clinical, quality life, depression and anxiety in five members of same
Transcrição
clinical, quality life, depression and anxiety in five members of same
Rev Bras Neurol. 51(4):91-2, 2015 Editorial Dr. Helio Bello Dr. Helio Bello (4th September, 1919 – 26th March, 2015) The Brazilian electroencephalography (EEG) loses one of its founders, on the last 26th March, and his many disciples and friends make their farewells to this keen intellectual, irreverent and generous personage. Helio de Paiva Bello was born in 1919 in the city of Piquete, Sao Paulo, son of Mercedes de Paiva Lacerda and Raul da Cunha Bello, a medical officer, the parents of four children, only one girl. He has been married three times, and he had six children. In the city of Rio de Janeiro, Bello completed his formal education and his graduation at the National School of Medicine of the University of Brazil (FNM-UB), in 1943. Regarding his background in EEG, his first steps stemmed from the Brazilian pioneer Neurology Institute where he studied with Hiss Martins Ferreira, from 1949 to 1952. His EEG further professional education was acquired from Abram Mosovich, in Buenos Aires (1952), Bartolomé Fuster, in Montevideo (1952), and Henri Gastaut, in Marseille (19561958). The latter was one of the most influential in Bello’s career, besides his professional and friendly interaction with the outstanding neurosurgeon founder of the Brazilian League Against Epilepsy, Paulo Niemeyer, and Abraham Akerman, one of the first president of this Society. Bello’s legacy is significant and pioneer. He provided several contributions to the electroencephalography, mainly his large classical Electroencephalography School established at the Casa de Saúde Dr. Eiras. He trained more than 100 clinical neurophysiologists from almost all Brazilian States, and three from abroad (two from Paraguay and one from Algeria). This was done in his particular way of teaching by mixing technical concepts and the wisdom of a philosopher and medical scientist. He collaborated also with the cradle of the Brazilian functional neurosurgery leaded by Paulo Niemeyer, his long-life friend and collaborator, who introduced in Brazil the electrocorticography and the electrographic exploration with implanted electrodes (in the Santa Casa de Misericórdia of Rio de Janeiro). In 1953, Paulo Niemeyer and Helio Bello documented the technique of electrocorticography in a 16-mm color film entitled Electrocorticography in cerebral tumors. Paulo Niemeyer, in 1958, published with Helio Bello’s collaboration, the new technique of the amygdalohippocampectomy for refractory seizures due to mesial temporal sclerosis. In consequence of this type of surgery and search for a temporal focus, Bello used for more than 40 years, TI and T2 electrodes to record the electrical activity of the anterior Address for correspondence: Marleide da Mota Gomes. Av. Venceslau Brás, 96, Botafogo – 22290-140 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] This paper was published at Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 73, p. 730, 2015. Reproduction authorized. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 91 Marleide et al. temporal brain regions. In 1954, Bello already presented some of his findings related to this subject. Paulo Pinto Pupo was the chairman of the Meeting of the South American Society of EEG which took place in São Paulo. Bello and Manoel Barreto Neto presented at this Meeting the Electrocorticographic and anatomopathological correlations of focal epilepsy. They studied the histopathological changes in the cortical regions of six cases where the eletrocorticogram revealed seizure activity. Their findings displayed a coincidence between the EEG foci in areas that presented damaged nerve cells in the midst of normal tissue. Bello was also the inspirer and the mentor of many of his disciples and their works. The book Eletroencefalografia — Fundamentos, under 92 his patronage, brought together several of his disciples, admirers and representatives of EEG of Rio de Janeiro. He was associated to important national and international societies of epilepsy and clinical neurophysiology among them may be cited Brazilian Society of Clinical Neurophysiology, where he was emeritus member and one of its founders. We represent all those that pay tribute to the master, as well as to his family with our condolences, but also our congratulations for the illustrious and beloved Bello. Marleide da Mota Gomes, Maria Alice Genofre, Fabio Brandão Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Rev Bras Neurol. 51(4):93-9, 2015 Ataxia espinocerebelar do tipo 2: aspectos clínicos, qualidade de vida, depressão e ansiedade em cinco portadores de uma família Spinocerebellar ataxia type 2: clinical, quality life, depression and anxiety in five members of same family Fernanda de Oliveira Yamane1, Lorrana Maria Costa Mantovani2, Danillo Barbosa3, Thiago Franco Nasser4, Ana Paula Santos5 RESUMO ABSTRACT A ataxia espinocerebelar do tipo 2 (SCA2) é uma das ataxias cerebelares autossômicas dominantes mais frequentes, resultando em significativo prejuízo funcional progressivo na vida dos portadores. Estudos relacionados à SCA2 no Brasil são escassos. O objetivo deste estudo foi descrever aspectos clínicos de cinco membros de uma mesma família portadores de SCA2 e correlacioná-los com qualidade de vida, depressão e ansiedade. Aspectos clínicos avaliados incluíram idade de início, tempo da doença e aplicação da Escala Cooperativa Internacional para Graduação de Ataxia (ICARS), além de avaliação de neuroimagem e tipos de tratamento. Para avaliação da ansiedade e depressão, foi utilizada a Escala de Beck, e para a qualidade de vida, a SF-36. Em relação ao estudo genético, foi avaliado o número de repetições do trinucleotídeo CAG. Análise estatística descritiva e inferencial foi realizada. As idades de início variaram de 14 a 30 anos e o tempo de doença variou de 8 a 27. A maior expansão de trinucleotídeo CAG foi 48, relacionada com a menor idade de início e pior ataxia. A caracterização clínica obtida por meio da ICARS foi variável e todos apresentaram diminuição da qualidade de vida, especialmente nos domínios: limitação por aspectos físicos, aspectos emocionais e capacidade funcional. A pontuação obtida pela Escala de Beck de depressão e ansiedade foi baixa em todos os indivíduos. Houve correlação, mas sem significância estatística, entre tempo de doença e capacidade funcional e entre tempo de doença e ICARS. Os indivíduos com SCA2 analisados neste estudo apresentaram achados clínicos variados e comprometimento das habilidades motoras e da qualidade de vida e não apresentaram depressão e ansiedade. Spinocerebellar ataxia type 2 (SCA2) is one of autosomal dominant cerebellar ataxias frequently, resulting in significant progressive functional impairment in the lives of carriers. Studies related the SCA2 in Brazil are scarce. The objective of this study was to describe clinical features of five members of same family with SCA2 and correlate them with the quality of life, depression and anxiety. Clinical aspects evaluated included age at onset, duration of disease and application of the International Cooperative Ataxia Rating Scale (ICARS), besides evaluation of neuroimaging and types of treatment. For assessment of anxiety and depression was used Beck Scale and for the quality of life was used SF-36. Regarding the genetic study was evaluated the number of repetitions of trinucleotide CAG. Analysis descriptive and inferential statistics was held. Early ages ranged from 14 to 30 years and duration of disease 8 to 27. The further expansion of trinucleotide CAG was 48 related to the lower age of onset and worse ataxia. Clinical characterization obtained by ICARS was variable and all showed a decrease in quality of life especially in the areas: limitations due to physical aspects, emotional aspects and functional capacity. The scores obtained by the Beck Scale for depression and anxiety were low in all individuals. There was correlation, but no statistical significance between disease duration and functional capacity and between disease duration and ICARS. Individuals with SCA2 analysed in this study had clinical variation, impairment of motor skills and quality of life and did not present depression and anxiety. Keywords: Ataxia, quality of life, anxiety, depression. Palavras-chave: Ataxia, qualidade de vida, ansiedade, depressão. Mestre em Neurociências, professora do Centro Universitário do Sul de Minas Gerais (UNIS), Varginha, MG, Brasil. Graduanda de Fisioterapia do UNIS, Varginha, MG, Brasil. 3 Doutor em Engenharia Biomédica, coordenador do curso de Fisioterapia do UNIS, Varginha, MG, Brasil. 4 Mestre em Patologia Experimental, coordenador do curso de Biomedicina do UNIS, Varginha, MG, Brasil. 5 Doutora em Neurociências, professora adjunta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina, MG, Brasil. 1 2 Trabalho desenvolvido no Centro Universitário do Sul de Minas, Varginha, MG, Brasil. Endereço para correspondência: Fernanda de Oliveira Yamane. Rua Tonico Xavier, 489, Bom Pastor – 37014-250 – Varginha, MG, Brasil. E-mail: [email protected] Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 93 Yamane FO et al. INTRODUÇÃO A ataxia refere-se à incoordenação motora caracterizada por déficits na velocidade, amplitude, precisão e força de movimento comprometendo a qualidade do movimento voluntário.1 Atualmente, o termo “ataxia” indica um grupo de doenças específicas que comprometem o cerebelo e suas principais conexões, e o sinal clássico é a ataxia cerebelar.2 As ataxias hereditárias compreendem um grupo extenso e complexo de doenças neurodegenerativas.3 Nos últimos anos, com o avanço na biologia molecular, a classificação genética permitiu a caracterização das ataxias autossômicas dominantes (ACAD – autosomal dominant cerebellar ataxias), também denominadas ataxias espinocerebelares (SCA – spinocerebellar ataxias), e a verificação de que muitas destas compartilham a mesma mutação. Mais de trinta tipos já foram identificados.4,5 A prevalência das ACAD no mundo é estimada em 1-5/100.000; o tipo mais comum é a SCA3; também denominada doença de Machado-Joseph; seguido por SCA1, SCA2, SCA6 e SCA7.6 No Brasil, a SCA3 é o tipo mais frequente, seguido de SCA1, SCA2, SCA6, SCA8 e SCA10.7 O espectro clínico das SCA é amplo, podendo apresentar envolvimento do cerebelo e de suas conexões aferentes e eferentes e, ainda, sinais não cerebelares indicando comprometimento de outras partes do sistema nervoso, como tronco encefálico, medula espinal, trato piramidal, nervos ópticos e nervos periféricos.4,8,9 A SCA do tipo 2 (SCA2), também chamada de “ataxia de Holguín” – por causa dos casos relatados na província de Holguín, em Cuba10 –, foi descrita pela primeira vez na Índia.11 Trata-se de uma doença ocasionada pela expansão de trinucleotídeos CAG, no cromossomo 12, no locus 12q23-24.1.12 A expansão responsável pela SCA2 ocorre no éxon 1 do gene ATXN2, que contém 25 éxons e codifica uma proteína denominada ataxina-2, formada por 1.313 aminoácidos (150KDa) e localizada no complexo de Golgi.13 A proteína ataxina-2 se expressa em todas as células do organismo, porém é mais abundante nas células de Purkinje do cerebelo e substância negra.14 Os achados anatomopatológicos na SCA2 evidenciam atrofia cerebelar, com perda das células de Purkinje e granulares,15 neurônios da substância negra, neurônios olivares, células do corno anterior da medula espinhal do córtex cerebral.8,16 94 Alelos normais do gene da SCA2 possuem entre 15 e 32 repetições CAG, enquanto alelos mutantes apresentam de 33 a 64 repetições.17 Há uma correlação inversa entre o número de repetição do trinucleotídeo CAG e a idade de início da doença, e uma correlação direta com o caráter de progressão da doença.18 O início dos sintomas na SCA2 ocorre entre 30 e 50 anos de idade,8 no entanto foram relatados casos em que os sintomas se iniciaram antes dos 20 e depois dos 60 anos de idade.18 Em alelos expandidos, com mais de 200 repetições CAG, os sintomas se iniciaram na infância.19 O quadro clínico da SCA2 é progressivo, e a sobrevida média é, em geral, de 10 a 20 anos após o início da doença.20 As manifestações clínicas típicas são: ataxia cerebelar associada à disartria e dismetria, movimentos sacádicos lentos e reflexos tendinosos profundos diminuídos ou abolidos. Tremor postural e intencional, assim como fasciculação de face e dos membros, é evidente nesse tipo de ataxia. Sinais clínicos como disfagia e distúrbio de esfíncter aparecem com a evolução da doença.17,21,22 A neuropatia periférica na SCA2 está associada com início precoce e gravidade da doença.23 Distúrbios do movimento como distonia, coreia, parkinsonismo e mioclonia podem estar presentes nesse tipo de ataxia, especialmente em pacientes que apresentam grandes expansões.8,22 Alterações cognitivas podem aparecer no curso da doença e estão relacionadas aos casos de início precoce.16,24 Os tratamentos disponíveis não são eficazes, e a repercussão da perda das capacidades funcionais sobre as atividades de vida diária pode comprometer a qualidade de vida dos indivíduos acometidos.25,26 Estudos com portadores de SCA2 no Brasil são escassos e não há estudos que verifiquem os aspectos clínicos associados aos aspectos emocionais. