resignificando o sofrimento psíquico no trabalho

Transcrição

resignificando o sofrimento psíquico no trabalho
Universidade de Brasília
Instituto de Psicologia
“ Só para não ficar desempregado”- resignificando o
sofrimento psíquico no trabalho: estudo com
trabalhadores em atividades informais
Carla Faria Morrone
Dissertação
apresentada
ao Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília
como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre
em Psicologia.
Orientadora: Ana Magnólia Mendes
Brasília (DF)
2001
Esta dissertação de Mestrado foi aprovada pela seguinte banca examinadora:
Profª. Dra. Ana Magnólia Mendes
Presidente da Banca
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Profº. Dr. Álvaro Tamayo
Membro
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Profª. Dr. Mário César Ferreira
Membro
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Prof. Dra. Júlia Abrahão
Suplente
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
INTRODUÇÃO
A concepção deste estudo surge em resposta às transformações produtivas ocorridas nas
últimas décadas, responsáveis por metamorfoses no mundo do trabalho, as quais impuseram a
grande contingente de trabalhadores nova realidade marcada pela heterogenização, complexificação
e fragmentação; pela desproletarização do trabalho industrial e fabril e pela subproletrarização do
trabalho.
Uma realidade delineada por mudanças nos paradigmas sociais, econômicos e tecnológicos
em direção à adequação às exigências impostas por um mercado globalizado e altamente
competitivo.
Configurada por inovações tecnológicas com a incorporação de equipamentos automotrizes,
inteligentes e mecatrônicos, por novos materiais e insumos obtidos pela biotecnologia, pelo uso de
métodos enxutos de planejamento e gestão e pela flexibilização dos direitos trabalhistas, essa
realidade delineou modificações estruturais em diferentes países do mundo, cujos efeitos variaram
em função das condições econômicas, sociais, políticas e culturais.
O taylorismo e o fordismo mesclaram-se com outros processos produtivos como o neofordismo ou neo-taylorismo, sendo em alguns casos substituídos, por exemplo, pelo toyotismo
trazido pela experiência japonesa.
Como resultado destas intensas transformações, foram observadas alterações ao modo de
produção, da produção em série para acumulação flexível; aos parâmetros de gestão das relações de
trabalho; às exigências sobre a qualidade final dos produtos e ao nível de competitividade entre
empresas determinando o aumento progressivo do lucro e a minimização do desperdício com
redução de custos, principalmente os relacionados à mão-de-obra.
Em conseqüência, tais transformações inseridas no mundo do trabalho provocaram, dentre
outros efeitos, um contexto de precarização das condições de trabalho, de ameaça de desemprego,
de aumento progressivo de excluídos do mercado formal e de proliferação de ocupações de baixa
produtividade, sem proteção social, modalidades atípicas, ocasionais e inseguras, conceitualmente
denominadas atividades informais.
Imersos neste cenário, damos ênfase, neste estudo, às atividades informais que
marcadamente hoje se configuram como uma prática de sobrevivência em uma sociedade perversa
com alta concentração de renda e oportunidades para poucos e exclusão social para muitos. Pelas
atividades informais, grande contigente de trabalhadores encontra caminho de geração de renda
essencial à manutenção material de suas famílias, de filiação, mesmo que precária, a relações
sociais e de reconhecimento e utilidade social.
Segundo Dalbosco e Kuyumjian (1999), citando relatórios estatísticos formulados pela
Comissão Econômica para América Latina (Cepal), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), 84% dos empregos criados no
período de 1990 a 1995 pertenceram ao mercado informal sendo que, em 1990, de cada dez novos
postos de trabalho, nove surgiram na atividade de serviço, 90%, atividades informais. Em 1997,
56% da população latino-americana encontraram ocupação no mercado informal – 9.478 milhões de
empresas atuaram no mercado informal ocupando mais de 12 milhões de pessoas entre pequenos
empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e sem carteira assinada e
trabalhadores não-remunerados.
Não apenas repercussões materiais, mas principalmente subjetivas, foram impostas a estes
trabalhadores na sua relação com o trabalho.
“Foram tão intensas as modificações que se pode mesmo afirmar ter a classe - que vive do trabalho presenciado a mais aguda crise deste século, que não só atingiu a sua
materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo interrelacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser.” ( Antunes, 1999/2000, p.210)
Diante deste contexto, o estudo da saúde psíquica dos trabalhadores em atividades informais
valida-se em importância e utilidade.
A análise dos impactos do mundo do trabalho sobre a saúde psíquica dos trabalhadores vem
sendo desenvolvida desde o início do século passado. Até meados deste período, direcionou-se,
fundamentalmente, ao desenvolvimento de teorias e práticas voltadas prioritariamente ao
atendimento dos interesses econômicos situados nas esferas do poder dominante. Este fato fez com
que técnicas de intervenção e estudos aplicados com fins de eficiência e eficácia da produção
industrial e de prevenção e superação das desadaptações humanas à organização do trabalho _
impeditivas à produção e lucratividade _ precedessem ao desenvolvimento de investigações
voltadas à compreensão dos fenômenos relativos à relação trabalho / saúde psíquica do trabalhador.
Especificamente, em relação à saúde psíquica do trabalhador, nesta época, a tendência
principal voltava-se, paralelamente ao estudo da saúde do corpo, à identificação de variáveis
individuais relacionadas a eventos externos ao trabalho e delimitadoras de queda de produtividade e
desempenho. Após a Segunda Guerra Mundial, o papel do trabalho na saúde psíquica do
trabalhador passou a ser fortemente reconhecido, levando estudiosos, de diferentes áreas do
conhecimento, a explorar a inter-relação existente entre trabalho e saúde psíquica do trabalhador.
Neste sentido, um grupo de disciplinas passou a contribuir significativamente ao estudo da
saúde psíquica do trabalhador, algumas delas centralizando - se nos processos mentais ou na
dinâmica saúde/doença do trabalhador submetido a diferentes condições de trabalho, tais como,
medicina do trabalho, psicologia do trabalho, ergonomia, psicofisiologia, neurofisiologia e outras
voltadas para o estudo direto ou indireto do trabalho humano, sem possuírem a saúde psíquica como
objeto de estudo formalmente delimitado, por exemplo, os estudos de economia política que
analisam, em uma perspectiva histórica, as relações sociais de produção e as transformações do
trabalho (Seligmann – Silva, 1994).
Neste contexto, a abordagem da psicodinâmica do trabalho surge como disciplina que
aprofunda a análise da saúde psíquica do trabalhador sob a ótica da subjetividade do trabalhador,
revelando atenção à dimensão humana inserida nesta realidade de metamorfoses do mundo do
trabalho.
Especificamente em relação à conjuntura atual, aponta Dejours (1999) que esta, merecedora
de análises aprofundadas e figurativamente denominada guerra econômica, é marcada pelos
princípios da competitividade que exclui do sistema os trabalhadores não aptos e inclui aqueles que
apresentam desempenhos sempre superiores em termos de produtividade, disponibilidade,
disciplina e abnegação. Caracteriza-se por uma batalha legitimada e mantida pelos próprios
trabalhadores que pelo intermédio do sofrimento psíquico no trabalho alcançam o consentimento
para participar do sistema.
“Não se trata de compreender a lógica econômica, mas, ao contrário, de pôr de lado
essa questão, para concentrar o esforço de análise nas condutas humanas que produzem essa
máquina de guerra, bem como nas que levam a consentir nela e mesmo submeter-se a ela.”
(Dejours, 1999c, p. 16)
A abordagem da psicodinâmica do trabalho propõe como objeto de estudo “a análise
dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pelo confronto do sujeito com a realidade de
trabalho.”, compreendendo que “ dinâmica significa que a investigação toma como centro de
gravidade os conflitos que surgem do encontro entre sujeito, portador de uma história singular préexistente e uma situação de trabalho cujas características são, em grande parte, fixadas de forma
independente da vontade do sujeito. Isso implica que em psicopatologia do trabalho partamos de
uma subjetividade já constituída que será exposta, num período geneticamente ulterior, à realidade
do trabalho. O que significa que o sujeito corre de fato o risco de não ser o mesmo que era antes do
início do conflito, por um lado, e que a realidade do trabalho corre o risco de ser transformada sob o
efeito de uma suplementação de subjetividade, por outro lado.” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994,
p.120)
Esta abordagem traz uma enriquecedora contribuição ao estudo da saúde psíquica dos
trabalhadores por propor um modelo teórico que considera três diferentes dimensões coexistentes e
interligadas: a da subjetividade do trabalhador, indivíduo singular, com história de vida, desejos e
necessidades particulares; a da organização do trabalho, imposições de eficácia, normas e padrões
de condutas; e a da coletividade, relações entre iguais e hierárquicas, normas e valores de
convivência social no trabalho. Concentra seu eixo de investigação na compreensão da dinâmica
subjetiva que leva trabalhadores a sobreviverem e a contribuírem com o funcionamento, eficácia e
longevidade da realidade de trabalho.
A saúde psíquica no trabalho é vista como expressão de um estado disposicional
caracterizado pelo equilíbrio psíquico marcado pela vivência de prazer e sofrimento no trabalho,
pela utilização de mecanismos capazes de mobilizar os trabalhadores em busca de uma relação mais
gratificante com o trabalho, e ainda pela dinâmica de reconhecimento no trabalho, ícone do
processo de construção da identidade do trabalhador no campo social.
Reflexo concreto da atual realidade de trabalho, a saúde psíquica dos trabalhadores em
atividades informais é objeto de investigação deste estudo.
A tentativa de contribuir com a ampliação do conhecimento a partir da análise da dinâmica
subjetiva do trabalhador na sua relação com o trabalho, concentrando esforços na análise das
condutas humanas e ainda dimensionando esta nova realidade de trabalho é finalidade prioritária.
Acreditamos ser um campo rico de investigação, uma vez que a atividade informal não pode
ser considerada como fenômeno transitório, mas sim reflexo do modelo de acumulação capitalista
que constrói uma nova realidade para o mundo do trabalho, realidade esta que a cada ano compõese de um contigente ainda maior de trabalhadores em atividades informais.
Para tanto, escolhemos como população a ser estudada, grupo de comerciantes de uma feira
de produtos importados, localizada em Brasília – DF.
Desenvolvemos o estudo fundamentados teoricamente na abordagem psicodinâmica,
assumindo como pressuposto que a saúde psíquica no trabalho é fruto da relação estabelecida entre
o trabalhador e sua realidade de trabalho, sendo concretizada pela vivência de prazer e/ou
sofrimento psíquico no trabalho, vivência esta influenciada por variáveis psíquicas e da organização
do trabalho, as quais determinam o emergir de conflitos intersubjetivos e intrasubjetivos dos
trabalhadores com seu trabalho. Para tanto, concebemos que na relação homem _ trabalho, o
trabalhador é sujeito ativo que concretiza, a partir de sua história pessoal, aspirações, desejos,
motivações, necessidades psicológicas no trabalho e o trabalho, estruturante psíquico a medida que
possibilita a descarga da energia psíquica do trabalhador, por processos sublimatórios, no campo
social e a construção da sua identidade, pelo reconhecimento do seu fazer.
Adotamos ainda como pressuposto que a vivência de prazer e sofrimento coexiste e é
inerente à situação de trabalho, e que os trabalhadores são capazes de mobilizar mecanismos para
transformação das situações de trabalho geradoras de sofrimento psíquico, sendo que, características
da organização do trabalho _ principalmente o coletivo de trabalho _ exercem papel determinante
nesta dinâmica.
A partir dessas pressuposições, objetivamos neste estudo investigar, sob o prisma das
atividades informais, a saúde psíquica da população estudada no que tange à vivência de prazer ou
sofrimento no trabalho; analisar a organização do trabalho, sua estrutura e influência sobre a
vivência de prazer e sofrimento no trabalho, e analisar a dinâmica do reconhecimento do trabalho.
Para alcance dos objetivos elaboramos as seguintes questões:
1. Profissionais de atividades informais vivenciam, predominantemente, prazer ou
sofrimento no trabalho?
2. Como se estrutura a organização do trabalho destes profissionais e qual o tipo de
relação que se estabelece entre a organização do trabalho destes profissionais e a
vivência de prazer e/ou sofrimento no trabalho?
3. Os profissionais usam estratégias e mecanismos utilizados pelos profissionais para
modificar ou eufemizar a realidade de trabalho propiciadora da vivência de sofrimento,
se identificada a vivência de sofrimento no trabalho?
4. Como se processa a dinâmica de reconhecimento para estes profissionais?
Este estudo desenvolve-se metodologicamente por coleta e análise de dados quantitativa e
qualitativamente. A vivência de prazer – sofrimento no trabalho é medida pelo emprego de uma
escala de indicadores, enquanto a dinâmica subjacente, bem como as características da organização
do trabalho e a dinâmica do reconhecimento, por meio de entrevistas semi-estruturadas individuais.
A apresentação do estudo subdivide-se em seis capítulos específicos. No primeiro deles,
apresentamos o modelo teórico da psicodinâmica do trabalho assim como proposto por Christopher
Dejours, a partir de uma perspectiva histórica.
No capítulo 2, abordamos publicações recentes realizadas na área diretamente relacionadas
à temática deste trabalho, proporcionando uma contextualização de parte do aprofundamento
teórico até então realizado na abordagem psicodinâmica.
O capítulo 3 descreve o modelo de investigação delineando o objeto de estudo e as variáveis
envolvidas.
No capítulo 4, caracterizamos a metodologia de investigação, delimitando a amostra e
descrevendo os instrumentos e procedimentos de coleta e análise dos dados.
O capítulo 5 volta-se para os resultados do trabalho. Inicialmente, são apresentados os
resultados obtidos pela aplicação de um instrumento de mensuração da vivência de prazer e
sofrimento no trabalho e, em seguida, os relacionados às entrevistas individuais semi-estruturadas
realizadas com trabalhadores, sujeitos da pesquisa.
No capítulo 6, articulamos os resultados quantitativos e qualitativos à luz da revisão de
literatura e do modelo teórico, buscando o alcance dos objetivos propostos.
Por fim, são realizadas considerações sobre o trabalho.
1. MODELO TEÓRICO DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO:
Contribuições de Christopher Dejours
A psicodinâmica do trabalho surge na década de oitenta, na França, fruto de reflexões
teóricas e de pesquisas empíricas coordenadas por Christopher Dejours.
Desde então, suas contribuições ao estudo da relação saúde psíquica e trabalho vêm se
destacando pelo enfoque atribuído à análise dos impactos do trabalho sobre a dinâmica subjetiva
dos trabalhadores, enfoque este fundamentado em uma concepção própria de saúde psíquica no
trabalho.
Para a psicodinâmica, saúde psíquica no trabalho compreende um estado contínuo de
conquista e de construção que tem como pressuposto a existência de fragilidades psíquicas e
somáticas e de sofrimento psíquico derivado dos conflitos intersubjetivos e intrasubjetivos dos
trabalhadores com a realidade do trabalho.
É resultado de uma dinâmica intersubjetiva, de um processo relacional pelo qual o
trabalhador compartilha e utiliza estratégias defensivas para lidar com suas fragilidades no trabalho.
Dejours, ao abordar o conceito, associa-o à noção de normalidade, definindo-o como um
“estado real e não ideal de equilíbrio onde doenças estão consolidadas e os sofrimentos
compensados pela utilização de estratégias múltiplas.” (Dejours, 1995, p.3)
O itinerário histórico de construção do modelo teórico da psicodinâmica pode ser delineado
em três etapas distintas, marcadas pela ampliação e reformulação de conceitos e integração de novas
vertentes.
A primeira delas, desenvolvida na década de oitenta, volta-se para o estudo do sofrimento
psíquico, sua gênese e transformações derivadas do confronto entre psiquismo do trabalhador e
organização do trabalho. Concentra-se na análise da dinâmica do sofrimento e das estratégias
defensivas suscitadas por este sofrimento.
A segunda etapa, que se deu até meados da década de noventa, direciona-se para o pólo da
saúde ao abordar o estudo do prazer. Aprofunda a análise dos mecanismos utilizados pelos
trabalhadores para tornar o trabalho saudável.
A terceira etapa vem sendo desenvolvida com enfoque na análise do trabalho como locus de
construção da identidade do trabalhador, no estudo da dinâmica do reconhecimento e de seu papel
sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho, e na abordagem da vivência de prazer e
sofrimento no trabalho à luz das novas estruturas da organização do trabalho.
O modelo teórico desta disciplina, inicialmente fundamentado na psicanálise, vem ao longo
de sua existência procurando elucidar, pela análise dinâmica dos processos psíquicos do
trabalhador, mobilizados pela confrontação com a realidade do trabalho, a relação estabelecida entre
o trabalhador, sua estrutura de personalidade e o trabalho, mediador da realização do ego no campo
social.
Conceitualmente, a abordagem psicodinâmica pressupõe o trabalhador sujeito ativo que
concretiza, a partir de sua história pessoal, aspirações, desejos, motivações, necessidades
psicológicas no trabalho. Um indivíduo que interpreta sua relação com o trabalho, socializa atos
intersubjetivos e que reage mental, afetiva e fisicamente às situações do trabalho.
O trabalho, por sua vez, é considerado locus de descarga da energia psíquica do trabalhador,
energia esta que, por processos sublimatórios, encontra, no campo social, caminho de expressão e
locus de construção da identidade do trabalhador, que impelido à auto-realização, tem no trabalho
caminho de reconhecimento da sua identidade pelo seu fazer. Além disto, o trabalho é visto como
meio de alcance de satisfações concretas e simbólicas.
Satisfações concretas dizem respeito à proteção à vida, ao bem-estar físico, biológico e
nervoso, à saúde do corpo do trabalhador. Satisfações simbólicas referem-se à realização dos
desejos do trabalhador pelo sentido, significado do trabalho.
Segundo o modelo teórico, é inerente ao trabalho a vivência de prazer e sofrimento. Esta
vivência relaciona-se ao fluxo do processo psíquico do trabalhador determinado pela realização ou
repressão da energia psíquica, conseqüência da relação estabelecida entre o trabalhador e seu
trabalho.
Todo trabalho pressupõe uma carga psíquica, resultado da confrontação do desejo do
trabalhador à injunção contida na organização do trabalho. A carga psíquica do trabalho expressa,
para o trabalhador, a pressão atribuída pela organização do trabalho ao seu aparelho psíquico.
O trabalho, quando permite a diminuição da carga psíquica e conseqüente livre
funcionamento do aparelho psíquico, por estar articulado às necessidades e desejos psicológicos do
trabalhador, torna-se fonte de gratificação psíquica, origem e fonte de prazer.
Por sua vez, quando resulta em bloqueio ou acúmulo de energia psíquica, pela
impossibilidade de gratificação dos desejos do trabalhador, torna-se fonte de tensão e sofrimento.
Nesta relação, o trabalho exerce papel determinante por oferecer vias de descarga da
energia psíquica ou por ocasionar ao trabalhador repressão desta energia pela imposição de um
modo operatório padronizado e generalizado.
Com relação à dinâmica psíquica, assume dois papéis básicos: fonte de satisfação pela
gratificação de desejos e aparato defensivo a vivências infantis inconscientes.
“A atividade de trabalho aparece então como corte ao passado, destinada mesmo a
manter ativamente essa interrupção de modo a proteger o sujeito do retorno imprevisto à
sua história infantil ou, mais geralmente, ao seu inconsciente. No lugar de negociar com o
inconsciente para resultar em um compromisso, como é a formação substitutiva, ele se
coloca deliberadamente dentro da problemática em uma relação de força, mesmo estando o
terreno ocupado pelo mais poderoso dos protagonistas.” (Dejours, 1983, p.1876)
Dejours (1980/1992), ao referir-se ao trabalho, distingue organização do trabalho e
condições do trabalho. Condições do trabalho são compreendidas como características relacionadas
ao conteúdo ergonômico do trabalho – exigências físicas, químicas, biológicas, condições de
higiene, segurança e características antropométricas do posto de trabalho. Influenciam a saúde
física, sendo o ponto de impacto da sua inadequação, mais fortemente, o corpo do trabalhador.
Organização do trabalho influencia mais diretamente o funcionamento psíquico do
trabalhador, por comportar o conteúdo significativo do trabalho, composto por conteúdos materiais,
relacionados aos instrumentos de operação e características da tarefa e conteúdos simbólicos
derivados do conteúdo significativo atribuído à dificuldade prática da tarefa, à significação da tarefa
acabada em relação à carreira profissional, ao estatuto social ligado ao posto de trabalho, bem como
ao sentido simbólico do trabalho determinado em função da história de vida do trabalhador.
Concretiza-se, na maioria das vezes, como a vontade do outro, da instituição, que se opõe
ou mesmo se impõe ao desejo do trabalhador, ao funcionamento do seu aparelho psíquico,
impedindo-o de ser sujeito dos seus desejos e necessidades.
Operacionalmente, a organização do trabalho compreende a divisão do trabalho ou divisão
de tarefas _ expressão do modo operatório prescrito para execução das tarefas e a divisão dos
homens _ estrutura hierárquica, de comando, controle e de relação entre os membros das equipes de
trabalho.
Em nível de funcionamento psíquico, “a divisão das tarefas e o modo operatório incitam o
sentido e o interesse do trabalho para o trabalhador enquanto a divisão dos homens solicita
sobretudo as relações entre pessoas e mobiliza os investimentos afetivos, o amor e o ódio, a
amizade, a solidariedade, a confiança.”(Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994 p.126).
Pressupõe, portanto, um processo técnico e uma relação intersubjetiva, relação esta
determinada pelas relações sociais do trabalho, que a modifica e modela.
Segundo o modelo teórico, a descrição da organização do trabalho implica a adoção dos
conceitos de descrição gerencial–relacionada às normas e métodos de trabalho estabelecidos;
organização prescrita e descrição subjetiva–relacionada às modificações e improvisações adotadas
pelos trabalhadores para lidar com a descrição gerencial frente às demandas do trabalho;
organização real. (Dejours, 1999 b)
Quanto às relações sociais no trabalho, caracterizam-se pelas relações ativas que o
trabalhador estabelece com outros trabalhadores que sofrem: com os pares na tentativa de
reconhecimento e de pertencimento a um coletivo: com a hierarquia, buscando reconhecimento de
suas competências e com os subordinados, visando o reconhecimento de sua autoridade e
competência.
“Os comportamentos humanos não podem ser corretamente interpretados a partir do
universo físico e mental individual. Todo ato técnico e toda atividade de trabalho estão
submetidos a uma regulação pela interação entre as pessoas.” (Dejours, 1997/1999, p.49 )
Permeadas por um conjunto de regras não apenas técnicas como também sociais e éticas, as
relações sociais fazem emergir o coletivo de trabalho, regulado por um sistema de valores e pela
noção do que é justo ou injusto.
Na relação dinâmica trabalhador–organização do trabalho, o confronto do trabalhador com
forças ligadas à organização do trabalho, quando as possibilidades de adaptação ou ajustamento da
energia psíquica se esgotam, bloqueando a relação subjetiva do trabalhador com o trabalho, faz
emergir vivências de sofrimento.
Para a abordagem psicodinâmica, o sofrimento é compreendido como resultado da
incompatibilidade entre projetos, esperanças e desejos do trabalhador e a organização do trabalho.
“... a organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo
impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser
atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, esperanças e de
desejos e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental,
começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua
tarefa no sentido de torná-la mais conforme às suas necessidades fisiológicas e a seus
desejos psicológicos – isso é, quando a relação homem - trabalho é bloqueada.” (Dejours,
1980/1992, p.133)
Pesquisas realizadas por Dejours nos anos oitenta, com operários da construção civil e
telefonistas, revelaram o papel da organização do trabalho sobre o funcionamento psíquico dos
trabalhadores, evidenciando a influência de características da organização do trabalho sobre a
vivência de sofrimento no trabalho.
O trabalho, segundo os resultados obtidos por estas pesquisas, contém elementos
determinantes à formação da auto - imagem do trabalhador, derivada da compatibilidade entre nível
de qualificação do trabalhador, suas competências, o conteúdo da tarefa e a significação do trabalho
atribuída pelo indivíduo a partir de sua história de vida. Tais elementos tornam-se fonte de
sofrimento quando incompatíveis às necessidades e desejos do trabalhador.
Essas pesquisas revelaram ainda, a partir da análise do discurso dos trabalhadores, quatro
sentimentos indicadores da vivência de sofrimento no trabalho.
Sentimento de indignidade, oriundo do contato forçado com uma tarefa desinteressante,
concretizado pelos sentimentos de vergonha, de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da
máquina, de ser sujo, de não ter imaginação, inteligência, de estar despersonalizado. Resulta na falta
de significação e em frustração narcísica pelo surgimento de uma imagem narcísica pálida, feia e
miserável.
Sentimento de inutilidade relacionado à falta de qualificação e finalidade do trabalho.
Refere-se ao desconhecimento do trabalhador do significado do seu trabalho para a empresa ou
ainda a desqualificação do trabalho pelo grupo familiar e social.
Sentimento de desqualificação ligado à imagem do trabalhador, imagem relacionada ao
grau de admiração que o coletivo de trabalho imprime à tarefa.
Por último, sentimento de vivência depressiva. Condensa os três sentimentos, ampliando-os
ao associar-se a sensação de adormecimento intelectual, de anquilose mental e de paralisia da
imaginação. Concretiza-se pela sensação de cansaço originado não somente do esforço físico mas
também da execução de uma tarefa sem investimento material ou afetivo.
Essas pesquisas revelaram ser o sentimento de medo cerne da vivência de sofrimento no
trabalho, sentimento este geralmente explorado pela organização do trabalho em prol do controle do
coletivo de trabalho e alcance de índices de produtividade. Elucidaram ainda que este sentimento,
além de repercutir nas relações intersubjetivas gerando isolamento e solidão afetiva, reflete-se no
funcionamento mental dos trabalhadores promovendo insatisfação e ansiedade. Três categorias
distintas de ansiedade foram levantadas.
Ansiedade relativa à degradação do funcionamento mental e do equilíbrio psicoafetivo,
resultado da desestruturação das relações psicoafetivas espontâneas com os outros trabalhadores e
de relações de violência e agressividade com a hierarquia.
Ansiedade relativa à degradação do organismo, resultado do risco sobre a saúde física do
trabalhador diante das más condições de trabalho.
