MANEIO DE FERIDAS
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MANEIO DE FERIDAS
Instituto Politécnico de Viana do Castelo Escola Superior Agrária de Ponte de Lima MANEIO DE FERIDAS Relatório Final de Curso Licenciatura em Enfermagem Veterinária Eunice Nobre Lima de Sousa Ponte de Lima, Dezembro 2010 As doutrinas expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor. 2 Índice Agradecimentos......................................................................................................................v Resumo..................................................................................................................................vi Palavras-chave.......................................................................................................................vi Lista de abreviaturas e símbolos..........................................................................................vii Lista de quadros..................................................................................................................viii Lista de figuras......................................................................................................................ix 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................1 2 HOSPITAL VETERINÁRIO MONTENEGRO.................................................................2 2.1 Apresentação do Hospital Veterinário Montenegro....................................................2 2.2 Casuística geral............................................................................................................3 2.3 Casuística de feridas....................................................................................................6 3 ANATOMIA TEGUMENTAR...........................................................................................8 3.1 Vascularização cutânea................................................................................................9 4 FERIDAS..........................................................................................................................10 4.1 Definição de feridas...................................................................................................10 4.2 Classificação de feridas.............................................................................................10 4.2.1 Classificação de feridas quanto à existência de efracção da pele......................10 4.2.2 Classificação de feridas quanto ao mecanismo de lesão....................................11 4.2.2.1 Incisão........................................................................................................11 4.2.2.2 Abrasão......................................................................................................12 4.2.2.3 Perfuração/ penetração...............................................................................12 4.2.2.4 Laceração...................................................................................................12 4.2.2.5 Avulsão......................................................................................................13 4.2.2.6 Esmagamento.............................................................................................14 4.2.2.7 Contusão.....................................................................................................14 4.2.2.8 Feridas mistas.............................................................................................14 4.2.2.9 Queimadura................................................................................................14 4.2.2.9.1 Etiologia da queimadura.....................................................................15 4.2.2.9.1.1 Queimadura térmica....................................................................15 4.2.2.9.1.2 Queimadura eléctrica..................................................................15 4.2.2.9.1.3 Queimadura química...................................................................15 4.2.2.9.1.4 Queimadura radioactiva..............................................................16 4.2.2.9.2 Classificação da queimadura..............................................................16 i 4.2.3 Classificação de feridas de acordo com o grau de lesão tecidular.....................17 4.2.4 Classificação de feridas quanto ao grau de contaminação.................................17 4.2.5 Classificação de feridas quanto à cor.................................................................18 4.3 Características das feridas.........................................................................................19 4.4 Cicatrização...............................................................................................................19 4.4.1 Fases da cicatrização..........................................................................................20 4.4.1.1 Fase inflamatória........................................................................................20 4.4.1.2 Fase de desbridamento...............................................................................21 4.4.1.3 Fase reparativa...........................................................................................22 4.4.1.4 Fase de maturação......................................................................................23 4.4.2 Formas de cicatrização.......................................................................................23 4.4.2.1 Cicatrização por primeira intenção (cirúrgica)..........................................24 4.4.2.2 Cicatrização por segunda intenção.............................................................24 4.4.2.3 Cicatrização por terceira intenção..............................................................25 4.4.3 Factores que atrasam a cicatrização...................................................................25 4.4.3.1 Factores inerentes ao animal......................................................................26 4.4.3.2 Factores inerentes à ferida..........................................................................27 4.4.3.3 Factores inerentes à terapêutica.................................................................28 4.4.4 Estimulantes da cicatrização..............................................................................28 4.4.4.1 Factores de crescimento.............................................................................29 4.4.4.2 Estimulantes eléctricos neuromusculares...................................................29 4.4.4.3 Massagem...................................................................................................29 4.4.4.4 Ultrassons...................................................................................................30 4.4.4.5 Acupunctura...............................................................................................30 4.4.4.6 Laserterapia................................................................................................31 4.5 Abordagem da ferida cirúrgica..................................................................................31 4.5.1 Preparação pré-operatória..................................................................................31 4.5.1.1 Banho.........................................................................................................31 4.5.1.2 Tricotomia..................................................................................................32 4.5.1.3 Assepsia cirúrgica do animal.....................................................................32 4.5.2 Preparação pós-operatória..................................................................................32 4.5.2.1 Pensos.........................................................................................................33 4.5.2.2 Monitorização............................................................................................33 4.5.2.3 Prevenção de auto-mutilação.....................................................................34 ii 4.5.2.4 Remoção de suturas....................................................................................34 4.5.2.5 Complicações.............................................................................................35 4.6 Abordagem da ferida acidental..................................................................................35 4.6.1 Avaliação do animal..........................................................................................35 4.6.2 Avaliação da ferida............................................................................................36 4.6.3 Avaliação da viabilidade cutânea.......................................................................37 4.6.4 Decisão de suturar..............................................................................................37 4.6.5 Tricotomia..........................................................................................................38 4.6.6 Limpeza e desbridamento inicial.......................................................................38 4.6.7 Lavagem da ferida..............................................................................................40 4.6.8 Desbridamento...................................................................................................41 4.6.8.1 Desbridamento enzimático.........................................................................41 4.6.8.2 Desbridamento mecânico...........................................................................42 4.6.8.3 Desbridamento físico-químico...................................................................42 4.6.9 Sutura de feridas................................................................................................43 4.7 Terapêuticas complementares....................................................................................43 4.7.1 Açúcar e mel......................................................................................................44 4.7.2 Complexo de tripeptídeo de cobre.....................................................................44 4.7.3 Acemanano........................................................................................................44 4.7.4 Maltodextrina.....................................................................................................45 4.7.5 Produtos derivados de plaquetas........................................................................45 4.7.6 Quitosano...........................................................................................................46 4.7.7 Plantas medicinais..............................................................................................46 4.7.7.1 Aloé vera....................................................................................................46 4.7.7.2 Calêndula (calêndula officinalis)...............................................................46 4.7.7.3 Arnica montana..........................................................................................46 4.7.7.4 Erva de São João (hypericum perforatum).................................................47 4.7.7.5 Loureiro (Laurus nobilis)...........................................................................47 4.8 Drenos........................................................................................................................47 4.8.1 Drenos passivos.................................................................................................48 4.8.2 Drenos activos....................................................................................................48 4.8.3 Aplicações dos drenos........................................................................................48 4.8.4 Cuidados nos drenos..........................................................................................49 4.8.5 Vantagens e desvantagens dos drenos...............................................................49 iii 4.9 Antibioterapia............................................................................................................50 4.10 Terapia analgésica...................................................................................................51 4.11 Materiais de penso...................................................................................................52 4.11.1 Camada primária ou de contacto......................................................................53 4.11.1.1 Camada de contacto aderente...................................................................53 4.11.1.1.1 Pensos seco-a-seco……………………………………...................53 4.11.1.1.2 Pensos húmido-a-seco…………………………………..................54 4.11.1.2 Camada de contacto não-aderente……………………………………....55 4.11.1.2.1 Pensos de utilização inicial...............................................................55 4.11.1.2.2 Pensos de utilização inicial e tardia..................................................55 4.11.1.2.2.1 Pensos de película perfurada....................................................56 4.11.1.2.2.2 Pensos esponjosos.....................................................................56 4.11.1.2.2.3 Pensos hidroactivos..................................................................57 4.11.1.2.2.3.1 Hidrogel amorfo................................................................57 4.11.1.2.2.3.2 Película de hidrogel...........................................................58 4.11.1.2.2.3.3 Hidrocolóide.....................................................................59 4.11.1.2.2.3.3.1 Alginato.....................................................................60 4.11.2 Camada secundária ou intermédia...................................................................61 4.11.3 Camada terciária ou externa.............................................................................62 4.11.4 Selecção do tipo de penso................................................................................63 4.12 Métodos de reconstrução de feridas........................................................................65 4.12.1 Flaps de omento...............................................................................................65 4.12.2 Transposição de pele........................................................................................65 4.12.3 Expansão de pele..............................................................................................66 4.12.4 Oclusão assistida por vácuo.............................................................................67 5 CONCLUSÃO...................................................................................................................69 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..............................................................................71 Anexos..................................................................................................................................74 Anexo 1............................................................................................................................A1.1 Anexo 2............................................................................................................................A2.1 iv Agradecimentos Gostaria de expressar nesta página os meus sinceros agradecimentos a todos os que de alguma forma colaboraram para que fosse possível a realização deste relatório. Agradeço à minha orientadora de estágio, Dr.a Cátia Sá, pela sua paciência, ajuda, compreensão, apoio, disponibilidade e pela instrução fornecida ao longo deste relatório. Ao orientador externo, Dr. Luís Montenegro, uma palavra de agradecimento pela colaboração demonstrada para um bom estágio. Agradeço também toda a bibliografia disponibilizada. A toda a equipa do Hospital Veterinário Montenegro, Dr. a Rafaela, Dr. Rui, Dr.a Cláudia Rodrigues, Dr.a Ana Cota, Dr. Daniel, Dr.a Marta, Dr.a Claúdia Oliveira, Dr.a Mafalda, Dr. Nuno e Dr. Mota, por tudo que me ensinaram, pela boa disposição com que o fizeram e por todo o carinho. Aos enfermeiros, Carla e Eduardo, à Elisa e à Teresa pelo apoio e amizade. A todas as minhas colegas de estágio por toda a amizade, apoio, confiança e carinho partilhados. À Dr.a Belmira e Dr.a Patrícia, pela compreensão e apoio que sempre demonstraram neste meu percurso académico, sem esquecer as suas preciosas ajudas na elaboração deste relatório. A todos os Docentes que acompanharam o meu percurso estudantil, transmitindo os seus ensinamentos. Ao Rafael Abreu, porque é a minha maior fonte de força e alegria. A todos os meus amigos, sem me esquecer de nenhum de vós, que muito me ajudaram e apoiaram durante estes anos, fora e dentro da vida académica. Um agradecimento especial à Elodie e ao Granja que demonstraram grande paciência e acompanharam-me nos melhores e piores momentos. Por fim, aos mais importantes... àqueles que fizeram de mim o que sou hoje, que me deram o apoio, carinho e incentivo necessários para eu ter percorrido todo este caminho – à minha família, especialmente pais e irmãs. Pelo tempo e apoio constante que me dispensaram, tornando tudo possível. Obrigada. v Resumo “Maneio de feridas” foi o tema eleito para expor neste relatório. À semelhança de todas as áreas da medicina e da cirurgia, a abordagem das feridas tem assistido nos últimos anos, a avanços tanto na Ciência, como na arte dos cuidados de feridas. O objectivo da selecção do tema foi, essencialmente, o de trazer ao conhecimento do enfermeiro veterinário as diferentes abordagens clínicas ao maneio das feridas, mediante a classificação e caracterização das mesmas. Durante a concretização deste estágio, que decorreu numa unidade hospitalar de carácter privado, foi possível compreender a relevância clínica do tema apresentado, tendo sido criada a oportunidade de adquirir, desenvolver e aplicar na prática os conhecimentos necessários à abordagem de várias situações clínicas, mais concretamente ao maneio de feridas. Diariamente, em Veterinária, lida-se com feridas, tornando a avaliação e tratamento de feridas uma parte integrante da clínica de pequenos animais. Muitas feridas cicatrizam sem intervenções complicadas, mas algumas requerem limpeza e tratamento mais exaustivo. Somente uma compreensão sólida dos mecanismos da lesão, mecanismo da cicatrização e das técnicas de tratamento de feridas permitirá uma abordagem adequada à gravidade, ao tipo e estádio da lesão tecidular, o que contribuirá assim para o sucesso terapêutico e diminuição de complicações clínicas associadas. Palavras-chave: lesão tecidular; cicatrização; drenos; pensos; contaminação. vi Lista de abreviaturas e símbolos % - Percentagem ! - Marca registrada AINEs – Anti-inflamatórios não esteróides Ca2+ - Iões de cálcio CO2 – Dióxido de carbono et al. - Outros Etc. – “e outros”, “e os restantes” ou “e outras coisas mais” Fig. – Figura G - Gaus H - Hora i.e. – Isto é IL-1 - Interleucina 1 LCR – Líquido cefalorraquidiano m2 – metro quadrado Na+ - Iões de sódio NaCl 0,9% - Soro