”, estiveste na guerra? 113 114 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Finzi: [aproximando-se de Luisa] Luisa! Luisa: não diga o meu nome nesse tom, “à-ledo”. de spiGa: a questão é, e sublinhe isto, seu estúpido, é que o homem era um atirador de élite. muito bem. óptimo. as coisas começaram “andante con motto”. não estava com pressa e por isso deixei a Luisa falar com ele. de repente ela começa a gritar com ele. então a aélis tentou levá-la para o automóvel com a ajuda da carlotta. e a seguir passou a “presto vivace”. a Luisa empunhou o seu brinquedo e— Luisa: Fortissimo! de spiGa: Bang! Julguei que tinha sido o automóvel até que vi o sangue. Finzi: o guarda atingiu-a? de spiGa: não, ela é que tentou atingir o guarda. Luisa: tentei atingir-me a mim própria. Finzi: Luisa, não consigo perceber o que é que lhe aconteceu. de spiGa: Foi atingida. Finzi: isso é evidente! de spiGa: evidentemente tive de me identificar para impe- t de L empicKa (acto ii) • Fdc dir que ela fosse presa. Felizmente a aélis estava demasiado ocupada a acalmar a carlotta para ter reparado, mas acho que a tamara— Finzi: isso não me interessa— Luisa: [cantando] uma oitava abaixo. Finzi: porquê, Luisa? porque é que bebeu? [para spiGa] de ela não bebia. [para Luisa] a Luisa nunca bebeu. daqui a alguns dias podemos partir juntos para roma. de spiGa: a Luisa decidiu ir viver comigo. partimos mal a mão dela esteja cicatrizada. Finzi: não acredito. Luisa, ouça-me. ele é pior que il comandante. a Luisa não sabe do que ele é capaz. pense. dê-me… alguns dias… de spiGa: estou a ver que il capitano está à espera de ser promovido. sem dúvida que o será, aldo. você vai acabar em generale e eu na prisão. Luisa: eu vou por conta própria. Finzi: Luisa! Luisa: se cá ficar mato il comandante, e se partir com algum de vocês, mato-me a mim. de spiGa: tu não consegues sustentar-te sozinha, Luisa. 115 116 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Finzi: ele tem razão, Luisa. Luisa: podia ir para a américa. eles adoram os maus pianistas. Finzi: Luisa, fique cá. por italia. Luisa: eu não quero tocar por italia. de spiGa: então vem comigo para asolo. Luisa: para me esconder? Já não há nenhum sítio onde a gente se possa esconder, Francesco. mesmo bêbeda, sei isso. Quero dormir. não consigo dormir. [para a mão] está dormente. [Finzi aJoeLha-se para Luisa] de spiGa: [para Finzi] vá buscar água. [Finzi hesita] água, Finzi. [Finzi sai, devaGar, para o corredor, onde há um Jarro de áGua e um copo] Luisa, vamos embora desta casa. eu tenho uma casa calma com dois pianos de cauda —podias voltar a tocar. Quando és tu a tocar, aquilo que eu escrevo soa muito melhor. Luisa: shhh! de spiGa: compus uma música para ti. “canção para Luisa”. deixa que eu ta toque agora. [de spiGa vai para o piano e toca “canção para Luisa” de carLos dâmaso. Finzi entra com a áGua, diriGe-se a Luisa. coLoca o Jarro e o copo perto deLa e tira uma Luva, moLha-a na aGua e GentiLmente acaricia a testa de Luisa. sai para o átrio para Q 85 páG. 143. de spiGa acaBa de tocar] t de L empicKa (acto ii) • Fdc compu-la em cinco minutos. a melodia inundou-me como num sonho. e de repente ficou pronta na noite passada. Luisa: a Luisa é que começou. porque é que a Luisa não morreu? Francesco, porque é que os guardas não me levaram? eu devia ter sido presa. é onde eles põem os homens livres, não é? o que é que tu disseste àquele guarda? tu mostraste-lhe uma coisa. de spiGa: [aFastando-se] nunca deixa de me surpreen- der como uma nota de 5.000 liras pode induzir uma cegueira temporária no mais dedicado polícia. Luisa: não. pára de brincar. de spiGa: o que é que queres que eu diga? Luisa, como é que eu posso responder pelo que fiz, pelo que tu andas a fazer a ti própria, a mim? amo-te, posso ajudar-te… Luisa: não. não é a mim. são as minhas mãos que tu queres. não quero ser um macaquinho de realejo. Já não presto para ti, nem para o Gabri. [Levanta a mão] de spiGa: Luisa, tu és a pessoa mais importante— Luisa: nunca. [esBoFeteia-o] nunca. de spiGa: [tira uma carta do BoLso do casaco] acho que vou distribuir o correio. [sai para a suite, para r 87 páG. 151] Luisa: Gabri, agora é tudo verdade. Lembras-te do teu 117 118 t de L empicKa (acto ii) • Fdc poema? [recita] num sonho as mulheres mutiladas continuam a seduzir. num sonho erecta e lenta vive a terrível mulher da mão severa. ao seu lado uma poça vermelha de sangue e lá dentro está a mão dela ainda viva. imaculada. [aéLis átrio, para e dante entram no saLão vindos do r 86 páG. 146] t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 79 • Quarto de carlotta carLotta carlotta reza a santa catarina. carLotta: [Benze-se e corre para o seu Quarto, num estado de pânico, vinda do átrio de Q 77 páG. 109] sinto-me toda chamuscada por ter estado demasiado perto das chamas do inferno. santa catarina, ajuda-me por favor. porque é que deus me tenta desta maneira? eu não consigo resistir a tantas serpentes com forma de gente. catarina, porque é que nosso senhor me fez apaixonar pelo capitano Finzi? ele parece boa pessoa… mas lá por dentro não deixa de ser um judeu. não. não pode ter sido nosso senhor, foi o diabo a tentar-me. sim. esta casa e toda a sua gente foi uma prova para mim… mas eu não vou perder a minha fé, catarina. Foi por isso que o diabo fez com que a Luisa disparasse contra o meu pé, porque ele ficou zangado por eu não querer pecar… e foi por isso que deus me salvou… salvou-me para que eu salvasse a minha alma. deus te abençoe, catarina, por teres ouvido as minhas súplicas. [continua em Q 80 páG. 120] 119 120 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 80 • Quarto de carlotta aéLis • carLotta • dante carlotta faz as malas para se ir embora. dante: [entra vindo do átrio de Q 77 páG. 110. carLotta continua no seu Quarto de Q 79 páG. 119] signorina Barra— carLotta: vai-te embora! dante: signorina Barra, aélis mandou-me vir ajudá-la. carLotta: só deus me pode ajudar neste momento… o diabo tentou matar-me. dante: aélis, signorina? carLotta: ela quis atingir-me. chamou-me… eu não sou odiosa. eu amo italia. dante: Quem é que a quis atingir? carLotta: a Luisa! dante: a signora Baccara? aéLis: [entra vinda do átrio, de Q 77 páG. 111] oh carlotta, graças a deus… Quando a arma se disparou e a carlotta fugiu… Fiquei tão assustada… pensei que estava ferida ou a sangrar… se a Luisa a tivesse atingi- t de L empicKa (acto ii) • Fdc do, eu— carLotta: não mencione esse nome do demónio… ela está possessa. é esta casa, é… [indicando a roupa Que tirou da cómoda] dante, põe isso na mala! aéLis: a Luisa não queria— carLotta: ela apontou a arma ao meu pé! aéLis: Foi sem querer. carLotta: e ainda a defende! eu já devia saber que não se pode confiar numa francesa. aéLis: eu não a estou a defender, carlotta, não tem explicação; mas a Luisa não está bem… é uma doença— dante: isso é verdade, signorina. aéLis: ela estava a querer atingir-se a si própria. carLotta: ela fez pontaria ao meu pé. dante: talvez que a signora Baccara pensasse que o riconhete da bala a atingisse. aéLis: cala-te, dante. carLotta: [tirando a dante uma camisoLa Que eLe está a emaLar] não é assim que se dobra. [tenta camisoLa enQuanto aéLis FaLa] doBrar a 121 122 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: e a sua recomendação?… il comandante está a escreve-la… carLotta: Queime-a! aéLis: a sua recomendação para o diaghilev? carLotta: o diabo apontou para o meu pé, e isso foi um sinal para eu renunciar à dança. aéLis: está a falar a sério? [carLotta, incapaz de doBrar a camisoLa, atira-a para a maLa e a tampa Fecha-se. dante Fica impressionado] carLotta: estou. aéLis: carlotta. porque é que não vamos fazer uma viagem juntas, só as duas? verona é maravilhosa nesta altura do ano. a isabelle e eu iamos lá muitas vezes. nós— carLotta: vou-me embora esta noite. aéLis: então ao menos fique no Grande hotel por uns dias. vai poder pensar melhor nisto tudo. carLotta: tenho de informar a minha família sobre a minha decisão. aéLis: mas não há comboio esta noite. dante: há sim, signora mazoyer. t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: não há não senhor. dante: agora estamos no horário de inverno, por isso… [vê as horas no seu reLóGio de BoLso] tem de sair imediatamente, signorina Barra. o comboio parte daqui a vinte minutos. aéLis: dante! vai buscar o mario e ele que a leve ao Grande hotel. carLotta: aélis, eu vou-me embora. aéLis: dante! vai-te embora! [dante sai com a maLa de carLotta para o Quarto de mario e pára para um peQueno monóLoGo no corredor, em Q 81 páG. 126] a carlotta não pode fugir disto. carLotta: não estou a fugir. aéLis: isto não tem nada a ver com a Luisa, tem a ver connosco. é isso que lhe mete medo. carLotta: [conFusa] aélis, eu não tenho medo de si. aéLis: pois não, tem medo do que é. era como eu, até a isabelle me ter mostrado, permitido, ajudado a sentir como o amor é especial entre mulheres. carLotta: o… quê? aéLis: a carlotta sentiu-o a noite passada. assuma. a 123 124 t de L empicKa (acto ii) • Fdc minha mão na sua perna, a maneira como nos beijámos… foi isso que me tentou dizer na noite passada, não foi? carLotta: não… não… aélis. o diabo tomou conta da sua alma. está a fazê-la pecar duma forma que eu nunca imaginei. tem de rezar pela sua salvação. aéLis: eu não quero a salvação, quero-a a si, como a carlotta me quer a mim. carLotta: não. aéLis: páre de o tentar negar. senti-o nos seus lábios exactamente como a primeira vez com a isabelle… [BeiJa carLotta. carLotta desLarGa-se] carLotta: [esBoFeteando aéLis] só o amor de deus é puro, tudo o resto é pecado. [carLotta empunha o seu cruxiFixo e um retrato de santa catarina de siena e sai do seu Quarto perseGuida por aéLis] aéLis: carlotta, eu sei o que estou a dizer. as orações não a vão livrar das tentações. carLotta: esta casa está possuída por desejos não naturais. o papá diz que daqui a poucos anos o Fascismo libertará a italia do demónio. Foram as influências dos estrangeiros que nos corromperam. até eu quase me apaixonei por aquele judeu, o Finzi. aéLis: o Finzi? está a falar a sério? carlotta, é tão importante para mim. eu não posso… [vai para a tocar] t de L empicKa (acto ii) • Fdc carLotta: não me toques! cuspo-te na alma, aélis mazoyer, francesa, estrangeira! aéLis: non, carlotta. eu amo-a. tudo o que eu faço é porque a amo. carLotta: tu és um instrumento do diabo. [carLotta sai para o átrio, seGuida por aéLis, para Q 85 páG. 143] 125 126 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 81 • corredor dante dante monologa sobre ir-se embora. dante: [vem do Quarto de carLotta, de Q 80 páG. 123, com a maLa de carLotta. Faz uma pausa para uma BeBida rápida] sobe as escadas, desce as escadas… toda a gente grita e chora… a signora Baccara dispara uma arma… aélis e carlotta já não percebo nada daquilo… é muita areia. as coisas costumavam ser sossegadas por aqui… podiamos fechar o portão e deixar o mundo andar lá fora… mas agora… dante… não vale a pena. enquanto estás à espera da emilia —é altura de te pirares. [BeBe] tenho de a obrigar a levar-me a sério. vou dizer-lhe que me vou embora daqui a dois dias —com ou sem ela. esta é a última hipótese que lhe dou… se eu fosse capaz de lho dizer… mas as palavras nunca me saem… fico para ali de boca aberta —e então bebo outro golo de vodka— Já chega. [sai para o Quarto de mario, para Q 83 páG. 132] t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 82 • Quarto de mario emiLia • mario mario apanha emila a arrumar-lhe o Quarto. [emiLia está a arrumar o Quarto de mario, de p 75 páG. 106] mario: [entra vindo de p 76 páG. 107] o que é que estás a fazer? emiLia: mario, eu não pude fazer nada, o Finzi obrigoume. mario: [Fecha a porta] eu confiei em ti. emiLia: ele… ele descobriu o dinheiro. mario: e a arma? emiLia: Quero fugir daqui. mario: [procurando] onde é que está a arma, emilia? emiLia: o dante levou-a. mario: e quem é que esteve aqui mais? estiveste a fazer visitas guiadas? emiLia: se o Finzi tem encontrado a arma aqui, matavanos. ele até pensa que o dinheiro foi roubado num banco 127 128 t de L empicKa (acto ii) • Fdc de turim. ele sabe o que tu és, mario. ele só está à espera de descobrir o quanto il comandante está metido nisto. se il comandante se for embora, ele lixa-te. mario, ele disse-me que vos quer apanhar aos dois. Que esta é a sua grande oportunidade. temos de nos ir embora já. mario: eu vou-me embora esta noite. emiLia: e eu? tu prometeste-me que— mario: eu não posso arriscar a minha vida, nem a vida dos meus camaradas, por alguém que é incapaz de guardar um segredo! emiLia: e a minha vida? é demasiado? menti para te meter cá dentro, dei-te uma semana para falares com il comandante, disse-te quando o Finzi te pôs debaixo de olho, deixei-te vir para a minha cama. mario: não, tu é que vieste ter comigo. emiLia: Foste tu o único mentiroso! se tu e il comandante se forem embora sem mim, eu vou para a cadeia. é isso que o comunismo é para mim! tu chamas assassinos aos fascistas. o Finzi bate-me, mas ao menos sei o que ele quer. mario: [ameaça e emiLia recua] é isto o que tu queres? passei a noite inteira à tua espera, emilia. um clandestino está habituado a esperar. espera por um sinal, por uma carta, por ordens, mas nunca por amor. passa o tempo a aprender os códigos, a limpar a arma, a memori- t de L empicKa (acto ii) • Fdc zar uma nova identidade. não há lugar para pensamentos mornos, a nossa mão está sempre a agarrar o aço. estas mãos apertaram cordas a pescoços de fascistas, carregaram no gatilho contra traidores, e nunca tremeram. a noite passada, à tua espera, começaram a tremer. emiLia: o Finzi obrigou-me. mario: ele estava a tremer quando te agarrou? emiLia: não é como nós— mario: é. porque eu e ele somos iguais. uma causa diferente, mas os homens que lutam são todos iguais. emiLia: não, eu queria-te a ti. mario: porquê? emiLia: eu queria ter alguém. ter. sem ter de me pagar. não é por isso. si, eles pagam-me. Queria ser uma senhora mas não passo duma puta, mario. não tenho instrução, não sei ler os livros de il comandante, tive de aprender à minha custa. tenho uma filha, caterina. no mês que vem faz nove anos. é mau querer o bem dela? eu sei que o que tu fazes é bom. o dante quer casar comigo, talvez isso também seja bom. há dezasseis anos— trabalho desde os catorze e há dezasseis anos que sonho com uma recompensa, para mim e para a minha filha… [pausa] e eu também não sei porque é que te estou a contar estas coisas… 129 130 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: porquê? porque te faz fraca? sonhar faz-nos fortes. emiLia: eu quero estar contigo. mario: e o dante? emiLia: tenho de lhe dizer. mario: não. ele já está demasiado envolvido. emiLia: mas… mario: não. diz-lhe que casas com ele. emiLia: eu não lhe posso mentir. mario: se ele desconfia que tu te vais embora, vai tentar impedir-nos de partir. emiLia: é a filha dele, a caterina, que ele quer, não é a mim. mario: onde é que ela está? emiLia: a salvo… vou buscá-la quando formos para onde vamos. para onde é que vamos? mario: no mês passado recebi uma mensagem dum camarada. Foi preso por ter sido apanhado com uma arma, mas deixaram-no sair. encontrou o meu pai e ele disse-lhe duas vezes que ia passar este mês a nice. duas t de L empicKa (acto ii) • Fdc vezes. emiLia: vamos ter com ele? mario: emilia, o meu pai é o duque de milão, um fascista. é ele que dirige o partido em milão e diz às pessoas que o filho morreu pelo Fascismo. emiLia: e a tua mãe? mario: a minha mãe… emma visconti… eu fui criado pelas criadas, emilia. emiLia: a tua família é rica? mario: temos dinheiro, mas somos uma família tão pobre. em breve seremos todos livres. [BeiJam-se e diaLoGam até dante entrar] emiLia: então se o teu pai é um duque, tu também és um duque? mario: não, só serei duque quando o pai morrer. por enquanto sou marquês. mas isso não tem importância. emiLia: e vamos para inglaterra de automóvel? mario: saímos de il vitorialle com il comandante de automóvel e depois vamos apanhar um barco e um avião. emiLia: avião?!… 131 132 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 83 • Quarto de mário e corredor dante • emiLia • mario dante apanha mario e emilia a beijarem-se. dante: [entra no Quarto de mario vindo do corredor, de Q 81 páG. 126 e encontra mario e emiLia a BeiJarem-se, de Q 82 páG. 131] mario, eu— mario: dante! dante: [Fixando emiLia] a signorina Barra está de partida. eu… mandaram-me… desculpem ter entrado, eu… mario: era um beijo de despedida. e, claro, de parabéns. [aperta a mão a dante] parabéns. dante: por quê? mario: ela ainda não te disse? Fui eu o primeiro a saber? emiLia: mario! mario: a emilia aceitou a tua proposta. dante: emilia, tu vais casar comigo? vais-te converter? sabes quanto tempo tive de esperar por esta rapariga, mario? onze anos! emiLia: a carlotta vai-se embora? t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: Já me ia esquecendo. isto é muita areia. a carlotta diz que a Luisa a tentou matar. não percebi muito bem, mas parece que houve um acidente. mas o que é que a gente está aqui a fazer? depressa, mario, tens de a levar ao comboio. ciao. anda, mario. [dante BeiJa emiLia e sai com mario, Que entretanto pôs o Boné. emiLia continua no Quarto de mario, para páG. r 91 163. dante pára no corredor] mario… mario: o que é, dante? dante: mario, tens de ir embora já. o Finzi tem soldados a guardar o portão. não vais conseguir levar o d'annunzio daqui. Leva a bailarina ao comboio e mete-te nele também. esquece il vittoriale. esquece il comandante. m ario : voltaste a pôr a arma no quarto de il comandante? dante: [mostra-Lhe as BaLas] sem balas. mario: tu és bom, dante. dante: contrariamente a ti, eu farei o que for preciso para proteger a emilia. mario: não estava previsto que as coisas se passassem desta forma. dante: mas passaram. achas que eu fui comido pelo espectáculo de ainda agora? 