E por fim, ansiedade gerada pela “disciplina da fome” resultado da ameaça contida no
trabalho para enfrentar a sobrevivência.
No início dos anos noventa, o conceito de sofrimento no trabalho é ampliado, passando a
ser compreendido como uma “vivência subjetiva intermediária entre doença mental descompensada
e conforto psíquico” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994, p.127). Uma vivência inevitável e ubíqua
que tem origem na história de vida de cada um, mas compatível a um estado de normalidade ao
implicar a adoção, pelo trabalhador, ante características da organização do trabalho, de uma série de
procedimentos de regulação em busca do equilíbrio psíquico.
Distinguem-se dois tipos de sofrimento: criativo e patogênico. O sofrimento patogênico
emerge quando ações que permitem a adaptação ou ajustamento do trabalhador à organização do
trabalho se esgotam, impedindo a transformação do sofrimento. Ocasiona bloqueio da relação
subjetiva trabalhador_organização do trabalho, tornando o trabalho mediador da desestabilização
psíquica e somática.
O sofrimento criativo surge quando o trabalhador utiliza modos operatórios que lhe
permitem gerir o seu trabalho, definindo ações capazes de transformar o sofrimento em criatividade
e, conseqüentemente, em prazer. O trabalho passa então a funcionar como mediador para a saúde,
beneficiando a identidade do trabalhador, aumentando-lhe a resistência, a desestabilização psíquica
e somática.
No final dos anos noventa, este conceito é novamente reformulado, abarcando a relação
com o processo de construção da identidade do trabalhador. Passa a ser compreendido como uma
experiência individual, vivenciada, dependente da relação que o indivíduo estabelece, a partir da sua
história de vida, com a sua realidade de trabalho, que implica um movimento reflexivo do
trabalhador sobre seu “estar- no- mundo” em busca da auto-realização. (Dejours, 1999 a)
Na perspectiva da psicodinâmica, a auto-realização fundamenta o processo de construção da
identidade do trabalhador. Este é considerado um processo inacabado e armadura da saúde mental,
uma vez que crises psicopatológicas, em sua maioria, são centradas em crises de identidade.
Na vida adulta, a conquista da identidade processa-se em dois campos: erótico e social. A
construção da identidade no campo erótico realiza-se fundamentalmente pela relações amorosas.
No campo social, ocorre pela relação que o indivíduo estabelece com o trabalho, pelo
reconhecimento que o seu fazer recebe no coletivo de trabalho.
O reconhecimento implica uma retribuição moral e simbólica às contribuições do
trabalhador à eficácia da organização do trabalho, à sua capacidade de lidar com situações inéditas,
imprevistas e com exceções prescritas pela organização do trabalho.
“O reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao
ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é,
pelo engajamento da sua subjetividade e inteligência.” (Dejours, 1997/1999, p. 55 )
Dependente das relações intersubjetivas do coletivo de trabalho, o reconhecimento
pressupõe um processo de julgamento, realizado pelos pares e pela hierarquia.
“ O sentido do trabalho é, antes de tudo, o advento de um acordo sobre o sentido
dado pelos pares à uma situação. Este ponto é capital com referência à construção da
identidade. O julgamento do outro sobre a contribuição do sujeito à organização do trabalho
é a mediação que permite a este último mudar o sentido do sofrimento no trabalho. Em um
segundo momento, o sujeito pode reconduzir o reconhecimento, inicialmente obtido pelo
registro do seu fazer, ao registro do seu ser, isto quer dizer da realização de si mesmo e da
conquista da sua identidade.” (Dejours e Molinier, 1997, p.262)
Este processo caracteriza-se por dois tipos de julgamento: julgamento da utilidade–
julgamento da utilidade técnica, social ou econômica da atividade, realizado, geralmente, pela
hierarquia e julgamento da beleza– julgamento da originalidade, especificidade e estilo da atividade,
realizado pelos pares.
O trabalhador, deixando de vivenciar os benefícios do reconhecimento do trabalho, que faz
com que angústias, dúvidas, decepções e a relação do trabalhador com o trabalho adquiram sentido,
é conduzido ao sofrimento e em alguns casos a um processo de desestabilização psicológica.
O sofrimento surge quando os investimentos do indivíduo são negados ou tratados com
indiferença pelo coletivo de trabalho ou quando o confronto entre a organização prescrita do
trabalho e a organização real do trabalho impede que estes investimentos sejam reconhecidos e
conseqüentemente que a expectativa de auto-realização do trabalhador se concretize.
“... em sua maioria, os que trabalham se esforçam por fazer o melhor pondo nisso
muita energia, paixão e investimento pessoal. É justo que essa contribuição seja
reconhecida. Quando ela não é, quando passa despercebida em meio à indiferença geral ou
é negada pelos outros, isso acarreta um sofrimento muito perigoso para a saúde mental.”
(Dejours, 1999 b, p.34 )
Por outro lado, o reconhecimento mostra-se decisivo na dinâmica de transformação do
sofrimento em prazer, principalmente ao atribuir sentido ao sofrimento. Pelo reconhecimento,
esforços, angústias, dúvidas, a relação do trabalhador com o trabalho adquire sentido.
Nesta perspectiva, o reconhecimento subverte o sofrimento reconduzindo-o ao plano da
construção da identidade do trabalhador, ao possibilitar a realização do ego e conseqüentemente a
vivência de prazer.
O sofrimento torna-se característica do trabalho e fonte aliciadora para que o trabalhador
encontre estratégias contra a desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho.
“Levar em consideração esta heteronomia nos leva a reconhecer uma contradição
original entre saúde e trabalho, contradição tão fundamental que deveríamos deixar a utopia
de um trabalho sem sofrimento.” (Dejours, 1995, p.3)
Pesquisas recentes, coordenadas pelo autor, atrelam o sofrimento a novas formas de
organização do trabalho. O sofrimento tem sua origem na mecanização e robotização das tarefas,
mas também nas pressões e imposições da organização do trabalho, na necessidade de adaptação à
cultura, à ideologia organizacional, às exigências do mercado, às relações com clientes e no
sentimento de incapacidade de execução das tarefas diante das pressões sociais do trabalho,
pressões essas marcadas pela sonegação de informações, ausência de cooperação ou participação
em atos condenáveis.
Constatam que a vivência de sofrimento no trabalho relaciona-se a um ambiente marcado
pela sonegação de informação, ausência de cooperação e por pressões sociais que impedem o
trabalhador de executar corretamente o seu trabalho. Evidenciam ainda ser a nova concepção
gerencial, marcada pela intensificação do trabalho, ameaça de demissão e precariedade, fonte de
aumento do sofrimento psíquico. Por esta dinâmica gerencial, trabalhadores vivenciam sentimento
de medo que resulta em condutas de obediência, isolamento e submissão. O medo continua a ser
considerado cerne da relação vivenciada com as pressões do trabalho.
Segundo o modelo teórico, para salvaguarda do equilíbrio psíquico, o sofrimento no
trabalho implica procedimentos de regulação, estratégias defensivas construídas, organizadas e
gerenciadas individual ou coletivamente, responsáveis pela modificação ou eufemização da
percepção da realidade do trabalho que o faz sofrer e pela mudança de atitude do trabalhador, que
passa a adotar atitude provocadora ou minimizadora da pressão patogênica, imposta pela
organização do trabalho. Por elas, as pressões do trabalho são suportadas, permitindo ao indivíduo
utilizar o trabalho como meio de auto-realização.
Apesar da vivência de sofrimento no trabalho remeter a uma vivência subjetiva, individual,
a experimentação de vários trabalhadores de seu próprio sofrimento leva-nos a construírem
estratégias defensivas comuns especificamente direcionadas às pressões reais do trabalho, às
vivências de sofrimento compartilhadas pelo coletivo de trabalho.
Na perspectiva individual, o trabalhador, ao participar de uma estratégia defensiva coletiva,
precisa harmonizá-la com seus recursos defensivos individuais, a fim de garantir-lhe coerência
psíquica. Tal fato pode levar a dificuldades ou tensões internas, afetando o funcionamento psíquico.
As estratégias coletivas diferenciam-se dos mecanismos de defesa individual por
dependerem de condições externas para o seu funcionamento, sem as quais suas ações são
interrompidas. Implicam um acordo coletivo compartilhado e um processo de aprendizagem da sua
utilização no ambiente. Mecanismos de defesa individual são interiorizados, persistindo mesmo sem
a influência de condições externas.
A construção coletiva das estratégias de defesa contribui para assegurar a coesão e
construção do coletivo de trabalho. Pressupõe uma atividade deôntica, ou seja a de construir
acordos, normas e valores que se estabilizam sob a forma de regras. Implica discussões,
deliberações, conflitos no grupo de trabalho e comprometimento entre os trabalhadores.
Em uma perspectiva extrema, atuando na percepção da realidade do trabalho, as estratégias
defensivas coletivas resultam em uma percepção irrealista, validada coletivamente. Neste caso, as
pressões impostas pela organização do trabalho fazem com que os trabalhadores, por um processo
alienante, voltem-se essencialmente para manutenção dessas estratégias e eliminação ou
minimização de tudo que possa desativá-las. O sofrimento deixa de ser reconhecido como
decorrente do trabalho, passando a ser visto como resultado do enfraquecimento das estratégias
defensivas. As estratégias de defesa passam a ser vistas como promessa de felicidade, vivenciadas
como uma ideologia: ideologia defensiva.
“A ideologia defensiva surge quando a estratégia de defesa torna-se programa de
ação coletiva. Tem lugar na construção de um imaginário social no qual a estrutura opõe-se
à elaboração do sofrimento. Cria-se uma ordem simbólica, promovendo processo de
alienação da realidade.” (Dejours, 1997/1999, p.131)
Na década de oitenta, pesquisas em indústria petroquímica e com telefonistas apontam que
os trabalhadores, para lidar com o sofrimento no trabalho, adotam atitude de desprezo, ignorância
ou inconsciência em relação às situações da organização do trabalho que propiciam acidentes de
trabalho, que impõem ritmo exacerbado ou exijam elevados índices de produtividade. Tais atitudes
objetivam controlar o sentimento de medo, na maioria das vezes, negado pelo coletivo do trabalho.
Quando estas atitudes não se tornam efetivas, desencadeiam no corpo desordens endócrinometabólicas, fazendo surgir doenças psicossomáticas.
Pesquisas realizadas no início da década de noventa com trabalhadores de uma central
nuclear revelam como comportamentos defensivos do coletivo de trabalho o isolamento, a
desconfiança, atitude de fechamento em uma autonomia máxima, o desvencilhar das
responsabilidades. Mostram também que as equipes de trabalho tornam-se fortemente diferenciadas
e com tendência a tratar umas às outras como incompetentes e em alguns casos como inimigas
(Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994)
Estudos recentes (Dejours, 1999 c) sugerem que a negação do sofrimento alheio e do seu
próprio sofrimento assim como o individualismo são
estratégias defensivas mais comumente
utilizadas. A negação surge quando o trabalhador não encontra meios para lidar com o sofrimento,
quando a percepção do sofrimento é constrangedora ou quando ocasiona uma dificuldade subjetiva.
O individualismo, por sua vez, lida com certo nível de sofrimento o qual elimina a reciprocidade, a
cooperação no coletivo de trabalho. Os trabalhadores passam a interpretar a situação de trabalho de
forma singular, sem considerar a história que os produziu.
Sugerem ainda duas novas modalidades de estratégia defensiva: estratégia da distorção
comunicacional e racionalidade estratégica.
A estratégia da distorção comunicacional refere-se à negação da realidade do trabalho
implicando a supervalorização do gerenciamento e na interpretação dos fracassos como resultado
da incompetência, falta de seriedade, de preparo, má vontade ou incapacidade humana. Concretizase em uma prática discursiva pautada exclusivamente nos resultados positivos, na produção e na
eufemização dos fracassos, do sofrimento e injustiça que os trabalhadores padecem na organização.
Pressupõe a utilização de racionalização–“designa aqui uma defesa psicológica que consiste em dar
a uma experiência, a um comportamento ou a pensamentos reconhecidos pelo próprio sujeito como
inverossímeis (mas dos quais ele não pode prescindir) uma aparência de justificação, recorrendo a
um raciocínio especioso, mais ou menos obscuro ou sofisticado.” (Dejours, 1999 b, p.72 )
A racionalidade estratégica refere-se à negação coletiva das situações de trabalho cujas
ações são incongruentes aos princípios éticos e morais do trabalhador, como por exemplo, a
participação em atos injustos ou que causem sofrimento ao outro.
Paralelamente à noção das estratégias de defesa, o modelo teórico evidencia a existência de
determinadas características para a gestão das estratégias de defesa assim como da defasagem entre
o prescrito e o real da organização do trabalho. Inicialmente considera a existência de um espaço
público de discussão e do mecanismo de mobilização subjetiva. No final dos anos noventa,
acrescenta a cooperação entre os componentes do coletivo de trabalho.
O espaço público de discussão implica um espaço onde opiniões, eventualmente
contraditórias, podem ser livremente formuladas e publicamente declaradas. Voltado à deliberação
coletiva, o espaço público de discussão pressupõe que trabalhadores intervenham para opor
argumentos em função de suas crenças, desejos, valores, posições ideológicas, escolhas éticas e
experiência técnica, comprometendo-se cognitivamente e afetivamente uns com os outros.
Representa o espaço da fala e da expressão coletiva do sofrimento. A construção deste espaço de
discussão subentende inteligibilidade_compreensão pelo coletivo de trabalho dos meios retóricos e
comunicacionais que o trabalhador utiliza para expressar-se e autencidade–relação de eqüidade
entre aquele que fala e o que escuta. Por ele, o ajustamento da organização do trabalho poderá ser
racionalmente gerenciado pela deliberação de diferentes coletivos de trabalho envolvidos na gestão
e execução das tarefas, a partir de referenciais técnicos e sociais.
O mecanismo de mobilização subjetiva compreende a mobilização dos impulsos afetivos e
cognitivos da inteligência do trabalhador, da sua subjetividade no trabalho em busca do
reconhecimento possibilitando a transformação do sofrimento, por uma operação simbólica que leva
ao resgate do sentido do trabalho, em vivências de prazer.
No início dos anos noventa, o estudo deste mecanismo levou à identificação da inteligência
astuciosa, responsável pela invenção, imaginação, inovação, ajustamentos dos processos psíquicos
dos trabalhadores com a organização do trabalho, como elemento essencial do mecanismo de
mobilização subjetiva.
“Trata-se especificamente de uma inteligência que tem raiz no corpo, nas
percepções e na intuição sensível: inteligência do corpo sobretudo, ela é também uma
inteligência em constante ruptura com as normas, regras, é uma inteligência
fundamentalmente transgressiva.” (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994, p.133)
A inteligência astuciosa funciona em relação a uma regulamentação imposta pela
organização do trabalho que é subvertida para atender às necessidades do trabalho.
Sua existência pressupõe condições psicoafetivas derivadas do sentido atribuído pelo
trabalhador ao seu trabalho em função de sua história de vida, dinâmica denominada ressonância
simbólica. Isto é, requer a compatibilização entre as representações simbólicas do trabalhador e a
realidade de trabalho.
Além destas condições singulares, a inteligência astuciosa, por seu caráter transgressivo,
implica validação social realizada pelo reconhecimento do trabalhador pelo seu fazer, processo este
anteriormente descrito.
Inicialmente, as contribuições da inteligência astuciosa são compreendidas como quebragalhos.
“O termo quebra-galho foi reintroduzido no mundo do trabalho para designar as
infrações cometidas no exercício do trabalho cotidiano para alcançar o máximo dos
objetivos das tarefas fixadas pela organização do trabalho ... designa as maneiras de
proceder que permitem alcançar os objetivos procurados, afastando-se da regra, mas sem
trair os seus princípios.” (Dejours, 1997/1999, p.50)
Uma vez reconhecidas e estabilizadas, essas contribuições tornam-se normas no coletivo de
trabalho. Denominadas regras de ofício, são determinações técnicas e éticas que repousam sobre o
consenso grupal, adquirindo poder organizador do coletivo de trabalho. São, ao mesmo tempo,
regras técnicas por fixarem maneiras do fazer; regras sociais, por enquadrarem condutas de
interação; regras lingüísticas por estabilizarem-se em práticas de linguagem; e regras éticas por
servirem de referência às arbitragens e julgamentos das relações de trabalho.
No final dos anos noventa, a inteligência astuciosa passa por redefinição conceitual, sendo
denominada inteligência da prática. Continua sendo evidenciada como elemento essencial da
mobilização subjetiva, capaz não apenas de atenuar o sofrimento no trabalho, mas também de
transformá-lo em prazer.
Dejours (1997/1999) sugere que a inteligência da prática implica a idéia de astúcia que
comporta caráter de inovação, de ruptura às regras e normas estabelecidas pela organização do
trabalho e de discrição e responsabilidade pelas infrações cometidas ao prescrito. Por ela, o
trabalhador utiliza sua capacidade de imaginação, mesmo que não domine a tecnologia, para
desenvolver um saber particular.
Esta forma de inteligência pressupõe características cognitivas_capacidade do trabalhador
em lidar com o imprevisto, com o inusitado, com o que ainda não foi assimilado nem rotinizado_e
afetivas_capacidade de ousar, desobedecer ou transgredir, de agir de forma inteligente porém
discreta ou clandestinamente.
Inicialmente considerava-se que a utilização desta forma de inteligência dependia
essencialmente da livre vontade dos trabalhadores. Pesquisas recentes (Dejours, 1999c) vêm
demonstrando que o sentimento de medo, por exemplo, atrelado à ameaça de demissão, faz com que
trabalhadores acionem suas inventividade em prol da produtividade e do relacionamento com o
coletivo de trabalho.
Com referência à cooperação, esta é compreendida como uma “conduta coordenada,
definida como a ação de participar de uma obra comum” (Dejours, 1997/1999, p.53 ). Supõe um
lugar para o qual convergem contribuições de cada trabalhador e onde relações de dependência
entre os trabalhadores se cristalizam. Por ela, torna-se possível que erros, falhas individuais sejam
minimizadas ou contornadas e que o desempenho do coletivo de trabalho alcance resultados
superiores à soma dos desempenhos individuais, pela integração das diferenças individuais e pela
articulação dos talentos específicos de cada trabalhador.
“A cooperação é fundamentalmente o nível de organização das condutas humanas
no trabalho que reconhecem o lugar dos erros individuais mas permite, pelo jogo cruzado
das ações, corrigir ou prevenir um bom número de suas conseqüências no processo de
trabalho... Da qualidade da cooperação depende, portanto, a qualidade do trabalho, a
confiabilidade e a segurança, a despeito das imperfeições irredutíveis da organização do
trabalho prescrito e dos limites dos desempenhos humanos.”(Dejours, 1997/1999, p.94)
Em síntese pode-se afirmar que a abordagem da psicodinâmica, considerando as limitações
inerentes a qualquer modelo teórico, destaca-se por analisar os processos intra e intersubjetivos do
trabalhador mobilizados pela situação do trabalho, focalizando a organização do trabalho não
apenas pela sua dimensão objetiva concretizada pelos mecanismos de produção e atividades
normativas, como também pela dimensão subjetiva caracterizada pelas relações sociais, pelas
interações do trabalhador com o mundo social do trabalho.
Em uma tentativa de simbolizar o modelo teórico a fim de proporcionar melhor
compreensão, apresentamos esquema proposto por Dejours (1996) – figura 1. Utilizando a figura
geométrica triângulo, o autor representa, no ângulo superior a organização prescrita do trabalho que
estabelece regras e normas de execução; em um vértice, o trabalhador enquanto sujeito ativo com
sua história pessoal, aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas que tem vivência
de sofrimento no trabalho. No outro vértice oposto, o “outro” no mundo do trabalho representado
pelo coletivo de trabalho com sua dinâmica de interação e cooperação, promovendo a realização da
dinâmica de reconhecimento no trabalho. A vivência do real do trabalho, que resulte em
experiências dolorosas, na vivência de sofrimento, leva o trabalhador, pela interação com o coletivo
de trabalho, a utilizar estratégias de defesa e o mecanismo de mobilização subjetiva, permitindo a
subversão do sofrimento e a construção da identidade do trabalhador mediante o reconhecimento
pela ordem social.
Nesse contexto, o binômio prazer–sofrimento deve ser abordado como um constructo
dialético, uma vez que o trabalho pode ser compreendido como lugar de encontro tanto com o
prazer quanto com o sofrimento, dependendo do contexto no qual é realizado e do sentido que o
trabalhador lhe atribui.
Figura 1 – Representação gráfica do modelo teórico
2. PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO:
trajetória conceitual e empírica
O debate teórico à luz da abordagem da psicodinâmica do trabalho promovido por
pesquisadores e especialistas de diversos países, inclusive do Brasil, vem acumulando importantes
contribuições nos últimos anos.
Abordamos, neste capítulo, publicações da última década referentes a pesquisas ou
análises teóricas responsáveis pelo aprofundamento e construção do conhecimento na área,
bem como pelo aperfeiçoamento da metodologia de investigação. Considerando nosso eixo
de investigação, apresentamos estas publicações, organizando-as, cronologicamente, em
quatro grupos identificados por temas básicos.
O primeiro grupo temático aprofunda conhecimentos referentes à vivência de prazer
e sofrimento no trabalho pela busca da caracterização destas vivências. Fundamentados em
sua unanimidade nos pressupostos do modelo teórico da abordagem da psicodinâmica do
trabalho, diferentes autores propõem indicadores capazes de sinalizar a vivência de prazer
ou sofrimento no trabalho.
O segundo grupo aborda a relação existente entre organização do trabalho e a
vivência de prazer e sofrimento no trabalho, na qual evidências empíricas apontam sobre a
influência da organização do trabalho na vivência de prazer e sofrimento no trabalho.
Algumas das publicações analisam a organização do trabalho sob a ótica dos novos
paradigmas caracterizados pela cultura do desempenho, da excelência, da competição
exacerbada, da produtividade e da fidelidade aos objetivos e ideais do empresariado.
O estudo da utilização de estratégias de defesa coletivas para enfrentamento da
vivência de sofrimento psíquico e para a transformação das situações de trabalho geradoras
de sofrimento em situações propiciadoras à vivência de prazer, é identificado como o
terceiro tema do grupo de publicações.
Por fim, o quarto grupo levantado refere-se à análise da dinâmica do
reconhecimento no trabalho e, conseqüentemente, ao processo de construção da identidade
do trabalhador.
2.1 Indicadores Conceituais da Vivência de Prazer e Sofrimento
Signos indicadores de sofrimento psíquico no trabalho são propostos, a partir de
resultados empíricos, por Jayet (1994): a) medo físico relacionado à fragilidade do corpo
quando exposto a determinadas condições de trabalho; b) medo moral relacionado ao temor
do julgamento dos outros e de não suportar a situação de pressão e adversidade existente na
realização da tarefa; c) tédio por desempenhar tarefas pouco valorizadas; d) impressão de
que não vai dar conta das responsabilidades por sobrecarga de trabalho; e) ininteligibilidade
das decisões organizacionais; f) ambivalência entre segurança, rentabilidade e qualidade; g)
conflitos entre valores individuais e organizacionais; h) incerteza sobre o futuro da
organização e do próprio futuro; i) perda de sentido do trabalho pela não compreensão da
lógica das decisões; j) dúvidas sobre a utilidade social e profissional do seu trabalho; l)
sentimento de injustiça, falta de reconhecimento do seu trabalho pela ausência de
retribuição financeira ou moral pela organização do trabalho; m) sentimento de inatividade,
inutilidade e de depreciação da identidade profissional oriundo da sensação de que o
trabalho não traz contribuições à sociedade; n) sentimento de desordem, culpabilidade,
vergonha e fatalidade em lidar com situações de trabalho pela falta de confiança e negação
dos problemas relacionados ao trabalho.
Por sua vez, Périlleux (1996) aponta como manifestações características da vivência
de sofrimento psíquico no trabalho: medo, ansiedade, tédio e insatisfação com o trabalho.
Baseado em levantamento epidemiológico obtido a partir de dados fornecidos por
enquete sobre saúde, trabalho e doenças, realizada na França, no período de 1990 a 1995,
Derriennic (1996) identifica quatro indicadores de vivência de sofrimento psíquico no
trabalho: sentimento de solidão, cansaço, inibição e propensão à agressividade.
Outra contribuição a esse campo de estudo tem sido dada, ao longo dos últimos seis anos,
por Mendes, que propõe indicadores conceituais para vivência de prazer e sofrimento no trabalho.
No primeiro momento, Mendes (1994) delimita como conceito para a vivência de
sofrimento psíquico no trabalho quatro indicadores: vivência depressiva – refere-se ao
desinvestimento afetivo no trabalho, sentimento de cansaço, desânimo e indisposição para continuar
produzindo; sentimento de indignidade – relacionado à frustração narcísica diante da percepção de
que o trabalho é robotizado, despersonalizado, que não permite a utilização da inteligência e
imaginação, causa isolamento psicoafetivo e é subjugado a um sistema de poder; imagem de
inutilidade – percepção de que o trabalho não tem finalidade e significação para si mesmo, para a
família, para a organização e para a sociedade em geral e imagem de desqualificação – percepção
de que as tarefas são pouco complexas e que não exigem conhecimentos específicos, implicando a
desmotivação e a não-realização profissional.
Em 1997, a autora reformula estes indicadores e propõe também indicadores para vivência
de prazer psíquico no trabalho. Como indicadores de prazer, sugere: a) finalidade e importância do
trabalho_percepção de que o trabalho tem finalidade e importância para si mesmo, para a
organização e para a sociedade em geral; b) reconhecimento e liberdade no trabalho _ percepção de
que o trabalho é reconhecido e que permite ao trabalhador liberdade para falar e usar seu estilo
pessoal. Como indicador de sofrimento, reformula o já proposto e aponta o indicador cansaço e
desgaste no trabalho - sensação de cansaço, desgaste, frustração, desânimo e sobrecarga no
trabalho.