fisiológico ºC – Grau célsius p. ex. – Por exemplo pH – Potencial hidrogeniônico PMN – Leucócitos polimorfonucleares Psi – Medida de pressão (do inglês, “pounds per square inch”) s/d – Sem data TM – Marca registada (do inglês, “trade mark”) TNF-α - Factor de necrose tumoral α vii Lista de quadros Quadro 2.1 – Casos clínicos por especialidades na medicina interna....................................3 Quadro 2.2 - Métodos de auxílio ao diagnóstico....................................................................4 Quadro 2.3 - Número de métodos terapêuticos utilizados.....................................................5 Quadro 2.4 - Casos em profilaxia...........................................................................................5 Quadro 2.5 - Número de procedimentos cirúrgicos realizados..............................................6 Quadro 2.6 – Número de casos de feridas de acordo com o mecanismo de lesão….............7 Quadro 4.1 - Exemplos de feridas quanto ao grau de contaminação...................................18 Quadro 4.2 - Factores que atrasam a cicatrização das feridas..............................................26 Quadro 4.3 - Critérios de avaliação do tipo de ferida..........................................................36 Quadro 4.4 - Critérios de aferição da viabilidade da pele para sutura.................................37 Quadro 4.5 - Lavagem na abordagem da ferida acidental....................................................40 Quadro 4.6 - Acções gerais dos pensos................................................................................52 Quadro 4.7 - Desvantagens dos pensos................................................................................52 Quadro 4.8 - Características gerais dos pensos de utilização inicial e tardia.......................55 Quadro 4.9 - Selecção de tipos de pensos tendo em conta o teor de exsudado e modo de actuação do penso.................................................................................................................63 viii Lista de figuras Figura 2.1- Edifício do HVM.................................................................................................2 Figura 2.2 - a) Consultório I; b) Consultório II; c) Internamento geral; d) Internamento de doenças infecto-contagiosas; e) Sala de cirurgia....................................................................2 Figura 2.3 – Percentagem de casos clínicos por especialidades na medicina interna............4 Figura 2.4 – Percentagem de casos clínicos utilizados nos métodos de auxílio ao diagnóstico..............................................................................................................................5 Figura 2.5 – Percentagem do número de procedimentos cirúrgicos realizados.....................6 Figura 2.6 – Percentagem do número de procedimentos realizados em feridas....................7 Figura 3.1 – Sistema vascular cutâneo no Homem................................................................9 Figura 3.2 – Sistema vascular cutâneo no cão e no gato........................................................9 Figura 4.1 - Incisão cirúrgica...............................................................................................11 Figura 4.2 - Ferida perfurante no antebraço de um cão causada por mordedura.................12 Figura 4.3 - Laceração na região metatarso-plantar esquerda num gato..............................13 Figura 4.4 - Mandíbula de um cão exposta em consequência de um arrancamento tecidular extenso..................................................................................................................................13 Figura 4.5 - Queimaduras num gato devido a um incêndio.................................................14 Figura 4.6 – Ferida de cor vermelha....................................................................................19 Figura 4.7 – Ferida de cor amarela.......................................................................................19 Figura 4.8 – Ferida de cor preta...........................................................................................19 Figura 4.9 – Fase inflamatória..............................................................................................21 Figura 4.10 – Fase reparativa...............................................................................................22 Figura 4.11 – Fase de maturação..........................................................................................23 Figura 4.12 - Representação esquemática da cicatrização por primeira intenção................24 Figura 4.13 – Cicatrização por primeira intenção após orquiectomia..................................24 Figura 4.14 - Representação esquemática da cicatrização por segunda intenção................25 ix Figura 4.15 – Execução de massagens num canino.............................................................29 Figura 4.16 – Utilização de ultrassons num pastor alemão..................................................30 Figura 4.17 – a) Lesão ulcerativa no tarso esquerdo de um gato; b) Electroacupunctura na mesma lesão com vista no acelerar do processo de cicatrização ........................................31 Figura 4.18 – Demonstração do laser...................................................................................31 Figura 4.19 – a) Lesão traumática; b) A mesma lesão após desbridamento agressivo e lavagem hidrodinâmica........................................................................................................39 Figura 4.20 – Sistema de lavagem........................................................................................41 Figura 4.21 – Aplicação correcta de um penso húmido-a-seco...........................................42 Figura 4.22 - Aplicação de penso com mel no membro posterior esquerdo de um felino...44 Figura 4.23 - Dreno penrose.................................................................................................48 Figura 4.24 - Dreno de sucção..............................................................................................48 Figura 4.25 - Camadas que devem fazer parte dos pensos...................................................53 Figura 4.26 - Penso húmido-a-seco......................................................................................54 Figura 4.27 – Penso de película perfurada...........................................................................56 Figura 4.28 – Penso esponjoso.............................................................................................57 Figura 4.29 - Hidrogeis amorfo............................................................................................57 Figura 4.30 - Película de hidrogel........................................................................................58 Figura 4.31 - Comparação entre o tratamento de feridas com e sem hidrogel.....................58 Figura 4.32 - Exemplos de hidrocolóide..............................................................................59 Figura 4.33 – Acção do alginato de cálcio na ferida............................................................60 Figura 4.34 - Pensos de alginato..........................................................................................61 Figura 4.35 - Compressão da camada intermédia ...............................................................61 Figura 4.36 - Aplicação da camada secundária com algodão hidrofílico............................62 Figura 4.37 - Materiais utilizados na camada externa..........................................................62 Figura 4.38 - Aplicação da camada externa.........................................................................63 x Figura 4.39 - Relação das fases de cicatrização de feridas com o nível de exsudado presente na ferida..................................................................................................................64 Figura 4.40 – Flap de padrão axial na zona toracodorsal para oclusão de uma ferida grande no antebraço. .......................................................................................................................66 Figura 4.41 – Sutura de colchoeiro e em “U” horizontal ajustável para reduzir mais rapidamente a área de ferida aberta .....................................................................................67 xi 1 INTRODUÇÃO Por definição, a ferida é uma lesão caracterizada pela ruptura da continuidade normal da estrutura do corpo (Pavletic, 2003). De acordo com as características da pele de cada animal, a tolerância à lesão varia. No caso dos cães e gatos, essa tolerância é maior devido à vascularização e elasticidade desenvolvidas. Segundo Gregory (1999), a cicatrização de feridas é um termo utilizado para descrever o processo que ocorre na pele no qual o corpo restaura a integridade do tecido perdido formando uma cicatriz de colagénio. Há muitos factores tanto endógenos quanto exógenos, com o potencial para afectar a cicatrização (Fossum, 2007). Todos esses factores devem ser levados em consideração para o sucesso no tratamento do animal. Quando as feridas não fecham por cicatrização primária, tratam-se como feridas abertas com o objectivo de reduzir a contaminação tecidular, remover o tecido desvitalizado, bem como promover a formação de tecido de granulação. Para alcançar estes objectivos há que desbridar, lavar e cobrir ferida. O desbridamento consiste na eliminação de tecido necrosado e desvitalizado, por meio de incisão ou com pensos húmidos-a-secos. A lavagem consiste em promover a irrigação dos tecidos, eliminando materiais estranhos, exsudados e a própria contaminação, utilizando soro fisiológico, ou ainda, soluções antisépticas, como clorhexidina e iodopovidona pouco concentradas. A cobertura da ferida consiste na colocação de pensos, por forma a evitar a contaminação e promover a reparação do tecido danificado (Moore et al., 2003). Em caso de sutura de uma lesão cuja ocorrência de microcontaminação residual, espaço morto ou de formação de hematoma seja questionável é indicada a utilização de drenos. Os drenos têm como finalidade criar e manter um canal ou abertura para o exterior, facilitando assim a drenagem de um líquido (seja, p. ex.: sangue, soro ou exsudado) de uma cavidade do corpo ou ferida através de um dispositivo artificial (Babies, 1999). O objectivo deste relatório é, essencialmente, o de trazer ao conhecimento do enfermeiro veterinário as diferentes abordagens clínicas ao maneio das feridas. Desta forma pretendese estudar a classificação e características de feridas, as fases e formas de cicatrização e os factores que a influenciam para assim compreender a terapêutica mais adequada aos diferentes tipos de lesão. 1 2 HOSPITAL VETERINÁRIO MONTENEGRO 2.1 Apresentação do Hospital Veterinário Montenegro O Hospital Veterinário Montenegro (HVM), foi fundado em 1999 (fig. 2.1). Presta serviço completo 24 horas por dia, com médicos veterinários em permanência nas suas instalações, possuindo equipamento sofisticado e médico destacando-se por possuir uma equipa jovem, motivada e pronta a prestar um serviço cuidado e completo. O HVM tem disponível para os seus Figura 2.1- Edifício do HVM (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). clientes uma sala de espera/recepção, três consultórios (fig. 2.2 a e fig. 2.2 b), uma sala de banho, um internamento geral (fig. 2.2 c) e um internamento onde são colocados os animais com suspeita ou confirmação de doença infecto-contagiosa (fig. 2.2 d), uma sala de radiografias e ecografias, uma sala de cirurgia (fig. 2.2 e), um pátio na entrada e uma sala de hemodiálise. Figura 2.2- a) Consultório I; b) Consultório II; c) Internamento geral; d) Internamento de doenças infecto-contagiosas; e) Sala de cirurgia (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 2 Os clínicos residentes apresentam-se divididos em áreas interesse, de forma a poderem intervir em áreas muito diversas, tais como a oftalmologia, cuidados intensivos, neurologia, oncologia, etc. O HVM disponibiliza também aos seus clientes o serviço de clínica a animais exóticos de companhia (canários, papagaios, esquilos, coelhos, iguanas, tartarugas, tarântulas, peixes de aquário, etc.). 2.2 Casuística geral Durante o período de estágio foi possível interagir com grande quantidade de animais. Seguidamente é apresentada a casuística acompanhada durante os cinco meses de estágio no HVM. Para melhor percepção da presente casuística é importante focar que as funções atribuídas no estágio centraram-se na prestação de cuidados aos animais internados, desta forma, nota-se uma escassez de casuística relativa à profilaxia (desparasitações e vacinações), talvez um dos principais motivos de consulta nos Centros de Atendimento Veterinário em geral. A casuística foi dividida em quatro categorias: medicina interna, métodos de diagnóstico, métodos terapêuticos e cirurgias. No quadro 2.1. é apresentada a casuística na medicina interna dividida por especialidades: gastroenterologia, urologia, ortopedia, pneumologia, dermatologia, imunologia e hematologia, neurologia, otorrinologia, odontologia, cardiologia, endocrinologia, oftalmologia, traumatologia, toxicologia e oncologia. Quadro 2.1 – Casos clínicos por especialidades na medicina interna. MEDICINA INTERNA (total de 351 casos) Gastroenterologia 80 Dermatologia 29 Endocrinologia 11 Urologia 45 Neurologia 19 Oftalmologia 10 Ortopedia 36 Otorrinologia 18 Traumatologia 4 Imunologia e Hematologia 35 Odontologia 15 Toxicologia 3 Pneumologia 32 Cardiologia 12 Oncologia 2 Analisando o quadro 2.1 verifica-se que na medicina interna a especialidade de gastroenterologia obteve o maior número de casos (80 casos), seguido de urologia com 45 casos, ortopedia com 36 casos, imunologia e hematologia com 35 casos e pneumologia 3 com 32 casos. A especialidade de toxicologia e oncologia apresentam-se com o menor número de casos, 3 e 2 casos, respectivamente. Na figura 2.3 pode-se visualizar a percentagem de casos de cada uma das especialidades acima descritas. Figura 2.3 – Percentagem de casos clínicos por especialidades na medicina interna. No quadro 2.2 são expostos os métodos de auxílio ao diagnóstico acompanhados durante o estágio no HVM: radiografias, ecografias, uroanálises, mielografias, electrocardiografias, endoscopias, ecocardiografias, colheita de líquido cefalorraquidiano (LCR) e ressonância magnética. Quadro 2.2- Métodos de auxílio ao diagnóstico. MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO (total de 245 métodos) Radiografias 120 Mielografias 7 Ecocardiografias 4 Ecografias 90 Electrocardiografias 5 Colheita LCR 3 Uroanálises 8 Endoscopias 5 Ressonância Magnética 3 Observando o quadro 2.2 verifica-se que os métodos de diagnóstico mais realizados foram as radiografias com 120 casos e ecografias efectuadas em 90 casos. Na figura 2.4 é possível visualizar a percentagem de casos em cada método de diagnóstico acima descritos. 4 Figura 2.4 – Percentagem de casos clínicos utilizados nos métodos de auxílio ao diagnóstico. O quadro 2.3 representa o número de métodos terapêuticos acompanhados no HVM. Da nebulização e vaporização, ao enema e banhos terapêuticos, à quimioterapia, inseminação artificial e fisioterapia, todos eles são procedimentos que auxiliam o tratamento e simultaneamente contribuem no bem-estar de cada animal. Quadro 2.3- Número de métodos terapêuticos utilizados. MÉTODOS TERAPÊUTICOS (total de 35 métodos terapêuticos) Nebulização e vaporização 10 Fisioterapia 5 Banho terapêutico 8 Inseminação artificial 4 Enema 6 Quimioterapia 2 No quadro 2.4 estão apresentados os casos de profilaxia (vacinas e desparasitações) observados no HVM. Quadro 2.4- Casos em profilaxia. PROFILAXIA (total de 22 casos) Vacinas 15 Desparasitação Interna 5 Desparasitação Externa 2 Durante o estágio também foi possível auxiliar os médicos veterinários durante algumas cirurgias. No quadro 2.5 estão descritas o número de procedimentos cirúrgicos 5 acompanhados no HVM. No sistema esquelético está incluída a especialidade de ortopedia e as amputações. Quadro 2.5- Número de procedimentos cirúrgicos realizados. CIRURGIAS (total de 121 cirurgias) Ovariohisterectomia 37 Mastectomia 7 Gastrotomia 2 Sistema esquelético 16 Destartarização 5 Enterectomia 1 Orquiectomia 11 Abdominocentese 4 Laparotomia 1 Tumores 10 Gastropexia 4 Traqueostomia 1 Nódulos 7 Uretrostomia 3 Broncoscopia 1 Hérnias 7 Cesariana 3 Esplenectomia 1 Analisando o quadro 2.5 verifica-se que as cirurgias mais realizadas foram ovariohisterectomias com 37 casos e as pertencentes ao sistema esquelético com 16 casos. Na figura 2.5 pode-se visualizar a percentagem de número de procedimentos cirúrgicos realizados acima descritos. Figura 2.5 – Percentagem do número de procedimentos cirúrgicos realizados. 2.3 Casuística de feridas O “maneio de feridas” foi o tema escolhido para este relatório, desta forma, pretende-se avaliar a casuística do número de procedimentos realizados em feridas. 6 No quadro 2.6 estão descritos o número de casos, no HVM, em que se teve de fazer tratamentos a feridas. Os tipos de feridas apresentados estão de acordo com o mecanismo de lesão. Quadro 2.6 – Número de casos de feridas de acordo com o mecanismo de lesão FERIDAS (total de 135 casos) Incisão 123 Perfuração 2 Abrasão 3 Avulsão 1 Contusão 3 Esmagamento 1 Laceração 2 Observando o quadro 2.6 verifica-se que o número de casos em que se tratou animais com feridas, foram 135 vezes, em que 123 dos casos foram tratamentos de feridas incisas. Este número bastante significativo corresponde à incidência de procedimentos cirúrgicos que se realiza no HVM. Este Hospital está capacitado para efectuar diversas cirurgias e portanto o número de procedimentos cirúrgicos realizados é elevado, daí que 91% do número de casos serem feridas incisas (fig. 2.6). Os restantes tipos de feridas, desde feridas abrasivas a feridas por esmagamento, foram também motivo de tratamento, neste hospital. Na figura 2.6 pode-se visualizar a percentagem de feridas de acordo com o mecanismo da lesão. Figura 2.6 – Percentagem dos diferentes tipos de lesão de acordo com o mecanismo da lesão. 