resignificando o sofrimento psíquico no trabalho
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resignificando o sofrimento psíquico no trabalho
Universidade de Brasília Instituto de Psicologia “ Só para não ficar desempregado”- resignificando o sofrimento psíquico no trabalho: estudo com trabalhadores em atividades informais Carla Faria Morrone Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia. Orientadora: Ana Magnólia Mendes Brasília (DF) 2001 Esta dissertação de Mestrado foi aprovada pela seguinte banca examinadora: Profª. Dra. Ana Magnólia Mendes Presidente da Banca Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília Profº. Dr. Álvaro Tamayo Membro Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília Profª. Dr. Mário César Ferreira Membro Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília Prof. Dra. Júlia Abrahão Suplente Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília INTRODUÇÃO A concepção deste estudo surge em resposta às transformações produtivas ocorridas nas últimas décadas, responsáveis por metamorfoses no mundo do trabalho, as quais impuseram a grande contingente de trabalhadores nova realidade marcada pela heterogenização, complexificação e fragmentação; pela desproletarização do trabalho industrial e fabril e pela subproletrarização do trabalho. Uma realidade delineada por mudanças nos paradigmas sociais, econômicos e tecnológicos em direção à adequação às exigências impostas por um mercado globalizado e altamente competitivo. Configurada por inovações tecnológicas com a incorporação de equipamentos automotrizes, inteligentes e mecatrônicos, por novos materiais e insumos obtidos pela biotecnologia, pelo uso de métodos enxutos de planejamento e gestão e pela flexibilização dos direitos trabalhistas, essa realidade delineou modificações estruturais em diferentes países do mundo, cujos efeitos variaram em função das condições econômicas, sociais, políticas e culturais. O taylorismo e o fordismo mesclaram-se com outros processos produtivos como o neofordismo ou neo-taylorismo, sendo em alguns casos substituídos, por exemplo, pelo toyotismo trazido pela experiência japonesa. Como resultado destas intensas transformações, foram observadas alterações ao modo de produção, da produção em série para acumulação flexível; aos parâmetros de gestão das relações de trabalho; às exigências sobre a qualidade final dos produtos e ao nível de competitividade entre empresas determinando o aumento progressivo do lucro e a minimização do desperdício com redução de custos, principalmente os relacionados à mão-de-obra. Em conseqüência, tais transformações inseridas no mundo do trabalho provocaram, dentre outros efeitos, um contexto de precarização das condições de trabalho, de ameaça de desemprego, de aumento progressivo de excluídos do mercado formal e de proliferação de ocupações de baixa produtividade, sem proteção social, modalidades atípicas, ocasionais e inseguras, conceitualmente denominadas atividades informais. Imersos neste cenário, damos ênfase, neste estudo, às atividades informais que marcadamente hoje se configuram como uma prática de sobrevivência em uma sociedade perversa com alta concentração de renda e oportunidades para poucos e exclusão social para muitos. Pelas atividades informais, grande contigente de trabalhadores encontra caminho de geração de renda essencial à manutenção material de suas famílias, de filiação, mesmo que precária, a relações sociais e de reconhecimento e utilidade social. Segundo Dalbosco e Kuyumjian (1999), citando relatórios estatísticos formulados pela Comissão Econômica para América Latina (Cepal), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), 84% dos empregos criados no período de 1990 a 1995 pertenceram ao mercado informal sendo que, em 1990, de cada dez novos postos de trabalho, nove surgiram na atividade de serviço, 90%, atividades informais. Em 1997, 56% da população latino-americana encontraram ocupação no mercado informal – 9.478 milhões de empresas atuaram no mercado informal ocupando mais de 12 milhões de pessoas entre pequenos empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e sem carteira assinada e trabalhadores não-remunerados. Não apenas repercussões materiais, mas principalmente subjetivas, foram impostas a estes trabalhadores na sua relação com o trabalho. “Foram tão intensas as modificações que se pode mesmo afirmar ter a classe - que vive do trabalho presenciado a mais aguda crise deste século, que não só atingiu a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo interrelacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser.” ( Antunes, 1999/2000, p.210) Diante deste contexto, o estudo da saúde psíquica dos trabalhadores em atividades informais valida-se em importância e utilidade. A análise dos impactos do mundo do trabalho sobre a saúde psíquica dos trabalhadores vem sendo desenvolvida desde o início do século passado. Até meados deste período, direcionou-se, fundamentalmente, ao desenvolvimento de teorias e práticas voltadas prioritariamente ao atendimento dos interesses econômicos situados nas esferas do poder dominante. Este fato fez com que técnicas de intervenção e estudos aplicados com fins de eficiência e eficácia da produção industrial e de prevenção e superação das desadaptações humanas à organização do trabalho _ impeditivas à produção e lucratividade _ precedessem ao desenvolvimento de investigações voltadas à compreensão dos fenômenos relativos à relação trabalho / saúde psíquica do trabalhador. Especificamente, em relação à saúde psíquica do trabalhador, nesta época, a tendência principal voltava-se, paralelamente ao estudo da saúde do corpo, à identificação de variáveis individuais relacionadas a eventos externos ao trabalho e delimitadoras de queda de produtividade e desempenho. Após a Segunda Guerra Mundial, o papel do trabalho na saúde psíquica do trabalhador passou a ser fortemente reconhecido, levando estudiosos, de diferentes áreas do conhecimento, a explorar a inter-relação existente entre trabalho e saúde psíquica do trabalhador. Neste sentido, um grupo de disciplinas passou a contribuir significativamente ao estudo da saúde psíquica do trabalhador, algumas delas centralizando - se nos processos mentais ou na dinâmica saúde/doença do trabalhador submetido a diferentes condições de trabalho, tais como, medicina do trabalho, psicologia do trabalho, ergonomia, psicofisiologia, neurofisiologia e outras voltadas para o estudo direto ou indireto do trabalho humano, sem possuírem a saúde psíquica como objeto de estudo formalmente delimitado, por exemplo, os estudos de economia política que analisam, em uma perspectiva histórica, as relações sociais de produção e as transformações do trabalho (Seligmann – Silva, 1994). Neste contexto, a abordagem da psicodinâmica do trabalho surge como disciplina que aprofunda a análise da saúde psíquica do trabalhador sob a ótica da subjetividade do trabalhador, revelando atenção à dimensão humana inserida nesta realidade de metamorfoses do mundo do trabalho. Especificamente em relação à conjuntura atual, aponta Dejours (1999) que esta, merecedora de análises aprofundadas e figurativamente denominada guerra econômica, é marcada pelos princípios da competitividade que exclui do sistema os trabalhadores não aptos e inclui aqueles que apresentam desempenhos sempre superiores em termos de produtividade, disponibilidade, disciplina e abnegação. Caracteriza-se por uma batalha legitimada e mantida pelos próprios trabalhadores que pelo intermédio do sofrimento psíquico no trabalho alcançam o consentimento para participar do sistema. “Não se trata de compreender a lógica econômica, mas, ao contrário, de pôr de lado essa questão, para concentrar o esforço de análise nas condutas humanas que produzem essa máquina de guerra, bem como nas que levam a consentir nela e mesmo submeter-se a ela.” (Dejours, 1999c, p. 16) A abordagem da psicodinâmica do trabalho propõe como objeto de estudo “a análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pelo confronto do sujeito com a realidade de trabalho.”, compreendendo que “ dinâmica significa que a investigação toma como centro de gravidade os conflitos que surgem do encontro entre sujeito, portador de uma história singular préexistente e uma situação de trabalho cujas características são, em grande parte, fixadas de forma independente da vontade do sujeito. Isso implica que em psicopatologia do trabalho partamos de uma subjetividade já constituída que será exposta, num período geneticamente ulterior, à realidade do trabalho. O que significa que o sujeito corre de fato o risco de não ser o mesmo que era antes do início do conflito, por um lado, e que a realidade do trabalho corre o risco de ser transformada sob o efeito de uma suplementação de subjetividade, por outro lado.” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994, p.120) Esta abordagem traz uma enriquecedora contribuição ao estudo da saúde psíquica dos trabalhadores por propor um modelo teórico que considera três diferentes dimensões coexistentes e interligadas: a da subjetividade do trabalhador, indivíduo singular, com história de vida, desejos e necessidades particulares; a da organização do trabalho, imposições de eficácia, normas e padrões de condutas; e a da coletividade, relações entre iguais e hierárquicas, normas e valores de convivência social no trabalho. Concentra seu eixo de investigação na compreensão da dinâmica subjetiva que leva trabalhadores a sobreviverem e a contribuírem com o funcionamento, eficácia e longevidade da realidade de trabalho. A saúde psíquica no trabalho é vista como expressão de um estado disposicional caracterizado pelo equilíbrio psíquico marcado pela vivência de prazer e sofrimento no trabalho, pela utilização de mecanismos capazes de mobilizar os trabalhadores em busca de uma relação mais gratificante com o trabalho, e ainda pela dinâmica de reconhecimento no trabalho, ícone do processo de construção da identidade do trabalhador no campo social. Reflexo concreto da atual realidade de trabalho, a saúde psíquica dos trabalhadores em atividades informais é objeto de investigação deste estudo. A tentativa de contribuir com a ampliação do conhecimento a partir da análise da dinâmica subjetiva do trabalhador na sua relação com o trabalho, concentrando esforços na análise das condutas humanas e ainda dimensionando esta nova realidade de trabalho é finalidade prioritária. Acreditamos ser um campo rico de investigação, uma vez que a atividade informal não pode ser considerada como fenômeno transitório, mas sim reflexo do modelo de acumulação capitalista que constrói uma nova realidade para o mundo do trabalho, realidade esta que a cada ano compõese de um contigente ainda maior de trabalhadores em atividades informais. Para tanto, escolhemos como população a ser estudada, grupo de comerciantes de uma feira de produtos importados, localizada em Brasília – DF. Desenvolvemos o estudo fundamentados teoricamente na abordagem psicodinâmica, assumindo como pressuposto que a saúde psíquica no trabalho é fruto da relação estabelecida entre o trabalhador e sua realidade de trabalho, sendo concretizada pela vivência de prazer e/ou sofrimento psíquico no trabalho, vivência esta influenciada por variáveis psíquicas e da organização do trabalho, as quais determinam o emergir de conflitos intersubjetivos e intrasubjetivos dos trabalhadores com seu trabalho. Para tanto, concebemos que na relação homem _ trabalho, o trabalhador é sujeito ativo que concretiza, a partir de sua história pessoal, aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas no trabalho e o trabalho, estruturante psíquico a medida que possibilita a descarga da energia psíquica do trabalhador, por processos sublimatórios, no campo social e a construção da sua identidade, pelo reconhecimento do seu fazer. Adotamos ainda como pressuposto que a vivência de prazer e sofrimento coexiste e é inerente à situação de trabalho, e que os trabalhadores são capazes de mobilizar mecanismos para transformação das situações de trabalho geradoras de sofrimento psíquico, sendo que, características da organização do trabalho _ principalmente o coletivo de trabalho _ exercem papel determinante nesta dinâmica. A partir dessas pressuposições, objetivamos neste estudo investigar, sob o prisma das atividades informais, a saúde psíquica da população estudada no que tange à vivência de prazer ou sofrimento no trabalho; analisar a organização do trabalho, sua estrutura e influência sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho, e analisar a dinâmica do reconhecimento do trabalho. Para alcance dos objetivos elaboramos as seguintes questões: 1. Profissionais de atividades informais vivenciam, predominantemente, prazer ou sofrimento no trabalho? 2. Como se estrutura a organização do trabalho destes profissionais e qual o tipo de relação que se estabelece entre a organização do trabalho destes profissionais e a vivência de prazer e/ou sofrimento no trabalho? 3. Os profissionais usam estratégias e mecanismos utilizados pelos profissionais para modificar ou eufemizar a realidade de trabalho propiciadora da vivência de sofrimento, se identificada a vivência de sofrimento no trabalho? 4. Como se processa a dinâmica de reconhecimento para estes profissionais? Este estudo desenvolve-se metodologicamente por coleta e análise de dados quantitativa e qualitativamente. A vivência de prazer – sofrimento no trabalho é medida pelo emprego de uma escala de indicadores, enquanto a dinâmica subjacente, bem como as características da organização do trabalho e a dinâmica do reconhecimento, por meio de entrevistas semi-estruturadas individuais. A apresentação do estudo subdivide-se em seis capítulos específicos. No primeiro deles, apresentamos o modelo teórico da psicodinâmica do trabalho assim como proposto por Christopher Dejours, a partir de uma perspectiva histórica. No capítulo 2, abordamos publicações recentes realizadas na área diretamente relacionadas à temática deste trabalho, proporcionando uma contextualização de parte do aprofundamento teórico até então realizado na abordagem psicodinâmica. O capítulo 3 descreve o modelo de investigação delineando o objeto de estudo e as variáveis envolvidas. No capítulo 4, caracterizamos a metodologia de investigação, delimitando a amostra e descrevendo os instrumentos e procedimentos de coleta e análise dos dados. O capítulo 5 volta-se para os resultados do trabalho. Inicialmente, são apresentados os resultados obtidos pela aplicação de um instrumento de mensuração da vivência de prazer e sofrimento no trabalho e, em seguida, os relacionados às entrevistas individuais semi-estruturadas realizadas com trabalhadores, sujeitos da pesquisa. No capítulo 6, articulamos os resultados quantitativos e qualitativos à luz da revisão de literatura e do modelo teórico, buscando o alcance dos objetivos propostos. Por fim, são realizadas considerações sobre o trabalho. 1. MODELO TEÓRICO DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO: Contribuições de Christopher Dejours A psicodinâmica do trabalho surge na década de oitenta, na França, fruto de reflexões teóricas e de pesquisas empíricas coordenadas por Christopher Dejours. Desde então, suas contribuições ao estudo da relação saúde psíquica e trabalho vêm se destacando pelo enfoque atribuído à análise dos impactos do trabalho sobre a dinâmica subjetiva dos trabalhadores, enfoque este fundamentado em uma concepção própria de saúde psíquica no trabalho. Para a psicodinâmica, saúde psíquica no trabalho compreende um estado contínuo de conquista e de construção que tem como pressuposto a existência de fragilidades psíquicas e somáticas e de sofrimento psíquico derivado dos conflitos intersubjetivos e intrasubjetivos dos trabalhadores com a realidade do trabalho. É resultado de uma dinâmica intersubjetiva, de um processo relacional pelo qual o trabalhador compartilha e utiliza estratégias defensivas para lidar com suas fragilidades no trabalho. Dejours, ao abordar o conceito, associa-o à noção de normalidade, definindo-o como um “estado real e não ideal de equilíbrio onde doenças estão consolidadas e os sofrimentos compensados pela utilização de estratégias múltiplas.” (Dejours, 1995, p.3) O itinerário histórico de construção do modelo teórico da psicodinâmica pode ser delineado em três etapas distintas, marcadas pela ampliação e reformulação de conceitos e integração de novas vertentes. A primeira delas, desenvolvida na década de oitenta, volta-se para o estudo do sofrimento psíquico, sua gênese e transformações derivadas do confronto entre psiquismo do trabalhador e organização do trabalho. Concentra-se na análise da dinâmica do sofrimento e das estratégias defensivas suscitadas por este sofrimento. A segunda etapa, que se deu até meados da década de noventa, direciona-se para o pólo da saúde ao abordar o estudo do prazer. Aprofunda a análise dos mecanismos utilizados pelos trabalhadores para tornar o trabalho saudável. A terceira etapa vem sendo desenvolvida com enfoque na análise do trabalho como locus de construção da identidade do trabalhador, no estudo da dinâmica do reconhecimento e de seu papel sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho, e na abordagem da vivência de prazer e sofrimento no trabalho à luz das novas estruturas da organização do trabalho. O modelo teórico desta disciplina, inicialmente fundamentado na psicanálise, vem ao longo de sua existência procurando elucidar, pela análise dinâmica dos processos psíquicos do trabalhador, mobilizados pela confrontação com a realidade do trabalho, a relação estabelecida entre o trabalhador, sua estrutura de personalidade e o trabalho, mediador da realização do ego no campo social. Conceitualmente, a abordagem psicodinâmica pressupõe o trabalhador sujeito ativo que concretiza, a partir de sua história pessoal, aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas no trabalho. Um indivíduo que interpreta sua relação com o trabalho, socializa atos intersubjetivos e que reage mental, afetiva e fisicamente às situações do trabalho. O trabalho, por sua vez, é considerado locus de descarga da energia psíquica do trabalhador, energia esta que, por processos sublimatórios, encontra, no campo social, caminho de expressão e locus de construção da identidade do trabalhador, que impelido à auto-realização, tem no trabalho caminho de reconhecimento da sua identidade pelo seu fazer. Além disto, o trabalho é visto como meio de alcance de satisfações concretas e simbólicas. Satisfações concretas dizem respeito à proteção à vida, ao bem-estar físico, biológico e nervoso, à saúde do corpo do trabalhador. Satisfações simbólicas referem-se à realização dos desejos do trabalhador pelo sentido, significado do trabalho. Segundo o modelo teórico, é inerente ao trabalho a vivência de prazer e sofrimento. Esta vivência relaciona-se ao fluxo do processo psíquico do trabalhador determinado pela realização ou repressão da energia psíquica, conseqüência da relação estabelecida entre o trabalhador e seu trabalho. Todo trabalho pressupõe uma carga psíquica, resultado da confrontação do desejo do trabalhador à injunção contida na organização do trabalho. A carga psíquica do trabalho expressa, para o trabalhador, a pressão atribuída pela organização do trabalho ao seu aparelho psíquico. O trabalho, quando permite a diminuição da carga psíquica e conseqüente livre funcionamento do aparelho psíquico, por estar articulado às necessidades e desejos psicológicos do trabalhador, torna-se fonte de gratificação psíquica, origem e fonte de prazer. Por sua vez, quando resulta em bloqueio ou acúmulo de energia psíquica, pela impossibilidade de gratificação dos desejos do trabalhador, torna-se fonte de tensão e sofrimento. Nesta relação, o trabalho exerce papel determinante por oferecer vias de descarga da energia psíquica ou por ocasionar ao trabalhador repressão desta energia pela imposição de um modo operatório padronizado e generalizado. Com relação à dinâmica psíquica, assume dois papéis básicos: fonte de satisfação pela gratificação de desejos e aparato defensivo a vivências infantis inconscientes. “A atividade de trabalho aparece então como corte ao passado, destinada mesmo a manter ativamente essa interrupção de modo a proteger o sujeito do retorno imprevisto à sua história infantil ou, mais geralmente, ao seu inconsciente. No lugar de negociar com o inconsciente para resultar em um compromisso, como é a formação substitutiva, ele se coloca deliberadamente dentro da problemática em uma relação de força, mesmo estando o terreno ocupado pelo mais poderoso dos protagonistas.” (Dejours, 1983, p.1876) Dejours (1980/1992), ao referir-se ao trabalho, distingue organização do trabalho e condições do trabalho. Condições do trabalho são compreendidas como características relacionadas ao conteúdo ergonômico do trabalho – exigências físicas, químicas, biológicas, condições de higiene, segurança e características antropométricas do posto de trabalho. Influenciam a saúde física, sendo o ponto de impacto da sua inadequação, mais fortemente, o corpo do trabalhador. Organização do trabalho influencia mais diretamente o funcionamento psíquico do trabalhador, por comportar o conteúdo significativo do trabalho, composto por conteúdos materiais, relacionados aos instrumentos de operação e características da tarefa e conteúdos simbólicos derivados do conteúdo significativo atribuído à dificuldade prática da tarefa, à significação da tarefa acabada em relação à carreira profissional, ao estatuto social ligado ao posto de trabalho, bem como ao sentido simbólico do trabalho determinado em função da história de vida do trabalhador. Concretiza-se, na maioria das vezes, como a vontade do outro, da instituição, que se opõe ou mesmo se impõe ao desejo do trabalhador, ao funcionamento do seu aparelho psíquico, impedindo-o de ser sujeito dos seus desejos e necessidades. Operacionalmente, a organização do trabalho compreende a divisão do trabalho ou divisão de tarefas _ expressão do modo operatório prescrito para execução das tarefas e a divisão dos homens _ estrutura hierárquica, de comando, controle e de relação entre os membros das equipes de trabalho. Em nível de funcionamento psíquico, “a divisão das tarefas e o modo operatório incitam o sentido e o interesse do trabalho para o trabalhador enquanto a divisão dos homens solicita sobretudo as relações entre pessoas e mobiliza os investimentos afetivos, o amor e o ódio, a amizade, a solidariedade, a confiança.”(Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994 p.126). Pressupõe, portanto, um processo técnico e uma relação intersubjetiva, relação esta determinada pelas relações sociais do trabalho, que a modifica e modela. Segundo o modelo teórico, a descrição da organização do trabalho implica a adoção dos conceitos de descrição gerencial–relacionada às normas e métodos de trabalho estabelecidos; organização prescrita e descrição subjetiva–relacionada às modificações e improvisações adotadas pelos trabalhadores para lidar com a descrição gerencial frente às demandas do trabalho; organização real. (Dejours, 1999 b) Quanto às relações sociais no trabalho, caracterizam-se pelas relações ativas que o trabalhador estabelece com outros trabalhadores que sofrem: com os pares na tentativa de reconhecimento e de pertencimento a um coletivo: com a hierarquia, buscando reconhecimento de suas competências e com os subordinados, visando o reconhecimento de sua autoridade e competência. “Os comportamentos humanos não podem ser corretamente interpretados a partir do universo físico e mental individual. Todo ato técnico e toda atividade de trabalho estão submetidos a uma regulação pela interação entre as pessoas.” (Dejours, 1997/1999, p.49 ) Permeadas por um conjunto de regras não apenas técnicas como também sociais e éticas, as relações sociais fazem emergir o coletivo de trabalho, regulado por um sistema de valores e pela noção do que é justo ou injusto. Na relação dinâmica trabalhador–organização do trabalho, o confronto do trabalhador com forças ligadas à organização do trabalho, quando as possibilidades de adaptação ou ajustamento da energia psíquica se esgotam, bloqueando a relação subjetiva do trabalhador com o trabalho, faz emergir vivências de sofrimento. Para a abordagem psicodinâmica, o sofrimento é compreendido como resultado da incompatibilidade entre projetos, esperanças e desejos do trabalhador e a organização do trabalho. “... a organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, esperanças e de desejos e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais conforme às suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos – isso é, quando a relação homem - trabalho é bloqueada.” (Dejours, 1980/1992, p.133) Pesquisas realizadas por Dejours nos anos oitenta, com operários da construção civil e telefonistas, revelaram o papel da organização do trabalho sobre o funcionamento psíquico dos trabalhadores, evidenciando a influência de características da organização do trabalho sobre a vivência de sofrimento no trabalho. O trabalho, segundo os resultados obtidos por estas pesquisas, contém elementos determinantes à formação da auto - imagem do trabalhador, derivada da compatibilidade entre nível de qualificação do trabalhador, suas competências, o conteúdo da tarefa e a significação do trabalho atribuída pelo indivíduo a partir de sua história de vida. Tais elementos tornam-se fonte de sofrimento quando incompatíveis às necessidades e desejos do trabalhador. Essas pesquisas revelaram ainda, a partir da análise do discurso dos trabalhadores, quatro sentimentos indicadores da vivência de sofrimento no trabalho. Sentimento de indignidade, oriundo do contato forçado com uma tarefa desinteressante, concretizado pelos sentimentos de vergonha, de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, de ser sujo, de não ter imaginação, inteligência, de estar despersonalizado. Resulta na falta de significação e em frustração narcísica pelo surgimento de uma imagem narcísica pálida, feia e miserável. Sentimento de inutilidade relacionado à falta de qualificação e finalidade do trabalho. Refere-se ao desconhecimento do trabalhador do significado do seu trabalho para a empresa ou ainda a desqualificação do trabalho pelo grupo familiar e social. Sentimento de desqualificação ligado à imagem do trabalhador, imagem relacionada ao grau de admiração que o coletivo de trabalho imprime à tarefa. Por último, sentimento de vivência depressiva. Condensa os três sentimentos, ampliando-os ao associar-se a sensação de adormecimento intelectual, de anquilose mental e de paralisia da imaginação. Concretiza-se pela sensação de cansaço originado não somente do esforço físico mas também da execução de uma tarefa sem investimento material ou afetivo. Essas pesquisas revelaram ser o sentimento de medo cerne da vivência de sofrimento no trabalho, sentimento este geralmente explorado pela organização do trabalho em prol do controle do coletivo de trabalho e alcance de índices de produtividade. Elucidaram ainda que este sentimento, além de repercutir nas relações intersubjetivas gerando isolamento e solidão afetiva, reflete-se no funcionamento mental dos trabalhadores promovendo insatisfação e ansiedade. Três categorias distintas de ansiedade foram levantadas. Ansiedade relativa à degradação do funcionamento mental e do equilíbrio psicoafetivo, resultado da desestruturação das relações