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi descrever aspectos clínicos de cinco membros de uma família do Sul de Minas portadores da SCA2 e correlacioná-los com qualidade de vida, depressão e ansiedade. MÉTODOS Este estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa do Sul de Minas (Fepesmig) e aprovado conforme o Parecer nº 983.792 e CAAE 41087515.9.0000.5111. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Ataxia espinocerebelar do tipo 2 Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram deste estudo cinco membros de uma família brasileira, residente no Sul de Minas, portadora da SCA2. Os participantes apresentavam diagnóstico clínico e molecular para SCA2 e não tinham qualquer outra doença associada. Aspectos clínicos relacionados a idade de início, tempo da doença e estudo genético, além de diagnóstico de imagem e tipos de tratamento, foram coletados. Todos foram avaliados pela Escala Cooperativa Internacional para Graduação da Ataxia (ICARS)27,28 – que contém 19 itens, distribuídos dentro de quatro subdivisões (postura e distúrbio da marcha; função cinética; distúrbios de linguagem; e desordens oculomotoras), e cuja soma determina uma pontuação total que varia de 0 a 100. Quanto maior for essa pontuação, maior é a gravidade da incapacidade, ou seja, mais grave é a ataxia. Além disso, os indivíduos responderam às Escalas de Ansiedade e de Depressão de Beck29 – cujo escore total permite classificar, respectivamente, os níveis de intensidade da ansiedade e da depressão; quanto maior o valor, pior a classificação – e ao Questionário SF-36 para avaliar a qualidade de vida em oito dimensões: capacidade funcional, dor, aspectos físicos, aspectos emocionais, aspectos sociais, saúde mental, vitalidade e estado geral de saúde – quanto maior o escore obtido, melhor a qualidade de vida.30 Para análise dos dados foi utilizado o programa estatístico Minitab13. A estatística foi feita por meio de análise descritiva e inferencial, esta com nível de significância p ≤ 0,05. Após a verificação da normalidade das variáveis (teste Shapiro-Wilk), o coeficiente de correlação não paramétrico de Spearman foi calculado para avaliar a correlação entre as variáveis: idade de início, tempo de doença, expansão CAG, ICARS, SF-36, depressão e ansiedade de Beck. Foram considerados apenas os coeficientes maiores que 0,50 (correlação alta). RESULTADOS Todos os indivíduos apresentaram história familiar positiva para SCA2 em duas ou mais gerações. O indivíduo III é tio dos indivíduos I e II e pai dos indivíduos IV e V (Figura 1). As características clínicas dos cinco indivíduos estão discriminadas na tabela 1. Indivíduo com diagnóstico clínico e molecular. Indivíduo com diagnóstico clínico. Morte antes do aparecimento dos sintomas. Figura 1. Heredograma da família estudada. Tabela 1. Características clínicas dos indivíduos com SCA2 Indivíduo Gênero Idade Estudo genético* Início das MC Tempo de doença ICARS I M 35 21 e 42 21 14 73 II M 38 21 e 40 30 8 25 III M 55 22 e 40 28 27 89 IV M 25 21 e 40 20 5 41 V M 31 22 e 48 14 17 95 *: expansão do trinucleotídeo CAG na região codificadora do gene ATXN2; M: masculino; MC: manifestações clínicas; ICARS: Escala Cooperativa Internacional para Graduação da Ataxia – 0 a 100.27,28 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 95 Yamane FO et al. Apenas os indivíduos I e V apresentaram alterações importantes no diagnóstico de imagem (ressonância magnética). O indivíduo I apresentou atrofia do vérmis cerebelar e pedúnculos cerebelares médios e superiores e o indivíduo V, atrofia do cerebelo e tronco encefálico (Figura 2). Todos tiveram como quadro clínico inicial alteração do equilíbrio evidenciada principalmente na marcha, e hoje dois indivíduos estão restritos à cadeira de rodas (III e V). Em relação aos sinais e sintomas, todos os indivíduos apresentaram: dismetria, tremor, disartria, nistagmo e astasia e abasia (indivíduos III e V) ou marcha atáxica (sinais cerebelares). Entre os sinais não cerebelares, houve a presença de disfagia e abolição dos reflexos profundos dos membros superiores e inferiores em todos os indivíduos. Os indivíduos I, III e V apresentaram atrofia muscular. Não houve sinais de demência em nenhum dos in- divíduos e apenas o indivíduo V apresentou quadro de incontinência urinária. Os tipos de tratamentos utilizados pelos indivíduos estudados encontram-se na tabela 2. O pior escore obtido na SF-36 foi o relativo ao domínio: limitação por aspectos físicos; todos os indivíduos pontuaram zero. Os domínios aspectos emocionais e capacidade funcional foram os seguintes, com médias de respectivamente: 25 e 30. O melhor domínio encontrado foi o referente à dor: 73, seguido do domínio vitalidade e saúde mental, com escores médios de 71; estado geral de saúde, com 70, e aspectos sociais, com 63. Todos os indivíduos apresentaram intensidade mínima de sintomas de depressão e ansiedade, e esta apresentou pontuação um pouco maior em relação àquela (média: 6,8 e 3,5, respectivamente). Na tabela 3 constam as correlações entre as variáveis estudadas. Figura 2. Imagens de ressonância magnética, cortes sagitais T1, dos indivíduos I (A) e V (B), evidenciando atrofia cerebelar (vérmis e hemisférios – A e B) e atrofia do tronco encefálico (B). Tabela 2. Tratamentos utilizados e o tempo em que foram realizados Indivíduo Medicamentoso Fisioterapia Natação Fonoaudiologia Equoterapia Pilates I Sim* 72 (1) 24 (1) 36 (1) 24 (1) 24 (1) II Não 36 (1) 36 (3) Não 6 (1) Não III Não 72 (3) Não 72 (1) Não Não IV Não 12 (1) Não 12 (1) Não Não V Não 48 (1) Não 6 (1) 6 (1) Não *: coenzima Q10 (500 mg/dia) e vitamina D (400 mg/dia); tempo: em meses (frequência por semana). 96 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Ataxia espinocerebelar do tipo 2 Tabela 3. Correlação entre as variáveis estudadas Variável Variável Coeficiente de Spearman Expansão ICARS 0,67 Expansão Depressão 0,77 Expansão Ansiedade 0,77 Expansão Idade de início - 0,67 Idade de início ICARS - 0,60 Tempo de doença Ansiedade 0,68 Tempo de doença Capacidade funcional - 0,82 Tempo de doença ICARS 0,82 Capacidade funcional ICARS - 0,73 ICARS: Escala Cooperativa Internacional para Graduação da Ataxia. Os resultados mostram apenas a magnitude da correlação. DISCUSSÃO A SCA2 pertence ao grupo de SCA causadas por expansão de poliglutamina e é uma das mais frequentes no Brasil e no mundo.6,7,31 A caracterização clínica de indivíduos com SCA2 pode ser realizada por meio de escalas de avaliação que frequentemente são utilizadas para quantificar e monitorar a doença. A ICARS, utilizada neste estudo, além de ser uma ferramenta útil e confiável na mensuração da ataxia cerebelar27 – objeto deste estudo –, é sensível em evidenciar a progressão da doença e correlaciona-se bem com instrumentos de medidas específicos para marcha, caracterizando adequadamente a marcha e o equilíbrio de indivíduos com disfunções cerebelares degenerativas.32 Após caracterização clínica dos indivíduos estudados, nossos resultados corroboram as descrições da literatura sobre variabilidade fenotípica mesmo dentro da mesma mutação.5,7 O início dos sintomas da SCA2 pode ser correlacionado com o número de expansões CAG.33 Neste estudo o indivíduo V chama atenção pelo início dos sintomas (14 anos), justificado pela análise genética que verificou expansão de 48 repetições de CAG; os outros indivíduos com expansões entre 40-42 iniciaram seus sintomas mais tarde. A gravidade da doença obtida por meio da ICARS para esse indivíduo foi a pior encontrada, enquanto no indivíduo II, cujo início se deu com 30 anos, foi verificada ataxia leve pela ICARS, e, nos demais, que iniciaram o quadro clínico entre 20 e 28 anos, a ataxia foi classificada entre moderada e grave. Esse achado condiz com as características descritas na literatura, em que a idade de início da doença é determinada pelo tamanho da Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 repetição CAG, que também determina a taxa de progressão da doença, ou seja, a gravidade da doença.34 A ataxia da marcha, na maioria dos casos, é o primeiro sinal clínico da SCA2.35 Os cinco indivíduos estudados tinham como queixa inicial dificuldades em manter o equilíbrio, com quedas frequentes ao andar. O quadro clínico da SCA2 é progressivo, e a maioria dos pacientes fica confinada à cadeira de rodas por volta de 15 anos após o início da doença.36 Em nosso estudo os indivíduos III e V, respectivamente com 27 e 17 anos de doença, estão restritos à cadeira de rodas. A ausência de tratamentos farmacológicos que minimizem a progressão da doença dificulta o plano terapêutico na SCA2, por essa razão tratamentos não medicamentosos, como a fisioterapia, em indivíduos com SCA são uma estratégia de reabilitação útil nos comprometimentos motores ocasionados pela doença.37 A fisioterapia é indicada para essa população pelos benefícios promovidos com a melhora dos sintomas dos pacientes.38 Em nosso estudo, todos os indivíduos realizavam fisioterapia, e os indivíduos I, II e IV apresentavam marcha funcional. Nesse aspecto destaca-se o indivíduo I, que, apesar de apresentar ataxia grave, deambula com apoio mesmo em ambiente externo, possivelmente por causa das diversas estratégias terapêuticas (equoterapia, pilates, natação), além da fisioterapia, que enfatizam o controle postural, o equilíbrio e a coordenação motora, características fundamentais na manutenção do movimento voluntário. Entretanto, há de se considerar que ele é o único indivíduo que utiliza medicamento – coenzima Q10 – com ação antioxidante e de otimização da função bioenergética das células do músculo cardíaco e esquelético, utilizado em alguns tipos de ataxia.39,40 Nas SCA a coenzima Q10 relaciona-se com melhores achados clínicos na SCA1 e 3, porém evidências recentes não encontraram influência na evolução clínica de pacientes com SCA1, 2, 3 e 6 em dois anos de estudo.40 Nosso estudo revelou que os indivíduos com SCA2 tem sua qualidade de vida prejudicada, especialmente nos domínios limitação por aspectos físicos, capacidade funcional e aspectos emocionais. Esse resultado era esperado, pois a ataxia dificulta o desempenho funcional do indivíduo, ocasionando frustração. Nesse sentido, e de acordo com descrições sobre maior presença de ansiedade e depressão em indivíduos com SCA em relação à popula97 Yamane FO et al. ção geral,41 eram esperados níveis de intensidade de ansiedade e de depressão mais expressivos, entretanto os indivíduos analisados neste estudo apresentaram níveis mínimos. Como o número de estudos direcionados à análise desses transtornos é limitado e neste estudo houve análise de apenas cinco indivíduos, esses achados tornam-se ainda pouco consistentes. Mais estudos direcionados à ansiedade e depressão, assim como à qualidade de vida nos indivíduos com SCA, são necessários. A correlação entre as SCA e a presença de depressão e ansiedade é mais forte no grupo cuja causa é expansão de poliglutamina (SCA1, 2, 3, 6, 7 e 17), e entre elas a SCA3 é a que apresenta maior associação.41 Várias teorias tentam explicar as causas dos sintomas psiquiátricos na SCA com expansão de poligutaminas; uma delas aponta que o caráter progressivo da doença ocasiona incapacidades relevantes. Essa hipótese sugere que indivíduos com ataxia grave são os mais propensos à depressão.42 Outra hipótese sustenta que os sintomas depressivos resultam do processo degenerativo que acomete o sistema nervoso.43 Independentemente da teoria, um melhor entendimento sobre as alterações psiquiátricas presentes na SCA pode levar a avanços no conhecimento sobre os mecanismos neurobiológicos subjacentes às alterações genéticas.41 Estudos referentes à análise da percepção de indivíduos com SCA sobre sua qualidade de vida são escassos. Em pacientes com SCA1, 2, 3 e 6, foi encontrado comprometimento da qualidade de vida devido a prejuízos na mobilidade em atividades habituais.44 A qualidade de vida em indivíduos com SCA2 foi verificada somente relacionada à análise dos efeitos de um possível tratamento medicamentoso.45 Neste estudo foi observada a relação inversa entre o domínio capacidade funcional da SF-36 e o tempo de doença e a ICARS, demonstrando a possível influência negativa do tempo de doença sobre a qualidade de vida do indivíduo; além da constatação de que quanto pior é a ataxia, pior a percepção da qualidade de vida no domínio correspondente à função. Este estudo buscou caracterizar clinicamente cinco indivíduos de uma família do Sul de Minas Gerais, portadores de SCA2, e verificar e correlacionar aspectos relacionados a qualidade de vida, ansiedade e depressão. Mesmo observando grande magnitude de correlação entre algumas variáveis do estudo, infelizmente o número reduzido de indivíduos pode ter influenciado os resultados sem significância estatísti98 ca. Entretanto, os achados encontrados continuam de grande valia, tendo em vista a falta de descrições envolvendo indivíduos com SCA2 no Brasil. O estudo, além de quantificar a clínica desses indivíduos, buscou dados referentes a diagnóstico genético e de imagem, além de tratamentos utilizados, e voltou-se para as percepções emocionais. CONCLUSÃO Os indivíduos com SCA2 analisados neste estudo, mesmo sendo da mesma família, apresentam achados clínicos variados, com prejuízos nas habilidades motoras. Nesses indivíduos a SCA2 promoveu impacto negativo sobre a qualidade de vida e apresentou influência mínima sobre aspectos relacionados à depressão e à ansiedade. Financiamento Estudo desenvolvido sem auxílio financeiro. Conflito de interesse Os autores declaram que não há qualquer tipo de conflito de interesse. REFERÊNCIAS 1. Brusse E, Maat-Kievit JA, van Swieten JC. Diagnosis and management of early- and late-onset cerebellar ataxia. Clin Genet. 