7 3 ANATOMIA TEGUMENTAR A pele é constituída pela epiderme (epitélio estratificado pavimentoso queratinizado), pela derme (tecido conjuntivo composto por fibras de colagénio, fibras reticulares, fibras elásticas e elementos celulares rodeados por uma matriz extracelular de glicosaminoglicanos) e pelas estruturas anexas (pêlos, glândulas sebáceas e sudoríparas) (Fossum, 2007 e Pavletic, 2003). A epiderme é a camada mais externa, fina e avascular. Normalmente é mais espessa nas zonas onde o pêlo é menos abundante, como é o caso das almofadas plantares (Fossum, 2007 e Pavletic, 2003). A derme, também chamada cório, suporta e nutre a epiderme e contém uma rede de capilares cutâneos, vasos linfáticos e nervos, bem como estruturas anexas (Fosssum, 2007 e Pavletic, 2003). A disposição das fibras de colagénio e o número de fibras elásticas nas várias regiões da derme definem a elasticidade ou flexibilidade da pele. No cão, as zonas mais flexíveis localizam-se nas axilas, flanco e zona dorsal do pescoço, enquanto no gato estão situadas na zona escapular, zona dorsal do pescoço e zona lateral e proximal dos membros torácicos. As regiões de menor elasticidade são a cauda, pavilhões auriculares e almofadas digitais. A espessura da pele está directamente relacionada com a espessura da derme, sendo maior na zona dorsal do corpo e face lateral dos membros e menor nas regiões ventro-mediais (Pavletic, 2003). A hipoderme (composta por tecido conjuntivo laxo e tecido adiposo) não faz parte da pele, mas promove a união desta com as estruturas subjacentes, de uma forma que permite o deslizamento de um tecido sobre o outro (Pavletic, 2003). É nesta camada que se localiza o músculo cutâneo que entre outras funções, promove repetidas contracções da pele de forma a elevar a temperatura corporal. Na verdade, o músculo cutâneo não é mais que um conjunto de músculos distribuídos pelo corpo sob a forma de uma lâmina fina, superficial e ininterrupta, encontrando-se ausente apenas nas porções média e distal dos membros (Fossum, 2007 e Pavletic, 2003). Ao nível da cabeça e pescoço, assume-se como músculo platisma e os músculos esfíncter coli superficial e profundo do pescoço. Ao nível do tronco, assume-se como músculo cutâneo do tronco e estende-se cranioventralmente desde a região dos glúteos até à região peitoral. Segmentos deste músculo formam o músculo prepucial, no macho, e o músculo supramamário, na fêmea (Pavletic, 2003). O músculo cutâneo está intimamente associado à circulação sanguínea cutânea, pelo que a sua 8 preservação durante a manipulação cirúrgica é crucial para a manutenção da viabilidade cutânea (Pavletic, 2003). 3.1 Vascularização cutânea Da artéria aorta derivam ramos segmentares, localizados profundamente em relação às massas musculares, os quais originam artérias perfurantes que, por sua vez, atravessam os músculos esqueléticos e alimentam uma rede de capilares cutâneos. As artérias perfurantes, no Homem e no suíno, terminam maioritariamente nas artérias musculo-cutâneas, que correm perpendicularmente à pele (fig. 3.1). No cão e no gato, as artérias musculocutâneas estão ausentes e a irrigação da pele é feita através de artérias cutâneas directas, que se direccionam paralelamente à pele, conferindo-lhe uma mobilidade muito superior à das outras espécies (fig. 3.2). Esta diferença na circulação cutânea é a razão pela qual muitas das técnicas de enxertos cutâneos pediculados utilizadas em medicina humana, terem aplicação limitada em medicina veterinária, mais concretamente na medicina de pequenos animais (Fossum, 2007 e Pavletic, 2003). Figura 3.1 – Sistema vascular cutâneo no Homem (fonte: Pavletic, 2003) Figura 3.2 – Sistema vascular cutâneo no cão e no gato (fonte: Pavletic, 2003). Os vasos cutâneos directos constituem assim o sistema vascular cutâneo, o qual está dividido em três níveis interligados entre si: plexo profundo ou subdérmico, plexo médio 9 ou cutâneo e plexo superficial ou subpapilar, embora existam algumas variações ao nível dos pavilhões auriculares, almofadas digitais, mamilos e junções mucocutâneas (narinas, lábios, pálpebras, prepúcio, vulva e ânus) (Fosssum, 2007 e Pavletic, 2003). O plexo subdérmico é a principal rede vascular da pele. Irriga os folículos pilosos, as glândulas sudoríparas e os músculos erectores do pêlo, localizando-se superficial e profundamente ao músculo cutâneo. Nas zonas em que não existe músculo cutâneo, isto é, nas extermidades distais, este plexo localiza-se no limite entre a derme e a hipoderme. Do plexo subdérmico saem ramos para a derme, formando o plexo cutâneo, que para além de reforçar a irrigação das estruturas já referidas, é responsável pela irrigação das glândulas sebáceas. Ramos ascendentes do plexo cutâneo originam o plexo subpapilar, localizado ao nível das papilas dérmicas, na camada mais superficial da derme. Os capilares deste plexo são responsáveis pela nutrição da epiderme (Fossum, 2007 e Pavletic, 2003). 4 FERIDAS À semelhança de todas as áreas da medicina e da cirurgia, a abordagem das feridas tem assistido nos últimos anos, a avanços tanto na ciência, como na arte dos cuidados de feridas. 4.1 Definição de feridas As feridas são lesões acidentais ou cirúrgicas causadas por um qualquer agente externo efectuadas ao nível da pele e/ou camadas tecidulares mais profundas (Hosgood, 2003 e Moore et al., 2003). 4.2 Classificação de feridas As feridas podem ser classificadas de várias formas. Em geral, a classificação de feridas leva em consideração cinco aspectos básicos: a existência de efracção da pele, o mecanismo de lesão, o grau de lesão tecidular, o grau de contaminação e a cor. 4.2.1 Classificação de feridas quanto à existência de efracção da pele Quanto à existência de efracção da pele, as feridas podem ser abertas (com laceração e perda de pele) e/ou fechadas (com esmagamentos e contusões) (Pavletic, 2003). 10 As feridas fechadas são soluções de continuidade dos órgãos ou tecidos moles que não atingem a superfície da pele, ou seja, são feridas não penetrantes da pele, mas com lesão dos tecidos subjacentes, como uma contusão (Tazima et al., 2008 e Williams, 1999). Estas feridas podem ser directas, quando a onda de choque atravessa as camadas cutâneas profundas e lesiona directamente qualquer estrutura na sua trajectória, ou indirectas, quando a onda de choque lança um órgão ou tecido contra uma outra estrutura corporal (Williams, 1999). Em oposição às feridas fechadas, feridas abertas são feridas em que há uma solução de continuidade da pele e na qual há comunicação dos tecidos subjacentes com o meio externo. Estas são mais susceptíveis a infecção e contaminação (Williams, 1999). 4.2.2 Classificação de feridas quanto ao mecanismo de lesão Quanto ao mecanismo de lesão, as feridas são classificadas de acordo com o tipo da lesão, podendo ser: incisivas, abrasivas, perfurantes ou penetrantes, laceradas, avulsivas, por esmagamento, contusas, mistas ou queimaduras (anexo 1). 4.2.2.1 Incisão Uma ferida por incisão (fig. 4.1) é uma ferida com duas dimensões produzida por um instrumento cortante em que os bordos apresentam um corte uniforme (ferida incisa) (Andrade et al., 2006; Moore et al., 2003 e White, 1999). O instrumento cortante num processo cirúrgico poderá ser uma lâmina de bisturi, no entanto, no caso de ferida traumática poderá ser um fragmento de vidro/ cristal ou o bordo de uma lata (White, 1999). As feridas incisas quando limpas, são geralmente fechadas por suturas (Tazima et al., 2008) A ferida incisa causa poucos danos nos tecidos adjacentes (Moore et al., 2003). Figura 4.1 - Incisão cirúrgica (fonte: White, 1999). 11 4.2.2.2 Abrasão Uma ferida abrasiva refere-se a uma perda de camadas superficiais (ferida superficial), por fricção da epiderme e de uma porção variável da derme com hemorragia mínima (Fossum, 2002, Moore et al., 2003 e White, 1999). Na prática clínica de pequenos animais, as abrasões são mais comummente encontradas em acidentes rodoviários e ocorrem quando o animal é arrastado no asfalto por um veículo. Também ocorrem abrasões nas almofadas digitais quando é realizado exercício prolongado ou contacto com superfícies ásperas (Moore et al., 2003 e White, 1999). 4.2.2.3 Perfuração/ penetração A ferida por perfuração/ penetração é uma ferida com uma só dimensão caracterizada pela abertura na pele provocada por um objecto aguçado e/ ou perfurante, podendo ser produzida pela ponta de uma faca ou por uma bala (Andrade et al., 2006; Fossum, 2002 e White, 1999). A ferida por mordedura (fig. 4.2) também é considerada uma ferida por perfuração/ penetração visto ser provocada por dentes (Moore et al., 2003 e White, 1999). Diz-se que uma ferida é perfurante se a lesão não ultrapassa as serosas e que é penetrante se a lesão atinge uma cavidade corporal (Fossum, 2002). Figura 4.2 – Ferida perfurante no antebraço de um cão causada por mordedura (fonte: White, 1999). 4.2.2.4 Laceração As feridas laceradas são feridas com os bordos irregulares e que têm duas ou mais dimensões. O mecanismo da lesão é por tracção, isto é, por rasgo ou arrancamento tecidual (Andrade et al., 2006; Fossum, 2002; Moore et al., 2003 e Tazima et al., 2008). Os tecidos 12 adjacentes apresentam contaminação e traumatismos (Moore et al., 2003). Um exemplo clássico é a mordedura de cão (Tazima et al., 2008). As feridas laceradas (fig. 4.3) podem também ser produzidas por vidro, metal ou arame farpado (Andrade et al., 2006 e Moore et al., 2003). Figura 4.3 - Laceração na região metatarso-plantar esquerda num gato (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 4.2.2.5 Avulsão Nas feridas por avulsão há separação forçada de tecidos (como p. ex.: tendões, músculos, pele) da sua base de inserção por vezes com perda da substância (Moore et al., 2003 e White, 1999). Os tecidos são arrancados, como acontece por exemplo, em consequência de lutas de cães ou lutas com animais selvagens que pode levar a situações em que estruturas ósseas chegam inclusive, a ser extensivamente expostas (fig 4.4) ou mesmo arrancadas (White, 1999). “Degloving”, também conhecido por “desluvamento” é um tipo de avulsão que ocorre principalmente nas extremidades (membros, cauda, etc.), sendo caracterizado pelo destacamento total da pele do tecido subcutâneo (White, 1999). Figura 4.4- Mandíbula de um cão exposta em consequência de um arrancamento tecidular extenso (fonte: While, 1999). 13 4.2.2.6 Esmagamento A ferida por esmagamento combina vários tipos de feridas, em que há contusão e laceração da pele e tecidos profundos com grave perda da continuidade anatómica, como no caso de atropelamento de um animal (Fossum, 2002). 4.2.2.7 Contusão As feridas contusas são traumatismos fechados, uma vez que não há perda da continuidade cutânea. São provocadas pelo impacto de objectos rombos (objectos contundentes) que podem actuar por pressão quando a direcção do choque é perpendicular à zona lesada, ou por pressão e tracção se esta direcção é oblíqua. São caracterizadas por traumatismo das partes moles, hemorragia e edema (Tazima et al., 2008). 4.2.2.8 Feridas mistas As feridas mistas são resultantes de dois mecanismos simultâneos de lesão. São exemplos a ferida inciso-contusa e inciso-perfurante (Andrade et al., 2006). 4.2.2.9 Queimadura As queimaduras são lesões cutâneas provocadas por extremo calor ou frio nos tecidos, incluem-se também afecções originadas por outros tipos de agentes como electricidade, radiações ionizantes e certos químicos. Podem afectar a pele superficialmente ou camadas profundas (While, 1999). A profundidade, a extensão e a localização das camadas afectadas determina a sua classificação em graus. Figura 4.5 – Queimaduras num gato devido a um incêndio (fonte: Dethioux, 2008) 14 4.2.2.9.1 Etiologia da queimadura Segundo o agente as queimaduras podem classificar-se como: térmicas, eléctricas, químicas e radioactivas (Hillier, 2008 e While, 1999). 4.2.2.9.1.1 Queimadura térmica As queimaduras térmicas são produzidas por contacto directo com uma fonte de calor ou frio e devidas a transmissão de calor ou frio indirecto (Hillier, 2008). As causas fundamentais das queimaduras por calor são contacto directo com: a chama; líquidos a elevada temperatura (os líquidos provocam lesões extensas cuja profundidade depende da temperatura e viscosidade dos mesmos); gases a alta temperatura (lesões superficiais, mas extensas) como exposições a vapor de água; sólidos incandescentes ou a elevada temperatura (lesões profundas e pouco extensas). Uma queimadura por calor também poderá ser causada por fricção, sendo geralmente uma queimadura profunda (acidente de tráfego em que o animal é arrastado pelo solo) e ainda por calor indirecto (acção dos raios solares, raios ultravioletas ou infravermelhos) (Hillier, 2008). As queimaduras pelo frio dependem de factores tais como: a intensidade do frio; as condições climáticas (p. ex.: o vento contribui para uma queimadura mais intensa por promover desidratação dos tecidos); as características do animal (p. ex.: raça, zona do organismo afectada) e de factores externos que interferem com os mecanismos termorreguladores (p. ex.: tranquilizantes e anestésicos) (Hillier, 2008). 4.2.2.9.1.2 Queimadura eléctrica As lesões produzidas pela electricidade ocorrem quando uma corrente eléctrica atravessa o corpo do animal na sequência de um contacto unipolar, bipolar ou arco voltaico. É muito comum os animais roerem cabos eléctricos e por sua vez levarem à ocorrência de lesões por queimadura eléctrica (Hillier, 2008). 4.2.2.9.1.3 Queimadura química As queimaduras químicas produzem-se por contacto do organismo com determinadas substâncias químicas (ácidos ou álcalis). A gravidade das lesões depende da concentração e do tempo de actuação do agente, assim como da sua viscosidade. Em geral produzem: 15 reacção exotérmica, desidratação celular, precipitação de proteínas e saponificação das gorduras (Hillier, 2008). 4.2.2.9.1.4 Queimadura radioactiva Nas queimaduras radioactivas a acção da radiação ionizante sobre os tecidos, provoca alterações similares às queimaduras térmicas. Chamam-se radiações ionizantes aquelas que têm a propriedade de produzir alterações atómicas ao atravessar a matéria, podendo ser electromagnéticas ou corpusculares. Estes tipos de queimaduras são produzidos por descargas positivas e negativas que fazem com que haja alteração dos iões ao longo do organismo. É possível que se observem sinais de queimadura apenas cinco a dez dias depois (Hillier, 2008). 4.2.2.9.2 Classificação das queimaduras A classificação das queimaduras baseia-se em três características: extensão, profundidade e localização. Da extensão e profundidade depende o prognóstico vital, e da profundidade e localização depende o prognóstico funcional e estético (Hillier, 2008). As queimaduras classificam-se em três categorias, do primeiro ao terceiro grau, consoante a profundidade das estruturas atingidas (epiderme, derme ou estruturas sob a derme) (Dethioux, 2008). As queimaduras de 1.º grau ou superficiais, afectam unicamente a epiderme. A área afectada fica dolorosa, edemaciada, eritematosa e exsudativa mas a cicatrização ocorre rapidamente (p. ex.: queimadura solar) (Parlermo, 2004). Segundo Dethioux (2008), o pêlo do animal permanece ligado à pele, são visíveis por vezes pápulas e a evolução prevista do processo de cicatrização ocorre entre uma a três semanas, com poucas sequelas. As queimaduras de 2.º grau ou profundas de espessura parcial afectam a epiderme e causam destruição notável da derme (tecido cutâneo negro ou, pelo contrário, branco). A cicatrização processa-se por reepitelização profunda e desde as margens da lesão (Parlermo, E., 2004). Segundo Dethioux (2008), numa queimadura de 2.º grau há ausência de sensibilidade superficial mas com persistência de sensibilidade profunda. As queimaduras de 3.º grau ou profundas provocam completa destruição de todas as estruturas da pele. Pode ser muito grave e até fatal dependendo da percentagem de área corporal afectada (Parlermo, 2004). 16 A cicatrização de uma ferida de queimadura superficial demora, no mínimo, três semanas. As queimaduras profundas requerem diversas intervenções cirúrgicas e por conseguinte, o prognóstico é reservado até ao final do processo cicatricial (Dethioux, 2008). 4.2.3 Classificação de feridas de acordo com o grau de lesão tecidular As feridas são também classificadas de acordo com o grau de lesão tecidular, sendo classificadas em quatro estágios. O estágio I caracteriza lesões em que apenas a epiderme é atingida. O estágio II ocorre quando existe perda tecidular e comprometimento da epiderme, derme ou ambas, caracterizando-se por abrasão ou úlcera. Por sua vez, o estágio III caracteriza-se por presença de úlcera profunda, com envolvimento total da pele e necrose de tecido subcutâneo, mas não se estende até à fáscia muscular. Quando há extensa destruição de tecido, chegando a ocorrer lesão óssea ou muscular, classifica-se por estágio IV (Andrade et al., 2006 e Tazima et al., 2008). 4.2.4 Classificação de feridas quanto ao grau de contaminação As feridas podem ser limpas, limpa-contaminadas, contaminadas e infectadas tendo em conta a classificação de feridas quanto ao grau de contaminação (Bellah et al., 1999 e Ford et al., 2007). As feridas limpas são as que não apresentam sinais de infecção e em que não são atingidos os tratos respiratório, gastrointestinal ou urogenital. Estas são criadas cirurgicamente, logo, sob condições assépticas (Bellah et al., 1999; Garzotto, 2009; Moore et al., 2003 e Tazima et al., 2008). As feridas limpa-contaminadas são as feridas que apresentam contaminação mínima e que podem ser resolvidas cirurgicamente, se ocorridas no máximo seis horas antes. Situações cirúrgicas em que houve contacto com os tratos respiratório, gastrointestinal e urogenital, podem ser consideradas feridas limpa-contaminadas, se for o caso de situações controladas onde, apesar de haver contaminação, esta será minimizada na extensão e duração (Ford et al., 2007; Garzotto, 2009; Moore et al., 2003 e Tazima et al., 2008). Feridas traumáticas não devem ser consideradas limpa-contaminadas na apresentação inicial, mas podem ser convertidas após lavagem e desbridamento (Bellah et al., 1999). 17 As feridas contaminadas são as feridas acidentais com tempos de exposição entre as seis e as doze horas ou que apresentem detritos celulares ou corpos estranhos, mas não têm ainda exsudado (Moore et al., 2003 e Tazima et al., 2008). No ambiente cirúrgico, as feridas contaminadas ocorrem se forem provocadas por processos cirúrgicos em que a técnica de assepsia não foi devidamente respeitada (Garzotto, 2009 e Tazima et al., 2008). Feridas infectadas ou sujas são feridas ocorridas há mais de doze horas e todas em que se pode encontrar sinais nítidos de infecção ou sujidade, podendo apresentar exsudado, tecido desvitalizado ou corpos estranhos (Tazima et al., 2008). No ambiente cirúrgico a abertura de cavidades sépticas levam à ferida infectada (Bellah et al., 1999). No quadro 4.1 apresentam-se alguns exemplos de ferida limpa, limpa-contaminada, contaminada ou infectada. Quadro 4.1- Exemplos de feridas quanto ao grau de contaminação. GRAU DE CONTAMINAÇÃO Ferida limpa Ferida limpa-contaminada Ferida contaminada Ferida infectada ou suja EXEMPLOS Incisões cirúrgicas Enterectomia Lacerações Excisão ou drenagem de um abcesso, ferida traumática com tecido retido desvitalizado Fonte: Dunning, 1999 e Fossum, 2007. 4.2.5 Classificação de feridas quanto à cor Quanto à cor, a ferida pode ser classificada de três formas, podendo ser: vermelha, amarela ou preta. Uma ferida é classificada como vermelha (fig. 4.6) quando indica a presença de tecido de granulação saudável e limpo. Quando uma ferida começa a cicatrizar, cobre o seu leito com uma camada de tecido de granulação rosa pálido, que posteriormente se torna vermelho vivo (Lima et al., 2006). Uma ferida de cor amarela (fig. 4.7) indica a presença de exsudado ou secreção e a necessidade de limpeza da ferida. O exsudado pode ser amarelo claro, amarelo cremoso, amarelo esverdeado ou bege (Lima et al., 2006 e LMFarma, 2008). 