psicoafetivas espontâneas com os outros trabalhadores e de relações de violência e agressividade com a hierarquia. Ansiedade relativa à degradação do organismo, resultado do risco sobre a saúde física do trabalhador diante das más condições de trabalho. E por fim, ansiedade gerada pela “disciplina da fome” resultado da ameaça contida no trabalho para enfrentar a sobrevivência. No início dos anos noventa, o conceito de sofrimento no trabalho é ampliado, passando a ser compreendido como uma “vivência subjetiva intermediária entre doença mental descompensada e conforto psíquico” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994, p.127). Uma vivência inevitável e ubíqua que tem origem na história de vida de cada um, mas compatível a um estado de normalidade ao implicar a adoção, pelo trabalhador, ante características da organização do trabalho, de uma série de procedimentos de regulação em busca do equilíbrio psíquico. Distinguem-se dois tipos de sofrimento: criativo e patogênico. O sofrimento patogênico emerge quando ações que permitem a adaptação ou ajustamento do trabalhador à organização do trabalho se esgotam, impedindo a transformação do sofrimento. Ocasiona bloqueio da relação subjetiva trabalhador_organização do trabalho, tornando o trabalho mediador da desestabilização psíquica e somática. O sofrimento criativo surge quando o trabalhador utiliza modos operatórios que lhe permitem gerir o seu trabalho, definindo ações capazes de transformar o sofrimento em criatividade e, conseqüentemente, em prazer. O trabalho passa então a funcionar como mediador para a saúde, beneficiando a identidade do trabalhador, aumentando-lhe a resistência, a desestabilização psíquica e somática. No final dos anos noventa, este conceito é novamente reformulado, abarcando a relação com o processo de construção da identidade do trabalhador. Passa a ser compreendido como uma experiência individual, vivenciada, dependente da relação que o indivíduo estabelece, a partir da sua história de vida, com a sua realidade de trabalho, que implica um movimento reflexivo do trabalhador sobre seu “estar- no- mundo” em busca da auto-realização. (Dejours, 1999 a) Na perspectiva da psicodinâmica, a auto-realização fundamenta o processo de construção da identidade do trabalhador. Este é considerado um processo inacabado e armadura da saúde mental, uma vez que crises psicopatológicas, em sua maioria, são centradas em crises de identidade. Na vida adulta, a conquista da identidade processa-se em dois campos: erótico e social. A construção da identidade no campo erótico realiza-se fundamentalmente pela relações amorosas. No campo social, ocorre pela relação que o indivíduo estabelece com o trabalho, pelo reconhecimento que o seu fazer recebe no coletivo de trabalho. O reconhecimento implica uma retribuição moral e simbólica às contribuições do trabalhador à eficácia da organização do trabalho, à sua capacidade de lidar com situações inéditas, imprevistas e com exceções prescritas pela organização do trabalho. “O reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é, pelo engajamento da sua subjetividade e inteligência.” (Dejours, 1997/1999, p. 55 ) Dependente das relações intersubjetivas do coletivo de trabalho, o reconhecimento pressupõe um processo de julgamento, realizado pelos pares e pela hierarquia. “ O sentido do trabalho é, antes de tudo, o advento de um acordo sobre o sentido dado pelos pares à uma situação. Este ponto é capital com referência à construção da identidade. O julgamento do outro sobre a contribuição do sujeito à organização do trabalho é a mediação que permite a este último mudar o sentido do sofrimento no trabalho. Em um segundo momento, o sujeito pode reconduzir o reconhecimento, inicialmente obtido pelo registro do seu fazer, ao registro do seu ser, isto quer dizer da realização de si mesmo e da conquista da sua identidade.” (Dejours e Molinier, 1997, p.262) Este processo caracteriza-se por dois tipos de julgamento: julgamento da utilidade– julgamento da utilidade técnica, social ou econômica da atividade, realizado, geralmente, pela hierarquia e julgamento da beleza– julgamento da originalidade, especificidade e estilo da atividade, realizado pelos pares. O trabalhador, deixando de vivenciar os benefícios do reconhecimento do trabalho, que faz com que angústias, dúvidas, decepções e a relação do trabalhador com o trabalho adquiram sentido, é conduzido ao sofrimento e em alguns casos a um processo de desestabilização psicológica. O sofrimento surge quando os investimentos do indivíduo são negados ou tratados com indiferença pelo coletivo de trabalho ou quando o confronto entre a organização prescrita do trabalho e a organização real do trabalho impede que estes investimentos sejam reconhecidos e conseqüentemente que a expectativa de auto-realização do trabalhador se concretize. “... em sua maioria, os que trabalham se esforçam por fazer o melhor pondo nisso muita energia, paixão e investimento pessoal. É justo que essa contribuição seja reconhecida. Quando ela não é, quando passa despercebida em meio à indiferença geral ou é negada pelos outros, isso acarreta um sofrimento muito perigoso para a saúde mental.” (Dejours, 1999 b, p.34 ) Por outro lado, o reconhecimento mostra-se decisivo na dinâmica de transformação do sofrimento em prazer, principalmente ao atribuir sentido ao sofrimento. Pelo reconhecimento, esforços, angústias, dúvidas, a relação do trabalhador com o trabalho adquire sentido. Nesta perspectiva, o reconhecimento subverte o sofrimento reconduzindo-o ao plano da construção da identidade do trabalhador, ao possibilitar a realização do ego e conseqüentemente a vivência de prazer. O sofrimento torna-se característica do trabalho e fonte aliciadora para que o trabalhador encontre estratégias contra a desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho. “Levar em consideração esta heteronomia nos leva a reconhecer uma contradição original entre saúde e trabalho, contradição tão fundamental que deveríamos deixar a utopia de um trabalho sem sofrimento.” (Dejours, 1995, p.3) Pesquisas recentes, coordenadas pelo autor, atrelam o sofrimento a novas formas de organização do trabalho. O sofrimento tem sua origem na mecanização e robotização das tarefas, mas também nas pressões e imposições da organização do trabalho, na necessidade de adaptação à cultura, à ideologia organizacional, às exigências do mercado, às relações com clientes e no sentimento de incapacidade de execução das tarefas diante das pressões sociais do trabalho, pressões essas marcadas pela sonegação de informações, ausência de cooperação ou participação em atos condenáveis. Constatam que a vivência de sofrimento no trabalho relaciona-se a um ambiente marcado pela sonegação de informação, ausência de cooperação e por pressões sociais que impedem o trabalhador de executar corretamente o seu trabalho. Evidenciam ainda ser a nova concepção gerencial, marcada pela intensificação do trabalho, ameaça de demissão e precariedade, fonte de aumento do sofrimento psíquico. Por esta dinâmica gerencial, trabalhadores vivenciam sentimento de medo que resulta em condutas de obediência, isolamento e submissão. O medo continua a ser considerado cerne da relação vivenciada com as pressões do trabalho. Segundo o modelo teórico, para salvaguarda do equilíbrio psíquico, o sofrimento no trabalho implica procedimentos de regulação, estratégias defensivas construídas, organizadas e gerenciadas individual ou coletivamente, responsáveis pela modificação ou eufemização da percepção da realidade do trabalho que o faz sofrer e pela mudança de atitude do trabalhador, que passa a adotar atitude provocadora ou minimizadora da pressão patogênica, imposta pela organização do trabalho. Por elas, as pressões do trabalho são suportadas, permitindo ao indivíduo utilizar o trabalho como meio de auto-realização. Apesar da vivência de sofrimento no trabalho remeter a uma vivência subjetiva, individual, a experimentação de vários trabalhadores de seu próprio sofrimento leva-nos a construírem estratégias defensivas comuns especificamente direcionadas às pressões reais do trabalho, às vivências de sofrimento compartilhadas pelo coletivo de trabalho. Na perspectiva individual, o trabalhador, ao participar de uma estratégia defensiva coletiva, precisa harmonizá-la com seus recursos defensivos individuais, a fim de garantir-lhe coerência psíquica. Tal fato pode levar a dificuldades ou tensões internas, afetando o funcionamento psíquico. As estratégias coletivas diferenciam-se dos mecanismos de defesa individual por dependerem de condições externas para o seu funcionamento, sem as quais suas ações são interrompidas. Implicam um acordo coletivo compartilhado e um processo de aprendizagem da sua utilização no ambiente. Mecanismos de defesa individual são interiorizados, persistindo mesmo sem a influência de condições externas. A construção coletiva das estratégias de defesa contribui para assegurar a coesão e construção do coletivo de trabalho. Pressupõe uma atividade deôntica, ou seja a de construir acordos, normas e valores que se estabilizam sob a forma de regras. Implica discussões, deliberações, conflitos no grupo de trabalho e comprometimento entre os trabalhadores. Em uma perspectiva extrema, atuando na percepção da realidade do trabalho, as estratégias defensivas coletivas resultam em uma percepção irrealista, validada coletivamente. Neste caso, as pressões impostas pela organização do trabalho fazem com que os trabalhadores, por um processo alienante, voltem-se essencialmente para manutenção dessas estratégias e eliminação ou minimização de tudo que possa desativá-las. O sofrimento deixa de ser reconhecido como decorrente do trabalho, passando a ser visto como resultado do enfraquecimento das estratégias defensivas. As estratégias de defesa passam a ser vistas como promessa de felicidade, vivenciadas como uma ideologia: ideologia defensiva. “A ideologia defensiva surge quando a estratégia de defesa torna-se programa de ação coletiva. Tem lugar na construção de um imaginário social no qual a estrutura opõe-se à elaboração do sofrimento. Cria-se uma ordem simbólica, promovendo processo de alienação da realidade.” (Dejours, 1997/1999, p.131) Na década de oitenta, pesquisas em indústria petroquímica e com telefonistas apontam que os trabalhadores, para lidar com o sofrimento no trabalho, adotam atitude de desprezo, ignorância ou inconsciência em relação às situações da organização do trabalho que propiciam acidentes de trabalho, que impõem ritmo exacerbado ou exijam elevados índices de produtividade. Tais atitudes objetivam controlar o sentimento de medo, na maioria das vezes, negado pelo coletivo do trabalho. Quando estas atitudes não se tornam efetivas, desencadeiam no corpo desordens endócrinometabólicas, fazendo surgir doenças psicossomáticas. Pesquisas realizadas no início da década de noventa com trabalhadores de uma central nuclear revelam como comportamentos defensivos do coletivo de trabalho o isolamento, a desconfiança, atitude de fechamento em uma autonomia máxima, o desvencilhar das responsabilidades. Mostram também que as equipes de trabalho tornam-se fortemente diferenciadas e com tendência a tratar umas às outras como incompetentes e em alguns casos como inimigas (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994) Estudos recentes (Dejours, 1999 c) sugerem que a negação do sofrimento alheio e do seu próprio sofrimento assim como o individualismo são estratégias defensivas mais comumente utilizadas. A negação surge quando o trabalhador não encontra meios para lidar com o sofrimento, quando a percepção do sofrimento é constrangedora ou quando ocasiona uma dificuldade subjetiva. O individualismo, por sua vez, lida com certo nível de sofrimento o qual elimina a reciprocidade, a cooperação no coletivo de trabalho. Os trabalhadores passam a interpretar a situação de trabalho de forma singular, sem considerar a história que os produziu. Sugerem ainda duas novas modalidades de estratégia defensiva: estratégia da distorção comunicacional e racionalidade estratégica. A estratégia da distorção comunicacional refere-se à negação da realidade do trabalho implicando a supervalorização do gerenciamento e na interpretação dos fracassos como resultado da incompetência, falta de seriedade, de preparo, má vontade ou incapacidade humana. Concretizase em uma prática discursiva pautada exclusivamente nos resultados positivos, na produção e na eufemização dos fracassos, do sofrimento e injustiça que os trabalhadores padecem na organização. Pressupõe a utilização de racionalização–“designa aqui uma defesa psicológica que consiste em dar a uma experiência, a um comportamento ou a pensamentos reconhecidos pelo próprio sujeito como inverossímeis (mas dos quais ele não pode prescindir) uma aparência de justificação, recorrendo a um raciocínio especioso, mais ou menos obscuro ou sofisticado.” (Dejours, 1999 b, p.72 ) A racionalidade estratégica refere-se à negação coletiva das situações de trabalho cujas ações são incongruentes aos princípios éticos e morais do trabalhador, como por exemplo, a participação em atos injustos ou que causem sofrimento ao outro. Paralelamente à noção das estratégias de defesa, o modelo teórico evidencia a existência de determinadas características para a gestão das estratégias de defesa assim como da defasagem entre o prescrito e o real da organização do trabalho. Inicialmente considera a existência de um espaço público de discussão e do mecanismo de mobilização subjetiva. No final dos anos noventa, acrescenta a cooperação entre os componentes do coletivo de trabalho. O espaço público de discussão implica um espaço onde opiniões, eventualmente contraditórias, podem ser livremente formuladas e publicamente declaradas. Voltado à deliberação coletiva, o espaço público de discussão pressupõe que trabalhadores intervenham para opor argumentos em função de suas crenças, desejos, valores, posições ideológicas, escolhas éticas e experiência técnica, comprometendo-se cognitivamente e afetivamente uns com os outros. Representa o espaço da fala e da expressão coletiva do sofrimento. A construção deste espaço de discussão subentende inteligibilidade_compreensão pelo coletivo de trabalho dos meios retóricos e comunicacionais que o trabalhador utiliza para expressar-se e autencidade–relação de eqüidade entre aquele que fala e o que escuta. Por ele, o ajustamento da organização do trabalho poderá ser racionalmente gerenciado pela deliberação de diferentes coletivos de trabalho envolvidos na gestão e execução das tarefas, a partir de referenciais técnicos e sociais. O mecanismo de mobilização subjetiva compreende a mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos da inteligência do trabalhador, da sua subjetividade no trabalho em busca do reconhecimento possibilitando a transformação do sofrimento, por uma operação simbólica que leva ao resgate do sentido do trabalho, em vivências de prazer. No início dos anos noventa, o estudo deste mecanismo levou à identificação da inteligência astuciosa, responsável pela invenção, imaginação, inovação, ajustamentos dos processos psíquicos dos trabalhadores com a organização do trabalho, como elemento essencial do mecanismo de mobilização subjetiva. “Trata-se especificamente de uma inteligência que tem raiz no corpo, nas percepções e na intuição sensível: inteligência do corpo sobretudo, ela é também uma inteligência em constante ruptura com as normas, regras, é uma inteligência fundamentalmente transgressiva.” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994, p.133) A inteligência astuciosa funciona em relação a uma regulamentação imposta pela organização do trabalho que é subvertida para atender às necessidades do trabalho. Sua existência pressupõe condições psicoafetivas derivadas do sentido atribuído pelo trabalhador ao seu trabalho em função de sua história de vida, dinâmica denominada ressonância simbólica. Isto é, requer a compatibilização entre as representações simbólicas do trabalhador e a realidade de trabalho. Além destas condições singulares, a inteligência astuciosa, por seu caráter transgressivo, implica validação social realizada pelo reconhecimento do trabalhador pelo seu fazer, processo este anteriormente descrito. Inicialmente, as contribuições da inteligência astuciosa são compreendidas como quebragalhos. “O termo quebra-galho foi reintroduzido no mundo do trabalho para designar as infrações cometidas no exercício do trabalho cotidiano para alcançar o máximo dos objetivos das tarefas fixadas pela organização do trabalho ... designa as maneiras de proceder que permitem alcançar os objetivos procurados, afastando-se da regra, mas sem trair os seus princípios.” (Dejours, 1997/1999, p.50) Uma vez reconhecidas e estabilizadas, essas contribuições tornam-se normas no coletivo de trabalho. Denominadas regras de ofício, são determinações técnicas e éticas que repousam sobre o consenso grupal, adquirindo poder organizador do coletivo de trabalho. São, ao mesmo tempo, regras técnicas por fixarem maneiras do fazer; regras sociais, por enquadrarem condutas de interação; regras lingüísticas por estabilizarem-se em práticas de linguagem; e regras éticas por servirem de referência às arbitragens e julgamentos das relações de trabalho. No final dos anos noventa, a inteligência astuciosa passa por redefinição conceitual, sendo denominada inteligência da prática. Continua sendo evidenciada como elemento essencial da mobilização subjetiva, capaz não apenas de atenuar o sofrimento no trabalho, mas também de transformá-lo em prazer. Dejours (1997/1999) sugere que a inteligência da prática implica a idéia de astúcia que comporta caráter de inovação, de ruptura às regras e normas estabelecidas pela organização do trabalho e de discrição e responsabilidade pelas infrações cometidas ao prescrito. Por ela, o trabalhador utiliza sua capacidade de imaginação, mesmo que não domine a tecnologia, para desenvolver um saber particular. Esta forma de inteligência pressupõe características cognitivas_capacidade do trabalhador em lidar com o imprevisto, com o inusitado, com o que ainda não foi assimilado nem rotinizado_e afetivas_capacidade de ousar, desobedecer ou transgredir, de agir de forma inteligente porém discreta ou clandestinamente. Inicialmente considerava-se que a utilização desta forma de inteligência dependia essencialmente da livre vontade dos trabalhadores. Pesquisas recentes (Dejours, 1999c) vêm demonstrando que o sentimento de medo, por exemplo, atrelado à ameaça de demissão, faz com que trabalhadores acionem suas inventividade em prol da produtividade e do relacionamento com o coletivo de trabalho. Com referência à cooperação, esta é compreendida como uma “conduta coordenada, definida como a ação de participar de uma obra comum” (Dejours, 1997/1999, p.53 ). Supõe um lugar para o qual convergem contribuições de cada trabalhador e onde relações de dependência entre os trabalhadores se cristalizam. Por ela, torna-se possível que erros, falhas individuais sejam minimizadas ou contornadas e que o desempenho do coletivo de trabalho alcance resultados superiores à soma dos desempenhos individuais, pela integração das diferenças individuais e pela articulação dos talentos específicos de cada trabalhador. “A cooperação é fundamentalmente o nível de organização das condutas humanas no trabalho que reconhecem o lugar dos erros individuais mas permite, pelo jogo cruzado das ações, corrigir ou prevenir um bom número de suas conseqüências no processo de trabalho... Da qualidade da cooperação depende, portanto, a qualidade do trabalho, a confiabilidade e a segurança, a despeito das imperfeições irredutíveis da organização do trabalho prescrito e dos limites dos desempenhos humanos.”(Dejours, 1997/1999, p.94) Em síntese pode-se afirmar que a abordagem da psicodinâmica, considerando as limitações inerentes a qualquer modelo teórico, destaca-se por analisar os processos intra e intersubjetivos do trabalhador mobilizados pela situação do trabalho, focalizando a organização do trabalho não apenas pela sua dimensão objetiva concretizada pelos mecanismos de produção e atividades normativas, como também pela dimensão subjetiva caracterizada pelas relações sociais, pelas interações do trabalhador com o mundo social do trabalho. Em uma tentativa de simbolizar o modelo teórico a fim de proporcionar melhor compreensão, apresentamos esquema proposto por Dejours (1996) – figura 1. Utilizando a figura geométrica triângulo, o autor representa, no ângulo superior a organização prescrita do trabalho que estabelece regras e normas de execução; em um vértice, o trabalhador enquanto sujeito ativo com sua história pessoal, aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas que tem vivência de sofrimento no trabalho. No outro vértice oposto, o “outro” no mundo do trabalho representado pelo coletivo de trabalho com sua dinâmica de interação e cooperação, promovendo a realização da dinâmica de reconhecimento no trabalho. A vivência do real do trabalho, que resulte em experiências dolorosas, na vivência de sofrimento, leva o trabalhador, pela interação com o coletivo de trabalho, a utilizar estratégias de defesa e o mecanismo de mobilização subjetiva, permitindo a subversão do sofrimento e a construção da identidade do trabalhador mediante o reconhecimento pela ordem social. Nesse contexto, o binômio prazer–sofrimento deve ser abordado como um constructo dialético, uma vez que o trabalho pode ser compreendido como lugar de encontro tanto com o prazer quanto com o sofrimento, dependendo do contexto no qual é realizado e do sentido que o trabalhador lhe atribui. Figura 1 – Representação gráfica do modelo teórico 2. PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO: trajetória conceitual e empírica O debate teórico à luz da abordagem da psicodinâmica do trabalho promovido por pesquisadores e especialistas de diversos países, inclusive do Brasil, vem acumulando importantes contribuições nos últimos anos. Abordamos, neste capítulo, publicações da última década referentes a pesquisas ou análises teóricas responsáveis pelo aprofundamento e construção do conhecimento na área, bem como pelo aperfeiçoamento da metodologia de investigação. Considerando nosso eixo de investigação, apresentamos estas publicações, organizando-as, cronologicamente, em quatro grupos identificados por temas básicos. O primeiro grupo temático aprofunda conhecimentos referentes à vivência de prazer e sofrimento no trabalho pela busca da caracterização destas vivências. Fundamentados em sua unanimidade nos pressupostos do modelo teórico da abordagem da psicodinâmica do trabalho, diferentes autores propõem indicadores capazes de sinalizar a vivência de prazer ou sofrimento no trabalho. O segundo grupo aborda a relação existente entre organização do trabalho e a vivência de prazer e sofrimento no trabalho, na qual evidências empíricas apontam sobre a influência da organização do trabalho na vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Algumas das publicações analisam a organização do trabalho sob a ótica dos novos paradigmas caracterizados pela cultura do desempenho, da excelência, da competição exacerbada, da produtividade e da fidelidade aos objetivos e ideais do empresariado. O estudo da utilização de estratégias de defesa coletivas para enfrentamento da vivência de sofrimento psíquico e para a transformação das situações de trabalho geradoras de sofrimento em situações propiciadoras à vivência de prazer, é identificado como o terceiro tema do grupo de publicações. Por fim, o quarto grupo levantado refere-se à análise da dinâmica do reconhecimento no trabalho e, conseqüentemente, ao processo de construção da identidade do trabalhador. 2.1 Indicadores Conceituais da Vivência de Prazer e Sofrimento Signos indicadores de sofrimento psíquico no trabalho são propostos, a partir de resultados empíricos, por Jayet (1994): a) medo físico relacionado à fragilidade do corpo quando exposto a determinadas condições de trabalho; b) medo moral relacionado ao temor do julgamento dos outros e de não suportar a situação de pressão e adversidade existente na realização da tarefa; c) tédio por desempenhar tarefas pouco valorizadas; d) impressão de que não vai dar conta das responsabilidades por sobrecarga de trabalho; e) ininteligibilidade das decisões organizacionais; f) ambivalência entre segurança, rentabilidade e qualidade; g) conflitos entre valores individuais e organizacionais; h) incerteza sobre o futuro da organização e do próprio futuro; i) perda de sentido do trabalho pela não compreensão da lógica das decisões; j) dúvidas sobre a utilidade social e profissional do seu trabalho; l) sentimento de injustiça, falta de reconhecimento do seu trabalho pela ausência de retribuição financeira ou moral pela organização do trabalho; m) sentimento de inatividade, inutilidade e de depreciação da identidade profissional oriundo da sensação de que o trabalho não traz contribuições à sociedade; n) sentimento de desordem, culpabilidade, vergonha e fatalidade em lidar com situações de trabalho pela falta de confiança e negação dos problemas relacionados ao trabalho. Por sua vez, Périlleux (1996) aponta como manifestações características da vivência de sofrimento psíquico no trabalho: medo, ansiedade, tédio e insatisfação com o trabalho. Baseado em levantamento epidemiológico obtido a partir de dados fornecidos por enquete sobre saúde, trabalho e doenças, realizada na França, no período de 1990 a 1995, Derriennic (1996) identifica quatro indicadores de vivência de sofrimento psíquico no trabalho: sentimento de solidão, cansaço, inibição e propensão à agressividade. Outra contribuição a esse campo de estudo tem sido dada, ao longo dos últimos seis anos, por Mendes, que propõe indicadores conceituais para vivência de prazer e sofrimento no trabalho. No primeiro momento, Mendes (1994) delimita como conceito para a vivência de sofrimento psíquico no trabalho quatro indicadores: vivência depressiva – refere-se ao desinvestimento afetivo no trabalho, sentimento de cansaço, desânimo e indisposição para continuar produzindo; sentimento de indignidade – relacionado à frustração narcísica diante da percepção de que o trabalho é robotizado, despersonalizado, que não permite a utilização da inteligência e imaginação, causa isolamento psicoafetivo e é subjugado a um sistema de poder; imagem de inutilidade – percepção de que o trabalho não tem finalidade e significação para si mesmo, para a família, para a organização e para a sociedade em geral e imagem de desqualificação – percepção de que as tarefas são pouco complexas e que não exigem conhecimentos específicos, implicando a desmotivação e a não-realização profissional. Em 1997, a autora reformula estes indicadores e propõe também indicadores para vivência de prazer psíquico no trabalho. Como indicadores de prazer, sugere: a) finalidade e importância do trabalho_percepção de que o trabalho tem finalidade e importância para si mesmo, para a organização e para a sociedade em geral; b) reconhecimento e liberdade no trabalho _ percepção de que o trabalho é reconhecido e que permite ao trabalhador liberdade para falar e usar seu estilo pessoal. Como indicador de sofrimento, reformula o já proposto e aponta o indicador cansaço e desgaste no trabalho - sensação de cansaço, desgaste, frustração, desânimo e sobrecarga no trabalho. Mendes, Morrone e Mota (submetido), buscando delimitar outros indicadores para vivência de sofrimento no trabalho, reformulam os conceitos e propõem novos indicadores: como indicadores relacionados à vivência de prazer são trazidos: a) o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade, fator valorização e b) o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para expressar sua individualidade, fator reconhecimento. Como indicadores de sofrimento, a) o sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao trabalho, fator desgosto e b) o sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho, fator insegurança. De forma geral, nesta última década, podemos observar que a delimitação de indicadores da vivência de prazer e sofrimento passa por um refinamento conceitual. Atualmente, são delineados indicadores para cada uma destas vivências capazes de subsidiar um estudo psicodinâmico das situações de trabalho. No entanto, é imprescindível salientar que, segundo Mendes (1999) e Mendes e outros (2001), a análise destas vivências não deve realizar-se sem a perspectiva de serem elas partes integrantes de um mesmo constructo, no qual cada uma coexiste podendo ou não haver o predomínio de uma sobre a outra. 