eva carvalho dos anjos - PPGHIS

Transcrição

eva carvalho dos anjos - PPGHIS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
EVA CARVALHO DOS ANJOS
DOM TIMÓTEO AMOROSO: DIÁLOGOS PASTORAIS COM JOVENS
CATÓLICOS E MORADORES DE SALVADOR DE 1965 A 1973
SANTO ANTÔNIO DE JESUS -BA
2014
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
REGIONAL E LOCAL
EVA CARVALHO DOS ANJOS
DOM TIMÓTEO AMOROSO: DIÁLOGOS PASTORAIS COM JOVENS
CATÓLICOS E MORADORES DE SALVADOR DE 1965 A 1973
SANTO ANTÔNIO DE JESUS -BA
2014
EVA CARVALHO DOS ANJOS
DOM TIMÓTEO AMOROSO: DIÁLOGOS PASTORAIS COM JOVENS CATÓLICOS E
MORADORES DE SALVADOR DE 1965 A 1973
Banca Examinadora:
________________________________
____________
Dissertação apresentada no Programa de Pós –
Graduação em História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas – Campus
V, Santo Antônio de Jesus, da Universidade do
Estado da Bahia, como requisito parcial para
obtenção de grau de Mestre em História, sob a
orientação do Prof. Dr. Gilmário Moreira
Brito.
Profº Drº Gilmário Moreira Brito UNEB (Orientador)
__________________________________________
Profª Drª Sara Oliveira Farias – UNEB (Examinadora)
_____________________________________________
Profº Drº Iraneidson Santos Costa– UFBA (Examinador)
SANTO ANTONIO DE JESUS, BA
2014
_________________________________________________________________
A599d
ANJOS, Eva Carvalho dos
Dom Timóteo Amoroso: diálogos pastorais com jovens católicos e
moradores de Salvador de 1965 a 1973 / Eva Carvalho dos Anjos. – Santo
Antônio de Jesus (Ba), 2014.
116f.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História Regional e
Local do Departamento de Ciências Humanas – Campus V, UNEB, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof° Dr. Gilmário Moreira Brito
1.Dom Timóteo. 2.Catolicismo. 3.Movimentos Sociais. I.Uneb.
CDD 200
________________________________________________________________
Aos meus pais, Ruth Carvalho e Wellington Silva pelo amor e paciência incondicionais.
Aos meus irmãos Lucas e Marcus Carvalho pelo apoio.
À Valnei Silva, Grace Mota e Jarbas Lima pelo incentivo.
AGRADECIMENTOS
Durante a trajetória de construção dessa pesquisa as inquietações e sensações foram
inúmeras, a alegria, o entusiasmo, a dúvida e a esperança. Nessa trajetória surgiram pessoas
que através de seu conhecimento acadêmico e\ou através de apoio afetivo fazem parte dessa
história. A presença divina é uma constante em minha vida, desde a escolha do tema até a
condução desse trabalho acadêmico, sem Deus eu nem aqui estaria.
À minha família, representada na figura da minha mãe, Ruth Carvalho dos Anjos e
meu pai, Wellington Silva dos Anjos, responsáveis pela pessoa que sou hoje, sem vocês esse
trabalho não seria possível. Aos meus irmãos de sangue e parceiros de vida Lucas Carvalho
dos Anjos, Marcus Carvalho dos Anjos e Idza Manuela dos Anjos e a todos os meus
familiares primos, tios, avós que fizeram uma verdadeira corrente de oração. Em especial
agradeço à minha tia Wilza Márcia Silva dos Anjos por ter acompanhado este trabalho
enquanto ele ainda era um projeto. Agradeço também aos meus irmãos de fé, de caminhada
espiritual na Igreja Batista Nazareth especialmente a irmã Edilma, Jean Prado, o pastor Joel
Zeferino, Adelson e Clemilda.
Aos amigos de todas as horas, Grace Mota, Jarbas Lima, Fernanda Portugal, Patrícia
Evangelista, Leandro Braga, Cedric Leal, pela compreensão nos momentos de ausência, em
especial agradeço ao apoio e conforto nas horas difíceis à Valnei Carvalho Silva, eterno
amigo! Aos amigos e colegas de Mestrado da UNEB: Fernanda Souza, Lucas Aguiar,
Cassiano Nascimento, Tharles Silva e Francemberg Reis pelo apoio e contribuições
acadêmicas e afetivas. As colegas e amigas de graduação Eliane Maia, Luiza Campos e
Maihara Marques pela convivência inesquecível durante a graduação, contribuições afetivas e
acadêmicas.
À Professora Drª Edilece Couto, que me “apresentou” a Dom Timóteo, minha
orientadora da graduação que foi a primeira incentivadora na continuidade dessa pesquisa.
Aos professores da Universidade Federal da Bahia: Profº Drº Iraneidson Costa pelo auxílio
junto a documentação no CEAS, Profº Drº Cândido Costa e Silva que além de me auxiliar no
trabalho junto ao Laboratório Eugênio Veiga orientou meu primeiro projeto, Profº Drº Milton
Moura e Profª Drª Lucileide Costa por fazer contribuições sobre memória e a Profª Drª Lina
Brandão Aras.