18 Desta forma, quando uma ferida indica a presença de necrose, classifica-se como preta (fig. 4.8). O tecido necrótico torna mais lenta a cicatrização e proporciona um local para proliferação de microrganismos (Lima et al., 2006 e LMFarma, 2008). Fig. 4.6 – Ferida de cor Fig. 4.7 - Ferida de cor vermelha (fonte: LMFarma, amarela (fonte: LMFarma, 2008). 2008). Fig 4.8 - Ferida de cor preta (fonte: LMFarma, 2008). No caso de a lesão apresentar mais de uma cor deverá ser classificada pela cor que indica a situação mais crítica (Lima et al., 2006). 4.3 Características das feridas As feridas podem ser classificadas de acordo com características locais, regionais e sistémicas. Estas características, dependendo da lesão, podem ou não estar presentes simultaneamente. As características locais das feridas incluem soluções de continuidade, alterações da vascularização, presença de hemorragia e edema, dor (hipo ou hiperalgesia) e inflamação periférica (alteração pH, detritos celulares) (Fossum, 2002 e Seeley et al., 2001). As características regionais das feridas incluem complicações como, trombose devido a possíveis alterações inflamatórias na parede das veias e gangrena causada por uma série de infecções bacterianas (Fossum, 2002 e Seeley et al., 2001). A nível sistémico as feridas podem ser responsáveis por hipertermia, septicemia e choque se ocorrer disseminação de infecção pela corrente sanguínea (Fossum, 2002 Seeley et al., 2001). 4.4 Cicatrização A cicatrização das feridas é um processo reaccional complexo, no qual intervêm reacções vasculares, celulares e humorais que visam reparar o tecido original ou substituí-lo por 19 colagénio (Fossum, 2007, Gregory, 1999 e Hosgood, 2003). À substituição do tecido original perdido por tecido conjuntivo ou fibrótico, que restaura temporária ou definitivamente a forma e a função do tecido lesionado, define-se por fibroplasia (Gregory, 1999). 4.4.1 Fases da cicatrização Uma compreensão básica das fases de cicatrização de feridas permite ao médico veterinário ter a ideia do tempo que uma ferida vai demorar a cicatrizar e melhores decisões na sua gestão (Garzotto, 2009). Os tecidos lesionados curam-se por regeneração, reparo, ou a combinação destas duas modalidades. A regeneração tecidual é a reposição do tecido lesionado ou perdido pelo tecido original, mantendo-se a estrutura e função original (há reposição celular). O reparo tecidual é a formação do tecido cicatricial não funcional (Gregory, 1999). Independentemente das várias fases de cicatrização, durante todo o processo ocorre uma série de fenómenos que permitem a limpeza da zona afectada e a formação de um novo tecido (Hosgood, 2003). Segundo Fossum (2002), Fossum (2007), Garzotto (2009), Gregory (1999) e Hosgood (1994) o processo de cicatrização compreende quatro fases: fase inflamatória, de desbridamento, reparativa e de maturação 4.4.1.1 Fase inflamatória Imediatamente após o trauma existe hemorragia causada pela ruptura dos vasos sanguíneos e, em seguida, a vasoconstrição e agregação plaquetária para limitar a hemorragia (Garzotto, 2009). Na ferida distinguem-se duas zonas: a área central e a área periférica. A área central corresponde à solução de continuidade, e é onde se acumulam os exsudados, coágulos, corpos estranhos, etc. A área periférica delimitada pelos bordos da ferida, é a zona de onde se origina a reparação (Gregory, 2003). Segundo Garzotto (2009), entre cinco a dez minutos depois da lesão há vasodilatação, permitindo que o fibrinogénio e os elementos de coagulação passem do plasma para o local da ferida para formar um coágulo de fibrina e, eventualmente, uma crosta. A crosta protege a ferida, evitando hemorragias adicionais e impedindo ou dificultando a contaminação bacteriana, permitindo que a cicatrização progrida por baixo de sua superfície (Fossum, 2007). A libertação de citocinas 20 associadas ao processo hemostático e aumento da permeabilidade vascular estimula a quimiotaxia de células para a ferida (fig. 4.9) (Williams, 2004). Figura 4.9 – Fase inflamatória (fonte: Gregory, 1999). 4.4.1.2 Fase de desbridamento A fase de desbridamento ocorre quase simultaneamente com a fase inflamatória (Garzotto, 2009). Durante a fase de desbridamento da cicatrização de feridas, forma-se um exsudado composto de leucócitos, tecidos mortos e fluido da ferida (Fossum, 2007). Os neutrófilos são os primeiros a surgir na ferida, aproximadamente 6 horas após a lesão durante um período de 2 a 3 dias. Eles fazem o desbridamento inicial, removendo os resíduos extracelulares através da liberação de enzimas e por fagocitose de microrganismos, minimizando assim o potencial de infecção (Fossum, 2007; Garzotto, 2009 e Williams, 2004). A extensão de acção dos neutrófilos depende da gravidade da ferida e do grau de contaminação pelo que a sua actuação é essencial no controlo da infecção. Os macrófagos aparecem dentro da ferida em 24 a 48 horas após migração dos neutrófilos. A afluência de macrófagos tem um papel fundamental na ferida, na transição da fase de desbridamento para a fase reparativa e cicatrização adequada. Os macrófagos são fundamentais para a fagocitose, para o desbridamento da lesão, para a regulação da síntese da matriz e para a angiogénese. A fagocitose e o desbridamento da ferida ocorrem por libertação de radicais livres de oxigénio, óxido nítrico e colagenases. A actuação dos neutrófilos e macrófagos 21 em simultâneo conduz ao ambiente ideal para iniciar a fase reparativa da cicatrização de feridas (Williams, 2004). 4.4.1.3 Fase reparativa Os macrófagos libertam citocinas, factores de crescimento, prostaglandinas e enzimas para ocorrer angiogénese e fibroplasia. A presença de macrófagos também atrai e activa os linfócitos os quais, por sua vez, secretam linfocinas tais como interferões e interleucinas, estimulantes da migração de fibroblastos e síntese de colagénio (Williams, 2004). A fase proliferativa estende-se desde o terceiro ao quinto dias após a lesão e dura cerca de duas a quatro semanas, dependendo da natureza da ferida. Esta é a fase de cicatrização mais complexa e é caracterizada pela resposta celular de células endoteliais e fibroblastos. Os fibroblastos proliferam e iniciam a síntese de colagénio, havendo em seguida um crescimento de capilares que gradualmente migram para formar tecido de granulação. O tecido de granulação proporciona uma barreira a infecções e uma superfície para migração epitelial, sendo ainda uma fonte de miofibroblastos (células que desempenham um papel fundamental na contracção da ferida). Cerca de quatro a cinco dias após a lesão fica visível o epitélio novo que surge mais facilmente em ambiente húmido. A contracção permite que as feridas possam ficar notavelmente menores cinco a nove dias após a lesão e continuem em período de maturação (fig. 4.10) (Fossum, 2007 e Garzotto, 2009). Figura 4.10 – Fase reparativa (fonte: Gregory, 1999). 22 4.4.1.4 Fase de maturação A fase de maturação (fig. 4.11) é a fase final da cicatrização das feridas, durante a qual as fibras de colagénio orientam-se paralelamente às linhas de stress e tensão e se cruzam de modo a formar uma ligação transversal estável. Esta é a fase mais importante da cicatrização de feridas para o tecido conjuntivo, porque a adequada deposição e alinhamento de colagénio é fundamental para o desenvolvimento de uma força de tensão adequada no tecido reparado. Embora a deposição de colagénio atinja um ponto máximo de duas a três semanas após a lesão, a resistência à tracção continua a aumentar progressivamente ao longo de aproximadamente um ano. Como as fibras se tornam mais próximas por causa do realinhamento e compressão, maior superfície está disponível para a ligação transversal, o que consequentemente, aumenta a força de tensão. Nesta fase, um equilíbrio adequado entre colagenólise e acumulação de matriz é essencial (Williams, 2004). Figura 4.11 – Fase de maturação (fonte: Gregory, 1999). 4.4.2 Formas de cicatrização Existem três formas pelas quais as feridas podem cicatrizar, e essa escolha poderá ser feita pelo médico veterinário, dependendo de características particulares de cada lesão, da quantidade de tecido perdido ou danificado e da presença ou não de infecção. As feridas podem cicatrizar por primeira, segunda ou por terceira intenção (Williams, 1999). 23 4.4.2.1 Cicatrização por primeira intenção (cirúrgica) A cicatrização por primeira intenção (fig. 4.12) é a situação ideal para a oclusão das lesões e está associada a feridas limpas, ocorrendo quando há perda mínima de tecido, ausência de infecção e mínimo edema (Lima et al., 2006 e Tazima, 2008). Desta forma é possível fazer a junção dos bordos da lesão por meio de sutura ou qualquer outro tipo de aproximação e com reduzido potencial para infecção (Seeley et al., 2001). O processo cicatricial ocorre dentro do tempo fisiológico esperado e, como consequência, deixa cicatriz mínima (Lima et al., 2006). Em suma diz-se que a cicatrização por primeira intenção (fig. 4.13) ocorre quando os bordos da ferida se encontram próximos um do outro e caracteriza-se por escassas repercussões locais e por formar uma cicatriz estética e mínima (Seeley et al., 2001). Figura 4.12 - Representação esquemática da cicatrização por primeira intenção (fonte: Tazima et al., 2008). Figura 4.13 - Cicatrização por primeira intenção após orquiectomia (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 4.4.2.2 Cicatrização por segunda intenção A cicatrização por segunda intenção (fig. 4.14) sucede de forma semelhante ao processo de primeira intenção. No entanto, os bordos da ferida encontram-se distantes e o coágulo pode não cobrir a ferida completamente, levando a que as células epiteliais demorem muito mais 24 tempo a regenerar e a cobri-la (Seeley et al., 2001). Com o aumento de tecido lesado, o grau de resposta inflamatória é maior, existem mais detritos celulares e o risco de infecção é maior (Seeley et al., 2001). Forma-se muito mais tecido de granulação e a contracção da ferida dá-se como resultado da contracção dos fibroblastos do tecido de granulação (Seeley et al., 2001). A contracção da ferida conduz a cicatrizes desfigurantes (Seeley et al., 2001). Em suma, quando a aproximação primária dos bordos da ferida não é possível, as feridas são deixadas abertas sendo posteriormente fechadas por meio de contracção e epitelização natural. Este processo demora mais tempo a completar-se, comparativamente com a cicatrização por primeira intenção (Lima et al., 2006). Figura 4.14 - Representação esquemática da cicatrização por segunda intenção (fonte: Tazima et al., 2008). 4.4.2.3 Cicatrização por terceira intenção Segundo Lima et al. (2006) a cicatrização por terceira intenção ocorre quando há factores que retardam a cicatrização de uma lesão inicialmente submetida a uma cicatrização por primeira intenção. Esta situação acontece quando uma incisão é deixada aberta para drenagem do exsudado e, posteriormente, fechada. Isto ocorre principalmente quando há presença de infecção na ferida, que deve ser tratada primeiramente, para então ser suturada posteriormente (Tazima, 2008). O objectivo da cicatrização por terceira intenção é acelerar a cicatrização e melhorar o efeito estético (Lima et al., 2006). 4.4.3 Factores que atrasam a cicatrização As feridas cicatrizam melhor nos animais que se apresentam com um bom estado de saúde, bem alimentados e se não houver nenhuma infecção associada. Num animal com estes requisitos pouco se pode fazer para acelerar o processo. No entanto, há vários factores que afectam a cicatrização (quadro 4.2): factores inerentes ao animal, factores inerentes à ferida e factores terapêuticos (Moore et al., 2003). 25 Quadro 4.2- Factores que atrasam a cicatrização das feridas. SISTÉMICOS LOCAIS Idade avançada Infecção Estado nutricional débil Presença de anti-sépticos Hiperadrenocorticismo Corpos estranhos Diabetes mellitus Espaços mortos Urémia Terapia tópica inadequada Edema Técnica cirúrgica incorrecta Terapia com corticosteróides Irrigação dos tecidos Agentes radioterápicos Agentes quimioterápicos Fonte: Fossum, 2007; Gregory, 1999; Hosgood, 2003 e Moore et al. 2003. 4.4.3.1 Factores inerentes ao animal Os factores que interferem no processo de cicatrização inerentes ao animal são: a idade avançada, estado nutricional débil, hiperadrenocorticismo, diabetes mellitus, urémia, entre outros. Idade avançada: os animais idosos tendem a cicatrizar as feridas lentamente, devido a doenças intercorrentes ou debilitação, ou até mesmo pelo facto dos tecidos se tornarem menos elásticos e menos resistentes, o que dificulta a cura (Andrade et al., 2006 e Fossum, 2007). Estado nutricional débil: os animais desnutridos deprimem o sistema imune e diminuem a qualidade e a síntese de tecido de reparação (Fossum, 2007). As carências de proteína e de vitamina C são as mais importantes, pois afectam directamente a síntese de colagénio (Andrade et al., 2006). Hiperadrenocorticismo: animais com hiperadrenocorticismo incorrem num atraso na cicatrização de feridas devido ao excesso de glicocorticóides circulantes (Fossum, 2007 e Hosgood, 2003). Diabetes mellitus: os animais com diabetes mellitus mostram retardo na cicatrização e predisposição a infecções de feridas, o que acarreta maiores complicações (Hosgood, 2003). 26 Urémia: a urémia nos primeiros cinco dias após uma lesão prejudica a cicatrização por alteração dos sistemas enzimáticos, dos processos bioquímicos e do metabolismo celular (Fossum, 2007 e Hosgood, 2003) 4.4.3.2 Factores inerentes à ferida Alguns dos factores que interferem no processo de cicatrização inerentes à ferida são: presença de corpos estranhos, presença de anti-sépticos, presença de infecção, edema, espaços mortos e irrigação dos tecidos. Presença de corpos estranhos: corpos estranhos, tais como sujidade, resíduos, fios de sutura e implantes cirúrgicos podem causar intensa reacção inflamatória que interfere na cicatrização normal. Nestes casos há maior actividade enzimática na fase de limpeza destruindo a matriz e retardando a fase fibroblástica do reparo tecidual (Fossum, 2007). Presença de anti-sépticos: as soluções anti-sépticas são utilizadas na lavagem da ferida para eliminar bactérias e reduzir a contaminação bacteriana da ferida. No entanto, é importante ter em atenção as concentrações de anti-sépticos quando a ferida é exposta, pois podem ser citotóxicos para as células importantes na cicatrização de feridas (Hosgood, 2003). Infecção: a infecção de uma ferida interfere na fase de reparação da cicatrização. Os tecidos contaminados ficarão infectados se bactérias invasivas se multiplicarem para 10 5 microrganismos por grama de tecido. O desenvolvimento de uma infecção de uma ferida depende do grau de traumatismo tecidual, do corpo estranho presente e da competência dos mecanismos de defesa do animal. As toxinas bacterianas e os infiltrados inflamatórios associados causam necrose celular e trombose vascular (Andrade et al., 2006, Fossum, 2007, e Hosgood, 2003). Edema: dificulta a cicatrização, pois diminui o fluxo sanguíneo e o metabolismo dos tecidos, facilitando o acúmulo de catabólitos e produzindo maior inflamação (Andrade et al., 2006). Espaços mortos: separam as camadas teciduais, limitando a migração celular e aumentando o risco de infecção (Fossum, 2007 e Gregory, 1999). Irrigação dos tecidos: pensos apertados, traumatismos ou movimento excessivo diminuem o aporte sanguíneo e oxigenação dos tecidos prejudicando o processo de cicatrização (Fossum, 2007 e Gregory, 1999). 27 4.4.3.3 Factores inerentes à terapêutica Há factores terapêuticos que interferem no processo de cicatrização: corticoterapia, quimioterápicos, radioterapia e uma terapia tópica inadequada. Corticoterapia: os corticosteróides deprimem todas as fases da cicatrização e aumentam a possibilidade de infecção por inibirem os fenómenos iniciais de inflamação (edema, deposição de fibrina, dilatação de capilares, migração de fagócitos e a actividade fagocítica). Níveis elevados de esteróides inibem a fase inflamatória da cicatrização de feridas através do decréscimo de acúmulo, e da capacidade fagocitária dos leucócitos polimorfonucleares (PMN) e macrófagos na ferida. Além disso, eles reduzem a proliferação de fibroblastos e a síntese de colagénio. Em geral, a administração de doses mais elevadas de esteróides reduz, mas não inibe completamente a cicatrização de feridas (Fossum, 2007 e Hosgood, 2003). Quimioterápicos: por serem imunossupressores diminuem a resposta imune à lesão. Eles podem ainda interferir na síntese proteica ou na divisão celular, agindo directamente na produção de colagénio (Fossum, 2007 e Hosgood, 2003). Radioterapia: a radioterapia diminui a quantidade de vasos sanguíneos na ferida e causa um aumento de fibrose dérmica portanto, deve-se evitar radioterapia durante duas semanas após a cirurgia (Fossum, 2007 e Hosgood, 2003). Terapia tópica inadequada: têm-se como ideal a utilização de pomadas que não tenham propriedades irritantes e que sejam solúveis em água para uma fácil remoção. Além disso, antibióticos tópicos devem ser utilizados com prudência devido à rápida resistência causada localmente nos tecidos (Hosgood, 2003). 4.4.4 Estimulantes da cicatrização No mercado estão disponíveis agentes terapêuticos que podem potenciar o processo de cicatrização. No entanto, a melhor forma de acelerar este processo consiste na remoção de factores inibitórios e corrigir carências nutricionais. Seguidamente apresenta-se alguns possíveis estimulantes da cicatrização de método terapêutico considerado complementar pela medicina convencional. 28 4.4.4.1 Factores de crescimento Os factores de crescimento aceleram as primeiras fases de cicatrização da ferida. Em animais com comprometimento da cicatrização devido a diabetes mellitus, radiação e excesso de corticóides endógenos e exógenos, os factores de crescimento poderão ser úteis por acelerarem o processo de cicatrização, incrementarem e melhorarem a força do tecido cicatricial (Hosgood, 2003). 4.4.4.2 Estimuladores eléctricos neuromusculares Os estimuladores eléctricos neuromusculares em animais induzem a proliferação das células endoteliais em resposta ao aumento do fluxo sanguíneo muscular (Bigard, 1993 citado por Johnson et al., 2003). 4.4.4.3 Massagem A massagem (fig. 4.15) exerce um aumento da pressão tecidual. Esta pressão ocorre nos tecidos em diferentes direcções e profundidades, aumentando a circulação local (Sutton, 2003). Segundo Sutton (2003), a massagem permite que exista uma diminuição de edema em tecidos lesados, pois o fluido é drenado para os nódulos linfáticos, e um novo fluido é transportado ou atraído para o local. A massagem promove a remoção de produtos inflamatórios o que pode reduzir a dor aguda e crónica (Sutton, 2003). Figura 4.15 – Execução de massagens num canino (fonte: gentilmente cedida pela Clínica Veterinária das Oliveiras- CVO). 