133 134 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: dante, nós— dante: eu conheço-a. eu vi que ela te ama. mas talvez, com o tempo, o amor dela se volte para mim. mario: ela nunca deixou de… ela vai ficar contigo. dante: estás a ver, mario, eu sou judeu. isso nunca significou muito para mim, mas as coisas estão a piorar e percebo que é a única coisa que me resta. a emilia teria de se converter. eu— mario: dante, a caterina precisa de uma família. dante: si, mario. [pausa] vai com deus. [dante e mario diriGem-se ao átrio para Q 85 páG. 143] t de L empicKa (acto ii) • Fdc Q 84 • suite d’annunzio • tamara tamara rompe com d'annunzio. tamara: [entra vinda do átrio na seQuência do reGresso de Gardone, Q 77 páG. sua cama, vindo do átrio, 111 e encontra d’annunzio na Q 77 páG. 111] Gabriele— d’annunzio: tamara, je vous ai attendue. (tamara, tenho estado à sua espera.) tamara: Luisa s’est tiré une balle dans la main. (a Luisa disparou contra a mão dela.) d ’annunzio: c’est une blessure superficielle. aélis a appellé le médecin. (Foi só uma ferida de raspão. a aélis chama o médico.) tamara: [Fecha a porta] êtes-vous au courrant pour les soldats? pourquoi sont-ils ici? (sabe dos soldados? porque é que eles aqui estão?) d’annunzio: ces soldats au portail me disent que je suis en vie. (esses soldados no portão dizem-me que eu estou vivo.) tamara: Quoi? (o quê?) d’annunzio: tamara, chaque jour qui passe j’attends un signe, quelque chose qui m’assure que je suis encore une 135 136 t de L empicKa (acto ii) • Fdc menace. J’ai en moi un vulcan endormi et les fascistes prient pour que je n’entre pas en éruption comme le vésuve. (tamara, em cada dia que passa eu espero por um sinal, alguma coisa que diga que eu ainda sou uma ameaça. tenho aqui dentro um vulcão adormecido e os fascistas rezam para que eu não irrompa como o vesúvio.) tamara: il vous faut fuir avant qu’il ne soit trop tard. un an avant que les bolchéviques prennent le pouvoir, ils sont venus arrêter mon mari, ils l’ont pris au lit, en tran de boire du champagne. allez-vous-en tout de suite, s’il en est encore temps. (tem de fugir antes que seja demasiado tarde. um ano antes dos bolcheviques terem tomado o poder, vieram prender o meu marido e apanharam-nos na cama, a beberricar champanhe. vá-se embora já, se ainda puder.) d’annunzio: oui, allons-nous-en, pas pour fuir, mais pour lutter. (sim, partiremos, não para fugir mas para lutar.) tamara: nous sommes encerclés par des hommes armés. (estamos cercados por homens armados.) d’annunzio: La voix c’est mon arme. Le stylo, l’epée. a Fiume ils ont envoyé des régiments pour m’obliger a me rendre, mais dés que j’ai parlé, les soldats du gouvernement ont baissé les armes et se sont joint a moi. (a voz é a minha arma, a caneta a espada. em Fiume, eles enviaram regimentos para me obrigarem a render-me, mas mal abri a boca, os soldados do governo baixaram as armas e t de L empicKa (acto ii) • Fdc juntaram-se a mim.) tamara: ces soldats là ne vont pas écoutter votre voix, ils vont tirer et vous tuer. (aqueles soldados não vão esperar para ouvir um discurso, vão puxar o gatilho. vão matá-lo.) d’annunzio: nous devons avoir le courage de croire que nous faisons la différence. rapellez-vous de ce que vous avez dit hier soir: il faut nous lever et dire non aux ténèbres. (temos de ter a coragem de acreditar que nós fazemos a diferença. Lembre-se do que me disse ontem à noite: temos de nos levantar e dizer não às trevas.) tamara: vous avez peut être raison. Quand le monde deviendra tout a fait sauvage et insensible, nous porterons des poignards et des armes au lieu de livres et portraits. (talvez tenha razão. Quando o mundo se tornar completamente brutal e insensível teremos de usar punhais e armas em vez de livros e retratos.) d’annunzio: non, vous devez peindre et moi écrire comme si les pinceaux et les stylos étaint des balles et des poignards. nous allons passer le portail et les soldats se metteront au garde à vous. (não, você tem de pintar e eu tenho de escrever como se os pinceis e as canetas fossem balas e punhais. vamos passar pelo portão e os soldados vão pôr-se em sentido.) tamara: et Luisa? (e a Luisa?) d’annunzio: Quoi Luisa? (a Luisa o quê?) 137 138 t de L empicKa (acto ii) • Fdc tamara: nous devons l’emmener avec nous. (temos de a levar connosco.) d’annunzio: ne parlons pas de Luisa. elle a toujours des accidents. (não falemos da Luisa. ela está sempre a ter acidentes.) tamara: non, elle sait trés bien se servir d’une arme. elle savait exactement ce qu’elle faisait. elle a voulu se faire éclater la main. (não, ela empunhou a arma como deve ser. ela sabia exactamente o que estava a fazer. ela tentou esfacelar a mão.) d’annunzio: Quel est l’artiste qui veut detruire sa main? van Gogh a-t-il coupé la siene? non. et pourquoi? parce couper son oreille était une façon de se couper du monde, mais mettre sa main en morceaux c’est couper avec les seules choses qui on vraiment de l’interêt: l’art et le toucher. (Que artista esfacela a sua própria mão? o van Gogh cortou a mão dele? não. e porquê? porque cortar a própria orelha foi uma forma de cortar com o mundo, mas esfacelar uma mão é cortar com as únicas coisas que realmente interessam: a arte e tocarmo-nos.) tamara: elle a voulu se tuer. cela ne vous concerne-t’il pas? (ela quis-se matar. isso não lhe diz nada?) d’annunzio: Francesco prend soin d’elle. (o Francesco toma conta dela.) tamara: de spiga est l’un d’eux. Je l’ai vu donner des t de L empicKa (acto ii) • Fdc ordres aux soldats. (de spiga é um deles. eu vi-o a dar ordens aos soldados.) d’annunzio: Je sais ce qu’il est: une vermine de mussolini. (eu sei o que ele é: um verme do mussolini.) tamara: vous le savez et vous vous laissez espionnier? (sabe e deixa que ele o espie?) d’annunzio: il l’aime. Luisa est en sureté avec lui. (ele ama-a. a Luisa estará segura com ele.) tamara: dans les bras de la police secréte. ce n’est pas uniquement son amour pour vous qui la conduira au suicide. c’est ce monde qui tue tout être qui posséde un tant soit peu de sensibilité. si elle reste, elle va encore essayer de se suicider. (nos braços da polícia secreta. não é só o amor dela por si que a conduzirá ao suicídio. é este mundo que mata quem tenha alguma sensibilidade. se ela ficar, ela vai puxar novamente o gatilho.) d’annunzio: tous les jours, pendant cinq ans, moi aussi j’y ai pensé. pendant cinq ans j’ai permis que mussolini paye mes detes, qu’il achete mon silence. J’ai essayé de me convaincre que, comme ça, j’étais libre pour créer. et qu’est ce que j’ai crée? rien! rien! mario me l’a fait comprendre. et c’est pour cela que je pars avec lui en angleterre. (todos os dias, durante cinco anos, também eu pensei puxar o gatilho. durante cinco anos deixei que o mussolini me pagasse as contas —me comprasse o meu silêncio. tentei convencer-me a mim próprio que era livre para criar. e o que é que eu criei? nada! nada! o mario 139 140 t de L empicKa (acto ii) • Fdc fez-me ver isso. é por isso que vou com ele para inglaterra.) tamara: avec mario visconti? (com o mario visconti?) d’annunzio: oui. (sim.) tamara: maintenant vous vous joignez aux comunistes. ils sont encore pires que les fascistes. soyez vous même. partez par vos propres moyens. vous dites que vous avez du pouvoir. ou alors vous vous êtes vendu à ceux qui paient le plus? (agora está a aliar-se aos comunistas. eles são piores que os fascistas. vá por si próprio. diz que tem poder. ou será que se vendeu a quem paga mais?) d’annunzio: tamara, nous pouvons changer l’histoire: vous vous assyez à la chambre des Lords et vous m’entendez dénoncer mussolini —c’est ça l’histoire. c’est ça votre portrait. (tamara, nós podemos mudar a história: você senta-se na câmara dos Lordes e ouve-me a denunciar o mussolini —é isso a história. é esse o seu retrato.) tamara: Quand j’entends les gens parler comme ça, je sais qu’ils vont mourrir et Luisa sera la première victime. elle a cru en vos paroles. moi aussi je veux les croire. Je veux croire que ce sont les mots de quelqu’un qui a compris l’amour. (Quando eu oiço as pessoas a falarem assim, sei que elas vão morrer e a Luisa vai ser a primeira vítima. ela acreditou nas suas palavras. eu também quero acreditar nelas. acreditar que elas são as palavras de t de L empicKa (acto ii) • Fdc alguém que percebeu o amor.) d ’a nnunzio : et vous parlez d’amour à Gabriele d'annunzio? J’ai tout donné par amour a mon pays. mais qui m’aime? Qui? peut-on dormir dans les bras d’une nation? dante a idolatrée sa Béatrice et napoleon sa Joséphine. (está a falar de amor ao Gabriele d'annunzio? dei tudo por amor ao meu país. mas quem me ama? Quem? poderei dormir nos braços de uma nação? dante idolatrou a sua Beatriz e napoleão a sua Josefina.) tamara: Je ne veux pas être votre Luisa. (eu não quero ser a sua Luisa.) d’annunzio: un artiste a besoin de son inspiration. nous les artistes, nous les liders, nous restons isolés au sommet. nous sommes les dieux solitaires de l’olympe. (um artista precisa da sua musa. nós os artistas, nós os líderes, ficamos sozinhos no topo. nós somos os deuses solitários do olimpo.) tamara: Je ne suis qu’un être humain. (eu sou só um ser humano.) d’annunzio: vous êtes une artiste. notre destin est d’être sur ce sommet que les gens aimeraient attendre et leur malheur est de ne pas pouvoir nous rejoindre. si vous aimez le peuple, il faut vous tourner vers d’autres artistes, comme moi. (você é uma artista. o nosso destino é sermos aquilo que as pessoas gostavam de ser e a sua desgraça é não poderem lá chegar. se quer amar o povo, 141 142 t de L empicKa (acto ii) • Fdc tem de se juntar aos outros artistas, como eu.) tamara: vous n’aimez que vous-même. vous me regardez et vous ne voyez que ma poitrine. J’ai un coeur qui bat, qui soupire, qui pleure comme celui de Luisa. mais vous vous ne pensez qu’à le membre impuissant que vous avez entre les jambes et vous utilisez les mots, le seul don que dieu vous ait donné, pour votre seul plaisir —un instant de l’histoire. vous n’êtes pas un lider, vous n’êtes pas un artiste, vous n’êtes pas un homme. vous voudriez que je fasse votre portrait? Le voici, monsieur. (você só se ama a si próprio. olha para mim e só vê o meu peito. eu um tenho coração; que bate e suspira e chora, como o da Luisa. mas você só pensa nesse membro impotente que tem entre as pernas e usa as palavras, o único dom que deus lhe deu, em benefício próprio… —um momento da história!… você não é um líder, não é um artista, não é um homem. Queria que eu pintasse o seu retrato —aqui está ele, monsieur.) [mostra-Lhe a teLa em Branco] Gabriele d'annunzio seul sur ses sommets couverts de neige. voilá! (Gabriele d'annunzio sozinho no meio da neve. aqui está ele!) [são por de spiGa em suBitamente interrompidos r 87 páG. 151] t de 143 L empicKa (acto ii) • Fdc Q 85 • átrio aéLis • carLotta • dante • Finzi • mario Finzi leva carlotta à estação do comboio. [Finzi entra vindo do saLão, de Q 78 páG. 116, ao mesmo tempo Que carLotta cheGa vinda do seu Quarto de Q 80 páG. 125] Finzi: está de partida, signorina Barra? carLotta: si, capitano. o mario vai-me levar à estação para apanhar o comboio. Finzi: não vai ser necessário. permita-me ser eu a fazê-lo. isso dar-me-á oportunidade de esclarecer qualquer mal entendido. carLotta: se quiser pode levar-me, capitano, mas eu não tenho mais nada a dizer-lhe. Finzi: carlotta… o seu terço. arranjei-lho. [dá-Lho] aéLis: [entra páG. 125, dor, de vindo do Quarto de carLotta, de Q 80 seGuida por dante e mario, vindos do corre- Q 83 páG . 134] carlotta, por favor… não se vá embora assim… Finzi: dante, leva a mala para o automóvel. mario, espera aqui. [mario e dante trocam oLhares. dante sai para o automóveL, reentrando nesta cena Q 85 páG. 145. Finzi 144 t de L empicKa (acto ii) • Fdc para carLotta ] o acidente foi muito lamentável, carlotta. carLotta: deus quis que ele acontecesse, capitano. ele quis avisar-me. se eu quero salvar a minha alma, tenho de deixar a dança e todos os actos não naturais. aéLis: carlotta, peço-lhe, por favor dê-me só mais um dia. carLotta: se queremos uma italia segura, capitano Finzi, todos os italianos, mesmo os judeus, têm de ajudar a expulsar estes ímpios estrangeiros. [carLotta Faz a saudação Fascista a Finzi, Que Lha devoLve, e sai para não mais voLtar] aéLis: Finzi! você não tem autoridade para transformar esta casa numa prisão. Finzi: os acontecimentos provarão a minha autoridade. a defelice acaba de ser presa por actividades subversivas. aéLis: prostituição? Finzi: comunismo! mario: devo informar il comandante, signora mazoyer? aéLis: oui, oui, vai dizer-lhe imediatamente. Finzi: [sorrindo] si, mario, vai dizer-lhe. [mario vai para t o Quarto de d’annunzio, para de L empicKa (acto ii) • Fdc r 92 páG. 166] aéLis: eu não vou deixar que você destrua a minha casa. il comandante vai fazer um telefonema e o seu trabalho aqui acabou. acabou! Finzi: muitos vão estar acabados por aqui, mas eu não serei um deles. ouvi dizer que há muitas bailarinas jovens e bonitas em França, signora. talvez tenha melhor sorte por lá. dante: [reentra na seQuência da sua saída nesta cena Q 85 páG. 143] capitano, a signorina Barra pede-lhe que se apresse. [Finzi sai e voLtará para r 94 páG. 172. aéLis e dante diriGem-se para o saLão, para r 86 páG. 146] 145 146 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 86 • salão aéLis • dante • Luisa • tamara Luisa decide-se a partir com tamara. aéLis: [entra seGuida de dante, vindos do átrio de Q 85 páG. se] 145. encontra Luisa de Q 78 páG. 118. dante senta- nunca mais, nunca mais, nunca mais! nunca mais me vejo livre dele? ainda mais uma noite. porque é que nós temos de o aturar? Luisa, tu passaste das marcas! Quando acordo já o Finzi anda a revolver a casa, a sujar os tapetes. e agora tu dás-te ao luxo de te embebedares! o Finzi procura espiões dentro do aquário, tu embebedas-te e quase te mataste a ti e à carlotta, o Gabri não vê mais nada senão as mamas da polaca, o mario infiltrase cá em casa e faz-se misterioso, a emilia não se consegue encontrar e o dante [vendo-o] senta-se… Levantate, dante! [dante Levanta-se] Luisa, eu estou-te a avi- sar, eu vou-me embora. se não começas a dar uma ajuda, vais ficar cá sozinha. oh, carlotta, carlotta… [Luisa conForta aéLis com GentiLeza. aéLis readQuire a postura] dante, não tens nada para fazer? dante: si, vou-me casar, signora mazoyer. com a emilia. aéLis: o que é que queres dizer com isso? sabes muito bem que il comandante nunca o permitirá. dante: tencionamos ir embora. aéLis : pensas que eu vou ficar ao serviço do il t de L empicKa (acto ii) • Fdc comandante todas as noites? eu não te deixo ir embora. ouves-me? não deixo. dante: veja! [sai para a cozinha, para r 90 páG. 161] Luisa: Bravo! [Bate as paLmas] ai a minha mão. aéLis: dante… emilia… carlotta. [pausa] não me deixes, Luisa. Luisa: aélis, eu faço tudo o que tu quiseres, mas não comeces com o aldo; eu não vou com ele nem com o Francesco nem… eu só quero dormir. [aéLis Junto de Luisa] senta-se a bala não resultou. aélis, estou toda dormente. [chora] às vezes beijo o aldo para conseguir vomitar. deixo que ele mo faça por trás e aélis, quero odiar, odiá-lo a ele, odiar-me a mim, mas não sinto nada, nem sequer nojo! aélis, eu… o Gabri levou tudo. Já não há mais nada. porque é que ele não pode… aélis! Já não há mais nada! porque é que eu não consigo sentir nada? há dois dias que não faço nada na casa de banho. a menstruação já não vem. Já não há mais nada! aélis, eu não quero ficar doida, eu só quero sentir. aélis! aélis! aéLis: [aBraçando Luisa] desculpa. desculpa, Luisa, por favor. eu gosto muito de ti. Luisa, tu não podes fechar-te… Luisa: [aGarrando aéLis] não percebes? não há nada para fechar, não há nada dentro de mim. uma freira, uma puta —o que é que eles querem? 147 148 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: pára de falares deles. Luisa: padrões! padrões! tudo a preto e branco. eu detesto pianos. eu detesto… se eu ao menos conseguisse detestar… Foram os homens que inventaram os pianos… e as canções, e as músicas, e os jogos e a sua abominável italia. Quero vomitar. aéLis: [Levanta-se e vai Buscar o Jarro de áGua] Luisa, por favor; Luisa, acalma-te. toma. [pondo Frente deLa] o Jarro à deita fora. Luisa: [tenta mas não sai nada] não consigo. não consigo. não há nada. aéLis: põe os dedos na boca. Luisa: [tenta. ainda nada] não quer sair. [novamente. aéLis poisa o Jarro. aGarra Luisa e emBaLa-a] tu és forte. [pausa] tu não queres render-te. tu não vais desistir. Lamento, aélis. aquilo com a carlotta. desculpa. aéLis: [seGredando] dorme, minha irmã. [emBaLa-a] Luisa: eu queria que ela tivesse percebido. ela pensa que é a imagem dela que ela vê ao espelho. é a minha. envelhecemos, contamos às crianças os nossos contos de fadas e elas acreditam que o mundo sustem a respiração por italia. cada nova geração traz a chama da anterior, até o mundo inteiro estar em chamas. Gabri, il duce, são velhos que adormeceram a fumar na cama. e agora o t de L empicKa (acto ii) • Fdc fogo está por toda a parte. aélis, estou em fogo e não há ninguém para apagar as chamas. aéLis: Luisa, Luisa. esta casa é o nosso mundo. estamos seguras aqui. não há nenhuma chama a não ser a do desejo do Gabri. as coisas seguem o seu próprio caminho, não podemos mudar isso. o que temos de fazer é tentar ser felizes, aconteça o que acontecer. a carlotta foi-se embora mas eu hei-de sobreviver… como quando a isabelle morreu. temos de conservar a esperança para persistir. olha para o Gabri com La polonaise. Logo que eles acabem a lua de mel fica tudo resolvido. Luisa: não. a tamara não é como nós; ela vai-se embora. aéLis: se ela o fizer, será a primeira mulher a fazê-lo durante todo o meu tempo de serviço. tamara: [entra vinda da suite, de r 89 páG. 160] Je dois partir. (tenho de partir.) aéLis: ce soir? ne soyez pas si pressée, madame de Lempicka. Je suis sûre que le comandant veut que vous restiez. vou n'avez même pas commencé le portrait! (esta noite? não esteja tão apressada, madame de Lempicka. estou certa que o comandante quer fique. ainda nem sequer começou o retrato!) tamara: ça ne l'interesse pas. (isso não o interessa.) Luisa: deixa-a ir, aélis. 