Mendes, Morrone e Mota (submetido), buscando delimitar outros indicadores para
vivência de sofrimento no trabalho, reformulam os conceitos e propõem novos indicadores:
como indicadores relacionados à vivência de prazer são trazidos: a) o sentimento de que o
trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e
a sociedade, fator valorização e b) o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de
ter liberdade para expressar sua individualidade, fator reconhecimento. Como indicadores
de sofrimento, a) o sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual
e apatia em relação ao trabalho, fator desgosto e b) o sentimento de temor de não conseguir
satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional,
produtividade, ritmos e normas de trabalho, fator insegurança.
De forma geral, nesta última década, podemos observar que a delimitação de
indicadores da vivência de prazer e sofrimento passa por um refinamento conceitual.
Atualmente, são delineados indicadores para cada uma destas vivências capazes de
subsidiar um estudo psicodinâmico das situações de trabalho. No entanto, é imprescindível
salientar que, segundo Mendes (1999) e Mendes e outros (2001), a análise destas vivências
não deve realizar-se sem a perspectiva de serem elas partes integrantes de um mesmo
constructo, no qual cada uma coexiste podendo ou não haver o predomínio de uma sobre a
outra.
2.2 Organização do Trabalho e Vivência de Prazer e Sofrimento
O papel central da organização do trabalho na vivência de sofrimento é trazido por
Wisner (1994). Para o autor, o trabalhador, portador de uma história de vida, vivencia
conflitos quando confronta uma realidade de trabalho incompatível à sua necessidade de
prazer.
Segundo ele, todas as atividades de trabalho apresentam uma carga de trabalho
delimitada em pelo menos três aspectos: físico, cognitivo e psíquico. Esta carga de trabalho,
fruto das exigências de adaptação estabelecidas ao trabalhador pela organização do
trabalho, possui papel determinante na vivência de sofrimento no trabalho.
A carga física corresponde à qualidade e quantidade de esforço físico despendido
por cada trabalhador para realização de suas tarefas, envolvendo gestos, posturas e
deslocamentos. A carga cognitiva, às funções perceptivas e mentais necessárias para
execução da tarefa e tomadas de decisão como memória, atenção, audição, visão e
raciocínio. A carga psíquica, ao significado que a organização do trabalho assume para cada
um, manifestando-se em níveis de conflitos relacionados à representação consciente ou
inconsciente das relações estabelecidas entre o trabalhador e a organização do trabalho.
A partir de estudo empírico, Mendes (1994) observa que o modelo de organização
do trabalho no qual estão inseridos os profissionais determina a vivência de prazer e
sofrimento no trabalho. Analisa que, em detrimento da qualificação dos profissionais,
trabalhadores submetidos a uma organização do trabalho contraditória, que subtiliza as
competências técnicas, padroniza a realização das tarefas e restringe a margem de liberdade
para o uso das competências técnicas têm sua relação de prazer com o trabalho
comprometida.
Por sua vez, Linhares (1994), em pesquisa realizada com enfermeiros de UTI,
conclui que a vivência de prazer ocorre quando existe identificação do trabalhador com sua
atividade de trabalho, os resultados dos procedimentos técnicos são favoráveis e quando a
organização do trabalho, considerando a variabilidade inter e intra-individual, permite a
utilização de estratégias operatórias diferenciadas.
Considerações sobre a inexistência de um modelo único de organização do trabalho
são trazidas por Tillman (1994), em pesquisa realizada com grupos de operários rurais.
Segundo a autora, não existe apenas um modelo único de organização do trabalho. Dentro
de uma mesma empresa, em grupos diversos, pode se encontrar diferentes modelos, os
quais o trabalhador interpreta de acordo com sua subjetividade. O resultado destas
interpretações é determinante na construção de vivência de prazer e/ ou sofrimento no
trabalho.
Traçando reflexões teóricas, Mendes (1995) avalia a organização do trabalho à luz
de seus novos paradigmas. Segundo a autora, a organização do trabalho pode ser favorável
à vivência de prazer e conseqüentemente à saúde psíquica do trabalhador, à medida que
valoriza a participação, a autonomia e a globalização do processo de trabalho, fatores estes
necessários para a transformação ou minimização do sofrimento. Propõe como condições
propiciadoras à saúde psíquica dos trabalhadores, decorrentes da flexibilidade da
organização do trabalho, a integração e globalização dos processos, métodos e instrumentos
de trabalho, o conteúdo significativo das tarefas, a autonomia, o uso das competências
técnicas e criativas e relações hierárquicas baseadas na confiança, cooperação, participação
e definição de regras pelo coletivo de trabalho.
No entanto, Mendes e Abrahão (1996) apontam, a partir dos resultados empíricos
obtidos em pesquisa qualitativa realizada com engenheiros de telecomunicação, a
possibilidade de que o modelo de organização do trabalho, mesmo à luz de novos
paradigmas, tenha implicitamente princípios de divisão e controle, fonte de sofrimento.
Neste sentido, a organização do trabalho torna-se contraditória, gerando ao mesmo tempo
prazer e sofrimento, o que revela que a vivência de ambos pode coexistir na situação de
trabalho.
Nesta pesquisa, as autoras identificam variáveis antecedentes inerentes à
organização do trabalho determinantes à vivência de prazer ou sofrimento. Os resultados
foram obtidos a partir da análise de conteúdo de entrevistas realizadas com os profissionais,
sendo classificados nas seguintes categorias: divisão do trabalho, conteúdo das tarefas,
relações com os pares e relações com a hierarquia.
A vivência de prazer é associada ao reconhecimento e valorização do trabalhador
pela organização do trabalho bem como à realização de tarefas com começo, meio e fim, à
visualização dos resultados da produção, à descentralização das decisões, à flexibilidade
hierárquica, à autonomia técnica, ao controle do processo produtivo, à possibilidade de
aprender e desenvolver - se profissionalmente e à liberdade de expressão. As autoras
observam que a vivência de prazer resulta mais dos investimentos sublimatórios na
atividade do que na transformação do sofrimento.
A vivência de sofrimento mostra-se associada à divisão e padronização das tarefas,
à subutilização do potencial técnico e da criatividade, à rigidez hierárquica, à falta de
participação nas decisões e de reconhecimento profissional, às ingerências políticas, à
centralização de informações, à pouca perspectiva de crescimento profissional e ao
individualismo entre os colegas.
Ainda sob a ótica da análise dos novos paradigmas da organização do trabalho,
Périlleux (1996), baseado em resultados obtidos em pesquisa realizada em empresa belga de
mecânica, usinagem e tratamento químico, aponta que as novas estruturas da organização
do trabalho ao privilegiar a criatividade, a comunicação e o trabalho em equipe além de
tornar o processo de socialização problemático, interferindo nas condições de constituição
do coletivo de trabalho, modificam as condições de compreensão e manifestação dos
sentimentos relativos ao trabalho.
Observa que o estímulo à integração, ao diálogo, à conciliação no grupo de trabalho
atrelado ao da privacidade e autonomia, preconizado atualmente pelas organizações do
trabalho, adquire caráter paradoxal, incoerente a expressão emocional profunda do
trabalhador, fato este propiciador da vivência de sofrimento.
Lunardi e Mazilli (1996), em pesquisa realizada com enfermeiros, revelam que uma
organização do trabalho autocrática e autoritária apresenta elementos fortemente implicados
na gênese do sofrimento no trabalho.
O descaso, o desconhecimento ou a negação das dificuldades experimentadas pela
hierarquia e pelo grupo de trabalho, assim como sobrecarga de trabalho e ausência de
condições físicas são também identificados como elementos propiciadores de sofrimento.
Em contrapartida, como condição necessária à existência de prazer no trabalho, os
autores sugerem o desenvolvimento de uma administração que privilegie a realização da
pessoa humana, que proporcione o pleno emprego das aptidões psicomotoras,
psicossensoriais e psíquicas e que se caracterize pela flexibilidade.
Fundamentada na concepção de que o trabalhador, ao estabelecer sua relação com o
trabalho, o faz sendo sujeito com história de vida, aspirações, desejos, motivações,
necessidades psicológicas e ainda sendo ator, agente ativo no trabalho, Carpentier-Roy
(1996) considera que os novos paradigmas da organização do trabalho estimulam a fusão
destas duas dimensões - ator/sujeito. Ao privilegiar ilusoriamente, pelas práticas gerenciais,
a paixão, a criatividade e a autonomia no trabalho, a organização do trabalho impõe, pelo
discurso da liberdade e participação, uma estrutura de controle sutil na qual o trabalhador
renuncia aos seus desejos, aspirações, necessidades, construindo sua relação com o trabalho
fundamentada no atendimento aos ideais propostos pela organização do trabalho.
Neste sentido, a construção do coletivo de trabalho também sofre os impactos
negativos dos novos paradigmas das organizações do trabalho. Apesar de estimular a
participação coletiva, a polivalência e a autonomia do trabalho em equipe, as organizações
do trabalho valorizam o conhecimento, a experiência, a autonomia do trabalhador,
repousando nos princípios do individualismo. Esta situação estimula o isolamento, a
competição entre os trabalhadores de uma mesma equipe e entre equipes distintas,
prejudicando a dinâmica de formação e existência do coletivo de trabalho.
Em 1997, a autora aprofunda sua análise delimitando dois tipos de patologias
inerentes ao novo contexto de trabalho: patologia da exclusão e patologia da excelência.
A patologia da exclusão tem origem na perspectiva do trabalhador de ser excluído
do seu emprego. Manifesta-se pela ansiedade da perda, da privação. Faz com que os
trabalhadores desenvolvam estratégias de defesa capazes de levá-los à adaptação,
reformulação ou negação de seus desejos em prol da manutenção do seu trabalho.
A patologia da excelência relaciona-se à cultura da excelência que impõe ao
trabalhador e ao coletivo de trabalho os propósitos empresariais fundamentados na
produtividade e eficácia. Para sobreviver a esta nova estrutura organizacional, o trabalhador
ignora seus desejos e necessidades, estabelecendo falsas adesões com o seu trabalho. Esta
patologia traz como conseqüência, além do sofrimento psíquico, a desestruturação do
coletivo de trabalho, manifestando-se pelo isolamento e competição entre os trabalhadores.
A influência da organização do trabalho na vivência de sofrimento no trabalho é
ainda abordada por Ribeiro e Mendes (2000) em pesquisa desenvolvida com profissionais
de empresa pública. Os autores enfatizam que o sofrimento psíquico no trabalho está
relacionado à percepção de falta de espaço na organização para criar e inovar, à execução
de tarefas padronizadas e repetitivas e à existência de relação conflituosa com a hierarquia.
Com o objetivo de verificar a predominância da vivência de prazer ou de sofrimento
em profissionais em função de liderança, Diniz e Mendes ( 2000) realizam pesquisa com
chefes e não chefes de uma instituição pública, observando que a vivência de sofrimento é
mais representativa em profissionais que não exercem função de chefia.
Niedhammer, David, Bugel e Chea (2000), analisando a relação entre organização
do trabalho e saúde dos trabalhadores, concluem que esta exerce efeito determinante e
causal sobre a saúde dos trabalhadores e que ações orientadas às condições de trabalho
permitem reduzir as desigualdades existentes entre os estados de saúde dos profissionais. Os
autores chegam a estas conclusões a partir de pesquisa epidemiológica que analisou a
influência da organização do trabalho sobre a saúde de trabalhadores a partir da utilização,
para aferir características da organização do trabalho, de dois modelos distintos:
1 - modelo de Karasek - abrange três dimensões: a) demanda psicológica – aborda
a carga psicológica relacionada à demanda para cumprimento das tarefas, à quantidade e
complexidade das tarefas, à realização de tarefas imprevistas, à pressão imposta pelos
prazos de execução das tarefas, às interrupções no trabalho e à existência de demandas
contraditórias; b) grau de tomada de decisão – autonomia de decisão e sistema de controle:
aborda a possibilidade de decidir sobre as tarefas a serem executadas, de participar das
decisões de trabalho e de utilizar as competências profissionais para introduzir inovações no
trabalho; e c) suporte social no trabalho : aborda o grau de reconhecimento dos colegas e
superiores hierárquicos.
2 - modelo de Siegrist - enfoca a identificação de situações patogênicas de trabalho
relacionadas a elevados esforços e a um sistema de recompensa falível. Os esforços são
definidos como de natureza extrínseca e intrínseca, sendo os primeiros compreendidos por
pressões profissionais tais como prazo, interrupções, responsabilidades, carga psíquica,
exigências crescentes do trabalho, e os de natureza intrínsecas como atitudes,
comportamentos e motivações associadas a um envolvimento excessivo do trabalho, à
competitividade, hostilidade, impaciência, irritabilidade, necessidade de apropriação e
incapacidade de distanciar-se do trabalho. As recompensas compreendem gratificações
monetárias, estima e controle sobre o status profissional em termos de perspectiva de
promoção e de seguridade.
Os autores observam que a combinação de forte demanda psicológica associada a
frágil poder decisional conduz a uma situação de angustia socio emocional que se
intensifica com a falta de apoio social no trabalho. O grupo de trabalhadores com saúde em
risco é delineado como aquele exposto à forte demanda psicológica, a frágil poder
decisional e a frágil suporte social. Observam ainda que o desequilíbrio entre esforços
extrínsecos elevados e recompensas falíveis provocam reações nefastas sobre o plano
psicológico.
Bertin e Derriennic (2000) realizam estudo longitudinal, coletam dados no período
de 1990 a 1995, em uma amostra de 20.000 (vinte mil) trabalhadores, verificando a relação
existente entre a vivência de sofrimento psíquico no trabalho e variáveis relacionadas à a)
fatores sociodemográficos – idade, sexo e saúde profissional; b ) fatores sociais –
participação em atividades esportivas, de associações ou sindicatos, atividades culturais ou
artísticas, vive só ou acompanhado e c) fatores profissionais – pressões organizacionais
relacionadas a horários atípicos, a trabalhos repetitivos com pressão de prazo, a obrigações
de executar diversas ações ao mesmo tempo, a não realização de uma tarefa com começo
meio e fim, à forte exigência do público e a não percepção do conteúdo do trabalho.
Mensuram sofrimento psíquico pela presença de pelo menos um dos quatro estados a
seguir: sentimento de solidão; estado de fadiga – absenteísmo, diminuição ou perda de
prazer; sentimento de inibição – dificuldade ou incapacidade de agir e propensão à
agressividade.
Verificam, dentre outros aspectos, relação direta entre a vivência de sofrimento
psíquico no trabalho e fatores profissionais sendo que esta influência manifesta-se com
maior predominância nos homens do que nas mulheres. Relação direta também foi
observada com a situação de viver sozinho, realizar trabalhos repetitivos e possuir horários
atípicos. Além disso, constataram relação inversamente proporcional entre a vivência de
sofrimento e variáveis relacionadas a fatores sociais e ainda à oportunidade de
aprendizagem, de realizar um trabalho de boa qualidade, de possuir poder de decisão sobre
o trabalho realizado e de ter liberdade de escolha da profissão.
Enfatizam que a disponibilidade de recursos para execução de um trabalho de boa
qualidade, a oportunidade de aprendizagem, a possibilidade de realizar tarefas variáveis e a
presença de autonomia para escolha dos procedimentos são fatores minimizadores e até
mesmo protetores da vivência de sofrimento no trabalho.
Estudo longitudinal, conduzido por Vézina, Derriennic e Monfort (2000), realizado
no período de 1990 a 1995 com 20.000 (vinte mil) trabalhadores, evidencia que o grau de
liberdade e de autonomia do trabalhador no exercício de sua profissão apresenta relação
prognóstico com o isolamento social. Trabalhadores que vivenciam uma situação de
trabalho caracterizada por pouca autonomia e liberdade tendem a apresentar isolamento
social, expressão da vivência de sofrimento no trabalho.
Analisando uma instituição financeira mexicana, Matrajt (2001) observa que
modificações de características da organização do trabalho têm relação direta com o
aumento dos índices de absenteísmo, doenças ocupacionais, erros no exercício do trabalho,
consultas médicas à área de medicina do trabalho - em torno de 128% (cento e vinte e oito)
e queda de produtividade. Delineia estas modificações como mudanças no tipo de tarefa,
introdução de novas tarefas com emprego de tecnologia mais complexa, aumento de
situações capazes de provocar sentimento de constrangimento, presença de prescrições
contraditórias, processo de comunicação ruidoso e ameaça de desemprego.
Ainda nos últimos anos, pesquisas ampliam conhecimentos sobre o tema ao abordar
a influência de outras variáveis do contexto organizacional, tais como valores ou atividade
de trabalho na perspectiva ergonômica do trabalho.
Martins, Mendes e Tamayo (2000) ao investigar o impacto dos valores
organizacionais nas vivências de prazer no trabalho em profissionais de empresa pública,
observam que o prazer está relacionado à percepção de valores organizacionais que
atendam a necessidades individuais e coletivas, sendo a percepção dos eixos autonomia,
estrutura igualitária e domínio valores predominantes, assim como está associado a uma
organização do trabalho que favoreça qualificação, diversidade de tarefas e margens de
liberdade.
Conclusão similar apresentam Mendes e Tamayo (2001) que, a partir de resultados
obtidos em pesquisa realizada com profissionais de uma empresa pública de abastecimento
de água e saneamento, apontam que a vivência de prazer tem expressão prioritária em um
contexto organizacional predominado por valores de autonomia, estrutura igualitária e
harmonia, e a de sofrimento, por sua vez, uma correlação negativa com um contexto
predominado por valores de autonomia, estrutura igualitária e domínio.
Numa perspectiva de investigação interdisciplinar, Ferreira e Mendes (2001)
analisam a inter-relação entre a atividade de atendimento ao público e a vivência de prazer e
sofrimento no trabalho sob o prisma conceitual da ergonomia francófona e da
psicodinâmica. Observam que a atividade de trabalho constitui um dos elementos
explicativos para o predomínio da vivência de sofrimento do grupo de trabalhadores
pesquisados.
Especificamente com referência à relação entre as características da organização do
trabalho de trabalhadores em exercício de atividades informais e a vivência de prazer e
sofrimento identificamos apenas um estudo conduzido por Mendes (2001). Nele, a autora
investiga a vivência de prazer e/ou sofrimento enquanto indicadores da saúde psíquica de
trabalhadores em atividades informais, possuindo como hipótese que estes trabalhadores
vivenciam prazer e sofrimento conforme a dinâmica de cada categoria ou ocupação, de
acordo com a organização e condições de trabalho. Os resultados indicaram que eles
vivenciam majoritariamente prazer e que a organização do trabalho favorece a valorização
e reconhecimento. Supõe a autora que tais resultados justificam-se, provavelmente, pelo
fato de a organização do trabalho permitir a sua participação desde o planejamento até a
execução das atividades e possibilitar-lhes liberdade para expressão da individualidade, já
que normas e regras não dependem de uma estrutura hierárquica formal, mas sim são
construídas com base no trabalho real e no grupo, não ocorrendo discrepância entre o
trabalho prescrito e o real nem imposição às relações socioprofissionais.
Isso posto, podemos identificar, por este grupo temático, que a organização do
trabalho exerce papel preditor da vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Nos últimos
anos, os estudos apontam para investigações que possibilitam o diálogo interdisciplinar,
marcado pela articulação de diferentes variáveis relacionadas ao contexto organizacional
com a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Este diálogo vem permitindo avanços
sobre o estudo da temática não somente pela identificação de inúmeras contribuições, como
também dos limites inerentes à utilização da abordagem interdisciplinar.
2.3 Estratégias de Enfrentamento e Transformação do Sofrimento
Passando a abordar este terceiro grupo temático, é imprescindível salientar
inicialmente que, como pontuam Kets de Vries e Miller (1984), Seligmann Silva (1994),
Cançado (1994) e Mendes (1996 e 1999), o trabalhador, além de fazer uso das estratégias de
defesa coletivas, utiliza-se de mecanismos de defesa individuais com o objetivo de lidar
com o conflito intrapsíquico derivado da incompatibilidades entre o seu desejo e a
realidade externa.
Kets de Vries e Miller (1984), baseados na psicanálise, distinguem seis mecanismos
predominantes: a) repressão – mecanismo pelo qual são excluídos da consciência
pensamentos, emoções, desejos, memórias perturbadores e/ou socialmente censurados; b)
regressão – mecanismo pelo qual o indivíduo adota um modo de adaptação e / ou
comportamento característicos a um estágio de desenvolvimento anterior; c) projeção –
mecanismo pelo qual o indivíduo atribui a outra pessoa ou grupo uma atitude ou qualidade
que possui, mas rejeita em si mesmo; d) identificação – mecanismo pelo qual o indivíduo
pensa, age e sente como imagina que determinada pessoa esteja sentindo, pensando ou
agindo; e) formação reativa – mecanismo pelo qual o indivíduo exclui da consciência uma
atitude ou traço, passando a manifestar uma atitude ou traço dramaticamente oposto; e f)
negação – mecanismo pelo qual o indivíduo nega a existência de um fato externo
relacionado à realidade geradora de conflito.
Seligmann Silva (1994), a partir de resultados obtidos em pesquisa realizada com
trabalhadores industriais, identifica a negação e a repressão como mecanismos de defesa
individuais mais comumente utilizados para lidar com a ansiedade e o medo ocasionados
pela situação de trabalho. Caracteriza ainda dois outros: isolamento – mecanismo pelo qual
o indivíduo separa a conduta do sentimento relacionado a ela, retirando-o da consciência, e
racionalização – mecanismo pelo qual o indivíduo atribui, de maneira não-consciente,
explicações racionais a constatações dolorosas.
Abordando estratégias de defesa coletivas, Jayet (1994), com base em diferentes
pesquisas, sugere como indicadores de utilização destas estratégias: a) desmotivação e
desencorajamento; b) condutas de evitação, por exemplo absenteísmo; c) necessidade
constante de apoio, de ajuda, de descanso e resistência a produzir; d) comportamentos
agressivos de violência ou rebelião; e) exasperação e cólera; f) investimento no espaço
privado sobre a família e atividades extra-profissionais; g) diluição das responsabilidades
fazendo com que o trabalhador não se prenda a riscos e não se envolva em desafios; h)
permanente necessidade de tranquilizar-se, evitar conflitos e se reconfortar; i) negação da
realidade; j) ativismo caracterizado pelo engajamento em situações múltiplas evitando
assim a consciência de determinadas situações desagradáveis; l) presença excessiva no local
de trabalho fora do horário regular; m) forte coesão das equipes, transformando o agir em
ideologia, e n) individualismo caracterizado pela realização das tarefas de forma autônoma,
por rompantes de agressividade, dispersão das formas de convivência e competição
excessiva.
Linhares (1994) aponta que o comportamento defensivo é parte de um processo
cíclico, dinâmico e multideterminado que varia de acordo com a percepção do trabalhador,
sua história de vida e personalidade e ainda em função da flexibilização da organização do
trabalho para negociação do prescrito.
Considerando resultados empíricos obtidos em pesquisa realizada com engenheiros
de empresa de telecomunicação, Mendes (1994 e 1995) operacionaliza estratégias
defensivas, enfatizando que a utilização destas estratégias realiza-se como forma de
suportar o sofrimento, mas não necessariamente de transformá-lo em prazer.
A racionalização origina-se na dissociação do processo de trabalho, manifestandose pelo emprego de justificativas racionais às situações de conflito. Utilizada diante da
frustração para explicar de forma lógica os motivos causadores de sofrimento ou ante
situações de conflito entre a percepção do que deveria ser o trabalho e o que ele realmente
é, caracteriza-se, na maioria das vezes, pela minimização da realidade de trabalho que faz
sofrer, pela não-atribuição de responsabilidade à organização do trabalho sobre a situação
de sofrimento, e pela necessidade de realização profissional fora da realidade de trabalho
A passividade, por sua vez, manifesta-se pela imobilidade diante das imposições e
das impossibilidades de transformação das situações de trabalho. Caracteriza-se por
comportamentos de acomodação utilizados para justificar a não-transformação das situações
de trabalho, manifestando-se, geralmente, pela atribuição a condições externas
extracontextuais da responsabilidade pelas adversidades da situação de trabalho bem como
pelo poder para modificá-las, pelo corporativismo e supervalorização da empresa e por
ainda imputar à organização do trabalho características de imutabilidade e imobilidade ou
supervalorização da empresa.
O individualismo emerge diante da impotência ante a situações que causam
sofrimento como falta de cooperação, de confiança, de compartilhamento de regras,
separação entre planejamento e execução das tarefas, e pela desestruturação das relações
psicoafetivas com o coletivo de trabalho. Bloqueia a transformação das situações de conflito
e conseqüentemente de sofrimento, apesar de atender às necessidades de estabilização
psicológica. Manifesta-se pelo isolamento, pela falta de cooperação, pelo desagrado e falta
de confiança entre os pares, minimizada por uma pseudo-integração através do humor,
chistes e brincadeiras carregadas subliminarmente por sentimentos de competição e falta de
confiança.
Cançado (1994), em pesquisa realizada com motoristas de transporte rodoviário de
carga, observa que estes profissionais, para lidar com contexto gerador de perigo, de
esforços e de sofrimento físico e mental sobre os quais não têm controle, constroem e
praticam ações adaptativas, utilizando como estratégias coletivas de defesa a racionalização
– compreendida como estratégia pela qual os trabalhadores apresentam uma explicação
coerente a uma atitude, ação ou idéia conflituosa, adotada pela organização do trabalho, e a
negação – estratégia pela qual negam que lhes pertençam um desejo, pensamento ou
sentimento.
Por sua vez, Mendes e Linhares (1996), em pesquisa realizada com enfermeiros,
identificam quatro estratégias defensivas adotadas para lidar com situação de trabalho
caracterizada pelo confronto com o binômio vida e morte: a) impessoalidade no contato
com o paciente; b) distanciamento emocional na relação com o paciente; c) evitação de
comunicação com o paciente e seus familiares e valorização dos procedimentos técnicos em
detrimento da relação interpessoal.
A utilização destas estratégias defensivas revela ser positiva a medida que colabora
com o equilíbrio psíquico e favorece a adaptação às situações de desgaste emocional pelo
confronto permanente do profissional com a morte. No entanto, este comportamento pode
mascarar o sofrimento psíquico quando provoca estabilidade psíquica artificial, adquirindo
assim uma dimensão patológica que interfere tanto no atendimento aos objetivos do
trabalho como na vida social.