2.2 Organização do Trabalho e Vivência de Prazer e Sofrimento O papel central da organização do trabalho na vivência de sofrimento é trazido por Wisner (1994). Para o autor, o trabalhador, portador de uma história de vida, vivencia conflitos quando confronta uma realidade de trabalho incompatível à sua necessidade de prazer. Segundo ele, todas as atividades de trabalho apresentam uma carga de trabalho delimitada em pelo menos três aspectos: físico, cognitivo e psíquico. Esta carga de trabalho, fruto das exigências de adaptação estabelecidas ao trabalhador pela organização do trabalho, possui papel determinante na vivência de sofrimento no trabalho. A carga física corresponde à qualidade e quantidade de esforço físico despendido por cada trabalhador para realização de suas tarefas, envolvendo gestos, posturas e deslocamentos. A carga cognitiva, às funções perceptivas e mentais necessárias para execução da tarefa e tomadas de decisão como memória, atenção, audição, visão e raciocínio. A carga psíquica, ao significado que a organização do trabalho assume para cada um, manifestando-se em níveis de conflitos relacionados à representação consciente ou inconsciente das relações estabelecidas entre o trabalhador e a organização do trabalho. A partir de estudo empírico, Mendes (1994) observa que o modelo de organização do trabalho no qual estão inseridos os profissionais determina a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Analisa que, em detrimento da qualificação dos profissionais, trabalhadores submetidos a uma organização do trabalho contraditória, que subtiliza as competências técnicas, padroniza a realização das tarefas e restringe a margem de liberdade para o uso das competências técnicas têm sua relação de prazer com o trabalho comprometida. Por sua vez, Linhares (1994), em pesquisa realizada com enfermeiros de UTI, conclui que a vivência de prazer ocorre quando existe identificação do trabalhador com sua atividade de trabalho, os resultados dos procedimentos técnicos são favoráveis e quando a organização do trabalho, considerando a variabilidade inter e intra-individual, permite a utilização de estratégias operatórias diferenciadas. Considerações sobre a inexistência de um modelo único de organização do trabalho são trazidas por Tillman (1994), em pesquisa realizada com grupos de operários rurais. Segundo a autora, não existe apenas um modelo único de organização do trabalho. Dentro de uma mesma empresa, em grupos diversos, pode se encontrar diferentes modelos, os quais o trabalhador interpreta de acordo com sua subjetividade. O resultado destas interpretações é determinante na construção de vivência de prazer e/ ou sofrimento no trabalho. Traçando reflexões teóricas, Mendes (1995) avalia a organização do trabalho à luz de seus novos paradigmas. Segundo a autora, a organização do trabalho pode ser favorável à vivência de prazer e conseqüentemente à saúde psíquica do trabalhador, à medida que valoriza a participação, a autonomia e a globalização do processo de trabalho, fatores estes necessários para a transformação ou minimização do sofrimento. Propõe como condições propiciadoras à saúde psíquica dos trabalhadores, decorrentes da flexibilidade da organização do trabalho, a integração e globalização dos processos, métodos e instrumentos de trabalho, o conteúdo significativo das tarefas, a autonomia, o uso das competências técnicas e criativas e relações hierárquicas baseadas na confiança, cooperação, participação e definição de regras pelo coletivo de trabalho. No entanto, Mendes e Abrahão (1996) apontam, a partir dos resultados empíricos obtidos em pesquisa qualitativa realizada com engenheiros de telecomunicação, a possibilidade de que o modelo de organização do trabalho, mesmo à luz de novos paradigmas, tenha implicitamente princípios de divisão e controle, fonte de sofrimento. Neste sentido, a organização do trabalho torna-se contraditória, gerando ao mesmo tempo prazer e sofrimento, o que revela que a vivência de ambos pode coexistir na situação de trabalho. Nesta pesquisa, as autoras identificam variáveis antecedentes inerentes à organização do trabalho determinantes à vivência de prazer ou sofrimento. Os resultados foram obtidos a partir da análise de conteúdo de entrevistas realizadas com os profissionais, sendo classificados nas seguintes categorias: divisão do trabalho, conteúdo das tarefas, relações com os pares e relações com a hierarquia. A vivência de prazer é associada ao reconhecimento e valorização do trabalhador pela organização do trabalho bem como à realização de tarefas com começo, meio e fim, à visualização dos resultados da produção, à descentralização das decisões, à flexibilidade hierárquica, à autonomia técnica, ao controle do processo produtivo, à possibilidade de aprender e desenvolver - se profissionalmente e à liberdade de expressão. As autoras observam que a vivência de prazer resulta mais dos investimentos sublimatórios na atividade do que na transformação do sofrimento. A vivência de sofrimento mostra-se associada à divisão e padronização das tarefas, à subutilização do potencial técnico e da criatividade, à rigidez hierárquica, à falta de participação nas decisões e de reconhecimento profissional, às ingerências políticas, à centralização de informações, à pouca perspectiva de crescimento profissional e ao individualismo entre os colegas. Ainda sob a ótica da análise dos novos paradigmas da organização do trabalho, Périlleux (1996), baseado em resultados obtidos em pesquisa realizada em empresa belga de mecânica, usinagem e tratamento químico, aponta que as novas estruturas da organização do trabalho ao privilegiar a criatividade, a comunicação e o trabalho em equipe além de tornar o processo de socialização problemático, interferindo nas condições de constituição do coletivo de trabalho, modificam as condições de compreensão e manifestação dos sentimentos relativos ao trabalho. Observa que o estímulo à integração, ao diálogo, à conciliação no grupo de trabalho atrelado ao da privacidade e autonomia, preconizado atualmente pelas organizações do trabalho, adquire caráter paradoxal, incoerente a expressão emocional profunda do trabalhador, fato este propiciador da vivência de sofrimento. Lunardi e Mazilli (1996), em pesquisa realizada com enfermeiros, revelam que uma organização do trabalho autocrática e autoritária apresenta elementos fortemente implicados na gênese do sofrimento no trabalho. O descaso, o desconhecimento ou a negação das dificuldades experimentadas pela hierarquia e pelo grupo de trabalho, assim como sobrecarga de trabalho e ausência de condições físicas são também identificados como elementos propiciadores de sofrimento. Em contrapartida, como condição necessária à existência de prazer no trabalho, os autores sugerem o desenvolvimento de uma administração que privilegie a realização da pessoa humana, que proporcione o pleno emprego das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas e que se caracterize pela flexibilidade. Fundamentada na concepção de que o trabalhador, ao estabelecer sua relação com o trabalho, o faz sendo sujeito com história de vida, aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas e ainda sendo ator, agente ativo no trabalho, Carpentier-Roy (1996) considera que os novos paradigmas da organização do trabalho estimulam a fusão destas duas dimensões - ator/sujeito. Ao privilegiar ilusoriamente, pelas práticas gerenciais, a paixão, a criatividade e a autonomia no trabalho, a organização do trabalho impõe, pelo discurso da liberdade e participação, uma estrutura de controle sutil na qual o trabalhador renuncia aos seus desejos, aspirações, necessidades, construindo sua relação com o trabalho fundamentada no atendimento aos ideais propostos pela organização do trabalho. Neste sentido, a construção do coletivo de trabalho também sofre os impactos negativos dos novos paradigmas das organizações do trabalho. Apesar de estimular a participação coletiva, a polivalência e a autonomia do trabalho em equipe, as organizações do trabalho valorizam o conhecimento, a experiência, a autonomia do trabalhador, repousando nos princípios do individualismo. Esta situação estimula o isolamento, a competição entre os trabalhadores de uma mesma equipe e entre equipes distintas, prejudicando a dinâmica de formação e existência do coletivo de trabalho. Em 1997, a autora aprofunda sua análise delimitando dois tipos de patologias inerentes ao novo contexto de trabalho: patologia da exclusão e patologia da excelência. A patologia da exclusão tem origem na perspectiva do trabalhador de ser excluído do seu emprego. Manifesta-se pela ansiedade da perda, da privação. Faz com que os trabalhadores desenvolvam estratégias de defesa capazes de levá-los à adaptação, reformulação ou negação de seus desejos em prol da manutenção do seu trabalho. A patologia da excelência relaciona-se à cultura da excelência que impõe ao trabalhador e ao coletivo de trabalho os propósitos empresariais fundamentados na produtividade e eficácia. Para sobreviver a esta nova estrutura organizacional, o trabalhador ignora seus desejos e necessidades, estabelecendo falsas adesões com o seu trabalho. Esta patologia traz como conseqüência, além do sofrimento psíquico, a desestruturação do coletivo de trabalho, manifestando-se pelo isolamento e competição entre os trabalhadores. A influência da organização do trabalho na vivência de sofrimento no trabalho é ainda abordada por Ribeiro e Mendes (2000) em pesquisa desenvolvida com profissionais de empresa pública. Os autores enfatizam que o sofrimento psíquico no trabalho está relacionado à percepção de falta de espaço na organização para criar e inovar, à execução de tarefas padronizadas e repetitivas e à existência de relação conflituosa com a hierarquia. Com o objetivo de verificar a predominância da vivência de prazer ou de sofrimento em profissionais em função de liderança, Diniz e Mendes ( 2000) realizam pesquisa com chefes e não chefes de uma instituição pública, observando que a vivência de sofrimento é mais representativa em profissionais que não exercem função de chefia. Niedhammer, David, Bugel e Chea (2000), analisando a relação entre organização do trabalho e saúde dos trabalhadores, concluem que esta exerce efeito determinante e causal sobre a saúde dos trabalhadores e que ações orientadas às condições de trabalho permitem reduzir as desigualdades existentes entre os estados de saúde dos profissionais. Os autores chegam a estas conclusões a partir de pesquisa epidemiológica que analisou a influência da organização do trabalho sobre a saúde de trabalhadores a partir da utilização, para aferir características da organização do trabalho, de dois modelos distintos: 1 - modelo de Karasek - abrange três dimensões: a) demanda psicológica – aborda a carga psicológica relacionada à demanda para cumprimento das tarefas, à quantidade e complexidade das tarefas, à realização de tarefas imprevistas, à pressão imposta pelos prazos de execução das tarefas, às interrupções no trabalho e à existência de demandas contraditórias; b) grau de tomada de decisão – autonomia de decisão e sistema de controle: aborda a possibilidade de decidir sobre as tarefas a serem executadas, de participar das decisões de trabalho e de utilizar as competências profissionais para introduzir inovações no trabalho; e c) suporte social no trabalho : aborda o grau de reconhecimento dos colegas e superiores hierárquicos. 2 - modelo de Siegrist - enfoca a identificação de situações patogênicas de trabalho relacionadas a elevados esforços e a um sistema de recompensa falível. Os esforços são definidos como de natureza extrínseca e intrínseca, sendo os primeiros compreendidos por pressões profissionais tais como prazo, interrupções, responsabilidades, carga psíquica, exigências crescentes do trabalho, e os de natureza intrínsecas como atitudes, comportamentos e motivações associadas a um envolvimento excessivo do trabalho, à competitividade, hostilidade, impaciência, irritabilidade, necessidade de apropriação e incapacidade de distanciar-se do trabalho. As recompensas compreendem gratificações monetárias, estima e controle sobre o status profissional em termos de perspectiva de promoção e de seguridade. Os autores observam que a combinação de forte demanda psicológica associada a frágil poder decisional conduz a uma situação de angustia socio emocional que se intensifica com a falta de apoio social no trabalho. O grupo de trabalhadores com saúde em risco é delineado como aquele exposto à forte demanda psicológica, a frágil poder decisional e a frágil suporte social. Observam ainda que o desequilíbrio entre esforços extrínsecos elevados e recompensas falíveis provocam reações nefastas sobre o plano psicológico. Bertin e Derriennic (2000) realizam estudo longitudinal, coletam dados no período de 1990 a 1995, em uma amostra de 20.000 (vinte mil) trabalhadores, verificando a relação existente entre a vivência de sofrimento psíquico no trabalho e variáveis relacionadas à a) fatores sociodemográficos – idade, sexo e saúde profissional; b ) fatores sociais – participação em atividades esportivas, de associações ou sindicatos, atividades culturais ou artísticas, vive só ou acompanhado e c) fatores profissionais – pressões organizacionais relacionadas a horários atípicos, a trabalhos repetitivos com pressão de prazo, a obrigações de executar diversas ações ao mesmo tempo, a não realização de uma tarefa com começo meio e fim, à forte exigência do público e a não percepção do conteúdo do trabalho. Mensuram sofrimento psíquico pela presença de pelo menos um dos quatro estados a seguir: sentimento de solidão; estado de fadiga – absenteísmo, diminuição ou perda de prazer; sentimento de inibição – dificuldade ou incapacidade de agir e propensão à agressividade. Verificam, dentre outros aspectos, relação direta entre a vivência de sofrimento psíquico no trabalho e fatores profissionais sendo que esta influência manifesta-se com maior predominância nos homens do que nas mulheres. Relação direta também foi observada com a situação de viver sozinho, realizar trabalhos repetitivos e possuir horários atípicos. Além disso, constataram relação inversamente proporcional entre a vivência de sofrimento e variáveis relacionadas a fatores sociais e ainda à oportunidade de aprendizagem, de realizar um trabalho de boa qualidade, de possuir poder de decisão sobre o trabalho realizado e de ter liberdade de escolha da profissão. Enfatizam que a disponibilidade de recursos para execução de um trabalho de boa qualidade, a oportunidade de aprendizagem, a possibilidade de realizar tarefas variáveis e a presença de autonomia para escolha dos procedimentos são fatores minimizadores e até mesmo protetores da vivência de sofrimento no trabalho. Estudo longitudinal, conduzido por Vézina, Derriennic e Monfort (2000), realizado no período de 1990 a 1995 com 20.000 (vinte mil) trabalhadores, evidencia que o grau de liberdade e de autonomia do trabalhador no exercício de sua profissão apresenta relação prognóstico com o isolamento social. Trabalhadores que vivenciam uma situação de trabalho caracterizada por pouca autonomia e liberdade tendem a apresentar isolamento social, expressão da vivência de sofrimento no trabalho. Analisando uma instituição financeira mexicana, Matrajt (2001) observa que modificações de características da organização do trabalho têm relação direta com o aumento dos índices de absenteísmo, doenças ocupacionais, erros no exercício do trabalho, consultas médicas à área de medicina do trabalho - em torno de 128% (cento e vinte e oito) e queda de produtividade. Delineia estas modificações como mudanças no tipo de tarefa, introdução de novas tarefas com emprego de tecnologia mais complexa, aumento de situações capazes de provocar sentimento de constrangimento, presença de prescrições contraditórias, processo de comunicação ruidoso e ameaça de desemprego. Ainda nos últimos anos, pesquisas ampliam conhecimentos sobre o tema ao abordar a influência de outras variáveis do contexto organizacional, tais como valores ou atividade de trabalho na perspectiva ergonômica do trabalho. Martins, Mendes e Tamayo (2000) ao investigar o impacto dos valores organizacionais nas vivências de prazer no trabalho em profissionais de empresa pública, observam que o prazer está relacionado à percepção de valores organizacionais que atendam a necessidades individuais e coletivas, sendo a percepção dos eixos autonomia, estrutura igualitária e domínio valores predominantes, assim como está associado a uma organização do trabalho que favoreça qualificação, diversidade de tarefas e margens de liberdade. Conclusão similar apresentam Mendes e Tamayo (2001) que, a partir de resultados obtidos em pesquisa realizada com profissionais de uma empresa pública de abastecimento de água e saneamento, apontam que a vivência de prazer tem expressão prioritária em um contexto organizacional predominado por valores de autonomia, estrutura igualitária e harmonia, e a de sofrimento, por sua vez, uma correlação negativa com um contexto predominado por valores de autonomia, estrutura igualitária e domínio. Numa perspectiva de investigação interdisciplinar, Ferreira e Mendes (2001) analisam a inter-relação entre a atividade de atendimento ao público e a vivência de prazer e sofrimento no trabalho sob o prisma conceitual da ergonomia francófona e da psicodinâmica. Observam que a atividade de trabalho constitui um dos elementos explicativos para o predomínio da vivência de sofrimento do grupo de trabalhadores pesquisados. Especificamente com referência à relação entre as características da organização do trabalho de trabalhadores em exercício de atividades informais e a vivência de prazer e sofrimento identificamos apenas um estudo conduzido por Mendes (2001). Nele, a autora investiga a vivência de prazer e/ou sofrimento enquanto indicadores da saúde psíquica de trabalhadores em atividades informais, possuindo como hipótese que estes trabalhadores vivenciam prazer e sofrimento conforme a dinâmica de cada categoria ou ocupação, de acordo com a organização e condições de trabalho. Os resultados indicaram que eles vivenciam majoritariamente prazer e que a organização do trabalho favorece a valorização e reconhecimento. Supõe a autora que tais resultados justificam-se, provavelmente, pelo fato de a organização do trabalho permitir a sua participação desde o planejamento até a execução das atividades e possibilitar-lhes liberdade para expressão da individualidade, já que normas e regras não dependem de uma estrutura hierárquica formal, mas sim são construídas com base no trabalho real e no grupo, não ocorrendo discrepância entre o trabalho prescrito e o real nem imposição às relações socioprofissionais. Isso posto, podemos identificar, por este grupo temático, que a organização do trabalho exerce papel preditor da vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Nos últimos anos, os estudos apontam para investigações que possibilitam o diálogo interdisciplinar, marcado pela articulação de diferentes variáveis relacionadas ao contexto organizacional com a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Este diálogo vem permitindo avanços sobre o estudo da temática não somente pela identificação de inúmeras contribuições, como também dos limites inerentes à utilização da abordagem interdisciplinar. 2.3 Estratégias de Enfrentamento e Transformação do Sofrimento Passando a abordar este terceiro grupo temático, é imprescindível salientar inicialmente que, como pontuam Kets de Vries e Miller (1984), Seligmann Silva (1994), Cançado (1994) e Mendes (1996 e 1999), o trabalhador, além de fazer uso das estratégias de defesa coletivas, utiliza-se de mecanismos de defesa individuais com o objetivo de lidar com o conflito intrapsíquico derivado da incompatibilidades entre o seu desejo e a realidade externa. Kets de Vries e Miller (1984), baseados na psicanálise, distinguem seis mecanismos predominantes: a) repressão – mecanismo pelo qual são excluídos da consciência pensamentos, emoções, desejos, memórias perturbadores e/ou socialmente censurados; b) regressão – mecanismo pelo qual o indivíduo adota um modo de adaptação e / ou comportamento característicos a um estágio de desenvolvimento anterior; c) projeção – mecanismo pelo qual o indivíduo atribui a outra pessoa ou grupo uma atitude ou qualidade que possui, mas rejeita em si mesmo; d) identificação – mecanismo pelo qual o indivíduo pensa, age e sente como imagina que determinada pessoa esteja sentindo, pensando ou agindo; e) formação reativa – mecanismo pelo qual o indivíduo exclui da consciência uma atitude ou traço, passando a manifestar uma atitude ou traço dramaticamente oposto; e f) negação – mecanismo pelo qual o indivíduo nega a existência de um fato externo relacionado à realidade geradora de conflito. Seligmann Silva (1994), a partir de resultados obtidos em pesquisa realizada com trabalhadores industriais, identifica a negação e a repressão como mecanismos de defesa individuais mais comumente utilizados para lidar com a ansiedade e o medo ocasionados pela situação de trabalho. Caracteriza ainda dois outros: isolamento – mecanismo pelo qual o indivíduo separa a conduta do sentimento relacionado a ela, retirando-o da consciência, e racionalização – mecanismo pelo qual o indivíduo atribui, de maneira não-consciente, explicações racionais a constatações dolorosas. Abordando estratégias de defesa coletivas, Jayet (1994), com base em diferentes pesquisas, sugere como indicadores de utilização destas estratégias: a) desmotivação e desencorajamento; b) condutas de evitação, por exemplo absenteísmo; c) necessidade constante de apoio, de ajuda, de descanso e resistência a produzir; d) comportamentos agressivos de violência ou rebelião; e) exasperação e cólera; f) investimento no espaço privado sobre a família e atividades extra-profissionais; g) diluição das responsabilidades fazendo com que o trabalhador não se prenda a riscos e não se envolva em desafios; h) permanente necessidade de tranquilizar-se, evitar conflitos e se reconfortar; i) negação da realidade; j) ativismo caracterizado pelo engajamento em situações múltiplas evitando assim a consciência de determinadas situações desagradáveis; l) presença excessiva no local de trabalho fora do horário regular; m) forte coesão das equipes, transformando o agir em ideologia, e n) individualismo caracterizado pela realização das tarefas de forma autônoma, por rompantes de agressividade, dispersão das formas de convivência e competição excessiva. Linhares (1994) aponta que o comportamento defensivo é parte de um processo cíclico, dinâmico e multideterminado que varia de acordo com a percepção do trabalhador, sua história de vida e personalidade e ainda em função da flexibilização da organização do trabalho para negociação do prescrito. Considerando resultados empíricos obtidos em pesquisa realizada com engenheiros de empresa de telecomunicação, Mendes (1994 e 1995) operacionaliza estratégias defensivas, enfatizando que a utilização destas estratégias realiza-se como forma de suportar o sofrimento, mas não necessariamente de transformá-lo em prazer. A racionalização origina-se na dissociação do processo de trabalho, manifestandose pelo emprego de justificativas racionais às situações de conflito. Utilizada diante da frustração para explicar de forma lógica os motivos causadores de sofrimento ou ante situações de conflito entre a percepção do que deveria ser o trabalho e o que ele realmente é, caracteriza-se, na maioria das vezes, pela minimização da realidade de trabalho que faz sofrer, pela não-atribuição de responsabilidade à organização do trabalho sobre a situação de sofrimento, e pela necessidade de realização profissional fora da realidade de trabalho A passividade, por sua vez, manifesta-se pela imobilidade diante das imposições e das impossibilidades de transformação das situações de trabalho. Caracteriza-se por comportamentos de acomodação utilizados para justificar a não-transformação das situações de trabalho, manifestando-se, geralmente, pela atribuição a condições externas extracontextuais da responsabilidade pelas adversidades da situação de trabalho bem como pelo poder para modificá-las, pelo corporativismo e supervalorização da empresa e por ainda imputar à organização do trabalho características de imutabilidade e imobilidade ou supervalorização da empresa. O individualismo emerge diante da impotência ante a situações que causam sofrimento como falta de cooperação, de confiança, de compartilhamento de regras, separação entre planejamento e execução das tarefas, e pela desestruturação das relações psicoafetivas com o coletivo de trabalho. Bloqueia a transformação das situações de conflito e conseqüentemente de sofrimento, apesar de atender às necessidades de estabilização psicológica. Manifesta-se pelo isolamento, pela falta de cooperação, pelo desagrado e falta de confiança entre os pares, minimizada por uma pseudo-integração através do humor, chistes e brincadeiras carregadas subliminarmente por sentimentos de competição e falta de confiança. Cançado (1994), em pesquisa realizada com motoristas de transporte rodoviário de carga, observa que estes profissionais, para lidar com contexto gerador de perigo, de esforços e de sofrimento físico e mental sobre os quais não têm controle, constroem e praticam ações adaptativas, utilizando como estratégias coletivas de defesa a racionalização – compreendida como estratégia pela qual os trabalhadores apresentam uma explicação coerente a uma atitude, ação ou idéia conflituosa, adotada pela organização do trabalho, e a negação – estratégia pela qual negam que lhes pertençam um desejo, pensamento ou sentimento. Por sua vez, Mendes e Linhares (1996), em pesquisa realizada com enfermeiros, identificam quatro estratégias defensivas adotadas para lidar com situação de trabalho caracterizada pelo confronto com o binômio vida e morte: a) impessoalidade no contato com o paciente; b) distanciamento emocional na relação com o paciente; c) evitação de comunicação com o paciente e seus familiares e valorização dos procedimentos técnicos em detrimento da relação interpessoal. A utilização destas estratégias defensivas revela ser positiva a medida que colabora com o