149 150 t de L empicKa (acto ii) • Fdc aéLis: [para Luisa] ela vai quando o Gabri disser para ela ir e não antes. [aéLis zio, diriGe-se ao Quarto de d’annun- s 99 páG. 180] tamara: ça vous fait mal? (está a doer?) Luisa: tamara. tamara: oui. Luisa: vá enquanto pode. vá. é demasiado tarde para mim. vá à procura da liberdade. Libre! tamara: Liberté. pour vous et pour moi. (Liberdade. para si e para mim.) L uisa: sim. pode ir para Londres, paris, zurique, Berlim… tamara: oui. Je connais un médecin à zurich pour vous. (sim. eu conheço um médico em zurique para si.) Luisa: zurique? tamara: oui. vien Luisa, vite. (sim. vem Luisa, depressa.) Luisa: [rindo] hong Kong, tóquio, nova iorque. tamara: ça ne fait rien, allons-y. (não importa, vamos.) [Luisa seGue tamara para o corredor, s 97 páG. 177] t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 87 • suite d ’annunzio • de spiGa • tamara d'annunzio expulsa de spiga de il vittoriale. [tamara e d’annunzio continuam na suite, Q 84 páG. 142. de spiGa entra vindo do saLão, d’annunzio: de Q 78 páG. 117] sai, Francesco! spiGa: [para tamara] veuillez excuser mon intrusion. dans le désordre de cet aprés midi j’ai oublié de vous remettre la lettre que j’ai trouvée dans la boite à lettres. elle doit être de votre mari. (desculpe a minha intromissão. na confusão desta tarde, esqueci-me de lhe entregar esta carta que estava na caixa do correio. deve ser do seu marido.) d’annunzio: de eu disse para saires, Francesco! spiGa: não te zangues, Gabri, olha que começas a suar. d’annunzio: [para tamara, iGnorando de spiGa] vous m’avez humilié, madame. Je vous ai offert mes mots, ma sensualité. mais vous vous êtes moquée de ma langue, vous avez blessé mon corps, vous avez craché sur ma sensibilité et vous avez bafoué mon âme. (humilhou-me, madame. ofereci-lhe as minhas palavras, o meu corpo. mas troçou da minha língua, molestou o meu corpo, cuspiu na minha sensibilidade e escarneceu da minha alma.) 151 152 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Francesco, tu vais-te embora amanhã! tu não usas, tu abusas da minha hospitalidade. a Baccara fica. repito: tu vais, ela fica. [peGa Quarto, suite, no seu casaco e sai para o seu r 93 páG. 168. de spiGa continua com tamara na r 88 páG. 153] t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 88 • suite de spiGa • tamara de spiga obriga tamara a partir para nice com mario. [de spiGa e tamara continuam na suite, de r 87 páG. 152] tamara: il me semble que vous êtes capable d’ouvrir n’importe quelle porte, monsieur. (parece ser capaz de abrir qualquer porta, monsieur.) de spiGa: elle était ouverte. J’espère que vous accepte- rez mes excuses, non seulement pour m’être introduit dans votre intimité mais aussi à cause des observations grossières de Gabri. voici votre lettre. (estava aberta. espero que aceite as minhas desculpas, não só por me ter intrometido no que era obviamente um momento privado, mas também pelos reparos mal educados do Gabri. a sua carta.) [oFerece-Lha] tamara: Les hommes n’ont rien à me dire. (os homens não têm nada para me dizer.) de spiGa: même votre mari? (nem sequer o seu marido?) tamara: La seule chose vraiment importante que mon mari m’a dit a été “oui”. et c’était un mensonge. (a única coisa realmente importante que o meu marido me disse foi “sim”. e era mentira.) de spiGa: et Gabri? il ment lui aussi? (e Gabri? também 153 154 t de L empicKa (acto ii) • Fdc ele mente?) tamara: [começa Fecha a porta] a Fazer as maLas enQuanto de spiGa monsieur d'annunzio m’étouffe de mots comme si je n’étais q’un enfant et lui un prêtre sénile en train de me baptiser. pour lui la verité c’est um langage mystique et trés confus, mais ce n’est pas vrai. La verité c’est une ligne droite qui coupe comme un couteau aiguisé. (monsieur d'annunzio inunda-me com palavras como se eu fosse uma criança e ele um padre senil a baptizarme. para ele a verdade é uma linguagem mística, confusa. mas não é. a verdade é uma linha a direito que corta como uma faca afiada.) de spiGa: Je trouve votre franchise trés rafraichissante. (acho a sua franqueza muito refrescante.) tamara: autre mensonge. Je vous fais peur. vous devez être vraiment trés faible pour avoir peur d’une femme aussi lâche que moi. (outra mentira. eu assusto-o. deve ser realmente muito fraco para ter medo duma cobarde como eu.) de spiGa: J’ai l’impression de parler toujours trop tôt. Je n’ai pas compris— (dá-me a sensação que falo sempre cedo demais. não atingi—) tamara: non. vous avez trés bien compris. ces gardes qui sont au portail vous connaissent. il y a même un qui vous a salué. pourquoi? (não. atingiu, sim. aqueles guardas no portão conheciam-no, um deles até o cumprimentou. porquê?) t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: pure formalité. (por pura formalidade.) tamara: Je pars, monsieur, parce que cette maison et ceux qui y vivent ont bâtit une prison de mensonges et d’illusions qui les detruira tous. monsieur d'annunzio pense qu’il est libre. il est prisonnier, non de ses gardiens, mais de ses propres mots. et vous, pourquoi faites vous ceci? c’est par votre carrière? (vou-me embora, monsieur, porque esta casa e os seus ocupantes construiram uma prisão de mentiras e ilusões que os há-de destruir a todos. monsieur d'annunzio julga que é livre. ele está encarcerado. não pelos guardas, mas pelas suas próprias palavras. e você, porque é que faz isto? é pela sua carreira?) de spiGa: c’est une raison. (é uma razão.) tamara: ce n’est pas parce que vous avez une carrière, monsieur, que vous arrivez à faire des oeuvres d’art. (Lá porque tem uma carreira, monsieur, isso não significa que consiga fazer obras de arte.) de spiGa: Jouer les ingénues ne nous va pas trés bien, madame. mais puisque vous tenez a marmoter des vilaines véritées permettez-moi de vous expliquer que— (a ingenuidade não lhe assenta bem, madame. mas uma vez que parece inclinada a sibilar feias verdades, deixe-me explicar-lhe que—) tamara: J’ai déjà entendu toutes les explications. J’ai vécu la revolution russe. J’ai vu comment la populace, une 155 156 t de L empicKa (acto ii) • Fdc fois au pouvoir, a sacrifié toute une culture au nom de la politique. (Já ouvi todas as explicações. eu vivi durante a revolução russa. eu vi como a ralé atingiu o topo e sacrificou toda uma cultura em nome da política.) de spiGa: La musique n’a rien à voir avec la politique. Je ne suis qu’un humble compositeur italien. (a música não tem política. eu sou apenas um humilde compositor italiano.) tamara: patriotisme et art… attention, vous tendez trop la peau du tambour, monsieur; un jour elle va se déchirer. (patriotismo e arte… está a esticar a pele dum tambor, monsieur; um dia ela vai rebentar.) de spiGa: Je n’ai pas de contrainte dans mon travail. (o meu trabalho é descomprometido.) tamara: et dans votre vie non plus! (e a sua vida também!) de spiGa: Je suis libre de dire et de faire tout ce qui me plait. (sou livre de dizer ou fazer aquilo que eu quiser.) tamara: en public? (em público?) de spiGa: oui. c’est merveilleux, n’est ce pas? puisque mon alliance est sécrete, je peux dénnoncer publiquement le gouvernement et ils permetent que des millions de personnes continuent toujours a écouter ma musique. (sim. não vê o encanto disso? uma vez que a minha aliança é secreta, posso denunciar publicamente o governo e t de L empicKa (acto ii) • Fdc eles continuam a deixar milhões de pessoas ouvir a minha música.) tamara: c’est bien vrai. mais un jour l’histoire ne le permetra plus. (isso é verdade. mas a história saberá tapar os ouvidos.) de spiGa: ça suffit! Le fait d’être obligée de coucher pour toucher vos honoraires elimine vos pauvres tentatives de moralisation. (Basta. o facto de ter de copular para conseguir os seus honorários anula as suas frágeis tentativas de moralização.) tamara: mon art existe par ele même. (a minha arte existe por si.) de spiGa: pas en italie. allez. emportez tous les cadeaux de Gabri, payés par le gouvernement italien, et allez-vous en. (não em italia. vá. Leve todos os presentes do Gabri, pagos pelo governo italiano, e vá-se embora.) tamara: Je m’en vais! (estou a ir!) de spiGa: mais… pas tout de suite. vous allez attendre ici que je revienne vous chercher, vers minuit. il n’y aura pas d’adieux. mario vous conduira à nice. nous sommes d’accord? (mas… não já. vai esperar aqui até eu a vir buscar por volta da meia-noite. não vai haver despedidas. o mario levá-la-á a nice. estamos entendidos?) tamara: combien faut-il de fachistes pour protéger le vieux de mario visconti? (Quantos fascistas são precisos 157 158 t de L empicKa (acto ii) • Fdc para guardar o velho do mario visconti?) de spiGa: de qui? (de quem?) [tamara de spiGa aGarra-Lhe na mão] não responde. vous avez dit un nom. (disse um nome.) tamara: Lachez-moi. (Largue-me.) de spiGa: comment le connaissez-vous? (como é que o conhece?) tamara: Je ne le connais pas. (não conheço.) de spiGa: [Fazendo Força na mão] refléchissez bien. (pense melhor.) tamara: [assustada] il… Je l’ai reconnu à cause d’une photo. Je l’ai vu quand je faisais le portrait de sa mére à zurich. (ele… eu reconheci-o por uma fotografia… vi-a quando estive a pintar o retrato da mãe em zurique.) de spiGa: Faire du piano tous les jours donne de la force aux mains au pianiste, vous ne trouvez pas? il vous a dit pourquoi il se trouvait ici? (não é interessante como uma prática constante torna tão fortes as mãos de um pianista? ele disse-lhe porque é que estava cá?) tamara: non. (não.) de spiGa: c’est… curieux. (é… curioso.) [aperta mais Força] com tenez, une femme m’a dit un jour que les hommes portent des couteaux parce qu’ils n’ont pas t de L empicKa (acto ii) • Fdc reglés comme les femmes. (sabe, uma mulher disse-me uma vez que a razão porque os homens usam navalhas é porque não são menstruados.) tamara: il est communiste. c’est tout ce que je sais. Je jure que— (ele é comunista. é tudo o que eu sei. Juro que-) de spiGa: ne jurez pas, s’il vous plait. (não jure, por favor.) [LarGa-Lhe a mão] vous savez certaines choses, madame. Je vous suggére de les oublier. parce-que savoir certaines choses est plus dangereux qu’un morceau de verre. on peut se couper plus profondément. (sabe umas coisas, madame. sugiro que as esqueça. porque saber uma coisas é mais perigoso do que uma faca afiada: corta mais fundo…) [de spiGa sai, diriGindose para o Quarto de d’annunzio. perceBendo Que mario está a FaLar com d’annunzio, Fica à porta à espera de mario, r 95 páG. 174. tamara continua na suite em r 89 páG. 160] 159 160 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 89 • suite tamara tamara monologa sobre d'annunzio e de spiga. tamara: [continua na suite, de r 88 páG. 159] Je déteste ces hommes modernes qui affirment aimer son pays, la politique et le pouvoir. tout cela est abstract. d'annunzio dit qu’il le fait au nom de l’humanité, et qu’est ce que c’est l’humanité plus qu’une personne et une autre e encore une autre?… de spiga voit le monde comme les notes d’une partition, mais il oublie de jouer chaq’une a la fois. Jouées ensemble les notes ne sont plus q’un bruit —un bruit horrible. (odeio estes homens que dizem amar o seu país, a política e o poder… tudo aquilo é abstracto —o d'annunzio diz que o faz em nome da humanidade; e o que é a humanidade senão uma pessoa e mais outra e mais outra?… de spiga vê o mundo como as notas de uma partitura, mas esquece-se de as tocar uma de cada vez. tocadas ao mesmo tempo as notas são só ruído —um horrível ruído.) [vai para arrumar as suas coisas mas deita-as ao chão vioLentamente] non, Luisa. (não, Luisa) [aGarra nas maLas e vai para o corredor, onde as deixa. vai procurar Luisa ao saLão, r 86 páG. 149] t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 90 • cozinha dante dante decide partir. dante: [vindo do saLão, de r 86 páG. 147. esconderiJo Buscar uma GarraFa de vodKa] vai a um emilia… emilia… [Bate à porta do Quarto] emilia? onde é que ela está? emilia? [entra na cozinha, aGarra no seu chapéu de GondoLeiro e põe-no] passei seis anos nesta casa. isto era a minha venezia, um lugar onde o meu pensamento podia vaguear no tempo, ser sexta-feira na cozinha da mamma, o cheiro das ervas e da massa, o cheiro a lavado, o som das mulheres a trabalharem na cozinha. a mamma a explicar à emilia como se fazia “challah”, a caterina a trepar ao balcão… oh, emilia, onde é que está a minha filha? eu quero a minha menina. [BeBe] Quando o papá voltava para casa, a mamma acendia as velas do shabbat e o papá pegava na caterina ao colo e dizia: “possas tu ser como sarah, rebeca, raquel e Leah”. emilia! não era uma alegria? o papá recitava o Kiddush e depois lia a torah e quando eu quis falar, tu mandaste-me calar e pediste ao papá para continuar. eramos uma família, emilia. e podia ser assim outra vez. não é fácil, nunca é quando se é pobre. [BeBe] o mario diz que luta por nós. o Finzi diz que luta por nós. eles lutam pelo poder, para poderem mandar em nós. se eles não se matarem um ao outro, vão acabar como il comandante, que bate nos criados porque o mundo lhe bate a ele. não hão-de ir mais longe. há demasiado tempo que digo “ainda não”. ainda não para o meu deus, 161 162 t de L empicKa (acto ii) • Fdc ainda não para o meu povo, ainda não para a liberdade. [BeBe] Fiquei com il comandante porque ele tomou conta da mamma, porque tu ficaste; acabou-se, vou tomar uma atitude. olhas para o mario e julgas que ele é forte; e eu o que sou? Fraco, medroso e tonto? não. [BeBe] posso não estar no topo, mas também luto. Luto pela minha mulher e pela minha filha porque a primeira responsabilidade de um homem é a sua família. [atira a GarraFa para deBaixo da mesa. o vodKa derrama-se] acabou-se a bebida e os sonhos [atira o chapéu para o chão] e o viver no passado! olho para esta cozinha e digo: acabou-se. esta não é a minha casa. a única coisa que nos deixaram foi o amanhã. Jerusalém não é para o ano que vem, é já para amanhã. vou ajudar o mario a fugir. não pela revolução mas para te pôr a salvo, a ti e à tua filha. vou buscar a mamma e vamos para a palestina. Lá estaremos a salvo. [pausa] e o Finzi, se ele falhar como fascista, talvez aprenda a vencer como judeu. [vai para o corredor. ouve-se tocar a sineta da porta. vai aBrir em r 94 páG. 172] t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 91 • Quarto de mario e Quarto de emilia emiLia emilia monologa sobre o seu final feliz. emiLia: [continua no Quarto de mario, de Q 82 páG. 131] vou com ele. vou-me embora! “temos de trabalhar, temos de trabalhar até morrer”. não, caterina, isso não é para nós. nunca mais. se il comandante vier, vamos para inglaterra. o mario apresenta-nos a todas as pessoas importantes. até podemos vir a conhecer o rei… oh, caterina, a primeira vez que a tua mamma se apaixona calha-lhe logo o filho dum duque, um marquês! Quando eu tinha a tua idade, o velho pepino sentava-se à porta da taberna e contava histórias de fadas e toda a gente fazia pouco de mim porque eu acreditava nelas… mas o meu coração sempre me disse que eu iria ter um final feliz. deus não podia ter-me feito só para me ver sofrer. e ele não fez com que eu te tivesse só para os vizinhos calhandrarem… tudo tem uma intenção… não interessa quão tonta eu tenho sido, vejo agora isso muito bem… estava destinado a acabar assim… estás a ver, caterina, há um deus. [tira omBros] um LençoL da cama e põe-no à voLta dos havemos de ter capas de pele, brancas, enor- mes… e usar colares de diamantes quando passearmos pelos canais… parece que os canais em inglaterra ainda são maiores que os de venezia… e teremos o nosso gondoleiro privativo… [pausa] dante… o que é que eu lhe digo? o mario diz que ele não pode saber mas eu não posso ir-me embora assim… tenho de lhe explicar… mas não posso… enquanto o Finzi acreditar que o dante não 163 164 t de L empicKa (acto ii) • Fdc sabia nada do mario e de mim estará a salvo… il mio dante… [doBra o LençoL e sai para o seu Quarto. Quando entra, LiGa o rádio e ouvem-se os úLtimos seGundos da cena 2 do 2º acto de “La 45 traviata” de verdi. o rádio Ficará LiGado e ouvir-se-á a ópera até ao FinaL] dante… lembras-te… não, não comeces, emilia… eu só tenho de lhe dizer que me vou embora. o mario ama-me e eu vou-me embora com ele… tu protegeste-me durante toda a vida, dante… Quando eu chorava, tu contavas-me uma história. Quando eu arranjava chatices, tu mentias para me safar. Quando eu roubava, tu encobrias-me. acabou-se. [pausa] eu sei que tu sempre tentaste fazer as coisas pelo melhor, mas aprendi quando estava grávida da caterina, que tenho de fazer aquilo que é melhor para mim. para mim. uma mulher sente a filha a mexer e percebe que só ela é que realmente a sente. a barriga cresce, fica cheia, mas em vez de sentires que há mais alguma coisa lá dentro, sentes-te é cada vez mais só; porque ninguém pode partilhar aquilo. ninguém. oh dante, eu gostava tanto de te dizer estas coisas e sei que tu ias dizer que percebias, como um pai diria a um filho: “compreendo”… mas eu agora não estou a sonhar… eu sei que isto não é um conto de fadas, é o final que eu queria… o mario ama-me… sinto-o como senti a caterina a mexer-se dentro de mim… dante, deixa-me ir… nem sequer estás aqui e já te sinto a segurares-me… nós nunca mais podemos ter o que tinhamos… morreu… tentei a sério amar-te… tantas noites que sonhava contigo entre mim e o berço da caterina… a maneira como seria… mas não pode ser dessa maneira. eu gosto tanto de ti, dante, mas preciso de mais… o mario… eu sei que quase não o conheço t de 165 L empicKa (acto ii) • Fdc mas é o tudo ou nada… este medalhão é para ti… [põeno em cima da cama. repara no cruxiFixo. aJoeLha-se e reza] meu deus, perdoa-me pelo sofrimento que eu vou causar ao dante e atende as minhas preces e confortao na sua tristeza… não peço nenhuma graça para mim, mas peço-te que conserves a caterina com saúde e feliz, e que o mario a venha a amar. amen. Bom, onde é que está a minha mala preferida?… [espreita para deBaixo da cama e tira uma eLeGantíssima maLa] há três anos que está aqui debaixo. o dante dizia que eu nunca a iria usar porque eu nunca me iria embora, mas uma senhora precisa de uma mala decente… Quando a marchesa cassatti cá esteve trouxe vinte e quatro malas… levou vinte e três… nem deu pela falta desta. Quando se é muito rico nem é preciso saber contar. [começa a emaLar roupa] para que é que eu levo isto? o mario vai tomar conta de mim a partir de agora… [deita as roupas para o chão] talvez eu pudesse contratar a aélis e dizer-lhe, “arruma isto, aélis”. ainda o melhor era olhar só para ela… e… [aGarra numa peça de roupa] vou levar isto para não me esquecer… como recordação… [emaLa a peça de roupa e aGarra num Livro] vou voltar a pôr este livro no salão. Quando eu aprender a ler hei-de comprar livros novinhos em folha encadernados a pele… tenho de saber se ele sempre vem connosco ou não. pobre comandante, vai ficar doido quando me vir nos braços do mario… [emiLia sai com a maLa e diriGe-se ao saLão, s 97 páG. 177] 166 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 92 • Quarto de d’annunzio mario mario monologa sobre emilia. mario: [irrompe átrio, de Q 85 peLo Quarto de d’annunzio, vindo do páG . 