2007;71(1):12-24. 2. Kim JS, Cho JW. Hereditary cerebellar ataxias: a Korean perspective. J Mov Disord. 2015;8(2):67-75. 3. Arruda WO, Teive HAG. Ataxias cerebelares hereditárias. Arq Neuro-psiquiatr. 1997;55(3B):666-76. 4. Seidel K, Siswanto S, Brunt ER, den Dunnen W, Korf HW, Rüb U. Brain pathology of spinocerebellar ataxias. Acta Neuropathol. 2012;124(1):1-21. 5. Stevanin G, Dürr A, Brice A. Clinical and molecular advances in autosomal dominant cerebellar ataxias: from genotype to phenotype and physiopathology. Eur J Hum Genet. 2000;8(1):4-18. 6. Ruano L, Melo C, Silva MC, Coutinho P. The global epidemiology of hereditary ataxia and spastic paraplegia: a systematic review of prevalence studies. Neuroepidemiology. 2014;42(3):174-83. 7. Cintra VP, Lourenço CM, Marques SE, de Oliveira LM, Tumas V, Marques W Jr. Mutational screening of 320 Brazilian patients with autosomal dominant spinocerebellar ataxia. J Neurol Sci. 2014;347(1-2):375-9. 8. Schöls L, Bauer P, Schmidt T, Schulte T, Riess O. Autosomal dominant cerebellar ataxias: clinical features, genetics, and pathogenesis. Lancet Neurol. 2004;3(5):291-304. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Ataxia espinocerebelar do tipo 2 9. Teive HAG. Spinocerebellar ataxias. Arq Neuro-Psiquiatr. 2009;67(4):1133-42. 10. Orozco Diaz G, Nodarse Fleites A, Cordovés Sagaz R, Auburger G. Autosomal dominant cerebellar ataxia: clinical analysis of 263 patients from a homogeneous population in Holguín, Cuba. Neurology. 1990;40(9):1369-75. 11. Wadia NH, Swami NH. A new form of heredo-familial spinocerebellar degeneration with slow eye movements (nine families). Brain. 1971;94(2):359-74. 28. Yamane F. Contribuição da Escala Cooperativa Internacional de Avaliação da Ataxia (ICARS) e Escala de Avaliação para Ataxia de Friedreich (FARS) para a diferenciação da Ataxia de Friedreich (AF) das outras ataxias de início precoce [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento; 2008. 29. Cunha JA. Manual em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. 12. Pulst SM, Nechiporuk A, Nechiporuk T, Gispert S, Chen XN, Lopes-Cendes I, et al. Moderate expansion of a normally biallelic trinucleotide repeat in spinocerebellar ataxia type 2. Nat Genet. 1996;14(3):269-76. 30. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50. 13. Sahba S, Nechiporuk A, Figueroa KP, Nechiporuk T, Pulst SM. Genomic structure of the human gene for spinocerebellar ataxia type 2 (SCA2) on chromosome 12q24.1. Genomics. 1998;47(3):359-64. 31. Storey E. Genetic cerebellar ataxias. Semin Neurol. 2014;34(3):28092. 14. Huynh DP, Yang HT, Vakharia H, Nguyen D, Pulst SM. Expansion of the polyQ repeat in ataxin-2 alters its Golgi localization, disrupts the Golgi complex and causes cell death. Hum Mol Genet. 2003;12(13):1485-96. 15. Lastres-Becker I, Rüb U, Auburger G. Spinocerebellar ataxia 2 (SCA2). Cerebellum. 2008;7(2):115-24. 16. Dürr A, Smadja D, Cancel G, Lezin A, Stevanin G, Mikol J, et al. Autosomal dominant cerebellar ataxia type I in Martinique (French West Indies). Clinical and neuropathological analysis of 53 patients from three unrelated SCA2 families. Brain. 1995;118 ( Pt 6):1573-81. 17. Fernandez M, McClain ME, Martinez RA, Snow K, Lipe H, Ravits J, et al. Late-onset SCA2: 33 CAG repeats are sufficient to cause disease. Neurology. 2000;55(4):569-72. 18. Durr A. Autosomal dominant cerebellar ataxias: polyglutamine expansions and beyond. Lancet Neurol. 2010;9(9):885-94. 19. Babovic-Vuksanovic D, Snow K, Patterson MC, Michels VV. Spinocerebellar ataxia type 2 (SCA 2) in an infant with extreme CAG repeat expansion. Am J Med Genet. 1998;79(5):383-7. 20. Orr HT, Zoghbi HY. Trinucleotide repeat disorders. Annu Rev Neurosci. 2007;30:575-621. 21. Soong BW, Paulson HL. Spinocerebellar ataxias: an update. Curr Opin Neurol. 2007;20(4):438-46. 22. Cancel G, Dürr A, Didierjean O, Imbert G, Bürk K, Lezin A, et al. Molecular and clinical correlations in spinocerebellar ataxia 2: a study of 32 families. Hum Mol Genet. 1997;6(5):709-15. 23. Linnemann C, Tezenas du Montcel S, Rakowicz M, SchmitzHübsch T, Szymanski S, Berciano J, et al. Peripheral Neuropathy in Spinocerebellar Ataxia Type 1, 2, 3, and 6. Cerebellum. 2015 [Epub ahead of print]. 24. Mercadillo RE, Galvez V, Díaz R, Paredes L, Velázquez-Moctezuma J, Hernandez-Castillo CR, et al. Social and cultural elements associated with neurocognitive dysfunctions in spinocerebellar ataxia type 2 patients. Front Psychiatry. 2015;6:90. 25. Trott A, Maris AF, Mirando GB. Ataxias espinocerebelares causadas por expansão de poliglutamina: uma revisão. Rev Neurocienc. 2010;18(4):512-22. 26. Pérez-Avila I, Fernández-Vieitez JA, Martínez-Góngora E, OchoaMastrapa R, Velázquez-Manresa MG. [Effects of a physical training program on quantitative neurological indices in mild stage type 2 spinocerebelar ataxia patients]. Rev Neurol. 2004;39(10):907-10. 27. Trouillas P, Takayanagi T, Hallett M, Currier RD, Subramony SH, Wessel K, et al. International Cooperative Ataxia Rating Scale for pharmacological assessment of the cerebellar syndrome. The Ataxia Neuropharmacology Committee of the World Federation of Neurology. J Neurol Sci. 1997;145(2):205-11. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 32. Morton SM, Tseng YW, Zackowski KM, Daline JR, Bastian AJ. Longitudinal tracking of gait and balance impairments in cerebellar disease. Mov Disord. 2010;25(12):1944-52. 33. Tezenas du Montcel S, Durr A, Rakowicz M, Nanetti L, Charles P, Sulek A, et al. Prediction of the age at onset in spinocerebellar ataxia type 1, 2, 3 and 6. J Med Genet. 2014;51(7):479-86. 34. Smith DC, Bryer A, Watson LM, Greenberg LJ. Inherited polyglutamine spinocerebellar ataxias in South Africa. S Afr Med J. 2012;102(8):683-6. 35. Globas C, du Montcel ST, Baliko L, Boesch S, Depondt C, DiDonato S, et al. Early symptoms in spinocerebellar ataxia type 1, 2, 3, and 6. Mov Disord. 2008;23(15):2232-8. 36. van de Warrenburg BP, Hendriks H, Dürr A, van Zuijlen MC, Stevanin G, Camuzat A, et al. Age at onset variance analysis in spinocerebellar ataxias: a study in a Dutch-French cohort. Ann Neurol. 2005;57(4):505-12. 37. Martins CP, Rodrigues EC, Oliveira LAS. Abordagem fisioterapêutica da ataxia espinocerebelar: uma revisão sistemática. Fisioter Pesqui. 2013;20(3):286-91. 38. Artigas NR, Ayres JS, Noll J, Peralles SRN, Borges MK, Brito CIB. Atendimento fisioterapêutico para indivíduos com ataxia espinocerebelar: uma revisão de literatura. Rev Neurocienc. 2013;21(1):126-35. 39. Hart PE, Lodi R, Rajagopalan B, Bradley JL, Crilley JG, Turner C, et al. Antioxidant treatment of patients with Friedreich ataxia: fouryear follow-up. Arch Neurol. 2005;62(4):621-6. 40. Lo RY, Figueroa KP, Pulst SM, Lin CY, Perlman S, Wilmot G, et al. Coenzyme Q10 and spinocerebellar ataxias. Mov Disord. 2015;30(2):214-20. 41. Almeida-Silva UC, Hallak JEC, Marques JrW, Osório FL. Associação entre ataxias espinocerebelares causadas por expansão da glutamina e alterações psiquiátricas/neuropsicológicas – uma revisão da literatura. Am J Neurodegener Dis. 2013;2(2):57-69. 42. Schmitz-Hübsch T, Coudert M, Giunti P, Globas C, Baliko L, Fancellu R, et al. Self-rated health status in spinocerebellar ataxia – results from a European multicenter study. Mov Disord. 2012;25(5):587-95. 43. Orsi L, D’Agata F, Caroppo P, Franco A, Caglio MM, Avidano F, et al. Neuropsychological picture of 33 spinocerebellar ataxia cases. J Clin Exp Neuropsychol. 2011;33(3):315-25. 44. Schmitz-Hübsch T, Coudert M, Giunti P, Globas C, Baliko L, Fancellu R, et al. Self-rated health status in spinocerebellar ataxia – results from a European multicenter study. Mov Disord. 2010;25(5):587-95. 45. Saccà F1, Puorro G, Brunetti A, Capasso G, Cervo A, Cocozza S, et al. A randomized controlled pilot trial of lithium in spinocerebellar ataxia type 2. J Neurol. 2015;262(1):149-53. 99 Rev Bras Neurol. 51(4):100-5, 2015 Perfil dos indivíduos com doença de Parkinson atendidos no setor de fisioterapia de um hospital universitário no Rio de Janeiro Profile of individuals with Parkinson’s disease cared in a physical therapy sector of an university hospital in Rio de Janeiro Débora Cristina Lima da Silva1, Érica Vianna1, Camilla Polonini Martins1, José Vicente Martins2, Erika de Carvalho Rodrigues1, Laura Alice Santos de Oliveira1,3 RESUMO ABSTRACT Na doença de Parkinson (DP), uma desordem neurológica complexa, ocorre depleção de dopamina por degeneração dos neurônios da substância negra, ocasionando perdas motoras e cognitivas. Os quatro principais sintomas que acometem indivíduos com DP são o tremor de repouso, a rigidez, a bradicinesia e a instabilidade postural. Essas alterações podem aumentar o risco de quedas e trazer prejuízos para as atividades e participação social dos indivíduos. O objetivo deste estudo é avaliar a funcionalidade, incapacidade e qualidade de vida dos pacientes com DP em atendimento fisioterapêutico em um hospital universitário no Rio de Janeiro. Os pacientes foram avaliados por meio dos seguintes instrumentos: escala de Hoehn e Yahr, questionário sobre a qualidade de vida na doença de Parkinson – PDQ-39 –, Miniexame do Estado Mental, Escala de Equilíbrio de Berg, teste de caminhada de 10 metros, timed up and go test, Dynamic Gait Index, Escala Unificada de Avaliação para a Doença de Parkinson e Escala de Schwab e England. Embora a maior parte dos indivíduos estivesse no estágio 3 de Hoehn e Yahr, a maioria apresentou risco de queda diminuído, bom estado cognitivo e emocional, qualidade de vida moderada e pouca dificuldade para a marcha e realização de atividades de vida diária (AVD). Os dados obtidos com este estudo servirão para a orientação da implementação de medidas fisioterapêuticas voltadas para essa amostra de pacientes, orientações de gestores para uma política de saúde efetiva e orientação de profissionais em busca de atendimento mais eficaz. In Parkinson’s disease (PD), a complex neurologic disorder, occurs dopamine depletion by lesions of the neurons that produce it, causing motor and cognitive impairments. The four main symptoms that affect individuals with PD are resting tremor, rigidity, bradykinesia and postural instability. These changes may increase the risk of falls and bring impairments to their activities and social participation. The aim of this study is to evaluate the functioning, disability and quality of life of PD patients cared in a physical therapy sector of an university hospital in Rio de Janeiro. Patients were assessed through the following instruments: Hoehn & Yahr Scale, quality of life questionnaire in Parkinson’s disease – PDQ-39 –, Mini-mental, Berg Balance Scale, walk test of 10 meters, timed up and go test, Dynamic Gait Index, Unified Rating Scale for Parkinson’s Disease and Schwab and England Scale. Although most of the individuals were on stage Hoehn & Yahr three, most showed decreased risk of fall, good cognitive and emotional state, a moderate quality of life and little difficulty in walking and performing activities of daily living (ADL). The data obtained here will serve to guide the implementation of physiotherapy measures aimed at this group of patients, managers of guidelines for an effective health policy and for the orientation of professionals in search of a more effective service. Keywords: Parkinson’s disease, evaluation, physical therapy. Palavras-chave: Doença de Parkinson, avaliação, fisioterapia. Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 1 2 Apoio financeiro: Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Endereço para correspondência: Laura Alice Santos de Oliveira. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Centro Universitário Augusto da Mota (Unisuam), Praça das Nações, 34, 3º andar – 21041-020 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] 100 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Perfil dos indivíduos com Parkinson INTRODUÇÃO A doença de Parkinson (DP) é uma desordem neurológica complexa que ocorre pela depleção de dopamina por degeneração dos neurônios da substância negra, ocasionando perdas motoras e cognitivas.1 As quatro principais características que acometem indivíduos com DP são o tremor de repouso, a rigidez, a bradicinesia (lentidão nos movimentos) e a instabilidade postural.2 Outra característica clínica clássica da DP é a hipocinesia (diminuição dos movimentos). O acometimento é unilateral inicialmente, mas se torna bilateral com a progressão da doença.3 Essas características clínicas são frequentemente acompanhadas por fadiga, congelamento da marcha, depressão, sintomas autonômicos, dor e, em alguns casos, demência.4,5 Essas alterações juntas, ou mesmo isoladamente, podem aumentar o risco de quedas, limitando o desempenho de atividades e restringindo a participação social desses indivíduos.3 A DP é mais comum em indivíduos do sexo masculino,6 não diferindo entre grupos étnicos.7 No Brasil, o número de indivíduos com DP é estimado em 200 mil casos por ano,8 e sua prevalência mundial é em torno de 1% a 2%.9 Geralmente seus sintomas surgem a partir da quinta década de vida, sendo a sua incidência proporcional ao aumento da idade.10 Com o crescente envelhecimento da população mundial, espera-se um aumento do número de indivíduos com DP, o que deve gerar impacto social e econômico.11 Dado o aumento do número de casos de DP, é relevante conhecer as características dos indivíduos que buscam tratamento fisioterapêutico. Essas informações podem embasar ações de planejamento, promoção, prevenção e enfrentamento dos agravos de saúde desses indivíduos, contribuindo para uma avaliação mais realista da saúde desses indivíduos, orientação de profissionais na busca de tratamento mais eficaz e orientação de gestores no alcance de uma política de saúde mais eficiente, fortalecendo as Redes de Atenção em Saúde. Sendo assim, os objetivos deste estudo são traçar o perfil e avaliar a funcionalidade, incapacidade e qualidade de vida de uma amostra de indivíduos com DP em atendimento fisioterapêutico em um hospital público no Rio de Janeiro. MATERIAIS E MÉTODOS Amostra Trata-se de um estudo com delineamento transversal e amostragem por conveniência. Foram convidados Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 a participar 33 indivíduos com diagnóstico clínico da doença de Parkinson feito por um neurologista, de acordo com os critérios do UK Parkinson’s Disease Brain Bank Criteria. Vinte e nove deles aceitaram. Os critérios de inclusão foram: ter recebido o diagnóstico de doença de Parkinson por parte de um neurologista, estar em tratamento no setor de fisioterapia do Instituto de Neurologia Delindo Couto (INDC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ser capaz de andar 10 metros sem auxílio, estar em uso regular de medicação para a DP, concordar em participar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram: presença de distúrbios neurológicos concomitantes, hipertensão ou arritmias descontroladas e deficiências visuais graves não corrigidas. Nenhum paciente foi excluído por esses critérios. Todos os participantes deste estudo se encontravam no período ON no momento em que se submeteram ao exame das escalas e questionários, pois foram avaliados no período matinal, logo após a última ingesta de levodopa, em geral quando o paciente se considera com o melhor desempenho motor do dia. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNISUAM, com aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do INDC (CAE 29496514.2.0000.5235). Procedimentos Os participantes foram avaliados por três fisioterapeutas experientes, que aplicaram os seguintes instrumentos de avaliação, assim distribuídos: fisioterapeuta 1 – questionário sobre a doença de Parkinson (PDQ39) e questionário sociodemográfico; fisioterapeuta 2 – Miniexame do Estado Mental, Escala Unificada de Avaliação para a Doença de Parkinson, Escala de Schwab e England e Escala de Estágios de Incapacidade de Hoehn e Yahr; Fisioterapeuta 3 – Escala de Equilíbrio de Berg, teste de caminhada de 10 metros, timed up and go test e Dynamic Gait Index. Instrumentos de avaliação O questionário sobre a doença de Parkinson (PDQ39) é utilizado para a avaliação da percepção da qualidade de vida12. Esse questionário é composto por 39 itens, divididos em oito categorias: mobilidade, AVD, bem-estar emocional, estigma, relações sociais, cognição, comunicação e desconforto corporal. 101 Silva DCL et al. A pontuação varia de 0 a 100. Quanto menor a pontuação, melhor a percepção do estado de saúde. O Miniexame do Estado Mental (MEEM) é utilizado para rastreamento de déficits cognitivos13. No Brasil, o MEEM foi traduzido e adaptado por Brucki et al.14 O escore obtido nessa escala depende do nível educacional do indivíduo avaliado, com pontos de corte diferenciados. A Escala Unificada de Avaliação para a Doença de Parkinson (UPDRS) é utilizada para a monitorização do estadiamento da doença.15 Ela é composta de 42 itens, divididos em: atividade mental, comportamento e humor, AVD, complicações de terapia medicamentosa e comprometimento motor. Cada item tem uma pontuação que varia de 0 a 4. Quanto maior o valor obtido, maior o comprometimento pela doença. A Escala de Schwab e England é utilizada na avaliação do desempenho do indivíduo nas AVD.16 Quanto maior a porcentagem, que vai de 0 a 100%, maior a sua independência. A Escala de Estágios de Incapacidade de Hoehn e Yahr (H&Y) é utilizada para avaliar a gravidade da DP.17 Essa escala compreende cinco estágios de classificação. Quanto mais próximo de cinco o estágio, mais desenvolvida a doença se encontra. A Escala de Equilíbrio de Berg (EEB)18 é utilizada para a avaliação do equilíbrio e risco de quedas, com pontuações baixas indicando maior risco de quedas e maior déficit de equilíbrio. A EEB foi traduzida e adaptada para o português do Brasil.19 O teste de caminhada de 10 metros (T10) tem como objetivo a avaliação de componentes espaciais e temporais durante a marcha.20 São realizados três testes, e o melhor resultado obtido é utilizado para a análise de dados. O examinador obtém, além do tempo de caminhada dos indivíduos, o número de passos realizados durante o percurso para estimar a velocidade e a cadência da marcha. O Dynamic Gait Index (DGI) é utilizado para avaliar o desempenho de tarefas durante a marcha e o risco de quedas.21 Essa escala constitui-se de oito tarefas funcionais envolvendo a marcha em diferentes contextos, como subir e descer escadas, desviar de obstáculos, girar sobre o próprio eixo corporal e movimentos da cabeça. O escore varia entre 0 e 24 pontos e quanto maior a pontuação obtida, melhor o desempenho do indivíduo. O timed up and go test (TUG) é utilizado para avaliar a mobilidade e o equilíbrio na marcha. O teste consiste na mensuração do tempo utilizado pelo indivíduo para levantar-se de uma cadeira, andar uma distância de 3 metros, dar a volta, caminhar em 102 direção à cadeira e sentar-se novamente. Quanto menor o tempo gasto para a realização do teste, melhor a mobilidade. O indivíduo realiza o teste duas vezes para familiarização e nenhum tipo de auxílio é dado durante a sua execução.22 RESULTADOS Os 29 indivíduos participantes tinham idades entre 57 e 80 anos. Os demais dados demográficos encontram-se descritos na tabela 1. Tabela 1. Características demográficas dos participantes Características N = 29 Idade (anos) 67 ± 7,59 Gênero Feminino = 37,30% Masculino = 62,70% Escolaridade 1º completo = 27,58% 1º incompleto = 34,48% 2º completo = 13,79% 2º incompleto = 10,37% 3º completo = 6,89% 3º incompleto = 6,89% Estado civil Solteiros = 10,34% Casados = 72,41% Divorciados = 13,79% Viúvos = 3,45% Tempo entre os primeiros sintomas e o diagnóstico médico (em meses) 16,13 ± 18,77 Tempo da doença (em meses) 60,82 ± 46,24 HAS 62,07% Dislipidemia 24,14% DM 20,69% Cardiopatia 10,34% Doença respiratória 6,90% Praticantes de outras atividades físicas 24,14% Dados numéricos expressos em média e desvio-padrão e dados categóricos expressos em porcentagem. HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus. Dos indivíduos avaliados, 62,07% relataram episódios de festinação, 52% relataram uma ou mais quedas em um período de seis meses, 48,28% relataram episódios de congelamento da marcha (freezing), 27,59% relataram efeitos ON-OFF e 13,79% utilizam dispositivo auxiliar de marcha durante a deambulação. Na tabela 2, estão descritos os resultados dos instrumentos de avaliação utilizados no presente estudo. Na Escala de H&Y, 31,03% dos participantes Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Perfil dos indivíduos com Parkinson encontravam-se no estágio 3 da DP; 27,59%, no estágio 2,5; 17,24%, no estágio 2; 13,79%, no estágio 1; 7,69%, no estágio 1,5; e 3,85%, no estágio 4. Na Escala de Schwab e England, 46,15% dos participantes apresentavam 90% de independência para a realização das AVD. Tabela 2. Pontuação nos instrumentos de avaliação Instrumentos Mínimo Máximo Média Desvio-padrão 7 15 28 100 28 56 54,10 23,92 49,93 30,73 3,44 5,66 TC10 – cadência (passos/min) 1,48 2,62 2,04 0,30 TC10 – passada (número) 2,96 5,24 4,08 0,59 TC10 - vel. média (dist./tempo) 4,71 17 7,71 2,82 TUG (seg) PDQ-39 MEEM EEB 5,64 101 11,93 5,33 DGI 8 24 20,36 3,48 UPDRS I 0 10 2,96 2,01 UPDRS II 3 30 12,82 6,15 UPDRS III 2 30 15 7,25 UPDRS IV 0 14 3,23 3,20 Resultados expressos em mínimo, máximo, média e desvio-padrão. UPDRS I: comportamento; UPDRS II: atividade de vida diária; UPDRS III: exame motor; UPDRS IV: complicações medicamentosas; EEB: Escala de Equilíbrio de Berg; PDQ-39: questionário da doença de Parkinson; MEEM: Miniexame do estado mental; TUG: timed get up and go test; DGI: Dynamic Gait Index; TC10: teste de caminhada de 10 metros. DISCUSSÃO O objetivo deste estudo foi traçar o perfil e avaliar a funcionalidade, a incapacidade e a qualidade de vida de uma amostra de pacientes com DP em atendimento fisioterapêutico em um hospital universitário no Rio de Janeiro. Na amostra estudada, a maioria dos indivíduos era de idosos do sexo masculino. De fato, a DP é uma patologia com maior prevalência após a quarta década de vida,23 que predomina no sexo masculino.6 Mais da metade dos participantes relataram possuir hipertensão arterial sistêmica (HAS). Uma das prováveis razões para tal achado pode ser relacionada à alta média de idade dessa amostra. É sabido que o risco de desenvolvimento da HAS aumenta com a idade, sendo essa a doença crônica mais comum em idosos.24 Em relação ao nível de escolaridade, mais da metade dos participantes possuíam o ensino fundamental (1º grau) completo ou incompleto. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Com relação à PDQ-39, os voluntários apresentaram leve alteração na qualidade de vida por eles relatada, embora fossem independentes na execução das AVD. Souza et al.25 acreditam que a baixa escolaridade pode influenciar a percepção da qualidade de vida em indivíduos com DP, por causa da maior facilidade em aceitar a doença por parte desses indivíduos. Na avaliação do MEEM, foi adotada como ponto de corte a pontuação de 18, levando-se em consideração que a maioria dos participantes deste estudo possuía baixo nível de escolaridade. Assim, segundo a pontuação obtida no MEEM, nessa amostra, aparentemente os indivíduos não apresentavam alterações cognitivas, mesmo tendo recebido o diagnóstico da DP há mais de cinco anos, em média. McKeith et al.26 demonstraram que a demência pode estar associada à DP em apenas 12 meses após o início dos sintomas. Os achados relativos a essa medida podem se dever em parte ao fato de que a maioria dos participantes deste estudo era ativa. Já é sabido que o nível de atividade física está associado a menores índices de alterações cognitivas em idosos.27 O uso de outros instrumentos para avaliar as funções executivas e visuoespacial faz-se necessário para melhor elucidar a presença de comprometimentos cognitivos nessa amostra e confirmar os presentes dados. A pontuação média da escala UPDRS no subitem AVD evidenciou independência na execução dessas atividades. Igualmente, a análise da Escala Schwab e England mostrou que a maioria dos pacientes relatou independência nas AVD. A pontuação média nas escalas EEB e DGI e a média do tempo para realização do TUG demonstraram que os participantes desse estudo apresentam baixo risco de quedas. Na EEB, um indivíduo pode ser classificado com tendo baixo risco de quedas caso atinja pontuação ≥ 45 pontos.18 Mesmo se forem levados em consideração os valores de ponto de corte para o aumento do risco de quedas a partir dessa escala, ou de outros pontos de corte tais como < 44 pontos,28 ≤ 47 pontos2 e ≤ 47 pontos,29 a amostra de indivíduos do presente estudo apresenta risco de quedas diminuído. Para a DGI, foi utilizado um ponto de corte de ≤ 18 pontos,28 também indicando baixo risco de queda da amostra. No TUG, o ponto de corte considerado foi como sendo um tempo ≥ 14 segundos,30 sugerindo que os participantes atingiram uma velocidade apropriada, possuem adequada mobilidade da marcha, com baixo risco de quedas 103 Silva DCL et al. e bom equilíbrio dinâmico. Contrariamente, durante a entrevista com os indivíduos, o relato de ocorrência de quedas no período de seis meses anteriores ao estudo foi feito por mais da metade da amostra. Outros estudos indicaram percentuais de relatos de quedas semelhantes. Por exemplo, 59,7% em Contreras e Grandas,31 55% em Dibble e Lange,32 59% em Gray e Hildebrand33 e 50,8% em Bloem et al.34 Esses resultados conflitantes entre o risco de quedas diminuído e o relato de ocorrência de quedas podem ser assim explicados: (i) as quedas podem ter ocorrido há mais tempo do que os indivíduos se recordam; ou (ii) podem ter ocorrido num período durante o qual o indivíduo não estava realizando nenhum tipo de atividade física, apresentando um quadro físico mais deteriorado. Mais da metade dos indivíduos que relataram a ocorrência de quedas também relataram sofrer algum episódio de congelamento da marcha (freezing). O freezing é um sintoma muitas vezes incapacitante e interfere na qualidade da marcha e no equilíbrio dos indivíduos com DP.35 Neste estudo não foram levados em consideração o sono e outras funções não motoras dos pacientes com DP estudados. CONCLUSÃO Conclui-se que, no presente estudo, a maioria dos pacientes em atendimento fisioterapêutico no hospital universitário estudado é do sexo masculino e apresenta risco de quedas diminuído, bom estado cognitivo e emocional (de acordo com o MEEM), com uma qualidade de vida moderada e pouca dificuldade para a marcha e realização de AVD. Os dados obtidos servirão na orientação da implementação de medidas fisioterapêuticas voltadas para essa amostra de pacientes, orientações de gestores para uma política de saúde mais efetiva e para a orientação de profissionais na busca de atendimento mais eficaz. REFERÊNCIAS 1. Rubenis J. A rehabilitational approach to the management of Parkinson’s disease. Parkinsonism Relat Disord. 