29 4.4.4.4 Ultrassons Segundo Steiss et al. (2003), os ultrassons (fig. 4.16) podem ser utilizados como terapêutica adjuvante no estímulo à cicatrização, tendo efeitos térmicos e não térmicos. Figura 4.16 – Utilização de ultrassons num pastor alemão (fonte: gentilmente cedida pela CVO). Os efeitos térmicos estimulam processos fisiológicos como a reparação tecidual, sem aquecimento biologicamente significativo. O aumento da temperatura nos tecidos pode aumentar a extensibilidade do colagénio, o fluxo sanguíneo, o limiar de dor e a actividade enzimática (Steiss et al., 2003). Os efeitos não-térmicos são o aumento da permeabilidade celular, da síntese proteica, do fluxo de iões de cálcio e da passagem de metabolitos através da membrana celular, contribuindo de forma positiva na reparação tecidual (Steiss et al., 2003). Em suma, Steiss et al. (2003) considera que os ultrassons diminuem a fase inflamatória e posteriormente aumentam a proliferação de fibroblastos, a síntese de colagénio e por fim a cicatrização. Os efeitos benéficos são significativos, sobretudo em baixa intensidade, o que minimiza o risco de lesões teciduais e a formação de cavitações, as quais podem ocorrer com intensidades elevadas associadas ao uso da terapia contínua. 4.4.4.5 Acupunctura A acupunctura consiste na inserção de agulhas, em pontos definidos do corpo, com vista a obter um efeito terapêutico em diversas condições. Apresenta um grande poder analgésico, melhora a circulação local e acelera o processo de cicatrização (fig. 4.17) (Holistic Vet et al., 2007). 30 Figura 4.17 – a) Lesão ulcerativa no tarso esquerdo de um gato b) Electroacupunctura na mesma lesão com vista no acelerar do processo de cicatrização (fonte: gentilmente cedida pela CVO) 4.4.4.6 Laserterapia Vários estudos indicam que a luz laser (fig. 4.18) é capaz de promover um processo cicatricial mais rápido e de melhor qualidade. A laserterapia acelera a proliferação de células, aumenta a vascularização e melhora a organização de colagénio (Holistic Vet et al., 2007). Figura 4.18 – Demonstração do Laser (fonte: gentilmente cedida pela CVO). 4.5 Abordagem da ferida cirúrgica A ferida cirúrgica engloba as feridas de cicatrização por primeira intenção, ou seja, feridas suturadas. Regra geral são feridas que, ao não serem acidentais, passam por uma preparação prévia do animal e da pele com vista à minimização da contaminação. 4.5.1 Preparação pré-operatória Uma boa preparação pré-operatória consiste em estabilizar possíveis doenças sistémicas e em reduzir o número de microrganismos da pele. O banho, a tricotomia e a assepsia da pele contribuem significativamente para a redução do número de microrganismos da pele. 4.5.1.1 Banho Se a pele do animal estiver muito suja, pode-se considerar a necessidade do banho total ao animal, antes do próximo passo. O banho pode assim ajudar a minimizar as hipóteses de maior contaminação no local da cirurgia (Osborne, 1997). 31 Alguns champôs, segundo Adams (2003), têm agentes antibacterianos que evitam infecções causadas por S. intermedius em um modelo de infecção cutânea nos beagles. O champô contendo peróxido de benzoíla a 3% é mais eficaz, seguido por champôs contendo acetato de clorhexidina a 0,5% e iodo (polialquilenoglicol iodo a 1%) (Kowalski e Kwochka, 1991 citado por Heit et al., 2003). 4.5.1.2 Tricotomia Ao contrário da cirurgia em humanos, a remoção dos pêlos do local operatório é quase sempre uma necessidade com os animais (Heit et al., 2003). Após administrar a prémedicação anestésica (Rochat, 2001), prepara-se o campo cirúrgico realizando uma tricotomia que define os contornos do campo cirúrgico. Essa margem é necessária, uma vez que causa menos lesão e menos condições favoráveis para colonização bacteriana do campo cirúrgico (Alexander et al., 1983 citado por Heit et al., 2003 e Osborne, 1997). A tricotomia é feita fora da sala de cirurgia, com um pente de tosquia número 10 ou número 40. No fim aspira-se o pêlo cortado (Osborne, 1997). 4.5.1.3 Assepsia cirúrgica do animal A remoção da contaminação e das sujidades macroscópicas deve preceder o uso de antisépticos, clorhexidina (Hibiscrub!) ou iodopovidona (Betadine espuma!). A fricção antiséptica delicada deve começar no local da incisão seguindo-se uma orientação centrifuga, i.e., em movimentos circulares desde o centro para a periferia do campo cirúrgico. O tempo de contacto do anti-séptico com a pele deverá ser tido em conta de acordo com o agente utilizado. Um spray anti-séptico final é quase sempre aplicado e deixado secar no local cirúrgico. A despeito mesmo da preparação pré-cirúrgica mais cuidadosa, até 20% das bactérias residentes da pele podem não ser afectados pela limpeza anti-séptica da pele (Olmstead e Smeak, 1984 citado por Heit et al., 2003). 4.5.2 Preparação pós-operatória Na medicina veterinária são utilizados produtos anti-sépticos no pós-operatório com frequência, sendo recomendado a iodopovidona e a clorhexidina onde a acção cicatricial destes poderá ser discutível (Brito, 2002 e Mandelbaum, 2003 citado por Tillmann, s/d). O soro fisiológico também é recomendado sendo que este não possui acção cicatricial, nem anti-séptica (Johnston, 1981 citado por Tillmann, s/d). 32 Após cirurgia, a remoção de coágulos e manchas de sangue com uma solução esterilizada de soro fisiológico é o indicado ao invés de água oxigenada que danifica os tecidos (Tillmann, s/d). Existem muitos problemas na escolha de um produto para a cicatrização de feridas cirúrgicas na medicina veterinária, devido à grande quantidade de produtos existentes e falta de pesquisas no tema (Pereira, 2002 citado por Tillmann, s/d). Segundo Tillmann et al. (s/d) um estudo feito a feridas cirúrgicas com o objectivo de comparar quatro produtos (Triticum vulgare, iodopovidona, clorhexidina 0,5% e soro fisiológico) levou a constatar que a qualidade cicatricial das feridas cirúrgicas tratadas com Triticum vulgare (band vet· ®) apresentou melhor resultado que os demais grupos (Tillmann, s/d). Tal permite concluir que o extracto aquoso da planta Triticum vulgare, estimula a cicatrização (Andrade e Souza, 2006, 2003 citado por Tillmann, s/d). 4.5.2.1 Pensos Há feridas que não necessitam de penso, no entanto aquando da sua utilização, o penso deve proteger a ferida da contaminação, de traumatismos e autotraumatismos. É aconselhável que a camada primária do penso seja não aderente e absorvente (de acordo com o grau de exsudação esperado). O penso deve ter ainda a acção de limitação do movimento da ferida para redução da dor e da tensão da sutura e limitação do edema. A mudança do penso ou, como na maioria dos casos pós cirúrgicos, a retirada do penso é aconselhável 24 horas depois. Em feridas exsudativas, o penso deve ser mudado com maior frequência. 4.5.2.2 Monitorização A detecção precoce de sinais de uma possível complicação através da observação do penso, da área de pele circundante e da própria ferida é sem dúvida muito importante. Factores como exsudado, eritema, edema, hematoma, dor e odor devem ser tidos em conta na avaliação directa da ferida (Fossum, 2007). Ou seja deve-se avaliar a quantidade, a cor e o tipo (seroso ou purulento) de exsudado; prestar atenção se o eritema se encontra limitado à área de sutura ou se excede a área de sutura; e avaliar a severidade e tendência evolutiva (aumento ou redução) do edema e do hematoma. Relativamente à dor, deve-se avaliar a sua severidade (1-10) e classificá-la como contínua, intermitente, ausente ou presente apenas 33 quando a ferida é manipulada, prestando ainda atenção quanto à presença de odor desagradável (Fossum, 2007). Um bom cuidado da ferida cirúrgica também envolve a monitorização do animal em relação a qualquer alteração sistémica que possa estar associada a complicações de cicatrização. Desta forma, devem ser executadas avaliações objectivas e subjectivas (Fossum, 2007). Numa avaliação subjectiva deve-se avaliar as alterações do comportamento durante a recuperação pós-operatória, comparando-o com o comportamento pré-operatório (Fossum, 2007). Numa avaliação objectiva deve-se avaliar sempre a temperatura corporal, o pulso, a respiração, o apetite, o consumo de água, ritmos de defecção e micção e caso seja necessário, deve-se avaliar também os reflexos neurológicos, fazer hematologia e bioquímica (Fossum, 2007). 4.5.2.3 Prevenção da auto-mutilação Após cirurgia é importante evitar a auto-mutilação. Desta forma é necessário tomar precauções, tal como, por exemplo, realizar suturas intradérmicas, considerar a utilização de uma camada externa nos pensos (de forma a reforçar o penso e fazer com que o animal não o consiga remover) e colocar ao animal um colar isabelino (Garzotto, 2009 e Hillier, 2008) ou colar cervical apropriado. Com estas medidas pode-se prevenir que o animal lamba a ferida devido ao possível prurido local e “interesse” no material de sutura e assim evitar a auto-mutilação (Hillier, 2008). 4.5.2.4 Remoção de suturas As suturas devem ser removidas quando a ferida está suficientemente cicatrizada de forma a evitar a sua deiscência durante as actividades normais do dia-a-dia do animal. Se o processo de cicatrização seguiu um curso normal, deve-se remover as suturas 7 a 10 dias após a cirurgia. No caso de atraso desse processo, as suturas podem permanecer no local durante um período mais longo, mas raramente superior a 14 dias. Uma remoção tardia das suturas tende a produzir irritação e formação de uma cicatriz mais saliente (Fossum, 2002 e Moore et al., 2003). 34 Os pontos podem ser removidos com a ajuda de tesouras de sutura ou com uma lâmina de bisturi para cortar as suturas. Em ambos os casos, enquanto se segura uma extremidade do fio com uma pinça, a lâmina passa por baixo do nó cortando-se com segurança o fio de sutura e garantindo a extracção da totalidade do fio. Para assegurar-se que não ficaram pontos, pode-se limpar a ferida de forma a eliminar as crostas ou exsudados que poderiam ocultá-los. No caso, dos agrafos eliminam-se com um extractor de agrafos e aplicam-se as mesmas considerações aplicadas nas suturas (Moore et al., 2003). As feridas que são fechadas com um adesivo cirúrgico não necessitam passar por este processo, pois a cola destaca-se facilmente quando se completa a cicatrização (Moore et al., 2003). 4.5.2.5 Complicações A maior parte das complicações é evitada pelo compromisso de boas técnicas cirúrgicas e de tratamento. As potenciais complicações incluem infecção, granuloma de corpo estranho, rejeição do material de sutura, deiscência de suturas, trajectos superficiais, fístula e hérnia incisional. Trajectos superficiais: são trajectos revestidos com tecido de granulação que terminam num abcesso cavitário que geralmente rodeia material estranho ao corpo. É resolvido espontaneamente após remoção do material estranho. Fístula: consiste na formação de um trajecto inflamatório anormal entre duas superfícies epiteliais (p. ex.: cirurgia oronasal). É reparado cirurgicamente. Hérnia incisional: complicação tardia da cirurgia abdominal em que há deiscência da sutura das camadas musculares (as suturas da pele mantêm-se íntegras). O conteúdo abdominal pode extravasar para o espaço intermuscular ou subcutâneo. É uma urgência cirúrgica que requer correcção logo que estabilizado o animal. 4.6 Abordagem da ferida acidental 4.6.1 Avaliação do animal O cuidado apropriado de uma ferida começa com uma avaliação sistemática de um animal como um todo. Primeiro, há que observar o animal e avaliar se existe risco de vida ou lesão neurológica que vá alterar dramaticamente o prognóstico do animal. Identifica-se também 35 a presença, ou não, de doença sistémica ou outros factores, tais como a idade ou má nutrição que possam comprometer a cicatrização. Há que garantir que se descobre o mecanismo da lesão, o espaço de tempo decorrido desde a ocorrência da lesão até à apresentação para tratamento, que auxílio foi prestado durante esse tempo e onde ocorreu o acidente. Este tipo de informação pode ajudar a determinar que tipos de bactéria ou outros organismos têm mais probabilidade de se encontrar na ferida, o grau de contaminação, o tipo de material estranho e a probabilidade de infecção e atrasos na cicatrização. Enquanto se faz a anamnese do animal, cobre-se a ferida com panos ou compressas estéreis de modo a evitar a introdução de bactérias ambientais e material estranho na ferida. Evita-se a exploração da ferida num animal não sedado/anestesiado, porque isso não permite uma avaliação adequada da mesma e/ ou introduz novas bactérias e material estranho para o interior da ferida sem benefícios imediatos. Adicionalmente, a exploração é dolorosa para os animais (Rochat, 2001). 4.6.2 Avaliação da ferida Quando o animal estiver estável e puder ser contido em segurança com analgesia ou anestesia, examina-se a ferida de um modo controlado e asséptico. O conhecimento do tipo de ferida presente (ex: laceração, contusão, esmagamento) vai ajudar a determinar a extensão da lesão tecidual e o risco de compromisso vascular (quadro 4.3). Pode também ser avaliada a gravidade da lesão. As complicações com a cicatrização são obviamente maiores no caso de grande contaminação e lesão tecidual. Numa ferida traumática é necessária atenção imediata, uma vez que as bactérias presentes em feridas por mais de quatro horas criam condições favoráveis ao seu crescimento e penetração em camadas mais profundas (Rochat, 2001). Quadro 4.3- Critérios de avaliação do tipo de ferida. TIPO DE FERIDA Extensão da lesão tecidular (disponibilidade de pele para cobrir o defeito) Presença e quantidade de tecido desvitalizado Hemorragia (venosa, arterial ou capilar) Viabilidade da pele (avaliar a cor, a temperatura, a hemorragia e a sensibilidade) Contaminação Tempo decorrido desde o traumatismo Fonte: Adaptado de Rochat, 2001. 36 4.6.3 Avaliação da viabilidade cutânea A viabilidade cutânea deve ser avaliada clinicamente por intermédio da coloração, temperatura, sensibilidade e hemorragia da pele. Através do quadro 4.4 que se segue podese aferir a viabilidade da pele para sutura. Quadro 4.4 – Critérios de aferição da viabilidade da pele para sutura. SINAIS AUSÊNCIA DE VIABILIDADE VIABILIDADE COR Negra, azul, branca Rosada TEMPERATURA Fria Tº corporal SENSIBILIDADE Sem sensibilidade Com sensibilidade HEMORRAGIA Sem hemorragia Com hemorragia DÚVIDA Tratar como ferida aberta e esperar 48h para reavaliar Fonte: Fossum, 2002. Quando em presença de pele de cor negra, azul ou totalmente branca, fria e sem sensibilidade, há um sério compromisso da viabilidade da ferida (Hosgood, 2003). As áreas de viabilidade questionável normalmente ficam azuis ou roxas e o preenchimento capilar e sensibilidade ficam deficientes. Uma vez na dúvida deve-se tratar esta lesão como uma ferida aberta, esperar 48 horas e voltar a reavaliar (Fossum, 2002). Esta abordagem é particularmente importante em feridas extensas onde existe pouco tecido circundante que possa permitir a cicatrização primária (Hosgood, 2003). 4.6.4 Decisão de suturar As feridas com menos de 6 a 8 horas, com traumatismo e contaminação mínima, devem ser tratadas por meio de lavagem, desbridamento e sutura primária, sendo que quanto mais rápido for feito o tratamento, melhor será o prognóstico. As feridas penetrantes não devem ser aproximadas primariamente sem uma exploração cirúrgica. As feridas bastante traumatizadas e contaminadas, com mais de 6h ou infectadas devem ser tratadas como feridas abertas para permitir um desbridamento adequado e redução do número bacteriano. A maior parte das feridas devem ser aproximadas cirurgicamente após controlo da infecção (cicatrização por segunda intenção ou granulação e sutura secundária) no entanto, algumas cicatrizam por contracção e epitelização (i.e., por segunda intenção) (Fossum, 2007). 37 4.6.5 Tricotomia Após administrar a analgesia apropriada ou anestesia (se necessário), corta-se o pêlo na área em redor da ferida e remove-se uma área suficiente de pêlo (no mínimo 7 cm a toda à volta), cobrindo-se previamente a ferida com gel estéril solúvel em água, para minimizar a quantidade de pêlo ou outros detritos que possam entrar no interior da ferida (a remoção dos pêlos da ferida é difícil, demorada e facilmente evitável). Seguidamente aspira-se o pêlo (Rochat, 2001). As vantagens da tricotomia na abordagem da ferida acidental são: permitir a visualização da extensão da ferida, deixar aferir a viabilidade da pele e reduzir o risco de contaminação posterior. 4.6.6 Limpeza e desbridamento inicial Recomenda-se remover os contaminantes no redor do perímetro do tecido da ferida usando uma solução de limpeza com clorhexidina (solução a 0,1% em solução salina ou água da torneira) e compressas de gaze. A iodopovidona é também um agente antimicrobiano aceitável para a limpeza da periferia da ferida, mas não possui o efeito residual do acetato de clorhexidina ou um largo espectro de actividade antimicrobiana como a clorhexidina (Swaim et al., 1987 citado por Rochat, 2001). Tal como a clorhexidina, a iodopovidona deve ser diluída (solução a 0,1%) para evitar citotoxicidade. A diluição da iodopovidona tem ainda a vantagem de promover a libertação de mais radicais livres de iodo, o que potencia o seu efeito antimicrobiano. Durante esta limpeza inicial, também se removem os detritos de maiores dimensões (p. ex.: areia, pequenos paus, ervas) (Rochat, 2001). Em todas as feridas, excepto lacerações menores, poderá ser importante transferir o animal para uma sala de cirurgia onde possa ser continuada a limpeza e desbridamento sob condições de estrita assepsia. Embora muitos possam ver isto como um processo dispendioso, sem justificação e demorado, demasiadas feridas tratadas com uma abordagem menos cuidada apresentam problemas de cicatrização crónicos. Os atrasos na cicatrização resultam numa perda de tempo para o cliente e para o veterinário, custo extra para o cliente, dor e sofrimento desnecessário para o animal, perda de função e aparência pouco estética da região afectada (Rochat, 2001). 38 Uma vez na sala de cirurgia, removem-se agressivamente todos os tecidos mortos usando uma combinação de ressecção com bisturi, lavagem hidrodinâmica e métodos mecânicos e enzimáticos (Rochat, 2001). O desbridamento inicia-se tipicamente com a ressecção com bisturi de todos os tecidos mortos (fig. 4.19). Figura 4.19 – a) Lesão traumática b) A mesma lesão após desbridamento agressivo e lavagem hidrodinâmica (Rochat, 2001). Podem também ser usadas tesouras afiadas mas geralmente são consideradas mais traumáticas para os tecidos que um bisturi. Não está recomendado o electrobisturi porque pode resultar em lesão colateral criada pela vaporização de células e transferência de energia sob a forma de calor através de tecidos adjacentes. Pode ser usado um laser de dióxido de carbono (CO2), mas com cuidado uma vez que daqui também decorre alguma lesão tecidular colateral. Contudo, relatos subjectivos em humanos sugerem que o uso do laser de CO2 pode selar pequenos vasos sanguíneos, linfáticos e nervos, tornando a ferida menos dolorosa (Bartels, 2000 e Chia et al., 1995 citado por Rochat, 2001). Outros estudos não apoiam estes relatos, de modo que é necessária terapia analgésica adequada (Rochat, 2001). A excisão dos tecidos é feita com generosidade decrescente na seguinte ordem: subcutis, pele, fáscia e músculo, vasos sanguíneos e tendão. O tecido que estiver verde, cinzento, preto e castanho está desvitalizado e como tal, deve ser removido. O tecido púrpura escuro pode não estar morto, por isso nem sempre está indicada a sua remoção. Se a ferida se situar numa zona onde existe pele abundante para fechar a ferida (ex: o tronco), excisar a pele questionável pode acelerar o processo de tratamento. Em alternativa, se a ferida estiver numa área onde existe pouca reserva (ex: a porção distal do membro), o melhor modo de acção será uma abordagem mais conservadora com uma série de desbridamentos diários executados na sala de cirurgia. Obviamente, o tecido morto serve apenas como 39 local ideal para infecção e atrasa a cicatrização da ferida, pelo que deve ser sempre removido (Rochat, 2001). 