equilíbrio psíquico e favorece a adaptação às situações de desgaste emocional pelo confronto permanente do profissional com a morte. No entanto, este comportamento pode mascarar o sofrimento psíquico quando provoca estabilidade psíquica artificial, adquirindo assim uma dimensão patológica que interfere tanto no atendimento aos objetivos do trabalho como na vida social. Pesquisando profissionais em exercício de função de liderança em uma instituição bancária, Vezine e Saint-Arnaud (1996) observam que eles desenvolvem uma imagem própria da realidade de trabalho diferente daquela retratada pelos subordinados, que é fundamentada prioritariamente nas metas de produção, e que a tarefa destes profissionais consiste prioritariamente no arbítrio sobre a defasagem entre o trabalho prescrito pela direção da organização a partir das normas de produção e a realidade de trabalho vivenciada pelos subordinados. Neste sentido, estes profissionais adotam como estratégias defensivas a racionalização ou alienação sobre as decisões, a individualização das suas equipes e do seu trabalho em relação aos seus superiores e a não-abordagem, com os superiores, da inexecutabilidade da realidade de trabalho. Em relação ao seu grupo de trabalho, diante da pressão para atingir os objetivos organizacionais e para delimitar um compromisso de fidelidade com os superiores, tendem a adotar uma atitude autoritária de distanciamento ou de repúdio dos subordinados, e ainda de negação das dificuldades relativas à falsificação do trabalho prescrito. Costumam julgar pejorativamente os subordinados, subestimar a carga de trabalho e tratar as dificuldades da situação de trabalho como derivadas de conflitos interpessoais, imaturidade ou falta de competência da equipe de trabalho. Os autores enfatizam que ao adotar estas estratégias de defesa, estes profissionais privam-se da principal fonte de prazer no trabalho, possível em uma clima de colaboração e confiança. Soares (1997) constata que, diante da realização de um trabalho monótono e rotineiro submetido ao controle rigoroso e a diferentes fontes de pressão físicas, mentais ou emocionais, trabalhadores transferem à sua interação com os clientes da organização papel determinante na vivência de prazer ou sofrimento. Tal conclusão foi obtida em pesquisa realizada com caixas de supermercados no Brasil e no Canadá, que evidenciou que o trabalhador, a partir da sua relação com o cliente, consegue modificar sua relação com o trabalho, possibilitando a vivência de prazer. No entanto, a utilização desta estratégia tem caráter paradoxal por ser o cliente também fonte de sofrimento quando estabelece relação de pressão ou violência. Por sua vez, Lhuilier (1997) observa, mediante resultados obtidos em pesquisa realizada com policiais, que as estratégias defensivas atuam sobre as representações da situação do trabalho e sobre os afetos dos trabalhadores. Na relação policial/público infrator, as estratégias defensivas possibilitam a legitimização do papel policial e das práticas profissionais, moldam e previnem a identificação do policial com o público infrator, garantem distância e redução de envolvimento emocional, controlando a emergência de sentimentos de culpa e compaixão. A constatação da existência de estratégias defensivas próprias a uma profissão é apresentada por Molinier e Giujuzza (1997). Segundo os autores, elas adequam-se às demandas e características de cada profissão, diferenciando-se ainda entre os sexos. Em estudo realizado com profissionais de enfermagem, observam que a cooperação adotada como atitude defensiva em favor da manutenção da integridade psíquica é comumente adotada por mulheres. Por outro lado, atitudes viris, como o uso da força física e emissão de sinais exteriores de coragem, são tipicamente empregadas por homens. Shimizu e Ciampone (1999), também em pesquisa com enfermeiros, levantam como estratégias típicas da profissão a negação, a projeção e o distanciamento. De forma geral, observamos que a maioria dos estudos até então conduzidos sob o tema associam-se aos realizados para levantar os impactos da organização do trabalho sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Neste sentido, abrem uma nova perspectiva ao aprofundar o estudo da vivência de prazer e sofrimento, sob o prisma do emprego de estratégias de enfrentamento ou transformação, permitindo a introdução de novos elementos para análise dinâmica das situações de trabalho e conseqüentemente para a identificação de mudanças organizacionais necessárias à redução ou minimização dos fatores determinantes à vivência de sofrimento no trabalho . 2.4 Dinâmica de Reconhecimento no Trabalho Por fim, o quarto grupo temático, sob o prisma da psicodinâmica do trabalho, aborda a dinâmica de reconhecimento e sua relação com o processo de construção da identidade do trabalhador. Autores apontam que a exploração do processo que leva à construção, manutenção ou desaparecimento do reconhecimento no trabalho deve ser considerada como o cerne da investigação da psicodinâmica do trabalho. Reicher-Brouard (1997) pontua que a análise da dinâmica de reconhecimento do trabalho deve ser feita sob a ótica da triangulação existente entre trabalhador, seu engajamento na realização do trabalho e o reconhecimento da qualidade do seu trabalho. O processo de reconhecimento implica uma mobilização política e a capacidade de construir e modificar a realidade do trabalho, resultado da negociação diante da multiplicidade de divergências e interesses inerentes ao trabalho. Relaciona-se diretamente ao poder do trabalhador, compreendido como a capacidade de negociar e de influir no coletivo de trabalho. Este poder estrutura o processo de interação e interdependência mútua e encontra-se no âmago da cooperação humana. O trabalhador mobiliza sua ação para construção ou manutenção do seu poder. O trabalhador que sofre é aquele que exerce seu poder negociando, pressionando e se apropriando ou rejeitando as regras do coletivo de trabalho. Sua ação inscreve-se sobre uma dinâmica de troca que tem por efeito garantir a tradução dos objetivos do trabalhador e do coletivo de trabalho. O ponto central da constituição do equilíbrio psíquico do trabalhador deriva da mobilização das condições políticas capazes de levá-lo ao reconhecimento no trabalho possibilitando a conversão do sofrimento em prazer. Em outra perspectiva, Itani (1997), em pesquisa realizada com metroviários brasileiros, observa que o reconhecimento da atividade profissional reflete-se positivamente na construção da identidade do grupo de trabalhadores que a partir de uma imagem atribuída pelo exterior, no caso de eficiência, segurança e modernidade, obtém elementos para elaboração da representação do seu trabalho. Segundo a autora, estes profissionais, à medida que têm o seu trabalho reconhecido pelo público, se apropriam dessa imagem para se reconhecerem como profissionais, processo pelo qual a atividade profissional adquire significação e sentido. Por sua vez, Pellegrin – Rescia (1997), fundamentada na concepção de que o trabalhador ao interagir com o seu trabalho o faz em três diferentes dimensões, propõe que a análise da dinâmica do reconhecimento no trabalho deve realizar-se à luz destas dimensões a partir do enfoque do retorno que o trabalho proporciona ao trabalhador bem como das ações de compensação utilizadas ante situações de fracasso. Sugere três dimensões: comportamental – relacionada à atuação no posto de trabalho; de conduta – relacionada às relações interindividuais com o coletivo de trabalho; e subjetiva – relacionada à interação subjetiva com o trabalho. Assim sendo, em pesquisa desenvolvida com trabalhadores assalariados e voluntários de uma organização hospitalar, a autora identifica duas diferentes lógicas que permeiam o processo de reconhecimento no trabalho, intitulando-as lógica econômica e lógica vocacional. A lógica econômica, diferenciada em lógica ocupacional e profissional, é inerente aos trabalhadores assalariados. A ocupacional refere-se ao processo de reconhecimento atrelado a uma compensação material, à remuneração salarial. A profissional, a uma compensação moral manifestada pelo sentimento de ser respeitado pelo coletivo de trabalho, pelo estabelecimento de relação de cooperação, confiança e generosidade. A lógica vocacional é característica dos trabalhadores voluntários que têm o processo de reconhecimento determinado pela realização do trabalho em si, como um ato de amor, desinteresse e doação. Sugere a autora que, apesar de as organizações do trabalho atualmente tenderem a identificar a lógica econômica ocupacional como moderna e eficaz, a vocacional como tradicional e ineficaz e a atribuírem nenhum valor à lógica econômica profissional, o processo de reconhecimento pressupõe qualquer um destes tipos de lógica, associadas ou não entre si. Sob a ótica da privação ao trabalho, Drida, Becker, Brom e Schillinger (2001), a partir da análise do discurso de trabalhadores, observam que a ameaça de privação ao trabalho faz surgir representações cujos efeitos refletem-se na identidade do trabalhador, chegando a exercer um papel de descontrução ou até mesmo de destruição da imagem de si mesmo. Segundo os autores, a ameaça de privação ao trabalho traz obstáculos à dinâmica de reconhecimento, não permitindo acesso ao julgamento de utilidade nem ao de beleza, seja pela desqualificação do trabalho seja pelo sentimento de medo que permeia a situação. Pontuam ainda que o ato de trabalhar evoca a vivência de prazer ao permitir que o trabalhador empregue sua inteligência, conhecimentos e habilidades em um agir sobre a realidade pela prática profissional. A ameaça de privação ao trabalho atrela-se à ameaça de perda da vivência de prazer. Estar desempregado representa um estado de renúncia e privação de possibilidades de realização de si mesmo. Concluem que o ato de trabalhar, quando impossibilita a construção da identidade de si mesmo ou até mesmo leva à sua destruição, paradoxalmente, é vivido, pelos trabalhadores, como um caminho de resgate de si mesmo pela esperança de uma evolução favorável da situação de trabalho. Por sua vez, Dunezat (2001), conduzindo pesquisa em movimentos franceses de desempregados, pontua que a identidade social passa pela identidade profissional. A partir de uma amostra de profissionais desempregados, caracterizada por três grupos distintos _ trabalhadores que se mobilizam para reivindicar o direito ao trabalho, para melhorar a sua condição de vida na situação de desemprego ou para criticar o trabalho profissional _, o autor seleciona para a realização do estudo, sujeitos que se recusam a exercer qualquer tipo de atividade profissional. Os resultados revelam que a realidade das pessoas desempregadas é marcada pela humilhação e dessocialização progressivos, com reflexos diretos na construção da identidade. Mostram ainda que o significado dado ao trabalho pelo profissional confere significado à situação de desemprego. A recusa a exercer qualquer tipo de atividade profissional, para os homens, associa-se a uma visão do trabalho como fonte de vivência de sofrimento, caracterizada pela alienação e exploração, da qual não se pode rebelar quando trabalhando. Por outro lado, para as mulheres, tal significado sofre influência direta da necessidade ou não em exercer atividades domésticas quando desempregadas. Resultados semelhantes são obtidos por Vargas (2001) ao realizar estudo com profissionais desempregados procurando analisar a situação de desemprego sob o prisma da concepção sociológica do sofrimento a qual pondera que a privação ao trabalho é associada à desvalorização social do indivíduo com reflexos diretos na construção da identidade. Segundo o autor, o desemprego não caracteriza a vivência de sofrimento e conseqüentemente não influência o processo de construção da identidade do trabalhador quando não representa uma situação real de fracasso, de privação ao prazer, à dinâmica do reconhecimento, à autonomia intelectual ou financeira. A vivência de sofrimento varia conforme a intensidade das medidas objetivas e subjetivas mobilizadas pelo indivíduo na sua relação com o trabalho: quanto mais forte for esta relação, mais forte será a intensidade da vivência de sofrimento. Neste sentido, o autor observa que o desemprego é vivenciado de forma diferente pelos trabalhadores. Os resultados do estudo evidenciam que os trabalhadores tendem a vivenciar a situação de desemprego como um esvaziamento, como uma situação que não possibilita a substituição do trabalho e o preenchimento do tempo dedicado à profissão. Produz um sentimento de inferioridade, de queda de dignidade e impossibilita a realização da dinâmica do reconhecimento, vez que, os resultados revelam, o trabalhador percebe-se visto com inferioridade pelo “outro”, visão que, por longo período de tempo, leva ao sentimento de exclusão social. Constatamos que a dinâmica de reconhecimento tem sido foco de estudo de pesquisas realizadas nos últimos anos. Sua abordagem, sob a ótica das transformações impostas ao trabalho, fruto dentre outros, do processo de globalização ou mundialização ou do desenvolvimento acelerado das tecnologias da informação, compartilha preocupações sobre questões como trabalho e não- trabalho, desemprego, sentido do trabalho, o que vem tornando possível uma enriquecedora ampliação dos conhecimentos apontados pela psicodinâmica do trabalho. De forma geral, a partir do exposto neste capítulo, é imprescindível reconhecer que estas publicações, seja pela qualidade da produção teórica ou pela riqueza das constatações empíricas, introduzem à psicodinâmica do trabalho mudanças que possibilitam a compreensão da saúde psíquica no trabalho por uma nova perspectiva, mais ampla e contemporânea. No próximo capítulo, abordamos o modelo de investigação deste estudo que se desenvolve à luz das contribuições anteriormente apresentadas. 3. MODELO DE INVESTIGAÇÃO O impacto da organização de trabalho e da dinâmica de reconhecimento sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho em trabalhadores de atividades informais constituem objeto deste estudo. A organização do trabalho compõe contexto para a realização da dinâmica de reconhecimento no trabalho. Articuladas criam uma dinâmica específica para vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Os referenciais teóricos fundamentam-se nos pressupostos estabelecidos pela psicodinâmica do trabalho e realizam-se considerando reformulações apresentadas nas últimas décadas por teóricos e pesquisadores desta abordagem, expostos nos capítulos anteriores A fim de possibilitar melhor compreensão do modelo de investigação, faz-se necessário esclarecer, inicialmente, o que compreendemos por atividade informal. A definição conceitual do termo deriva de contribuições da teoria sociológica e econômica, não sendo objetivo deste estudo traçar uma discussão exaustiva sobre o conceito, mas sim caracterizá-lo a fim de possibilitar melhor articulação entre as variáveis do estudo e esta categoria de trabalhadores. A compreensão conceitual do termo implica a análise da trajetória histórica do próprio conceito, vez que ele surge e se modifica para atender às metamorfoses do mundo do trabalho que vêm determinando a proliferação de modalidades alternativas ao emprego formal. A heterogeneidade destas modalidades coloca em risco uma definição conceitual capaz de abordar de forma definitiva e única o conjunto de atividades informais. O debate teórico caracteriza a atividade informal como aquela na qual os seguintes critérios se fazem presentes: facilidade de acesso, pouca estruturação, baixo capital investido, não prevalecimento de relações do tipo assalariado, capital de giro voltado para sobrevivência do negócio e não para acumulação, baixa remuneração e condições de trabalho precárias. A primeira menção ao trabalho informal é realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no relatório sobre Emprego e Renda no Kenya, em 1972. Neste documento, trabalho informal, identificado como setor informal, terminologia empregada posteriormente por diversos teóricos, caracteriza o trabalho em condições de pobreza. Setor informal é definido como composto por empresas de pequeno porte, mercados simples, competitivos e não-regulados que empregam recursos locais, tecnologia adaptada e uso intenso de mão-de-obra. Este conceito, apesar de compreensivo, é considerado demasiadamente amplo, sem utilidade tanto no nível empírico como analítico, pois não abarca um conjunto coerente e articulado de características particulares, mas sim uma definição pautada na conveniência ética e política a qual determinou, por exemplo, a exclusão de atividades como as ilegais e domésticas. Buscando avançar nesta conceituação genérica, a própria OIT propõe novo conceito mais objetivo, voltado para um excedente de mão-de-obra condenado a ocupações ocasionais, que pela atividade informal encontra meio de sobrevivência. “O setor informal é definido como a soma das atividades realizadas por empresas organizadas de acordo com uma racionalidade econômica particular, cujo objetivo é garantir a subsistência do grupo familiar. Dita racionalidade difere da vigente no setor formal ( capitalista), cuja motivação essencial é a acumulação. A racionalidade particular do setor informal é considerada, então como a fonte lógica de suas demais características. O objetivo de sua atividade determina em grande medida a organização da produção ( escolha de setor do mercado aberto ou pouco restrito, uso intensivo de mão-de-obra) e suas principais caraterísticas ( escassa produtividade e baixo nível de ingresso).”(em Dalbosco, 2000, p.56) Estabelece um conceito construído em oposição ao setor formal, sob a ótica da produção. A partir deste momento, setor informal passa a ser considerado como um agrupamento de atividades de “baixo nível de produtividade, trabalhadores independentes ( exceção feita aos profissionais liberais ) e empresas muito pequenas ou não organizadas, geralmente, unidades familiares, com raros assalariados e/ou aprendizes sem remuneração; empresas com baixo capital, técnicas rudimentares, baixo nível tecnológico, mão-de-obra desqualificada e reduzida produtividade.” (Dalbosco, 2000, p.71) O “setor informal” é visto como uma unidade produtiva, resultado da descentralização e reorganização dos processos de produção, fruto da globalização econômica e da busca, pelas empresas, de maior produtividade e minimização de custos, minimização esta responsável, dentre outros, pela redução de mão-de-obra. Abarcando grande diversidade produtiva, setor informal é identificado a partir de feições e variáveis essencialmente técnicas, das quais destaca-se o fraco nível de regulamentação, ou seja, o caráter de ilegalidade. Na tentativa de estabelecer um conceito capaz de abarcar a grande heterogeneidade do setor informal e de qualificar a competição existente entre setor formal e informal, uma vez que este último não pode ser considerado como um circuito inferior ocupado por pobres e com relações estritas de autoconsumo, mas sim como um setor que mantém relações de competição e complementaridade com o setor formal, Souza (1980) propõe critério baseado no tipo de organização produtiva. Neste sentido, o setor informal é caracterizado por um conjunto de atividades essencialmente pré-capitalistas, ou seja atividades que não acumulam nem reproduzem o capital e que não utilizam permanentemente nem fundamentalmente trabalho assalariado. Compõese de empresas quase capitalistas, semelhantes, em vários aspectos, às empresas familiares, com a diferença que se utilizam permanentemente do trabalho assalariado e de formas de organizações mercantis simples – sem assalariamento permanente – como empresas familiares, trabalhadores por conta própria que atendem a mercados locais, elaboração de bens ou prestação de serviços, trabalhadores por conta própria subordinados a empresas voltadas para redução de custos, pequenos prestadores de serviços como vendedores ambulantes, engraxates, cuidadores de carro (flanelinhas) e trabalhadores domésticos. “A visão alternativa que hoje me parece mais correta sobre o funcionamento do setor informal portanto concebe-o como forma de organização que se inserta na estrutura econômica de forma intersticial junto com as formas propriamente capitalistas, mas atuando em espaços de mercado perfeitamente delimitados que são criados, destruídos e recriados pela expansão do sistema hegemônico.” ( Souza, 1980, p.30) Nesta perspectiva, o autor enfatiza a impossibilidade de estabelecer uma concepção dualista entre setor formal e informal, ante a complementaridade e até mesmo competitividade entre eles. Afirma que “no setor formal prevalecem as relações capitalistas, no sentido de que se distinguem a propriedade do capital e do trabalho e que a produção está dirigida principalmente para o mercado. No informal, por sua vez, não predomina a divisão entre proprietários do capital e do trabalho e conseqüentemente, o salário não constitui forma usual de remuneração ao trabalho” ( Souza, 1980, p.133). Alerta que o crescimento do mercado informal tende a significar redução de rendimento e reprodução da pobreza em níveis cada vez mais baixos. Realizando contextualização histórica, Lautier (1994) observa que o conceito de setor informal foi empregado inicialmente, no período de 1971 a 1985, para caracterizar um determinado modo de existência para a população urbana, incorporado ao imaginário coletivo como uma oportunidade alternativa de geração de renda. Neste período, a generalização do termo para diversas modalidades de trabalho fez com que critérios suplementares fossem estabelecidos para delimitação da atividade informal: critério do não-respeito à lei e do corte – limites quantitativos para as unidades de produção. Segundo o autor, tais critérios excluem do setor informal, profissionais liberais; estabelecem um caráter arbitrário para a dimensão informal; não dimensionam as diferenças constitutivas da atividade econômica e determinam que são informais todas as atividades que não respeitam a lei, incluindo atividades delituosas ou criminais. Por volta de 1986, a mudança do contexto econômico, caracterizada por hiperinflação com deterioração da textura social, pelo acentuado movimento urbano e pelo aumento de preço dos gêneros de primeira necessidade, pela proliferação de microempresas e trabalhadores autônomos, provoca a reformulação do pensamento sobre o setor informal. Anteriormente fundamentado em um referencial pautado no princípio do setor informal como relação produtiva, o conceito passa a abarcar o setor informal como relação social. A concepção de informal se configura como estratégia de sobrevivência das parcelas economicamente marginalizadas, para lidar alternativamente com uma realidade marcada pelo desemprego, capaz de absorver os efeitos sociais dos desequilíbrios macroeconômicos. Lautier (1994) considera que a heterogeneidade das atividades informais, marcadas pelas diferentes modalidades de obediência e desobediência às regulamentações e a complementaridade e competitividade existente entre economia formal e informal inviabilizam a utilização do termo setor, uma vez que este representa uma noção excludente característica da dicotomia entre formal e informal. A abordagem da atividade informal deve ser realizada a partir de uma visão sistêmica que considera os mecanismos econômicos e as lógicas sociais existentes. Propõe a utilização do termo informalidade pontuando que se trata de uma prática que permeia toda a economia. Fundamentado na observação de que a economia formal e informal combina formalidade e informalidade em uma mesma atividade, o autor salienta que os segmentos da economia informal não estão totalmente na informalidade e que a economia formal contém um pouco de informalidade, como corrupção, desvios ou transgressões à legislação do trabalho. Enfatiza que os segmentos da economia informal, por apresentarem pouco ou nada em comum, não podem ser caracterizados como um setor. Estes têm relações complexas entre si e com a economia formal, chegando a estabelecer uma relação de concorrência, quando não combinam formalidade e informalidade em uma mesma atividade. Theodoro (1988), em relação ao conceito de informalidade, afirma que “do plano jurídico, informalidade se caracteriza pela função híbrida do não respeito à lei, engendrando ao mesmo tempo formas mistas de direito. Economicamente, a informalidade está caracterizada pela não generalização da relação de assalariamento ( o que não garante homogeneidade social ) e pela obediência desigual aos parâmetros legais.” A partir do exposto, entendemos, neste estudo, por atividade informal aquela que mistura práticas legais e ilegais, que combina baixa proteção social com rápida capacidade de adaptação às oportunidades do mercado com alta flexibilidade nos processos de trabalho e nas formas de remuneração, permitindo redução de salários. Atividades, em sua maioria, marcadas pela precarização das condições de trabalho, falta de garantias legais e geralmente constituídas como alternativa de geração de renda diante do desemprego. Passamos a seguir a abordar cada uma das variáveis do modelo de investigação à luz dos referenciais teóricos inicialmente propostos. Organização do trabalho é compreendida, neste estudo, como “um processo intersubjetivo, no qual encontram-se envolvidos diferentes sujeitos em interação com uma dada realidade, resultando em uma dinâmica própria às situações de trabalho enquanto lugar de produção de significações psíquicas e de construção de relações sociais.” (Mendes, 1999, p.40) Comporta o conteúdo significativo do trabalho, composto por conteúdos materiais, relacionados, por exemplo, aos instrumentos de operação e características da tarefa, e conteúdos simbólicos derivados do conteúdo significativo atribuído à dificuldade prática da tarefa, à significação da tarefa acabada em relação à carreira profissional, ao estatuto social ligado ao posto de trabalho, bem como ao sentido simbólico do trabalho determinado em função da história de vida do trabalhador. Na década de oitenta, Dejours (1980/1994), na tentativa de estabelecer uma definição operacional para o conceito, afirma que a organização do trabalho compreende a divisão do trabalho ou divisão de tarefas e a divisão dos homens. Desde então, esta definição vem pautando os diferentes estudos empíricos e análises teóricas desenvolvidos sob a ótica da psicodinâmica do trabalho. Divisão do trabalho ou divisão de tarefas compreende o modo operatório prescrito para execução das tarefas, o conteúdo da tarefa; a divisão dos homens abrange a estrutura hierárquica, de comando, controle e de relação entre os membros das equipes de trabalho, as relações socioprofissionais. Inicialmente teóricos e pesquisadores, adotando posicionamento de análise crítica, delinearam como indicadores para organização do trabalho características atreladas às idéias concebidas pela Administração Científica do Trabalho, a qual estabelece como princípios o trabalho parcelar e fragmentado, decomposto em atividades específicas e simplificadas; o controle do tempo de execução e dos movimentos físicos dos trabalhadores; o rigor na separação entre elaboração e execução do sistema produtivo, com a transferência da dimensão intelectual do trabalho para esferas gerenciais e a estrutura hierarquizada onde a verticalização marca forte disciplina. Nesta perspectiva, divisão das tarefas foi abordada por características como fragmentação das operações, repetitividade, monotonia, incapacidade de gerar uma visão integrada da produção e de estabelecer sentido e significado ao trabalho. Divisão dos homens por caracterísiticas relacionadas à verticalização das relações socioprofissionais: distanciamento e adoção de técnicas de disciplinamento próprias à exploração da força de trabalho pelas estruturas hierárquicas e atomização do grupo de trabalhadores pela homogeneização das condições de existência e conseqüente processo de personalização do grupo de trabalho. Mudanças estruturais ocorridas nos últimos anos, em decorrência do processo de reestruturação produtiva, fizeram surgir novos modelos de organização do trabalho que sinteticamente preconizam, dentre outros, a produção ligada aos fluxos de demanda, variada, heterogênea e diversificada; o trabalho em equipe, com multivariedade e flexibilidade de funções; a polivalência dos trabalhadores; a redução dos níveis hierárquicos, com estabelecimento de coordenação horizontal; e a valorização da autonomia e qualificação profissional. Na tentativa de adequação aos novos paradigmas, autores da abordagem psicodinâmica passam a incluir outras características para delimitar a organização do trabalho tais como participação, autonomia e globalização dos processos de trabalho (Mendes, 1995); descentralização das decisões, flexibilidade hierárquica, autonomia técnica e liberdade de expressão (Mendes, 1996); participação coletiva, polivalência, autonomia do trabalho em equipe (Carpenteir-Roy, 1996); estímulo à criatividade, comunicação e trabalho em equipe (Périlleux, 1996), dentre outros; características estas que permeiam este estudo. Definimos operacionalmente como organização do trabalho, o conteúdo das tarefas e as relações socioprofissionais. Compreendemos como conteúdo da tarefa, os modos operatórios, as ações executadas pelos trabalhadores para o exercício do seu trabalho e ainda o conteúdo significativo atribuído ao trabalho, resultado dos componentes simbólicos e dinâmicos subjacentes à relação indivíduo – trabalho. As relações socioprofissionais, por sua vez, como as relações estabelecidas pelo trabalhador no seu coletivo de trabalho. Coletivo de trabalho é percebido como um grupo de trabalhadores que por um processo de auto-organização estabelece regras comuns de cooperação, confiança e de reconhecimento do trabalho individual, que possui o papel de criação de uma ordem técnica, social e ética no ambiente de trabalho e de delimitação do grupo de trabalho em detrimento de outros existentes, concedendo aos seus membros noção de pertencimento. Sua existência pressupõe o exercício de um trabalho comum; regras, códigos, costumes e tradições compartilhadas, acordos táticos responsáveis pela transmissão de uns aos outros e pelo envolvimento individual, conhecimento e interiorização das regras, códigos, costumes e tradições e ainda, um grupo em constante interação, que apresenta uma história e experiência em comum, conferindo conformidade e continuidade da prática; que compartilha metas subjetivas em comum e interage por uma linguagem particular, caracterizada por palavras fetiches e expressões repetidas sistematicamente, que servem de ferramenta de comunicação própria (Maranda , Leclerc e Toupin, 1997). Partindo para delimitação da variável dinâmica de reconhecimento enfatizamos que a sua compreensão implica, a priori, dimensionar um dos pressupostos psicanalíticos que fundamenta a abordagem da psicodinâmica do trabalho, aquele que estabelece o trabalho ícone para construção da identidade do trabalhador no campo social. Na ótica psicanalítica, o conceito de identidade, não diretamente abordado por Freud, foi desenvolvido, por psicanalistas, a partir do conceito freudiano de self. A este respeito, Caldas e Wood (1997) apontam que “a noção de identidade individual tomou o sentido de unicidade e continuidade, de um processo localizado no indivíduo, porém influenciado pelo seu meio e pela sua cultura... define-se como uma classificação do self que expressa o indivíduo como reconhecidamente diferente dos demais, e como similar a membros da mesma classe.”