145] comandante? provavelmente está lá em baixo com a tamara. o velho sátiro não podia resistir a um último beijo. [pausa] e eu? posso ir ter com a emilia e abraçá-la só mais uma vez? não… nunca mais. não está previsto levá-la daqui. são só dois os marinheiros que vão para Genova. o que foi isto? onde é que ele estará? o Finzi precisa de ir até ao topo para ser autorizado a prender um criado do d'annunzio. temos uma hora, no máximo duas. e se eu falho? ninguém vai saber que o d'annunzio se juntou à resistência. a ele mantêmno aqui com guardas extra no portão e umas gramas de cocaína… e a mim fazem-me ter um acidente… e a emilia… a emilia vai-se lixar. uma mulher inocente irá para a prisão pelo contributo que deu a isto… se eu ao menos me convencesse que ela só o fez pelo dinheiro, ou pela causa, como a defelice… tenho de… ela vai apanhar uns anos de prisão, é tudo… e o dante fica à espera dela. pelo menos assim ela fica viva… ela… meu deus, ela ama-me. [pausa] pára com isso. a tua tarefa é tirar o d'annunzio desta casa. Bolas, porque é que ele não se despacha? odeio esta espera… é como o silêncio antes da borrasca. em caporetto olhava para a linha da trincheira e pensava: qual deles irá morrer?… não, aquele não, tem família… meu deus, nem aquele, é tão novo… nem aquele… nem aquele… até que as bombas começa- t de L empicKa (acto ii) • Fdc vam a cair e todos os pensamentos eram esmagados. deixava de haver pessoas, companheiros, só morte e terror… [Fica à espera de d’annunzio para r 93 páG. 168] 167 168 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 93 • Quarto de d’annunzio d’annunzio • mario mario recebe uma carta de d'annunzio. d’annunzio: [entra vindo da suite, vestido com o Quimono e com o casaco na mão, de r 87 páG. 152. pendura o casaco. mario está no Quarto de d’annunzio na seQuência de r 92 páG. 166] sabes o que é que aquela mulher me disse? mario: não há tempo para mulheres! a defelice foi presa. d’annunzio: a defelice? [Fecha a porta] ela é dos vos- sos? mario: nós estamos por toda a parte. comandante, temos de partir imediatamente. d’annunzio: carta] [senta-se à secretária, a escrever uma porque é que tu lutas, mario? para libertar os oprimidos? mario: Já discutimos esse assunto. vamos. d’annunzio: e quem são os oprimidos? as putas! as emilias e as defelices… não usemos velhas palavras esterilizadas e gastas! esquerda, direita, esquerda, direita —toda a gente marcha e grunhe a mesma cantiga. olho para o mundo e vejo que estou sozinho. t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: o senhor fecha os olhos e pensa que está sozinho. a italia está cheia de homens que lutam isolados contra o Fascismo. eles só estão à espera de um líder. d’annunzio: não mais apóstolos. mario: escolha o caminho e os homens segui-lo-ão. ainda sabe o caminho para roma. vem comigo? [não há resposta] parar, ficar aqui e agora, é abandonar uma nação. d’annunzio: mussolini vai conduzi-los— mario: em círculos. o governo dele é pior que um senado romano. sabe quando foi? em 10 de Janeiro de 49 antes de cristo, césar atravessou o rubicão. d’annunzio: o dia 10 foi ontem. eu estou velho. mario: agora desculpa-se com a idade. há cinco minutos, dava o seu melhor para seduzir uma mulher vinte anos mais nova… d’annunzio: trinta. mario: se um homem ainda é sexualmente activo, tem a obrigação de ser politicamente activo. ame a italia novamente. d’annunzio: o que é que eu iria ser em inglaterra? 169 170 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: a voz da verdadeira italia. d’annunzio: um velho porco. vai-te embora. diz aos teus chefes o que eu disse ao mussolini. diz-lhes que me deixem morrer! acabou-se. mario: tudo? as palavras? os livros? as façanhas? d’annunzio: tudo. acabou-se. o mussolini é o dono das minhas palavras. pegou nelas e fê-las reflectir como num espelho. pegou nos meus slogans, nos meus uniformes, até nos meus homens! o Finzi foi um dos meus apoiantes! como é que esperas que eu consiga chamá-los quando o mussolini me tirou a voz? os gestos dele, a forma como ele atira as palavras como se elas viessem do cálice do paraíso… isso era meu. mantem-me aqui como se eu fosse a mitra do rei, e visita-me exclusivamente para se refrescar, para ter a certeza que usa a entoação correcta nas palavras, que faz as pausas como deve ser. ele até rapou o cabelo! [aBana-se raivosamente] a marcha sobre roma foi uma ideia minha. ele disse que nunca resultaria. e eu, eu que fiz a minha carreira por saber ler o pensamento do povo italiano, dei-lhe ouvidos. cristo teve o seu Judas, mas o meu não me deixa morrer. mario: cristo morreu por uma causa. podíamos estar em inglaterra daqui a três dias. agir é a única forma de encontrar a salvação. d ’a nnunzio : escrevi esta carta para o duque de connaught… [aGarra ver] na carta Que acaBou de escre- t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: o senhor ou nada! [tira uma navaLha e encostaa ao pescoço de d’annunzio] se não vier, tenho ordens para o eliminar. d’annunzio: por favor, deixe-me morrer fardado. [mario aFasta a navaLha. d’annunzio tira a pistoLa da Gaveta e coLoca-a em cima da secretária. despe o Quimono e veste o casaco. mario vai para sair] não tinha ordens para me matar? mario: [voLta à secretária e Fica como Que hesitante em peGar na pistoLa. peGa na carta] Levo isto para a história saber. [sai do Quarto e é interceptado por de spiGa, Que está do Lado de Fora, zio continua no seu Quarto, r 96 páG. 175. d’annun- s 99 páG. 180] 171 172 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 94 • átrio dante • Finzi dante brinca com Finzi. [dante cheGa vindo da cozinha, de r 90 páG. 162. ouve tocar a sineta da porta da rua e aBre-a. é Finzi Que voLta de Levar carLotta ao comBoio, de Q 85 páG. 145] dante: Quem é você? o que é que está aqui a fazer? Finzi: não me provoques, dante. dante: eles também o hão-de provocar. nome? Quem o deixou passar? onde é que esteve a noite passada? a partir de agora sou eu que faço perguntas. não; melhor… você nem sequer existe. [suBitamente sur- preendido] onde é que ele foi? o fascista desapareceu. [oLhando para Finzi como se o visse peLa primeira vez] então quem é que é este simpático judeu? é o aldo Finzi. agora é que me estou a lembrar de ti… escondias-te lá ao fundo, na última fila da sinagoga. Finzi: Já chega de brincadeira, acabou-se, dante. a defelice assinou o depoimento. mal o mande para roma… o mario é preso. dante: e a emilia? Finzi: Farei o que puder. t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: deixe-me levá-la daqui. Finzi: tenho de telefonar para roma. [vai para sair mas diz ainda] rio, não prometo nada. [sai para o seu escritó- s 101 páG. 188. dante vê mario a diriGir-se para o seu Quarto e seGue-o, para s 100 páG. 185] 173 174 t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 95 • corredor de spiGa de spiga lê a carta do marido de tamara. de spiGa: [vem da suite, r 88 páG. 159, e diriGe-se à saída do Quarto de d’annunzio. depois de conFirmar Que mario está a FaLar com d’annunzio, examina a carta do marido de tamara] o que será que o marido lhe quer? [aBre a carta e começa a Ler] “minha querida: são três da manhã e não, não estive a beber. passei a noite sentado no teu estúdio. estavas sempre a dizer que gostavas de saber o que é que eu pensava do teu trabalho e eu arranjava sempre desculpas para não o ver —bem, vim esta noite e na mesa por detrás do teu cavalete estava um velho livro de poemas do Goethe. abri-o neste: “Gehe, verschmähe die treve, die reve kommt nach”. [para si próprio] Já nem alemão sei. —”Gehe verschmahe” [traduz] “vai, despreza a fé…” não, não é bem isso, é “vai, despreza a fidelidade, o remorso seguir-te-á”. [continua a Ler] “claro que primeiro pensei nas minhas próprias imprudências, mas depois pensei apenas no quanto tentei desencorajar-te de pintar, porque queria que te desses a mim e isso tocou-me fundo porque era como se te estivesse a pedir que perdesses a fé na tua arte. tu deves pintar, tamara. espero que esta tua visita a esse tal d'annunzio renove a tua fé pela arte e que esta carta te renove a tua fé por mim. amo-te. tadeusz.” [para próprio] si ela devia ter lido esta carta. [Guarda a carta e continua, Quando mario sai do Quarto de d’annunzio, em r 96 páG. 175] t de L empicKa (acto ii) • Fdc r 96 • corredor de spiGa • mario de spiga confronta mario. [mario sai do Quarto de d’annunzio, de r 93 páG. 171. de spiGa tem estado à espera deLe, de r 95 páG. 174] de spiGa : [interceptando mario] mario, estás a perder o teu tempo com o Gabri. ele não tem mais nada para dizer ou fazer. mario: porque é que me diz isso? de spiGa: Basta que to diga. Bom, e agora vou salvar-te a vida. mario: sabe quem eu sou? [saca a navaLha e ameaça de spiGa] de spiGa: há pessoas, pessoas bem colocadas, que que- rem que tu, mario visconti, vás para algures, que saias daqui vivo. não faças perguntas, vai-te simplesmente embora. o teu pai quer ver-te. está a morrer, mario. vai ter com ele. está em nice. mussolini garantiu-lhe que te dava um salvo conduto. arranjei as coisas para tu levares madame de Lempicka a nice logo à noite… depois de todos se terem deitado. estamos entendidos? deixas ficar o d'annunzio e vais-te embora. mario: a emilia fica em segurança? 175 176 t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: nenhum mal lhe acontecerá. e agora afasta essa navalha. [mario Guarda a navaLha] muito melhor. [mario diriGe-se ao seu Quarto, s 100 páG. 185. de spiGa diriGe-se ao corredor onde estão tamara, Luisa e emiLia, s 97 páG. 177] t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 97 • corredor de spiGa • emiLia • Luisa • tamara de spiga impede Luisa e tamara de partirem. [emiLia vem do seu Quarto, de r 91 páG. 165. pousa a maLa e oBserva tamara e Luisa Que estão a ir-se emBora, vindas do saLão, de r 86 páG. 150. Luisa traz a BaGa- Gem de tamara. escorreGa e cai] emiLia: [indo aJudá-La] aleijou-se, signora Baccara? Luisa: [rindo] tudo cai em italia. o coliseu, o governo, até o Francesco. [tamara tenta aJudar emiLia a Levan- tar Luisa, mas Luisa puxa-a para o chão] tamara: Luisa. Luisa: [aGarra a cara de tamara com amBas as mãos] dites non… Gabri. tamara: oui. oui. emiLia: eu ajudo-a a ir para o seu quarto, signora. Luisa: shhh! estamos a fugir. de spiGa: [entra vindo da entrada do Quarto de d’an- nunzio, de r 96 páG. 176. aJuda com GentiLeza tamara a Levantar-se e depois atira-a com BrutaLidade contra a parede] Je déteste me répéter. J'ai dit à minuit, mada- 177 178 t de L empicKa (acto ii) • Fdc me, à minuit. rentrez dans votre chambre! (detesto repetir-me. eu disse à meia.noite, madame, à meia-noite. volte para o seu quarto!) Luisa: [para de spiGa] tu? também tu… meu deus! meu deus! deixem alguém ser livre. emiLia: signore, ela não está bem. de spiGa: isto não é da tua conta, emilia. Luisa: nós dantes eramos outras pessoas, Francesco. mas eramos… pessoas. de spiGa: [para tamara] allez avec elle, madame. (vá com ela, madame.) [para Luisa] vai dormir, Luisa. vai dormir. [para emiLia] emilia, ajuda-a a subir as escadas e depois vê se a bagagem de madame de Lempicka voltou para o quarto dela. emiLia: si, signore. [de spiGa diriGe-se para o átrio, s 98 páG. 179. desta, tamara e emiLia Levam Luisa para o Quarto s 102 páG. 189] t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 98 • átrio de spiGa de spiga monologa sobre Luisa. de spiGa: [Fica sozinho no corredor depois de deixar Luisa, emiLia e tamara, de s 97 páG. 178] se o Finzi não tem mandado a tropa para o portão… porque é que roma me obriga a estar associado a tanta estupidez e a tanto mau gosto? a Luisa nunca pode vir a saber. tudo o que tenho feito é para a tentar proteger —protegê-la disto… talvez ela de manhã já não se lembre de nada. se não, talvez pudesse convencê-la que isto não aconteceu. a tamara já terá ido embora e o Finzi já terá prendido a emilia, por isso este pequeno incidente não deve voltar à baila. Quanto à aélis, ela estava demasiado preocupada com a carlotta para ter reparado no que se passou ao portão— Qual quê! a Luisa costuma dizer, “Francesco, és demasiado lógico para seres um grande compositor”. [pausa] ela não se irá esquecer. [sai para o escritório de Finzi, s 103 páG. 191] 179 180 t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 99 • Quarto de d’annunzio aéLis • d’annunzio aélis levanta d'annunzio. d’annunzio: [depois de mario sair, em r 93 páG. 172, diri- Ge-se ao Busto veLado de eLeonora duse] eleonora… minha testemunha velada. minha mentora e memória. minha juventude. Lembras-te como costumávamos gritar não? não! não a tudo o que fosse refugo. prometemos levantar os nossos martelos e partir a pedra da mediocridade. e agora somos nós essa pedra. rendemo-nos, dissemos sim… e temos medo. só nos resta um “não”… a morte. estou tão assustado que se abrisse a boca para gritar, nem um som se ouviria e as moscas ainda acabavam por entrar. [BeiJa o Busto e aponta a pistoLa à caBeça] aéLis: [entra vinda do saLão, de r 86 páG. 149] non! non! d’annunzio: deixa-me ir, aélis. aéLis: assim? d’annunzio: disseste esta manhã que ainda não era o meu tempo. é o meu tempo. deixa-me. aéLis: não vire as suas frases contra mim! d’annunzio: muito bem. não diremos nenhuma palavra. sai… o suicídio é um acto solitário, exige solidão. sai, t de L empicKa (acto ii) • Fdc sai! aéLis: [vai para sair mas pára] solidão— escreveu um livro sobre o egoísmo, e até esse o deixou na gaveta! vá, amaldiçoe-nos a todos, e morra. morra! [vai para sair] d’annunzio: não, aélis. espera. não. compreende… eu faço isto pela italia! por tudo no que ela se tornou por minha causa. conduzi uma nação “para os lobos e para a terra de ninguém”. tenho de morrer. se matares a raíz… matas a árvore. aéLis: está a fazer isto pela sua caprichosa filha? d’annunzio: sim. Finalmente. dizes ao mundo? aéLis: eu digo-lhes. tenho tudo escrito. durante vinte anos tenho feito o meu diário dedicado a si, Gabri. eu digo ao mundo. dir-lhe-ei que sem as suas mulheres não tinha sido nada. direi ao mundo como penetrou por dentro da “sua amada” eleanora duse e lhe saqueou o coração e a alma como um papão num quarto de criança, transformando o sofrimento dela num “grande romance”. direi ao mundo como a sua mulher, a donna maria, se tentou matar por duas vezes; da nike, cuja fortuna gastou e deixou na miséria. a minha lista não terá fim. direi ao mundo da Luisa. d’annunzio: não! não! todos me acusam! eu nunca quis que ela me amasse! aéLis: mas ama! todos em italia o amam. [tenta tirar a 181 182 t de L empicKa (acto ii) • Fdc arma a d’annunzio, Que carreGa no GatiLho. nada] d’annunzio: eles tapam o nariz e deixam a lepra alastrar. até o mario se recusou a cumprir o seu dever. Que fedor, aélis! Que horrível fedor! aéLis: [suBitamente interessada] o que é que quer dizer com isso do mario se ter recusado a cumprir o seu dever? o que é que há com o mario? d’annunzio: era suposto que ele me matasse se eu não quisesse ir— aéLis: para onde? d’annunzio: para inglaterra. aéLis: porquê? porquê? d’annunzio: para falar… os comunistas querem a minha língua. aéLis: ajudou-o? d’annunzio: não. aéLis: repita! d’annunzio: eu não lhe dei nada. arriscou tanto e eu não lhe dei nada. aéLis: vou ter de contar ao Finzi. t d’annunzio: de L empicKa (acto ii) • Fdc deixa o mario partir. aéLis: e perder tudo? o Finzi quer que eu seja deportada. se ele descobre isso do mario, estou perdida. d’annunzio: ele foi-se embora, aélis. desapontei-o, desapontei todos os meus amigos. para que é que eu sirvo? nem consegui convencer a tamara… os jovens falam de outra maneira— aéLis: então aprenda a linguagem deles! costumava ser a sua. pensa que conduz as pessoas? não. Foi o cântico da multidão que o tornou grande. Foi o Boccaccio deles, o césar, o da vinci, o Garibaldi. através de si, eles construiram roma, atravessaram os alpes, conquistaram nações… d’annunzio: sim! sim! aéLis: o senhor era forte e eu não o vou deixar ser fraco. está-me a ouvir? mussolini destruiu-o mas eu vou fazer por si aquilo que fez pela italia, vou levantá-lo outra vez. à maneira de roma. para nos salvar. para salvar a nossa casa. [escarrancha-se em d’annunzio na cama] d’annunzio: dá-me a tua língua. aéLis : Lembra-se da duse na sua melhor peça, “Francesca da rimini”? “nos meus sonhos, vejo-a—” d’annunzio: “nos meus sonhos, vejo-a como se ela fosse 183 184 t de L empicKa (acto ii) • Fdc verdadeira.” aéLis: “uma mulher nua a correr pela floresta.” d’annunzio: “Ferida pelos ramos e espinhos, implorando misericórdia—” aéLis: “…dois mastins nos calcanhares… atrás dela, montado num alasão preto—” d’annunzio: “um cavaleiro negro, força e zanga na cara, espada na mão, ameaçando-a com uma morte rápida em palavras aterradoras.” aéLis: “os cães, abocanhando a mulher nua, fazem-na cair.” d’annunzio: “e o cavaleiro, de espada na mão, corre para a mulher.” aéLis: “dirige-se a ela, poderoso e atravessa-lhe o peito com a espada. depois saca o punhal, abre-a pela barriga, arranca-lhe o coração e deixa o resto para os cães.” [d’annunzio tenta roLar soBre aéLis ] non! non! tamara! tamara! possua-a, como um grande rei que tivesse conquistado a polónia. [empurra d’annunzio] d’annunzio: e o que é que eu digo? aéLis: nada! nada! possua-a só. [d’annunzio suite, t 108 páG. 207. sai para a aéLis, exausta, ao ouvir Finzi e mario a discutir diriGe-se ao corredor, t 107 páG. 205] t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 100 • Quarto de mario dante • mario dante explica a mario como pode fugir. dante: [entra vindo do átrio, r 94 páG. 173. mario veio da entrada do Quarto de d’annunzio, r 96 páG. 176. despe-se e veste roupa de camponês. Guarda a carta de d’annunzio] mario… ele vai-se embora contigo? mario: não… Falhei. dante: o falhanço não é teu, é dele! e o que é que vais fazer com a emilia? ela pensa que vai contigo, não pensa? mario: tive de mentir… mas foi uma mentira que queria que fosse verdade. dante: se gostas dela, pensa na segurança dela. Que vida seria a da emilia, sempre a fugir de um lado para o outro… mario: ela devia casar contigo, dante. dante: exactamente. tu tens a tua causa, mario; a minha causa é a emilia. mario: uma causa, se ao menos fosse uma causa… tu lutas pela emilia, pelo amor, é o teu dever— 185 186 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: é a mesma coisa. mario: não para um visconti… si, dante… eu sou um visconti, o marchese mario visconti. dante: o filho do duque de milão, o fascista? mario: si. mas para o pai o meu título é cobarde. estávamos a ser esmagados em caporetto e eu desobedeci a uma ordem para resistir… a escolha era entre sacrificar os meus cinquenta homens ou salvar-lhes a vida e desobedecer a uma ordem formal. dante: e retirou? mario: si… fui levado a tribunal militar e fui condenado à morte. o pai disse que eu tinha desgraçado a família; os visconti sempre foram militares… e agora ele tem de fazer uma escolha idêntica à minha. dante: Que escolha? mario: o amor ou o dever. dante: não há escolha. mario: há, há, não não há… eu não sei é qual deles é que ele vai escolher… o de spiga acabou de me dizer que ele está a morrer. dante: o signore de spiga? t de L empicKa (acto ii) • Fdc mario: surpreendido? dante: os ricos já não me surpreendem. mario: o pai está em nice e quer ver-me… o governo garante-me um salvo conduto. ou está o pai, enquanto fascista, a ser cúmplice de um plano para me apanharem? o amor ou o dever… irónico dilema para ambos. dante: não vá, marchese. mario: vou… estarei a salvo em nice… e não quero que os fascistas me levem à fronteira. dante: o Finzi tem soldados em todas as saídas. mario: mas tu sabes uma maneira de eu me escapar, não sabes? dante: a varanda do segundo andar dá para os ciprestes ao lado da casa. de lá pode chegar a muro da propriedade do conde Leonni. sabe guiar um barco? mario: si. dante: o dele, o “maz” é o barco mais rápido do Lago di Garda. a partir daí fica por sua conta. mario: Grazie, dante. dante: avie-se. avie-se. [mario com dante para t 107 páG. 203] sai para o corredor 187 188 t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 101 • escritório de Finzi Finzi Finzi sabe por mussolini quem é mario. Finzi: [vindo do átrio, de r 94 páG. 173. vai ao teLeFone] Ligue-me o 3-2-8-6… si… si… com certeza… roma. eu sei que horas são! sim, o ministro do interior… […] Generale Foscarini? capitano aldo Finzi! Boas notícias! o d'annunzio está implicado com um jovem comunista chamado mario— […] o quê? il duce! ele quer falar… [põe-se em sentido] capitano Finzi! duce, é uma honra. sim, duce— […] duce— […] eu sei o que é um imbecil. mas— […] ele é quem? o filho do duque de milão? […] eu sei o que é um amigo. […] desculpe, duce, eu não queria repetir o que me… mas não está a perceber. ele está implicado em actividades subversivas. […] si, eu conheço a Libia… muito calor… não, duce, eu não quero ir para lá… mas se— está? está? duce? [pausa. desLiGa o teLeFone. continua em s 103 páG. 191] t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 102 • corredor emiLia • Luisa • tamara emilia e tamara levam Luisa para o seu quarto. [emiLia aJuda tamara a Levar Luisa para o Quarto desta. vêm de s 97 páG. 178] emiLia: não devia beber, signora. Luisa: emilia, não fiques cá. agarra no dante e vai-te embora. Foge enquanto podes. vai esta noite. vai-te embora. emiLia: eu vou-me embora em breve, signora. tamara: [apontando para um deGrau] regardez. Luisa: upa. upa. vou para as estrelas. upa. upa. e quase que lhes tocava mas não me atrevi. [pára no patamar] Boa noite. eu agora já me desenvencilho sozinha. emiLia: eu abro-lhe a cama, signora. Luisa: não. ajuda a tamara. eu não preciso de ajuda. [para tamara] Bonne nuit. tamara: nous avons peur toutes les deux, ma soeur— mais notre peur nous rend fortes. (ambas temos medo, minha irmã— mas o nosso medo torna-nos fortes.) 