Pesquisando profissionais em exercício de função de liderança em uma instituição
bancária, Vezine e Saint-Arnaud (1996) observam que eles desenvolvem uma imagem
própria da realidade de trabalho diferente daquela retratada pelos subordinados, que é
fundamentada prioritariamente nas metas de produção, e que a tarefa destes profissionais
consiste prioritariamente no arbítrio sobre a defasagem entre o trabalho prescrito pela
direção da organização a partir das normas de produção e a realidade de trabalho vivenciada
pelos subordinados.
Neste sentido, estes profissionais adotam como estratégias defensivas a
racionalização ou alienação sobre as decisões, a individualização das suas equipes e do seu
trabalho em relação aos seus superiores e a não-abordagem, com os superiores, da
inexecutabilidade da realidade de trabalho.
Em relação ao seu grupo de trabalho, diante da pressão para atingir os objetivos
organizacionais e para delimitar um compromisso de fidelidade com os superiores, tendem
a adotar uma atitude autoritária de distanciamento ou de repúdio dos subordinados, e ainda
de negação das dificuldades relativas à falsificação do trabalho prescrito. Costumam julgar
pejorativamente os subordinados, subestimar a carga de trabalho e tratar as dificuldades da
situação de trabalho como derivadas de conflitos interpessoais, imaturidade ou falta de
competência da equipe de trabalho.
Os autores enfatizam que ao adotar estas estratégias de defesa, estes profissionais
privam-se da principal fonte de prazer no trabalho, possível em uma clima de colaboração e
confiança.
Soares (1997) constata que, diante da realização de um trabalho monótono e
rotineiro submetido ao controle rigoroso e a diferentes fontes de pressão físicas, mentais ou
emocionais, trabalhadores transferem à sua interação com os clientes da organização papel
determinante na vivência de prazer ou sofrimento. Tal conclusão foi obtida em pesquisa
realizada com caixas de supermercados no Brasil e no Canadá, que evidenciou que o
trabalhador, a partir da sua relação com o cliente, consegue modificar sua relação com o
trabalho, possibilitando a vivência de prazer. No entanto, a utilização desta estratégia tem
caráter paradoxal por ser o cliente também fonte de sofrimento quando estabelece relação
de pressão ou violência.
Por sua vez, Lhuilier (1997) observa, mediante resultados obtidos em pesquisa
realizada com policiais, que as estratégias defensivas atuam sobre as representações da
situação do trabalho e sobre os afetos dos trabalhadores. Na relação policial/público
infrator, as estratégias defensivas possibilitam a legitimização do papel policial e das
práticas profissionais, moldam e previnem a identificação do policial com o público
infrator, garantem distância e redução de envolvimento emocional, controlando a
emergência de sentimentos de culpa e compaixão.
A constatação da existência de estratégias defensivas próprias a uma profissão é
apresentada por Molinier e Giujuzza (1997). Segundo os autores, elas adequam-se às
demandas e características de cada profissão, diferenciando-se ainda entre os sexos. Em
estudo realizado com profissionais de enfermagem, observam que a cooperação adotada
como atitude defensiva em favor da manutenção da integridade psíquica é comumente
adotada por mulheres. Por outro lado, atitudes viris, como o uso da força física e emissão de
sinais exteriores de coragem, são tipicamente empregadas por homens.
Shimizu e Ciampone (1999), também em pesquisa com enfermeiros, levantam
como estratégias típicas da profissão a negação, a projeção e o distanciamento.
De forma geral, observamos que a maioria dos estudos até então conduzidos sob o
tema associam-se aos realizados para levantar os impactos da organização do trabalho sobre
a vivência de prazer e sofrimento no trabalho. Neste sentido, abrem uma nova perspectiva
ao aprofundar o estudo da vivência de prazer e sofrimento, sob o prisma do emprego de
estratégias de enfrentamento ou transformação, permitindo a introdução de novos elementos
para análise dinâmica das situações de trabalho e conseqüentemente para a identificação de
mudanças organizacionais necessárias à redução ou minimização dos fatores determinantes
à vivência de sofrimento no trabalho .
2.4 Dinâmica de Reconhecimento no Trabalho
Por fim, o quarto grupo temático, sob o prisma da psicodinâmica do trabalho,
aborda a dinâmica de reconhecimento e sua relação com o processo de construção da
identidade do trabalhador.
Autores apontam que a exploração do processo que leva à construção, manutenção
ou desaparecimento do reconhecimento no trabalho deve ser considerada como o cerne da
investigação da psicodinâmica do trabalho.
Reicher-Brouard (1997) pontua que a análise da dinâmica de reconhecimento do
trabalho deve ser feita sob a ótica da triangulação existente entre trabalhador, seu
engajamento na realização do trabalho e o reconhecimento da qualidade do seu trabalho.
O processo de reconhecimento implica uma mobilização política e a capacidade de
construir e modificar a realidade do trabalho, resultado da negociação diante da
multiplicidade de divergências e interesses inerentes ao trabalho. Relaciona-se diretamente
ao poder do trabalhador, compreendido como a capacidade de negociar e de influir no
coletivo de trabalho.
Este poder estrutura o processo de interação e interdependência mútua e encontra-se
no âmago da cooperação humana. O trabalhador mobiliza sua ação para construção ou
manutenção do seu poder.
O trabalhador que sofre é aquele que exerce seu poder negociando, pressionando e
se apropriando ou rejeitando as regras do coletivo de trabalho. Sua ação inscreve-se sobre
uma dinâmica de troca que tem por efeito garantir a tradução dos objetivos do trabalhador e
do coletivo de trabalho.
O ponto central da constituição do equilíbrio psíquico do trabalhador deriva da
mobilização das condições políticas capazes de levá-lo ao reconhecimento no trabalho
possibilitando a conversão do sofrimento em prazer.
Em outra perspectiva, Itani (1997), em pesquisa realizada com metroviários
brasileiros, observa que o reconhecimento da atividade profissional reflete-se positivamente
na construção da identidade do grupo de trabalhadores que a partir de uma imagem
atribuída pelo exterior, no caso de eficiência, segurança e modernidade, obtém elementos
para elaboração da representação do seu trabalho. Segundo a autora, estes profissionais, à
medida que têm o seu trabalho reconhecido pelo público, se apropriam dessa imagem para
se reconhecerem como profissionais, processo pelo qual a atividade profissional adquire
significação e sentido.
Por sua vez, Pellegrin – Rescia (1997), fundamentada na concepção de que o
trabalhador ao interagir com o seu trabalho o faz em três diferentes dimensões, propõe que a
análise da dinâmica do reconhecimento no trabalho deve realizar-se à luz destas dimensões
a partir do enfoque do retorno que o trabalho proporciona ao trabalhador bem como das
ações de compensação utilizadas ante situações de fracasso. Sugere três dimensões:
comportamental – relacionada à atuação no posto de trabalho; de conduta – relacionada às
relações interindividuais com o coletivo de trabalho; e subjetiva – relacionada à interação
subjetiva com o trabalho.
Assim sendo, em pesquisa desenvolvida com trabalhadores assalariados e
voluntários de uma organização hospitalar, a autora identifica duas diferentes lógicas que
permeiam o processo de reconhecimento no trabalho, intitulando-as lógica econômica e
lógica vocacional.
A lógica econômica, diferenciada em lógica ocupacional e profissional, é inerente
aos trabalhadores assalariados. A ocupacional refere-se ao processo de reconhecimento
atrelado a uma compensação material, à remuneração salarial. A profissional, a uma
compensação moral manifestada pelo sentimento de ser respeitado pelo coletivo de
trabalho, pelo estabelecimento de relação de cooperação, confiança e generosidade.
A lógica vocacional é característica dos trabalhadores voluntários que têm o
processo de reconhecimento determinado pela realização do trabalho em si, como um ato de
amor, desinteresse e doação.
Sugere a autora que, apesar de as organizações do trabalho atualmente tenderem a
identificar a lógica econômica ocupacional como moderna e eficaz, a vocacional como
tradicional e ineficaz e a atribuírem nenhum valor à lógica econômica profissional, o
processo de reconhecimento pressupõe qualquer um destes tipos de lógica, associadas ou
não entre si.
Sob a ótica da privação ao trabalho, Drida, Becker, Brom e Schillinger (2001), a
partir da análise do discurso de trabalhadores, observam que a ameaça de privação ao
trabalho faz surgir representações cujos efeitos refletem-se na identidade do trabalhador,
chegando a exercer um papel de descontrução ou até mesmo de destruição da imagem de si
mesmo.
Segundo os autores, a ameaça de privação ao trabalho traz obstáculos à dinâmica de
reconhecimento, não permitindo acesso ao julgamento de utilidade nem ao de beleza, seja
pela desqualificação do trabalho seja pelo sentimento de medo que permeia a situação.
Pontuam ainda que o ato de trabalhar evoca a vivência de prazer ao permitir que o
trabalhador empregue sua inteligência, conhecimentos e habilidades em um agir sobre a
realidade pela prática profissional. A ameaça de privação ao trabalho atrela-se à ameaça de
perda da vivência de prazer. Estar desempregado representa um estado de renúncia e
privação de possibilidades de realização de si mesmo.
Concluem que o ato de trabalhar, quando impossibilita a construção da identidade
de si mesmo ou até mesmo leva à sua destruição, paradoxalmente, é vivido, pelos
trabalhadores, como um caminho de resgate de si mesmo pela esperança de uma evolução
favorável da situação de trabalho.
Por sua vez, Dunezat (2001), conduzindo pesquisa em movimentos franceses de
desempregados, pontua que a identidade social passa pela identidade profissional. A partir
de uma amostra de profissionais desempregados, caracterizada por três grupos distintos _
trabalhadores que se mobilizam para reivindicar o direito ao trabalho, para melhorar a sua
condição de vida na situação de desemprego ou para criticar o trabalho profissional _, o
autor seleciona para a realização do estudo, sujeitos que se recusam a exercer qualquer tipo
de atividade profissional.
Os resultados revelam que a realidade das pessoas desempregadas é marcada pela
humilhação e dessocialização progressivos, com reflexos diretos na construção da
identidade. Mostram ainda que o significado dado ao trabalho pelo profissional confere
significado à situação de desemprego. A recusa a exercer qualquer tipo de atividade
profissional, para os homens, associa-se a uma visão do trabalho como fonte de vivência de
sofrimento, caracterizada pela alienação e exploração, da qual não se pode rebelar quando
trabalhando. Por outro lado, para as mulheres, tal significado sofre influência direta da
necessidade ou não em exercer atividades domésticas quando desempregadas.
Resultados semelhantes são obtidos por Vargas (2001) ao realizar estudo com
profissionais desempregados procurando analisar a situação de desemprego sob o prisma da
concepção sociológica do sofrimento a qual pondera que a privação ao trabalho é associada
à desvalorização social do indivíduo com reflexos diretos na construção da identidade.
Segundo o autor, o desemprego não caracteriza a vivência de sofrimento e
conseqüentemente não influência o processo de construção da identidade do trabalhador
quando não representa uma situação real de fracasso, de privação ao prazer, à dinâmica do
reconhecimento, à autonomia intelectual ou financeira. A vivência de sofrimento varia
conforme a intensidade das medidas objetivas e subjetivas mobilizadas pelo indivíduo na
sua relação com o trabalho: quanto mais forte for esta relação, mais forte será a intensidade
da vivência de sofrimento.
Neste sentido, o autor observa que o desemprego é vivenciado de forma diferente
pelos trabalhadores. Os resultados do estudo evidenciam que os trabalhadores tendem a
vivenciar a situação de desemprego como um esvaziamento, como uma situação que não
possibilita a substituição do trabalho e o preenchimento do tempo dedicado à profissão.
Produz um sentimento de inferioridade, de queda de dignidade e impossibilita a realização
da dinâmica do reconhecimento, vez que, os resultados revelam, o trabalhador percebe-se
visto com inferioridade pelo “outro”, visão que, por longo período de tempo, leva ao
sentimento de exclusão social.
Constatamos que a dinâmica de reconhecimento tem sido foco de estudo de
pesquisas realizadas nos últimos anos. Sua abordagem, sob a ótica das transformações
impostas ao trabalho, fruto dentre outros, do processo de globalização ou mundialização ou
do desenvolvimento acelerado das tecnologias da informação, compartilha preocupações
sobre questões como trabalho e não- trabalho, desemprego, sentido do trabalho, o que vem
tornando possível uma enriquecedora ampliação dos conhecimentos apontados pela
psicodinâmica do trabalho.
De forma geral, a partir do exposto neste capítulo, é imprescindível reconhecer que
estas publicações, seja pela qualidade da produção teórica ou pela riqueza das constatações
empíricas, introduzem à psicodinâmica do trabalho mudanças que possibilitam a
compreensão da saúde psíquica no trabalho por uma nova perspectiva, mais ampla e
contemporânea.
No próximo capítulo, abordamos o modelo de investigação deste estudo que se
desenvolve à luz das contribuições anteriormente apresentadas.
3. MODELO DE INVESTIGAÇÃO
O impacto da organização de trabalho e da dinâmica de reconhecimento sobre a vivência de
prazer e sofrimento no trabalho em trabalhadores de atividades informais constituem objeto deste
estudo. A organização do trabalho compõe contexto para a realização da dinâmica de
reconhecimento no trabalho. Articuladas criam uma dinâmica específica para vivência de prazer e
sofrimento no trabalho.
Os referenciais teóricos fundamentam-se nos pressupostos estabelecidos pela psicodinâmica
do trabalho e realizam-se considerando reformulações apresentadas nas últimas décadas por teóricos
e pesquisadores desta abordagem, expostos nos capítulos anteriores
A fim de possibilitar melhor compreensão do modelo de investigação, faz-se necessário
esclarecer, inicialmente, o que compreendemos por atividade informal. A definição conceitual do
termo deriva de contribuições da teoria sociológica e econômica, não sendo objetivo deste estudo
traçar uma discussão exaustiva sobre o conceito, mas sim caracterizá-lo a fim de possibilitar melhor
articulação entre as variáveis do estudo e esta categoria de trabalhadores.
A compreensão conceitual do termo implica a análise da trajetória histórica do próprio
conceito, vez que ele surge e se modifica para atender às metamorfoses do mundo do trabalho que
vêm determinando a proliferação de modalidades alternativas ao emprego formal.
A heterogeneidade destas modalidades coloca em risco uma definição conceitual capaz de
abordar de forma definitiva e única o conjunto de atividades informais. O debate teórico caracteriza
a atividade informal como aquela na qual os seguintes critérios se fazem presentes: facilidade de
acesso, pouca estruturação, baixo capital investido, não prevalecimento de relações do tipo
assalariado, capital de giro voltado para sobrevivência do negócio e não para acumulação, baixa
remuneração e condições de trabalho precárias.
A primeira menção ao trabalho informal é realizada pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) no relatório sobre Emprego e Renda no Kenya, em 1972. Neste documento,
trabalho informal, identificado como setor informal, terminologia empregada posteriormente por
diversos teóricos, caracteriza o trabalho em condições de pobreza. Setor informal é definido como
composto por empresas de pequeno porte, mercados simples, competitivos e não-regulados que
empregam recursos locais, tecnologia adaptada e uso intenso de mão-de-obra.
Este conceito, apesar de compreensivo, é considerado demasiadamente amplo, sem
utilidade tanto no nível empírico como analítico, pois não abarca um conjunto coerente e articulado
de características particulares, mas sim uma definição pautada na conveniência ética e política a
qual determinou, por exemplo, a exclusão de atividades como as ilegais e domésticas.
Buscando avançar nesta conceituação genérica, a própria OIT propõe novo conceito mais
objetivo, voltado para um excedente de mão-de-obra condenado a ocupações ocasionais, que pela
atividade informal encontra meio de sobrevivência.
“O setor informal é definido como a soma das atividades realizadas por empresas
organizadas de acordo com uma racionalidade econômica particular, cujo objetivo é
garantir a subsistência do grupo familiar. Dita racionalidade difere da vigente no setor
formal ( capitalista), cuja motivação essencial é a acumulação. A racionalidade particular do
setor informal é considerada, então como a fonte lógica de suas demais características. O
objetivo de sua atividade determina em grande medida a organização da produção ( escolha
de setor do mercado aberto ou pouco restrito, uso intensivo de mão-de-obra) e suas
principais caraterísticas ( escassa produtividade e baixo nível de ingresso).”(em Dalbosco,
2000, p.56)
Estabelece um conceito construído em oposição ao setor formal, sob a ótica da produção. A
partir deste momento, setor informal passa a ser considerado como um agrupamento de atividades
de “baixo nível de produtividade, trabalhadores independentes ( exceção feita aos profissionais
liberais ) e empresas muito pequenas ou não organizadas, geralmente, unidades familiares, com
raros assalariados e/ou aprendizes sem remuneração; empresas com baixo capital, técnicas
rudimentares, baixo nível tecnológico, mão-de-obra desqualificada e reduzida produtividade.”
(Dalbosco, 2000, p.71)
O “setor informal” é visto como uma unidade produtiva, resultado da descentralização e
reorganização dos processos de produção, fruto da globalização econômica e da busca, pelas
empresas, de maior produtividade e minimização de custos, minimização esta responsável, dentre
outros, pela redução de mão-de-obra. Abarcando grande diversidade produtiva, setor informal é
identificado a partir de feições e variáveis essencialmente técnicas, das quais destaca-se o fraco
nível de regulamentação, ou seja, o caráter de ilegalidade.
Na tentativa de estabelecer um conceito capaz de abarcar a grande heterogeneidade do setor
informal e de qualificar a competição existente entre setor formal e informal, uma vez que este
último não pode ser considerado como um circuito inferior ocupado por pobres e com relações
estritas de autoconsumo, mas sim como um setor que mantém relações de competição e
complementaridade com o setor formal, Souza (1980) propõe critério baseado no tipo de
organização produtiva. Neste sentido, o setor informal é caracterizado por um conjunto de
atividades essencialmente pré-capitalistas, ou seja atividades que não acumulam nem reproduzem o
capital e que não utilizam permanentemente nem fundamentalmente trabalho assalariado. Compõese de empresas quase capitalistas, semelhantes, em vários aspectos, às empresas familiares, com a
diferença que se utilizam permanentemente do trabalho assalariado e de formas de organizações
mercantis simples – sem assalariamento permanente – como empresas familiares, trabalhadores por
conta própria que atendem a mercados locais, elaboração de bens ou prestação de serviços,
trabalhadores por conta própria subordinados a empresas voltadas para redução de custos, pequenos
prestadores de serviços como vendedores ambulantes, engraxates, cuidadores de carro (flanelinhas)
e trabalhadores domésticos.
“A visão alternativa que hoje me parece mais correta sobre o funcionamento do
setor informal portanto concebe-o como forma de organização que se inserta na estrutura
econômica de forma intersticial junto com as formas propriamente capitalistas, mas atuando
em espaços de mercado perfeitamente delimitados que são criados, destruídos e recriados
pela expansão do sistema hegemônico.” ( Souza, 1980, p.30)
Nesta perspectiva, o autor enfatiza a impossibilidade de estabelecer uma concepção dualista
entre setor formal e informal, ante a complementaridade e até mesmo competitividade entre eles.
Afirma que “no setor formal prevalecem as relações capitalistas, no sentido de que se distinguem a
propriedade do capital e do trabalho e que a produção está dirigida principalmente para o mercado.
No informal, por sua vez, não predomina a divisão entre proprietários do capital e do trabalho e
conseqüentemente, o salário não constitui forma usual de remuneração ao trabalho” ( Souza, 1980,
p.133). Alerta que o crescimento do mercado informal tende a significar redução de rendimento e
reprodução da pobreza em níveis cada vez mais baixos.
Realizando contextualização histórica, Lautier (1994) observa que o conceito de setor
informal foi empregado inicialmente, no período de 1971 a 1985, para caracterizar um determinado
modo de existência para a população urbana, incorporado ao imaginário coletivo como uma
oportunidade alternativa de geração de renda.
Neste período, a generalização do termo para diversas modalidades de trabalho fez com que
critérios suplementares fossem estabelecidos para delimitação da atividade informal: critério do
não-respeito à lei e do corte – limites quantitativos para as unidades de produção. Segundo o autor,
tais critérios excluem do setor informal, profissionais liberais; estabelecem um caráter arbitrário
para a dimensão informal; não dimensionam as diferenças constitutivas da atividade econômica e
determinam que são informais todas as atividades que não respeitam a lei, incluindo atividades
delituosas ou criminais.
Por volta de 1986, a mudança do contexto econômico, caracterizada por hiperinflação com
deterioração da textura social, pelo acentuado movimento urbano e pelo aumento de preço dos
gêneros de primeira necessidade, pela proliferação de microempresas e trabalhadores autônomos,
provoca a reformulação do pensamento sobre o setor informal. Anteriormente fundamentado em um
referencial pautado no princípio do setor informal como relação produtiva, o conceito passa a
abarcar o setor informal como relação social.
A concepção de informal se configura como estratégia de sobrevivência das parcelas
economicamente marginalizadas, para lidar alternativamente com uma realidade marcada pelo
desemprego, capaz de absorver os efeitos sociais dos desequilíbrios macroeconômicos.
Lautier (1994) considera que a heterogeneidade das atividades informais, marcadas pelas
diferentes modalidades de obediência e desobediência às regulamentações e a complementaridade e
competitividade existente entre economia formal e informal inviabilizam a utilização do termo
setor, uma vez que este representa uma noção excludente característica da dicotomia entre formal e
informal. A abordagem da atividade informal deve ser realizada a partir de uma visão sistêmica que
considera os mecanismos econômicos e as lógicas sociais existentes. Propõe a utilização do termo
informalidade pontuando que se trata de uma prática que permeia toda a economia.
Fundamentado na observação de que a economia formal e informal combina formalidade e
informalidade em uma mesma atividade, o autor salienta que os segmentos da economia informal
não estão totalmente na informalidade e que a economia formal contém um pouco de informalidade,
como corrupção, desvios ou transgressões à legislação do trabalho. Enfatiza que os segmentos da
economia informal, por apresentarem pouco ou nada em comum, não podem ser caracterizados
como um setor. Estes têm relações complexas entre si e com a economia formal, chegando a
estabelecer uma relação de concorrência, quando não combinam formalidade e informalidade em
uma mesma atividade.
Theodoro (1988), em relação ao conceito de informalidade, afirma que “do plano jurídico,
informalidade se caracteriza pela função híbrida do não respeito à lei, engendrando ao mesmo
tempo formas mistas de direito. Economicamente, a informalidade está caracterizada pela não
generalização da relação de assalariamento ( o que não garante homogeneidade social ) e pela
obediência desigual aos parâmetros legais.”
A partir do exposto, entendemos, neste estudo, por atividade informal aquela que mistura
práticas legais e ilegais, que combina baixa proteção social com rápida capacidade de adaptação às
oportunidades do mercado com alta flexibilidade nos processos de trabalho e nas formas de
remuneração, permitindo redução de salários. Atividades, em sua maioria, marcadas pela
precarização das condições de trabalho, falta de garantias legais e geralmente constituídas como
alternativa de geração de renda diante do desemprego.
Passamos a seguir a abordar cada uma das variáveis do modelo de investigação à luz dos
referenciais teóricos inicialmente propostos.
Organização do trabalho é compreendida, neste estudo, como “um processo intersubjetivo,
no qual encontram-se envolvidos diferentes sujeitos em interação com uma dada realidade,
resultando em uma dinâmica própria às situações de trabalho enquanto lugar de produção de
significações psíquicas e de construção de relações sociais.” (Mendes, 1999, p.40)
Comporta o conteúdo significativo do trabalho, composto por conteúdos materiais,
relacionados, por exemplo, aos instrumentos de operação e características da tarefa, e conteúdos
simbólicos derivados do conteúdo significativo atribuído à dificuldade prática da tarefa, à
significação da tarefa acabada em relação à carreira profissional, ao estatuto social ligado ao posto
de trabalho, bem como ao sentido simbólico do trabalho determinado em função da história de vida
do trabalhador.
Na década de oitenta, Dejours (1980/1994), na tentativa de estabelecer uma definição
operacional para o conceito, afirma que a organização do trabalho compreende a divisão do trabalho
ou divisão de tarefas e a divisão dos homens. Desde então, esta definição vem pautando os
diferentes estudos empíricos e análises teóricas desenvolvidos sob a ótica da psicodinâmica do
trabalho.
Divisão do trabalho ou divisão de tarefas compreende o modo operatório prescrito para
execução das tarefas, o conteúdo da tarefa; a divisão dos homens abrange a estrutura hierárquica, de
comando, controle e de relação entre os membros das equipes de trabalho, as relações
socioprofissionais.
Inicialmente teóricos e pesquisadores, adotando posicionamento de análise crítica,
delinearam como indicadores para organização do trabalho características atreladas às idéias
concebidas pela Administração Científica do Trabalho, a qual estabelece como princípios o trabalho
parcelar e fragmentado, decomposto em atividades específicas e simplificadas; o controle do tempo
de execução e dos movimentos físicos dos trabalhadores; o rigor na separação entre elaboração e
execução do sistema produtivo, com a transferência da dimensão intelectual do trabalho para esferas
gerenciais e a estrutura hierarquizada onde a verticalização marca forte disciplina.
Nesta perspectiva, divisão das tarefas foi abordada por características como fragmentação
das operações, repetitividade, monotonia, incapacidade de gerar uma visão integrada da produção e
de estabelecer sentido e significado ao trabalho. Divisão dos homens por caracterísiticas
relacionadas à verticalização das relações socioprofissionais: distanciamento e adoção de técnicas
de disciplinamento próprias à exploração da força de trabalho pelas estruturas hierárquicas e
atomização do grupo de trabalhadores pela homogeneização das condições de existência e
conseqüente processo de personalização do grupo de trabalho.
Mudanças estruturais ocorridas nos últimos anos, em decorrência do processo de
reestruturação produtiva, fizeram surgir novos modelos de organização do trabalho que
sinteticamente preconizam, dentre outros, a produção ligada aos fluxos de demanda, variada,
heterogênea e diversificada; o trabalho em equipe, com multivariedade e flexibilidade de funções; a
polivalência dos trabalhadores; a redução dos níveis hierárquicos, com estabelecimento de
coordenação horizontal; e a valorização da autonomia e qualificação profissional.