2007;13 Suppl 3:S495-7. 2. Leddy AL, Crowner BE, Earhart GM. Functional gait assessment and balance evaluation system test: reliability, validity, sensitivity, and specificity for identifying individuals with Parkinson disease who fall. Phys Ther. 2011;91(1):102-13. 104 3. Jankovic J. Parkinson’s disease: clinical features and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2008;79(4):368-76. 4. Cano-de la Cuerda R, Macías-Jiménez AI, Cuadrado-Pérez ML, Miangolarra-Page JC, Morales-Cabezas M. [Posture and gait disorders and the incidence of falling in patients with Parkinson]. Rev Neurol. 2004;38(12):1128-32. 5. Less AJ, Hardy J, Revezs T. Parkinson`s disease. T Lancet. 2009;373(9680):2055-66. 6. Gordon PH, Zhao H, Bartley D, Sims LJ, Begay MG, Pirio Richardson S, et al. Prevalence of Parkinson disease among the Navajo: a preliminary examination. J Parkinsons Dis. 2013;3(2):193-8. 7. Marras C, Tanner CM. Epidemiology of Parkinson’s disease. In: Watts RL, Koller WC, eds. Movement disorders: neurologic principles & practice. 2nd ed. New York: McGraw-Hill, 2004. p. 177-95. 8. DATASUS, Fiocruz produzirá medicamentos para tratar mal de Parkinson. 2011. Disponível em: <http://www.blog.saude.gov.br/ index.php/voceeosus/29071- 3fiocruz-produzira-medicamentopara-tratar-mal-de-parkinson>. 9. Dowding CH, Shenton CL, Salek SS. A review of the health-related quality of life and economic impact of Parkinson’s disease. Drugs Aging. 2006;23(9):693-721. 10. De Lau LM, Breteler MM. Epidemiology of Parkinson’s disease. Lancet Neurol. 2006;5(6):525-35. 11. Olanow CW, Stern MB, Sethi K. The scientific and clinical basis for the treatment of Parkinson disease (2009). Neurology. 2009;72(21 Suppl 4):S1-136. 12. Peto V, Jenkinson C, Fitzpatrick R, Greenhall R. The development and validation of a short measure of functioning and well being for individuals with Parkinson’s disease. Qual Life Res. 1995;4(3):241-8. 13. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. “Mini-mental state”. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12(3):189-98. 14. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3 B):777-81. 15. Fahn S, Elton R, Members of the updrs Development Committee. In: Fahn S, Marsden CD, Calne DB, Goldstein M, eds. Recent Developments in Parkinson’s Disease, Vol 2. Florham Park, NJ. Macmillan Health Care Information 1987, 153-163, 293-304. 16. Schwab R, England A. Projection techniques for evaluating surgery in Parkinson’s disease. In: Billingham FH, Donaldson MC, editors. Third Symposium on Parkinson’s Disease. Royal College of Surgeons in Edinburgh. May 20-22, 1968. 17. Hoehn MM, Yahr MD. Parkinsonism: onset, progression and mortality. Neurology. 1967;17(5):427-42. 18. Berg KO, Wood-Dauphinee SL, Williams JI, Maki B. Measuring balance in the elderly: validation of an instrument. Can J Public Health. 1992;83 Suppl 2:S7-11. 19. Miyamoto ST, Lombardi Junior I, Berg KO, Ramos LR, Natour J. Brazilian version of the Berg balance scale. Braz J Med Biol Res. 2004;37(9):1411-21. 20. Steffen T, Seney M. Test-retest reliability and minimal detectable change on balance and ambulation tests, the 36-item short-form health survey, and the unified Parkinson disease rating scale in people with parkinsonism. Phys Ther. 2008;88(6):733-46. 21. Castro SM, Perracini MR, Ganança FF. Dynamic Gait Index – Brazilian version. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72(6):817-25. 22. Podsiadlo D, Richardson S. The timed “Up & Go”: a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39(2):142-8. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Perfil dos indivíduos com Parkinson 23. Rajput AH, Offord KP, Beard CM, Kurland LT. Epidemiology of parkinsonism: incidence, classification, and mortality. Ann Neurol. 1984;16(3):278-82. 24. Kearney PM, Whelton M, Reynolds K, Muntner P, Whelton PK, He J. Global burden of hypertension: analysis of worldwide data. Lancet. 2005;365(9455):217-23. 25. Souza RG, Borges V, Silva SMCA, Ferraz HB. Quality of life scale in parkinson’s disease PDQ-39 - (Brazilian Portuguese version) to assess patients with and without levodopa motor fluctuation. Arq Neuropsiquiatr. 2007;65(3):787-91. 26. McKeith IG, Dickson DW, Lowe J, Emre M, O’Brien JT, Feldman H, et al.; Consortium on DLB. Diagnosis and management of dementia with Lewy bodies: third report of the DLB Consortium. Neurology. 2005;65(12):1863-72. 29. Duncan RP, Leddy AL, Cavanaugh JT, Dibble LE, Ellis TD, Ford MP, et al. Accuracy of fall prediction in Parkinson disease: sixmonth and 12-month prospective analyses. Parkinsons Dis. 2012;2012:237673. 30. Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott M. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903. 31. Contreras A, Grandas F. Risk of falls in Parkinson’s disease: a crosssectional study of 160 patients. Parkinsons Dis. 2012;2012:625-72. 32. Dibble LE, Lange M. Predicting falls in individuals with Parkinson disease: a reconsideration of clinical balance measures. J Neurol Phys Ther. 2006;30(2):60-7. 33. Gray P, Hildebrand K. Fall risk factors in Parkinson’s disease. J Neurosci Nurs. 2000;32(4):222-8. 27. Chen H, Zhang SM, Schwarzschild MA, Hernán MA, Ascherio A. Physical activity and the risk of Parkinson disease. Neurology. 2005;64(4):664-9. 34. Bloem BR, Boers I, Cramer M, Westendorp RG, Gerschlager W. Falls in the elderly. I. Identification of risk factors. Wien Klin Wochenschr. 2001;113(10):352-62. 28. Landers MR, Backlund A, Davenport J, Fortune J, Schuerman S, Altenburger P. Postural instability in idiopathic Parkinson’s disease: discriminating fallers from nonfallers based on standardized clinical measures. J Neurol Phys Ther. 2008;32(2):56-61. 35. Kerr GK, Worringham CJ, Cole MH, Lacherez PF, Wood JM, Silburn PA. Predictors of future falls in Parkinson disease. Neurology. 2010;75(2):116-24. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 105 Rev Bras Neurol. 51(4):106-9, 2015 The opportunity to remember William Richard Gowers (1845-1915) and his concept of abiotrophy, now best understood and called apoptosis or programmed cell death A oportunidade de rememorar William Richard Gowers (18451915) e seu conceito de abiotrofia, agora melhor compreendido e denominado apoptose ou morte celular programada Marleide da Mota Gomes1 ABSTRACT RESUMO William Richard Gowers (1845-1915) was one of the most prolific and insightful neurologists of all times. He gave major contributions to the development of the medicine through the presentation of signs, syndromes, new concepts and many publications, mainly based on his thorough examination of his patients at the National Hospital, London. In this paper, they were enrolled several Gowers’ contributions, besides, it is discussed his concept of abiotrophy. Gowers at his time already recognized what is now most deeply understood and called programmed cell death or apoptosis that occurs normally during the development or aging, but also under a range of stimuli and conditions, physiological or pathological, on the dependence of a cell selective vulnerability. William Richard Gowers (1845-1915) foi um dos mais prolíficos e perspicazes neurologistas de todos os tempos. Ele deu grandes contribuições para o desenvolvimento da medicina, por meio da apresentação de sinais, síndromes, novos conceitos e muitas publicações, principalmente com base em sua análise aprofundada de seus pacientes no National Hospital, em Londres. Neste trabalho, foram registradas várias contribuições, além disso, discute-se o seu conceito de abiotrofia. Gowers, na sua época, já reconheceu o que agora é mais profundamente compreendido e denominado de morte celular programada ou apoptose, que ocorre normalmente durante o desenvolvimento ou envelhecimento, mas também sob uma gama de estímulos e condições, fisiológicas ou patológicas, na dependência de uma vulnerabilidade seletiva de células. Keywords: Gowers, neurology, abiotrophy, apoptosis, programmed cell death, semiology, death centennial. Palavras-chave: Gowers, neurologia, abiotrofia, apoptose, morte celular programada, semiologia, centenário de morte. Neurologist, associate professor, Program of Epilepsy, Institute of Neurology Deolindo Couto, School of Medicine, Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brazil. 1 Address for correspondence: Marleide da Mota Gomes. Instituto de Neurologia Deolindo Couto – UFRJ. Av. Venceslau Braz, 95, Botafogo – 22290-140 – Rio de Janeiro, RJ, Brazil. E-mail: [email protected] 106 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Gowers achievements, apoptosis INTRODUCTION William Richard Gowers (1845-1915) (Figure 1) was an illustrious English neurologist with a vast contribution to the neurology and he was “… an extraordinary observer, accurate and painstaking, with a wide horizon and a sound judgment…”.1 Gowers was appointed assistant physician at the University College Hospital (1872), keeping this appointment for 16 years.2 Earlier (1870), he acquired the position of registrar or “assistant to the physician” at the National Hospital in London,3 but only 20 years later he became full physician, and in few years (1897) he was knighted by Queen Victoria in her diamond jubilee honors list.3,4 This hospital was founded in June 1860 – the first specialized hospital for neurology in the world. Gower’s major contributions to neurology originate there and are unfolded afterwards. Gowers was a remarkable junior colleague of John Hughlings Jackson (1835-1911), a formidable and revolutionary thinker, and a supposed much easygoing person, but less comprehensible by the medical milieu than the first, more prone to be a writer, diagnostician and teacher.3,4 Figure 1. Sir William Richard Gowers (London, 20 March 1845-4 May 1915). Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/09/ William_Richard_Gowers.jpg. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 From 1870 to 1890, Gowers had his most productive years of research and publications when he examined and treated thoroughly patients mainly at the National Hospital.2,4 He recorded plenty of data in shorthand, in this way collecting an important material for his publications, as an outstanding and concise writer, and also qualified painter.2-4 Gowers made several contributions to neurology, and many of them bears his name, in spite of his lack of sympathy for eponymous.3 An important assertive description and renowned sign is to confirm proximal weakness of the extensor muscles of the thighs (Gowers’ sign) observed previously by Duchenne. However, Gowers gave a full description of this sign and its variants, and he realized that it would also be important in other types of myopathies, besides the one of Duchennes’ muscular dystrophy.3 He correlated for the first time the relationship between the vertebral bodies and spinal levels.3 Many of the anatomical findings, signs, syndromes and chemical solutions with bears his name or are related to him are enrolled in the box 1.3-5 Gowers published several books, and the first important one was called A manual and atlas of medical ophthalmoscopy (1879) with the emphasis to use of the ophthalmoscope, but the worldwide famous textbook in two volumes was the Handbook of diseases of the nervous system (1886-8, and 2nd edition, 1892-3). Other important books were Epilepsy and other chronic convulsive diseases (1881) and The borderland of epilepsy (1907), his last book, where he described intermittent disorders similar to epilepsy, dealt with faints, vagal attacks, vertigo, migraine, and sleep symptoms, all episodic disturbances whose phenomenology could resemble but as Gowers put it, ‘‘near it, but not of it”.6 The 1881 book on epilepsy were of outstanding importance because of its propagation of the revolutionary Jackson’s concepts on epilepsy in a readable, logically argued, and largely consistent accounts of epileptogenesis what is completed in 1907.6 Gowers’ interpretation was in part dependent on Jackson’s insights, although he also incorporated some ideas from earlier workers6. Eadie6 expresses that the aspects of Gowers’ papers concerning epilepsy, mainly the earlier ones, dealt with epileptic phenomenology rather than with epileptogenesis per se, and later were directed toward 107 Gomes MM et al. aspects such as epilepsy and marriage, the insurability of those with epilepsy, and the inheritance of the disorder. Among Gowers’s contribution, it is also included the term “the dark basement of the brain” to basal ganglia,4 besides the term knee-jerk, amyotatic, fibrositis.3 He also introduced the concepts of upper and lower motor neuron, and of abiotrophy (1902)3,7 which will be discussed in the next section in comparison with the growing understanding of what is apoptosis. Regarding Gowers’ personal life, they were given some notes about his origins and end. It is remarkable his and her mother battle against a humble cradle,4 but Gowers had at last the good fortune to have as mentor Sir William Jenner and John Russell Reynolds4 what favored the distinguished student. With regard to his failing health that destroyed him, the probable generalized arteriosclerosis obliged Gowers to retire at the age of 62. Two years previously his death, his wife, mother of his two sons and two daughters, Russell Reynolds niece-in-law, passed away.1,4 Box 1. Neurological issues named after Gowers An anatomical tract, signs, syndromes, solutions have been baptized with Gowers’ name,3-5 besides there are signs related to him such as nasal smile of myasthenics,4 fixation spams, pharyngolaryngeal nystagmus;3 Gowers’ panatrophy, a disturbance manifested by development of clearly defined areas of atrophy of skin with loss of subcutaneous tissue, more prevalent in women;4,5 Gowers’ phenomenon or Gowers’ ischias symptom, clinical sign in ischias by passive dorsiflexion of the foot that causes pain along the sciatic nerve when the former is constricted;5 Gowers’ ptosis, a bent forward of the head when sitting upright;5 Gowers’ sign or Gower’s manoeuvre, a clinical sign of muscle proximal weakness mainly found in muscular dystrophy in childhood;3-5 Gowers’ syndrome II or Paton’s syndrome or Gower’s symptom, irregular contraction of pupil as a precocious sign of tabes dorsalis;5 Gowers’ syndrome III, attacks of paraesthesia, dyspnoea, precordial discomfort in the form of pain or palpitation, depressed pulse, pallor, cramps, and a feeling of apprehension and dread, that Gowers applied the adjective “vagal”, now considered psychogenic;5 Gowers-Welander syndrome, Gowers’ syndrome or Welander’s syndrome, a distal muscular dystrophy observed in Sweden, occasionally in other areas;5 Gowers-Paton-Kennedy syndrome or Kennedy’s syndrome or Kennedy’s phenomenon, unilateral ipsilateral atrophy with contralateral papilloedema, central scotoma, and anosmia;5 Gowers’ tract or Gowers’ bundle, the anterior spinocerebellar area revealed in collaboration with a pupil the neurosurgeon Victor Horsley;3,5 Gowers’ mixture for treating migraine headaches, composed of liquor trinitrini, sodium bromide, tincture of gelsemium, tincture of nux vomica (containing strychnine), dilute nitri cor hypobromic acid, and chloroform water;4 Gower’ solution, dilution of sodium sulphate and acetic acid for counting hematias.5 108 Abiotrophy vs apoptosis Gowers gave major contributions for the neurology, and he explained in the best way at the moment, for practical purpose, his theory of abiotrophy (1902),7 precursor of the one of the programmed cell death or apoptosis,8 a concept of acute, but also chronic cell death existing, e.g., in some chronic neurodegenerative diseases.9 This link was also given by Daniel et al.:9 “Abiotrophy, pathoklisis and other synonymous have recently undergone intellectual resurrection emerging as the concept of apoptosis now synonymous with programmed cell death”. A remark to be done is that pathoklisis was coined by Cecile and Oskar Vogt (1925), apud Daniel.9 Naturally, this relationship may be now more well evaluated by means of animal models and molecular biology. Gowers in his lecture (1902) about Abiotrophy: diseases from defect of life7 (excerpt, Box 2) stated that many degenerative diseases of the nervous system are a result of a defect in vitality. “...We do not, indeed, apply the Word ‘death’ to this slow decay of the elements; we speak of it as ‘degeneration’, but the process is in many cases, perhaps in most, an essential failure of vitality and I think it is instructive to consider the degenerations in this aspect.” For him the understanding of what he called abiotrophy was important for practical reason because “it may sometimes save from waste of money that can ill be spared, and from the waste of hope which means only deeper disappointment”. Naturally, 113 years ago this was all that he could say about apoptosis, before the development of molecular genetics. The abiotrophic definition by Gowers has its correspondence now to apoptosis, often used synonymously with programmed cell death, which involves the genetically determined elimination of cells.9 Various morphological changes occur marked by shrinkage of the cell and piknosis that is the result of chromatin condensation – the most characteristic feature of apoptosis, but there are also necrotic-like phenotypes that require gene activation and protein synthesis as presented by Elmore.10 The search on PubMed, system gives a glimpse of the development of this concept from the scarce 143 papers that included the term abiotrophy (title/abstract), from 1939 forward, to one of 244553, apoptosis. This last was first registered in 1972 about the “Apoptosis: a basic biological phenomenon with wide-ranging Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Gowers achievements, apoptosis implications in tissue kinetics” by Kerr, Wyllie and Currie, apud Elmore.10 However, in the veterinarian literature the term abiotrophy and apoptosis is largely used11,12 (Box 2). Anyway, the chronic evolution of some human diseases also involves apoptosis, and several studies presently indicate that apoptosis might occur and contribute, e.g., to Alzheimer disease onset and progression.13 CONCLUSION Box 2. Gowers’ reasoning about what he called abiotrophy, now known as ACKNOWLEDGMENT programmed cell death or apoptosis, in Abiotrophy: diseases from defect of life7 Gowers’ understanding about abiotrophy: “...besides this general life, the termination of which involves that of every part of the body, many of these parts have their own vitality. Some of them may slowly die, while the life of all the rest goes on without impairment. They may die from many causes, some early, inevitably, from a grave defect of vital endurance; some much later, the failure being only slightly premature; and some at various times, apparently from various causes. When the failure is early it is often due purely to a defect in vitality, a defect which seems to be inherent, the tendency there to inborn”. “We do not, indeed, apply the word ‘death’ to this slow decay of the elements; we speak of it as ‘degeneration’, but the process is in many cases, perhaps in most, an essential failure of vitality, and I think it is instructive to consider the degenerations in this aspect.” “...Here the simplest mode of obtaining what we need is to insert the root of βιοs after the negative particle in ‘atrophy’ which gives us ‘abiotrophy’.” After these reasonings, Gowers classified the types of abiotrophy, mainly according to the localization (cutaneous, muscular or in the nervous system) or period of life (precocious or later), besides some definite cause. Regarding Later Neural Abiotrophy, he gave this example: “Another senile malady, paralysis agitans, must be referred to vital failure in some cerebral motor structures. In its conditions and course, it is a striking example of a cerebral abiotrophy”. He also distinguished inherent vitality from functional vitality, e.g., a close vital relation between the muscular and nervous structures. He considered that many forms of abiotrophy in the nervous system, perhaps the most striking is one of which these spinal motor neurons are the seat. “A third group of degenerations remains, large and important. They are the varied degenerations that occur, especially in middle life, as the result of some definite cause.” “It is not clear how far these are due to a defect of life. The degeneration may be the result of the presence in the blood of some material which is able to enter into the constitution of the nerve elements, but is not adequate for their proper functional or structural maintenance. They may slowly recover if the supply of the noxious matter ceases. Arsenical neuritis is an example.” Gowers recognized that “Their nature is easily discerned when they occur in groups which have the tie of consanguinity, but the discernment is less easy when the diseases occur in isolated form.” Elmore10 reviewed the concept of apoptosis and reinforced much of what was presented by Gowers, as seen above, because apoptosis, a cell programmed death occurs: normally during development and aging; also, as a defense mechanism such as in immune reactions or when cells are injured by disease or noxious agents, but a range of stimuli and conditions, both physiological and pathological, can generate it, in a cell selective vulnerability. The veterinarian literature presents plenty of proofs of this association, abiotrophy vs apoptosis, as seen in the paper by Blanco et al.11: “…the occurrence of apoptosis in this cell population was investigated by… Both optical and electron microscopical images showed a scant number of Purkinje cells, most of them with morphological features of apoptosis…” This is mainly found in horses, as Arabians and purebred Arabian horses, but also in other species. Nonetheless, cerebellar abiotrophy does not have the same aetiology as in the horse, where a single autosomal recessive locus is assumed to be responsible for the disease, as referred by Cavalleri et al.12 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Gowers was an industrious and insightful neurologist, besides a skilled writer, and a talented painter. He explained in the best way at the moment, for practical purpose, his theory of abiotrophy, precursor of the one of the programmed death cells. Here, it is offered our homage to this outstanding neurologist in his death centennial. I gratefully acknowledge the suggestions about abio trophy/apoptosis made by Prof. Leila Chimelli. CONFLICT OF INTEREST None. REFERENCES 1. The Lancet. Obituary. Sir William Richard Gowers, M.D. Lond. and Dub., F.R.C.P. Lond., LL.D. Edin., F.R.S., consulting physician to University College Hospital, London, and to the National Hospital for the Paralysed and Epileptic, Queen-square, W.C.. May 15th, 1915, p. 1055-1056. 2. Vale TC, Lees A, Cardoso F. A biosketch of William Richard Gowers with a new review of his inpatient case history notes. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71(6):411-3. 3. Arts NJM. Gower’s sign. In: Koehler PJ, Bruyn GW, Pearce JMS, editors. Neurological eponyms. New York: Oxford University Press; 2000. p. 87-93. 4. Scott A, Eadie M, Lees A. William Richard Gowers 1845-1915: exploring the Victorian Brain. Oxford: Oxford University Press; 2012. 5. Whonamedit? A dictionary of medical eponyms. Sir William Richard Gowers. [cited 2015 June 13]. Available from: <http:// www.whonamedit.com/doctor.cfm/1182.html>. 6. Eadie MJ. William Gowers’ interpretation of epileptogenic mechanisms: 1880-1906. Epilepsia. 2011;52(6):1045-51. 7. Gowers WR. A lecture on abiotrophy; delivered at the National Hospital for the Paralysed and Epileptic, Queen-square, Bloomsbury, on Feb. 21st, 1902. Lancet. 1902;15(4102):1003-7. 8. Rose C. Twentieth century neurology: the British contribution. London: Imperial College Press; 2002. 9. Daniel SE, Cruz-Sánchez FF, Lees AJ. Dementia in Parkinsonism. Wien: Springer Medicine; 1997. 10. Elmore S. Apoptosis: a review of programmed cell death. Toxicol Pathol. 2007;35(4):495-516. 