189 190 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Luisa: vai-te embora, emilia. tamara: [para Luisa] Bonne nuit. Luisa: ele quase que lhes tocou, mas não se interessou. [enQuanto soBe as escadas, por deGrau] upa. upa. [vai para o seu Quarto, t 105 páG. 196. tamara e emiLia diriGem-se para a suite, t 106 páG. 198] t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 103 • escritório de Finzi de spiGa • Finzi de spiga ordena a Finzi que não intercepte mario. Finzi: [acaBou de desLiGar o teLeFone Quando de spiGa entra. Finzi vem de de s 101 páG. 188. de spiGa vem do átrio, s 98 páG. 179] pensam eles que o d'annunzio é fraco? um discurso, um só, pode fazer rebentar uma revolução. de spiGa: por amor de deus, Finzi, não percebe quem é o pai do mario? Finzi: si, o duque de milano. il duce acabou de me informar. mas a mim não me interessa se ele é filho do rei, continua na mesma a ser um comunista. eles pensam que o mario é um menino de coro? ele é um operacional; tem de ser morto antes de voltar a matar. de spiGa: não, não tem. esta noite, ele vai levar madame de Lempicka a nice. Finzi: e vai também dar-lhe dinheiro para a viagem? de spiGa: isso não lhe diz respeito. Finzi: primeiro tentou raptar a Luisa e agora qual é o seu plano? Ficar com os méritos da minha operação? de spiGa: a palavra é “culpa”, aldo, e eu não tenho nenhuma. o mario vai em liberdade. il duce está simples- 191 192 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mente a obsequiar um velho amigo que está a morrer e que quer ver o seu filho pela última vez. só isso. mal o duque morra, mario terá um acidente antes de poder assumir o título. Finzi: e d'annunzio? de spiGa: nada muda. contenção. observação. como sempre. claro que a emilia tem de ser presa amanhã de manhã. Finzi: o aristocrata vai de férias e a desgraçada da camponesa vai para a prisão. vá-se embora. vá! deixe-me ficar com a Luisa. de spiGa: a Luisa não é negociável. Finzi: você não a ama, deixe-a para mim. de spiGa: ela está farta de política. Finzi: Francesco, deixe-me alguma coisa! de spiGa: vou levá-la comigo quando me for embora. Finzi: eu amo-a. tudo o que eu fiz, ou tentei fazer, voltar para roma, foi por causa da Luisa. de spiGa: Bem, pelo menos o velho duque vai ver realiza- do o seu último desejo. Finzi: um passeio à riviera para o comunista! t de de L empicKa (acto ii) • Fdc spiGa: e você vai deixá-lo ir! e isto é uma ordem. Finzi: isto não é vida, Francesco. vivemos numa sala de espera. se nada acontecer, apodrecemos. de spiGa: eu vou dormir e sugiro que você fique por aqui. entendido? e, como precaução, quero a sua arma… [Finzi entreGa a arma a de spiGa, Que sai para o saLão, para s 104 páG. 194. depois de de spiGa sair, Finzi vai Bus- car uma arma Que tinha escondida e o dinheiro Que descoBriu no Quarto de mario. sai para o corredor e encontra mario e dante em t 107 páG. 203] 193 194 t de L empicKa (acto ii) • Fdc s 104 • salão de spiGa de spiga confessa que viciou d'annunzio em cocaína. de spiGa: [entra páG. 193. vindo do escritório de Finzi, de s 103 põe a pistoLa Que tirou a Finzi em cima do piano. senta-se ao piano e toca “canção para Luisa” de carLos dâmaso] Luisa… o quê? o que é que eu lhe posso dizer? a verdade? a questão não é quanto é que eu amo, é quanto é que eu odeio. Quando me esbofeteaste senti o teu ódio e voltei a senti-lo quando puxaste o gatilho… Juntei-me a um— sim, suponho que o nosso movimento é uma espécie de clube—, onde quanto mais se odeia mais depressa se é admitido. e como eu odeio os seus membros quase tanto como me odeio a mim, não tive problemas em entrar. [ri] Quando eles me disseram para me fazer aqui convidado, vi a minha oportunidade. eu sabia que o Gabri me iria tratar como um velho amigo porque ele não se iria lembrar da dor que me causou quando te roubou de mim… para ele, não foi um roubo; foi como se ele levasse emprestado um chapéu para não apanhar chuva. e então, um dia, ele esqueceu-te, e encontrou outra pessoa. mas eu nunca esqueci nem perdoei. nem tu. para odiar, uma boa memória é essencial. e do que eu me lembro desde há anos é só da quantidade de mulheres que se tornaram viciadas no Gabri… sim, ele é um vício. [tira um FrasQuinho do BoLso] Foi aí que a ideia me ocorreu: cocaína. Quis que ele experimentasse como era ter um vício. e assim, desde há dois meses que lho tenho metido no corpo. eu acho que ele nem se dá t de L empicKa (acto ii) • Fdc conta… mas ele já está viciado na cocaína. como eu estou viciado em ti. como tu estás viciada nele. disseste ontem que querias vingar-te… pensa no desespero que ele te causou… agora imagina o que acontecerá quando ele não tiver a sua dose diária… vem comigo. nós temos um ódio comum, Luisa. é base suficiente para o amor. [pausa] porque é que eu não lhe conto tudo? se eu conseguisse separá-la dele, ela depressa se curava. [ao dar-se conta da discussão entre Finzi e mario, sai para o corredor, t 107 páG. 205] 195 196 t de L empicKa (acto ii) • Fdc t 105 • Quarto de Luisa Luisa Luisa suicida-se. Luisa: [entra vinda do corredor, s 102 páG. 190] a Luisa assustou-se tanto que a sua alma ficou livre. e agora, ela ri-se, para mim. shhh. o Gabri quer que ela vá dormir. [tira o casaco] a Luisa pensava que ele lhe tinha sugado o sangue todo, mas ele ainda aqui está… estou tão cansada. Quero dormir. [deita-se] shhh… Luisa vai para a cama. Luisa dorme… shhh… eles enchem a cabeça dela com silêncio… ela come-o com violência. [sentase. na mesa há um Jarro com áGua e um FrasQuinho de remédio com conta-Gotas. mete um pouco de áGua no copo e, enQuanto FaLa, deixa cair Gotas de remédio na áGua] o dottore Barzini disse só duas gotas, mas eu acordo e continuo aqui. “dantes eramos outras pessoas, mas eramos pessoas.” agora descobri o caminho para casa e vou para lá, sozinha. e a mulher que eu conheço melhor é uma que acabei de conhecer. não é quem perde, mas quem ganha que paga a aposta. não degrau a degrau, mas gota a gota. upa. upa. tens de encher o copo. [BeBe o remédio e depois deita-se] não estou deitada num caixão. estou a flutuar numa nuvem. respira. Fundo. [o pausa] corpo começa a contrair - se . a Luisa começou a partir-se, ela sente-se como se o gelo que a segurava tivesse começado a derreter; ela podia mexer os dedos dos pés, ela sente que se ela quisesse levantar-se ou correr ou dançar as pernas dela se juntariam a ela na risota. mesmo o seu ventre, que sempre t de L empicKa (acto ii) • Fdc desejou ficar cheio, começa a envergonhar-se e a encher-se de ar. o medo é engraçado e aquilo que me esmaga está a transformar-me. consigo mexer os dedos. shhh. há ali música. [diriGe-se para o átrio] nuvens, nuvens, nuvens e nevoeiro. Graças a deus, com a noite acaba-se a confusão. [cheGa ao átrio Quando Finzi dispara contra mario em u 109 páG. 208] 197 198 t de L empicKa (acto ii) • Fdc t 106 • suite emiLia • tamara tamara dá os presentes de d'annunzio a emilia. [tamara e emiLia vieram do corredor, de s 102 páG. 190. Quando tamara aGarra na sua BaGaGem, aGarra por enGano na maLa de emiLia. emiLia peGa na seGunda maLa de tamara e entram na suite] emiLia: não… não… signora, dê-me licença. esta é a minha última noite como criada. tamara: ça ne me dérange pas de porter mes propres baggages. (a mim não me incomoda levar a minha própria bagagem.) emiLia: Qual é a senhora que carrega a sua própria bagagem? Quando eu me for embora contrato pelo menos três criadas. tamara: [voLtando-se] comment? (como?) emiLia: [aBanando a caBeça] nada, signora. [para si própria] podia chamar-lhe o que eu quisesse que ela não percebia nada. tamara: Je m'inquiète pour Luisa. (estou inquieta com a Luisa.) emiLia: o quê? [para si própria] tenho de contratar um t de L empicKa (acto ii) • Fdc tradutor para perceber estes estrangeiros. tamara: [Faz o Gesto de cortar os puLsos] Luisa. peut être elle va essayer encore ce soir… de se suicider. (talvez ela tente esta noite… suicidar-se) emiLia: a Luisa? não, signora… a Luisa não faz isso. eu vou ter com ela… [Faz Gestos de ir] tamara: Bien. non… non… moi. emiLia: ela vai dormir a noite toda. [Faz o Gesto de dormir encostando as mãos à cara] dormir. tamara: ah! dormir. moi aussi. (ah! dormir. eu também.) [emiLia vai para sair. tamara aBre a maLa de emi- Lia] ce n’est pas la mienne. (não é a minha.) [emiLia reentra na suite e Fecha a porta] emiLia: é a minha… a minha, a minha roupa. a minha roupa não é tão bonita como a sua mas eu ainda hei-de vestir-me como uma senhora. tamara: Je ne comprends pas. excusez-moi. (eu não compreendo. desculpe.) emiLia: a sua roupa… é muito bonita. [aponta BLusa deLa] muito bonita. tamara: ça… vous l'aimez? emiLia: si. para a 199 200 t de L empicKa (acto ii) • Fdc tamara: [de repente, despe a BLusa e dá-Lha] pour vous. (para si.) emiLia: para mim? deixe estar, não se incomode. tamara: non. non. pour vous. (não, não. para si.) [aBre uma das suas maLas e tira uma camisa Que veste. depois começa a dar a emiLia toda a roupa, incLuindo o vestido Que d’annunzio Lhe deu] tenez, prenez tout. (tome, fique com tudo.) emiLia: Grazie. Grazie, signora. [aGarra o vestido] posso vesti-lo? [Faz o Gesto de vestir] vesti-lo? tamara: Bien sur, il vous apartient. (com certeza, ele é seu.) emiLia: ó meu deus, perdoa-me todo o mal que eu disse dela. tamara: [aBotoa a camisa Que vestiu] ils étaient tous les cadeaux de monsieur d'annunzio, mais maintenant je vous les fait cadeaux. et contrairement à monsieur d'annunzio, je ne m'attends à rien en recompense. (era tudo presentes de monsieur d'annunzio, mas agora sou eu que lhos ofereço. e contrariamente ao monsieur d'annunzio, não espero nada em troca.) emiLia: Quando chegar a inglaterra vou usar este vestido quando for ver o rei e o mario vai ficar orgulhoso de mim. t de L empicKa (acto ii) • Fdc tamara: mario, le nouveau chauffeur? (mario, o novo chauffer?) [Faz o Gesto de conduzir] emiLia: si. tamara: vous et mario, vous êtes amoureux? (você e mario, têm uma relação?) emiLia: eu não— tamara: vous et mario. (você e mario.) [aponta para o seu aneL] emiLia: si… mas é segredo. [põe um dedo na Boca] segredo. tamara: Je comprend. (compreendo.) emiLia: dá-me uma ajuda? [Faz o Gesto e voLta-se] tamara: oui… vous êtes très belle. (sim… você é muito bela.) emiLia: tenho de lhe levantar um bocadinho a bainha… o que é que eu estou a dizer? eu vou ter costureira. [pausa. a entrada súBita de d’annunzio, vindo do seu Quarto de s 99 páG. 184, determinará o Fim desta cena. se eLe não tiver ainda cheGado nesta aLtura, a cena continuará com as duas a tentarem entender-se] signora… [LemBrando-se] …Lempicka. tamara: non, non, apellez-moi tamara. (não, não, 201 202 t de L empicKa (acto ii) • Fdc chame-me tamara.) e miLia: tamara… está… você e signor d'annunzio amam-se? [aponta para o aneL de tamara] você e d'annunzio? tamara: [rindo] moi et d'annunzio?… amants? (eu e d'annunzio?… amantes?) [aponta para a cama] ici? (aqui?) emiLia: si. tamara: [continuando a rir] impossible. impossible. (impossível. impossível.) emiLia: não? [aBana a caBeça] tamara: non. emiLia: e mesmo assim teve estes presentes todos. não percebo. tamara: comment? (como?) emiLia: nada… nada. [a de d’annunzio em cena continua com a entrada t 108 páG. 207] t de L empicKa (acto ii) • Fdc t 107 • corredor e átrio aéLis • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • mario Finzi intercepta mario. [Finzi, vindo do escritório, de s 103 páG. 193. intercepta mario e dante no corredor, vindos do Quarto de mario, de s 100 páG. 187. Finzi traz uma pistoLa e o dinheiro Que descoBriu no Quarto de mario] Finzi: mario, eu sei quem tu és! mario: [voLta-se e Faz sinaL a dante para se ir emBora. dante Fica] os fascistas sabem sempre “quem” —são muito bons em nomes. mas é o “porquê” que é importante. dante: aldo, por favor— Finzi: não te metas, dante. confiar nos criados, que grande tolice. um aristocrata como tu devia saber que os criados falam. mario: eu sei “porque é que” eles falam! a força encontra respostas, mas nunca a verdade. [encaminha-se para o átrio. Finzi e dante seGuem-no] Finzi: [enGatiLha a arma, o Que Faz parar mario, e mostra a caixa do dinheiro] mario visconti? e tu, tu nunca usaste a força, 203 204 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: deixe-o ir! Finzi: dois polícias foram mortos no Banco ambrosiano para que esta pequena expedição fosse financiada. [aBre a caixa e mostra o dinheiro] olha para o dinheiro que o teu herói rouba das poupanças dos trabalhadores. olha para ele, dante! mario: os trabalhadores não conseguem poupar; os trabalhadores morrem de fome enquanto os fascistas se banqueteiam! Finzi: odeio os da tua laia. ricos que fingem perceber os pobres, que fingem preocupar-se. vocês só se preocupam quando é conveniente, quando não têm de ir à ópera. mario: eu não finjo. Finzi: é engraçado brincar aos pobres? roubar umas roupas de camponês e depois andar por aí a falar da revolta das massas? Quem é que pensas que és, meu comunista de merda? eu não consegui arranjar emprego até ter sido aceite no partido Fascista. Quem é que dá a um desgraçado dum judeu oportunidade para mostrar o que vale? não os da tua laia. mesmo durante a guerra puseram-me num serviço de contabilidade porque é suposto que os judeus sejam bons com os números. cada um dos degraus que eu subi estava atolado de merda aristocrata. e agora eu não vou voltar para roma porque o teu pai é amigo de il duce. Que conveniente que é para ti ter um pai no partido. ele deixa-te brincar e t L empicKa (acto ii) • Fdc de depois, se as coisas derem para o torto, tu dás sinal na corda e ele puxa-te. mario: o meu pai não me traz à trela. [voLta-se para sair] Finzi: [aponta-Lhe se] a pistoLa] espera. [dante aFasta- esvazia os bolsos. [mario tira do BoLso a carta de d’annunzio] o que é isso? mario: uma carta de d'annunzio. [emiLia, vinda da suite, de t 108 páG. 207, esconde-se atrás de uma coLuna] aéLis: [entra páG. vinda do Quarto de d’annunzio, de s99 184] non! il comandante não o ajudou. ele está a mentir. Finzi: sou eu que decidirei sobre isso. aéLis: [correndo para a suite] Gabri! Gabri! depressa, o Finzi apanhou o mario! de spiGa: [entra vindo do saLão, de s104 páG. 195] Finzi, o que é que está a fazer? Finzi: [aponta [seGurando a arma a de spiGa] o que está a ver… na carta Que tirou a mario] provas. provas! ele não ia para França. o d'annunzio e o mario estavam a planear uma revolução. e eu desmascarei-os. ele é meu prisioneiro. meu! [aponta a arma a mario] vou levá-lo para roma. [emiLia avança por detrás de Finzi e aGarra-Lhe na mão Que seGura a pistoLa. Lutam] 205 206 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: emilia, não! Finzi: Larga-me! dante: pára! [corre para a aJudar mas a pistoLa Fica de repente apontada para eLe e eLe recua] emiLia: mario, ajuda-me! [mario Faz uma peQuena pausa e depois voLta as costas a emiLia e FoGe em direcção à porta da rua. a arma dispara-se por duas vezes e mario cai atinGido. a cena continua em u 109 páG. 208] t de L empicKa (acto ii) • Fdc t 108 • suite d’annunzio • emiLia • tamara d'annunzio tenta violar tamara. [d’annunzio cheGa à suite vindo do seu Quarto, de s 99 páG. 184. à porta respira Fundo e depois irrompe peLa suite onde está tamara e emiLia, de t 106 páG. 202] tamara: [para d’annunzio] Qu’est-ce que vous voullez? (o que é que quer?) d’annunzio: [emiLia sai, emilia! a hora da violência soou! vai. sai para o átrio t 107 páG . 