Na tentativa de adequação aos novos paradigmas, autores da abordagem psicodinâmica
passam a incluir outras características para delimitar a organização do trabalho tais como
participação, autonomia e globalização dos processos de trabalho (Mendes, 1995); descentralização
das decisões, flexibilidade hierárquica, autonomia técnica e liberdade de expressão (Mendes, 1996);
participação coletiva, polivalência, autonomia do trabalho em equipe (Carpenteir-Roy, 1996);
estímulo à criatividade, comunicação e trabalho em equipe (Périlleux, 1996), dentre outros;
características estas que permeiam este estudo.
Definimos operacionalmente como organização do trabalho, o conteúdo das tarefas e as
relações socioprofissionais.
Compreendemos como conteúdo da tarefa, os modos operatórios, as ações executadas pelos
trabalhadores para o exercício do seu trabalho e ainda o conteúdo significativo atribuído ao
trabalho, resultado dos componentes simbólicos e dinâmicos subjacentes à relação indivíduo –
trabalho.
As relações socioprofissionais, por sua vez, como as relações estabelecidas pelo trabalhador
no seu coletivo de trabalho.
Coletivo de trabalho é percebido como um grupo de trabalhadores que por um processo de
auto-organização estabelece regras comuns de cooperação, confiança e de reconhecimento do
trabalho individual, que possui o papel de criação de uma ordem técnica, social e ética no ambiente
de trabalho e de delimitação do grupo de trabalho em detrimento de outros existentes, concedendo
aos seus membros noção de pertencimento.
Sua existência pressupõe o exercício de um trabalho comum; regras, códigos, costumes e
tradições compartilhadas, acordos táticos responsáveis pela transmissão de uns aos outros e pelo
envolvimento individual, conhecimento e interiorização das regras, códigos, costumes e tradições e
ainda, um grupo em constante interação, que apresenta uma história e experiência em comum,
conferindo conformidade e continuidade da prática; que compartilha metas subjetivas em comum e
interage por uma linguagem particular, caracterizada por palavras fetiches e expressões repetidas
sistematicamente, que servem de ferramenta de comunicação própria (Maranda , Leclerc e Toupin,
1997).
Partindo para delimitação da variável dinâmica de reconhecimento enfatizamos que a sua
compreensão implica, a priori, dimensionar um dos pressupostos psicanalíticos que fundamenta a
abordagem da psicodinâmica do trabalho, aquele que estabelece o trabalho ícone para construção da
identidade do trabalhador no campo social.
Na ótica psicanalítica, o conceito de identidade, não diretamente abordado por Freud, foi
desenvolvido, por psicanalistas, a partir do conceito freudiano de self. A este respeito, Caldas e
Wood (1997) apontam que “a noção de identidade individual tomou o sentido de unicidade e
continuidade, de um processo localizado no indivíduo, porém influenciado pelo seu meio e pela sua
cultura... define-se como uma classificação do self que expressa o indivíduo como
reconhecidamente diferente dos demais, e como similar a membros da mesma classe.”(p.10)
Neste sentido, identidade compreende um processo interno influenciado pelo meio
ambiente e pela cultura, processo este que garante ao indivíduo sentido de continuidade e unicidade.
Na visão psicanalítica, o ego é resultado de um elo íntimo com o mundo exterior pelo qual
inclui tudo e posteriormente separa de si mesmo o mundo exterior (Rothgeb, 1984).
O mundo exterior, a civilização, caracteriza-se contexto para a construção da identidade
exercendo papel antagônico ao possibilitar a gratificação psíquica do desejo pelo adiamento ou
transformação da pulsão _ princípio da realidade _ e, ao mesmo tempo, ao impor restrições às
exigências pulsionais.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento do indivíduo é considerado produto da interação
entre a busca do prazer _ finalidade da vida humana _ e a necessidade de adaptação e integração à
comunidade, algo inevitável que deve ser priorizado em detrimento ao objetivo de alcance da
felicidade (Freud, 1930 / 1997).
O trabalho, por conseguinte, ao exercer seu papel como mundo exterior, torna-se um dos
caminhos propiciadores à confirmação da existência humana, confirmação esta que se realiza pelo
atingimento ou não do propósito prioritário da vida humana, a busca da felicidade pela evitação da
dor e do desprazer ou pela experimentação de sensações de prazer que levam à gratificação ou
frustração da energia pulsional.
Propondo uma releitura do conceito psicanalítico, Lacan (em Chnaiderman, 2001) aponta
que a identidade não é inata mas sim formada ao longo do tempo, está sempre em processo,
processo que possui como base as relações estabelecidas entre indivíduo e o “outro”. Segundo ele, a
imagem do “eu” é aprendida pela criança a partir da sua relação com o “outro”, vivenciada
inicialmente com os pais e em seguida com as relações sociais.
Segundo o autor, a identificação simbólica do indivíduo configura-se pelo que denomina
traço unitário, uma marca que permite que uma identidade perca o seu caráter imaginário de
unidade e passe a admitir a diferença. No trabalho, o indivíduo movimenta-se em busca de imprimir
esta marca na tentativa de delimitar a sua singularidade sendo que é pelo olhar de um “outro”, pelo
reconhecimento do “eu” que se constitui a imagem unitária, emergindo um “eu” mediado pela
relação com um “outro”.
Neste sentido, o processo de construção da identidade se realiza pela interação dialética do
“eu” _ indivíduo _ com o “outro”, mediada pelas representações e significações socialmente
construídas. Produz-se dinamicamente, em um processo de troca com o meio, com os contextos
históricos, pessoais e sociais nos quais o indivíduo está inserido.
Assim sendo, aponta a psicodinâmica do trabalho que a construção da identidade mobiliza
um processo de retribuição simbólica, de re-conhecimento do indivíduo em sua singularidade pelo
“outro”, onde o trabalho exerce papel de mediação da relação estabelecida entre o indivíduo e o
“outro”.
Concretamente, este processo, influenciado pela história de vida do indivíduo e
impulsionado pela contínua necessidade de auto-realização, realiza-se pelo reconhecimento do fazer
do trabalhador, ou seja, do seu trabalho, pelo “outro”.
“O que o sujeito procura fazer reconhecido é o seu fazer e não o seu ser. Portanto, o
reconhecimento da identidade no campo social é mediado. Somente depois de ter
reconhecida a qualidade do trabalho é que posso, em um momento posterior, repatriar esse
reconhecimento para o registro da identidade.” (Dejours, 1999 p.21)
Segundo Sainsaulieu (1988), o processo de constituição da identidade pressupõe uma
resposta contínua à estrutura social da qual o trabalhador faz parte, resposta esta derivada da
dinâmica do reconhecimento que tem no trabalho um dos locus privilegiados para o seu
desenvolvimento. Trata-se de “um processo conjunto de identificação e de diferenciação que se
inscreve no jogo das relações entre dois registros associados – aquele da aproximação afetiva e
aquele do poder social de se destacar impondo uma singularidade.”(p.332)
Neste sentido, a dinâmica do reconhecimento assume papel de articulação entre o processo
de constituição da identidade e o campo social. No trabalho, o trabalhador vivencia um processo de
reapropriação pelo qual repatria as conquistas do seu fazer em direção à realização do eu e à
construção da identidade.
Na concepção da psicodinâmica, tais conquistas estão diretamente relacionadas às
contribuições do trabalhador à organização do trabalho, especificamente àquelas dirigidas à
superação das contradições entre organização prescrita e real.
“O reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao
ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é,
pelo engajamento da sua subjetividade e inteligência.” ( Dejours, 1997/1999, p.55 – 56)
A dinâmica do reconhecimento pressupõe a articulação dos desejos individuais à busca do
reconhecimento social, pela sublimação, mecanismo compreendido, à luz da psicanálise, como
aquele pelo qual a energia pulsional é direcionada a alvos socialmente valorizados, possibilitando a
satisfação do desejo (Laplanche e Pontalis, 1983). Este mecanismo permite a personalização entre
inconsciente e campo social, garantindo singularidade ao trabalhador pela noção de realização e
reconhecimento do fazer e ainda pela compatibilização entre os desejos simbólicos e a situação real
do trabalho.
Tal compatibilização concretiza-se pela mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos do
trabalhador em busca do reconhecimento _ mobilização subjetiva _ que implica a utilização da
inteligência da prática e a existência do coletivo de trabalho.
Prioritariamente, esta dinâmica estrutura-se na inter-relação do trabalhador e seu coletivo de
trabalho, por uma ação de julgamento, o julgamento do outro, que na dimensão do trabalho realizase pela hierarquia, subordinados, pelo coletivo de trabalho, em duas formas distintas: julgamento de
utilidade e de beleza.
O julgamento de utilidade refere-se ao julgamento da utilidade técnica, social ou econômica
da atividade de trabalho. Realiza-se normalmente pela hierarquia, subordinados ou clientes. O
julgamento de beleza relaciona-se à conformidade do trabalho, da produção, da fabricação ou do
serviço com as artes do ofício bem como à sua apreciação quanto à distinção, especificidade,
originalidade ou estilo. Confere qualitativamente ao ego pertencimento ao coletivo de trabalho ou à
comunidade de pertença e reconhecimento da sua singularidade. Realizado geralmente pelos pares.
Assim sendo, compreendemos, neste estudo, a dinâmica do reconhecimento como o
processo pelo qual é atribuído um valor ao trabalho a partir da interação do trabalhador com o
contexto social no qual está inserido, valor este que determina a construção da identidade do
trabalhador, no campo social, pelo mecanismo de reapropriação de si mesmo.
Por fim, a variável prazer e sofrimento no trabalho é entendida como vivências psíquicas,
fruto da relação que o trabalhador estabelece com o seu trabalho, a partir da compatibilidade entre a
sua história de vida, seus desejos, projetos e esperanças e a organização do trabalho. Formam um
binômio intrinsecamente relacionado, coexistindo com mesma intensidade ou com o predomínio de
uma sobre a outra. Inerentes à condição do homem no trabalho, compõem um processo dinâmico
capaz de mobilizar a utilização de diversos mecanismos para a busca de uma relação mais
gratificante com o trabalho.
Especificamente, entendemos sofrimento no trabalho como um estado psíquico, resultado
do conflito existente entre os desejos psíquicos do trabalhador e a sua luta contra a insanidade
mental para preservação do equilíbrio mental (Périlleux 1996).
“O sofrimento deve ser considerado como um espaço clínico intermediário entre o
“bom estado psíquico” e a “doença mental “, compreendido sobre o terreno de certas
manifestações específicas: o medo, a ansiedade, o tédio, a insatisfação no trabalho, pelos
quais se torna possível identificar as causas organizacionais.” (Périlleux, 1996, p.130)
Uma vivência originada da impossibilidade de adaptação ou ajustamento da energia
psíquica do trabalhador com a organização do trabalho, resultado do bloqueio da relação subjetiva
do trabalhador com o seu trabalho (Dejours, 1999 a).
Partindo das reflexões apresentadas por Mendes (1999), vislumbramos que o sofrimento no
trabalho instala-se quando a realidade não oferece possibilidades de gratificação dos desejos do
trabalhador, constituindo -se parte da natureza dinâmica que envolve o indivíduo e a organização.
Manifesta-se por atitudes e comportamentos característicos, devendo assim ser “entendido
como o são as alterações físicas; produz atitudes ou comportamentos que variam de um ambiente a
outro, em grau.”(Derriennic, 1996, p. 109)
Por sua vez, o prazer no trabalho caracteriza um estado marcado pela diminuição da carga
psíquica e conseqüente livre funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador, derivado da
articulação do trabalho às necessidades e desejos psicológicos do trabalhador. (Dejours, Abdoucheli
e Jayet, 1994)
Implica um processo múltiplo, dinâmico e com especificidades na forma de expressão,
especialmente nos sentimentos que o caracterizam. Trata-se de uma vivência que pode manifestarse tanto de forma direta quanto como resultado da mobilização subjetiva, responsável pela
transformação da vivência de sofrimento.(Mendes, 1999)
Tanto prazer como sofrimento no trabalho expressam-se por sentimentos, sofrem influência
das características da organização do trabalho e são vivenciados por cada trabalhador de forma
única já que cada indivíduo, pela sua singularidade, atribui sentido particular a cada situação de
trabalho.
“Prazer e sofrimento são vivências psíquicas que se manifestam por meio de
sintomas, os quais estão relacionados com situações muito específicas do trabalho,
diferenciando-se para cada indivíduo de acordo com o sentido que ele atribui ao trabalho a
partir dos aspectos simbólicos constitutivos da sua subjetividade”(Mendes, 1999, p.51)
Operacionalmente, definimos a vivência de prazer e a de sofrimento no trabalho
associando-as a sentimentos e comportamentos específicos, assim como apresentado na literatura.
Nos anos oitenta, a partir da análise do discurso dos trabalhadores, quatro sentimentos
indicadores foram caracterizados como reveladores da vivência de sofrimento no trabalho:
indignidade, inutilidade, desqualificação e vivência depressiva. (Dejours, 1980/1992)
Na década de noventa, a realização de estudos empíricos conduz ao levantamento de outros
indicadores tais como: sentimento de solidão e cansaço, condutas de inibição e propensão à
agressividade (Derriennic,1996); sentimento de medo, ansiedade , tédio e insatisfação com o
trabalho (Périlleux, 1996); sentimento de desgaste e cansaço (Mendes, 1997); sentimento de medo e
condutas de obediência, isolamento e submissão (Dejours, 1999 b) e sentimento de desgosto e
insegurança (Mendes, Morrone e Mota, submetido).
Neste período, indicadores para a vivência de prazer são definidos operacionalmente como
sentimento de valorização e reconhecimento (Mendes, 1997, 1999 e 2000)
Neste estudo, fundamentados em Mendes, Morrone e Mota (submetido), definimos
operacionalmente como indicadores da vivência de prazer no trabalho sentimentos de valorização e
reconhecimento no trabalho, compreendendo como de valorização o sentimento de que o trabalho
tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade, e
de reconhecimento, o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para expressar
sua individualidade
Como indicadores da vivência de sofrimento, sentimentos de desgosto e insegurança,
compreendendo de desgosto o sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento
intelectual e apatia em relação ao trabalho, e o de insegurança, o sentimento de temor de não
conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência profissional,
produtividade, ritmos e normas de trabalho.
Compreendemos que prazer e sofrimento no trabalho são vivências psíquicas, inerentes à
situação de trabalho, constituintes de um único constructo caracterizados pelos sentimento de
valorização e reconhecimento no trabalho, relacionados à vivência de prazer, e sentimentos de
desgosto e insegurança, referentes à de sofrimento psíquico no trabalho.
A partir do exposto, apresentamos na Figura 2, graficamente, o modelo de investigação
deste estudo. Utilizando a figura geométrica triângulo, no vértice superior, posicionamos a
organização prescrita do trabalho que estabelece regras e normas de execução da prática. Em outro,
a dinâmica de reconhecimento no trabalho, e no terceiro ângulo a vivência de prazer e sofrimento
no trabalho. Estas três vertentes interagem mutualmente, influenciando-se, convergindo ao centro, a
saúde psíquica do trabalhador. A organização do trabalho compõe contexto para a realização da
dinâmica de reconhecimento no trabalho e ambas determinam a vivência de prazer e sofrimento.
Enfocando a atividade informal, interessa-nos especificamente:
-
verificar o predomínio da vivência de prazer ou sofrimento no trabalho;
-
investigar a estrutura da organização de trabalho e sua relação com a vivência de prazer
e sofrimento no trabalho;
-
analisar a dinâmica de reconhecimento do trabalho.
É imprescindível salientar que não será objeto deste estudo realizar análise dos dados com
enfoque em variáveis demográficas. Com este objetivo, especificamente, diferentes estudos vêm
sendo conduzidos nos últimos anos, por Niedhammer, David, Bugel e Chea (2000), Doniol-Shaw,
Derriennic e Huez (2000), Bertin, Derriennic (2000) e Vézina, Deriennic e Monfort (2000), os quais
têm trazido valiosas contribuições, como por exemplo que a vivência de sofrimento no trabalho não
varia conforme a idade; que as mulheres são mais sensíveis às características da organização do
trabalho propiciadores à vivência de sofrimento do que os homens ou de que os profissionais
tercerizados estão mais propensos à vivência de sofrimento no trabalho do que os demais
trabalhadores.
No capítulo a seguir apresentamos a metodologia de investigação, delimitando amostra,
instrumentos utilizados bem como procedimentos de coleta e análise dos dados.
Figura 2 – Representação gráfica do modelo de investigação
METODOLOGIA
A metodologia deste estudo emprega, dada a natureza do objeto de estudo,
abordagem qualitativa e quantitativa. Esta integração resultou no emprego de diferentes
estratégias de coleta e análise de dados.
A utilização de uma abordagem quantitativa foi realizada com o objetivo de obter-se
parâmetros genéricos subsidiadores ao diagnóstico, à uma descrição geral da amostra quanto a
indicadores da vivência de prazer e sofrimento no trabalho.
A abordagem qualitativa, por sua vez, justificou-se pela própria natureza do estudo que
fundamenta-se teoricamente na psicodinâmica do trabalho. Neste sentido, privilegiamos a fala do
trabalhador por considerar que a apreensão da relação subjetiva que o trabalhador estabelece com o
seu trabalho realiza-se a partir da análise dinâmica do seu discurso.
4.1 Universo da pesquisa
O universo da pesquisa constituiu-se por trabalhadores da Feira de Importados do Distrito
Federal, feira esta que surgiu em 1997 com o intuito de regulamentar o trabalho de feirantes
ambulantes que exerciam atividades clandestinas de cinco outras feiras do DF: Feira do Paraguai,
Feira do Trabalhador, Feira do Itaú, Feira do Conic e Feira do Guará.
Sua criação implicou na ocupação de uma área pública, pertencente às Centrais de
Abastecimento do Distrito Federal – CEASA, tendo sido justificada como uma alternativa de
regulamentação das atividades de trabalho e ainda de impedimento à utilização inadequada de área
pública e à proliferação de feirantes, como aponta o Processo n 071000.127/97, de 12 de junho de
1997, das Centrais de Abastecimento do Distrito federal - GDF.
“Caso não vier a ser cedida a área em questão, pela CEASA/DF os feirantes, não a
podendo ocupar, deverão permanecer no local onde se encontram, sendo que os transtornos
causados por sua presença no local são inegáveis, com claros prejuízos à população do DF,
tanto diretamente, pela situação social por eles causados, quanto indiretamente pelo não
pagamento de impostos pelos feirantes, ocupantes do local, o que acarreta grave evasão de
tributos, em prejuízo à população do DF pela impossibilidade de utilização desses recursos
em obras e em serviços de alta relevância social para a população do DF.” (folha 25)
A realocação dos ambulantes e conseqüente formação da Feira implicou na cessão de boxes
padronizados em uma área especificamente montada pelo Governo do Distrito Federal - GDF e na
regulamentação legal da atividade de trabalho pela constituição de microempresas com o objetivo
de comercialização de produtos nacionais e / ou importados, alimentares e não alimentares, à nível
de varejo.
Atualmente, a Feira, considerada pelo Poder Público, como sem estrutura
permanente, compõe-se de dois mil boxes e vinte quiosques de alimentação. Ao Estado,
cabe a função de gerência técnica e de planejamento, delimitada por atribuições tais
como: fiscalização de dependências, manutenção da limpeza do local, orientação sobre
exposição de mercadorias, adoção de providências para perfeita disposição dos boxes,
dentre outras.
Os trabalhadores assinam uma Autorização de Permissão de Uso que concede ao GDF a
retirada dos feirantes de forma simples e sem necessidade de indenização ou até mesmo de remoção
de toda a Feira. Pagam, mensalmente, uma tarifa de uso referente a aluguel da área, consumo de
energia elétrica, água, limpeza do local, segurança, associação e outros encargos. Seguem a um
regulamento estabelecido pela CEASA que especifica dentre outros: horário de funcionamento,
código de conduta, penalidades a infrações e regras de utilização dos boxes e dependências da Feira.
Possuem uma Associação e são proibidos de transferir, sublocar os boxes ou indicar candidatos a
usuários desistentes.
4.2. Amostra
A amostra do estudo, probabilística, teve como parâmetro constituinte o percentual de 25 %
(vinte e cinco por cento) do total de donos de barraca da Feira dos Importados, significando 450
(quatrocentos e cinqüenta) trabalhadores de 2 (dois) mil.
A seleção da amostra foi realizada por um Auxiliar de Pesquisa, por sorteio com tabela de
números aleatórios. Cada sujeito foi identificado pelo número correspondente ao da sua barraca.
Cada trabalhador participou voluntariamente da pesquisa, tendo sido abordado
informalmente pela pesquisadora e/ou Auxiliares de Pesquisa.
Teve-se como índice de participação o equivalente à 51.3 % da amostra
estabelecida, constituindo-se como número da amostra final, 231 (duzentos e trinta e um)
trabalhadores. A Tabela 1 apresenta o perfil da amostra segundo idade, escolaridade e
sexo. A Tabela 2 mostra a distribuição da amostra quanto ao tempo de trabalho na Feira
dos Importados, exercício de outro trabalho e existência de outra profissão.
Tabela 1: Percentual da distribuição da amostra segundo sexo, idade e escolaridade.
Sexo
(%)
Idade
(%)
Escolaridade
(%)
Masculino
39.0
16 à 20 anos
19.5
1ºg incompleto
43.7
Feminino
51.9
21 à 30 anos
38.1
1ºg. completo
29
31 à 40 anos
14.7
2ºg.incompleto
9.1
41 à 50 anos
12.1
2º g. completo
1.3
51 à 60 anos
2.2
Sup. incompleto 0.4
Acima de 61 anos
2.6
Sup.completo
3
N
210
206
200
Missing
21
25
31
% da amostra
90.9
89.2
86.6
Tabela 2: Percentual da distribuição da amostra segundo tempo de trabalho na Feira dos
Importados, exercício de outro trabalho e existência de outra profissão.
Trabalho na Feira (%)
Outro trabalho (%)
Outra profissão
(%)
Menos de 1 ano
30.0
Sim
14.7
Sim
34.2
1 à 2 anos
41.5
Não
77.0
Não
53.2
2 à 3 anos
19.5
Acima de 3 anos
1.3
N
205
212
202
Missing
26
19
29
% da amostra
92,3
91.7
87.4
4.3. Instrumento
Os dados foram coletados por meio de dois instrumentos distintos, um destinado à
diagnosticar e revelar a direção na qual os indicadores da vivência de prazer e sofrimento se
manifestavam no grupo de trabalhadores – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no
Trabalho e o outro à analisar o processo dinâmico – entrevistas individuais.
4.3.1 – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho - EIPST
A Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EISPT, validada por
Mendes, Morrone e Mota (submetido), apresentada no Anexo 1, constitui-se em um instrumento de
medida composto de 04 (quatro) fatores conceituais, dois deles relacionados os indicadores da
vivência de sofrimento psíquico no trabalho e dois aos de prazer, sendo os fatores relativos à
vivência de prazer delimitados como: (1) valorização, refere-se ao sentimento de que o trabalho tem
sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e sociedade; (2)
reconhecimento, refere-se ao sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para
expressar sua individualidade. Os relacionados à vivência de sofrimento como: (3) desgosto, referese ao sentimento de desânimo, descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao
trabalho; e (4) insegurança, refere-se ao sentimento de temor de não conseguir satisfazer às
imposições organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e
normas de trabalho.
Compõe-se de 37 ( trinta e sete) itens, elaborados de forma positiva e negativa,
ancorados por escala de concordância, do tipo Likert, de 5 (cinco) pontos, onde 1 (um)
corresponde a discordo totalmente e 5 a concordo totalmente.
Os itens distribuem-se entre os diferentes fatores sendo 15 (quinze) correspondentes
aos indicadores da vivência de prazer, 7 (sete) deles referentes ao fator valorização e 8
(oito) ao fator reconhecimento e 22 ( vinte e dois ) itens aos indicadores da vivência de
sofrimento, 12 (doze) relacionados ao fator desgosto e 10 ( dez) ao fator insegurança.
Todos os fatores apresentam índice de consistência interna ( alfa de Cronbach)
equivalente ou maior que 0.80, mostrando-se assim, confiáveis. O fator valorização possui
índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.82 e carga maior que 30. O fator
reconhecimento, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.80 e carga menor
que 30. O fator desgosto, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de 0.88 e carga
maior que 40 e o fator insegurança, índice de consistência interna ( alfa de Cronbach) de
0.80 e carga menor que 30.
A análise dos dados fornecidos pelo instrumento é realizada por fator. A vivência
de prazer e de sofrimento no trabalho podem ser interpretadas isoladamente, por fator,
mantendo o caráter de coexistência das duas vivências.
Cada fator, pelo somatório direto dos valores atribuídos a cada um de seus itens e
posterior divisão deste valor pelo número de itens do fator, fornece um escore que revela o
nível de vivência do fator. Escores correspondentes aos valores de 0 (zero) a 2,5 (dois,
cinco) pontos indicam vivência fraca. De 2,5 (dois, cinco) a 3,5 (três, cinco) pontos,
vivencia moderada e acima de 3,5 (três, cinco) pontos, vivencia forte.
Escores altos nos fatores valorização e reconhecimento e baixa nos fatores desgosto
e insegurança indicam predomínio da vivência de prazer no trabalho. Escores altos nos
fatores desgosto e insegurança e baixa nos fatores valorização e reconhecimento indicam,
predominantemente, vivência de sofrimento no trabalho.
O instrumento possibilita que diversas combinações de escores nos quatro fatores
possam ocorrer, permitindo interpretação do significado de cada um deles conforme
situação investigada. As contradições e coexistência entre os fatores, que porventura sejam
encontradas, são analisadas à luz dos conceitos da abordagem da psicodinâmica do trabalho,
tais como o de estratégias defensivas para o enfrentamento do sofrimento e o da
mobilização subjetiva para transformação da situação de trabalho geradora da vivência de
sofrimento, conceitos estes não apreendidos pela escala. Tal fato traduz o papel da escala
como instrumento de indicadores para uma descrição genérica da situação, onde as
especificidades devem ser analisadas no contexto, sem desconsiderar os processos
dinâmicos envolvidos nas vivências de prazer e sofrimento no trabalho.