11. Blanco A, Moyano R, Vivo J, Flores-Acuña R, Molina A, Blanco C, et al. Purkinje cell apoptosis in arabian horses with cerebellar abiotrophy. J Vet Med A Physiol Pathol Clin Med. 2006;53(6):286-7. 12. Cavalleri JM, Metzger J, Hellige M, Lampe V, Stuckenschneider K, Tipold A, et al. Morphometric magnetic resonance imaging and genetic testing in cerebellar abiotrophy in Arabian horses. BMC Vet Res. 2013;9:105. 13. Bobba A, Petragallo VA, Marra E, Atlante A. Alzheimer’s proteins, oxidative stress, and mitochondrial dysfunction interplay in a neuronal model of Alzheimer’s disease. Int J Alzheimers Dis. 2010;2010. 109 Rev Bras Neurol. 51(4):110-3, 2015 Fraqueza muscular adquirida na UTI (ICU-AW): efeitos sistêmicos da eletroestimulação neuromuscular Muscular weakness acquired in ICU (ICU-AW): effects of systemic neuromuscular electrical stimulation Marcos David Parada Godoy1, Helson Lino Leite de Souza Costa2, Arthur Evangelista da Silva Neto2, André Luiz da Cunha Serejo1,2, Leonardo Cordeiro de Souza1,2, Michel Rangel Kalil2, Rodrigo França Mota2, Livia Fernandes Monteiro2, Olivia Gameiro de Souza³, Marcos R. G. de Freitas³, Victor Hugo Bastos4, Pietro Novellino5, André Palma Matta3, Marco Orsini5,6 RESUMO ABSTRACT Com os avanços tecnológicos alcançados atualmente na terapia intensiva e maior sobrevida dos pacientes, outros desafios têm surgido para os profissionais de saúde. Dentre alguns, destaca-se a fraqueza muscular adquirida na UTI (ICU-AW), caracterizada por paresia esquelética e respiratória dos músculos promovendo aumento nas taxas de mortalidade e comprometimento da qualidade de vida. Sua incidência varia de 30% a 60% e tem na síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e na disfunção de múltiplos órgãos (DMO) sua principal etiologia. Outros fatores de risco como a hiperglicemia, o uso de bloqueadores neuromusculares e sedativos, a imobilidade e a própria ventilação mecânica estão entre os mais comuns. Entre as medidas de combate à ICU-AW, está o conceito de mobilização precoce, bem como despertar diário e controle estreito da glicemia. Nesse contexto, a eletroestimulação muscular apresenta-se como recurso de grande valia. Sua principal vantagem está no fato de poder ser empreendida independentemente da cooperação do paciente, e por ser capaz de gerar respostas musculares eficientes, bem como resultados satisfatórios na preservação da massa muscular, condicionamento físico e funcionalidade dos que usam essa ferramenta. Desfechos interessantes têm sido observados em diversos perfis de pacientes, como os de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e traumatismo raquimedular (TRM). No paciente crítico, seu uso tem mostrado redução nos tempos de ventilação mecânica (VM), internação na UTI e maior funcionalidade dos pacientes. A relevância dos efeitos sistêmicos e metabólicos provenientes da eletroestimulação neuromuscular (ENM) tem sido a base para os estudos nos pacientes críticos. Portanto, a ICU-AW é uma realidade no cenário da terapia intensiva e sua prevenção tem dado margem à aparição de novas propostas e ferramentas na prevenção dessas complicações. With technological advances currently achieved in intensive care and increased patient survival, other challenges have emerged to health professionals. Among some, there is acquired weakness in the ICU (ICU-AW), characterized by skeletal and respiratory muscle paresis promoting an increase in mortality and impaired quality of life. The range of occurrence is 30% to 60% of critically ill patients, and systemic inflammatory response syndrome (SIRS) and multiple organ dysfunction (MOD) are is the main etiology. Other risk factors such as hyperglycemia, the use of neuromuscular blockers and sedatives, immobility and mechanical ventilation are among the most common. Preventing ICU-AW is the concept of early mobilization and daily awakening and tight control of blood glucose. In this context, muscle electrostimulation appears as a great resource. This can be used undertaken regardless of the cooperation of the patient, and be able to generate efficient muscle responses showing satisfactory results in the preservation of muscle mass, physical fitness and functionality of using this tool. Interesting outcomes have been observed in several profiles of patients, such as chronic obstructive pulmonary disease (COPD) and spinal cord injury (SCI). In critically ill patients, its use has shown reduction in mechanical ventilation (MV) days, ICU length and increased functionality of patients. The relevance of the systemic and metabolic effects from the electrostimulation neuromuscular (NMES) has been the basis for studies in critically ill patients. Therefore, the ICU-AW is a reality in the setting of intensive care and prevention has given rise to appearance of new proposals and tools in preventing these complications. Keywords: Weakness, electrostimulation, rehabilitation. Palavras-chave: Fraqueza muscular, eletroneuroestimulação, reabilitação. Hospital e Clínica São Gonçalo, Niterói, RJ, Brasil. Hospital Icaraí, Niterói, RJ, Brasil. 3 Universidade Federal Fluminense (UFF), Serviço de Neurologia, Niterói, RJ, Brasil. 4 Universidade Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba, PI, Brasil. 5 Faculdade de Medicina de Vassouras, RJ, Brasil. 6 Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Programa de Mestrado/Doutorado em Ciências da Reabilitação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; Hospital Universitário Antonio Pedro (HUAP), UFF, Niterói, RJ, Brasil. 1 2 Endereço para correspondência: Dr. Marco Orsini. Programa de Mestrado/Doutorado em Ciências da Reabilitação. Av. Paris, 72, Bonsucesso – 21041-020 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] 110 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Fraqueza muscular na UTI: efeitos da eletroestimulação INTRODUÇÃO A fraqueza muscular adquirida na UTI (ICU-AW) atualmente tem sido observada frequentemente no paciente crítico, mas esse acometimento na sepse já havia sido descrito em 1892 por Osler.1 O conhecimento a respeito dos fatores de risco, tratamentos e/ou prevenção é imprescindível, e, com os avanços no conhecimento fisiopatológico, as discussões a respeito das complicações provenientes da internação alcançaram espaço no cenário da terapia intensiva, já que pacientes que evoluem para ICU-AW apresentam também maior taxa de mortalidade e complicações funcionais com comprometimento na qualidade de vida, mesmo após a alta hospitalar, resultando em acréscimos sensíveis aos custos durante o período da reabilitação.2-7 Aproximadamente 50% dos pacientes com sepse e ventilados mecanicamente apresentam fraqueza muscular com falha no desmame do suporte ventilatório.1 Como mais de 50% das internações têm por causa a sepse, mais da metade desses pacientes apresentam risco de desenvolver alterações neuromusculares no curso da internação na UTI.8-10 Do mesmo modo, cerca de 60% dos pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) poderão apresentar características da ICU-AW.10-12 Pacientes internados na UTI com mais de sete dias poderão apresentar determinado grau de fraqueza muscular periférica e/ou muscular respiratória, que poderá estar associada aos pacientes em tratamento para o estado de mal asmático (33%) e 7% dos pacientes após transplante de fígado.11-12 Caracterizada pelo comprometimento da inervação, da musculatura periférica e dos músculos respiratórios, a ICU-AW resulta com tetraparesia ou tetraplegia flácida de cunho reversível, podendo ser recuperável total ou parcialmente e podendo resultar em insuficiência respiratória aguda (IRpA) devida às alterações neuromusculares. A musculatura facial geralmente está preservada, ocorrendo hiporreflexia ou arreflexia dos reflexos profundos, atrofia muscular, maior tempo de permanência na ventilação mecânica e no tempo do desmame ventilatório, além de acréscimo no tempo de internação na UTI e da internação hospitalar.12-15 Sua etiologia relaciona-se, em grande parte, aos danos provocados pela resposta inflamatória sistêmica (SIRS), a qual afeta a morfologia e a fisiologia Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 da musculatura esquelética e seu sistema de condução. A despolarização axonal ocorre em virtude das alterações microvasculares, levando à hipoperfusão dos pequenos capilares dos nervos e à redução da oferta de oxigênio (DO2), e resultando em acúmulo de metabólitos ácidos, tais como endotoxinas e agentes pró-inflamatórios liberados durante a sepse ou SIRS.16 A ICU-AW pode ser resultado de diversas doenças e síndromes, e as alterações do estado mental comum nos pacientes em UTI poderão ser um fator limitante na identificação, sendo seu diagnóstico feito por meio de eletroneuromiografia e exame histológico. As condições e patogêneses que podem resultar em ICU-AW são síndrome de Guillain-Barré (SGB), miastenia grave, porfiria, síndrome Eaton-Lambert, esclerose lateral amiotrófica (ELA), mielopatias, vasculites (capilares sistêmicos) e acidentes vasculares encefálicos (AVE).8,14,17 Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de ICU-AW estão amplamente divulgados, sendo os principais sepse, SIRS e DMO; estudos relatam também a utilização de vasopressores, aminoglicosídeos, bloqueadores neuromusculares, hiperglicemia, idade, tempo prolongado de ventilação mecânica, sedação e imobilidade no leito. Outros fatores foram relatados em poucos estudos e precisam de maior evidência como o uso de corticoides, a prevalência no sexo feminino, hipoalbuminemia, hiperosmoralidade e estratégias nutricionais.12,18 A ICU-AW é uma complicação de causa multifatorial e as intervenções direcionam-se para a prevenção dos fatores de risco. Destacam-se, nesse contexto, a condução de protocolos de controle glicêmico, protocolos de despertar diário e mobilização precoce (MP).19-21 Estudos apontam para a preservação da função muscular esquelética como um fator de relevância fundamental no paciente crítico, sendo essa conservação da massa muscular um grande desafio.22 Embora exista um crescimento na elaboração de diversos protocolos para prevenção dos fatores de risco e mobilização precoce, com o objetivo de reduzir a incidência da ICU-AW, ainda existe uma tendência de imobilização e sedação em pacientes nas UTI, o que contribui para a maior degradação muscular, tanto esquelética quanto respiratória, ocorrência demonstrada em diversos estudos que assinalam que a perda de massa muscular pode alcançar valores de aproximadamente 5% por dia.15,20,22,23 111 Godoy MDP et al. A ENM apresenta-se como instrumento adequado para estimular a função muscular mesmo em fases em que o paciente esteja sob sedação profunda.7 Esse recurso é utilizado com sucesso em pacientes com DPOC, TRM e pós-operatório ortopédico, resultando na melhora da tolerância aos esforços físicos e prevenindo a hipotrofia muscular, e dessa forma conservando o bom condicionamento aeróbico.3,24 Para os pacientes críticos, a utilização da ENM tem apresentado evidências significativas na redução no tempo de ventilação mecânica e no tempo de desmame ventilatório.25-31 No tratamento da disfagia pós-AVC, diferentes estratégias de ENM têm sido empregadas com grau variável de sucesso.32 A aplicação de ENM é capaz de gerar efeitos sistêmicos, alterando os valores de oxigenação e valores energéticos do metabolismo em pacientes críticos. Dessa forma, observam-se efeitos sistêmicos resultantes da aplicação da ENM em pacientes graves submetidos à ventilação mecânica por tempo prolongado. Estudos publicados previamente, avaliando os efeitos na prevenção da atrofia muscular, manutenção da massa magra e melhora funcional, demonstraram resultados positivos em diversos perfis de pacientes, e muitos desses benefícios se devem aos resultados sistêmicos obtidos pela ENM.24,31,33,34 A ICU-AW é uma realidade e sua prevenção tem sido a tônica de muitas discussões entre os profissionais que atuam nessa especialidade, por melhores intervenções e cada vez mais precoces. A proposta de utilizar a ENM em pacientes críticos com ICU-AW tem alcançado proeminentes resultados, como demonstra o estudo de Dirks et al., que comprovaram, em um primeiro momento, que pacientes sedados, no período de sete dias de internação na UTI, apresentam redução significativa das fibras musculares (tipo 1 e 2), resultando em atrofia muscular. E concluem ressaltando que o uso diário de ENM previne efetivamente a atrofia muscular esquelética, oferecendo intervenção oportuna à beira do leito, também, para os pacientes comatosos em ventilação mecânica internados na UTI.35 Os efeitos sistêmicos produzidos pela utilização de ENM apontam para uma perspectiva favorável como recurso terapêutico nos pacientes críticos, mesmo em estágios ou em condições em que a cooperação para a realização de tarefas motoras esteja prejudicada (por exemplo, sedação e demência), logo reduzindo o tempo de ventilação mecânica e o tempo de desmame ventilatórios.27 112 Os efeitos da ENM na prevenção do catabolismo muscular já haviam sido descritos por Bouletreau et al., que demonstraram redução na excreção de marcadores nitrogenados nos pacientes que utilizaram a ENM.24 No paciente crítico, principalmente vítima de trauma ou sepse, diversos fatores contribuem para o acréscimo nos valores de gasto energético, sendo o reparo dos tecidos lesados um dos principais fatores. Sabe-se que nesses pacientes o aumento do gasto energético ocorre, principalmente, do segundo ao sétimo dia que se seguem à agressão (fase flow), em decorrência do aumento da taxa de renovação de proteínas.36,38,39 O consumo de oxigênio (VO2) também tem se mostrado significantemente maior durante a ENM, e esse dado aponta para uma resposta sistêmica favorável e com possibilidade de preservação das vias aeróbicas musculares nos pacientes graves, conforme demonstrado em uma metanálise de pacientes com insuficiência cardíaca crônica e submetidos à eletroestimulação. Eles demonstraram que a ENM foi capaz de alterar significativamente os valores de VO2 quando comparado com o grupo controle, inclusive no que se refere ao teste de caminhada de 6 minutos (TC6).37 Resultados similares foram relatados com o uso da ENM com objetivo de treinamento aeróbico em pacientes com paraplegia secundária ao trauma raquimedular, como uma via preventiva das complicações cardiovasculares.25 CONCLUSÃO A ENM tem sido analisada como um promissor recurso terapêutico capaz de gerar efeitos sistêmicos dinâmicos e com resultados favoráveis quando utilizada como recurso estimulador do sistema muscular esquelético periférico e respiratório em pacientes com tempo prolongado de ventilação mecânica, sedação e que tenham desenvolvido UCU-AW. Posteriores estudos serão necessários com objetivo de esclarecer mais a respeito desse recurso terapêutico. REFERÊNCIAS 1. Bolton CF, Gilbert JJ, Hahn AF, Sibbald WJ. Polyneuropathy in critically ill patients. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984;47(11):1223-31. 2. Bolton CF. The discovery of critical illness polyneuropathy. Eur J Anaesthesiol Suppl. 2008;42:66-7. Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Fraqueza muscular na UTI: efeitos da eletroestimulação 3. Abdellaoui A, Préfaut C, Gouzi F, Couillard A, Coisy-Quivy M, Hugon G, et al. Skeletal muscle effects of electrostimulation after COPD exacerbation: a pilot study. Eur Respir J. 2011;38(4):781-8. 4. Ali NA, O’Brien JM Jr, Hoffmann SP, Phillips G, Garland A, Finley JC, et al. Acquired weakness, handgrip strength, and mortality in critically ill patients. Am J Respir Crit Care Med. 2008;178(3): 261-8. 5. Allen C, Glasziou P, Del Mar C. Bed rest: a potentially harmful treatment needing more careful evaluation. Lancet. 1999;354(9186):1229-33. 6. Fan E, Zanni JM, Dennison CR, Lepre SJ, Needham DM. Critical illness neuromyopathy and muscle weakness in patients in the intensive care unit. AACN Adv Crit Care. 2009;20(3):243-53. 7. Needham DM. Mobilizing patients in the intensive care unit: improving neuromuscular weakness and physical function. JAMA. 2008;300(14):1685-90. 8. Pati S, Goodfellow JA, Iyadurai S, Hilton-Jones D. Approach to critical illness polyneuropathy and myopathy. Postgrad Med J. 2008;84(993):354-60. 9. Brower, RG. Consequences of bed rest. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S422-8. 10. Callahan LA, Supinski GS. Sepsis-induced myopathy. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S354-67. 11. Hermans G, De Jonghe B, Bruyninckx F, Van den Berghe G. Clinical review: Critical illness polyneuropathy and myopathy. Crit Care. 2008;12(6):238. 12. Hermans G, Van den Berghe G. Clinical review: intensive care unit acquired weakness. Crit Care. 2015;19:274. 13. Latronico N, Bolton CF. Critical illness polyneuropathy and myopathy: a major cause of muscle weakness and paralysis. Lancet Neurol. 2011;10(10):931-41. 14. Latronico N, Shehu I, Seghelini E. Neuromuscular sequelae of critical illness. Curr Opin Crit Care. 2005;11(4):381-90. 15. Bailey P, Thomsen GE, Spuhler VJ, Blair R, Jewkes J, Bezdjian L, et al. Early activity is feasible and safe in respiratory failure patients. Crit Care Med. 2007;35(1):139-45. 16. Batt J, dos Santos CC, Cameron JI, Herridge MS. Intensive care unit-acquired weakness: clinical phenotypes and molecular mechanisms. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(3):238-46. 17. Kress JP, Hall JB. ICU-acquired weakness and recovery from critical illness. N Engl J Med. 2014;370(17):1626-35. 18. Nanas S, Kritikos K, Angelopoulos E, Siafaka A,Tsikriki S, Poriazi M, et al. Predisposing factors for critical illness polyneuromyopathy in a multidisciplinary intensive care unit. Acta Neurol Scand. 2008;118(3):175-81. 19. Van den Berghe G, Schoonheydt K, Becx P, Bruyninckx F, Wouters PJ. Insulin therapy protects the central and peripheral nervous system of intensive care patients. Neurology. 2005;64(8):1348-53. 20. Chambers MA, Moylan JS, Reid MB. Physical inactivity and muscle weakness in the critically ill. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S337-46. 21. de Jonghe B, Lacherade JC, Sharshar T, Outin H. Intensive care unit-acquired weakness: risk factors and prevention. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S309-15. 22. Morris PE, Goad A, Thompson C, Taylor K, Harry B, Passmore L, et al. Early intensive care unit mobility therapy in the treatment of acute respiratory failure. Crit Care Med. 2008;36(8):2238-43. 23. Jaber S, Petrof BJ, Jung B, Chanques G, Berthet JP, Rabuel C, et al. Rapidly progressive diaphragmatic weakness and injury Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 during mechanical ventilation in humans. Am J Respir Crit Care Med. 2011;183(3):364-71. 24. Bouletreau P, Patricot MC, Saudin F, Guiraud M, Mathian B. Effects of intermittent electrical stimulations on muscle catabolism in intensive care patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(6):552-5. 25. Carty A, McCormack K, Coughlan GF, Crowe L, Caulfield B. Increased aerobic fitness after neuromuscular electrical stimulation training in adults with spinal cord injury. Arch Phys Med Rehabil. 2012;93(5):790-5. 26. de Letter MA, Schmitz PI, Visser LH, Verheul FA, Schellens RL, Op de Coul DA, et al. Risk factors for the development of polyneuropathy and myopathy in critically ill patients. Crit Care Med. 2001;29(12):2281-6. 27. Gerovasili V, Stefanidis K, Vitzilaios K, Karatzanos E, Politis P, Koroneos A, et al. Electrical muscle stimulation preserves the muscle mass of critically ill patients: a randomized study. Crit Care. 2009;13(5):R161. 28. Routsi C, Gerovasili V, Vasileiadis I, Karatzanos E, Pitsolis T, Tripodaki E, et al. Electrical muscle stimulation prevents critical illness polyneuromyopathy: a randomized parallel intervention trial. Crit Care. 2010;14(2):R74. 29. Vivodtzev I, Debigaré R, Gagnon P, Mainguy V, Saey D, Dubé A, et al. Functional and muscular effects of neuromuscular electrical stimulation in patients with severe COPD: a randomized clinical trial. Chest. 2012;141(3):716-25. 30. Zanotti E, Felicetti G, Maini M, Fracchia C. Peripheral muscle strength training in bed-bound patients with COPD receiving mechanical ventilation: effect of electrical stimulation. Chest. 2003;124(1):292-6. 31. Malfiutetti NA, Roig M, Karatanos E, Nanas S. Neuromuscular electrical stimulation for preventing skeletal-muscle weakness and wasting in critically ill patients: a systematic review. BMC Med. 2013;11:R137. 32. Suntrup S, Marian T, Schröder JB, Suttrup I, Muhle P, Oelenberg S, et al. Electrical pharyngeal stimulation for dysphagia treatment in tracheotomized stroke patients: a randomized controlled trial. Intensive Care Med. 2015;41(9):1629-37. 33. Maffiuletti NA. Physiological and methodological considerations for the use of neuromuscular electrical stimulation. Eur J Appl Physiol. 2010;110(2):223-34. 34. Roig M, Reid WD. Electrical stimulation and peripheral muscle function in COPD: a systematic review. Respir Med. 2009;103(4):485-95. 35. Dirks ML, Hansen D, Van Assche A, Dendale P, Van Loon LJ. Neuromuscular electrical stimulation prevents muscle wasting in critically ill comatose patients. Clin Sci (Lond). 2015;128(6):357-65. 36. Basile-Filho A, Martins MA, Antoniazzi P, Marchini JS. Calorimetria indireta no paciente em estado crítico. Rev Bras Ter Intensiva. 2003;15(1):29-33. 37. Sbruzzi G, Ribeiro RA, Schaan BD, Signori LU, Silva AM, Irigoyen MC, et al. Functional electrical stimulation in the treatment of patients with chronic heart failure: a meta-analysis of randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2010;17(3):25460. 38. Jackson MJ. Skeletal muscle aging: the role of reactive oxygen species. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S368-71. 39. McNicol FJ, Hoyland JA, Cooper RG, Carlson GL. Skeletal muscle contractile properties and proinflammatory cytokine gene expression in human endotoxaemia. Br J Surg. 2010;97(3):434-42. 113 Rev Bras Neurol. 51(4):114-5, 2015 NEUROLOGIA À BEIRA DO LEITO Vibração palpebral – O teste clínico mais sensível na paralisia facial Palpebral vibration – The clinical test more sensitive in facial paralysis Péricles Maranhão-Filho1, Eliana T. Maranhão2 RESUMO ABSTRACT Nesta nota os autores chamam atenção para a importância do fenômeno da vibração palpebral e ressaltam um teste de beira de leito, descrito por Wartenberg, capaz de antever a paralisia facial. In this note the authors call attention to the importance of the eyelid vibration phenomenon, and highlight a predictor bedside test, described by Wartenberg, able to foresee a facial palsy. Palavras-chave: Paralisia facial, vibração palpebral, teste clínico. Keywords: Facial palsy, palpebral vibration, clinical test. 1 2 Neurologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Fisioterapeuta do Hospital do Câncer I (HC-I), Instituto Nacional de Câncer (Inca), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Péricles Maranhão-Filho. Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 1680/1802, Barra da Tijuca – 22620-311 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: www.neurobarra.com 114 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 Vibração palpebral A paralisia facial é uma condição frequente e polimorfa.1,2 Antecipar seu surgimento, ou confirmar sua ocorrência, mesmo já tendo passado muitos anos, evidencia boa prática neurossemiológica e faz parte de uma “abordagem neurológica inteligente”.3 MÉTODO Solicita-se ao paciente que oclua a pálpebra e o examinador tenta gentilmente elevá-la contra resistência (Figura 1A). A vibração também pode ser sentida ao se colocar a polpa digital adjunto ao ângulo externo da pálpebra e tracioná-la delicadamente para trás, enquanto o paciente força a oclusão (Figura 1B). pode ser sentida no dedo do examinador quando tenta elevar a pálpebra ocluída. A vibração está abolida na paralisia completa do nervo facial e está diminuída na paresia leve. Aí é que está o valor do teste, que é capaz de detectar o sinal mais precoce de uma prosopoplegia que ainda está por vir. A ausência da vibração palpebral é o primeiro sinal de paralisia/paresia facial.4 No curso da recuperação a vibração palpebral só reaparece tardiamente. O teste da vibração palpebral também tem grande valor na paralisia facial do tipo central, por revelar hemiplegias leves ou muito antigas e já recuperadas, mas que envolveram a face. Mesmo que não haja nada de anormal à ectoscopia e que os movimentos da face aparentem plena normalidade, empregando esse teste você será capaz, em poucos segundos, de descobrir vibração reduzida da pálpebra superior em um dos lados.4 Empregar testes clínicos simples e sensíveis denota bom preparo técnico do examinador. Se esse teste tem o poder de confirmar qual o lado da lesão, mesmo que a sequela não seja mais aparente, uma vez que a doença ocorreu há muitos anos, o teste é ótimo. Mas se, além disso, consegue antever a paralisia facial, torna-se, então, um excelente teste! CONCLUSÃO O sinal da vibração palpebral percebido pela polpa digital é tão específico e sensível que se pode afirmar que: se a vibração da pálpebra superior for igual dos dois lados, ou a paralisia facial nunca existiu ou, se existiu, houve recuperação completa. Figura 1 (A e B): Duas maneiras de testar a vibração palpebral durante a oclusão. REFERÊNCIAS 1. Maranhão-Filho P, Maranhão ET, Aguiar T, Nogueira R. Paralisia facial: quantos tipos clínicos você conhece? Parte I. Rev Bras Neurol. 2013;49(2):85-92. DISCUSSÃO Fisiologicamente, toda contração voluntária sustentada de um músculo esquelético consiste de muitas contrações finas, interrompidas e próximas uma das outras. O músculo contraído vibra. Essa vibração Revista Brasileira de Neurologia » Volume 51 » Nº 4 » out - nov - dez 2015 2. Maranhão-Filho P, Maranhão ET, Aguiar T, Nogueira R. Paralisia facial: quantos tipos clínicos você conhece? Parte II. Rev Bras Neurol. 2013;49(3):93-8. 3. Holmes G. Introduction to clinical neurology. 3rd ed. Great Britain: Longman Group Ltd.; 1971. 4. Wartenberg R. Diagnostic tests in neurology. Chicago: The Year Book Publishers, Inc.; 1954. p. 60. 115