205] J’ai atteint les limites du langage. Les pauvres mots ne me suffisent plus pour m’exprimer… (a minha voz atingiu o limite da linguagem, já não consigo argumentar com palavras débeis…) tamara: sortez! (saia!) [d’annunzio ataca tamara, Que o neutraLiza com uma JoeLhada] allez vous-en, partez, allez remplir vos livres des noms de toutes les femmes que vous avez baisé… oui, baisé… parce que vous n’avez aimé aucune… et moi, vous ne m’aurez jamais. (vá-se embora, vá-se embora, vá encher os seus livros com os nomes de todas as mulheres que você fodeu… sim, fodeu… porque você nunca amou nenhuma… e nunca me há-de ter. [ouve-se átrio, para um tiro] Luisa! [corre u 109 páG. 208] d’annunzio: mario! [corre para o átrio, para 208] para o u 109 páG. 207 208 t de L empicKa (acto ii) • Fdc u 109 • átrio aéLis • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara desenlace. [continuação de t 107 páG . 206. mario acaBou de ser atinGido por Finzi. aéLis, emiLia, de spiGa e dante Ficam estarrecidos. d’annunzio cheGa da suite de t 108 páG. 207. tamara, vinda da suite, de t 108 páG. 207, encontra Luisa Que veio do seu Quarto, de t 105 páG. 197] aéLis: mon dieu! emiLia: mario? [aproxima-se deLe e aBana-o] Luisa: oiçam o som da liberdade. [morre. tamara sacode-a e as LáGrimas correm-Lhe peLa cara aBaixo] de spiGa: Finzi, porque é que não obedeceu? eu tinha- lhe dado uma ordem. [aGarra na arma] Finzi: [deixa Que de spiGa Lhe tire a arma] emilia, porque é que… porque é que tu… eu não ia matá-lo. d’annunzio: uma ordem? aqui quem dá ordens sou eu. aéLis: não se meta nisto, Gabri. d’annunzio: a suite está preparada? dante: está morto. t de L empicKa (acto ii) • Fdc emiLia: [para dante] está a dormir. d’annunzio: ah! estou a ver que a emilia pôs o tapete de rosas. Finzi: [para de spiGa] está aqui na carta. eles estavam a preparar uma revolução. e eu desmascarei-os. eu disselhe desde o primeiro dia que ele era comunista. mas você não me deu ouvidos. ele é meu! de mim… de mim… aldo Finzi! d’annunzio: aélis, arranjaste os presentes todos? aéLis: [perceBendo nunzio] de o Que se está a passar com d’an- oh! spiGa: esta carta é sobre uma dívida de jogo. Finzi: não… não… eu… eu… está em código. vocês aristocratas são todos mentirosos. tenho de ir a roma. eles vão saber a verdade. a Luisa sabe. Luisa! Luisa! de spiGa: a Luisa não o pode ajudar. ela é minha. sempre foi. agora, vá-se embora. o partido já não precisa de si. saia! [Finzi sai peLa porta de iL vittoriaLe] d’annunzio: eu não deveria dar-lhe uns brincos? aéLis: Francesco, faça alguma coisa. Francesco, ajudeo! [de spiGa tira um Frasco de cocaína e espaLha-a peLo chão até ao pé de mario. d’annunzio, de Gatas, inaLa-a] 209 210 t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: emilia, vamos embora. emiLia: [para d’annunzio] comandante, posso sair? dante: olha para ele. não temos de pedir autorização para nada. d’annunzio: [de JoeLhos] vou-lhe dizer que ler as cartas dela é como ver uma mulher a despir-se. dante: [para emiLia] o mario queria que nós nos fossemos embora! aéLis: [indicando tamara] dante, leva-a à estação. [tamara poisa cuidadosamente Luisa no chão] dante: [para aéLis] hoje já não há comboio. aéLis: não me interessa. Leva-me esta mulher para fora da minha casa! dante: [para emiLia] vamos buscar a caterina. Fora daqui ainda há esperança. emiLia: [chorando] Leva-a contigo. ela está no convento de monte cassino. dante: vem connosco. emiLia: não posso— t de L empicKa (acto ii) • Fdc dante: eu amo-te, mas eu não posso ficar. [sai peLa porta de iL vittoriaLe] emiLia: dante— de spiGa: [para tamara] madame! é livre de partir. tudo mudou. [perceBendo Que eLa não perceBe] pardon, madame. vous êtes libre. tout a changé. tamara: oui… tout a changé! Luisa est morte. morte. (sim… tudo mudou. a luisa está morta. morta.) de spiGa: a Luisa morreu? [vendo Luisa] Luisa. [corre para Luisa] d’annunzio: mas aélis, eu sonhei tanto com ela que ela me pode desapontar. os sonhos matam a realidade. tamara: [para d’annunzio] Fasciste! [para todos] Fascistes! Fascistes! [sai peLa porta de iL vittoriaLe] d ’a nnunzio : [Levantando-se] eu sou o Gabriele d'annunzio! o sumo-sacerdote dos mistérios divinos… princípe… princípe… e… e… [continua a mexer os LáBios mas perdeu a voz] aéLis: [aJudando d’annunzio] emilia, fecha a porta. emiLia: [Gritando para a rua] dante? dante! aéLis: emilia! [pausa] Fecha a porta! [emiLia porta de iL vittoriaLe com Força. escuro. Fini] Fecha a 211 212 t de L empicKa (acto ii) • Fdc digestivi • refeitório tutti digestivi. [depois dos aGradecimentos, dante conduz o púBLico ao reFeitório para os diGestivos. os intérpretes Juntar-se-ão ao púBLico] t de L empicKa (acto ii) • Fdc posFacio “t de LempicKa” uma traGédia cLássica contemporânea carLos carvaLheiro referência bibliográfica: couprie, alan — Lire la tragédie, dunod, paris, 1994 213 214 t de L empicKa (acto ii) • Fdc i. “t de LempicKa” de John Krizanc t de LempicKa (tamara no original) foi escrita pelo canadiano John Krizanc (1956— ) em 1980 e assume a estrutura e as características de uma tragédia clássica a que se junta um aspecto completamente inovador: cada espectador pode escolher a personagem ou a intriga que quer seguir, a que se associa o facto de estar prevista, durante o intervalo, a possibilidade do público jantar e, portanto, poder trocar informações sobre o que viu, permite uma melhor compreensão das interligações entre as personagens e as intrigas. através de uma multifacetada profusão de sexo, violência e intriga política, t de LempicKa é um retrato fantasiado da italia fascista e decorre no il vittoriale degli italiani, moradia de Gabriele d'annunzio —o poeta e patriota que podia ter travado a ascenção de mussolini. o público observa a acção da peça seguindo os actores que entram e saem das diversas salas. as cenas acontecem simultaneamente, com os diferentes actores nas diversas salas, chegando a haver 8 cenas simultâneas. cada espectador acompanha a personagem ou a trama que quiser. as escolhas que cada um fizer determinam a peça que cada um verá. t de L empicKa (acto ii) • Fdc o espectador é iniciado nesta outra forma de estar a partir do momento em que compra o bilhete, sob a forma de um passaporte, onde é instado a ler as regras do jogo, sob a forma de 10 mandamentos, quer pelo mordomo que o recebe à porta de il vittoriale, quer pelo polícia fascista que lhe barrará a entrada até carimbar um visto válido por “48 horas”: 1. — Leia o seu passaporte. conheça o seu conteúdo. se for encontrado sem ele, será deportado. 2. — para melhor compreensão e manutenção da ordem, os convidados deverão seguir apenas uma ou duas personagens. mas, se a variedade é uma característica da sua vida, então siga os seus impulsos. 3. — se andar por si próprio, livremente, encontrar-se-á numa situação ilegal. pior: perderá o sentido da história. 4. — seja corajoso. Faça as suas escolhas com convicção. 5. — seja ousado. dirija-se directamente para um dos lados das salas. terá um melhor campo de observação. 6. — se vier acompanhado, devia separar-se dos seus amigos. duas fontes de informação são mais valiosas do que uma. durante o jantar ou, no final, durante o café, interrogue quem está à sua volta, compare informações. 7. — observe as histórias ou observe os observadores. de qualquer modo, deixe-se envolver. 8. — se ficar cansado, poderá consolar-se sabendo que há sempre uma história no piso térreo. 9. — para sua própria segurança, não fique nunca atrás de uma porta. nunca abra uma porta fechada. não siga ninguém que deliberadamente lhe fecha a porta na cara. 10. — ande depressa. ande em silêncio. Fale apenas quando falarem consigo. 215 216 t de L empicKa (acto ii) • Fdc o espectador é introduzido num tempo (10 de Janeiro de 1927) e num lugar (il vittoriale degli italiani) que pertenceu a Gabriele d’annunzio, um exótico italiano da viragem do século, poeta e patriota, que viveu uma vida devotada à sedução. as suas investidas mereceram os favores das mais notáveis mulheres da europa de então: isadora duncan, eleanora duse, sarah Bernhardt entre outras. contudo, a sua maior conquista não foi uma mulher, foi uma nação: a itália. os seus homens de campo adoravam-no pelo seu heroísmo apaixonado e criatividade excêntrica. a força da sua oratória conduziu a itália à primeira Guerra mundial. Logo a seguir à guerra, frustrado pelo fracasso diplomático que não conseguiu reinvindicar para a posse da itália a cidade de Fiume, d’annunzio, agindo por conta própria e ajudado por poucas centenas de soldados desmobilizados, ocupou a cidade durante 18 meses até que o embaraçado governo italiano o conseguiu expulsar. a sua popularidade e influência eram poderosos instrumentos quando apoiava com as suas palavras os líderes, mas a imprevisível natureza da filosofia política de d’annunzio faziam dele uma ameaça potencial. por isso mussolini colocou “il comandante” em virtual prisão domiciliária no “il vittoriale degli italiani”, em Gardone, no norte de itália. são também introduzidos outras personagens, com maior destaque para tamara de Lempicka, uma bela expatriada polaca, aristocrata e promissora pintora que, convidada por d’annunzio, vem a il vittoriale para lhe t de L empicKa (acto ii) • Fdc pintar o retrato. Quando chega de paris, fica surpreendida por o ver mais interessado em seduzi-la do que em ser retratado. mas no il vitorialle, os criados e os convidados são também cheios de surpresas. em que cama quer realmente aélis deitar-se? conseguirá carlotta Barra persuadir d’annunzio a recomendá-la a diaghilev? porque é que o ex-subsecretário de estado aldo Finzi está aqui e o que é que ele quer? Quem é de spiga? convidado? compositor? espião? porque é que a grande pianista Luisa Baccara anda com uma pistola? o mario é na verdade primo de emilia? neste casa, nada nem ninguém é aquilo que aparenta. o passaporte contem também a lista das dramatis personæ pela ordem de entrada em cena: dante Fenzo, mordomo de d'annunzio, ex-gondoleiro (se os homens sensatos são felizes, então eu sou um louco.) aldo Finzi, ex-subsecretário de estado de mussolini (nunca consegui ter um emprego até o partido Fascista me oferecer um. Quem mais daria uma oportunidade a um judeu pobre?) Gian Francesco de spiGa, diletante, compositor boémio e amante desprezado (Luisa tornou-se amante de d’annunzio por algum tempo. e eu… oh meu deus, em que é que eu me tornei?) emiLia pavese, criada de d’annunzio, de temperamento apaixonado (este mundo exige demais. tens de roubar para recuperar o que é teu.) 217 218 t de L empicKa (acto ii) • Fdc Gabriele d 'annunzio, il comandante, lendário poeta, patriota e amante italiano (as pessoas perguntam-me sempre o caminho a seguir. cada ano, uma nova causa, um novo movimento. mas esta é a minha casa, o meu palácio de cristal.) aéLis mazoyer, governanta e confidente de d'annunzio (as mulheres não são tão boas? não, carlotta, são melhores.) carLotta Barra, jovem bailarina à espera da recomendação de d'annunzio para os “Ballets russes” de diaghilev (porque é que não se pode ser cristão e dizer sim aos nossos sentimentos?) mario pagnutti, misterioso novo chauffer de d'annunzio (sim, tem uma pistola. e pode tirar-me a vida, se quiser. mas não pode tirar-me a consciência.) L uisa Baccara, célebre pianista e ex-amante de d'annunzio (tu não percebes as mulheres. algumas de nós pensam. algumas sonham. algumas têm esperança e esperam. mas todas nós queremos, e conseguiremos, vingarmo-nos.) tamara de Lempicka, pintora, aristocrata de origem polaca, a viver em paris (a paixão do artista tem de ser tão grande como a paixão do modelo.) a maioria das personagens existiram realmente, embora em alguns casos Krizanc tenha distorcido a sua biografia por razões de trama dramática (por exemplo, Luisa Baccara só virá a morrer por volta de 1990 (e não em 11 de Janeiro de 1927 como a peça sugere) tendo assumido as funções de conservadora de il vittoriale degli italiani depois da morte de d’annunzio em 1939). t de L empicKa (acto ii) • Fdc ii. dramaturGia de “t de LempicKa” motivação, mimésis, assunto, unidade de acção, unidade de tempo, unidade de LuGar, conveniências, verosimiLhança e estrutura ii.0 motivação John Krizanc parte para t de LempicKa por proposta de um orientador de um estágio teatral quando, durante a discussão sobre uma cena de uma peça de tchekov a que tinham assistido —e em que os criados, depois de dialogarem com os patrões, se retiram para a cozinha—, Krizanc terá dito “o que me interessava era acompanhar a conversa dos criados na cozinha”; ao que o orientador terá respondido: “porque não experimenta escrever uma peça de teatro onde o espectador pudesse escolher se continuava na sala ou se seguia os criados?” Krizanc aceitou a sugestão. a descoberta da temática central surge na confluência de três circunstâncias: • no final dos anos 70 é organizada em toronto uma exposição de pintura de tamara de Lempicka (18981980) que impressionou muito Krizanc, não só pela obra em si como pela biografia da pintora, nomeadamente o período que passou no il vittoriale, em 1927. • também por essa altura, toma contacto com o livro de 219 220 t de L empicKa (acto ii) • Fdc memórias de aélis mazoyer, a governanta de il vittoriale onde esta refere, nomeadamente, a visita de tamara de Lempicka de forma pouco elogiosa, o que veio a provocar um corte de relações entre ambas. • por fim, John Krizanc conhecia bem a realidade em italia durante a ascensão de mussolini uma vez que o pai se recriminava assiduamente de, no início dos anos 20, ao tempo um emigrante húngaro de esquerda que estudou em itália, ter ganho dinheiro a colar cartazes do partido fascista de mussolini e ter assim colaborado com um regime de que era politicamente contrário. a partir destas três circunstâncias, Krizanc começa a debruçar-se sobre a personalidade de Gabriele d’annunzio. Faz uma visita a il vittoriale degli italiani (actualmente casa-museu e sede da Fundação Gabriele d’annunzio) em Gardone, nas margens do lago de Garda no norte de italia e decide arrancar para a escrita de t de LempicKa. ii.1 mimésis a mimésis inscreve t de LempicKa numa estratégia não de copiar a vida, mas da sua emulação, ficcionando situações históricas com verosimilhança. citando Ford maddox Ford, the accuracies i deal in are the accuracies of my impressions. if you want factual accuracies go to… but no, don’t go anyone, stay with me (o rigor com que eu lido é o rigor das minhas impressões. t de L empicKa (acto ii) • Fdc se queres rigor factual tens de ir… não, não vás, fica comigo). ou aristóteles, na poética, uma vez que a tragédia é uma representação de homens melhores que nós, é preciso imitar os bons retratistas: dando a forma própria; eles pintam os retratos parecidos mas em melhor. um resumo possível de t de LempicKa aponta para a visita a il vittoriale degli italiani, em 1927, de uma encantadora jovem pintora polaca, tamara de Lempicka, convidada pelo proprietário, um eloquente e lascivo poeta em uniforme militar, Gabriele d’annunzio, il comandante, o célebre escritor-sedutor-patriota-político-militar italiano. ela pensa que está ali para pintar o retrato de um grande homem. ele, contudo, só pensa em seduzi-la, como é usualmente o seu dia a dia na prepóstera meio villa meio bordel meio mausoleu de il comandante. Lá fora, os fascistas de mussolini ganham força. como que para o provar, d’annunzio é colocado em prisão domiciliária. a chegada de tamara a esta casa prenhe de intrigas políticas e eróticas, provoca resultados explosivos. ii.2 assunto o assunto de t de LempicKa é “nobre” como propunha aristóteles. e é-o de três maneiras que concorrem em conjunto para a dignidade do género: primeira: as personagens são de alta condição: • Gabriele d’annunzio era um dos homens mais famosos do seu tempo em itália. mussolini dedicou-lhe mesmo a “marcha sobre roma” que despoletou a sua subida ao 221 222 t de L empicKa (acto ii) • Fdc poder. • tamara de Lempicka era uma retratista apetecida nos mais altos níveis sociais europeus, para além de ser casada com um aristocrata russo. • mario, disfarçado de chauffer, era na verdade marquês e filho do duque de milão e de emma visconti. militante comunista, era amigo de Gramsci, o dirigente do partido comunista italiano. • de spiga, compositor, era herdeiro de uma das famílias mais aristocratas de veneza. • Luisa Baccara foi considerada a melhor pianista italiana do seu tempo e uma das melhores do mundo. • aldo Finzi foi sub-secretário de estado do governo de mussolini e foi ele que esteve implicado na morte de mateoti, o dirigente do partido socialista italiano. • carlota, jovem bailarina, quer integrar os Ballets russes de diaghilev, a companhia de dança do seu tempo mais prestigiada do mundo. • aélis, dante e emilia, respectivamente governanta, mordomo e criada de d’annunzio, têm o estatuto de trabalhar num local prestigiado. segunda: a intriga tem consequentemente repercussões colectivas. através dos destinos individuais joga-se a sorte de uma nação e do mundo. se… se d’annunzio tem aceite a proposta de mario para denunciar na câmara dos Lordes os empréstimos do Governo Britânico que sustentavam o regime de mussolini (aparentemente não lhe seria impossível, como o provou na república Livre de Fiume) e se o parlamento tem embargado os empréstimos, muito possivelmente a ascenção do Fascismo em itália (e por consequência a t de L empicKa (acto ii) • Fdc ascenção do nazismo, a Guerra civil de espanha, a ii Guerra mundial, …) não se teria processado como a história nos conta e hoje teríamos outra história do século xx para contar. por isso, o (não) envolvimento amoroso entre d’annunzio e tamara tem implicações que ultrapassam o desejo e implicam a neutralização de todos. terceira: a localização do assunto num tempo concreto mas longínquo surge como uma condição de majestade trágica. como terá dito tacito, major et longinquo reve- rentia [o respeito é maior ao longe]. o respeito que temos pelo herói aumenta à medida que ele se afasta de nós. não trata só de episódios históricos. a questão é como aumentar as possibilidades da variação dos destinos. ii.3 unidade de acção a unidade de acção não significa acção única. aristóteles evocava prudentemente uma acção com uma certa extensão. nesse sentido, a teia de acções presen- tes em t de LempicKa, na perspectiva de um espectador, tem uma unidade, como terá uma outra unidade para outro espectador. mas cada uma delas permanece ligada à intriga principal. mesmo no caso de uma peça tão complexa como esta, as acções, mesmo secundárias, têm uma ligação com a acção principal. em t de LempicKa são cumpridas as regras expostas por J. scherer (La dramaturgie 223 224 t de L empicKa (acto ii) • Fdc classique, paris, nizet, 1950, pp. 103-104): a acção de uma peça de teatro é unificada logo que a intriga principal tem uma relação com as intrigas acessórias onde se possa constatar: 1º Que não se pode suprimir nenhuma das intrigas acessórias sem tornar parcialmente inexplicável a intriga principal; 2º Que todas as