4.3.2 – Entrevista Individual
Como segundo instrumento, foi utilizada entrevista individual, semi-estruturada. Segundo
King (1998), a utilização deste instrumento é apropriada quando busca-se a descrição de um tema
sem teste formal de hipótese ou quando não se pode definir o que e como os sujeitos fornecerão as
informações ou a natureza e a extensão da participação dos sujeitos na emissão de opiniões em
relação ao tema da pesquisa.
Esta escolha justificou-se pelas vantagens apontadas pelo autor, que salienta ser este um dos
instrumentos mais flexíveis, capaz de abordar tanto conteúdos relacionados à dinâmica do trabalho
como a experiências individuais, adequado para coleta de dados realizada pelo discurso oral dos
sujeitos.
Entende-se por entrevista semi – estruturada, aquela centrada na pessoa na qual, o
entrevistador, numa atitude de empatia, utiliza técnicas de reformulação para coleta dos dados.
Desenvolve-se segundo a lógica do entrevistado, a partir de estímulos eliciadores diretamente
relacionados a temas do estudo. O foco do conteúdo centra-se na relação subjetiva do entrevistado
com o objeto do discurso (Bardin,1977).
As entrevistas deste estudo, total de 20 (vinte), foram conduzidas de forma flexível,
dirigidas de acordo com o conteúdo verbal apresentado pelo trabalhador, com questões abertas
referentes a temas previamente definidos: descrição do trabalho, sentimentos em relação ao
trabalho, dificuldades encontradas no trabalho, relacionamento com os outros trabalhadores,
concepções e sentimentos relacionados à dinâmica de reconhecimento no trabalho – Roteiro da
Entrevista Anexo 2.
O tema descrição do trabalho buscou identificar as rotinas e o processo de trabalho aos
quais os trabalhadores estavam submetidos. Foram desenvolvidas perguntas em relação ao tipo de
atividades realizadas e as condições nas quais são executadas, à rotina de trabalho, ao processo
decisório, ao fluxo de comunicação, à jornada de trabalho, aos procedimentos e instrumentos de
trabalho.
Sentimentos no trabalho teve por objetivo levantar informações em relação às vivências de
prazer e sofrimento. A partir de uma questão geral, na qual foi solicitado que o sujeito descrevesse
seus sentimentos com relação ao trabalho desde quando encaminhava-se à ele, abordou-se, além da
descrição dos sentimentos, exemplos das situações nas quais os sentimentos ocorriam, a freqüência
e quais as características do trabalho relacionadas aos sentimentos relatados.
Dificuldades encontradas no trabalho visou levantar quais os tipos de dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores assim como os caminhos adotados para administração / superação
destas dificuldades.
Relacionamento com os outros trabalhadores foi medido por questões que
abordavam, dentre outros temas, o tipo de relação estabelecida entre eles, como estas
relações se desenvolviam no dia- a dia, a presença de regras e normas grupais, a
transmissão das regras, existência de reuniões administrativas ou encontros sociais, os
comportamentos frente a chegada de um novo trabalhador e despedida de um já instalado.
Por fim, o tema concepções e sentimentos relacionados à dinâmica de reconhecimento no
trabalho buscou levantar, além da visão do trabalhador de como ele se identificava como
profissional, o conceito que os trabalhadores possuíam para o termo reconhecimento, seus
sentimentos em relação ao reconhecimento do seu trabalho, a delimitação por quem o trabalho era
reconhecido e os benefícios, percebidos pelo trabalhador, como obtidos pelo seu trabalho.
4. Procedimentos
Os dados foram coletados em duas etapas: aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho – EIPST e realização de entrevistas individuais.
A Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST foi aplicada na
amostra de 450 trabalhadores. Cada instrumento recebeu um número que correspondia ao nome do
proprietário da barraca, conforme listagem fornecida pela Associação de Feirantes da Feira dos
Importados. Quatro aplicadores, especificamente treinados, responsabilizaram-se pela coleta dos
dados e controle de identificação dos participantes.
Do total de trabalhadores selecionados, 231 (duzentos e trinta e um) responderam
ao instrumento.
As entrevistas individuais foram realizadas com 20 (vinte) trabalhadores, selecionados da
amostra respondente da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST.
A partir da análise dos dados da escala, foram constituídos, aleatoriamente, por sorteio,
quatro grupos distintos, compostos, cada um, por cinco trabalhadores, de acordo com os seguintes
critérios:
1 – média acima de 4 (quatro) pontos no fator valorização e abaixo deste valor nos
demais fatores – predominância fator valorização;
2 – média acima de 4 (quatro) pontos no fator reconhecimento e abaixo deste valor
nos demais fatores – predominância fator reconhecimento;
3 – média acima de 2.5 (dois, cinco) pontos no fator desgosto e abaixo deste valor
nos demais fatores – predominância fator desgosto;
4 – média acima de 2.5 (dois, cinco) pontos no fator insegurança e média acima de
2,5 (dois, cinco) pontos nos fatores desgosto e insegurança, concomitante e abaixo deste
valor nos demais fatores – predominância fatores desgosto e insegurança;
A prevalecencia de escores altos nos fatores relativos à vivência de
prazer no trabalho fez com que fossem estabelecidos escores diferenciados para
a vivência de sofrimento no trabalho, uma vez que a média global nos fatores
indicadores da vivência de sofrimento correspondeu aos escores 2,06 - µ 0,7,
fator desgosto e 1,73 - µ 0,56, fator insegurança. Salientamos que escore acima
de 2,5 significa vivência moderada do fator.
Durante a condução das entrevistas, trabalhadores que não puderam ser localizados ou que
se recusaram à participar da coleta de dados, por diferentes motivos tais como fechamento da
barraca, desinteresse, medo do fornecimento de informações, foram substituídos, também por
sorteio, por outros trabalhadores, de acordo com os critérios acima descritos.
Do total de trabalhadores sorteados, 12 (doze) recusaram-se a participar da entrevista e 8
(oito) haviam fechado suas barracas.
Com o intuito de evitar influência na condução da entrevista em direção à obtenção de
informações que confirmassem qualitativamente os resultados obtidos na Escala de Indicadores de
Prazer e Sofrimento no Trabalho – EIPST, os resultados de cada trabalhador na EIPST não foi
revelado ao pesquisador, recebendo, cada um dos selecionados, uma letra de identificação.
As entrevistas individuais foram realizadas no horário e local de trabalho, conforme
disponibilidade de cada trabalhador. Tiveram duração média de 1 (uma ) hora. Foram gravadas em
fita k7 e transcritas em sua íntegra.
5. Análise de dados
O tratamento dos dados deste estudo combinou análises quantitativas e qualitativas. Os dados
obtidos na aplicação dos instrumentos de medida – Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no
Trabalho – EIPTS - foram submetidos ao programa de estatística SPSS – Statistical Package for
Social Science, versão 10.0. As entrevistas individuais foram analisadas por meio da análise de
conteúdo.
Em relação aos dados obtidos pela EIPST, como primeiro procedimento
de análise, realizamos análise exploratória procurando identificar missings e
outliers, tendo sido os missings calculados como média e os outliers retirados da
amostra.
No tratamento dos fatores relativos à vivência de prazer e sofrimento no
trabalho foram identificadas as médias e desvio padrão para cada fator.
Analisou-se a curva de distribuição normal para cada um dos fatores, a fim de
definir o comportamento das médias em relação à curva.
Para avaliar a significância da diferença das médias obtidas nos quatro
fatores realizou-se teste “t” de comparação de médias.
Em relação às entrevistas individuais, o tratamento dos dados foi realizado pela análise de
conteúdo segundo pressupostos metodológicos preconizados por Laurence Bardin, compreendendo-se
análise de conteúdo como “conjunto de técnicas de análise da comunicação que visam obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens” ( Bardin, 1977, p.42)
Como técnica, foi utilizada a da análise categorial temática. A escolha recaiu pelo fato
desta técnica conceber a comunicação como um processo e não como um dado estático e o
discurso não como um produto, mas como um processo de elaboração.
A análise categorial temática consiste no desmembramento do texto em unidades,
em categorias a partir da investigação dos temas do discurso. Segundo Bardin, (op.cit.
p.153) “entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou
análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos direto,
significações manifestas e simples.”
Em uma primeira etapa, cada entrevista foi analisada por, no mínimo 2 (dois) juizes,
estudantes de graduação e pós-graduação do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília, que,
após leitura geral de cada entrevista e marcação de verbalizações que poderiam representar os
temas, classificou os temas em categorias, preenchendo o formulário “Análise de Conteúdo”- anexo
3, no qual foram definidas as categorias, transcritas verbalizações por tema e registradas as
freqüências. Os temas foram categorizados pelo critério de semelhança de significado semântico e
lógico.
Como segunda etapa, o pesquisador agrupou as categorias, resultantes das análises dos
juizes, também por semelhança de significado semântico e lógico, de cada uma das entrevistas,
fazendo surgir categorias sínteses. Para cada entrevista foi preenchido o formulário “Análise de
Conteúdo”.
Em seguida, a fim de permitir comparação entre os diferentes grupos de entrevistas, o
pesquisador agrupou as análises de conteúdo das entrevistas pelos fatores indicadores da vivência
de prazer e de sofrimento, fazendo surgir categorias sínteses por fator. Em um próximo momento,
agrupou-as pela vivência de prazer – 10 (dez) entrevistas e pela de sofrimento, 10 (dez) entrevistas.
O processo de agrupamento das categorias de todas as entrevistas foi realizado pela
associação de idéias consideradas semelhantes.
Ao longo desse processo, procurou-se preservar, em sua íntegra, o discurso do trabalhador.
Assim as definições das categorias foram permeadas de termos literalmente empregados pelos
trabalhadores.
Em seguida, as entrevistas foram discutidas e interpretadas pelo pesquisador e seu professor
orientador. Cada entrevista foi analisada nos seus aspectos simbólicos e dinâmicos, possibilitando
interpretação entre a relação realidade psíquica e realidade de trabalho.
Os resultados das análises quantitativas e qualitativas são apresentados e discutidos nos
próximos capítulos.
5. RESULTADOS
Este capítulo subdivide-se em duas seções. A primeira apresenta os resultados das
análises descritivas dos dados obtidos pela aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho (EIPST). Na segunda seção, são descritos os resultados relativos
às entrevistas individuais, fruto das análises de conteúdo realizadas em 20 (vinte)
entrevistas, conforme descrito no capítulo anterior.
5.1 Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho
A análise descritiva dos resultados obtidos na Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho é delineada nesta seção a partir de enfoque a cada um dos fatores
mensurados por este instrumento: valorização e reconhecimento – indicadores da vivência
de prazer no trabalho; desgosto e insegurança – indicadores de sofrimento no trabalho. A
Tabela 3 apresenta a média e o desvio-padrão para cada um dos fatores, bem como os
resultados do teste de comparação das médias dos fatores em relação ao ponto médio 3
(três) da escala. Por meio desse teste, constata-se que as médias dos fatores mostram-se
significativamente diferentes do ponto médio das escalas, tendo apresentado níveis de
significância de p<0,01.
Tabela 3 _ Média e desvio-padrão e resultados do teste t para os fatores valorização,
reconhecimento, desgosto e insegurança
Fatores
Valorização
Reconhecimento
Desgosto
Insegurança
Média
4.05
3.65
2.06
1.73
Desvio-Padrão
0.68
0.74
0.7
0.56
t
76.12
58.86
38.60
36.78
P < 0.01
Observando-se que a EIPST é uma escala de 5 (cinco) pontos, tendo ponto médio o
valor 3 (três), os resultados evidenciam que os fatores indicadores da vivência de prazer
no trabalho estão ambos acima da média enquanto os da vivência de sofrimento
encontram-se abaixo do ponto médio. Neste sentido, de forma geral, tal fato indica que o
grupo de trabalhadores vivencia fortemente valorização e reconhecimento no trabalho e
fracamente desgosto e insegurança. No entanto, é preciso ressaltar que os resultados
obtidos em relação aos fatores reconhecimento e desgosto, apesar de indicarem,
respectivamente, forte e fraca vivência, encontram-se próximo ao ponto médio da escala o
que revela, para o fator reconhecimento, uma vivencia forte porém tendendo a moderada e,
para o fator desgosto, uma vivência fraca tendendo a moderada.
A análise de cada fator revela que, em relação ao fator valorização, 82,7% da
amostra apresentou índice que revela vivência forte, 16,5% vivência moderada e 0,7%
vivência fraca. O sumário dos cinco números, Figura 3, demonstra que este fator
apresentou, em relação aos demais fatores, a maior média (x= 4,05), tendo por mediana M
= 4,14 e primeiro quartil Q1 = 3,54.
Figura 3 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo –
do fator valorização.
6
5
4
3
2
1
A análise da média dos itens que compõem o fator valorização aponta que todos os
itens apresentaram médias acima de 3,5, o que revela forte vivência. Como mostra a
Figura 4, o grupo de trabalhadores vivencia, fortemente, disposição para realizar suas
tarefas e sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que
realiza e de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral.
Figura 4 – Médias dos itens integrantes do fator valorização
5
4,5
LEGENDA 1
4
Minhas tarefas são significativas para mim
3,5
Minhas tarefas são significativas para as
pessoas em geral
Médias
3
Tenho disposição para realizar minhas
tarefas
2,5
Meu trabalho é importante para a
organização
2
Sinto-me produtivo no meu trabalho
1,5
Sinto-me útil no meu trabalho
1
Sinto orgulho do trabalho que realizo
0,5
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura
Em relação ao fator reconhecimento, 77,5 % da amostra revelou índice
representativo de vivência forte, 19% vivência moderada e 3,5% vivência fraca. Em
relação à análise dos cinco números, o fator apresentou média (X) equivalente a 3,65
pontos, mediana (M) a 3,75 e primeiro quartil (Q1) a 3,25 pontos, Figura 5.
Figura 5 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo –
do fator reconhecimento.
6
5
4
3
2
1
Neste fator, a média dos itens caracteriza vivência moderada ou forte. Dos 8 (oito)
itens, 4 (quatro) tiveram avaliação acima de 3,5 o que indica forte vivência (Figura 6).
Para estes trabalhadores, a liberdade para dizer o que pensam sobre o trabalho, o
sentimento de satisfação com o trabalho, o gosto de conviver com os colegas de trabalho e
a liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queiram são vivenciados
fortemente. Os 4 (quatro) itens restantes, tiveram avaliação acima de 2,5 e abaixo de 3,5, o
que revela vivência moderada.
Figura 6 – Médias dos itens integrantes do fator reconhecimento
4,5
4
LEGENDA 1
Tenho liberdade para dizer o que penso sobre
o meu trabalho
Sinto reconhecimento da minha chefia pelo
trabalho que realizo
Sinto reconhecimento dos colegas pelo
trabalho que realizo
Sinto satisfação no meu trabalho
3,5
Médias
3
2,5
O tipo de trabalho que faço é admirado pelos
outros
Sinto meus colegas solidários comigo
2
1,5
Gosto de conviver com meus colegas de
trabalho
Tenho liberdade para organizar meu trabalho
da forma que eu quero
1
0,5
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura
Quanto ao fator desgosto observa-se que 73,6% da amostra vivencia - o
fracamente, 8,6%, moderadamente e 2,6, fortemente. A análise dos cinco números, Figura
7, revela que o fator apresenta média (X) correspondente a 2,06, mediana (M) a 2,0 e
terceiro quartil (Q3) a 2,41 pontos.
Figura 7 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do
fator desgosto.
5
4
3
2
1
0
A análise da média dos itens aponta que dos 12 (doze) itens, 2(dois) são
vivenciados moderadamente – permaneço neste trabalho por falta de oportunidade no
mercado e tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional. Nos
outros 10 (dez) itens integrantes do fator, as médias revelaram vivência fraca (Figura 8).
Figura 8 – Médias dos itens integrantes do fator desgosto
LEGENDA 1
3,5
Meu trabalho me causa sofrimento
Permaneço nesse trabalho por falta de
oportunidade no mercado
Tenho me sentido adormecido com relação a
minha carreira profissional
Tenho frustrações com o meu trabalho
3
2,5
Tenho a sensação de estar perdendo tempo
indo para o meu trabalho
Tenho achado difícil comparecer ao trabalho
Médias
2
Sinto desânimo no trabalho
1,5
Sinto que perdi o interesse pelo meu trabalho
Sinto que meu trabalho não me proporciona
crescimento
Sinto-me desmotivado em relação ao meu
trabalho
Sinto vontade de estar longe do meu trabalho
1
0,5
Sinto-me impotente no meu trabalho
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na
figura
O fator insegurança é vivenciado fracamente por 98,7% da amostra e fortemente
por 1,3%. A análise dos cinco números, Figura 9, mostra que o fator apresenta média (X)
correspondente a 1,73, mediana (M) a 1,6 e terceiro quartil (Q3) a 2,1 pontos.
Figura 9 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do
fator insegurança.
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
,5
A análise da média dos itens que compõem este fator aponta que todos os itens _ 10
(dez) _ apresentaram média inferior a 2,5, o que revela fraca vivência _ Figura 10.
Figura 10 – Médias dos itens integrantes do fator insegurança
LEGENDA 1
2,5
Sinto receio de não corresponder às expectativas do meu trabalho
Temo não ser capaz de atender ao ritmo de trabalho imposto pela
minha organização
2
Sinto-me perseguido pela minha chefia
Receio não ser capaz de atender às exigências da minha empresa
quanto a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos
relacionados ao meu trabalho
Sinto-me ameaçado de demissão
Médias
1,5
Temo não possuir os conhecimentos teóricos e práticos que meu
trabalho exige
Receio não ser capaz de executar a quantidade de tarefas
estabelecidas a mim
1
Tenho receio de ser demitido ao cometer pequenos erros
Temo não ser capaz de executar minhas tarefas nos prazos
estabelecidos
0,5
Temo não ser capaz de executar minhas tarefas com a qualidade
estabelecida pela minha organização
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na
figura
No âmbito geral, os resultados quantitativos apontam que, globalmente, o grupo de
trabalhadores apresenta indicadores que caracterizam predominantemente a vivência de
prazer no trabalho – fator valorização X = 4,05 e µ = 0,68; fator reconhecimento X= 3,65 µ
= 0,74, em detrimento à vivência de sofrimento – fator desgosto X = 2,06 e µ = 0,7 e fator
insegurança X= 1,73 e µ = 0,56.
Tendo como perspectiva a vivência de prazer, observamos que há predomínio do
fator valorização – 82,7% da amostra vivencia-o fortemente _ em relação ao fator
reconhecimento – 77,5% da amostra vivencia –o fortemente. Tal resultado revela que mais
do que a maioria do grupo de trabalhadores atribui sentido e valor ao seu trabalho, sente-se
aceito e admirado pelo seu trabalho e com liberdade para expressar sua individualidade.
Análise detalhada dos referidos fatores, baseada nas médias dos itens
correspondentes a cada um dos fatores, aponta que o grupo de trabalhadores vivencia
fortemente disposição para realizar suas tarefas, sentimento de produtividade, utilidade,
orgulho em relação ao trabalho que realiza, de que suas tarefas são significativas para ele e
para as pessoas em geral, de liberdade para dizer o que pensa sobre o trabalho, de satisfação
com o trabalho, gosto de conviver com os colegas de trabalho e liberdade para organizar o
seu trabalho da forma que queira.
Por outro lado, em relação à vivência de sofrimento, constatamos menor vivência do fator
insegurança – 98.7% da amostra vivencia-o fracamente _ em relação ao fator desgosto _ 73,6%
vivencia-o fracamente. Este fato mostra que quase a totalidade dos trabalhadores vivencia
fracamente sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais
relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho e ainda, que a
maioria
do
grupo
de
trabalhadores
vivencia
fracamente
sentimentos
de
desânimo,
descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao seu trabalho.
No entanto, a análise detalhada destes fatores, baseada nas médias dos itens
correspondentes a cada um deles revela que o grupo de trabalhadores vivencia moderadamente o
sentimento de permanecer no trabalho por falta de oportunidade no mercado e de adormecimento
em relação à carreira profissional.
Esses resultados serão retomados no capítulo seis no qual serão mais bem explicados,
quando articulados com os resultados das entrevistas individuais.
5. RESULTADOS
Este capítulo subdivide-se em duas seções. A primeira apresenta os resultados das
análises descritivas dos dados obtidos pela aplicação da Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho (EIPST). Na segunda seção, são descritos os resultados relativos
às entrevistas individuais, fruto das análises de conteúdo realizadas em 20 (vinte)
entrevistas, conforme descrito no capítulo anterior.
5.1 Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho
A análise descritiva dos resultados obtidos na Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho é delineada nesta seção a partir de enfoque a cada um dos fatores
mensurados por este instrumento: valorização e reconhecimento – indicadores da vivência
de prazer no trabalho; desgosto e insegurança – indicadores de sofrimento no trabalho. A
Tabela 3 apresenta a média e o desvio-padrão para cada um dos fatores, bem como os
resultados do teste de comparação das médias dos fatores em relação ao ponto médio 3
(três) da escala. Por meio desse teste, constata-se que as médias dos fatores mostram-se
significativamente diferentes do ponto médio das escalas, tendo apresentado níveis de
significância de p<0,01.
Tabela 3 _ Média e desvio-padrão e resultados do teste t para os fatores valorização,
reconhecimento, desgosto e insegurança
Fatores
Valorização
Reconhecimento
Desgosto
Insegurança
Média
4.05
3.65
2.06
1.73
Desvio-Padrão
0.68
0.74
0.7
0.56
t
76.12
58.86
38.60
36.78
P < 0.01
Observando-se que a EIPST é uma escala de 5 (cinco) pontos, tendo ponto médio o
valor 3 (três), os resultados evidenciam que os fatores indicadores da vivência de prazer
no trabalho estão ambos acima da média enquanto os da vivência de sofrimento
encontram-se abaixo do ponto médio. Neste sentido, de forma geral, tal fato indica que o
grupo de trabalhadores vivencia fortemente valorização e reconhecimento no trabalho e
fracamente desgosto e insegurança. No entanto, é preciso ressaltar que os resultados
obtidos em relação aos fatores reconhecimento e desgosto, apesar de indicarem,
respectivamente, forte e fraca vivência, encontram-se próximo ao ponto médio da escala o
que revela, para o fator reconhecimento, uma vivencia forte porém tendendo a moderada e,
para o fator desgosto, uma vivência fraca tendendo a moderada.
A análise de cada fator revela que, em relação ao fator valorização, 82,7% da
amostra apresentou índice que revela vivência forte, 16,5% vivência moderada e 0,7%
vivência fraca. O sumário dos cinco números, Figura 3, demonstra que este fator
apresentou, em relação aos demais fatores, a maior média (x= 4,05), tendo por mediana M
= 4,14 e primeiro quartil Q1 = 3,54.
Figura 3 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo –
do fator valorização.
6
5
4
3
2
1
A análise da média dos itens que compõem o fator valorização aponta que todos os
itens apresentaram médias acima de 3,5, o que revela forte vivência. Como mostra a
Figura 4, o grupo de trabalhadores vivencia, fortemente, disposição para realizar suas
tarefas e sentimento de produtividade, utilidade, orgulho em relação ao trabalho que
realiza e de que suas tarefas são significativas para ele e para as pessoas em geral.
Figura 4 – Médias dos itens integrantes do fator valorização
5
4,5
LEGENDA 1
4
Minhas tarefas são significativas para mim
3,5
Minhas tarefas são significativas para as
pessoas em geral
Médias
3
Tenho disposição para realizar minhas
tarefas
2,5
Meu trabalho é importante para a
organização
2
Sinto-me produtivo no meu trabalho
1,5
Sinto-me útil no meu trabalho
1
Sinto orgulho do trabalho que realizo
0,5
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura
Em relação ao fator reconhecimento, 77,5 % da amostra revelou índice
representativo de vivência forte, 19% vivência moderada e 3,5% vivência fraca. Em
relação à análise dos cinco números, o fator apresentou média (X) equivalente a 3,65
pontos, mediana (M) a 3,75 e primeiro quartil (Q1) a 3,25 pontos, Figura 5.
Figura 5 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo –
do fator reconhecimento.
6
5
4
3
2
1
Neste fator, a média dos itens caracteriza vivência moderada ou forte. Dos 8 (oito)
itens, 4 (quatro) tiveram avaliação acima de 3,5 o que indica forte vivência (Figura 6).
Para estes trabalhadores, a liberdade para dizer o que pensam sobre o trabalho, o
sentimento de satisfação com o trabalho, o gosto de conviver com os colegas de trabalho e
a liberdade para organizar o seu trabalho da forma que queiram são vivenciados
fortemente. Os 4 (quatro) itens restantes, tiveram avaliação acima de 2,5 e abaixo de 3,5, o
que revela vivência moderada.
Figura 6 – Médias dos itens integrantes do fator reconhecimento
4,5
4
LEGENDA 1
Tenho liberdade para dizer o que penso sobre
o meu trabalho
Sinto reconhecimento da minha chefia pelo
trabalho que realizo
Sinto reconhecimento dos colegas pelo
trabalho que realizo
Sinto satisfação no meu trabalho
3,5
Médias
3
2,5
O tipo de trabalho que faço é admirado pelos
outros
Sinto meus colegas solidários comigo
2
1,5
Gosto de conviver com meus colegas de
trabalho
Tenho liberdade para organizar meu trabalho
da forma que eu quero
1
0,5
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na figura
Quanto ao fator desgosto observa-se que 73,6% da amostra vivencia - o
fracamente, 8,6%, moderadamente e 2,6, fortemente. A análise dos cinco números, Figura
7, revela que o fator apresenta média (X) correspondente a 2,06, mediana (M) a 2,0 e
terceiro quartil (Q3) a 2,41 pontos.
Figura 7 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do
fator desgosto.
5
4
3
2
1
0
A análise da média dos itens aponta que dos 12 (doze) itens, 2(dois) são
vivenciados moderadamente – permaneço neste trabalho por falta de oportunidade no
mercado e tenho me sentido adormecido com relação a minha carreira profissional. Nos
outros 10 (dez) itens integrantes do fator, as médias revelaram vivência fraca (Figura 8).