4.6.7 Lavagem da ferida Uma vez executado o desbridamento inicial, lava-se (quadro 4.5) a ferida com solução lactato de Ringer para desalojar as bactérias e outros contaminantes e detritos de superfície (Sanchez et al., 1988, Swaim et al., 1997 e Swaim et al., 1987 citado por Rochat, 2001). A solução salina (NaCl 0,9%) também é aceitável para lavagem de feridas. Pode ser adicionada clorhexidina à solução de lavagem de modo a fazer uma solução diluída (0,05%). A solução diluída a 0,05% é feita adicionando 25 ml de uma solução comercial de clorhexidina 2% com 975 ml de soro fisiológico ou solução lactato de Ringer. A clorhexidina com o tempo forma um precipitado insolúvel (normalmente de 24 horas ou mais) quando misturada com soro fisiológico ou com solução lactato de Ringer (Rochat, 2001). Quadro 4.5- Lavagem na abordagem da ferida acidental. LAVAGEM Reduz o número de microrganismos Reduz a sujidade por arrasto É necessário aplicar uma pressão adequada (8-10 PSI) Fonte: Rochat, 2001. A água da torneira e o soluto de Dakin (hipoclorito de sódio diluído- lixívia) são citotóxicos para os fibroblastos. No entanto, a água da torneira poderá ser aceitável para a limpeza (Buffa et al., 1997 e Kozol et al., 1988 citado por Rochat, 2001). A utilização de pressão positiva durante a lavagem dos tecidos poderá ter grande utilidade no arrastamento de detritos e contaminantes. No entanto, atenção deverá ser tida em conta na aplicação desta técnica uma vez que a pressão excessiva pode danificar os tecidos e arrastar as bactérias e detritos para maior profundidade no interior dos tecidos, enquanto que a pressão baixa (como a conseguida por uma seringa) remove inadequadamente as bactérias da superfície. O uso de seringas de 30 ml ou 60 ml e uma agulha de 18G acoplada a um saco de soro fisiológico e um sistema fluido endovenoso com dispositivo de passagem de três vias é um meio eficaz e eficiente de aplicar fluido a uma pressão adequada (normalmente relatada como sendo 8 a 10 psi) (Waldron et al., 1993 citado por 40 Rochat, 2001). A pressão excessiva arrasta com frequência ar para o interior e para debaixo dos tecidos conjuntivos, provocando uma aparência espumosa ao tecido (enfisema). Alguns sistemas de lavagem apresentam um custo razoável e são fáceis de usar (fig. 4.20). O uso de grandes volumes de fluido é igualmente importante para uma adequada limpeza da superfície. Nas feridas grandes pode ser necessário vários litros de fluido para uma lavagem adequada da ferida e eliminar adequadamente bactérias e partículas de sujidade (Bauer, 1994). Figura 4.20 – Sistema de lavagem (fonte: Bauer, 1994). 4.6.8 Desbridamento Os vasos, nervos e tendões não devem ser desbridados através de bisturi ou métodos mecânicos, porque podem ocorrer mais lesões nestas estruturas delicadas. Estas estruturas podem ser desbridadas com segurança, sem dor e de modo económico sem risco de lesão usando agentes de desbridamento enzimáticos (Rochat, 2001). 4.6.8.1 Desbridamento Enzimático O desbridamento enzimático consiste na aplicação tópica de enzimas desbridantes no tecido necrótico e detritos celulares. Este desbridamento é dispendioso se usado em áreas grandes e não é um substituto de outros métodos de desbridamento em áreas largamente contaminadas. Os agentes de desbridamento enzimático (p. ex.: colagenase) são aplicados a estruturas delicadas após a restante ferida ter sido bem desbridada e lavada (actuam sobre o colagénio, proteína, fibrina, elastina e nucleoproteínas), antes de aplicar o penso (Rochat, 2001). 41 4.6.8.2 Desbridamento Mecânico O desbridamento mecânico sob a forma de pensos húmido-a-seco pode ser aplicado à ferida após lavagem hidrodinâmica agressiva para remover qualquer sujidade residual, microrganismos e tecido morto. O desbridamento mecânico é barato e útil para grandes áreas, mas é lento e traumático para os tecidos delicados e, no mínimo, requer pensos diários. As compressas de gaze usadas para pensos húmidos-a-seco podem ser embebidas em solução diluída de clorhexidina (0,05%) se se desejar uma actividade antibacteriana residual. Para o desbridamento mecânico funcionar com maior eficácia, as compressas têm que estar em contacto com todas as superfícies da “cama” da ferida, incluindo a superfície inferior da pele, pregas de subcutis e bolsas profundas no interior da ferida (fig. 4.21) (Bauer, 1994). Figura 4.21 – Aplicação correcta de um penso húmido-a-seco (fonte: Rochat, 2001). Uma vez colocadas as compressas molhadas, a aplicação generosa de algodão sobre as compressas seguida por uma ligadura elástica exterior permite a absorção de detritos da ferida e protege a ferida da contaminação. A remoção dos pensos húmido-a-seco é com frequência dolorosa. Tem sido sugerido que embeber as compressas com soro fisiológico antes da remoção diminui a dor, mas esta abordagem pode reduzir a sua eficácia como técnica de desbridamento. Por isso recomenda-se alguma forma de analgesia ou anestesia (local, regional ou geral) (Rochat, 2001). 4.6.8.3 Desbridamento físico-químico As feridas podem também ser desbridadas através do uso de pensos com alginato de cálcio que formam um gel que retira os contaminantes e os detritos tecidulares da ferida. Estes pensos são eficazes em feridas cujos contaminantes e detritos tecidulares estão livres no efluente da ferida e que podem ser arrastados pelo penso (Bauer, 1994 e Rochat, 2001). 42 A tendência geral é parar antes do desbridamento completo com medo de criar um defeito tecidular demasiado grande. Mas é preferível uma grande cavidade circundada por tecido são do que uma pequena rodeada por tecido morto e contaminado. Após a ferida ter sido adequadamente desbridada, existem numerosas técnicas reconstrutivas para encerramento de feridas grandes e pode-se auxiliar a continuação do processo de cicatrização sem qualquer impedimento (Rochat, 2001). 4.6.9 Sutura de feridas Uma vez efectuado definitivamente o desbridamento da ferida e ter sido conseguida a estabilização de quaisquer fracturas simultâneas, deve-se fechar a ferida sempre que se considerar que tal procedimento é seguro (em termos de contaminação e viabilidade). Se uma ferida limpa de contaminação é adequadamente lavada e desbridada logo a seguir à lesão, pode-se usar a sutura primária com pequeno risco de infecção. Se existir alguma dúvida acerca da vitalidade do tecido lacerado ou presença de contaminação com corpos estranhos ou bactérias, pode-se executar um penso húmido-a-seco (consultar tópico n.º 4.11.1.1.2), e reavaliar a situação no dia seguinte (Lees et al. 1989 e Swaim et al., 1997 citado por Rochat, 2001). Os passos de limpeza acima mencionados são repetidos numa base diária até a ferida estar livre de tecido desvitalizado e detritos visíveis e apresentar alguma quantidade de tecido de granulação. A decisão de executar uma sutura só fará sentido quando a ferida apresentar estas características. As suturas monofilamentosas absorvíveis são as melhores para camadas mais profundas e ao fechar a camada cutânea devem ser usadas suturas monofilamentosas não absorvíveis ou agrafos (Rochat, 2001). 4.7 Terapêuticas complementares Ao longo do tempo, tem havido o instinto de colocar substâncias em feridas com o objectivo de melhorar a sua cicatrização. Recentemente, tem-se assistido ao reaparecimento da utilização e da compreensão dos mecanismos de acção de alguns antigos substitutos de tópicos de origem natural, sendo estes a aplicação de açúcar e de mel nas feridas (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). Têm sido desenvolvidas outras terapêuticas para aumentar o processo de cicatrização em animais e pessoas. Estes incluem um composto de tripeptídeo de cobre, acemanano (um derivado do açúcar manose), um polissacarídeo D-glucose, produtos derivados de plaquetas e quitosano 43 (uma substância derivada do exosqueleto de crustáceos) (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008) (anexo 2). 4.7.1 Açúcar e mel O açúcar tem uma grande osmolalidade e afecta a cicatrização ao reduzir o edema, atrair os macrófagos, acelerar a formação da crosta necrótica, fornecer energia às células e promover o tecido de granulação saudável (Swaim et al., 2008). O tratamento com açúcar é aplicável no maneio de feridas abertas, queimaduras e feridas cirúrgicas infectadas. (Smeak, 2006). O mel (fig. 4.22) tem acção semelhante no tratamento de feridas, com actividade antimicrobiana proveniente do peróxido de hidrogénio. As propriedades hidrofílicas destes dois compostos justificam a monitorização reservada dos níveis de hidratação, electrólitos e de proteína quando utilizados em feridas de grandes dimensões (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). Figura 4.22 - Aplicação de penso com mel no membro posterior esquerdo de um felino (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 4.7.2 Complexo de tripeptídeo de cobre Um complexo de tripeptídeo de cobre parece estimular a neurovascularização, epitelização, deposição de colagénio e contracção de feridas. Investigações de tipo caso-controlo demonstraram o aumento da cicatrização de feridas abertas em cães e feridas isquémicas abertas em ratos onde foi utilizado este complexo (Canapp et al., 2003 citado por Swaim et al., 2008 e Krahwinkel et al., 2006). 4.7.3 Acemanano Um derivado do açúcar manose, o acemanano, parece actuar como factor de crescimento na estimulação dos macrófagos para produzir a interleucina 1 (IL-1) e o factor de necrose 44 tumoral (TNF-α) (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). O resultado é a maior proliferação fibroblástica, o aumento da neovascularização, o incremento do crescimento epidérmico e a melhoria da deposição de colagénio (Swaim et al., 1998 citado por Swaim et al., 2008). Um estudo caso-controlo demonstrou que as feridas em almofadas plantares tratadas com acemanano eram significativamente menores ao fim de 7 dias do que as feridas tratadas com antibioterapia tripla ou as feridas sem qualquer tratamento (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). 4.7.4 Maltodextrina - Polissacarídeo D-glucose A maltodextrina é um polissacarídeo D-glucose com ácido ascórbico. Está disponível sob a forma de pó hidrofílico e gel, que funciona como quimiotáctico para as células polimorfonucleares, linfócitos e macrófagos, as quais aumentam o nível de factores de crescimento necessários na cicatrização (Krahwinkel et al., 2006 e Swaim et al., 1998 citado por Swaim et al., 2008). Pode também fornecer energia às células para promover a cicatrização (Swaim et al., 1998 citado por Swaim et al., 2008). Esta terapêutica tem sido responsabilizada por atenuar o tecido necrótico, penetrar nas irregularidades das feridas, não ser tóxico, não apresentar absorção sistémica e ser eficaz em feridas infectadas e não infectadas (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). 4.7.5 Produtos derivados de plaquetas Os produtos derivados de plaquetas apresentam potencial na cicatrização de feridas devido à elevada quantidade de factores de crescimento existentes nas plaquetas activadas. A aplicação tópica de produtos derivados de plaquetas em feridas não cicatrizantes em pessoas, conseguiu aumentar a epitelização, contracção e neovascularização (Swaim et al., 2008). A aplicação experimental em feridas de equinos de um gel plasma homólogo rico em plaquetas produziu efeitos semelhantes (Krahwinkel et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). É possível que as terapêuticas derivadas de plaquetas sejam igualmente eficazes em cães e gatos (Swaim et al., 2008). 45 4.7.6 Quitosano O quitosano é um polissacarídeo que contém a glucosamina como um ingrediente activo. É derivado da quitina, extraído do exosqueleto de crustáceos. Quando aplicado em feridas, aumenta a função celular inflamatória, fornece diversos factores de crescimento e estimula os fibroblastos. O resultado é a promoção de tecido de granulação e aceleração da cicatrização, tal como verificado num grupo experimental de cães (Krahwinkel et al., 2006 e Veno et al., 2001 citado por Swaim et al., 2008). 4.7.7 Plantas medicinais Várias plantas têm sido usadas para melhorar a cicatrização de feridas. Seguidamente apresenta-se algumas dessas plantas com propriedades terapêuticas mais ou menos eficazes (Wynn et al., 2007). 4.7.7.1 Aloé vera Tem sido verificado que o aloé vera estimula a cicatrização das feridas cirúrgicas em cães (Swaim, 1992 citado por Wynn et al., 2007). Esta planta também tem propriedades antiinflamatória e angiogénica, contendo uma glicoproteína que estimula a proliferação e migração celular (Choi, 2001; Moon, 1999 e Vazquez, 1996 citado por Wynn et al., 2007). 4.7.7.2 Calêndula (calêndula officinalis) A calêndula officinalis pode aumentar a epitelização de feridas e ter propriedades antiinflamatórias moderadas. É utilizada em úlceras, feridas laceradas, cicatrização de feridas por substituição ou primeira intenção, entre outras utilizações. Pode-se utilizar a calêndula juntando-a numa tintura saturada com whisky diluído com um terço da sua quantidade de água para lavar cavidades de abcesso, para estimular a cicatrização de queimaduras e escaldões e em dermatoses eczematosas e ulcerativas (Wynn et al., 2007). 4.7.7.3 Arnica Montana A arnica montana pode ser utilizada como medicamento homeopático. Foi usada para prevenir e tratar a inflamação local e contusões, e também como um penso para incisões, lacerações e contusões. Os estudos in vitro mostram que a arnica inibe a activação de factor nuclear-kappa B e factor nuclear-AT, o que leva à libertação de citocinas e mediadores inflamatórios (Klaas, 2002 citado por Wynn et al., 2007). A Arnica pode ter 46 actividade antibacteriana moderada, embora outros estudos não mostram nenhum efeito. Arnica é um alérgeno de contacto que pode causar reacções dermatológicas em alguns animais com uso repetido. É tóxica, e portanto os animais devem ser impedidos de se lamber, daí ao seu uso em Veterinária ser limitado (Wynn et al., 2007). 4.7.7.4 Erva de São João (Hypericum perforatum) A erva de São João (Hypericum perforatum) é utilizada na forma de óleo ou pomada para úlceras dolorosas, tumores e hematomas. Um extracto de erva de São João reduz a proliferação de células T na cicatrização de feridas sendo possível apoiar o uso tradicional na cicatrização (Schempp, 2000 citado por Wynn et al., 2007). Outra espécie, Hypericum patulum, pode aumentar a contracção da ferida e epitelização (Muskherjee, 2000 citado por Wynn et al., 2007). O uso por via oral e tópica pode levar a fotossensibilização da pele (Wynn et al., 2007). 4.7.7.5 Loureiro (Laurus nobilis) As folhas de loureiro têm sido utilizadas em forma de pó (efeitos medicinais) para “picadas e mordeduras de insectos. Tem sido referida hipersensibilidade de contacto, pelo que terá utilização também limitada (Wynn et al., 2007). 4.8 Drenos Excesso de líquidos e exsudados podem ser prejudiciais para a cicatrização de feridas, pois podem destruir planos fasciais, manter os tecidos de cicatrização separados, e albergar infecção. Algumas feridas permitem a drenagem natural de fluidos por gravidade, e esta pode ser estimulada pela adequada oclusão parcial da ferida ou por uma incisão cirúrgica de tal forma que a drenagem ocorra. Sempre que necessário, os drenos são usados para remover os líquidos acumulados numa cavidade do corpo ou ferida (Knottenbelt, 2003) Segundo Babies (1999), o dreno é um implante temporário cirúrgico, usado após encerramento da ferida para criar e manter um canal permeável para drenagem de um líquido (sangue, soro, exsudado). Deve ser utilizado quando há confirmação ou risco de microcontaminação residual, espaço morto ou de formação de hematoma (Lee et al., 1986 citado por Rochat, 2001) numa cavidade do corpo ou ferida. A correcta aplicação dos drenos reduz a taxa de infecção da ferida e o tempo de cicatrização (Babies, 1999). Os drenos podem ser passivos, p. ex. o dreno penrose (fig. 4.23) ou activos, p. ex. o dreno de 47 sucção (fig. 4.24). Não se aconselha o uso de drenos como substitutos de desbridamento agressivo e cuidados com a ferida. Os drenos devem ser removidos quando a drenagem é mínima e serosanguinolenta (Rochat, 2001). Figura 4.23 – Dreno penrose (fonte: Giromed, s/d). Figura 4.24 – Dreno de sucção (fonte: Giromed, s/d). 4.8.1 Drenos passivos Os drenos passivos são colocados em áreas nas quais a ferida pode ser coberta com um penso estéril para evitar a introdução de bactérias ambientais. Os drenos passivos servem apenas como uma via de saída através da qual pequenas partículas de material estranho (p. ex.: partículas de solo), exsudados inflamatórios e microrganismos podem ser removidos por mecanismos fisiológicos normais. Por isso devem ser colocados de modo a permitir a drenagem por gravidade ou capilaridade. A colocação de drenos com saída contra a força da gravidade (p. ex.: dorsalmente) cria outra porta de entrada para bactérias para o interior da ferida, devendo assim, ser evitada (Rochat, 2001). 4.8.2 Drenos activos Os drenos activos podem ser mais versáteis e diminuir o risco de infecção ambiental, mas requerem um maneio mais intensivo e são mais dispendiosos. Mais uma vez, a tendência para fechar feridas demasiado cedo enquanto a viabilidade da ferida é questionável normalmente causa complicações (Rochat, 2001). 4.8.3 Aplicações dos drenos Os drenos são indicados em diferentes situações. Há necessidade de aplicar drenos em feridas cirúrgicas com muitos espaços mortos grandes (normalmente penrose ou uma drenagem activa de feridas – drenagem de sucção); em peritonites localizadas (p. ex.: abcessos prostáticos, rupturas intestinais, etc.) normalmente aplica-se um penrose; em 48 casos de feridas contaminadas ou infectadas que se tenham fechado. Os abcessos, hematomas, seromas são também indicações para o uso de drenos. O dreno torácico é indicado após toracotomia ou traumatismo torácico (Babies, 1999 e Moore et al., 2003). Após uma breve descrição acerca das situações para as quais são indicadas a aplicação de drenos é importante focar que esta colocação exige sedação ou anestesia prévia (Babies, 1999). 