intrigas acessórias nascem no início da peça e continuam até ao final; 3º Que o desenrolar da intriga principal tal como o das acessórias depende exclusivamente dos dados expostos, sem introdução tardia de acontecimentos devidos ao acaso; 4º Que cada intriga acessória exerce uma influência sobre o desenrolar da intriga principal. cada um dos dez protagonistas (e cada um deles o será, dependendo da escolha do leitor e/ou espectador da peça) tem um ponto de vista a defender, tem “razão” segundo esse ponto de vista e a acção, para cada um deles, é una e completa, quer dizer, tem princípio, meio e fim. vejamos, e por ordem alfabética das personagens: a francesa aéLis tenta seduzir carlota sem sucesso. no entretanto precisa de governar uma casa onde se instalou a confusão por causa da chegada de tamara. na verdade foi ela que, para tentar estimular d’annunzio, lhe propôs convidar a pintora para lhe fazer o retrato. Quando carlota rompe com aélis, e apesar de ter ficado destroçada, compreende que é em cima dos seus ombros que cai a tarefa de manter a casa segura, até por questões de sobrevivência, ameaçada que foi, por Finzi, de t de L empicKa (acto ii) • Fdc ser deportada. a jovem bailarina carLota é uma fascista convicta que aceita vir a il vittoriale pedir a d’annunzio uma recomendação para integrar os Ballets russes de diaghilev. tudo o que se passa na casa é contrário às suas convicções mas não consegue impedir-se de se apaixonar por Finzi até descobrir que ele é judeu e por isso o renega, tal como renegou a estrangeira tamara, também por causa das atenções que todos lhe dispensam, mas principalmente por a achar um modelo de imoralidade. Quando quase é alvejada num pé por Luisa, decide abandonar a dança e, consequentemente, desinteressar-se pela recomendação que vinha buscar. il comandante d ’a nnunzio espera ansiosamente que tamara possa fazê-lo re-experimentar os píncaros da volúpia. a sua atitude impaciente provocará a recusa de tamara. a sua obsessão de consumar com esta o acto sexual é momentaneamente desviada pela proposta feita por mario, que começa por aceitar, de partir para Londres para aí denunciar o regime de mussolini. mas passado o momento de euforia e repetido o fracasso com tamara desiste de partir e tenta, sem sucesso, suicidar-se. completamente desfeito, é aélis que lhe dá ânimo para consumar a violação de tamara. novo fracasso. de d’annunzio resta um “farrapo”. o ex-gondoleiro dante, há vários anos ao serviço de d’annunzio como mordomo, ama profundamente emilia, de quem aliás tem uma filha e, por isso, faz tudo o que pode para a proteger, mesmo que isso signifique enco- 225 226 t de L empicKa (acto ii) • Fdc brir mario. o seu ódio a Finzi não o faz esquecer a proximidade de uma religião comum: o judaísmo. Lúcido, assume uma atitude pouco submissa com Finzi pela memória do pai assassinado pelos fascistas quando dirigiu uma greve de gondoleiros. o seu grande objectivo é casar com emilia. Quando percebe, mesmo com mario morto, que emilia não abandonará il vittoriale, desiste dela e vai-se embora. o compositor de spiGa, profundamente apaixonado por Luisa, sabendo embora que ela continua fortemente ligada a d’annunzio (pelo que, por vingança, vicia este em cocaína) e tendo de a repartir com Finzi, persiste no seu objectivo principal: levar Luisa do il vittoriale e viver com ela uma vida a dois, longe de tudo. e no entanto é um agente de mussolini, ali colocado secretamente para vigiar d’annunzio. o homem que tudo controla, acaba por ser atingido pelo acaso das circunstâncias. as mortes de Luisa e de mario deixam-no sem futuro. a criada emiLia tem um objectivo de vida claro: casar com um homem rico. no entanto, como precisa de pagar a educação da filha (cujo paradeiro insiste em manter secreto, mesmo para dante, o pai), não só rouba o que pode como aceita trocar favores sexuais por dinheiro, nomeadamente com Finzi. também por dinheiro aceita introduzir mario como chauffer em il vittoriale fazendo-o passar por um primo. acaba por se apaixonar por ele para logo o denunciar quando Finzi a ameaça e o paradoxo atinge o auge quando percebe que ele é comunista (nada podia ser mais perigoso naquele tempo em italia) mas que também é aristocrata. a morte de mario (provo- t de L empicKa (acto ii) • Fdc cada acidentalmente por Finzi quando emilia tentava afastar a pistola que estava apontada a mario) e a partida de dante deixam-lhe como alternativa “fechar a porta da rua” a mando de aélis. o ex-sub-secretário de mussolini, o capitano Finzi, assume o protótipo do militante fascista. o seu principal objectivo é voltar a ter uma posição de poder em roma, coisa que também acha que lhe permitiria reconquistar Luisa com quem teve uma fugaz mas marcante relação. castrado por de spiga, para todos os efeitos seu superior hierárquico, julga encontrar a sua oportunidade ao descobrir aquilo que pensa ser uma conspiração envolvendo d’annunzio e mario. ao provocar-lhe acidentalmente a morte, percebe que não voltará a ter uma segunda oportunidade e nada mais lhe resta senão uma obsessiva teoria da conspiração. a pianista Luisa, profundamente ligada a d’annunzio e ciumenta até à doença, adulada por de spiga e por Finzi, acaba por ganhar estima pela nova “conquista” de d’annunzio, tamara. incapaz de se mover no labirinto afectivo em que se enredou, encaminha-se claramente para a loucura. o novo chauffer mario é na realidade um militante comunista que tem como missão ou convencer d’annunzio a ir para inglaterra para denunciar o regime de mussolini ou, em caso de recusa deste, eliminá-lo. para isso, precisou de assaltar um banco e de eliminar o antigo chauffer da casa. contando com uma missão de rápida resolução, vê-se no impasse de não conseguir contactar directa- 227 228 t de L empicKa (acto ii) • Fdc mente d’annunzio, obcecado que anda pela chegada de tamara (que por sua vez o reconheceu como o filho de emma visconti e do duque de milão, um dos dirigentes do partido Fascista). Quando d’annunzio se recusa a partir para Londres, não cumpre a ordem de o eliminar. no entretanto, envolve-se afectivamente com emilia mas decide abandoná-la em nome da causa. é morto acidentalmente por Finzi quando se prepara para fugir. a pintora tamara aceita um convite para pintar um retrato de d’annunzio depois de uma troca de correspondência de elevado teor erótico. chegada a il vittoriale, reconhece o marchese mario visconti disfarçado de chauffer, recusa-se a envolver-se sexualmente com d’annunzio e ganha uma genuína estima por Luisa, chegando mesmo a propor-lhe que partam juntas. impedida por de spiga e, na sequência da morte de Luisa, parte de il vittoriale. ii.4 unidade de tempo a regra da “duração de uma revolução do sol” proposta por aristóteles é cumprida. t de LempicKa começa em 10 de Janeiro e termina em 11 de Janeiro (de 1927). as referências no texto são explícitas. Logo no início do acto i, na cena a1, Finzi, referindo-se a tamara e dirigindo-se a mario, diz: mario, pensei que ias à estação bus- car a polaca. ao que mario responde: estou a ir, capitano, estou a ir. esta informação é complementada por d’annunzio no telefonema que recebe de mussolini e também referindo-se a tamara, cena B6: vem no com- t de L empicKa (acto ii) • Fdc boio que saiu de verona às 12h45 e que chega a Gardone às 18h00. no final do acto i as personagens vão-se deitar e a noite decorre durante o jantar que é oferecido ao público. no final do jantar, na cena J49, Finzi é explícito na interpelação a uma espectadora: não, signora, isso era ontem. hoje é 11 de Janeiro de 1927. no acto ii algumas personagens vão almoçar fora e, no retorno, carlota insiste em ir-se embora. na cena Q80, aélis diz-lhe: mas não há comboio esta noite (em 11 de Janeiro anoitece cedo em italia) ao que dante responde agora estamos no horário de inverno […] o comboio parte daqui a vinte minutos. Quando na cena r88, tamara quer também partir, de spiga diz-lhe mas… não já. vai esperar aqui até eu a vir buscar por volta da meia-noite. a peça aproxima-se do final e a acção passa a desenrolar-se praticamente em tempo real. desde que a peça começou passaram cerca de 24 horas. ii.5 unidade de LuGar sob pena de incoerência, a tragédia não devia figurar senão nos locais onde as personagens pudessem estar nos limites do tempo fictício exigido pela acção. corneille defendia um lugar teatral como uma antecâmara que dava para várias salas, que tinha dois privilégios: • por um lado, cada pessoa que ali falasse era presumível que o poderia fazer tão em segredo como na sua sala provada; • por outro, não era preciso ir à sala de ninguém para encontrar o seu locatário e o encontro podia ser feito 229 230 t de L empicKa (acto ii) • Fdc nesta antecâmara. de espaço único a beco sem saída não é senão um passo. as personagens vivem um paradoxo: sufocam no lugar mas não podem escapar sob pena de correrem para a sua destruição. Krizanc consuma esta convenção duma forma só concretizável até aí pelo cinema ou televisão: a acção de t de LempicKa decorre no il vitoriale degli italiani, a casa de Gabriele d’annunzio, pelos seus quartos e dependências (átrio, sala de Jantar, salão, cozinha, suite, Quartos de d’annunzio, carlota, mario, emilia e Luisa, cozinha, escritório de Finzi; refira-se ainda a necessidade de um refeitório para o jantar que é oferecido ao público durante o intervalo e onde também existe acção cénica. o público pode realmente deslocar-se no interior da moradia. mas a moradia é fortemente guardada (os soldados cercam il vitoriale a mando de Finzi) e a porta da rua é absolutamente policiada. se difícil é entrar, ainda mais o é sair. ii.6 conveniências a conveniência exterior da tragédia visava não chocar nem a sensibilidade nem os princípios morais do espectador. na origem, terá tido uma justificação tanto ética como estética. a indignação do espectador conduzi-loia a duvidar da credibilidade da acção, castraria a ilusão e o prazer que a representação supostamente deveria fazer nascer. na prática, tornava-se impossível mostrar t de L empicKa (acto ii) • Fdc tudo o que dissesse respeito ao corpo, à alimentação, à sexualidade e à morte. John Krizanc rompe com todas estas conveniências exteriores mas nunca utiliza uma forma obscena nem nunca é plausível que as atitudes das personagens possam indignar os espectadores. as “inconveniências” relacionadas com o corpo (que o mesmo é dizer, com a nudez), como seja a mudança de vestido de tamara (cena F 29), a mudança de vestido de carlota (cena e 20), a saída do banho de mario (cena K 51), a mudança de roupa de mario (cena s 100) ou a oferta de tamara a emilia da blusa que traz vestida (cena t 106) ou são discretas, porque passadas atrás de um biombo (que naturalmente poderão ser observadas por espectadores curiosos), ou são decorrentes da acção que não poderia ser subvertida sob pena dela não poder avançar (p. ex, na cena s 100, mario tem “mesmo” de mudar o seu uniforme de chauffer por roupa de camponês para se poder escapar). as relacionadas com alimentação, idem. além do que, muitas vezes, ou as personagens já comeram, ou não querem comer, ou vão comer fora. a necessidade de várias personagens beberem bebidas alcoólicas volta a ser uma necessidade de coerência com a acção. claro que o facto do público de per si ter uma relação directa com a alimentação (é convidado para os aperitivos antes da peça começar, para jantar no intervalo e para os digestivos no final), tal como se tivesse tão simplesmente sido convidado para jantar em casa de Gabriele 231 232 t de L empicKa (acto ii) • Fdc d’annunzio, coisa que é entrecortada pelas diversas peripécias que vão surgindo, aparentemente não esperáveis ou controláveis, ajuda a que não seja de todo “inconveniente”, antes conveniente, a relação directa das personagens com a alimentação. as relacionadas com a sexualidade, idem. além do mais, o acto sexual nunca vai longe, quanto mais consumado. mesmo o sensual beijo de aélis a carlota (cena i 40), deixa esta perplexa pela novidade, uma vez que, por ignorância, não lhe atribui qualquer maldade, coisa que surpreende a própria aélis. as relacionadas com a morte constituem o desfecho óbvio da peça. mas não só não é explícito que a verdadeira intenção de Luisa fosse suicidar-se como a morte de mario foi um acidente que o involuntário autor Finzi de todo não desejaria. poderia ainda ser referida uma outra “inconveniência”: o consumo de cocaína por d’annunzio. mas nunca há verdadeira intenção de utilizar a droga como factor de dependência. d’annunzio ainda não percebeu que está “agarrado”. a informação, insuspeita porque dada pelo seu viciador, de spiga (cena s 104), demonstra isso mesmo. e no entanto é um facto histórico incontornável: é sabido que havia distribuição diária de cocaína pelos visitantes de il vittoriale coisa que, diminuindo embora o mérito de sedutor de d’annunzio (constatável pelo verdadeiro corropio de visitantes, geralmente femininas mas também, e posteriormente, de mancebos), ficciona credivelmente a introdução da droga na sua casa. t de L empicKa (acto ii) • Fdc a conveniência interior da tragédia teria por principal objectivo garantir a coerência das personagens em cena. aristóteles exigia que os seus hábitos fossem: • parecidos, quer dizer, idênticos à imagem tradicional que a história deixou delas; • coerentes, cada personagem deveria evoluir segundo a lógica do seu carácter, recusando a intervenção do deus ex machina; • convenientes ou representativos dos usos e costumes dos países descritos (“a cor local”); • bons, quer dizer, não hábitos irrepreensíveis, sem os quais a tragédia não seria possível, mas descritos de “forma honesta” Krizanc, quer porque fez uma investigação histórica rigorosíssima, quer porque consegue transformar cada uma das personagens num protagonista, cumpre à risca os items de aristóteles para todas elas. mesmo a personagem carlota, que aparentemente poderia ser considerada mais “secundária” porque pouco tempo do ii acto passa em cena (primeiro vai almoçar a Gardone e quando volta quer logo ir-se embora), é tratada de uma forma inteira e, do seu ponto de vista, defensável. ii.7 verosimiLhança a verosimilhança é a exigência maior do teatro clássico. não é uma questão de ser confundida com o que é possível ou com o que é verdade —“a verdade, por vezes, pode ser inverosímil.” (Boileau, art poétique, 1674, chant 233 234 t de L empicKa (acto ii) • Fdc iii, v. 48)— mas deve, isso sim, ser avaliável em termos da sua credibilidade. é esta também uma das maiores vantagens de t de LempicKa. o facto do público poder assumir o seu voyeurismo, de sentir a respiração das personagens ao seu lado, de conviver dinamicamente em tempo credivelmente real com os seus muitos dramas e poucas alegrias, tornam a obra de Krizanc um “milagre” de verosimilhança. tudo foi pensado para que o leitor/espectador se sinta deslocado no tempo e no espaço. as inúmeras referências históricas, a coerência da sua relação com a ficção, fazem crer que as coisas poderiam muito bem terem-se passado assim. ii.8 estrutura uma tragédia clássica costuma estar dividida em 5 actos, tendo cada um deles de possuir uma unidade orgânica. no caso de t de LempicKa a peça está dividida em dois actos, num total de 21 secções, de a a u, sendo cada secção aproximadamente uma unidade de tempo na qual um dado número de cenas ocorre simultaneamente, pelo que o número das cenas não tem relação com a ordem em que elas ocorrem. a duração da peça é de cerca de 2 horas e 10 minutos, metade para cada acto. no intervalo, o público é convidado para jantar. embora seja esta a estrutura mais indicada pela simultaneidade das acções, poderia no entanto imaginar-se a t de L empicKa (acto ii) • Fdc peça dividida em 5 actos: o i acto poderia ser dividido em 2, um primeiro quando se espera por tamara (há aliás uma citação deliciosa do “à espera de Godot” feita por de spiga na cena a 1: e se tamara nunca chegar?) e outro depois dela chegar; o ii acto poderia ser dividido em 3, um durante a manhã, outro durante a hora de almoço e outro durante a tarde. no início da peça acontece a exposição (cena a 1), contendo as sementes de tudo o que vai acontecer e de forma a que todas as personagens sejam conhecidas ou anunciadas. e, tal como mandam as regras de uma boa exposição, Krizanc evita dois defeitos: o estatismo que prolongaria uma espera do público prejudicial ao espectáculo e uma demasiada pressa que tornaria difícil compreender as “regras do jogo”. por definição, a exposição pára quando a acção é “lançada”. é isso que acontece no final da cena a1. e o “lançamento” da acção revela desde logo os principais obstáculos que permitem a existência de um enredo múltiplo. tal como numa tragédia clássica, t de LempicKa põe em cena personagens que têm o sentimento, ainda que ilusório, de poder ultrapassar os obstáculos, quer sejam interiores (que terão muito mais interesse) quer exteriores. será oportuno citar camus: “as forças que se defrontam na tragédia são igualmente legítimas, igualmente com razão. no melodrama ou no drama, pelo contrário, só uma delas é legítima. dito de outra forma, a tragédia é ambígua, o drama é simplista. na primeira, cada força é 235 236 t de L empicKa (acto ii) • Fdc ao mesmo tempo boa e má. no segundo uma é boa e a outra é má” (albert camus, sur l’avenir de la tragédie”, in théâtre, récits, nouvelles, paris, Gallimard, 1962, col. “Bibliothèque de la pléiade”, ed. r Quilliot, p. 1705). seria moroso descrever a enorme competência e talento (apetece dizer genialidade) com que Krizanc concretiza esta hercúlea tarefa. é aqui que é indispensável convocar a leitura (se não puder ser vista) da peça. mas se nos debruçarmos sobre o desfecho podemos constactar que também aqui Krizanc cumpre todas as regras (à excepção do desfecho relacionado com a personagem carlota que aconteceu um pouco antes, na cena Q 85), fazendo desaparecer os obstáculos que motivaram o enredo e fixando o destino das personagens. há três adjectivos que definem em teoria o desfecho: necessário, rápido e completo. necessário, o desfecho deve decorrer logicamente da situação. não existe a intervenção de um qualquer deus ex-machina. deve ser rápido por uma razão simples: o espectador está impaciente por conhecer o fim. e, aparentemente em contradição com a rapidez, deve ser completo: nenhuma das questões levantadas deve ficar sem resposta nem o destino de nenhuma personagem ficar incerto. tradicionalmente, o desfecho duma tragédia confundese com um fim funesto. aristóteles não o tornou obrigatório. o fim feliz ou infeliz de uma tragédia pode medir-se por dois parâmetros que entram por vezes em contradição: o primeiro, subjectivo e bastante simplista, depende do grau de simpatia ou de antipatia de que o herói bene- t de L empicKa (acto ii) • Fdc ficia; o segundo, mais fundamental, mais sujeito a controvérsia, da ideia que se faz do trágico. no caso de t de LempicKa, mario é morto acidentalmente por Finzi quando tentava escapar, tamara derrota claramente o ímpeto violador de d’annunzio que entretanto entra em delírio, este é ajudado por aélis e de spiga obriga-o à humilhação de rastejar para cheirar a cocaína que vai encarreirando pelo chão até ao sapato de mario, Finzi é expulso do partido Fascista por de spiga, tamara descobre Luisa morta, pelo que se vai embora tal como dante o fez, incapaz de suportar mais a situação, mesmo depois da recusa de emilia o seguir (embora esta acabe por lhe revelar o paradeiro da filha de ambos), de spiga ao descobrir que Luisa morreu acaba destroçado e a peça termina com uma emilia submissa a obedecer à ordem de aélis de fechar a porta da rua. e tudo isto em cerca de 3 minutos. apoteótico. 