(p.10) Neste sentido, identidade compreende um processo interno influenciado pelo meio ambiente e pela cultura, processo este que garante ao indivíduo sentido de continuidade e unicidade. Na visão psicanalítica, o ego é resultado de um elo íntimo com o mundo exterior pelo qual inclui tudo e posteriormente separa de si mesmo o mundo exterior (Rothgeb, 1984). O mundo exterior, a civilização, caracteriza-se contexto para a construção da identidade exercendo papel antagônico ao possibilitar a gratificação psíquica do desejo pelo adiamento ou transformação da pulsão _ princípio da realidade _ e, ao mesmo tempo, ao impor restrições às exigências pulsionais. Nesta perspectiva, o desenvolvimento do indivíduo é considerado produto da interação entre a busca do prazer _ finalidade da vida humana _ e a necessidade de adaptação e integração à comunidade, algo inevitável que deve ser priorizado em detrimento ao objetivo de alcance da felicidade (Freud, 1930 / 1997). O trabalho, por conseguinte, ao exercer seu papel como mundo exterior, torna-se um dos caminhos propiciadores à confirmação da existência humana, confirmação esta que se realiza pelo atingimento ou não do propósito prioritário da vida humana, a busca da felicidade pela evitação da dor e do desprazer ou pela experimentação de sensações de prazer que levam à gratificação ou frustração da energia pulsional. Propondo uma releitura do conceito psicanalítico, Lacan (em Chnaiderman, 2001) aponta que a identidade não é inata mas sim formada ao longo do tempo, está sempre em processo, processo que possui como base as relações estabelecidas entre indivíduo e o “outro”. Segundo ele, a imagem do “eu” é aprendida pela criança a partir da sua relação com o “outro”, vivenciada inicialmente com os pais e em seguida com as relações sociais. Segundo o autor, a identificação simbólica do indivíduo configura-se pelo que denomina traço unitário, uma marca que permite que uma identidade perca o seu caráter imaginário de unidade e passe a admitir a diferença. No trabalho, o indivíduo movimenta-se em busca de imprimir esta marca na tentativa de delimitar a sua singularidade sendo que é pelo olhar de um “outro”, pelo reconhecimento do “eu” que se constitui a imagem unitária, emergindo um “eu” mediado pela relação com um “outro”. Neste sentido, o processo de construção da identidade se realiza pela interação dialética do “eu” _ indivíduo _ com o “outro”, mediada pelas representações e significações socialmente construídas. Produz-se dinamicamente, em um processo de troca com o meio, com os contextos históricos, pessoais e sociais nos quais o indivíduo está inserido. Assim sendo, aponta a psicodinâmica do trabalho que a construção da identidade mobiliza um processo de retribuição simbólica, de re-conhecimento do indivíduo em sua singularidade pelo “outro”, onde o trabalho exerce papel de mediação da relação estabelecida entre o indivíduo e o “outro”. Concretamente, este processo, influenciado pela história de vida do indivíduo e impulsionado pela contínua necessidade de auto-realização, realiza-se pelo reconhecimento do fazer do trabalhador, ou seja, do seu trabalho, pelo “outro”. “O que o sujeito procura fazer reconhecido é o seu fazer e não o seu ser. Portanto, o reconhecimento da identidade no campo social é mediado. Somente depois de ter reconhecida a qualidade do trabalho é que posso, em um momento posterior, repatriar esse reconhecimento para o registro da identidade.” (Dejours, 1999 p.21) Segundo Sainsaulieu (1988), o processo de constituição da identidade pressupõe uma resposta contínua à estrutura social da qual o trabalhador faz parte, resposta esta derivada da dinâmica do reconhecimento que tem no trabalho um dos locus privilegiados para o seu desenvolvimento. Trata-se de “um processo conjunto de identificação e de diferenciação que se inscreve no jogo das relações entre dois registros associados – aquele da aproximação afetiva e aquele do poder social de se destacar impondo uma singularidade.”(p.332) Neste sentido, a dinâmica do reconhecimento assume papel de articulação entre o processo de constituição da identidade e o campo social. No trabalho, o trabalhador vivencia um processo de reapropriação pelo qual repatria as conquistas do seu fazer em direção à realização do eu e à construção da identidade. Na concepção da psicodinâmica, tais conquistas estão diretamente relacionadas às contribuições do trabalhador à organização do trabalho, especificamente àquelas dirigidas à superação das contradições entre organização prescrita e real. “O reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é, pelo engajamento da sua subjetividade e inteligência.” ( Dejours, 1997/1999, p.55 – 56) A dinâmica do reconhecimento pressupõe a articulação dos desejos individuais à busca do reconhecimento social, pela sublimação, mecanismo compreendido, à luz da psicanálise, como aquele pelo qual a energia pulsional é direcionada a alvos socialmente valorizados, possibilitando a satisfação do desejo (Laplanche e Pontalis, 1983). Este mecanismo permite a personalização entre inconsciente e campo social, garantindo singularidade ao trabalhador pela noção de realização e reconhecimento do fazer e ainda pela compatibilização entre os desejos simbólicos e a situação real do trabalho. Tal compatibilização concretiza-se pela mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos do trabalhador em busca do reconhecimento _ mobilização subjetiva _ que implica a utilização da inteligência da prática e a existência do coletivo de trabalho. Prioritariamente, esta dinâmica estrutura-se na inter-relação do trabalhador e seu coletivo de trabalho, por uma ação de julgamento, o julgamento do outro, que na dimensão do trabalho realizase pela hierarquia, subordinados, pelo coletivo de trabalho, em duas formas distintas: julgamento de utilidade e de beleza. O julgamento de utilidade refere-se ao julgamento da utilidade técnica, social ou econômica da atividade de trabalho. Realiza-se normalmente pela hierarquia, subordinados ou clientes. O julgamento de beleza relaciona-se à conformidade do trabalho, da produção, da fabricação ou do serviço com as artes do ofício bem como à sua apreciação quanto à distinção, especificidade, originalidade ou estilo. Confere qualitativamente ao ego pertencimento ao coletivo de trabalho ou à comunidade de pertença e reconhecimento da sua singularidade. Realizado geralmente pelos pares. Assim sendo, compreendemos, neste estudo, a dinâmica do reconhecimento como o processo pelo qual é atribuído um valor ao trabalho a partir da interação do trabalhador com o contexto social no qual está inserido, valor este que determina a construção da identidade do trabalhador, no campo social, pelo mecanismo de reapropriação de si mesmo. Por fim, a variável prazer e sofrimento no trabalho é entendida como vivências psíquicas, fruto da relação que o trabalhador estabelece com o seu trabalho, a partir da compatibilidade entre a sua história de vida, seus desejos, projetos e esperanças e a organização do trabalho. Formam um binômio intrinsecamente relacionado, coexistindo com mesma intensidade ou com o predomínio de uma sobre a outra. Inerentes à condição do homem no trabalho, compõem um processo dinâmico capaz de mobilizar a utilização de diversos mecanismos para a busca de uma relação mais gratificante com o trabalho. Especificamente, entendemos sofrimento no trabalho como um estado psíquico, resultado do conflito existente entre os desejos psíquicos do trabalhador e a sua luta contra a insanidade mental para preservação do equilíbrio mental (Périlleux 1996). “O sofrimento deve ser considerado como um espaço clínico intermediário entre o “bom estado psíquico” e a “doença mental “, compreendido sobre o terreno de certas manifestações específicas: o medo, a ansiedade, o tédio, a insatisfação no trabalho, pelos quais se torna possível identificar as causas organizacionais.” (Périlleux, 1996, p.130) Uma vivência originada da impossibilidade de adaptação ou ajustamento da energia psíquica do trabalhador com a organização do trabalho, resultado do bloqueio da relação subjetiva do trabalhador com o seu trabalho (Dejours, 1999 a). Partindo das reflexões apresentadas por Mendes (1999), vislumbramos que o sofrimento no trabalho instala-se quando a realidade não oferece possibilidades de gratificação dos desejos do trabalhador, constituindo -se parte da natureza dinâmica que envolve o indivíduo e a organização. Manifesta-se por atitudes e comportamentos característicos, devendo assim ser “entendido como o são as alterações físicas; produz atitudes ou comportamentos que variam de um ambiente a outro, em grau.”(Derriennic, 1996, p. 109) Por sua vez, o prazer no trabalho caracteriza um estado marcado pela diminuição da carga psíquica e conseqüente livre funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador, derivado da articulação do trabalho às necessidades e desejos psicológicos do trabalhador. (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994) Implica um processo múltiplo, dinâmico e com especificidades na forma de expressão, especialmente nos sentimentos que o caracterizam. Trata-se de uma vivência que pode manifestarse tanto de forma direta quanto como resultado da mobilização subjetiva, responsável pela transformação da vivência de sofrimento.(Mendes, 1999) Tanto prazer como sofrimento no trabalho expressam-se por sentimentos, sofrem influência das características da organização do trabalho e são vivenciados por cada trabalhador de forma única já que cada indivíduo, pela sua singularidade, atribui sentido particular a cada situação de trabalho. “Prazer e sofrimento são vivências psíquicas que se manifestam por meio de sintomas, os quais estão relacionados com situações muito específicas do trabalho, diferenciando-se para cada indivíduo de acordo com o sentido que ele atribui ao trabalho a partir dos aspectos simbólicos constitutivos da sua subjetividade”(Mendes, 1999, p.51) Operacionalmente, definimos a vivência de prazer e a de sofrimento no trabalho associando-as a sentimentos e comportamentos específicos, assim como apresentado na literatura. Nos anos oitenta, a partir da análise do discurso dos trabalhadores, quatro sentimentos indicadores foram caracterizados como reveladores da vivência de sofrimento no trabalho: indignidade, inutilidade, desqualificação e vivência depressiva. (Dejours, 1980/1992) Na década de noventa, a realização de estudos empíricos conduz ao levantamento de outros indicadores tais como: sentimento de solidão e cansaço, condutas de inibição e propensão à agressividade (Derriennic,1996); sentimento de medo, ansiedade , tédio e insatisfação com o trabalho (Périlleux, 1996); sentimento de desgaste e cansaço (Mendes, 1997); sentimento de medo e condutas de obediência, isolamento e submissão (Dejours, 1999 b) e sentimento de desgosto e insegurança (Mendes, Morrone e Mota, submetido). Neste período, indicadores para a vivência de prazer são definidos operacionalmente como sentimento de valorização e reconhecimento (Mendes, 1997, 1999 e 2000) Neste estudo, fundamentados em Mendes, Morrone e Mota (submetido), definimos operacionalmente como indicadores da vivência de prazer no trabalho sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho, compreendendo como de valorização o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade, e de reconhecimento, o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para expressar sua individualidade Como indicadores da vivência de sofrimento, sentimentos de desgosto e insegurança, compreendendo de desgosto o sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao trabalho, e o de insegurança, o sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho. Compreendemos que prazer e sofrimento no trabalho são vivências psíquicas, inerentes à situação de trabalho, constituintes de um único constructo caracterizados pelos sentimento de valorização e reconhecimento no trabalho, relacionados à vivência de prazer, e sentimentos de desgosto e insegurança, referentes à de sofrimento psíquico no trabalho. A partir do exposto, apresentamos na Figura 2, graficamente, o modelo de investigação deste estudo. Utilizando a figura geométrica triângulo, no vértice superior, posicionamos a organização prescrita do trabalho que estabelece regras e normas de execução da prática. Em outro, a dinâmica de reconhecimento no trabalho, e no terceiro ângulo a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Estas três vertentes interagem mutualmente, influenciando-se, convergindo ao centro, a saúde psíquica do trabalhador. A organização do trabalho compõe contexto para a realização da dinâmica de reconhecimento no trabalho e ambas determinam a vivência de prazer e sofrimento. Enfocando a atividade informal, interessa-nos especificamente: - verificar o predomínio da vivência de prazer ou sofrimento no trabalho; - investigar a estrutura da organização de trabalho e sua relação com a vivência de prazer e sofrimento no trabalho; - analisar a dinâmica de reconhecimento do trabalho. É imprescindível salientar que não será objeto deste estudo realizar análise dos dados com enfoque em variáveis demográficas. Com este objetivo, especificamente, diferentes estudos vêm sendo conduzidos nos últimos anos, por Niedhammer, David, Bugel e Chea (2000), Doniol-Shaw, Derriennic e Huez (2000), Bertin, Derriennic (2000) e Vézina, Deriennic e Monfort (2000), os quais têm trazido valiosas contribuições, como por exemplo que a vivência de sofrimento no trabalho não varia conforme a idade; que as mulheres são mais sensíveis às características da organização do trabalho propiciadores à vivência de sofrimento do que os homens ou de que os profissionais tercerizados estão mais propensos à vivência de sofrimento no trabalho do que os demais trabalhadores. No capítulo a seguir apresentamos a metodologia de investigação, delimitando amostra, instrumentos utilizados bem como procedimentos de coleta e análise dos dados. Figura 2 – Representação gráfica do modelo de investigação METODOLOGIA A metodologia deste estudo emprega, dada a natureza do objeto de estudo, abordagem qualitativa e quantitativa. Esta integração resultou no emprego de diferentes estratégias de coleta e análise de dados. A utilização de uma abordagem quantitativa foi realizada com o objetivo de obter-se parâmetros genéricos subsidiadores ao diagnóstico, à uma descrição geral da amostra quanto a indicadores da vivência de prazer e sofrimento no trabalho. A abordagem qualitativa, por sua vez, justificou-se pela própria natureza do estudo que fundamenta-se teoricamente na psicodinâmica do trabalho. Neste sentido, privilegiamos a fala do trabalhador por considerar que a apreensão da relação subjetiva que o trabalhador estabelece com o seu trabalho realiza-se a partir da análise dinâmica do seu discurso. 4.1 Universo da pesquisa O universo da pesquisa constituiu-se por trabalhadores da Feira de Importados do Distrito Federal, feira esta que surgiu em 1997 com o intuito de regulamentar o trabalho de feirantes ambulantes que exerciam atividades clandestinas de cinco outras feiras do DF: Feira do Paraguai, Feira do Trabalhador, Feira do Itaú, Feira do Conic e Feira do Guará. Sua criação implicou na ocupação de uma área pública, pertencente às Centrais de Abastecimento do Distrito Federal – CEASA, tendo sido justificada como uma alternativa de regulamentação das atividades de trabalho e ainda de impedimento à utilização inadequada de área pública e à proliferação de feirantes, como aponta o Processo n 071000.127/97, de 12 de junho de 1997, das Centrais de Abastecimento do Distrito federal - GDF. “Caso não vier a ser cedida a área em questão, pela CEASA/DF os feirantes, não a podendo ocupar, deverão permanecer no local onde se encontram, sendo que os transtornos causados por sua presença no local são inegáveis, com claros prejuízos à população do DF, tanto diretamente, pela situação social por eles causados, quanto indiretamente pelo não pagamento de impostos pelos feirantes, ocupantes do local, o que acarreta grave evasão de tributos, em prejuízo à população do DF pela impossibilidade de utilização desses recursos em obras e em serviços de alta relevância social para a população do DF.” (folha 25) A realocação dos ambulantes e conseqüente formação da Feira implicou na cessão de boxes padronizados em uma área especificamente montada pelo Governo do Distrito Federal - GDF e na regulamentação legal da atividade de trabalho pela constituição de microempresas com o objetivo de comercialização de produtos nacionais e / ou importados, alimentares e não alimentares, à nível de varejo. Atualmente, a Feira, considerada pelo Poder Público, como sem estrutura permanente, compõe-se de dois mil boxes e vinte quiosques de alimentação. Ao Estado, cabe a função de gerência técnica e de planejamento, delimitada por atribuições tais como: fiscalização de dependências, manutenção da limpeza do local, orientação sobre exposição de mercadorias, adoção de providências para perfeita disposição dos boxes, dentre outras. Os trabalhadores assinam uma Autorização de Permissão de Uso que concede ao GDF a retirada dos feirantes de forma simples e sem necessidade de indenização ou até mesmo de remoção de toda a Feira. Pagam, mensalmente, uma tarifa de uso referente a aluguel da área, consumo de energia elétrica, água, limpeza do local, segurança, associação e outros encargos. Seguem a um regulamento estabelecido pela CEASA que especifica dentre outros: horário de funcionamento, código de conduta, penalidades a infrações e regras de utilização dos boxes e dependências da Feira. Possuem uma Associação e são proibidos de transferir, sublocar os boxes ou indicar candidatos a usuários desistentes. 4.2. Amostra A amostra do estudo, probabilística, teve como parâmetro constituinte o percentual de 25 % (vinte e cinco por cento) do total de donos de barraca da Feira dos Importados, significando 450 (quatrocentos e cinqüenta) trabalhadores de 2 (dois) mil. A seleção da amostra foi realizada por um Auxiliar de Pesquisa, por sorteio com tabela de números aleatórios. Cada sujeito foi identificado pelo número correspondente ao da sua barraca. Cada trabalhador participou voluntariamente da pesquisa, tendo sido abordado informalmente pela pesquisadora e/ou Auxiliares de Pesquisa. Teve-se como índice de participação o equivalente à 51.3 % da amostra estabelecida, constituindo-se como número da amostra final, 231 (duzentos e trinta e um) trabalhadores. A Tabela 1 apresenta o perfil da amostra segundo idade, escolaridade e sexo. A Tabela 2 mostra a distribuição da amostra quanto ao tempo de trabalho na Feira dos Importados, exercício de outro trabalho e existência de outra profissão. Tabela 1: Percentual da distribuição da amostra segundo sexo, idade e escolaridade. Sexo (%) Idade (%) Escolaridade (%) Masculino 39.0 16 à 20 anos 19.5 1ºg incompleto 43.7 Feminino 51.9 21 à 30 anos 38.1 1ºg. completo 29 31 à 40 anos 14.7 2ºg.incompleto 9.1 41 à 50 anos 12.1 2º g. completo 1.3 51 à 60 anos 2.2 Sup. incompleto 0.4 Acima de 61 anos 2.6 Sup.completo 3 N 210 206 200 Missing 21 25 31 % da amostra 90.9 89.2 86.6 Tabela 2: Percentual da distribuição da amostra segundo tempo de trabalho na Feira dos Importados, exercício de outro trabalho e existência de outra profissão. Trabalho na Feira (%) Outro trabalho (%) Outra profissão (%) Menos de 1 ano 30.0 Sim 14.7 Sim 34.2 1 à 2 anos 41.5 Não 77.0 Não 53.2 2 à 3 anos 19.5 Acima de 3 anos 1.3 N 205 212 202 Missing 26 19 29 % da amostra 92,3 91.7 87.4 4.3. Instrumento Os dados foram coletados por meio de dois instrumentos distintos, um destinado à diagnosticar e revelar a direção na qual os indicadores da vivência de prazer e sofrimento se manifestavam no grupo de trabalhadores – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho e o outro à analisar o processo dinâmico – entrevistas individuais. 4.3.1 – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho - EIPST A Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EISPT, validada por Mendes, Morrone e Mota (submetido), apresentada no Anexo 1, constitui-se em um instrumento de medida composto de 04 (quatro) fatores conceituais, dois deles relacionados os indicadores da vivência de sofrimento psíquico no trabalho e dois aos de prazer, sendo os fatores relativos à vivência de prazer delimitados como: (1) valorização, refere-se ao sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e sociedade; (2) reconhecimento, refere-se ao sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para expressar sua individualidade. Os relacionados à vivência de sofrimento como: (3) desgosto, referese ao sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao trabalho; e (4) insegurança, refere-se ao sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho. Compõe-se de 37 ( trinta e sete) itens, elaborados de forma positiva e negativa, ancorados por escala de concordância, do tipo Likert, de 5 (cinco) pontos, onde 1 (um) corresponde a discordo totalmente e 5 a concordo totalmente. Os itens distribuem-se entre os diferentes fatores sendo 15 (quinze) correspondentes aos indicadores da vivência de prazer, 7 (sete) deles referentes ao fator valorização e 8 (oito) ao fator reconhecimento e 22 ( vinte e dois ) itens aos indicadores da vivência de sofrimento, 12 (doze) relacionados ao fator desgosto e 10 ( dez) ao fator insegurança. Todos os fatores apresentam índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) equivalente ou maior que 0.80, mostrando-se assim, confiáveis. O fator valorização possui índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.82 e carga maior que 30. O fator reconhecimento, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.80 e carga menor que 30. O fator desgosto, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.88 e carga maior que 40 e o fator insegurança, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.80 e carga menor que 30. A análise dos dados fornecidos pelo instrumento é realizada por fator. A vivência de prazer e de sofrimento no trabalho podem ser interpretadas isoladamente, por fator, mantendo o caráter de coexistência das duas vivências. Cada fator, pelo somatório direto dos valores atribuídos a cada um de seus itens e posterior divisão deste valor pelo número de itens do fator, fornece um escore que revela o nível de vivência do fator. Escores correspondentes aos valores de 0 (zero) a 2,5 (dois, cinco) pontos indicam vivência fraca. De 2,5 (dois, cinco) a 3,5 (três, cinco) pontos, vivencia moderada e acima de 3,5 (três, cinco) pontos, vivencia forte. Escores altos nos fatores valorização e reconhecimento e baixa nos fatores desgosto e insegurança indicam predomínio da vivência de prazer no trabalho. Escores altos nos fatores desgosto e insegurança e baixa nos fatores valorização e reconhecimento indicam, predominantemente, vivência de sofrimento no trabalho. O instrumento possibilita que diversas combinações de escores nos quatro fatores possam ocorrer, permitindo interpretação do significado de cada um deles conforme situação investigada. As contradições e coexistência entre os fatores, que porventura sejam encontradas, são analisadas à luz dos conceitos da abordagem da psicodinâmica do trabalho, tais como o de estratégias defensivas para o enfrentamento do sofrimento e o da mobilização subjetiva para transformação da situação de trabalho geradora da vivência de sofrimento, conceitos estes não apreendidos pela escala. Tal fato traduz o papel da escala como instrumento de indicadores para uma descrição genérica da situação, onde as especificidades devem ser analisadas no contexto, sem desconsiderar os processos dinâmicos envolvidos nas vivências de prazer e sofrimento no trabalho. 