4.8.4 Cuidado nos drenos Na colocação de drenos, a técnica deverá ser asséptica, garantindo que a saída do dreno seja o mais ventral possível. Deve-se aplicar sobre a pele um creme gordo dermoprotector para evitar dermatite (Babies, 1999). Se for possível, deve-se cobrir o dreno com um penso estéril para evitar as infecções ascendentes (Moore et al., 2003). Pode-se aplicar penso ou gaze absorvente externamente para permitir a absorção dos exsudados (Babies, 1999). O penso/ gaze quando necessário, tem que ser mudado para evitar que se embeba de fluído da ferida (Moore et al., 2003). Deve-se colocar o colar isabelino para evitar que o animal toque ou arranque o dreno. É importante esvaziar o depósito da drenagem activa e proceder sempre de forma asséptica (Babies, 1999 e Moore et al., 2003). O dreno deve ser mantido no local indicado o tempo que seja necessário, isto é, até cessação praticamente da drenagem. O dreno, por si só, provocará uma leve formação de exsudado. Em geral, as drenagens mantêm-se durante 3-5 dias, mas isto varia segundo as circunstâncias (Moore et al., 2003). 4.8.5 Vantagens e desvantagens dos drenos Os drenos têm a vantagem de permitir a remoção dos fluidos excessivos decorrentes no leito da ferida e reduzirem efectivamente o espaço morto. Eles também removem os produtos de necrose e inflamação (Knottenbelt, 2003). Em oposição, os drenos têm a desvantagem de poder causar reacções de corpo estranho, podendo induzir um volume significativo de fluido. Eles por vezes actuam como veículo de infecção e portanto pode ser útil fazer-se testes bacteriológicos, sendo geralmente prescritos antibióticos, pelo menos, até à remoção do dreno. Os drenos devem ser 49 removidos no momento oportuno, antes de se desenvolver qualquer infecção ascendente (Knottenbelt, D., 2003). 4.9 Antibioterapia A antibioterapia deve ser iniciada quando o animal é apresentado para tratamento se a ferida tem mais de quatro horas, se apresenta lesão marcada dos tecidos moles ou não possa ser completamente limpa de bactérias através do processo de lavagem e desbridamento. Durante pelo menos cinco dias após o encerramento da ferida, deve-se continuar a administrar antibióticos bactericidas ou até o tecido de granulação cobrir a superfície da ferida. O antibiótico pode ser seleccionado inicialmente considerando quais os organismos mais prováveis na ferida. Por exemplo, o Staphylococcus intermedius deve ser mais provável numa ferida cirúrgica infectada que esteve coberta por um penso, enquanto numa ferida causada por mordedura devem estar presentes vários organismos aeróbios e anaeróbios, sendo por vezes necessário optar por mais de um antibiótico (associação antibiótica) ou por um antibiótico com espectro mais amplo. Nas feridas crónicas ou prováveis de terem complicações de cicatrização (p. ex.: grande contaminação ou lesão tecidular) devem ser efectuadas culturas aeróbia e anaeróbia para escolher a antibioterapia mais adequada. Uma coloração Gram do tecido ou de um esfregaço de ferida pode fornecer alguma ideia de que bactérias estão presentes enquanto se espera pelos resultados da cultura. Não se deve usar antibióticos como substituto de uma boa limpeza da ferida (Rochat, 2001). Os antibióticos sob a forma de cremes ou pomadas podem ser usados para tratamento tópico de feridas superficiais (Swaim et al., 1987 e Swaim et al., 1997 citado por Rochat, 2001). A pomada com bacitracina-neomicina-polimixina (combinação antibiótica) tem um grande espectro de actividade antimicrobiana e atinge altas concentrações locais embora seja mal absorvida a nível sistémico. É normalmente ineficaz contra espécies do género Pseudomonas e pode ser usado para preparar superfícies de granulação para enxertos de pele uma vez que não interfere com a função dos fibroblastos (Rochat, 2001). A sulfadiazina de prata apresenta um largo espectro de actividade e penetra no tecido necrótico e escaras (Swaim et al., 1997 citado por Rochat, 2001). Esta potencia a epitelialização mas, pode causar supressão da medula óssea se usada em feridas grandes (Rochat, 2001). 50 A nitrofurazolidona é um antibiótico de largo espectro disponível numa base hidrossolúvel de polietilenoglicol ou sob a forma de pó. A natureza hidrofílica da base auxilia a incorporação de fluidos corporais através da ferida, aumentando a absorção de exsudados da ferida através da camada intermédia absorvente do penso associado (Swaim et al., 1987 e Swaim et al., 1997 citado por Rochat, 2001). Não se deve aplicar nitrofurazolidona em pó em feridas devido à sua tendência para induzir a inflamação granulomatosa (Rochat, 2001). O uso de antibióticos na solução de lavagem da ferida é um assunto controverso mas, em geral, este uso não deve substituir a terapia sistémica ou limpeza adequada. A lavagem tópica com antibióticos durante o desbridamento pode ajudar a eliminar bactérias superficiais aderentes a tecido mal vascularizado como fragmentos ósseos e tendões (Matushek et al., 1991 citado por Rochat, 2001). 4.10 Terapia analgésica O cuidado adequado da ferida também inclui o alívio da dor. Se a lesão for grave, inicia-se a terapia analgésica no momento do exame inicial. Os analgésicos devem também fazer parte de qualquer regime anestésico usado para limpar e reparar as feridas. A dor pode ser melhor controlada quando os analgésicos são administrados antecipadamente (Rochat, 2001). O alívio da dor pode também ser obtido durante a cirurgia e o período pós-operatório imediato através do uso de analgesia regional, como a epidural ou bloqueio do plexo braquial e bloqueios locais, usando anestésicos como o cloreto de bupivacaína. A estabilidade e pressão criada por pensos compressivos, fornece algum alívio adicional da dor. A terapia analgésica deve ser sempre continuada após a cirurgia. Mesmo as feridas mais pequenas são dolorosas e os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) normalmente aliviam a dor eficazmente. A dor mais intensa é aliviada com maior eficácia usando uma combinação de AINEs e administração parenteral de opióides. A administração oral de opióides, como a morfina, é de eficácia limitada em cães. A administração transdérmica de citrato de fentanil pode ser um método eficaz no alívio da dor, dura durante vários dias, sendo uma solução economicamente acessível. O alívio da dor deve ser disponibilizado até que a ferida passe o estado inflamatório, normalmente pelo menos três dias (Rochat, 2001). 51 4.11 Materiais de penso Os materiais de penso no maneio das feridas abertas proporcionam um ambiente óptimo para que a contracção e a epitelização da ferida possam ocorrer (Williams, 1999). Os materiais de penso actualmente disponíveis visam interagir com os tecidos das feridas para aumentar a sua cicatrização, evitando a contaminação e promovendo a reparação do tecido (ver acções gerais dos pensos, quadro 4.6) (Moore, 2003 e Williams, 1999). No entanto podem existir desvantagens tais como as presentes no quadro 4.7 (Swaim et al., 2008). Quadro 4.6- Acções gerais dos pensos. ACÇÕES GERAIS DOS PENSOS Protecção da ferida (contaminação e física) Desbridamento da ferida Absorção dos produtos de exsudação Acção terapêutica local (veículo de medicamentos) Compressão (obliteração de espaços mortos/ redução do edema e da hemorragia) Conforto Fonte: Fossum, 2002 e Garzotto, 2009. Quadro 4.7- Desvantagens dos pensos. DESVANTAGENS DOS PENSOS Desconforto Irritação mecânica Efeito garrote Microclima Autotraumatismo Fonte: Fossum, 2002 O penso deve ser constituído por três camadas: camada primária ou de contacto, camada secundária ou intermédia e camada terciária ou externa (fig. 4.25) (Garzotto, 2009 e Williams, 1999). 52 Figura 4.25 - Camadas que devem fazer parte dos pensos (fonte: Williams, 1999) 4.11.1 Camada primária ou de contacto A camada de contacto é talvez a camada que mais influência tem na evolução da cicatrização (Garzotto, 2009 e Moore, 2003). Esta camada pretende proteger, minimizar a dor, manter a humidade correcta e não se deve mover sobre a superfície da ferida. Além disso, deve fornecer condições de esterilidade, ausência de toxinas, partículas ou fibras soltas. Também deve manter a temperatura entre 35 e 37ºC, pH a 6 e não ser irritante (Williams, 1999). A camada contacto costuma ser uma camada de contacto não aderente para não causar danos ao mudar o penso principalmente em feridas onde já se formou tecido de granulação. No entanto, também pode ser aderente ou desbridante se estiver perante uma ferida contaminada com presença de tecido necrótico (Williams, 1999). A camada de contacto pode ser semi-oclusiva, quando pretende manter a superfície húmida e promover a epitelização, ou não oclusiva quando há uma grande quantidade de exsudado (Moore et al., 2003). 4.11.1.1 Camada de contacto aderente A camada de contacto aderente é utilizada quando a ferida está em fase de desbridamento, proporcionando desbridamento mecânico. A mais comum é o penso húmido-a-seco (“wetto-dry”) (Garzotto, 2009). Seguidamente são descritos os pensos: seco-a-seco (“dry-to-dry”) e húmido-a-seco (“wetto-dry”). 4.11.1.1.1 Pensos seco-a-seco (“dry-to-dry”) O penso seco-a-seco está reservado a feridas com grande quantidade de tecido necrótico e com grande volume de exsudado de baixa viscosidade (Williams, 1999). 53 A compressa de gaze seca tem boa capacidade absorvente, permite a adesão dos detritos, do material necrótico e dos exsudados. Este penso deve ser deixado sobre a ferida até que as camadas de contacto e secundária consigam absorver os exsudados e a camada de contacto se encontre seca. Aquando da remoção do penso da camada de contacto, há desbridamento da ferida. Esta remoção além de ser dolorosa, pode remover tecido viável pelo que precauções deverão ser tidas na sua utilização (nomeadamente a decisão de uma sedação/ anestesia local) (Williams, 1999). 4.11.1.1.2 Pensos húmido-a-seco (“wet-to-dry”) Os pensos húmido-a-seco devem ser utilizados quando existe tecido necrótico, material estranho e exsudado viscoso na superfície (Garzotto, 2009 e Williams, 2002). Este penso preserva o meio ambiente húmido favorável para a cicatrização de feridas. A compressa estéril deve ser humidificada com solução de lactato de Ringer, soro fisiológico ou água. As camadas secundária e terciária devem permitir a evaporação. A água na gaze dilui os exsudados, permitindo a sua absorção. À medida que a compressa seca, o tecido necrótico e o material estranho aderem à compressa e são removidos com o penso (fig. 4.26). Este precisa ser mudado pelo menos de 24 em 24 horas e com mais frequência se houver grande quantidade de exsudado presente na ferida (Garzotto, 2009 e Williams, 2002). Alguns autores defendem o uso de anti-sépticos, como a solução de clorhexidina 0,05%, para humidificar a compressa (Williams, 1999). Figura 4.26 - Penso húmido-a-seco (fonte: Williams., 1999). A remoção deste penso pode provocar dor e desconforto, desta forma molhar o penso com lactato de Ringer ou soro fisiológico ajuda a uma melhor remoção (Garzotto, 2009). Importante também é conhecer potenciais desvantagens de um penso muito húmido, pois pode resultar na agressão dos tecidos perilesionais sob a forma de maceração (“amolecimento” da pele) e levar à multiplicação de bactérias, uma vez que estamos perante um ambiente húmido (Swaim et al., 2008 e Williams, 2002). 54 O hidrogel, recentemente, tem sido utilizado como produto alternativo actuando como agente humidificante. Este tem uma boa capacidade de absorção e permite um desbridamento muito mais suave quando o penso é removido, além de diminuir o número de mudas de penso (para cada 48h). O hidrogel pode ser aplicado sob materiais nãoaderentes (Williams, 1999). 4.11.1.2 Camada de contacto não-aderente A camada de contacto não aderente pode ser utilizada ou não, na fase inicial do tratamento, mas são obrigatórios a partir do momento em que já existe tecido de granulação (Williams, 1999). 4.11.1.2.1 Pensos de utilização inicial Os pensos só de utilização inicial são os chamados “pensos gordos”. Estes são utilizados quando há tecido de granulação, mas o processo de epitelização ainda não começou. O penso não deve aderir à ferida, mas deve ser capaz de absorver o exsudado (Garzotto, 2009 e Williams, 1999). 4.11.1.2.2 Pensos de utilização inicial e tardia Os pensos de película perfurada, pensos esponjosos e pensos hidroactivos têm a vantagem de poderem ser utilizados tanto na fase inicial (inflamação) como na fase tardia (reparação ou epitelização) da cicatrização. Estes pensos não aderem à ferida e promovem a formação de tecido de granulação saudável (Swaim et al., 2008). Antes de uma apresentação sucinta acerca destes pensos, apresenta-se seguidamente um quadro com as características gerais dos pensos de utilização inicial e pensos de utilização tardia (quadro 4.8) (Williams, 1999). Quadro 4.8- Características gerais dos pensos de utilização inicial e tardia. PENSOS DE UTILIZAÇÃO INICIAL E TARDIA Mantêm um ambiente húmido Não reduzem a tensão de O2 (níveis adequados) Permitem a absorção de exsudados Podem ser utilizados na presença de epitelização Possuem uma película externa de polietileno Possuem uma camada de material absorvente Fonte: Williams, 1999. 55 Há três tipos de pensos de utilização inicial e tardia disponíveis: os pensos de película perfurada, os pensos esponjosos e os pensos hidroactivos (Williams, 1999). 4.11.1.2.2.1 Pensos de película perfurada A maioria dos pensos de contacto mostram alguma tendência para aderir à superfície da ferida, independentemente das películas semipermeáveis e material de penso hidroactivo. As películas que são aplicados à superfície para reduzir a aderência são, essencialmente, películas plásticas com poros microscópicos (fig. 4.27). O tamanho e a quantidade desses microporos são importantes para o sucesso destes pensos, visto que tamanho e/ ou quantidade dos microporos reduzidos leva ao excesso de humidade e portanto à exsudação da ferida o que predispõe à inflamação local. Em oposição, o tamanho e/ ou quantidade de microporos elevados leva a uma evaporação exagerada ocorrendo desidratação local. Tais problemas já foram amplamente superados pelo desenvolvimento de pensos de base esponjosa (Williams, 1999). Figura 4.27 – Penso de película perfurada (fonte: AllegroMedical, 1997). 4.11.1.2.2.2 Pensos esponjosos Os pensos esponjosos (fig. 4.28) são um desenvolvimento recente no maneio de feridas, produzidos a fim de superar as limitações do penso anterior de película perfurada (Williams, 1999). Este penso é constituído por multi-camadas: por uma película perfurada não aderente de poliuretano, uma espuma de poliuretano, um núcleo hidrofílico e uma película de poliuretano exterior. Além disto, tem excelente capacidade de absorção e mantém a temperatura (35 ° C), o grau de humidade e o grau de oxigenação adequados. A principal vantagem deste produto é a grande capacidade de absorção da espuma (1400 gramas/ m2/ 24h), mesmo quando o penso se encontre comprimido. A camada de suporte também permite a evaporação controlada e age como uma barreira bacteriana muito eficaz. A capacidade da espuma e camada de suporte é de tal ordem que impede a desidratação localizada minimizando o risco de aderência (Williams, 1999). 56 Figura 4.28 – Penso esponjoso (AllegroMedical, 1997). 4.11.1.2.2.3 Pensos hidroactivos Os pensos hidroactivos são os principais produtos utilizados na abordagem de feridas abertas na medida em que ajudam na cicatrização de feridas, hidratando os tecidos necróticos permitindo aos processos autolíticos normais o desbridamento das feridas. Estes pensos são classificados em três categorias básicas: hidrogel amorfo, películas de hidrogel e hidrocolóides. Os alginatos pela sua actividade são considerados como hidrocolóides (Williams, 1999). 4.11.1.2.2.3.1 Hidrogel amorfo Os hidrogéis (fig. 4.29) são polímeros insolúveis com capacidade de absorção e retenção de grandes volumes de água por interacção com soluções aquosas ou exsudados. Têm boa actividade antibacteriana (Williams, 1999). O penso de hidrogel na forma de pasta, pó e gel manifestam uma melhor actuação no maneio de feridas com tecido necrótico e presença de detritos (Williams, 1999). O penso de hidrogel é utilizado em feridas com soluções de continuidade de grande dimensão e cavidades, sendo necessário o uso de uma camada secundária para fixar a substância no lugar de acção da mesma (Williams, 1999). Figura 4.29 - Hidrogeis amorfo (fonte: Laboratórios B. Braun, 2010 e Distrimed, s/d). 57 4.11.1.2.2.3.2 Película de hidrogel A película de hidrogel (fig. 4.30) tem propriedades semelhantes ao hidrogel amorfo. A sua transparência permite a observação do processo de cicatrização. Além disso, a película de hidrogel é de estrutura tridimensional fixa, aumenta de volume devido à absorção de fluidos e é de remoção indolor (Williams, 1999). Figura 4.30 - Película de hidrogel (fonte: Amber, 2010). A figura que se segue compara as taxas de cicatrização de feridas com ou sem hidrogel (fig. 4.31). Figura 4.31- Comparação entre o tratamento de feridas com e sem hidrogel (Yoshii, 2000). Os resultados do gráfico indicam que feridas com hidrogel cicatrizam praticamente ao 14.º dia, enquanto que sem a sua actuação foi apenas parcialmente cicatrizada. 58 4.11.1.2.2.3.3 Hidrocolóide O hidrocolóide (fig. 4.32) é um gel auto-adesivo de carboxicelulose e gelatina, que geralmente é de fixação por película ou espuma de poliuretano (Williams, 1999). Os hidrocolóides são totalmente impermeáveis à água sendo, portanto, extremamente importantes para a hidratação de feridas. À medida que interage com a ferida há a formação de um gel, tornando-se mais permeável à água e permitindo assim a saída de fluidos da ferida (Williams, 1999). Os hidrocolóides estimulam o desbridamento autolítico durante a fase inflamatória da cicatrização e promovem a angiogénese, síntese de colagénio e a epitelização na fase de reparação (Campbell et al., 2006 e Wilson et al. 2001 citado por Swaim et al., 2008). Os pensos hidrocolóides são produtos ideais em feridas superficiais e com exsudação reduzida. Devido aos hidrocolóides diminuírem o pH da ferida e o penso ser impermeável à entrada de bactérias, esse tipo de penso está associado a índices baixíssimo de infecção. Existe uma rápida cicatrização da ferida, possivelmente devido a um aprisionamento de citocinas na ferida (Williams, 1999). Aquando da remoção do penso de hidrocolóide surge um gel amarelo de aparência purulenta que se forma sobre a ferida e cujo odor fazem recear uma infecção. Contudo, quando este é removido, surge o tecido saudável subjacente (Campbell et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008 e Krahwinkel et al., 2006). Esta remoção é praticamente indolor. O hidrocolóide deve ser substituído duas vezes por semana (Williams, 1999). Figura 4.32 - Exemplos de hidrocolóide (fonte: LM Farma, 2008). 