Figura 8 – Médias dos itens integrantes do fator desgosto
LEGENDA 1
3,5
Meu trabalho me causa sofrimento
Permaneço nesse trabalho por falta de
oportunidade no mercado
Tenho me sentido adormecido com relação a
minha carreira profissional
Tenho frustrações com o meu trabalho
3
2,5
Tenho a sensação de estar perdendo tempo
indo para o meu trabalho
Tenho achado difícil comparecer ao trabalho
Médias
2
Sinto desânimo no trabalho
1,5
Sinto que perdi o interesse pelo meu trabalho
Sinto que meu trabalho não me proporciona
crescimento
Sinto-me desmotivado em relação ao meu
trabalho
Sinto vontade de estar longe do meu trabalho
1
0,5
Sinto-me impotente no meu trabalho
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na
figura
O fator insegurança é vivenciado fracamente por 98,7% da amostra e fortemente
por 1,3%. A análise dos cinco números, Figura 9, mostra que o fator apresenta média (X)
correspondente a 1,73, mediana (M) a 1,6 e terceiro quartil (Q3) a 2,1 pontos.
Figura 9 – Sumário dos cinco números – mediana, quartis, mínimo e máximo – do
fator insegurança.
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
,5
A análise da média dos itens que compõem este fator aponta que todos os itens _ 10
(dez) _ apresentaram média inferior a 2,5, o que revela fraca vivência _ Figura 10.
Figura 10 – Médias dos itens integrantes do fator insegurança
LEGENDA 1
2,5
Sinto receio de não corresponder às expectativas do meu trabalho
Temo não ser capaz de atender ao ritmo de trabalho imposto pela
minha organização
2
Sinto-me perseguido pela minha chefia
Receio não ser capaz de atender às exigências da minha empresa
quanto a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos
relacionados ao meu trabalho
Sinto-me ameaçado de demissão
Médias
1,5
Temo não possuir os conhecimentos teóricos e práticos que meu
trabalho exige
Receio não ser capaz de executar a quantidade de tarefas
estabelecidas a mim
1
Tenho receio de ser demitido ao cometer pequenos erros
Temo não ser capaz de executar minhas tarefas nos prazos
estabelecidos
0,5
Temo não ser capaz de executar minhas tarefas com a qualidade
estabelecida pela minha organização
0
Ítens
1 A seqüência das variáveis de cima para baixo, na legenda, corresponde à seqüência das mesmas variáveis da esquerda para a direita, na
figura
No âmbito geral, os resultados quantitativos apontam que, globalmente, o grupo de
trabalhadores apresenta indicadores que caracterizam predominantemente a vivência de
prazer no trabalho – fator valorização X = 4,05 e µ = 0,68; fator reconhecimento X= 3,65 µ
= 0,74, em detrimento à vivência de sofrimento – fator desgosto X = 2,06 e µ = 0,7 e fator
insegurança X= 1,73 e µ = 0,56.
Tendo como perspectiva a vivência de prazer, observamos que há predomínio do
fator valorização – 82,7% da amostra vivencia-o fortemente _ em relação ao fator
reconhecimento – 77,5% da amostra vivencia –o fortemente. Tal resultado revela que mais
do que a maioria do grupo de trabalhadores atribui sentido e valor ao seu trabalho, sente-se
aceito e admirado pelo seu trabalho e com liberdade para expressar sua individualidade.
Análise detalhada dos referidos fatores, baseada nas médias dos itens
correspondentes a cada um dos fatores, aponta que o grupo de trabalhadores vivencia
fortemente disposição para realizar suas tarefas, sentimento de produtividade, utilidade,
orgulho em relação ao trabalho que realiza, de que suas tarefas são significativas para ele e
para as pessoas em geral, de liberdade para dizer o que pensa sobre o trabalho, de satisfação
com o trabalho, gosto de conviver com os colegas de trabalho e liberdade para organizar o
seu trabalho da forma que queira.
Por outro lado, em relação à vivência de sofrimento, constatamos menor vivência do fator
insegurança – 98.7% da amostra vivencia-o fracamente _ em relação ao fator desgosto _ 73,6%
vivencia-o fracamente. Este fato mostra que quase a totalidade dos trabalhadores vivencia
fracamente sentimento de temor de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais
relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho e ainda, que a
maioria
do
grupo
de
trabalhadores
vivencia
fracamente
sentimentos
de
desânimo,
descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao seu trabalho.
No entanto, a análise detalhada destes fatores, baseada nas médias dos itens
correspondentes a cada um deles revela que o grupo de trabalhadores vivencia moderadamente o
sentimento de permanecer no trabalho por falta de oportunidade no mercado e de adormecimento
em relação à carreira profissional.
Esses resultados serão retomados no capítulo seis no qual serão mais bem explicados,
quando articulados com os resultados das entrevistas individuais.
6. DISCUSSÃO
Neste capítulo analisamos, a partir das questões e objetivos definidos incialmente,
os resultados obtidos à luz dos princípios teóricos e pesquisas empíricas realizadas nas
últimas décadas por teóricos e pesquisadores da abordagem da psicodinâmica do trabalho.
Considerando o modelo de investigação proposto, executamos esta análise partindo
do pressuposto de que a saúde psíquica dos trabalhadores é reflexo de um estado de
equilíbrio caracterizado pela vivência de prazer e sofrimento psíquico bem como pela
utilização de estratégias e mecanismos, individuais ou coletivos, capazes de modificar ou
eufemizar a realidade de trabalho desestabilizante, promovendo ao trabalho locus de
reconhecimento e valorização.
Acreditamos que caraterísticas da organização do trabalho assim como da dinâmica
de reconhecimento, articuladas, exercem papel preponderante sobre a dinâmica subjetiva da
relação estabelecida pelos trabalhadores com o seu trabalho e consequentemente
influenciam a sua saúde psíquica.
Especificamente, dadas as peculiaridades da atividade informal, vislumbramos que a análise
dos dados se enriquece ao contemplar um tipo de trabalho com características particulares,
geralmente constituído como alternativa de geração de renda diante do desemprego, que, na maioria
das vezes, combina práticas legais e ilegais com baixa proteção social, com precarização das
condições de trabalho, com falta de garantias legais e com flexibilidade nos processos de trabalho e
formas de remuneração.
As questões deste estudo foram elaboradas com o objetivo de verificar a saúde
psíquica de um segmento de trabalhadores em exercício de atividade informal a partir da
análise da relação existente entre a vivência de prazer e sofrimento psíquico no trabalho,
características da organização do trabalho e percepção dos trabalhadores acerca da
dinâmica de reconhecimento.
As proposições determinadas serão discutidas separadamente, considerando-se suas
relações de interdependência.
A primeira questão contempla a averiguação da vivência de prazer ou sofrimento
psíquico pelo grupo de trabalhadores, sujeitos deste estudo, pela análise do predomínio de
indicadores característicos de cada uma destas vivências.
Ela é discutida considerando, inicialmente, os pressupostos teóricos que
fundamentam a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento como instrumento de medida
destas vivências (Mendes, Morrone e Mota, submetido), assim como pelo que vem sendo
apontado pela literatura como indicadores da vivência de prazer e sofrimento psíquico no
trabalho (Dejours 1980/1992, Jayet,1994; Derriennic,1996; Mendes, 1994,1997,1999).
As análises quantitativas denotam que o grupo de trabalhadores não somente apresenta
indicadores que demonstram o predomínio da vivência de prazer no trabalho como também a forte
vivencia destes indicadores, revelando que o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si
mesmo, é importante e significativo bem como o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e
de ter liberdade para expressar sua individualidade manifestam-se fortemente no grupo de
trabalhadores, resultados estes que confirmam os obtidos por Mendes (2001).
Mostra ainda que a amostra apresenta indicadores que caracterizam a fraca vivência
de sofrimento o que indica a pouca vivência de sentimento, de desânimo,
descontentamento, adormecimento intelectual, de apatia em relação ao trabalho e de temor
de não conseguir satisfazer às imposições organizacionais relacionadas à competência
profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho.
A análise qualitativa dos dados corrobora os resultados quantitativos. Sentimentos
de orgulho, vitória pelas conquistas alcançadas, felicidade, liberdade de fazer o que se quer
e de decisão, bem-estar e satisfação são trazidos majoritariamente pelo grupo de
trabalhadores entrevistados que vivencia predominantemente prazer. Por sua vez, o grupo
que vivencia predominantemente sofrimento relata a preponderância de sentimentos de
insegurança, angústia, tristeza, desânimo, medo do futuro, insatisfação com o ambiente de
trabalho, com os vizinhos de barraca e com os clientes.
O predomínio de indicadores que denotam a vivência de prazer no trabalho leva-nos
a inferir, de forma global, que o grupo de trabalhadores parece vivenciar um processo de
adaptação ou ajustamento da sua energia psíquica com o trabalho, o que lhe possibilita
diminuição da carga psíquica e conseqüentemente livre funcionamento do aparelho
psíquico.
Na perspectiva da psicodinâmica, estes resultados apontam que os trabalhadores
vivenciam um estado de equilíbrio no qual a vivência de sofrimento psíquico mostra-se
administrada ou compensada, delineando um estado de saúde psíquica no trabalho.
No entanto, não se deve deixar de considerar que o fato de a vivência de sofrimento
fazer -se presente, mesmo que fracamente, confirma as conclusões trazidas por teóricos da
área (Dejours, Abdoucheli e Jayet, 1994; Dejours, 1999b e Mendes, 1999) as quais
sinalizam serem estas vivências inseparáveis, constituintes de um constructo único, que
deve ser dinamicamente analisado sob o prisma da sua inter-relação com diferentes
variáveis presentes na situação de trabalho.
Como delineado no modelo de investigação, supomos que a vivência de prazer e
sofrimento no trabalho influencia e é influenciada por características da organização do
trabalho e da dinâmica de reconhecimento, e ainda, como fundamenta o modelo teórico, por
mecanismos individuais e coletivos de compensação e administração da situação de
trabalho geradora da vivência de sofrimento.
Neste sentido, passamos a abordar a vivência de prazer e sofrimento no trabalho
procurando evidenciar uma possível relação com características da organização do trabalho,
com mecanismos e estratégias defensivas e de mobilização subjetiva provavelmente
utilizadas pelo grupo de trabalhadores, bem como com a dinâmica de reconhecimento do
trabalho.
Abordamos assim a segunda questão deste estudo que enfatiza a organização do
trabalho e sua relação com a vivência de prazer e sofrimento psíquico, apontada pela
literatura nos últimos anos, por diversas pesquisas empíricas (Mendes 1994, 1996,
Carpentier-Roy, 1996, Niedhammer, David, Bugel e Chea, 2000, Bertin e Derriennic,2000,
dentre outras), como responsável por exercer um efeito determinante sobre a vivencia de
prazer e sofrimento no trabalho.
Os resultados revelam que o grupo de trabalhadores vivencia um modelo particular
de organização do trabalho já que todos são proprietários do seu negócio e responsáveis
pelo planejamento e execução das atividades de trabalho. Este modelo foge aos padrões
tradicionais de organização do trabalho, caracterizados por estrutura hierárquica,
relacionamento entre pares e estabelecimento de normas e métodos de trabalho.
Partindo desta diferença, inviabiliza-se a análise da organização do trabalho da
amostra pesquisada sob o prisma do conceito dejouriano (Dejours,1999b) de descrição
gerencial o qual pressupõe a existência de uma organização prescrita que estabelece normas
e métodos de trabalhos, mas sim faz-nos realizá-la exclusivamente sob a ótica da descrição
subjetiva que admite a existência de uma organização real onde os trabalhadores modificam
e improvisam seus métodos de trabalho para atenderem às suas demandas.
Tal configuração, a partir dos pressupostos do modelo teórico, leva-nos a inferir que
o grupo de trabalhadores não vivencia uma organização prescrita de trabalho, responsável,
na maioria das vezes, pelo estabelecimento de imposições aos modos de trabalho e
consequentemente pelo confronto entre trabalhador e forças ligadas a organizações do
trabalho, confronto este geralmente associado à vivência de sofrimento psíquico, mas sim
uma organização de trabalho que possibilita autonomia, controle do processo de trabalho e
liberdade de expressão, fatores determinantes à vivência de prazer no trabalho (Mendes e
Abrahão, 1996).
Tal fato evidencia-se pela análise quantitativa dos dados que mostra que o grupo de
trabalhadores vivencia fortemente sentimento de liberdade para dizer o que pensa sobre o
trabalho e para organiza-lo da forma que lhe aprouver.
A análise qualitativa, por sua vez, revela que os entrevistados realizam atividades
com começo, meio e fim, visualizam os resultados do seu trabalho e desenvolvem
atividades que requerem iniciativa, tomada de decisão, visão estratégica, capacidade de
argumentação e comunicação verbal.
Tais características delineiam uma organização do trabalho, no que tange ao conteúdo das
tarefas, marcada pela autonomia, pela realização das atividades em sua totalidade, que permitem a
flexibilização das decisões e processos de trabalho e que trazem diretamente benefícios ao
trabalhador.
Aponta a literatura que características como autonomia, flexibilidade da organização do
trabalho, integração e globalização dos processos, métodos e instrumentos de trabalho, realização de
tarefas com começo, meio e fim e liberdade de expressão são fatores que determinam a
manifestação direta da vivência de prazer ou a transformação ou minimização da vivência de
sofrimento, pelo mecanismo de mobilização subjetiva (Mendes e Abrahão,1996, Carpentier-Roy,
1996, Ribeiro e Mendes, 2000, Niedhammer et al, 2000, Bertin e Derriennic,2000, Vézina et al,
2000).
Estes resultados sugerem que a organização do trabalho, relativamente ao conteúdo
das tarefas, promove a vivência de prazer no trabalho, e possivelmente influencia no
predomínio da vivência de prazer pelo grupo de trabalhadores.
No que se refere às relações socioprofissionais, apesar de a totalidade do grupo de
trabalhadores atuar individualmente, em alguns casos, em situações esporádicas, com ajuda
de poucas pessoas, os resultados indicam que os trabalhadores estabelecem relações ativas
com os seus vizinhos, o que lhes permite compartilhar sentimentos e situações de trabalho e
ainda considerar-se integrantes de um coletivo de trabalho, por pertencerem a uma
associação de trabalhadores.
As análises qualitativas indicam que o coletivo de trabalho caracteriza-se pela
ausência do exercício de um trabalho comum e de um grupo em constante interação que
compartilha metas subjetivas e ainda pela inexistência de acordos táticos, de
estabelecimento de regras e normas, do conhecimento e interiorização de códigos e
costumes pelos trabalhadores. De acordo com as verbalizações, a associação é inoperante e
ineficiente, os trabalhadores têm pouca ou nenhuma participação nas atividades promovidas
por ela e a relação entre eles é marcada pelo individualismo, competição e desunião. As
regras e normas existentes são impostas pelo governo, dizem respeito exclusivamente ao
horário de trabalho, à ocupação do espaço físico e ao pagamento de taxas. São fiscalizadas
sob pena de pagamento de multas ou de exclusão da feira, sendo por isto, cumpridas pela
maioria dos trabalhadores.
Dejours (1997/1999), Périlleux (1996) e Maranda, Leclerc e Toupin, (1997)
salientam o papel do coletivo de trabalho como espaço de fala e expressão do sofrimento e
ainda como locus para que se estabeleça o julgamento de utilidade e beleza, fundamentais
para o processamento da dinâmica de reconhecimento do trabalho. Apontam como
características essenciais para que o coletivo de trabalho desempenhe estes papéis, o
exercício de um trabalho comum, com compartilhamento de metas, regras, códigos e
costumes e a interação constante marcada até pelo emprego de uma linguagem particular.
Os resultados denotam que o coletivo de trabalho do grupo de trabalhadores não
possui as características fundamentais para o estabelecimento da dinâmica do
reconhecimento do trabalho e a vivência de prazer no trabalho, mas sim aspectos que
viabilizam a negação ou a indiferença dos investimentos do trabalhador na execução do seu
trabalho, como por exemplo, a falta de um espaço público para negociação das regras bem
como a falta de convivência com colegas, fatores determinantes para a vivência de
sofrimento no trabalho e consequentemente, desestabilizantes do equilíbrio psíquico.
Além disso, a análise quantitativa dos dados mostra que o grupo vivencia
fortemente sentimento de gostar de conviver com os colegas de trabalho. A análise
qualitativa, por sua vez, revela que os trabalhadores estabelecem relação ativa com os
vizinhos de barraca caracterizada como de coesão e solidariedade e descrita como de
integração, ajuda mútua, permeada pelo diálogo e troca de experiências derivadas das
situações comuns.
Estes resultados permitem-nos sugerir que, apesar de as características do coletivo
de trabalho não propiciarem a expressão e transformação das vivências de sofrimento e o
processamento da dinâmica de reconhecimento do trabalho, os trabalhadores, em
contrapartida, desenvolvem relações ativas com os seus vizinhos, o que lhes possibilita um
espaço de fala e compartilhamento das situações de trabalho propiciadoras da vivência de
sofrimento e que possivelmente permite que se realizem julgamentos de utilidade e beleza,
fundamentais à dinâmica de reconhecimento.
Neste sentido, ante o predomínio da vivência de prazer pelo grupo, parece-nos que,
independentemente da configuração do coletivo de trabalho, os trabalhadores encontram
caminho alternativo, pela vinculação aos pares, capaz de promover a expressão do
sofrimento, a possível transformação das situações geradoras de sofrimento e vivência de
prazer no trabalho.
Comparação entre a análise qualitativa dos dados do grupo que vivencia
predominantemente prazer no trabalho com o que vivencia predominantemente sofrimento
mostra que a organização de trabalho para ambos delineia-se por características
homogêneas e similares.
Os entrevistados relatam o exercício dos mesmos tipos de atividades –
comercialização de mercadorias, abertura e fechamento das barracas, arrumação do
ambiente e controle e reposição de estoque, assim como homogeneidade do processo de
trabalho – marcado, de maneira geral, pela autonomia, tomada de decisões,
responsabilidade sobre o cumprimento das atividades e das relações socioprofissionais –
caracterizada, genericamente, como relação de ajuda e amizade com os vizinhos e de
desunião e individualismo com os demais profissionais da feira.
Esta constatação leva-nos a inferir que independentemente de as características da
organização do trabalho exercerem papel determinante na vivência de prazer e sofrimento
no trabalho, como apontam os resultados deste estudo e a literatura, outras variáveis se
fazem presentes, evidenciando que estas vivências devem ser consideradas como um
processo dinâmico que influencia e sofre influência de diferentes variáveis relacionadas à
situação de trabalho.
Não podemos, neste momento, deixar de enfatizar que os resultados obtidos
apontaram especificamente para duas variáveis até então relativamente abordadas por
teóricos da área, ou seja, os benefícios trazidos pelo trabalho como relacionados à vivência
de prazer no trabalho e a precariedade das condições de trabalho como ligadas à vivência
de sofrimento, variáveis discutidas ainda neste capítulo.
A terceira questão proposta focaliza o emprego, pelo grupo analisado, de estratégias
e mecanismos coletivos, capazes de modificar ou eufemizar a realidade de trabalho
propiciadora da vivência de sofrimento psíquico.
A coexistência de indicadores característicos da vivência de sofrimento assim como
de prazer, como evidenciado nos parágrafos anteriores, pode estar relacionada à utilização
de estratégias de defesa individuais ou coletivas ou do mecanismo de mobilização
subjetiva, como sugere o modelo teórico da psicodinâmica do trabalho.
Retomando os conceitos dejourianos, as estratégias de defesa consistem em
procedimentos de regulação, construídos, organizados e gerenciados individual ou
coletivamente, capazes de modificar ou eufemizar a percepção do trabalhador da realidade
de trabalho que o faz sofrer, bem como de minimizar as pressões patogênicas impostas por
esta realidade.
Por sua vez, o mecanismo de mobilização subjetiva compreende a mobilização dos
impulsos afetivos e cognitivos da inteligência do trabalhador, da sua subjetividade no trabalho em
busca do reconhecimento possibilitando a transformação do sofrimento, por uma operação
simbólica que leva ao resgate do sentido do trabalho, em vivências de prazer. Pressupõe,
paralelamente à presença de um espaço público de discussão, a existência da inteligência da prática
e da cooperação entre os membros do grupo de trabalho.
Enfocando inicialmente o emprego de estratégias de defesa, salientando não ser foco
deste estudo a análise destas estratégias sob o prisma individual de cada trabalhador, mas
sim sob a perspectiva da utilização coletiva, a análise qualitativa dos resultados mostra que
os trabalhadores entrevistados associam
sentimentos de cansaço, desânimo, tristeza,
insegurança, dentre outros indicadores da vivência de sofrimento, à crença de que a
situação causadora destes sentimentos é passageira, comum ao comércio, que em breve será
revertida ou de que é uma circunstância que poderá ser alterada por si mesma ou que
requer fé em Deus, agente capaz de proporcionar nova configuração à realidade de
trabalho.
Estes resultados parecem indicar que o grupo de trabalho utiliza prioritariamente,
como estratégia de defesa, a passividade, compreendida, segundo Mendes (1994 e 1995),
como a atribuição a condições externas e independentes do contexto organizacional,
responsabilidade pelas adversidades da situação de trabalho bem como poder para
modifica-las, estratégia que leva os trabalhadores a adotar comportamentos de acomodação
utilizados para justificar ou suportar a não-transformação das situações de trabalho.
A utilização desta estratégia parece revelar-se positiva à medida que colabora com
o enfrentamento das situações causadoras de sofrimento psíquico. O grupo de trabalhadores
associa os sentimentos indicadores da vivência de sofrimento psíquico com a baixa
comercialização dos produtos, situação que, pelo emprego da estratégia defensiva, é vista
como passível de modificação em curto período de tempo. Isto parece fazer, na maioria das
vezes, com que os trabalhadores continuem a exercer o seu ofício independentemente dos
resultados alcançados.
Estes resultados vêm confirmar o que tem sido apontado pela literatura (Cançado,
1994, Mendes e Linhares, 1996, Vezine e Saint-Aranud, 1996) ao papel da utilização de
estratégias de defesa como medida que colabora como o equilíbrio psíquico e favorece a
adaptação às situações de desgaste emocional, vivenciadas pelo trabalhador.
Entretanto, a adoção similar de uma estratégia de defesa tanto pelo grupo de
trabalhadores que vivencia predominantemente prazer no trabalho como pelo que vivencia
sofrimento, faz-nos inferir que a sua utilização não é capaz necessariamente de transformar
as situações de trabalho causadoras da vivência de sofrimento em vivência de prazer.
As verbalizações parecem demonstrar que, apesar da inexistência de um espaço
público de discussão, espaço, segundo Dejours (1999b), fundamental para expressão e
transformação coletiva do sofrimento, os trabalhadores que vivenciam predominantemente
prazer no trabalho utilizam-se do mecanismo de mobilização subjetiva, empregando a
inteligência da prática na execução de seu trabalho.
Paralelo às características da organização do trabalho, que permite aos trabalhadores
flexibilidade dos processos de trabalho, autonomia e tomada de decisão, características sine
qua non para que se processe a transformação da vivência de sofrimento em prazer, o grupo
de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer relata adoção de comportamentos
e ações específicas e inovadoras destinadas a lidar com os imprevistos inerentes ao trabalho
bem como com a situação de baixa comercialização dos produtos, conforme diversos
relatos dos feirantes, diretamente associada à vivência de sofrimento psíquico do trabalho.
Observamos que a adoção destes comportamentos e ações manifesta-se
exclusivamente no grupo que vivencia predominantemente prazer no trabalho, o que parece
indicar que este fato possui papel determinante na transformação da vivência de sofrimento
em vivência de prazer. As verbalizações deste grupo indicam que os sujeitos imprimem
uma marca pessoal ao seu trabalho, adotando comportamentos e atitudes específicas,
criando uma lógica própria de ação e reação.
Os relatos demonstram que os trabalhadores adotam atitudes como mudança do tipo
de mercadoria comercializada, do leiaute da disposição dos produtos, das estratégias de
venda, dentre outros, a fim de transformar as situações de baixa comercialização,
determinantes de sentimentos que indicam a vivência de sofrimento no trabalho.
Por outro lado, no grupo que vivencia predominantemente sofrimento percebe-se
uma atitude de convivência passiva com a situação geradora desse estado, de aceitação das
adversidades da situação de trabalho o que indica que este grupo utiliza estratégia de defesa
para enfrentamento da realidade de trabalho causadora de sofrimento, mas não busca
mecanismos capazes de transformá-la.
Segundo o modelo teórico (Dejours, 1999b), a mobilização dos impulsos afetivos e
cognitivos do trabalhador, sinalizadores do emprego do mecanismo de mobilização
subjetiva, tem relação direta com a dinâmica de reconhecimento no trabalho, aspecto que
não foi observado no grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente sofrimento.
Sua existência pressupõe, além da validação social, o reconhecimento do fazer pela
dinâmica do reconhecimento do trabalho, condições psicoafetivas derivadas do sentido
atribuído pelo trabalhador ao seu trabalho em função da sua história de vida, dinâmica
denominada ressonância simbólica.
Neste sentido, passamos a abordar a dinâmica de reconhecimento vivenciada pelo
grupo de trabalhadores, quarta questão deste estudo, a fim de analisar sua relação com as
características da organização do trabalho, com a utilização de estratégias defensivas e
mecanismo de mobilização subjetiva e, por sua vez, com a vivência de prazer e sofrimento
no trabalho.
A análise quantitativa dos dados, como anteriormente descrita, revela que o grupo,
de forma geral, vivencia fortemente o sentimento de valorização e reconhecimento do
trabalho, destacando-se aqui o forte sentimento de orgulho em relação ao trabalho que
realiza e a percepção de que as tarefas executadas são úteis e significativas para si e para as
pessoas em geral.
Análise fundamentada no modelo teórico (Dejours e Molinier 1997, Dejours
1997/1999) faz com que estes resultados nos levem a supor que o grupo de trabalhadores
parece sentir, em relação ao seu trabalho, retribuição moral e simbólica, o que propicia a
vivência de prazer no trabalho, fato este que pode estar associado ao predomínio da
vivência de prazer.
Esta suposição adquire ainda maior respaldo ao analisarmos os resultados
qualitativos do estudo: eles sugerem que o processamento da dinâmica de reconhecimento
no trabalho realiza-se de forma diferenciada pelo grupo de trabalhadores que vivencia
predominantemente prazer do grupo que vivencia sofrimento.