4.3.2 – Entrevista Individual Como segundo instrumento, foi utilizada entrevista individual, semi-estruturada. Segundo King (1998), a utilização deste instrumento é apropriada quando busca-se a descrição de um tema sem teste formal de hipótese ou quando não se pode definir o que e como os sujeitos fornecerão as informações ou a natureza e a extensão da participação dos sujeitos na emissão de opiniões em relação ao tema da pesquisa. Esta escolha justificou-se pelas vantagens apontadas pelo autor, que salienta ser este um dos instrumentos mais flexíveis, capaz de abordar tanto conteúdos relacionados à dinâmica do trabalho como a experiências individuais, adequado para coleta de dados realizada pelo discurso oral dos sujeitos. Entende-se por entrevista semi – estruturada, aquela centrada na pessoa na qual, o entrevistador, numa atitude de empatia, utiliza técnicas de reformulação para coleta dos dados. Desenvolve-se segundo a lógica do entrevistado, a partir de estímulos eliciadores diretamente relacionados a temas do estudo. O foco do conteúdo centra-se na relação subjetiva do entrevistado com o objeto do discurso (Bardin,1977). As entrevistas deste estudo, total de 20 (vinte), foram conduzidas de forma flexível, dirigidas de acordo com o conteúdo verbal apresentado pelo trabalhador, com questões abertas referentes a temas previamente definidos: descrição do trabalho, sentimentos em relação ao trabalho, dificuldades encontradas no trabalho, relacionamento com os outros trabalhadores, concepções e sentimentos relacionados à dinâmica de reconhecimento no trabalho – Roteiro da Entrevista Anexo 2. O tema descrição do trabalho buscou identificar as rotinas e o processo de trabalho aos quais os trabalhadores estavam submetidos. Foram desenvolvidas perguntas em relação ao tipo de atividades realizadas e as condições nas quais são executadas, à rotina de trabalho, ao processo decisório, ao fluxo de comunicação, à jornada de trabalho, aos procedimentos e instrumentos de trabalho. Sentimentos no trabalho teve por objetivo levantar informações em relação às vivências de prazer e sofrimento. A partir de uma questão geral, na qual foi solicitado que o sujeito descrevesse seus sentimentos com relação ao trabalho desde quando encaminhava-se à ele, abordou-se, além da descrição dos sentimentos, exemplos das situações nas quais os sentimentos ocorriam, a freqüência e quais as características do trabalho relacionadas aos sentimentos relatados. Dificuldades encontradas no trabalho visou levantar quais os tipos de dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores assim como os caminhos adotados para administração / superação destas dificuldades. Relacionamento com os outros trabalhadores foi medido por questões que abordavam, dentre outros temas, o tipo de relação estabelecida entre eles, como estas relações se desenvolviam no dia- a dia, a presença de regras e normas grupais, a transmissão das regras, existência de reuniões administrativas ou encontros sociais, os comportamentos frente a chegada de um novo trabalhador e despedida de um já instalado. Por fim, o tema concepções e sentimentos relacionados à dinâmica de reconhecimento no trabalho buscou levantar, além da visão do trabalhador de como ele se identificava como profissional, o conceito que os trabalhadores possuíam para o termo reconhecimento, seus sentimentos em relação ao reconhecimento do seu trabalho, a delimitação por quem o trabalho era reconhecido e os benefícios, percebidos pelo trabalhador, como obtidos pelo seu trabalho. 4. Procedimentos Os dados foram coletados em duas etapas: aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST e realização de entrevistas individuais. A Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST foi aplicada na amostra de 450 trabalhadores. Cada instrumento recebeu um número que correspondia ao nome do proprietário da barraca, conforme listagem fornecida pela Associação de Feirantes da Feira dos Importados. Quatro aplicadores, especificamente treinados, responsabilizaram-se pela coleta dos dados e controle de identificação dos participantes. Do total de trabalhadores selecionados, 231 (duzentos e trinta e um) responderam ao instrumento. As entrevistas individuais foram realizadas com 20 (vinte) trabalhadores, selecionados da amostra respondente da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST. A partir da análise dos dados da escala, foram constituídos, aleatoriamente, por sorteio, quatro grupos distintos, compostos, cada um, por cinco trabalhadores, de acordo com os seguintes critérios: 1 – média acima de 4 (quatro) pontos no fator valorização e abaixo deste valor nos demais fatores – predominância fator valorização; 2 – média acima de 4 (quatro) pontos no fator reconhecimento e abaixo deste valor nos demais fatores – predominância fator reconhecimento; 3 – média acima de 2.5 (dois, cinco) pontos no fator desgosto e abaixo deste valor nos demais fatores – predominância fator desgosto; 4 – média acima de 2.5 (dois, cinco) pontos no fator insegurança e média acima de 2,5 (dois, cinco) pontos nos fatores desgosto e insegurança, concomitante e abaixo deste valor nos demais fatores – predominância fatores desgosto e insegurança; A prevalecencia de escores altos nos fatores relativos à vivência de prazer no trabalho fez com que fossem estabelecidos escores diferenciados para a vivência de sofrimento no trabalho, uma vez que a média global nos fatores indicadores da vivência de sofrimento correspondeu aos escores 2,06 - µ 0,7, fator desgosto e 1,73 - µ 0,56, fator insegurança. Salientamos que escore acima de 2,5 significa vivência moderada do fator. Durante a condução das entrevistas, trabalhadores que não puderam ser localizados ou que se recusaram à participar da coleta de dados, por diferentes motivos tais como fechamento da barraca, desinteresse, medo do fornecimento de informações, foram substituídos, também por sorteio, por outros trabalhadores, de acordo com os critérios acima descritos. Do total de trabalhadores sorteados, 12 (doze) recusaram-se a participar da entrevista e 8 (oito) haviam fechado suas barracas. Com o intuito de evitar influência na condução da entrevista em direção à obtenção de informações que confirmassem qualitativamente os resultados obtidos na Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST, os resultados de cada trabalhador na EIPST não foi revelado ao pesquisador, recebendo, cada um dos selecionados, uma letra de identificação. As entrevistas individuais foram realizadas no horário e local de trabalho, conforme disponibilidade de cada trabalhador. Tiveram duração média de 1 (uma ) hora. Foram gravadas em fita k7 e transcritas em sua íntegra. 5. Análise de dados O tratamento dos dados deste estudo combinou análises quantitativas e qualitativas. Os dados obtidos na aplicação dos instrumentos de medida – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPTS - foram submetidos ao programa de estatística SPSS – Statistical Package for Social Science, versão 10.0. As entrevistas individuais foram analisadas por meio da análise de conteúdo. Em relação aos dados obtidos pela EIPST, como primeiro procedimento de análise, realizamos análise exploratória procurando identificar missings e outliers, tendo sido os missings calculados como média e os outliers retirados da amostra. No tratamento dos fatores relativos à vivência de prazer e sofrimento no trabalho foram identificadas as médias e desvio padrão para cada fator. Analisou-se a curva de distribuição normal para cada um dos fatores, a fim de definir o comportamento das médias em relação à curva. Para avaliar a significância da diferença das médias obtidas nos quatro fatores realizou-se teste “t” de comparação de médias. Em relação às entrevistas individuais, o tratamento dos dados foi realizado pela análise de conteúdo segundo pressupostos metodológicos preconizados por Laurence Bardin, compreendendo-se análise de conteúdo como “conjunto de técnicas de análise da comunicação que visam obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens” ( Bardin, 1977, p.42) Como técnica, foi utilizada a da análise categorial temática. A escolha recaiu pelo fato desta técnica conceber a comunicação como um processo e não como um dado estático e o discurso não como um produto, mas como um processo de elaboração. A análise categorial temática consiste no desmembramento do texto em unidades, em categorias a partir da investigação dos temas do discurso. Segundo Bardin, (op.cit. p.153) “entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos direto, significações manifestas e simples.” Em uma primeira etapa, cada entrevista foi analisada por, no mínimo 2 (dois) juizes, estudantes de graduação e pós-graduação do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília, que, após leitura geral de cada entrevista e marcação de verbalizações que poderiam representar os temas, classificou os temas em categorias, preenchendo o formulário “Análise de Conteúdo”- anexo 3, no qual foram definidas as categorias, transcritas verbalizações por tema e registradas as freqüências. Os temas foram categorizados pelo critério de semelhança de significado semântico e lógico. Como segunda etapa, o pesquisador agrupou as categorias, resultantes das análises dos juizes, também por semelhança de significado semântico e lógico, de cada uma das entrevistas, fazendo surgir categorias sínteses. Para cada entrevista foi preenchido o formulário “Análise de Conteúdo”. Em seguida, a fim de permitir comparação entre os diferentes grupos de entrevistas, o pesquisador agrupou as análises de conteúdo das entrevistas pelos fatores indicadores da vivência de prazer e de sofrimento, fazendo surgir categorias sínteses por fator. Em um próximo momento, agrupou-as pela vivência de prazer – 10 (dez) entrevistas e pela de sofrimento, 10 (dez) entrevistas. O processo de agrupamento das categorias de todas as entrevistas foi realizado pela associação de idéias consideradas semelhantes. Ao longo desse processo, procurou-se preservar, em sua íntegra, o discurso do trabalhador. Assim as definições das categorias foram permeadas de termos literalmente empregados pelos trabalhadores. Em seguida, as entrevistas foram discutidas e interpretadas pelo pesquisador e seu professor orientador. Cada entrevista foi analisada nos seus aspectos simbólicos e dinâmicos, possibilitando interpretação entre a relação realidade psíquica e realidade de trabalho. Os resultados das análises quantitativas e qualitativas são apresentados e discutidos nos próximos capítulos. 5. RESULTADOS Este capítulo subdivide-se em duas seções. A primeira apresenta os resultados das análises descritivas dos dados obtidos pela aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST). Na segunda seção, são descritos os resultados relativos às entrevistas individuais, fruto das análises de conteúdo realizadas em 20 (vinte) entrevistas, conforme descrito no capítulo anterior. 5.1 Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho A análise descritiva dos resultados obtidos na Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho é delineada nesta seção a partir de enfoque a cada um dos fatores mensurados por este instrumento: valorização e reconhecimento – indicadores da vivência de prazer no trabalho; desgosto e insegurança – indicadores de sofrimento no trabalho. A Tabela 3 apresenta a média e o desvio-padrão para cada um dos fatores, bem como os resultados do teste de comparação das médias dos fatores em relação ao ponto médio 3 (três) da escala. Por meio desse teste, constata-se que as médias dos fatores mostram-se significativamente diferentes do ponto médio das escalas, tendo apresentado níveis de significância de p<0,01. Tabela 3 _ Média e desvio-padrão e resultados do teste t para os fatores valorização, reconhecimento, desgosto e insegurança Fatores Valorização Reconhecimento Desgosto Insegurança Média 4.05 3.65 2.06 1.73 Desvio-Padrão 0.68 0.74 0.7 0.56 t 76.12 58.86 38.60 36.78 P < 0.01 Observando-se que a EIPST é uma escala de 5 (cinco) pontos, tendo ponto médio o valor 3 (três), os resultados evidenciam que os fatores indicadores da vivência de prazer no trabalho estão ambos acima da média enquanto os da vivência de sofrimento encontram-se abaixo do ponto médio. Neste sentido, de forma geral, tal fato indica que o grupo de trabalhadores vivencia fortemente valorização e reconhecimento no trabalho e fracamente desgosto e insegurança. No entanto, é preciso ressaltar que os resultados obtidos em relação aos fatores reconhecimento e desgosto, apesar de indicarem, respectivamente, forte e fraca vivência, encontram-se próximo ao ponto médio da escala o que revela, para o fator reconhecimento, uma vivencia forte porém tendendo a moderada e, para o fator desgosto, uma vivência fraca tendendo a moderada. A análise de cada fator revela que, em relação ao fator valorização, 82,7% da amostra apresentou índice que revela vivência forte, 16,5% vivência moderada e 0,7% vivência fraca. O sumário dos cinco números, Figura 3, demonstra que este fator apresentou, em relação aos demais fatores, a maior média (x= 4,05), tendo por mediana M = 4,14 e primeiro quartil Q1 = 3,54. Figura 3 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator valorização. 6 5 4 3 2 1 A análise da média dos itens que compõem o fator valorização aponta que todos os itens apresentaram médias acima de 3,5, o que revela forte vivência. Como mostra a Figura 4, o grupo de trabalhadores vivencia, fortemente, disposição para realizar suas tarefas e sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que realiza e de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral. Figura 4 – Médias dos itens integrantes do fator valorização 5 4,5 LEGENDA 1 4 Minhas tarefas são significativas para mim 3,5 Minhas tarefas são significativas para as pessoas em geral Médias 3 Tenho disposição para realizar minhas tarefas 2,5 Meu trabalho é importante para a organização 2 Sinto-me produtivo no meu trabalho 1,5 Sinto-me útil no meu trabalho 1 Sinto orgulho do trabalho que realizo 0,5 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura Em relação ao fator reconhecimento, 77,5 % da amostra revelou índice representativo de vivência forte, 19% vivência moderada e 3,5% vivência fraca. Em relação à análise dos cinco números, o fator apresentou média (X) equivalente a 3,65 pontos, mediana (M) a 3,75 e primeiro quartil (Q1) a 3,25 pontos, Figura 5. Figura 5 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator reconhecimento. 6 5 4 3 2 1 Neste fator, a média dos itens caracteriza vivência moderada ou forte. Dos 8 (oito) itens, 4 (quatro) tiveram avaliação acima de 3,5 o que indica forte vivência (Figura 6). Para estes trabalhadores, a liberdade para dizer o que pensam sobre o trabalho, o sentimento de satisfação com o trabalho, o gosto de conviver com os colegas de trabalho e a liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queiram são vivenciados fortemente. Os 4 (quatro) itens restantes, tiveram avaliação acima de 2,5 e abaixo de 3,5, o que revela vivência moderada. Figura 6 – Médias dos itens integrantes do fator reconhecimento 4,5 4 LEGENDA 1 Tenho liberdade para dizer o que penso sobre o meu trabalho Sinto reconhecimento da minha chefia pelo trabalho que realizo Sinto reconhecimento dos colegas pelo trabalho que realizo Sinto satisfação no meu trabalho 3,5 Médias 3 2,5 O tipo de trabalho que faço é admirado pelos outros Sinto meus colegas solidários comigo 2 1,5 Gosto de conviver com meus colegas de trabalho Tenho liberdade para organizar meu trabalho da forma que eu quero 1 0,5 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura Quanto ao fator desgosto observa-se que 73,6% da amostra vivencia - o fracamente, 8,6%, moderadamente e 2,6, fortemente. A análise dos cinco números, Figura 7, revela que o fator apresenta média (X) correspondente a 2,06, mediana (M) a 2,0 e terceiro quartil (Q3) a 2,41 pontos. Figura 7 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator desgosto. 5 4 3 2 1 0 A análise da média dos itens aponta que dos 12 (doze) itens, 2(dois) são vivenciados moderadamente – permaneço neste trabalho por falta de oportunidade no mercado e tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional. Nos outros 10 (dez) itens integrantes do fator, as médias revelaram vivência fraca (Figura 8). Figura 8 – Médias dos itens integrantes do fator desgosto LEGENDA 1 3,5 Meu trabalho me causa sofrimento Permaneço nesse trabalho por falta de oportunidade no mercado Tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional Tenho frustrações com o meu trabalho 3 2,5 Tenho a sensação de estar perdendo tempo indo para o meu trabalho Tenho achado difícil comparecer ao trabalho Médias 2 Sinto desânimo no trabalho 1,5 Sinto que perdi o interesse pelo meu trabalho Sinto que meu trabalho não me proporciona crescimento Sinto-me desmotivado em relação ao meu trabalho Sinto vontade de estar longe do meu trabalho 1 0,5 Sinto-me impotente no meu trabalho 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura O fator insegurança é vivenciado fracamente por 98,7% da amostra e fortemente por 1,3%. A análise dos cinco números, Figura 9, mostra que o fator apresenta média (X) correspondente a 1,73, mediana (M) a 1,6 e terceiro quartil (Q3) a 2,1 pontos. Figura 9 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator insegurança. 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 ,5 A análise da média dos itens que compõem este fator aponta que todos os itens _ 10 (dez) _ apresentaram média inferior a 2,5, o que revela fraca vivência _ Figura 10. Figura 10 – Médias dos itens integrantes do fator insegurança LEGENDA 1 2,5 Sinto receio de não corresponder às expectativas do meu trabalho Temo não ser capaz de atender ao ritmo de trabalho imposto pela minha organização 2 Sinto-me perseguido pela minha chefia Receio não ser capaz de atender às exigências da minha empresa quanto a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos relacionados ao meu trabalho Sinto-me ameaçado de demissão Médias 1,5 Temo não possuir os conhecimentos teóricos e práticos que meu trabalho exige Receio não ser capaz de executar a quantidade de tarefas estabelecidas a mim 1 Tenho receio de ser demitido ao cometer pequenos erros Temo não ser capaz de executar minhas tarefas nos prazos estabelecidos 0,5 Temo não ser capaz de executar minhas tarefas com a qualidade estabelecida pela minha organização 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura No âmbito geral, os resultados quantitativos apontam que, globalmente, o grupo de trabalhadores apresenta indicadores que caracterizam predominantemente a vivência de prazer no trabalho – fator valorização X = 4,05 e µ = 0,68; fator reconhecimento X= 3,65 µ = 0,74, em detrimento à vivência de sofrimento – fator desgosto X = 2,06 e µ = 0,7 e fator insegurança X= 1,73 e µ = 0,56. Tendo como perspectiva a vivência de prazer, observamos que há predomínio do fator valorização – 82,7% da amostra vivencia-o fortemente _ em relação ao fator reconhecimento – 77,5% da amostra vivencia –o fortemente. Tal resultado revela que mais do que a maioria do grupo de trabalhadores atribui sentido e valor ao seu trabalho, sente-se aceito e admirado pelo seu trabalho e com liberdade para expressar sua individualidade. Análise detalhada dos referidos fatores, baseada nas médias dos itens correspondentes a cada um dos fatores, aponta que o grupo de trabalhadores vivencia fortemente disposição para realizar suas tarefas, sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que realiza, de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral, de liberdade para dizer o que pensa sobre o trabalho, de satisfação com o trabalho, gosto de conviver com os colegas de trabalho e liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queira. Por outro lado, em relação à vivência de sofrimento, constatamos menor vivência do fator insegurança – 98.7% da amostra vivencia-o fracamente _ em relação ao fator desgosto _ 73,6% vivencia-o fracamente. Este fato mostra que quase a totalidade dos trabalhadores vivencia fracamente sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho e ainda, que a maioria do grupo de trabalhadores vivencia fracamente sentimentos de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao seu trabalho. No entanto, a análise detalhada destes fatores, baseada nas médias dos itens correspondentes a cada um deles revela que o grupo de trabalhadores vivencia moderadamente o sentimento de permanecer no trabalho por falta de oportunidade no mercado e de adormecimento em relação à carreira profissional. Esses resultados serão retomados no capítulo seis no qual serão mais bem explicados, quando articulados com os resultados das entrevistas individuais. 5. RESULTADOS Este capítulo subdivide-se em duas seções. A primeira apresenta os resultados das análises descritivas dos dados obtidos pela aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST). Na segunda seção, são descritos os resultados relativos às entrevistas individuais, fruto das análises de conteúdo realizadas em 20 (vinte) entrevistas, conforme descrito no capítulo anterior. 5.1 Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho A análise descritiva dos resultados obtidos na Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho é delineada nesta seção a partir de enfoque a cada um dos fatores mensurados por este instrumento: valorização e reconhecimento – indicadores da vivência de prazer no trabalho; desgosto e insegurança – indicadores de sofrimento no trabalho. A Tabela 3 apresenta a média e o desvio-padrão para cada um dos fatores, bem como os resultados do teste de comparação das médias dos fatores em relação ao ponto médio 3 (três) da escala. Por meio desse teste, constata-se que as médias dos fatores mostram-se significativamente diferentes do ponto médio das escalas, tendo apresentado níveis de significância de p<0,01. Tabela 3 _ Média e desvio-padrão e resultados do teste t para os fatores valorização, reconhecimento, desgosto e insegurança Fatores Valorização Reconhecimento Desgosto Insegurança Média 4.05 3.65 2.06 1.73 Desvio-Padrão 0.68 0.74 0.7 0.56 t 76.12 58.86 38.60 36.78 P < 0.01 Observando-se que a EIPST é uma escala de 5 (cinco) pontos, tendo ponto médio o valor 3 (três), os resultados evidenciam que os fatores indicadores da vivência de prazer no trabalho estão ambos acima da média enquanto os da vivência de sofrimento encontram-se abaixo do ponto médio. Neste sentido, de forma geral, tal fato indica que o grupo de trabalhadores vivencia fortemente valorização e reconhecimento no trabalho e fracamente desgosto e insegurança. No entanto, é preciso ressaltar que os resultados obtidos em relação aos fatores reconhecimento e desgosto, apesar de indicarem, respectivamente, forte e fraca vivência, encontram-se próximo ao ponto médio da escala o que revela, para o fator reconhecimento, uma vivencia forte porém tendendo a moderada e, para o fator desgosto, uma vivência fraca tendendo a moderada. A análise de cada fator revela que, em relação ao fator valorização, 82,7% da amostra apresentou índice que revela vivência forte, 16,5% vivência moderada e 0,7% vivência fraca. O sumário dos cinco números, Figura 3, demonstra que este fator apresentou, em relação aos demais fatores, a maior média (x= 4,05), tendo por mediana M = 4,14 e primeiro quartil Q1 = 3,54. Figura 3 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator valorização. 6 5 4 3 2 1 A análise da média dos itens que compõem o fator valorização aponta que todos os itens apresentaram médias acima de 3,5, o que revela forte vivência. Como mostra a Figura 4, o grupo de trabalhadores vivencia, fortemente, disposição para realizar suas tarefas e sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que realiza e de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral. Figura 4 – Médias dos itens integrantes do fator valorização 5 4,5 LEGENDA 1 4 Minhas tarefas são significativas para mim 3,5 Minhas tarefas são significativas para as pessoas em geral Médias 3 Tenho disposição para realizar minhas tarefas 2,5 Meu trabalho é importante para a organização 2 Sinto-me produtivo no meu trabalho 1,5 Sinto-me útil no meu trabalho 1 Sinto orgulho do trabalho que realizo 0,5 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura Em relação ao fator reconhecimento, 77,5 % da amostra revelou índice representativo de vivência forte, 19% vivência moderada e 3,5% vivência fraca. Em relação à análise dos cinco números, o fator apresentou média (X) equivalente a 3,65 pontos, mediana (M) a 3,75 e primeiro quartil (Q1) a 3,25 pontos, Figura 5. Figura 5 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator reconhecimento. 6 5 4 3 2 1 Neste fator, a média dos itens caracteriza vivência moderada ou forte. Dos 8 (oito) itens, 4 (quatro) tiveram avaliação acima de 3,5 o que indica forte vivência (Figura 6). Para estes trabalhadores, a liberdade para dizer o que pensam sobre o trabalho, o sentimento de satisfação com o trabalho, o gosto de conviver com os colegas de trabalho e a liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queiram são vivenciados fortemente. Os 4 (quatro) itens restantes, tiveram avaliação acima de 2,5 e abaixo de 3,5, o que revela vivência moderada. Figura 6 – Médias dos itens integrantes do fator reconhecimento 4,5 4 LEGENDA 1 Tenho liberdade para dizer o que penso sobre o meu trabalho Sinto reconhecimento da minha chefia pelo trabalho que realizo Sinto reconhecimento dos colegas pelo trabalho que realizo Sinto satisfação no meu trabalho 3,5 Médias 3 2,5 O tipo de trabalho que faço é admirado pelos outros Sinto meus colegas solidários comigo 2 1,5 Gosto de conviver com meus colegas de trabalho Tenho liberdade para organizar meu trabalho da forma que eu quero 1 0,5 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura Quanto ao fator desgosto observa-se que 73,6% da amostra vivencia - o fracamente, 8,6%, moderadamente e 2,6, fortemente. A análise dos cinco números, Figura 7, revela que o fator apresenta média (X) correspondente a 2,06, mediana (M) a 2,0 e terceiro quartil (Q3) a 2,41 pontos. Figura 7 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator desgosto. 5 4 3 2 1 0 A análise da média dos itens aponta que dos 12 (doze) itens, 2(dois) são vivenciados moderadamente – permaneço neste trabalho por falta de oportunidade no mercado e tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional. Nos outros 10 (dez) itens integrantes do fator, as médias revelaram vivência fraca (Figura 8). Figura 8 – Médias dos itens integrantes do fator desgosto LEGENDA 1 3,5 Meu trabalho me causa sofrimento Permaneço nesse trabalho por falta de oportunidade no mercado Tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional Tenho frustrações com o meu trabalho 3 2,5 Tenho a sensação de estar perdendo tempo indo para o meu trabalho Tenho achado difícil comparecer ao trabalho Médias 2 Sinto desânimo no trabalho 1,5 Sinto que perdi o interesse pelo meu trabalho Sinto que meu trabalho não me proporciona crescimento Sinto-me desmotivado em relação ao meu trabalho Sinto vontade de estar longe do meu trabalho 1 0,5 Sinto-me impotente no meu trabalho 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura O fator insegurança é vivenciado fracamente por 98,7% da amostra e fortemente por 1,3%. A análise dos cinco números, Figura 9, mostra que o fator apresenta média (X) correspondente a 1,73, mediana (M) a 1,6 e terceiro quartil (Q3) a 2,1 pontos. Figura 9 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do fator insegurança. 