59 4.11.1.2.2.3.3.1 Alginato Os alginatos são polissacarídeos derivados do ácido algínico, que por sua vez é obtido de algas marinhas da espécie Laminaria. Os pensos de alginato são fibras de não-tecido impregnadas de alginato de cálcio e sódio contendo ácido algínico como princípio activo (LMFarma, 2008). Os alginatos de cálcio (Ca2+) são relativamente insolúveis, mas formam um gel quando entram em contacto com os iões de sódio (Na+). Esses iões podem ser encontrados no próprio exsudado da ferida, ou podem ser associados ao produto. A vantagem de misturar esses sais é que eles tendem a tomar a forma de gel mais rapidamente [alginato de Ca 2+ (insolúvel) + Na+ (incluído ou da ferida) = gel] (fig. 4.33) (Williams, 1999). Figura 4.33 – Acção do alginato de cálcio na ferida (fonte: LM Farma, 2008). O gel que é formando é extremamente hidrofílico, o que promove a humidade da ferida. A absorção dos alginatos é cerca de três vezes maior quando comparada com a absorção promovida pela gaze. Existem algumas evidências de que o alginato de cálcio estimula a multiplicação de fibroblastos o que também vai contribuir para o processo de cicatrização da ferida (Williams, 1999). O alginato compõe a camada de contacto do penso, sendo necessária uma cobertura secundária. O gel emite um odor forte e tem aparência purulenta que não deve ser confundida com infecção da ferida (Williams, 1999). As propriedades hemostáticas descritas nos alginatos acontecem devido à reacção dos iões de cálcio do alginato com os iões de sódio presentes no sangue, permitindo a activação das plaquetas e da coagulação (Williams, 1999). 60 Em geral, os pensos de alginato (fig. 4.34) devem ser trocados a cada 2 ou 3 dias. Os alginatos não devem ser utilizados em feridas muito profundas ou cavidades, devido a grande reacção tecidual do tipo corpo estranho que podem provocar (Williams, 1999). Figura 4.34 - Pensos de alginato (fonte: LM Farma, 2008). 4.11.2 Camada secundária ou intermédia Uma vez aplicada a camada de contacto, segue-se uma camada secundária ou intermédia. A camada intermédia do penso é a camada responsável pela absorção (Fossum, 2002 e Garzotto, 2009) e retenção de agentes prejudiciais à cicatrização como: sangue, soro, exsudado, resíduos, bactérias, enzimas, etc. (Fossum, 2002). Para melhor absorção, esta camada apresenta boa capilaridade e deve ser suficientemente espessa para proteger e “almofadar” a ferida. Desta forma, proporciona protecção e conforto à ferida (Williams, 1999). A camada intermédia deve estar em contacto com a camada de contacto, mas não se deve aplicar pressão exagerada pois tal limita a capilaridade ou absorção dos exsudados (Fig. 4.35). Figura 4.35 - Compressão da camada intermédia (fonte: Williams, 1999). 61 Durante a aplicação desta camada deve-se aplicar apenas pressão suficiente para que essa camada possa proporcionar compressão entre a camada de contacto e a ferida, a fim de diminuir o espaço morto e evitar a formação de edema. Tais espaços permitiriam que se acumulassem fluidos, o que promoveria a maceração tecidual (Fossum, 2002). O material mais adequado para esta camada é o algodão hidrofílico, ou materiais sintéticos (fig. 4.36) (Williams, 1999). Figura 4.36 - Aplicação da camada secundária com algodão hidrofílico (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 4.11.3 Camada terciária ou externa A camada externa (fig. 4.37) é responsável pela protecção da ferida e das camadas interiores (camada de contacto e intermédia) da contaminação externa, principalmente por matéria fecal e urina, além de manter a fixação das camadas interiores (Garzotto, 2009 e Williams, 1999). É importante que a camada externa permita a evaporação das camadas subjacentes, havendo apenas uma absorção mínima de humidade exterior. Para esta camada pode usarse uma ligadura autoaderente (Vetrap!), ligadura de tecido ou adesivo (fig. 4.38). Figura 4.37 - Materiais utilizados na camada externa (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 62 Figura 4.38 - Aplicação da camada (fonte: gentilmente cedida pelo HVM). 4.11.4 Selecção do tipo de penso No quadro 4.9 estão resumidos os critérios da selecção dos diferentes tipos de penso, de acordo com o tipo de exsudado presente na ferida. Quadro 4.9 - Selecção de tipos de pensos tendo em conta o teor de exsudado e modo de actuação do penso. PENSO TEOR DE EXSUDADO ACÇÃO “Dry-to-dry” Elevado de baixa viscosidade “Wet-to-dry” Moderado na superfície Absorvente e causador de desbridamento suave indicado para feridas abertas contaminadas Película Perfurada Moderado Absorvente e estimula o epitélio. Indicado para feridas fechadas. Pensos Esponjosos Moderado a elevado Hidrocolóides Reduzido a moderado Absorção limitada; estimula o desbridamento autolítico, angiogénese, síntese de colagénio, epitélio. Hidrogéis Nenhum a moderado Estimula o desbridamento autolítico, tecido de granulação e epitélio Alginato Elevado a moderado Feridas exsudativas; estimula a multiplicação de fibroblastos; tem acção hemostática Absorvente; estimula o desbridamento Acção absorvente, contaminadas. indicado para feridas Fonte: Canapp, 2003 e Krahwinkel, 2006 citados por Swaim et al., 2008; Moore et al., 2003 e Williams, 1999. A avaliação da ferida por um profissional da saúde qualificado é de extrema importância, para identificar a fase da cicatrização e direccionar o tratamento da mesma (Canapp, 2003 citados por Swaim et al., 2008 e Krahwinkel, 2006). Quando há necrose (tecido desvitalizado) e escaras (necrose endurecida) na ferida, o seu desbridamento é necessário, 63 pois substâncias tóxicas podem ser libertadas por este tecido, aumentando o risco de infecção e atraso na evolução do processo cicatricial. Neste caso, é recomendado o uso de um penso que mantenha o meio húmido, como os hidrogéis, que promovem o desbridamento autolítico ou facilitam o desbridamento mecânico. A conservação da humidade no local da ferida propicia ainda outros benefícios, tais como redução da dor, hidratação de possíveis terminações nervosas expostas e migração de células necessárias no processo de cicatrização (LMFama, 2008). Na fase inflamatória as células do sistema imunitário, chegam à lesão para combater possíveis agentes invasores. As células participantes dessa fase libertam mediadores que causam vasodilatação e o extravasamento de líquidos, o que caracteriza o exsudado presente na ferida. Neste caso, recomenda-se a utilização de pensos que sejam absorventes e capazes de controlar a infecção, como o alginato (LMFama, 2008). O nível de exsudado varia de acordo com a fase do processo de cicatrização (fig. 4.39) e desta forma requer variações a nível dos materiais do penso de acordo com a ferida apresentada. Figura 4.39 - Relação das fases de cicatrização de feridas com o nível de exsudado presente na ferida (LMFama, 2008). 64 4.12 Métodos de reconstrução de feridas À semelhança do que aconteceu com os medicamentos e os materiais, existiram também desenvolvimentos nos métodos utilizados para tratar e reconstruir as feridas dos animais. A informação que se segue é relativa a quatro destes métodos: uso de omento para melhorar a cicatrização, técnicas para transpor pele, técnicas para esticar a pele e oclusão assistida por vácuo. Estas técnicas de forma geral são utilizadas aquando de lesões muito extensas com risco de perda funcional e estrutural (Swaim et al., 2008). 4.12.1 Flaps de omento Os “flaps” de omento podem ser utilizados para contribuir para a drenagem e circulação, cobrir defeitos de tecidos moles, incrementar a cicatrização, controlar as aderências e combater as infecções. Estimulam a formação de tecido de granulação e permitem antecipar a oclusão da ferida com enxertos ou flaps de pele. Estes flaps são especialmente úteis para feridas crónicas não cicatrizantes nas zonas do tórax, do abdómen, inguinal e axilar (Hedlund 2006 citado por Swaim et al., 2008). Depois de expor o omento e criar um flap de omento, ele é transposto por via subcutânea para o local da ferida. A técnica de oclusão da ferida mais apropriada (oclusão directa, enxerto, flap) é utilizada em combinação com este flap para a oclusão (Swaim, S. et al, 2008). 4.12.2 Transposição de pele A oclusão cirúrgica de feridas envolve sempre, de algum modo, a transposição de pele, o que implica mover pele local, ou utilizar enxertos ou flaps de pele. Os flaps de pele têm a vantagem de permanecerem com suporte sanguíneo através de um pedículo durante todo o tempo de cicatrização. Duas técnicas que têm sido benéficas na transposição de grandes quantidades de pele como flaps têm sido a utilização de flaps de padrão axial e a cirurgia microvascular, que fornece um suporte vascular à pele transposta (Swaim, S. et al, 2008). Os flaps de padrão axial são flaps de pele que possuem uma artéria e veia cutâneas directas e ao longo do comprimento do flap de modo a assegurar o suporte sanguíneo duma porção extensa de pele, enquanto cicatriza uma ferida (fig. 4.40). Existem inúmeros flaps de padrão axial e as referências e indicações destes flaps têm sido bem descritas na literatura (Pavletic, M., 1999 citado por Swaim, S. et al, 2008). 65 Figura 4.40 – Flap de padrão axial na zona toracodorsal para oclusão de uma ferida grande no antebraço (Swaim, 2008). A cirurgia reconstrutiva microvascular requer a colheita do(s) tecido(s) autogéneo(s) com um pedículo vascular persistente de um local dador. É transferido para um leito receptor e a circulação é restabelecida por anastomose microvascular da artéria e veia dadoras para a artéria e veia da área receptora. Assim, é criado um flap microvascular livre. Estes flaps são especialmente úteis para feridas nas extremidades distais. Contudo, têm 3 principais desvantagens: são consumíveis com o tempo, requerem cirurgia microvascular especializada e requerem instrumentos específicos (Swaim et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). 4.12.3 Expansão de pele Os cães e os gatos apresentam a vantagem de possuírem pele abundante nas porções superiores do corpo o que é extremamente benéfico na oclusão de feridas grandes no tronco. No entanto, há situações em que existe grande escassez de pele no tronco e existem grandes feridas nos membros, onde aqui a pele é mais escassa. Têm sido desenvolvidas técnicas através das quais a pele pode ser expandida para fechar estas feridas. As bandas de expansão podem ser usadas para expandir pele em volta de uma ferida, de modo a poder fechá-la. São fixadas almofadas de pele autoadesivas com VelcroTM! na pele em volta da ferida. Num dos lados da ferida anexam-se correntes de ligação elásticas que se conectam ao VelcroTM! e são estiradas até se ligarem às almofadas de pele do outro lado da ferida. Estas correntes são ajustadas a cada 6 a 8 horas durante 24 a 96 horas até ter sido recrutada pele suficiente para a oclusão da ferida. Estas são geralmente utilizadas para feridas no pescoço e no tronco (Hedlund 2006 e Pavletic, 1999 citado por Swaim et al., 2008). Outra técnica para o estiramento da pele no pescoço e tronco é a utilização de suturas “andantes”. 66 Suturas absorvíveis são colocadas sob a pele em cada lado da ferida de modo a que a pele avance gradualmente sobre a ferida (Hedlund 2006, Pavletic, 1999 e Swaim et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). Esta técnica estica a pele e fecha a ferida no mesmo período de tempo, simultaneamente (Swaim, S. et al, 2008). Duas técnicas para expandir a pele no membro distal são as pré-suturas e a sutura contínua de colchoeiro, ou em ‘U’, horizontal ajustável. São colocadas suturas de tipo Lambert na pele em volta da ferida, com pré-suturas, de modo a que atravessem a ferida. Os nós são feitos sob tensão e deixados durante 12-24 horas. Depois de a pele esticar, a pele expandida é utilizada para fechar a ferida (Pavletic, 1999, Swaim et al., 1997 e Swaim et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). A sutura de colchoeiro ou ‘U’ horizontal ajustável (fig. 4.41) é uma sutura contínua intradérmica com mono-filamento que percorre todo o comprimento da ferida. Em cada extremidade coloca-se um dispositivo composto por um botão de camisa e um pequeno chumbo de pesca. A cada intervalo de 24 horas aumenta-se a tensão nas extremidades da sutura para aproximar os bordos da ferida. Após a aplicação da tensão, esta é suportada pelos pequenos chumbos de pesca contra os botões (Hedlund, 2006, Swaim et al., 1997 e Swaim et al., 2006 citado por Swaim et al., 2008). Figura 4.41 – Pode utilizar-se uma sutura de colchoeiro ou em “U” horizontal ajutável para reduzir mais rapidamente a área de ferida aberta e assim acelerar a oclusão final por cicatrização de segunda intenção (Swaim, 2008). 4.12.4 Oclusão assistida por vácuo A oclusão assistida por vácuo tem recebido considerável atenção na abordagem de feridas em humanos, estando também a ser utilizada na Medicina Veterinária (Guille et al., 2007 citado por Swaim et al., 2008). É utilizada em feridas agudas traumáticas, feridas crónicas 67 não cicatrizantes, úlceras de pressão, feridas com avulsão de pele (“degloving”), enxertos de pele, flaps de pele, abdómens abertos, feridas complexas perineais e ginecológicas, fístulas enterocutâneas e defeitos do crânio (Guille et al., 2007 citado por Swaim et al., 2008). Neste tratamento é criado um sistema fechado sobre a ferida com um tubo ligado a um aparelho de vácuo. Aplica-se sucção contínua ou intermitente sobre a ferida (Morykwas et al., 1997 citado por Swaim et al., 2008). Este tipo de tratamento promove a formação do tecido de granulação e neovascularização com aumento do fluxo sanguíneo. Remove, também, o excesso de fluido e o edema, e reduz a contagem bacteriana. As forças micromecânicas aplicadas na ferida podem ser um factor igualmente importante na indução da proliferação celular e na cicatrização da ferida (Saxena et al., 2004). 68 5 CONCLUSÃO A área da abordagem das feridas continuará, indubitavelmente, a avançar quer na Medicina Humana, quer na Medicina Veterinária. À medida que as investigações na engenharia de tecidos e na medicina celular aumentam, maiores são as aplicações no tratamento de feridas. O tratamento de feridas, tanto de feridas acidentais como cirúrgicas, às quais os animais são sujeitos são um acontecimento diário em Clínicas e Hospitais Veterinários. No Hospital Veterinário Montenegro as feridas com a maior incidência foram as incisas, pois este Hospital está capacitado para efectuar diversas cirurgias e portanto o número de procedimentos cirúrgicos realizados é elevado. No entanto, também os restantes tipos de feridas, desde lacerações superficiais a feridas traumáticas profundas, foram motivo de tratamento, neste hospital. Uma compreensão sólida da fisiologia da pele, da classificação de feridas, dos mecanismos básicos de cicatrização e da terapêutica são de fundamental importância para o tratamento de feridas. Vários factores são determinantes para o sucesso no tratamento de feridas, desta forma a prevenção de possíveis complicações é de extrema importância. Na abordagem das feridas deve fazer-se uma avaliação ao animal e à ferida e proceder-se, à selecção da terapêutica mais adequada. A terapêutica utilizada nas feridas tem recebido grande atenção actualmente com o uso de novos produtos. No entanto as terapias tradicionais (mel ou açúcar) ainda são utilizadas. Os materiais de penso actualmente disponíveis interagem com os tecidos das feridas para aumentar a sua cicatrização. Independentemente do procedimento, da ferida e do animal, sempre se tem como objectivo central do tratamento a cicatrização mais rápida e saudável possível, tendo-se sempre o cuidado com possíveis contaminações secundárias que podem danificar a cicatrização das feridas. Vários factores poderão conduzir à complicação de uma ferida, seja ela cirúrgica ou traumática. Uma má abordagem apoiada numa opção terapêutica errada, um penso inadequadamente colocado, uma limpeza incompleta, etc., são factores que poderão ter consequências desastrosas. É da responsabilidade do clínico optar pela abordagem terapêutica mais adequada, cabendo também ao enfermeiro veterinário a correcta execução 69 das técnicas disponíveis (nomeadamente na colocação dos pensos) e a atenta monitorização da ferida. 70 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amber, 2010. Produtos – Curativos. Site disponível: Amber Comercial, URL: http://www.amberonline.com.br/display.dll.asp. Consultado em 20 Out. 2010. Andrade, I., Andrade, N. e Oliveira, B., 2006. A importância das actividades de autocuidado no atendimento ao paciente ambulatorial com lesão traumática: Um estudo de caso na enfermagem. Cadernos de estudos e pesquisas, 24, 43-54. Babies, S., 1999. Surgical Drains. In Manual of Canine and Feline Wound Management and Reconstruction, Eds. Williams, J. e Fowler, D., BSAVA, British Small Animal Veterinary Association, 47-55. Bauer, M., 1994. Open Wound Management. In Saunders Manual of Small Animal Practice, Eds. Birchand, S. e Sherding, R., W. B. 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Ferida superficial Abrasão Perfuração Há perda, por fricção da epiderme e de uma porção variável da derme. Arrastamento. Pequenas aberturas na pele provocada por um objecto aguçado e/ ou perfurante. Mordedura de cão. Ferida perfurante: quando não ultrapassa as serosas Ferida penetrante: quando atinge o interior duma cavidade Avulsão Bordos irregulares Separação forçada de tecidos da sua base de inserção por vezes com perda da substância. Provocada por lutas entre animais. Mistura de vários tipos de feridas Esmagamento Grave perda da continuidade anatómica Provocadas pelo impacto de objectos rombos Contusão Traumatismo das partes moles, hemorragia e edema Não há perda da continuidade cutânea Feridas mistas Queimadura Provocada por ponta de uma faca. Provocada por vidro, metal ou arame farpado. Há rasgamento de tecidos Laceração Provocada por bala. Resultantes de dois mecanismos de lesão. Atropelamento. Atropelamento sem perda de continuidade, contusão pulmonar em quedas. Ferida inciso-contusa, inciso-perfurante. Lesões por transferência de calor aos tecidos Fonte: Andrade et al., 2006, Moore et al., 2003 e White, 1999. A1.1 Anexo 2 Quadro 2 - Selecção de estimulantes de cicatrização de feridas. INGREDIENTE NOME COMERCIAL ACÇÃO Açúcar Osmolalidade, redução do edema, atracção de macrófagos, tecido necrótico, fornece energia celular, promoção do tecido de granulação. Mel Redução de edema, atracção de macrófagos, tecido necrótico, fornece energia celular, promove tecido de granulação. Complexo tripeptídeo de cobre Acemanano Iamin! CarraVet!, Carrasorb! Maltodextrina (Polissacarídeo D-glucose) Intracell! Produtos de plaquetas Quitina Neovascularização, epitelização, deposição colagénio, contracção dos bordos da ferida. de Estimulação de macrófagos, proliferação de fibroblastos. neovascularização, epitelização, deposição de colagénio. Atracção de células polimorfonucleares, linfócitos e macrófagos, fornece energia celular, hidrofílica, remove tecido necrótico. Epitelização, neovascularização, contracção dos bordos da ferida. Ultrasan! Melhoria da função celular inflamatória, aumento dos factores de crescimento, incremento dos fibroblastos, aumento do tecido de granulação. Fonte: Swaim et al., 2008 e Wynn et al., 2007. A2.1