As verbalizações daqueles que vivenciam predominantemente prazer evidenciam
que eles percebem o seu trabalho reconhecido, entendendo reconhecimento como
admiração do “seu fazer” ou das suas conquistas pelos outros ou retorno ao trabalho
executado.
Por sua vez, o relato dos que vivenciam predominantemente sofrimento retrata
percepção de descaso dos outros em relação ao trabalho que realizam, desejo de ter o
trabalho mais reconhecido ou impossibilidade de avaliar se o trabalho é ou não
reconhecido, manifestações que parecem revelar que os profissionais não sentem o seu
trabalho reconhecido.
Na concepção da psicodinâmica (Dejours, 1995, 199b), o reconhecimento do
trabalho exerce papel decisivo na vivência de prazer ou sofrimento, ao atribuir ou não
sentido aos investimentos realizados pelo trabalhador no seu trabalho e às angústias,
dúvidas, esforços vividos na situação de trabalho.
Nesta perspectiva, o reconhecimento do trabalho tanto é capaz de subverter a
vivência de sofrimento como, na sua ausência, de conduzir ao sofrimento o que pode
originar, em alguns casos, a instalação de um processo desestabilizante.
As análises qualitativas deste estudo parecem confirmar tais concepções ao retratam
a percepção de reconhecimento do trabalho realizado, pelo grupo que vivencia
predominantemente prazer no trabalho e, a percepção de falta de reconhecimento, pelo
grupo que vivencia predominantemente sofrimento.
Considerando os resultados alcançados em relação à utilização do mecanismo de
mobilização subjetiva, realizada pelo grupo que vivencia predominantemente prazer, estes
resultados levam-nos a inferir ainda que a dinâmica de reconhecimento, em inter-relação
com a mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos do trabalhador em busca da
transformação das situações de trabalho propiciadores de sofrimento, mostra-se decisiva na
transformação da vivência de sofrimento em vivência de prazer, por atribuir sentido à
vivência de sofrimento e aos investimentos realizados pelo trabalhador no seu trabalho.
Segundo o modelo teórico (Dejours,1997/1999, 1999 a, 2000), a dinâmica de
reconhecimento do trabalho processa-se fundamentalmente pela ação de julgamento do
trabalho, inserindo-se julgamento aos investimentos afetivos e cognitivos realizados pelo
trabalhador.
Este julgamento realiza-se pelo outro, hierarquia, subordinados e coletivo de
trabalho, em duas formas distintas: julgamento de utilidade –técnica, social e econômica da
atividade de trabalho e julgamento da beleza – da conformidade do trabalho com as artes de
ofício e apreciação quanto à distinção, especificidade, originalidade ou estilo.
Vislumbrando as análises qualitativas dos resultados, sob este prisma, observamos
que o julgamento do trabalho do grupo pesquisado realiza-se, na maioria das vezes, pelos
clientes, amigos e familiares, o que vem demonstrar que a dinâmica de reconhecimento do
trabalho processa-se por outros agentes que não os diretamente relacionados à situação de
trabalho, no caso hierarquia, subordinados e coletivo de trabalho, como propõe o modelo
teórico.
Nas verbalizações dos entrevistados, há menção de que os clientes reconhecem o
trabalho pelo atendimento oferecido e pela qualidade das mercadorias comercializadas, a
família, pelos esforços e conquistas e os amigos que reconhecem o trabalho pelas
conquistas profissionais alcançadas pelos trabalhadores.
Por sua vez, a falta de reconhecimento do trabalho também é associada a outros agentes que
não os enfatizados pelo modelo teórico. Os relatos evidenciam a percepção de descaso do governo
ante as condições de trabalho, de desvalorização pelos clientes dos produtos comercializados, de
discriminação da profissão pela comunidade.
Estes resultados corroboram o que vem sendo apontado por pesquisas empíricas
realizadas nos últimos anos ( Soares, 1997, Lhuilier, 1997) as quais revelam que os
trabalhadores transferem a outros agentes, não diretamente ligados à organização do
trabalho, papel de reconhecimento do trabalho executado.
Isso posto, passamos a abordar o papel da dinâmica de reconhecimento na
construção da identidade do trabalhador, vez que a análise qualitativa dos dados evidencia
relação. Esta análise realiza-se sob a perspectiva do modelo teórico da abordagem da
psicodinâmica do trabalho que dimensiona ser o processo de construção da identidade do
trabalhador, no campo social, uma experiência individual dependente da relação que o
indivíduo estabelece com a sua realidade de trabalho, pelo reconhecimento do seu fazer.
Pesquisas empíricas realizadas nos últimos anos (Itani,1997, Pellegrin-Rescia, 1997,
Vargas, 2001, Dunezat, 2001) vêm apontando que a construção da identidade social passa
pela identidade profissional assumindo o trabalho papel de construção e resgate da imagem
de si mesmo.
Os resultados alcançados por este estudo parecem confirmar tais constatações ao
revelar a percepção dos trabalhadores das conquistas alcançadas pelo trabalho, o
reconhecimento recebido e a titulação imposta à profissão.
Entretanto, é imprescindível salientar que tais resultados são apresentados de forma
diferenciada pelo grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer no
trabalho e o grupo que vivencia sofrimento.
Esta constatação sustenta o que vem sendo apontado pela literatura (Dejours,
1997/1999, 1999 a, 2000, Reicher- Brouard,1997, Pellegrin-Reschia, 1997, Vargas, 2001,
Drida et al, 2001) que revela a relação existente entre a dinâmica de reconhecimento do
trabalho, o processo de construção da identidade do trabalhador e a vivência de prazer ou
demonstra que a vivência de sofrimento no trabalho não influência o processo de
construção da identidade do trabalhador quando não representa uma situação de privação à
dinâmica de reconhecimento.
As verbalizações do grupo de trabalhadores que vivencia predominantemente prazer
mostram que estes percebem que o seu trabalho lhes proporciona conquista pessoal ao
permitir-lhes serem donos do próprio negócio, situação esta considerada como um grande
feito vez que os trabalhadores possuíam uma situação socioeconômica impeditiva desta
configuração profissional. Sinaliza ainda, que os trabalhadores se identificam com o seu
trabalho por relatarem gostar do que fazem e por atitudes de envolvimento com o seu
trabalho.
Do ponto de vista psicodinâmico, estes resultados evidenciam que os entrevistados
atribuem ao seu trabalho significado subjetivo, o que torna a relação do trabalhador com o
seu trabalho com sentido, fato este que, atrelado à percepção de reconhecimento do
trabalho executado e, por conseguinte, ao processo de construção da identidade destes
trabalhadores, possibilita-lhes a realização de si mesmos e conseqüentemente a vivência de
prazer.
Por sua vez, as verbalizações do grupo de trabalhadores que vivencia
predominantemente sofrimento revelam que os trabalhadores não se identificam com o seu
trabalho, não gostam do que fazem. Desejam mudar de ocupação profissional por motivos
atrelados aos conteúdos materiais do trabalho, redução de jornada diária, alteração do tipo
de tarefa exercida, mas principalmente, por motivos associados aos conteúdos simbólicos,
exercício de uma profissão que permita maior status social, crescimento profissional,
possibilidade de aprendizagem.
Na perspectiva da psicodinâmica, estes resultados parecem evidenciar que os
trabalhadores não atribuem ao seu trabalho significado subjetivo. Esta constatação, atrelada
à percepção de falta de reconhecimento do trabalho, parece contribuir negativamente ao
processo de construção da identidade do trabalhador, mostrando-se decisiva à vivência de
sofrimento no trabalho.
Análise da titulação imposta pelos trabalhadores à sua profissão vem exemplificar
tais evidências. O grupo que vivencia predominantemente prazer, salientando que estes
trabalhadores possuem a percepção de reconhecimento do trabalho, intitula-se
microempresário, relatando sentimentos de satisfação e vitória pela conquista desta
identidade profissional que lhe atribui status social. Por sua vez, o grupo que vivencia
predominantemente sofrimento, que percebe falta de reconhecimento do seu trabalho,
concretizada, dentre outros aspectos, pelo sentimento de discriminação da profissão, utiliza
termos como feirante, vendedor, referindo-se a profissões anteriormente exercidas, por
exemplo, funcionário público, vendedor comissionado, como sua identidade profissional.
De forma geral, os resultados apontam que o predomínio da vivência de prazer pelo
grupo de trabalhadores parece revelar que este percebe o seu trabalho validado socialmente,
pelo reconhecimento do seu fazer o que o leva a atribuir sentido ao seu trabalho. Esta
situação não apenas possibilita a realização da dinâmica de ressonância simbólica,
indicador da existência de condições psicoafetivas favoráveis ao equilíbrio psíquico do
grupo de trabalhadores como também sinaliza a realização do processo de construção da
identidade, pela mediação do trabalho, em sua dinâmica de reconhecimento do indivíduo
pelo seu fazer.
Entretanto, é imprescindível salientar que os resultados nos fazem inferir que a
dinâmica de reconhecimento do trabalho é parte constituinte de um processo amplo e
dinâmico que envolve diferentes variáveis, tais como características da organização do
trabalho, utilização de estratégias de defesa individuais ou coletivas e do mecanismo de
mobilização subjetiva, que em inter-relação estabelecem condições favoráveis à subversão
do sofrimento psíquico ao plano da construção da identidade do trabalhador, possibilitando
a realização de si mesmo e a vivência de prazer. Trata-se de um processo que resulta no
livre funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador, ao articular-se às suas
necessidades e desejos psicológicos, determinando um estado de saúde psíquica.
No entanto, os resultados obtidos pela análise qualitativa dos dados mostra a
influência de duas outras variáveis que parecem também interferir na vivência de prazer ou
sofrimento no trabalho: o caráter do trabalho como meio de sobrevivência e as condições de
trabalho.
O trabalho como meio de sobrevivência é trazido nas verbalizações do grupo de
trabalhadores que vivencia predominantemente prazer. Este grupo relata ser o trabalho
importante por fornecer meio de obtenção de poder aquisitivo suficiente para a própria
sobrevivência e a de sua família, de alcance de metas pessoais e de independência
financeira. Estes benefícios são associados à situação de desemprego, situação presente no
discurso dos trabalhadores seja por ter sido vivida anteriormente, seja por uma leitura do
mercado de trabalho.
Sem deixar de dimensionar que este resultado pode estar diretamente relacionado às
características do grupo pesquisado, trabalhadores em exercício de atividade informal,
principalmente pelo papel que estas atividades possuem como alternativa ao desemprego,
inferimos que a visão do trabalho como meio de sobrevivência atribui ao trabalho um
sentido simbólico e material, cuja função de veículo a realização da dinâmica de
reconhecimento do trabalho e consequentemente de construção da identidade do
trabalhador parece-nos de fundamental importância.
Sob um outro enfoque, que não invalida o anteriormente descrito, o valor atribuído
ao trabalho como alternativa de sobrevivência pode exercer ainda um papel preponderante
na dinâmica de enfrentamento das situações de trabalho propiciadoras à vivência de
sofrimento. Pelo seu caráter e por expressar-se exclusivamente no grupo de trabalhadores
que vivencia prioritariamente prazer no trabalho, a manifestação desta variável nos leva a
inferir que a utilização do mecanismo de mobilização subjetiva pode estar associada ao
valor de sobrevivência atribuído ao trabalho, valor este que impulsiona o grupo a adotar
atitudes e comportamentos em direção à modificação da circunstência geradora de
sofrimento, para uma situação capaz de promover a vivência de prazer.
A constatação do papel que a atribuição, pelos trabalhadores, do valor do trabalho
como meio de sobrevivência exerce sobre a vivência de prazer e sofrimento é apontada por
Vargas (2001), pelos resultados alcançados em pesquisa empírica com trabalhadores
desempregados. Segundo o autor, o desemprego não caracteriza vivência de sofrimento
quando não representa uma situação real de privação, dentre outros, de autonomia
financeira. A ausência de autonomia financeira pode produzir um sentimento de
inferioridade, de queda de dignidade que impossibilita a realização da dinâmica de
reconhecimento já que o trabalhador passa a perceber-se como inferior ao “outro”.
Nesta perspectiva, sugerimos que provavelmente o valor de sobrevivência atribuído
ao trabalho exerce influência sobre a vivência de prazer e sofrimento não somente a
trabalhadores em exercício de atividades informais, mas, inclusive naqueles em exercício
de atividade formal, variando possivelmente em intensidade de acordo com a história de
vida de cada trabalhador.
Verbalizações atreladas às condições de trabalho são trazidas pelo grupo de
trabalhadores que vivencia predominantemente sofrimento. Estes trabalhadores relatam
inadequação do ambiente de trabalho caracterizado por condições de saneamento
deficitárias, rede de energia elétrica insuficiente para atender às necessidades locais,
construções precárias, sem proteção a chuvas e espaço pequeno e sem ventilação.
A precariedade das condições de trabalho é um dos ícones relatados pelo grupo
como responsável pela não realização da dinâmica de reconhecimento, vez que o descaso
do governo para com este aspecto é compreendido como fonte de não reconhecimento
profissional. Associa-se ainda a presença de sentimentos indicadores da vivência de
sofrimento no trabalho.
Tais resultados levam-nos a inferir que esta precariedade deve ser contextualizada
quando em análise a dinâmica de reconhecimento e consequentemente a vivência de prazer
e sofrimento no trabalho.
O modelo teórico (Dejours,1980/1992) aborda o papel das condições de trabalho
sobre a saúde física do trabalhador, enfatizando ser o ponto de impacto da sua inadequação,
o corpo do trabalhador. Entretanto, os resultados alcançados parecem evidenciar a relação
direta entre a precariedade das condições de trabalho e o funcionamento do aparelho
psíquico dos trabalhadores.
Diante do exposto neste capítulo, salientamos que este estudo pesquisa
trabalhadores no exercício de atividades informais, o que nos revela que o grupo de
profissionais pesquisados vivenciam uma organização do trabalho fundamentada na
autonomia, na flexibilização do processo de trabalho, na realização das atividades em sua
totalidade e no estabelecimento de relações socioprofissionais com características
particulares, fato que delineia uma organização do trabalho específica à atividade informal,
mas constituída, como sugere a literatura, por fatores propiciadores da vivência de prazer
no trabalho.
Os resultados nos mostram que esses trabalhadores, assim como outros no exercício
de atividades formais, empregam estratégias de defesa e o mecanismo de mobilização
subjetiva para modificação ou eufemização da realidade de trabalho desestabilizante,
vivenciam a dinâmica de reconhecimento e conseqüentemente o processo de construção da
identidade no campo social e manifestam indicadores da vivência concomitante de prazer e
sofrimento, o que parece nos sinalizar a inexistência de uma dinâmica específica inerente
ao trabalhador em exercício de atividade informal.
O predomínio da vivência de prazer no trabalho pela amostra deste estudo parece
estar atrelada, não especificamente ao fato de os trabalhadores exercerem atividade
informal, mas sim à relação existente entre as características da organização do trabalho, à
utilização de estratégias de defesa e do mecanismo de mobilização subjetiva e à realização
da dinâmica de reconhecimento, fatores que interligados promovem um estado de equilíbrio
que vem a caracterizar um estado de saúde psíquica no grupo de trabalhadores.
No entanto, não podemos deixar de salientar que o exercício da atividade informal
foi relatado pela maioria dos entrevistados como sendo uma solução à desocupação, à falta
de meios de sobrevivência. O significado da atividade informal como alternativa ao
desemprego pode estar associado ao quadro de saúde psíquica delineado neste estudo, pelo
grupo pesquisado. Neste sentido, a saúde psíquica adquire fundamentalmente dois
caminhos distintos, mas concomitantes: é fruto da mobilização subjetiva derivada do fato
de ser a atividade informal fonte de ocupação e da utilização de estratégias de
enfrentamento e transformação dirigidas à evitação do adoecimento diante da desproteção e
da precarização do trabalho. Assim, ousamos levantar a hipótese que possuir um trabalho,
mesmo que em condições precárias, é de suma importância para a saúde psíquica dos
trabalhadores.
Por fim, considerando os resultados deste estudo, propomos um aperfeiçoamento da
representação gráfica do modelo de investigação. Ainda utilizando a figura geométrica
triângulo, figura 15, posicionamos, em um dos vértices, condições do trabalho e
organização do trabalho, abrangendo tanto a organização prescrita como a real (Dejours,
1999 b). No outro, a dinâmica do reconhecimento do trabalho e no outro a vivência de
prazer e sofrimento no trabalho. Interceptando os três vértices, a utilização de estratégias de
defesa e do mecanismo de mobilização subjetiva. Os três vértices interagem mutuamente,
influenciando-se e convergindo para o centro, onde se sinaliza a saúde psíquica do
trabalhador.
Figura 15 – Representação gráfica do modelo de investigação
7. CONCLUSÕES
Este estudo foi realizado com o objetivo de investigar o impacto da organização de trabalho
e da dinâmica de reconhecimento sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho em
trabalhadores de atividades informais, tendo por enfoque específico a análise da vivência de prazer
ou sofrimento; das características da organização do trabalho, sua estrutura e influência sobre a
vivência de prazer e sofrimento no trabalho; e da dinâmica do reconhecimento do trabalho.
Os resultados obtidos, demonstrados e discutidos nos capítulos anteriores, sugerem-nos
apontar conclusões gerais para esta categoria de trabalhadores pesquisados, assim delineadas:
¾ A vivência de prazer e sofrimento no trabalho deve ser considerada como um
processo dinâmico que influencia e sofre influência de diferentes variáveis
relacionadas à situação de trabalho;
¾ As características da organização do trabalho exercem papel preponderante na
vivência de prazer e sofrimento no trabalho. A realização de atividades com
começo, meio e fim, a visualização dos resultados do trabalho, a flexibilização
das decisões e processos de trabalho e o desenvolvimento de atividades que
requerem iniciativa, tomada de decisão, visão estratégica, capacidade de
argumentação e comunicação verbal associam-se à vivência de prazer no
trabalho;
¾ A existência de um coletivo de trabalho que não propicia a expressão e
transformação das vivências de sofrimento e o processamento da dinâmica de
reconhecimento do trabalho é superada pela vinculação do trabalhador aos seus
pares, vinculação esta capaz de promover a expressão do sofrimento, a possível
transformação das situações geradoras de sofrimento, a vivência de prazer no
trabalho e a realização da dinâmica de reconhecimento do trabalho;
¾ A utilização de estratégia de defesa propicia equilíbrio psíquico por possibilitar
o enfrentamento e eufemização das situações causadoras de sofrimento,
favorecendo a adaptação do trabalhador às situações de desgaste emocional. Sua
utilização, no entanto, não é capaz, necessariamente, de transformar as situações
de trabalho causadoras da vivência de sofrimento em vivência de prazer. Tal
transformação requer a adoção de comportamentos e ações específicas pelo
emprego do mecanismo de mobilização subjetiva;
¾ A dinâmica de reconhecimento no trabalho realiza-se de forma diferenciada por
trabalhadores que vivenciam predominantemente prazer no trabalho daqueles
que vivenciam sofrimento, sofrendo influência e exercendo papel decisivo na
vivência de prazer ou sofrimento no trabalho. Quando associada à utilização do
mecanismo de mobilização subjetiva, possibilita a transformação das situações
de trabalho propiciadores de sofrimento, levando à vivência de prazer;
¾
A dinâmica de reconhecimento do trabalho processa-se por outros agentes, tais
como familiares e amigos, que não os diretamente relacionados à organização de
trabalho, no caso hierarquia, subordinados e coletivo de trabalho;
¾
A dinâmica de reconhecimento do trabalho associada à atribuição de valor
subjetivo ao trabalho e à vivência de prazer no trabalho exerce papel preponderante
no processo de construção da identidade do trabalhador, propiciando a construção e
resgate da imagem de si mesmo e sua realização;
¾ O valor atribuído ao trabalho como alternativa de sobrevivência exerce um papel
preponderante na dinâmica de enfrentamento das situações de trabalho
propiciadoras à vivência de sofrimento;
¾
As condições de trabalho possuem relação direta com a realização da dinâmica
de reconhecimento no trabalho e com a vivência de prazer e sofrimento;
¾ As vivências de prazer e de sofrimento coexistem na situação de trabalho constituindo
um processo dinâmico, que abarca dinâmicas intersubjetivas e intrasubjetivas, que em
inter-relação com variáveis relacionadas à situação de trabalho determinam a saúde
psíquica do trabalhador.
¾
A vivência de prazer e a de sofrimento no trabalho é parte constituinte de um
processo amplo e dinâmico que envolve diferentes variáveis, tais como
características da organização do trabalho, utilização de estratégias de defesa
individuais ou coletivas e do mecanismo de mobilização subjetiva e realização da
dinâmica de reconhecimento. Em inter-relação estas variáveis estabelecem
condições favoráveis ou não à subversão do sofrimento psíquico ao plano da
construção da identidade do trabalhador, possibilitando a realização de si mesmo e
a vivência de prazer. O funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador sofre
influência deste processo, torna-se livre quando existe a articulação com as
necessidades e desejos psicológicos do trabalhador, determinando um estado de
saúde psíquica.
Pontuamos que os resultados mostram que o grupo de trabalhadores pesquisados,
assim como trabalhadores no exercício de atividades formais, empregam estratégias de
defesa e o mecanismo de mobilização subjetiva para modificação ou eufemização da
realidade de trabalho desestabilizante, vivenciam a dinâmica de reconhecimento e
consequentemente o processo de construção da identidade no campo social e manifestam
indicadores da vivência concomitante de prazer e sofrimento no trabalho, o que sinaliza a
inexistência de uma dinâmica específica inerente ao trabalhador em exercício de atividade
informal.
Isso posto, é importante salientar que não consideramos pertinente fazer uma
apologia ao trabalho informal como alternativa às transformações produtivas ocorridas nas
últimas décadas. Estes trabalhadores, fundamentados nos resultados deste estudo, mesmo
apresentando indicadores de saúde psíquica, vivenciam sofrimento e possivelmente atingem
equilíbrio psíquico pelo fato de exercerem um trabalho que lhes possibilita ocupação,
caminho de sobrevivência, alternativa ao desemprego.
O desafio maior é, ainda, levar os trabalhadores, independentemente da
atividade profissional ou das mudanças impostas ao mundo do trabalho, a viverem
essencialmente um estado de saúde psíquica. Neste sentido, os estudos da
psicodinâmica do trabalho têm muito a contribuir.
Acreditamos que a realização deste estudo traz contribuições relevantes por
demonstrar empiricamente constructos teóricos, por confirmar resultados que vêm
sendo obtidos por diversos pesquisadores e ainda por apontar conclusões que ampliam o
conhecimento da área.
Do ponto de vista metodológico, contribui ao demonstrar a integração entre
abordagens quantitativas e qualitativas em uma tentativa de melhor apreensão do objeto
de estudo. Apesar de não ter sido nossa intenção realizar testes metodológicos, foi
possível articular resultados quantitativos aos resultados qualitativos, ou seja, integrar a
expressão verbal de um grupo de trabalhadores com os resultados de uma maioria. Os
dados qualitativos confirmaram resultados quantitativos e vice-versa, revelando o
caráter complementar das duas abordagens.
Não obstante, não podemos deixar de considerar as limitações encontradas,
porque se tem claro que a apreensão da realidade psíquica dos trabalhadores e a
realidade de trabalho envolvem outras variáveis que não necessariamente as
contempladas.
Inicialmente enfatizamos que o instrumento utilizado para medir os indicadores
da vivência de prazer e sofrimento no trabalho mostrou-se com limitações por
apresentar itens diretamente relacionados às características do trabalho formal, não se
aplicando, na totalidade, aos trabalhadores em exercício de atividade informal.
A análise da organização do trabalho abordou, essencialmente, o exame do
conteúdo das atividades e das relações socioprofissionais. Seria pertinente aprofundar
esta análise, enfocando, por exemplo, elementos críticos relacionados às situações de
trabalho ou às condições físicas e materiais nas quais as atividades se realizam ou ainda
variáveis macro tais como cultura e valores, que podem definir determinadas
especificidades da organização do trabalho.
A dinâmica de reconhecimento, por sua vez, envolve inúmeros outros aspectos
relacionados à individualidade do trabalhador, associados a toda a complexidade que
envolve a subjetividade do indivíduo, que não constitui foco de análise.
Outra limitação é de que este estudo foi conduzido com uma categoria específica
de trabalhadores em exercício de uma atividade informal. Seria interessante realizar
comparações com outros grupos de trabalhadores em atividades informais, assim como
com trabalhadores em atividades formais.
E ainda, seria relevante, para apreensão mais ampla da saúde psíquica no
trabalho, que este estudo fosse conduzido sob a perspectiva de promover um diálogo
interdisciplinar, permitindo a análise de aspectos que se complementam mutualmente,
oriundos de disciplinas tais como a sociologia, ergonomia, psicologia social e
organizacional.
Isto posto propomos como agenda para futuras pesquisas:
¾ adaptação da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho, buscando
abordar situações específicas características da atividade informal;
¾ utilização de entrevistas coletivas, possibilitando apreender o fenômeno a partir da
expressão coletiva, particularmente a dinâmica de reconhecimento;
¾ realização de estudo comparativo com outras categorias profissionais em exercício de
atividades informais;
¾ introdução da análise de variáveis sociodemográficas e socioeconômicas e de variáveis
relacionadas à ergonomia e psicologia organizacional;
¾ aprofundamento da análise das condições de trabalho e do estudo das estratégias de
enfrentamento e transformação da vivência de sofrimento, principalmente relacionandoas ao caráter do trabalho como alternativa ao desemprego e caminho de sobrevivência;
¾ ampliação do estudo articulando-o com outras variáveis tais como as atreladas ao
contexto social ou à situação de desemprego.
Por fim, acreditamos ter contribuído para a compreensão da saúde psíquica
desses trabalhadores sob o prisma da psicodinâmica do trabalho. Consideramos que
muito ainda precisa ser investigado. Uma análise mais aprofundada das variáveis
observadas bem como a abordagem de outras variáveis, socioculturais e psíquicas, fazse relevante.
Esperamos, ainda, que as colaborações trazidas, mesmo que não devidamente
explicitadas ao longo do processo, possam ser aproveitadas por outros pesquisadores à
medida que avancem as pesquisas e reflexões teóricas em prol da saúde psíquica dos
trabalhadores.
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