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 ,5 A análise da média dos itens que compõem este fator aponta que todos os itens _ 10 (dez) _ apresentaram média inferior a 2,5, o que revela fraca vivência _ Figura 10. Figura 10 – Médias dos itens integrantes do fator insegurança LEGENDA 1 2,5 Sinto receio de não corresponder às expectativas do meu trabalho Temo não ser capaz de atender ao ritmo de trabalho imposto pela minha organização 2 Sinto-me perseguido pela minha chefia Receio não ser capaz de atender às exigências da minha empresa quanto a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos relacionados ao meu trabalho Sinto-me ameaçado de demissão Médias 1,5 Temo não possuir os conhecimentos teóricos e práticos que meu trabalho exige Receio não ser capaz de executar a quantidade de tarefas estabelecidas a mim 1 Tenho receio de ser demitido ao cometer pequenos erros Temo não ser capaz de executar minhas tarefas nos prazos estabelecidos 0,5 Temo não ser capaz de executar minhas tarefas com a qualidade estabelecida pela minha organização 0 Ítens 1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura No âmbito geral, os resultados quantitativos apontam que, globalmente, o grupo de trabalhadores apresenta indicadores que caracterizam predominantemente a vivência de prazer no trabalho – fator valorização X = 4,05 e µ = 0,68; fator reconhecimento X= 3,65 µ = 0,74, em detrimento à vivência de sofrimento – fator desgosto X = 2,06 e µ = 0,7 e fator insegurança X= 1,73 e µ = 0,56. Tendo como perspectiva a vivência de prazer, observamos que há predomínio do fator valorização – 82,7% da amostra vivencia-o fortemente _ em relação ao fator reconhecimento – 77,5% da amostra vivencia –o fortemente. Tal resultado revela que mais do que a maioria do grupo de trabalhadores atribui sentido e valor ao seu trabalho, sente-se aceito e admirado pelo seu trabalho e com liberdade para expressar sua individualidade. Análise detalhada dos referidos fatores, baseada nas médias dos itens correspondentes a cada um dos fatores, aponta que o grupo de trabalhadores vivencia fortemente disposição para realizar suas tarefas, sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que realiza, de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral, de liberdade para dizer o que pensa sobre o trabalho, de satisfação com o trabalho, gosto de conviver com os colegas de trabalho e liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queira. Por outro lado, em relação à vivência de sofrimento, constatamos menor vivência do fator insegurança – 98.7% da amostra vivencia-o fracamente _ em relação ao fator desgosto _ 73,6% vivencia-o fracamente. Este fato mostra que quase a totalidade dos trabalhadores vivencia fracamente sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho e ainda, que a maioria do grupo de trabalhadores vivencia fracamente sentimentos de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao seu trabalho. No entanto, a análise detalhada destes fatores, baseada nas médias dos itens correspondentes a cada um deles revela que o grupo de trabalhadores vivencia moderadamente o sentimento de permanecer no trabalho por falta de oportunidade no mercado e de adormecimento em relação à carreira profissional. Esses resultados serão retomados no capítulo seis no qual serão mais bem explicados, quando articulados com os resultados das entrevistas individuais. 6. DISCUSSÃO Neste capítulo analisamos, a partir das questões e objetivos definidos incialmente, os resultados obtidos à luz dos princípios teóricos e pesquisas empíricas realizadas nas últimas décadas por teóricos e pesquisadores da abordagem da psicodinâmica do trabalho. Considerando o modelo de investigação proposto, executamos esta análise partindo do pressuposto de que a saúde psíquica dos trabalhadores é reflexo de um estado de equilíbrio caracterizado pela vivência de prazer e sofrimento psíquico bem como pela utilização de estratégias e mecanismos, individuais ou coletivos, capazes de modificar ou eufemizar a realidade de trabalho desestabilizante, promovendo ao trabalho locus de reconhecimento e valorização. Acreditamos que caraterísticas da organização do trabalho assim como da dinâmica de reconhecimento, articuladas, exercem papel preponderante sobre a dinâmica subjetiva da relação estabelecida pelos trabalhadores com o seu trabalho e consequentemente influenciam a sua saúde psíquica. Especificamente, dadas as peculiaridades da atividade informal, vislumbramos que a análise dos dados se enriquece ao contemplar um tipo de trabalho com características particulares, geralmente constituído como alternativa de geração de renda diante do desemprego, que, na maioria das vezes, combina práticas legais e ilegais com baixa proteção social, com precarização das condições de trabalho, com falta de garantias legais e com flexibilidade nos processos de trabalho e formas de remuneração. As questões deste estudo foram elaboradas com o objetivo de verificar a saúde psíquica de um segmento de trabalhadores em exercício de atividade informal a partir da análise da relação existente entre a vivência de prazer e sofrimento psíquico no trabalho, características da organização do trabalho e percepção dos trabalhadores acerca da dinâmica de reconhecimento. As proposições determinadas serão discutidas separadamente, considerando-se suas relações de interdependência. A primeira questão contempla a averiguação da vivência de prazer ou sofrimento psíquico pelo grupo de trabalhadores, sujeitos deste estudo, pela análise do predomínio de indicadores característicos de cada uma destas vivências. Ela é discutida considerando, inicialmente, os pressupostos teóricos que fundamentam a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento como instrumento de medida destas vivências (Mendes, Morrone e Mota, submetido), assim como pelo que vem sendo apontado pela literatura como indicadores da vivência de prazer e sofrimento psíquico no trabalho (Dejours 1980/1992, Jayet,1994; Derriennic,1996; Mendes, 1994,1997,1999). As análises quantitativas denotam que o grupo de trabalhadores não somente apresenta indicadores que demonstram o predomínio da vivência de prazer no trabalho como também a forte vivencia destes indicadores, revelando que o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo bem como o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para expressar sua individualidade manifestam-se fortemente no grupo de trabalhadores, resultados estes que confirmam os obtidos por Mendes (2001). Mostra ainda que a amostra apresenta indicadores que caracterizam a fraca vivência de sofrimento o que indica a pouca vivência de sentimento, de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual, de apatia em relação ao trabalho e de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho. A análise qualitativa dos dados corrobora os resultados quantitativos. Sentimentos de orgulho, vitória pelas conquistas alcançadas, felicidade, liberdade de fazer o que se quer e de decisão, bem-estar e satisfação são trazidos majoritariamente pelo grupo de trabalhadores entrevistados que vivencia predominantemente prazer. Por sua vez, o grupo que vivencia predominantemente sofrimento relata a preponderância de sentimentos de insegurança, angústia, tristeza, desânimo, medo do futuro, insatisfação com o ambiente de trabalho, com os vizinhos de barraca e com os clientes. O predomínio de indicadores que denotam a vivência de prazer no trabalho leva-nos a inferir, de forma global, que o grupo de trabalhadores parece vivenciar um processo de adaptação ou ajustamento da sua energia psíquica com o trabalho, o que lhe possibilita diminuição da carga psíquica e conseqüentemente livre funcionamento do aparelho psíquico. Na perspectiva da psicodinâmica, estes resultados apontam que os trabalhadores vivenciam um estado de equilíbrio no qual a vivência de sofrimento psíquico mostra-se administrada ou compensada, delineando um estado de saúde psíquica no trabalho. No entanto, não se deve deixar de considerar que o fato de a vivência de sofrimento fazer -se presente, mesmo que fracamente, confirma as conclusões trazidas por teóricos da área (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994; Dejours, 1999b e Mendes, 1999) as quais sinalizam serem estas vivências inseparáveis, constituintes de um constructo único, que deve ser dinamicamente analisado sob o prisma da sua inter-relação com diferentes variáveis presentes na situação de trabalho. Como delineado no modelo de investigação, supomos que a vivência de prazer e sofrimento no trabalho influencia e é influenciada por características da organização do trabalho e da dinâmica de reconhecimento, e ainda, como fundamenta o modelo teórico, por mecanismos individuais e coletivos de compensação e administração da situação de trabalho geradora da vivência de sofrimento. Neste sentido, passamos a abordar a vivência de prazer e sofrimento no trabalho procurando evidenciar uma possível relação com características da organização do trabalho, com mecanismos e estratégias defensivas e de mobilização subjetiva provavelmente utilizadas pelo grupo de trabalhadores, bem como com a dinâmica de reconhecimento do trabalho. Abordamos assim a segunda questão deste estudo que enfatiza a organização do trabalho e sua relação com a vivência de prazer e sofrimento psíquico, apontada pela literatura nos últimos anos, por diversas pesquisas empíricas (Mendes 1994, 1996, Carpentier-Roy, 1996, Niedhammer, David, Bugel e Chea, 2000, Bertin e Derriennic,2000, dentre outras), como responsável por exercer um efeito determinante sobre a vivencia de prazer e sofrimento no trabalho. Os resultados revelam que o grupo de trabalhadores vivencia um modelo particular de organização do trabalho já que todos são proprietários do seu negócio e responsáveis pelo planejamento e execução das atividades de trabalho. Este modelo foge aos padrões tradicionais de organização do trabalho, caracterizados por estrutura hierárquica, relacionamento entre pares e estabelecimento de normas e métodos de trabalho. Partindo desta diferença, inviabiliza-se a análise da organização do trabalho da amostra pesquisada sob o prisma do conceito dejouriano (Dejours,1999b) de descrição gerencial o qual pressupõe a existência de uma organização prescrita que estabelece normas e métodos de trabalhos, mas sim faz-nos realizá-la exclusivamente sob a ótica da descrição subjetiva que admite a existência de uma organização real onde os trabalhadores modificam e improvisam seus métodos de trabalho para atenderem às suas demandas. Tal configuração, a partir dos pressupostos do modelo teórico, leva-nos a inferir que o grupo de trabalhadores não vivencia uma organização prescrita de trabalho, responsável, na maioria das vezes, pelo estabelecimento de imposições aos modos de trabalho e consequentemente pelo confronto entre trabalhador e forças ligadas a organizações do trabalho, confronto este geralmente associado à vivência de sofrimento psíquico, mas sim uma organização de trabalho que possibilita autonomia, controle do processo de trabalho e liberdade de expressão, fatores determinantes à vivência de prazer no trabalho (Mendes e Abrahão, 1996). Tal fato evidencia-se pela análise quantitativa dos dados que mostra que o grupo de trabalhadores vivencia fortemente sentimento de liberdade para dizer o que pensa sobre o trabalho e para organiza-lo da forma que lhe aprouver. A análise qualitativa, por sua vez, revela que os entrevistados realizam atividades com começo, meio e fim, visualizam os resultados do seu trabalho e desenvolvem atividades que requerem iniciativa, tomada de decisão, visão estratégica, capacidade de argumentação e comunicação verbal. Tais características delineiam uma organização do trabalho, no que tange ao conteúdo das tarefas, marcada pela autonomia, pela realização das atividades em sua totalidade, que permitem a flexibilização das decisões e processos de trabalho e que trazem diretamente benefícios ao trabalhador. Aponta a literatura que características como autonomia, flexibilidade da organização do trabalho, integração e globalização dos processos, métodos e instrumentos de trabalho, realização de tarefas com começo, meio e fim e liberdade de expressão são fatores que determinam a manifestação direta da vivência de prazer ou a transformação ou minimização da vivência de sofrimento, pelo mecanismo de mobilização subjetiva (Mendes e Abrahão,1996, Carpentier-Roy, 1996, Ribeiro e Mendes, 2000, Niedhammer et al, 2000, Bertin e Derriennic,2000, Vézina et al, 2000). Estes resultados sugerem que a organização do trabalho, relativamente ao conteúdo das tarefas, promove a vivência de prazer no trabalho, e possivelmente influencia no predomínio da vivência de prazer pelo grupo de trabalhadores. No que se refere às relações socioprofissionais, apesar de a totalidade do grupo de trabalhadores atuar individualmente, em alguns casos, em situações esporádicas, com ajuda de poucas pessoas, os resultados indicam que os trabalhadores estabelecem relações ativas com os seus vizinhos, o que lhes permite compartilhar sentimentos e situações de trabalho e ainda considerar-se integrantes de um coletivo de trabalho, por pertencerem a uma associação de trabalhadores. As análises qualitativas indicam que o coletivo de trabalho caracteriza-se pela ausência do exercício de um trabalho comum e de um grupo em constante interação que compartilha metas subjetivas e ainda pela inexistência de acordos táticos, de estabelecimento de regras e normas, do conhecimento e interiorização de códigos e costumes pelos trabalhadores. De acordo com as verbalizações, a associação é inoperante e ineficiente, os trabalhadores têm pouca ou nenhuma participação nas atividades promovidas por ela e a relação entre eles é marcada pelo individualismo, competição e desunião. As regras e normas existentes são impostas pelo governo, dizem respeito exclusivamente ao horário de trabalho, à ocupação do espaço físico e ao pagamento de taxas. São fiscalizadas sob pena de pagamento de multas ou de exclusão da feira, sendo por isto, cumpridas pela maioria dos trabalhadores. Dejours (1997/1999), Périlleux (1996) e Maranda, Leclerc e Toupin, (1997) salientam o papel do coletivo de trabalho como espaço de fala e expressão do sofrimento e ainda como locus para que se estabeleça o julgamento de utilidade e beleza, fundamentais para o processamento da dinâmica de reconhecimento do trabalho. Apontam como características essenciais para que o coletivo de trabalho desempenhe estes papéis, o exercício de um trabalho comum, com compartilhamento de metas, regras, códigos e costumes e a interação constante marcada até pelo emprego de uma linguagem particular. Os resultados denotam que o coletivo de trabalho do grupo de trabalhadores não possui as características fundamentais para o estabelecimento da dinâmica do reconhecimento do trabalho e a vivência de prazer no trabalho, mas sim aspectos que viabilizam a negação ou a indiferença dos investimentos do trabalhador na execução do seu trabalho, como por exemplo, a falta de um espaço público para negociação das regras bem como a falta de convivência com colegas, fatores determinantes para a vivência de sofrimento no trabalho e consequentemente, desestabilizantes do equilíbrio psíquico. Além disso, a análise quantitativa dos dados mostra que o grupo vivencia fortemente sentimento de gostar de conviver com os colegas de trabalho. A análise qualitativa, por sua vez, revela que os trabalhadores estabelecem relação ativa com os vizinhos de barraca caracterizada como de coesão e solidariedade e descrita como de integração, ajuda mútua, permeada pelo diálogo e troca de experiências derivadas das situações comuns. Estes resultados permitem-nos sugerir que, apesar de as características do coletivo de trabalho não propiciarem a expressão e transformação das vivências de sofrimento e o processamento da dinâmica de reconhecimento do trabalho, os trabalhadores, em contrapartida, desenvolvem relações ativas com os seus vizinhos, o que lhes possibilita um espaço de fala e compartilhamento das situações de trabalho propiciadoras da vivência de sofrimento e que possivelmente permite que se realizem julgamentos de utilidade e beleza, fundamentais à dinâmica de reconhecimento. Neste sentido, ante o predomínio da vivência de prazer pelo grupo, parece-nos que, independentemente da configuração do coletivo de trabalho, os trabalhadores encontram caminho alternativo, pela vinculação aos pares, capaz de promover a expressão do sofrimento, a possível transformação das situações geradoras de sofrimento e vivência de prazer no trabalho. Comparação entre a análise qualitativa dos dados do grupo que vivencia predominantemente prazer no trabalho com o que vivencia predominantemente sofrimento mostra que a organização de trabalho para ambos delineia-se por características homogêneas e similares. Os entrevistados relatam o exercício dos mesmos tipos de atividades – comercialização de mercadorias, abertura e fechamento das barracas, arrumação do ambiente e controle e reposição de estoque, assim como homogeneidade do processo de trabalho – marcado, de maneira geral, pela autonomia, tomada de decisões, responsabilidade sobre o cumprimento das atividades e das relações socioprofissionais – caracterizada, genericamente, como relação de ajuda e amizade com os vizinhos e de desunião e individualismo com os demais profissionais da feira. Esta constatação leva-nos a inferir que independentemente de as características da organização do trabalho exercerem papel determinante na vivência de prazer e sofrimento no trabalho, como apontam os resultados deste estudo e a literatura, outras variáveis se fazem presentes, evidenciando que estas vivências devem ser consideradas como um processo dinâmico que influencia e sofre influência de diferentes variáveis relacionadas à situação de trabalho. Não podemos, neste momento, deixar de enfatizar que os resultados obtidos apontaram especificamente para duas variáveis até então relativamente abordadas por teóricos da área, ou seja, os benefícios trazidos pelo trabalho como relacionados à vivência de prazer no trabalho e a precariedade das condições de trabalho como ligadas à vivência de sofrimento, variáveis discutidas ainda neste capítulo. A terceira questão proposta focaliza o emprego, pelo grupo analisado, de estratégias e mecanismos coletivos, capazes de modificar ou eufemizar a realidade de trabalho propiciadora da vivência de sofrimento psíquico. A coexistência de indicadores característicos da vivência de sofrimento assim como de prazer, como evidenciado nos parágrafos anteriores, pode estar relacionada à utilização de estratégias de defesa individuais ou coletivas ou do mecanismo de mobilização subjetiva, como sugere o modelo teórico da psicodinâmica do trabalho. Retomando os conceitos dejourianos, as estratégias de defesa consistem em procedimentos de regulação, construídos, organizados e gerenciados individual ou coletivamente, capazes de modificar ou eufemizar a percepção do trabalhador da realidade de trabalho que o faz sofrer, bem como de minimizar as pressões patogênicas impostas por esta realidade. Por sua vez, o mecanismo de mobilização subjetiva compreende a mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos da inteligência do trabalhador, da sua subjetividade no trabalho em busca do reconhecimento possibilitando a transformação do sofrimento, por uma operação simbólica que leva ao resgate do sentido do trabalho, em vivências de prazer. Pressupõe, paralelamente à presença de um espaço público de discussão, a existência da inteligência da prática e da cooperação entre os membros do grupo de trabalho. Enfocando inicialmente o emprego de estratégias de defesa, salientando não ser foco deste estudo a análise destas estratégias sob o prisma individual de cada trabalhador, mas sim sob a perspectiva da utilização coletiva, a análise qualitativa dos resultados mostra que os trabalhadores entrevistados associam sentimentos de cansaço, desânimo, tristeza, insegurança, dentre outros indicadores da vivência de sofrimento, à crença de que a situação causadora destes sentimentos é passageira, comum ao comércio, que em breve será revertida ou de que é uma circunstância que poderá ser alterada por si mesma ou que requer fé em Deus, agente capaz de proporcionar nova configuração à realidade de trabalho. Estes resultados parecem indicar que o grupo de trabalho utiliza prioritariamente, como estratégia de defesa, a passividade, compreendida, segundo Mendes (1994 e 1995), como a atribuição a condições externas e independentes do contexto organizacional, responsabilidade pelas adversidades da situação de trabalho bem como poder para modifica-las, estratégia que leva os trabalhadores a adotar comportamentos de acomodação utilizados para justificar ou suportar a não-transformação das situações de trabalho. A utilização desta estratégia parece revelar-se positiva à medida que colabora com o enfrentamento das situações causadoras de sofrimento psíquico. O grupo de trabalhadores associa os sentimentos indicadores da vivência de sofrimento psíquico com a baixa comercialização dos produtos, situação que, pelo emprego da estratégia defensiva, é vista como passível de modificação em curto período de tempo. Isto parece fazer, na maioria das vezes, com que os trabalhadores continuem a exercer o seu ofício independentemente dos resultados alcançados. Estes resultados vêm confirmar o que tem sido apontado pela literatura (Cançado, 1994, Mendes e Linhares, 1996, Vezine e Saint-Aranud, 1996) ao papel da utilização de estratégias de defesa como medida que colabora como o equilíbrio psíquico e favorece a adaptação às situações de desgaste emocional, vivenciadas pelo trabalhador. Entretanto, a adoção similar de uma estratégia de defesa tanto pelo grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer no trabalho como pelo que vivencia sofrimento, faz-nos inferir que a sua utilização não é capaz necessariamente de transformar as situações de trabalho causadoras da vivência de sofrimento em vivência de prazer. As verbalizações parecem demonstrar que, apesar da inexistência de um espaço público de discussão, espaço, segundo Dejours (1999b), fundamental para expressão e transformação coletiva do sofrimento, os trabalhadores que vivenciam predominantemente prazer no trabalho utilizam-se do mecanismo de mobilização subjetiva, empregando a inteligência da prática na execução de seu trabalho. Paralelo às características da organização do trabalho, que permite aos trabalhadores flexibilidade dos processos de trabalho, autonomia e tomada de decisão, características sine qua non para que se processe a transformação da vivência de sofrimento em prazer, o grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer relata adoção de comportamentos e ações específicas e inovadoras destinadas a lidar com os imprevistos inerentes ao trabalho bem como com a situação de baixa comercialização dos produtos, conforme diversos relatos dos feirantes, diretamente associada à vivência de sofrimento psíquico do trabalho. Observamos que a adoção destes comportamentos e ações manifesta-se exclusivamente no grupo que vivencia predominantemente prazer no trabalho, o que parece indicar que este fato possui papel determinante na transformação da vivência de sofrimento em vivência de prazer. As verbalizações deste grupo indicam que os sujeitos imprimem uma marca pessoal ao seu trabalho, adotando comportamentos e atitudes específicas, criando uma lógica própria de ação e reação. Os relatos demonstram que os trabalhadores adotam atitudes como mudança do tipo de mercadoria comercializada, do leiaute da disposição dos produtos, das estratégias de venda, dentre outros, a fim de transformar as situações de baixa comercialização, determinantes de sentimentos que indicam a vivência de sofrimento no trabalho. Por outro lado, no grupo que vivencia predominantemente sofrimento percebe-se uma atitude de convivência passiva com a situação geradora desse estado, de aceitação das adversidades da situação de trabalho o que indica que este grupo utiliza estratégia de defesa para enfrentamento da realidade de trabalho causadora de sofrimento, mas não busca mecanismos capazes de transformá-la. Segundo o modelo teórico (Dejours, 1999b), a mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos do trabalhador, sinalizadores do emprego do mecanismo de mobilização subjetiva, tem relação direta com a dinâmica de reconhecimento no trabalho, aspecto que não foi observado no grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente sofrimento. Sua existência pressupõe, além da validação social, o reconhecimento do fazer pela dinâmica do reconhecimento do trabalho, condições psicoafetivas derivadas do sentido atribuído pelo trabalhador ao seu trabalho em função da sua história de vida, dinâmica denominada ressonância simbólica. Neste sentido, passamos a abordar a dinâmica de reconhecimento vivenciada pelo grupo de trabalhadores, quarta questão deste estudo, a fim de analisar sua relação com as características da organização do trabalho, com a utilização de estratégias defensivas e mecanismo de mobilização subjetiva e, por sua vez, com a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. A análise quantitativa dos dados, como anteriormente descrita, revela que o grupo, de forma geral, vivencia fortemente o sentimento de valorização e reconhecimento do trabalho, destacando-se aqui o forte sentimento de orgulho em relação ao trabalho que realiza e a percepção de que as tarefas executadas são úteis e significativas para si e para as pessoas em geral. Análise fundamentada no modelo teórico (Dejours e Molinier 1997, Dejours 1997/1999) faz com que estes resultados nos levem a supor que o grupo de trabalhadores parece sentir, em relação ao seu trabalho, retribuição moral e simbólica, o que propicia a vivência de prazer no trabalho, fato este que pode estar associado ao predomínio da vivência de prazer. Esta suposição adquire ainda maior respaldo ao analisarmos os resultados qualitativos do estudo: eles sugerem que o processamento da dinâmica de reconhecimento no trabalho realiza-se de forma diferenciada pelo grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer do grupo que vivencia sofrimento. As verbalizações daqueles que vivenciam predominantemente prazer evidenciam que eles percebem o seu trabalho reconhecido, entendendo reconhecimento como admiração do “seu fazer” ou das suas conquistas pelos outros ou retorno ao trabalho executado. Por sua vez, o relato dos que vivenciam predominantemente sofrimento retrata percepção de descaso dos outros em relação ao trabalho que realizam, desejo de ter o trabalho mais reconhecido ou impossibilidade de avaliar se o trabalho é ou não reconhecido, manifestações que parecem revelar que os profissionais não sentem o seu trabalho reconhecido. Na concepção da psicodinâmica (Dejours, 1995, 199b), o reconhecimento do trabalho exerce papel decisivo na