237 238 t de L empicKa (acto ii) • Fdc iii. poLítica, amor e sexo em t de “t de LempicKa” LempicKa é uma peça política por essência. mas todo o primeiro acto é destinado à intriga amorosa e sexual, como provocadoras da intriga política. a peça é sempre cruel para os amantes. mas como seria de esperar, t de LempicKa ignora os amores tranquilos (o sonho de de spiga de viver longe de il vittoriale com Luisa —e eventualmente com dante e emilia—, cena F 27, é menos idílico que patético). todo o desenvolvimento da intriga aponta para o amor impossível ou para a luxúria: dante por emilia, Luisa por d’annunzio, Finzi e de spiga por Luisa, emilia por mario e mario por emilia, aélis por carlota, carlota por Finzi, Finzi por emilia, d’annunzio por aélis e por emilia e, no plano central, por tamara. deste emaranhado nada restará no final. a intriga política (e policial) desenvolve-se mais no segundo acto, quando as questões do eros se tornam menos incidentes. para além da questão central entre mario e d’annunzio, todas as outras personagens acabam envolvidas duma forma absolutamente directa e explícita. por isso é oportuno convocar a. couprie e o seu Lire la tragédie: t de L empicKa (acto ii) • Fdc “os detentores da autoridade que fornecem o essencial do seu elenco, a evocação dos “superiores interesses do estado” obrigam a que seja desta forma. e se o é por opção ideológica, também o é por razões estéticas. os “interesses do estado” aumentam a “parada”, acrescentam “dignidade”. da felicidade ou infelicidade das personagens, da sua vida ou morte, das suas características e das suas decisões depende a sorte de povos inteiros. a dimensão trágica é assim muito aumentada. por outro lado, o ambiente sumptuoso [de il vittoriale] acrescenta espectacularidade. a política permite assim ao autor dar a certas cenas uma grandeza extraordinária. a política confunde-se com a história. é criada uma situação excepcional onde o homem —o herói [d’annunzio, mario, Finzi]—, encontrará a matéria para se ultrapas- sar, quer favorecendo a construção do estado, quer resistindo a um estado já construído. o herói identificase com o estado com a secreta esperança de que o estado se identifique com ele, prova que o seu sacrifício confunde já razão de estado e razão de interesse. o estado não é uma fatalidade exterior ao heroísmo e por isso de natureza transcendete. o estado é uma fatalidade interior ao heroísmo e por isso de natureza imanente. o herói é vítima da sua própria desmesura: o estado é um efeito da hyubris. a tragédia é política porque a política é trágica. as paixões trágicas e as paixões políticas são as mesmas.” assim, o estado designa quer uma forma jurídica abstracta (para Luisa e emilia), quer a expressão de uma vontade heróica (para Finzi e carlotta), quer o aparelho de uma usurpação tirânica (para mario e dante), quer a 239 240 t de L empicKa (acto ii) • Fdc conciliação de interesses contraditórios (para d’annunzio e aélis), quer uma concepção barroca do poder (para de spiga e tamara). esta polisémia, longe de criar confusão, permite a Krizanc confrontar valores, ideias e paixões mostrando como o estado se torna um ideal ou um alibi. mesmo do lugar “espectador”, cada um é individual e directamente confrontado com uma ambiência fortemente politizada quando, logo à entrada, vai ao balcão de Finzi para este lhe carimbar o visto por 48 horas no seu passaporte, está a ser visto pelos outros espectadores que ainda aguardam na fila a sua vez e pelos que, já depois de terem entrado no il vittoriale, consomem os aperitivos que estão à sua disposição. e Finzi fará tudo para “submeter” o espectador. Quer porque lhe exige autoritariamente que assine o seu passaporte (e nem todos os espectadores transportam consigo uma caneta), quer pela violência com que apõe o carimbo, quer pela forma como devolve o passaporte, muitas vezes simplesmente deixando-o cair sobre o tampo mesmo que o espectador tenha já a mão estendida, tudo concorre para que este perceba que tem de se submeter a uma atitude autoritária e repressiva, mesmo que seja (e é, enquanto espectador) inocente. na exposição (cena a 1) fica clarificado que os espectadores devem considerar-se visitas que poderão ser expulsas se não cumprirem as “leis” expostas, tornandose portanto indesejáveis, quiçá criminosos. Lançado assim o “pano de fundo”, a peça desenrola-se com a omnipresença da política em praticamente todas as t de L empicKa (acto ii) • Fdc cenas, quer implícita quer (mais frequentemente) explícita. mesmo durante o jantar que é oferecido ao público durante o intervalo e que, naturalmente informaliza imenso o relacionamento entre os espectadores, permitindo a instalação de uma “boa disposição” generalizada, Krizanc tem um achado notável para restabelecer a tensão (cenas J 49 e J 50): Finzi interpela uma espectadora que esteja acompanhada por um espectador e a propósito do visto do passaporte e da data presente (a resposta correcta, que ninguém acertará, não é nem o dia corrente nem 10 de Janeiro de 1927, mas o dia seguinte, 11 de Janeiro), pede para ela o acompanhar. Fora da vista do restante público, interroga-a sobre mario e pede-lhe para gritar para não causar desconfiança em relação ao seu acompanhante. dante ainda brinca com a situação, dirigindo-se ao acompanhante da espectadora com signore, o que é que a sua signora está a fazer ao capitano? para a seguir acrescentar como que em aparte reconheceria este gritar onde quer que fosse. Jogo teatral ou não, Finzi e dante relembram a todo o público que se vive sob um regime fascista. há várias cenas que são notáveis pelo incremento de suspense que produzem na acção. refira-se como exemplo a fabulosa cena p 68, quando mario convence d’annunzio a partir para inglaterra. por um momento, tudo parece possível. mas a lucidez do herói atravessa a peça, demonstrando a compreensão do outro, a compreensão dos limites, o 241 242 t de L empicKa (acto ii) • Fdc beco sem saída onde está atolado. isso é particularmente notório do ii acto, quando a intriga amorosa estagna e todas as tentativas de rotura com essa estagnação, mesmo as violentas, fracassam. o herói começa por se “confessar”. Finzi, na cena i 42, conversando com emilia diz: não, tu não percebes. tinha dezoito anos quando finalmente decidi que ninguém mais me chamaria “kike” e ficava a rirse. se eles me dessem um pontapé com sapatos calçados, o meu pontapé com o pé descalço seria mais forte. costumava andar aos pontapés às portas até os dedos sangrarem, depois embrulhava os pés com trapos e continuava aos pontapés, outra vez e outra vez até partir a porta. Quando entrei para o partido e me disseram para bater, para bater com força, bati. […] Quando levámos o socialista matteotti a dar um passeio, disseram-me para lhe dar um abanão. eu abanei-o e o patife morreu. disseram que eu era demasiado bruto para roma; ensinam-te a agir e depois mudam as regras. […] o que é que eu sou? […] um fascista? um judeu? não, sou pobre. eu sei o que sou e tenho orgulho em dizê-lo. sou pobre… Quando fui secretário de estado no ministério do interior, continuava pobre —da mesma forma que mussolini continua pobre. na cena i 44 é a vez de mario: e eu… porque é que eu insisto? o que é que vamos ganhar com o d'annunzio? aprender a fazer melhor as omeletes? é por essa revolução que eu ando a lutar? o pai ficava furioso quando eu dizia que para cada pergunta tinha de haver uma resposta… e afinal, onde é que elas estão? t de L empicKa (acto ii) • Fdc na cena K 53 é a vez de d’annunzio: houve uma chispa em Fiume, talvez mesmo uma pequena chama… mas agora, é tudo fumo. esta consciência dos condicionalismos, é depois clarificada com incapacidade de ultrapassar os antagonismos. Quando, na cena K 54, Luisa tenta demover carlota do seu ódio aos estrangeiros, que é um dos pressupostos ideológicos do fascismo, e que continua, ao confrontar esta com o facto de Finzi ser judeu (e portanto estrangeiro no conceito de carlota) na cena n 61, a consequência não é a aceitação do “outro” mas a obstinação na recusa do “outro”. mas a chave da miscegenação entre política, amor e sexo poderá ser encontrada já no final, no monólogo de de spiga (cena s 104): Luisa… o quê? o que é que eu lhe posso dizer? a verdade? a questão não é quanto é que eu amo, é quanto é que eu odeio. Quando me esbofeteaste senti o teu ódio e voltei a senti-lo quando puxaste o gatilho… Juntei-me a um— sim, suponho que o nosso movimento é uma espécie de clube—, onde quanto mais se odeia mais depressa se é admitido. e como eu odeio os seus membros quase tanto como me odeio a mim, não tive problemas em entrar. Quando eles me disseram para me fazer aqui convidado, vi a minha oportunidade. eu sabia que o Gabri me iria tratar como um velho amigo porque ele não se iria lembrar da dor que me causou quando te roubou de mim… para ele, não foi um roubo; foi como se ele levasse emprestado um chapéu para não apanhar 243 244 t de L empicKa (acto ii) • Fdc chuva. e então, um dia, ele esqueceu-te, e encontrou outra pessoa. mas eu nunca esqueci nem perdoei. nem tu. para odiar, uma boa memória é essencial. e do que eu me lembro desde há anos é só da quantidade de mulheres que se tornaram viciadas no Gabri… sim, ele é um vício. Foi aí que a ideia me ocorreu: cocaína. Quis que ele experimentasse como era ter um vício. e assim, desde há dois meses que lho tenho metido no corpo. eu acho que ele nem se dá conta… mas ele já está viciado na cocaína. como eu estou viciado em ti. como tu estás viciada nele. disseste ontem que querias vingar-te… pensa no desespero que ele te causou… agora imagina o que acontecerá quando ele não tiver a sua dose diária… vem comigo. nós temos um ódio comum, Luisa. é base suficiente para o amor. porque é que eu não lhe conto tudo? se eu conseguisse separá-la dele, ela depressa se curava. t de L empicKa (acto ii) • Fdc iv. o tráGico em “t de LempicKa” o trágico evoca uma situação onde o homem toma dolorosamente consciência dum fatum (etimologicamente “o que está dito”), destino ou fatalidade, que pesa sobre a sua vida, sobre a sua natureza ou sobre a sua condição. (Le robert) o conflito trágico baseia-se numa oposição onde os termos opostos reclamam determinações opostas, irreconciliáveis, e por isso não há nem superação nem resolução do conflito; ainda por cima ambos os polos têm de se apresentar possuidores duma enorme grandiosidade. é oportuno convocar ionesco e alain couprie. o primeiro, nas suas “notas e contra-notas” refere: “o trágico: logo que, numa situação exemplar, todo o destino é jogado (com ou sem transcendência divina) o drama: caso particular, condição particular, destino particular. o trágico: destino geral ou colectivo; revelação da “condição humana” participo no drama: vejo refelctido o “meu” caso (o que acontece de doloroso em cena pode acontecer-me a mim) tragédia: o que acontece em cena pode acontecer-nos. pode dizer-nos (e não dizer-me) respeito.” 245 246 t de L empicKa (acto ii) • Fdc e o segundo, no seu Lire la tragédie: “a acção trágica nasce da luta dum ser contra uma força que o ultrapassa. patética é a representação do sofrimento; dramática é a espera ansiosa dum desfecho; trágica é a aparição de uma transcendência esmagadora, qualquer que seja o nome que se lhe dê.” a transcendência (o fascismo em t de LempicKa) induz o trágico porque as personagens têm a consciência que, ou a desafiam, ou a emulam. e a acção torna-se trágica porque provoca mudanças radicais em todas as personagens e a situação de cada um acaba clarificada: carlota desiste da dança; Luisa desiste da vida; dante desiste de emilia; mario falha a missão; Finzi é expulso do partido Fascista; de spiga perde Luisa; d’annunzio fica neutralizado; aélis e emilia ficam com o futuro comprometido: a primeira será deportada e a segunda presa; tamara, a “visita”, e também por isso mesmo, é afinal quem sofre menos mudança: afinal acabou “simplesmente” por não pintar o retrato de d’annunzio; e no entanto foi a sua visita que provocou as avassaladoras consequências que atingiram todos os “residentes” da casa. e a inevitabilidade da evolução das histórias, enquanto alegoria da inevitável ascenção do fascismo, traduz-se na clarificação da evolução da história. uma tragédia implica um falhanço na realização do homem. em t de LempicKa todos falham. t de L empicKa (acto ii) • Fdc repertório 1. Fatias de cá com nini Ferreira • autores vários, 1979 2. Fatias de cá no aniversário da naBantina • autores vários, 1979 3. o con(s)certo • Karl valentim, versão carlos carvalheiro, 1981 4. Gente séria • autores vários, 1981 5. hãn? • a partir dos monólogos “a hunGara” de mario Frati, “eu, uLriKe, Grito!” de dario Fo e Franca rame e do conto “passam os saLtimBancos” de pitigrilli, 1982 6. a Festa da memória Que é curta • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1983 7. o Farmacêutico a cavaLo • a partir de conto de pitigrilli, versão carlos carvalheiro, 1983 8. Fatias de cá Bar é… • autores vários, 1984; autores vários, 2009; 9. a menina inês pereira • a partir de Gil vicente, versão carlos carvalheiro, 1984, 1992, 1996 10. por trás daQueLa JaneLa • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1985 11. a FuGa de WanG-Fô • a partir do conto de marguerite yourcenar, versão carlos carvalheiro, 1987 12. hamLet • a partir da peça de William shakespeare e da peça “a máQuinahamLet” de heiner müller, versão carlos carvalheiro e Graça afonso, 1987; versão carlos carvalheiro, 2006, 2009 13. homLet • a partir da banda desenhada de Gotlib e alexis, versão carlos carvalheiro, 1988 14. Queremos aprender teatro (sonho de uma noite de verão • William shakespeare, 1988 e oFicina de teatro, Fatias de nataL, Fatias de carnavaL) 15. crónica dos Bons maLandros • a partir do romance de mário zambujal, versão carlos carvalheiro, 1986 16. a sapateira prodiGiosa • Frederico Garcia Lorca, 1990 17. carmen • a partir da ópera de mérimée e Bizet, versão ana paula eusébio, 1990 18. a Fera amansada • William shakespeare, 1990 19. a comédia da marmita • a partir da peça de plauto, versão carlos carvalheiro, 1991 20. a FLauta máGica • a partir da ópera de mozart e shikaneder e do romance “FiLha da noite” de marion z. Bradley, versão carlos carvalheiro, 1991 21. timor • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1991 22. a menina Feia • a partir da peça de manuel Frederico pressler, versão carlos carvalheiro, 1992 23. conFusões • alan ayckbourn, 1994 24. a comissão de Festas • alan ayckbourn, 1995 25. as LiGações periGosas • a partir do romance de choderlos de Laclos e da peça “Quarteto” de heiner müller e com os contributos da peça “the danGerous Liaisons” de cristopher hampton e do filme “vaLmont”de milos Forman com argumento de Jean carrière, versão carlos carvalheiro, 1996 26. taneGashima • a partir das narrativas “pereGrinação”de Fernão mendes pinto e “teppo-Ki” de nampo Bunshi, versão carlos carvalheiro e isabel passarito, 1997; taneGashima-hoi! • autores vários, 1998; taneGashima • carlos carvalheiro, 2004 27. xanana Gusmão - LiBerdade , LiBerdade! • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1997 247 248 t de L empicKa (acto ii) • Fdc 28. t de LempicKa • John Krizanc, 1998 29. as árvores morrem de pé • a partir da peça de alejandro casona, versão carlos carvalheiro, 1999 30. tannhäuser • carlos carvalheiro a partir da ópera de richard Wagner e dos romances “os FiLhos do GraaL” de peter Berling e “o Guardião do tempLo” de Gabriela morais e dos contributos de isabel passarito, 1999; tannhäuser - o tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2003; o tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2007 31. viriato • a partir do romance “a voz dos deuses” de João aguiar, versão carlos carvalheiro e Filomena oliveira, 1999 32. sonho de uma noite de verão • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2000 33. corto maLtese - concerto em o’menor para harpa e nitroGLicerina • a partir da banda desenhada de hugo pratt, versão carlos carvalheiro, 2001 34. a tempestade • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2001 35. astérix no criptopórtico • a partir da banda desenhada de Goscinny e uderso, versão carlos carvalheiro, 2002 36. aLcacer KiBir • carlos carvalheiro, 2002 37. inês • a partir do romance “inês de portuGaL” de João aguiar, versão carlos carvalheiro, 2003 38. diáLoGo das compensadas • a partir do romance de João aguiar, versão carlos carvalheiro, 2003 39. a morte do Lidador • a partir da narrativa de alexandre herculano, versão carlos carvalheiro, 2004 40. rapariGa com Brinco de péroLa • a partir do romance de tracy chevalier, versão carlos carvalheiro, 2004 41. o nome da rosa • a partir do romance de umberto eco, versão carlos carvalheiro, 2004 42. a Festa de BaBette • a partir do conto de Karen Blixen, versão carlos carvalheiro, 2005 43. o eQuador passa em s. tomé e príncipe • carlos carvalheiro e ana de carvalho, 2005 44. tomar em revista • carlos carvalheiro, 2006 45. as peGadas dos draGões (contos do Fascínio 3) • a partir do universo de ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2006 46. o perFume • a partir do romance de patrick süskind, versão carlos carvalheiro, 2007 47. arthur • carlos carvalheiro, 2008 48. auto da Barca do inFerno • Gil vicente, 1999 49. o aneL QueBrado (contos do Fascínio 2) • a partir do universo de ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2009 50. richard iii • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2010
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