vivência de prazer ou sofrimento, ao atribuir ou não sentido aos investimentos realizados pelo trabalhador no seu trabalho e às angústias, dúvidas, esforços vividos na situação de trabalho. Nesta perspectiva, o reconhecimento do trabalho tanto é capaz de subverter a vivência de sofrimento como, na sua ausência, de conduzir ao sofrimento o que pode originar, em alguns casos, a instalação de um processo desestabilizante. As análises qualitativas deste estudo parecem confirmar tais concepções ao retratam a percepção de reconhecimento do trabalho realizado, pelo grupo que vivencia predominantemente prazer no trabalho e, a percepção de falta de reconhecimento, pelo grupo que vivencia predominantemente sofrimento. Considerando os resultados alcançados em relação à utilização do mecanismo de mobilização subjetiva, realizada pelo grupo que vivencia predominantemente prazer, estes resultados levam-nos a inferir ainda que a dinâmica de reconhecimento, em inter-relação com a mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos do trabalhador em busca da transformação das situações de trabalho propiciadores de sofrimento, mostra-se decisiva na transformação da vivência de sofrimento em vivência de prazer, por atribuir sentido à vivência de sofrimento e aos investimentos realizados pelo trabalhador no seu trabalho. Segundo o modelo teórico (Dejours,1997/1999, 1999 a, 2000), a dinâmica de reconhecimento do trabalho processa-se fundamentalmente pela ação de julgamento do trabalho, inserindo-se julgamento aos investimentos afetivos e cognitivos realizados pelo trabalhador. Este julgamento realiza-se pelo outro, hierarquia, subordinados e coletivo de trabalho, em duas formas distintas: julgamento de utilidade –técnica, social e econômica da atividade de trabalho e julgamento da beleza – da conformidade do trabalho com as artes de ofício e apreciação quanto à distinção, especificidade, originalidade ou estilo. Vislumbrando as análises qualitativas dos resultados, sob este prisma, observamos que o julgamento do trabalho do grupo pesquisado realiza-se, na maioria das vezes, pelos clientes, amigos e familiares, o que vem demonstrar que a dinâmica de reconhecimento do trabalho processa-se por outros agentes que não os diretamente relacionados à situação de trabalho, no caso hierarquia, subordinados e coletivo de trabalho, como propõe o modelo teórico. Nas verbalizações dos entrevistados, há menção de que os clientes reconhecem o trabalho pelo atendimento oferecido e pela qualidade das mercadorias comercializadas, a família, pelos esforços e conquistas e os amigos que reconhecem o trabalho pelas conquistas profissionais alcançadas pelos trabalhadores. Por sua vez, a falta de reconhecimento do trabalho também é associada a outros agentes que não os enfatizados pelo modelo teórico. Os relatos evidenciam a percepção de descaso do governo ante as condições de trabalho, de desvalorização pelos clientes dos produtos comercializados, de discriminação da profissão pela comunidade. Estes resultados corroboram o que vem sendo apontado por pesquisas empíricas realizadas nos últimos anos ( Soares, 1997, Lhuilier, 1997) as quais revelam que os trabalhadores transferem a outros agentes, não diretamente ligados à organização do trabalho, papel de reconhecimento do trabalho executado. Isso posto, passamos a abordar o papel da dinâmica de reconhecimento na construção da identidade do trabalhador, vez que a análise qualitativa dos dados evidencia relação. Esta análise realiza-se sob a perspectiva do modelo teórico da abordagem da psicodinâmica do trabalho que dimensiona ser o processo de construção da identidade do trabalhador, no campo social, uma experiência individual dependente da relação que o indivíduo estabelece com a sua realidade de trabalho, pelo reconhecimento do seu fazer. Pesquisas empíricas realizadas nos últimos anos (Itani,1997, Pellegrin-Rescia, 1997, Vargas, 2001, Dunezat, 2001) vêm apontando que a construção da identidade social passa pela identidade profissional assumindo o trabalho papel de construção e resgate da imagem de si mesmo. Os resultados alcançados por este estudo parecem confirmar tais constatações ao revelar a percepção dos trabalhadores das conquistas alcançadas pelo trabalho, o reconhecimento recebido e a titulação imposta à profissão. Entretanto, é imprescindível salientar que tais resultados são apresentados de forma diferenciada pelo grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer no trabalho e o grupo que vivencia sofrimento. Esta constatação sustenta o que vem sendo apontado pela literatura (Dejours, 1997/1999, 1999 a, 2000, Reicher- Brouard,1997, Pellegrin-Reschia, 1997, Vargas, 2001, Drida et al, 2001) que revela a relação existente entre a dinâmica de reconhecimento do trabalho, o processo de construção da identidade do trabalhador e a vivência de prazer ou demonstra que a vivência de sofrimento no trabalho não influência o processo de construção da identidade do trabalhador quando não representa uma situação de privação à dinâmica de reconhecimento. As verbalizações do grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer mostram que estes percebem que o seu trabalho lhes proporciona conquista pessoal ao permitir-lhes serem donos do próprio negócio, situação esta considerada como um grande feito vez que os trabalhadores possuíam uma situação socioeconômica impeditiva desta configuração profissional. Sinaliza ainda, que os trabalhadores se identificam com o seu trabalho por relatarem gostar do que fazem e por atitudes de envolvimento com o seu trabalho. Do ponto de vista psicodinâmico, estes resultados evidenciam que os entrevistados atribuem ao seu trabalho significado subjetivo, o que torna a relação do trabalhador com o seu trabalho com sentido, fato este que, atrelado à percepção de reconhecimento do trabalho executado e, por conseguinte, ao processo de construção da identidade destes trabalhadores, possibilita-lhes a realização de si mesmos e conseqüentemente a vivência de prazer. Por sua vez, as verbalizações do grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente sofrimento revelam que os trabalhadores não se identificam com o seu trabalho, não gostam do que fazem. Desejam mudar de ocupação profissional por motivos atrelados aos conteúdos materiais do trabalho, redução de jornada diária, alteração do tipo de tarefa exercida, mas principalmente, por motivos associados aos conteúdos simbólicos, exercício de uma profissão que permita maior status social, crescimento profissional, possibilidade de aprendizagem. Na perspectiva da psicodinâmica, estes resultados parecem evidenciar que os trabalhadores não atribuem ao seu trabalho significado subjetivo. Esta constatação, atrelada à percepção de falta de reconhecimento do trabalho, parece contribuir negativamente ao processo de construção da identidade do trabalhador, mostrando-se decisiva à vivência de sofrimento no trabalho. Análise da titulação imposta pelos trabalhadores à sua profissão vem exemplificar tais evidências. O grupo que vivencia predominantemente prazer, salientando que estes trabalhadores possuem a percepção de reconhecimento do trabalho, intitula-se microempresário, relatando sentimentos de satisfação e vitória pela conquista desta identidade profissional que lhe atribui status social. Por sua vez, o grupo que vivencia predominantemente sofrimento, que percebe falta de reconhecimento do seu trabalho, concretizada, dentre outros aspectos, pelo sentimento de discriminação da profissão, utiliza termos como feirante, vendedor, referindo-se a profissões anteriormente exercidas, por exemplo, funcionário público, vendedor comissionado, como sua identidade profissional. De forma geral, os resultados apontam que o predomínio da vivência de prazer pelo grupo de trabalhadores parece revelar que este percebe o seu trabalho validado socialmente, pelo reconhecimento do seu fazer o que o leva a atribuir sentido ao seu trabalho. Esta situação não apenas possibilita a realização da dinâmica de ressonância simbólica, indicador da existência de condições psicoafetivas favoráveis ao equilíbrio psíquico do grupo de trabalhadores como também sinaliza a realização do processo de construção da identidade, pela mediação do trabalho, em sua dinâmica de reconhecimento do indivíduo pelo seu fazer. Entretanto, é imprescindível salientar que os resultados nos fazem inferir que a dinâmica de reconhecimento do trabalho é parte constituinte de um processo amplo e dinâmico que envolve diferentes variáveis, tais como características da organização do trabalho, utilização de estratégias de defesa individuais ou coletivas e do mecanismo de mobilização subjetiva, que em inter-relação estabelecem condições favoráveis à subversão do sofrimento psíquico ao plano da construção da identidade do trabalhador, possibilitando a realização de si mesmo e a vivência de prazer. Trata-se de um processo que resulta no livre funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador, ao articular-se às suas necessidades e desejos psicológicos, determinando um estado de saúde psíquica. No entanto, os resultados obtidos pela análise qualitativa dos dados mostra a influência de duas outras variáveis que parecem também interferir na vivência de prazer ou sofrimento no trabalho: o caráter do trabalho como meio de sobrevivência e as condições de trabalho. O trabalho como meio de sobrevivência é trazido nas verbalizações do grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer. Este grupo relata ser o trabalho importante por fornecer meio de obtenção de poder aquisitivo suficiente para a própria sobrevivência e a de sua família, de alcance de metas pessoais e de independência financeira. Estes benefícios são associados à situação de desemprego, situação presente no discurso dos trabalhadores seja por ter sido vivida anteriormente, seja por uma leitura do mercado de trabalho. Sem deixar de dimensionar que este resultado pode estar diretamente relacionado às características do grupo pesquisado, trabalhadores em exercício de atividade informal, principalmente pelo papel que estas atividades possuem como alternativa ao desemprego, inferimos que a visão do trabalho como meio de sobrevivência atribui ao trabalho um sentido simbólico e material, cuja função de veículo a realização da dinâmica de reconhecimento do trabalho e consequentemente de construção da identidade do trabalhador parece-nos de fundamental importância. Sob um outro enfoque, que não invalida o anteriormente descrito, o valor atribuído ao trabalho como alternativa de sobrevivência pode exercer ainda um papel preponderante na dinâmica de enfrentamento das situações de trabalho propiciadoras à vivência de sofrimento. Pelo seu caráter e por expressar-se exclusivamente no grupo de trabalhadores que vivencia prioritariamente prazer no trabalho, a manifestação desta variável nos leva a inferir que a utilização do mecanismo de mobilização subjetiva pode estar associada ao valor de sobrevivência atribuído ao trabalho, valor este que impulsiona o grupo a adotar atitudes e comportamentos em direção à modificação da circunstência geradora de sofrimento, para uma situação capaz de promover a vivência de prazer. A constatação do papel que a atribuição, pelos trabalhadores, do valor do trabalho como meio de sobrevivência exerce sobre a vivência de prazer e sofrimento é apontada por Vargas (2001), pelos resultados alcançados em pesquisa empírica com trabalhadores desempregados. Segundo o autor, o desemprego não caracteriza vivência de sofrimento quando não representa uma situação real de privação, dentre outros, de autonomia financeira. A ausência de autonomia financeira pode produzir um sentimento de inferioridade, de queda de dignidade que impossibilita a realização da dinâmica de reconhecimento já que o trabalhador passa a perceber-se como inferior ao “outro”. Nesta perspectiva, sugerimos que provavelmente o valor de sobrevivência atribuído ao trabalho exerce influência sobre a vivência de prazer e sofrimento não somente a trabalhadores em exercício de atividades informais, mas, inclusive naqueles em exercício de atividade formal, variando possivelmente em intensidade de acordo com a história de vida de cada trabalhador. Verbalizações atreladas às condições de trabalho são trazidas pelo grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente sofrimento. Estes trabalhadores relatam inadequação do ambiente de trabalho caracterizado por condições de saneamento deficitárias, rede de energia elétrica insuficiente para atender às necessidades locais, construções precárias, sem proteção a chuvas e espaço pequeno e sem ventilação. A precariedade das condições de trabalho é um dos ícones relatados pelo grupo como responsável pela não realização da dinâmica de reconhecimento, vez que o descaso do governo para com este aspecto é compreendido como fonte de não reconhecimento profissional. Associa-se ainda a presença de sentimentos indicadores da vivência de sofrimento no trabalho. Tais resultados levam-nos a inferir que esta precariedade deve ser contextualizada quando em análise a dinâmica de reconhecimento e consequentemente a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. O modelo teórico (Dejours,1980/1992) aborda o papel das condições de trabalho sobre a saúde física do trabalhador, enfatizando ser o ponto de impacto da sua inadequação, o corpo do trabalhador. Entretanto, os resultados alcançados parecem evidenciar a relação direta entre a precariedade das condições de trabalho e o funcionamento do aparelho psíquico dos trabalhadores. Diante do exposto neste capítulo, salientamos que este estudo pesquisa trabalhadores no exercício de atividades informais, o que nos revela que o grupo de profissionais pesquisados vivenciam uma organização do trabalho fundamentada na autonomia, na flexibilização do processo de trabalho, na realização das atividades em sua totalidade e no estabelecimento de relações socioprofissionais com características particulares, fato que delineia uma organização do trabalho específica à atividade informal, mas constituída, como sugere a literatura, por fatores propiciadores da vivência de prazer no trabalho. Os resultados nos mostram que esses trabalhadores, assim como outros no exercício de atividades formais, empregam estratégias de defesa e o mecanismo de mobilização subjetiva para modificação ou eufemização da realidade de trabalho desestabilizante, vivenciam a dinâmica de reconhecimento e conseqüentemente o processo de construção da identidade no campo social e manifestam indicadores da vivência concomitante de prazer e sofrimento, o que parece nos sinalizar a inexistência de uma dinâmica específica inerente ao trabalhador em exercício de atividade informal. O predomínio da vivência de prazer no trabalho pela amostra deste estudo parece estar atrelada, não especificamente ao fato de os trabalhadores exercerem atividade informal, mas sim à relação existente entre as características da organização do trabalho, à utilização de estratégias de defesa e do mecanismo de mobilização subjetiva e à realização da dinâmica de reconhecimento, fatores que interligados promovem um estado de equilíbrio que vem a caracterizar um estado de saúde psíquica no grupo de trabalhadores. No entanto, não podemos deixar de salientar que o exercício da atividade informal foi relatado pela maioria dos entrevistados como sendo uma solução à desocupação, à falta de meios de sobrevivência. O significado da atividade informal como alternativa ao desemprego pode estar associado ao quadro de saúde psíquica delineado neste estudo, pelo grupo pesquisado. Neste sentido, a saúde psíquica adquire fundamentalmente dois caminhos distintos, mas concomitantes: é fruto da mobilização subjetiva derivada do fato de ser a atividade informal fonte de ocupação e da utilização de estratégias de enfrentamento e transformação dirigidas à evitação do adoecimento diante da desproteção e da precarização do trabalho. Assim, ousamos levantar a hipótese que possuir um trabalho, mesmo que em condições precárias, é de suma importância para a saúde psíquica dos trabalhadores. Por fim, considerando os resultados deste estudo, propomos um aperfeiçoamento da representação gráfica do modelo de investigação. Ainda utilizando a figura geométrica triângulo, figura 15, posicionamos, em um dos vértices, condições do trabalho e organização do trabalho, abrangendo tanto a organização prescrita como a real (Dejours, 1999 b). No outro, a dinâmica do reconhecimento do trabalho e no outro a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Interceptando os três vértices, a utilização de estratégias de defesa e do mecanismo de mobilização subjetiva. Os três vértices interagem mutuamente, influenciando-se e convergindo para o centro, onde se sinaliza a saúde psíquica do trabalhador. Figura 15 – Representação gráfica do modelo de investigação 7. CONCLUSÕES Este estudo foi realizado com o objetivo de investigar o impacto da organização de trabalho e da dinâmica de reconhecimento sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho em trabalhadores de atividades informais, tendo por enfoque específico a análise da vivência de prazer ou sofrimento; das características da organização do trabalho, sua estrutura e influência sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho; e da dinâmica do reconhecimento do trabalho. Os resultados obtidos, demonstrados e discutidos nos capítulos anteriores, sugerem-nos apontar conclusões gerais para esta categoria de trabalhadores pesquisados, assim delineadas: ¾ A vivência de prazer e sofrimento no trabalho deve ser considerada como um processo dinâmico que influencia e sofre influência de diferentes variáveis relacionadas à situação de trabalho; ¾ As características da organização do trabalho exercem papel preponderante na vivência de prazer e sofrimento no trabalho. A realização de atividades com começo, meio e fim, a visualização dos resultados do trabalho, a flexibilização das decisões e processos de trabalho e o desenvolvimento de atividades que requerem iniciativa, tomada de decisão, visão estratégica, capacidade de argumentação e comunicação verbal associam-se à vivência de prazer no trabalho; ¾ A existência de um coletivo de trabalho que não propicia a expressão e transformação das vivências de sofrimento e o processamento da dinâmica de reconhecimento do trabalho é superada pela vinculação do trabalhador aos seus pares, vinculação esta capaz de promover a expressão do sofrimento, a possível transformação das situações geradoras de sofrimento, a vivência de prazer no trabalho e a realização da dinâmica de reconhecimento do trabalho; ¾ A utilização de estratégia de defesa propicia equilíbrio psíquico por possibilitar o enfrentamento e eufemização das situações causadoras de sofrimento, favorecendo a adaptação do trabalhador às situações de desgaste emocional. Sua utilização, no entanto, não é capaz, necessariamente, de transformar as situações de trabalho causadoras da vivência de sofrimento em vivência de prazer. Tal transformação requer a adoção de comportamentos e ações específicas pelo emprego do mecanismo de mobilização subjetiva; ¾ A dinâmica de reconhecimento no trabalho realiza-se de forma diferenciada por trabalhadores que vivenciam predominantemente prazer no trabalho daqueles que vivenciam sofrimento, sofrendo influência e exercendo papel decisivo na vivência de prazer ou sofrimento no trabalho. Quando associada à utilização do mecanismo de mobilização subjetiva, possibilita a transformação das situações de trabalho propiciadores de sofrimento, levando à vivência de prazer; ¾ A dinâmica de reconhecimento do trabalho processa-se por outros agentes, tais como familiares e amigos, que não os diretamente relacionados à organização de trabalho, no caso hierarquia, subordinados e coletivo de trabalho; ¾ A dinâmica de reconhecimento do trabalho associada à atribuição de valor subjetivo ao trabalho e à vivência de prazer no trabalho exerce papel preponderante no processo de construção da identidade do trabalhador, propiciando a construção e resgate da imagem de si mesmo e sua realização; ¾ O valor atribuído ao trabalho como alternativa de sobrevivência exerce um papel preponderante na dinâmica de enfrentamento das situações de trabalho propiciadoras à vivência de sofrimento; ¾ As condições de trabalho possuem relação direta com a realização da dinâmica de reconhecimento no trabalho e com a vivência de prazer e sofrimento; ¾ As vivências de prazer e de sofrimento coexistem na situação de trabalho constituindo um processo dinâmico, que abarca dinâmicas intersubjetivas e intrasubjetivas, que em inter-relação com variáveis relacionadas à situação de trabalho determinam a saúde psíquica do trabalhador. ¾ A vivência de prazer e a de sofrimento no trabalho é parte constituinte de um processo amplo e dinâmico que envolve diferentes variáveis, tais como características da organização do trabalho, utilização de estratégias de defesa individuais ou coletivas e do mecanismo de mobilização subjetiva e realização da dinâmica de reconhecimento. Em inter-relação estas variáveis estabelecem condições favoráveis ou não à subversão do sofrimento psíquico ao plano da construção da identidade do trabalhador, possibilitando a realização de si mesmo e a vivência de prazer. O funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador sofre influência deste processo, torna-se livre quando existe a articulação com as necessidades e desejos psicológicos do trabalhador, determinando um estado de saúde psíquica. Pontuamos que os resultados mostram que o grupo de trabalhadores pesquisados, assim como trabalhadores no exercício de atividades formais, empregam estratégias de defesa e o mecanismo de mobilização subjetiva para modificação ou eufemização da realidade de trabalho desestabilizante, vivenciam a dinâmica de reconhecimento e consequentemente o processo de construção da identidade no campo social e manifestam indicadores da vivência concomitante de prazer e sofrimento no trabalho, o que sinaliza a inexistência de uma dinâmica específica inerente ao trabalhador em exercício de atividade informal. Isso posto, é importante salientar que não consideramos pertinente fazer uma apologia ao trabalho informal como alternativa às transformações produtivas ocorridas nas últimas décadas. Estes trabalhadores, fundamentados nos resultados deste estudo, mesmo apresentando indicadores de saúde psíquica, vivenciam sofrimento e possivelmente atingem equilíbrio psíquico pelo fato de exercerem um trabalho que lhes possibilita ocupação, caminho de sobrevivência, alternativa ao desemprego. O desafio maior é, ainda, levar os trabalhadores, independentemente da atividade profissional ou das mudanças impostas ao mundo do trabalho, a viverem essencialmente um estado de saúde psíquica. Neste sentido, os estudos da psicodinâmica do trabalho têm muito a contribuir. Acreditamos que a realização deste estudo traz contribuições relevantes por demonstrar empiricamente constructos teóricos, por confirmar resultados que vêm sendo obtidos por diversos pesquisadores e ainda por apontar conclusões que ampliam o conhecimento da área. Do ponto de vista metodológico, contribui ao demonstrar a integração entre abordagens quantitativas e qualitativas em uma tentativa de melhor apreensão do objeto de estudo. Apesar de não ter sido nossa intenção realizar testes metodológicos, foi possível articular resultados quantitativos aos resultados qualitativos, ou seja, integrar a expressão verbal de um grupo de trabalhadores com os resultados de uma maioria. Os dados qualitativos confirmaram resultados quantitativos e vice-versa, revelando o caráter complementar das duas abordagens. Não obstante, não podemos deixar de considerar as limitações encontradas, porque se tem claro que a apreensão da realidade psíquica dos trabalhadores e a realidade de trabalho envolvem outras variáveis que não necessariamente as contempladas. Inicialmente enfatizamos que o instrumento utilizado para medir os indicadores da vivência de prazer e sofrimento no trabalho mostrou-se com limitações por apresentar itens diretamente relacionados às características do trabalho formal, não se aplicando, na totalidade, aos trabalhadores em exercício de atividade informal. A análise da organização do trabalho abordou, essencialmente, o exame do conteúdo das atividades e das relações socioprofissionais. Seria pertinente aprofundar esta análise, enfocando, por exemplo, elementos críticos relacionados às situações de trabalho ou às condições físicas e materiais nas quais as atividades se realizam ou ainda variáveis macro tais como cultura e valores, que podem definir determinadas especificidades da organização do trabalho. A dinâmica de reconhecimento, por sua vez, envolve inúmeros outros aspectos relacionados à individualidade do trabalhador, associados a toda a complexidade que envolve a subjetividade do indivíduo, que não constitui foco de análise. Outra limitação é de que este estudo foi conduzido com uma categoria específica de trabalhadores em exercício de uma atividade informal. Seria interessante realizar comparações com outros grupos de trabalhadores em atividades informais, assim como com trabalhadores em atividades formais. E ainda, seria relevante, para apreensão mais ampla da saúde psíquica no trabalho, que este estudo fosse conduzido sob a perspectiva de promover um diálogo interdisciplinar, permitindo a análise de aspectos que se complementam mutualmente, oriundos de disciplinas tais como a sociologia, ergonomia, psicologia social e organizacional. Isto posto propomos como agenda para futuras pesquisas: ¾ adaptação da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho, buscando abordar situações específicas características da atividade informal; ¾ utilização de entrevistas coletivas, possibilitando apreender o fenômeno a partir da expressão coletiva, particularmente a dinâmica de reconhecimento; ¾ realização de estudo comparativo com outras categorias profissionais em exercício de atividades informais; ¾ introdução da análise de variáveis sociodemográficas e socioeconômicas e de variáveis relacionadas à ergonomia e psicologia organizacional; ¾ aprofundamento da análise das condições de trabalho e do estudo das estratégias de enfrentamento e transformação da vivência de sofrimento, principalmente relacionandoas ao caráter do trabalho como alternativa ao desemprego e caminho de sobrevivência; ¾ ampliação do estudo articulando-o com outras variáveis tais como as atreladas ao contexto social ou à situação de desemprego. Por fim, acreditamos ter contribuído para a compreensão da saúde psíquica desses trabalhadores sob o prisma da psicodinâmica do trabalho. Consideramos que muito ainda precisa ser investigado. Uma análise mais aprofundada das variáveis observadas bem como a abordagem de outras variáveis, socioculturais e psíquicas, fazse relevante. Esperamos, ainda, que as colaborações trazidas, mesmo que não devidamente explicitadas ao longo do processo, possam ser aproveitadas por outros pesquisadores à medida que avancem as pesquisas e reflexões teóricas em prol da saúde psíquica dos trabalhadores. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Antunes, R. (1999 / 2000). Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial. Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bertin, C. e Derriennic, F. (2000). Souffrance psychique, âge et conditions de travail. 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