O trabalho dos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local da UNEB Campus V que foi de suma importância para a escrita dessa
dissertação, os professores Profº Drº Raimundo Nonato e a Profª Drª Sara Farias pelas
contribuições iniciais. Do PPGHIS agradeço especialmente ao meu orientador Gilmário Brito
pela enorme paciência, dedicação, preocupação que ao longo desses dois anos esteve presente
nos momentos mais difíceis.
Demonstro a minha gratidão aos responsáveis pelo arquivo do Mosteiro de São Bento
graças a autorização do abade Dom Emanuel D’ Able, à Profª Drª Alicia Duhá Lose, Profª Drª
Vanilda Mazzoni, Dom Gabriel, OSB e a toda a equipe da biblioteca: Lucyana Nascimento
bibliotecária, Cátia Lacerda, Ironildes de Jesus, Maria Lúcia Santos e Islei Carvalhal.
Por fim, agradeço a todos que contribuíram – direta ou indiretamente para realização
deste trabalho – e que, talvez por falha da memória, tenha esquecido de citar. Logo aproveito
a oportunidade para desculpar-me e reafirmar meus agradecimentos.
“Eu considero que o cometa é um ser muito misterioso.
Como o espírito, a gente não sabe de onde vem; ele passa, ilumina, depois some.”
Dom Timóteo Amoroso Anastácio
Jornal Correio da Bahia, 10 de Dezembro de 2006.
RESUMO
Este texto examina aspectos da trajetória da vida eclesial do Abade Dom Timóteo Anastácio
Amoroso que dizem respeito a diálogos e relações que estabeleceu com jovens e outros
grupos sociais em sua atuação em Salvador no período de 1965 e 1973. A pesquisa buscou
apreender as contribuições da juventude e de alguns movimentos sociais de salvador a partir
de diálogos, reflexões e críticas sobre as intervenções e tentativas de controle de
manifestações culturais e artísticas pelo regime militar em Salvador. Para contextualizar
alguns acontecimentos sociais em alguns momentos tácitos são trazidos à tona, a fim de
propor diversas hipóteses com o objetivo de enriquecer o trabalho. O método de abordagem
empregado é o analítico-descritivo utilizando-se do procedimento de pesquisa bibliográfica de
cunho qualitativo, que possibilita a investigação de um período sobre o prisma de um
personagem, um sujeito histórico, suas inquietações e ações descritas em jornais, cartas
pastorais, homílias, entrevistas e depoimentos, que foi a base documental desta pesquisa. A
análise da relação estabelecida entre sujeitos da Ordem de São Bento da Igreja Católica de
Salvador e dirigentes civis e militares representantes da ditadura que foi instalada no Brasil,
foi de fundamental importância para esta dissertação que está inserida no contexto de uma
localidade, podendo assim perceber as experiências históricas e sociais em Salvador. A
investigação busca a compreensão de como grupos de jovens que se relacionavam com os
beneditinos de Salvador que utilizavam os espaços do Mosteiro atuando com a promoção de
debates e construção de discussões políticas e sociais que permitiram que leigos e religiosos
se relacionassem com outros segmentos da sociedade.
Palavras-chave: Dom Timóteo; Catolicismo; Movimentos Sociais.
ABSTRACT
This paper examines aspects of the trajectory of the ecclesial life of Archbishop Timothy
Abbot Anastasius Loving concerning the dialogues and relationships he established with
young people and other social groups in their performance in Salvador from 1965 to 1973.
The research sought to identify the contributions of youth and some social movements savior
from dialogues, and critical reflections on interventions and attempts to control for cultural
and artistic events by the military regime in Salvador. To contextualize some social events in
some unspoken moments are brought to light, in order to propose several hypotheses in order
to enrich the work. The method employed approach is the analytical-descriptive if using the
bibliographic qualitative research procedure, which enables the investigation of a period on
the prism of a character, a historical subject, their concerns and actions described in
newspapers, pastoral letters , homilies, interviews and testimonials, which was the
documentary basis of this research. The analysis of the relationship between subjects of the
Order of St. Benedict's Catholic Church in Salvador civilian and military leaders and
representatives of the dictatorship that was installed in Brazil was of fundamental importance
to this dissertation that fits into the context of a location and can thus realize historical and
social experiences in Salvador. The research seeks to understand how groups of young people
who were related to the Benedictines of the spaces that used Saviour Monastery acting by
promoting discussions and construction of social and political discussions that allowed
religious and laity is relacionassem with other segments of society .
Keywords: Dom Timóteo; Catholicism; Social Movements.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................01
1
2
PERSPECTIVA DE UMA GERAÇÃO CENTENÁRIA,
ASPECTOS
HISTÓRICO-IDEOLÓGICOS DE INTELECTUAIS RELIGIOSOS
BRASILEIROS DO SÉCULO XX...................................................................10
2.1
A ORDEM DE SÃO BENTO, A FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO DE
SALVADOR E O COTIDIANO NA VIDA DE UM MONGE...............................13
2.2
DAS EXPERIÊNCIAS POLÍTICAS E RELIGIOSAS DE DOM TIMÓTEO
AO CONVITE PARA O ABACIADO EM SALVADOR.......................................17
2.3
AS EXPERIÊNCIAS DE DOM TIMÓTEO NO CENTRO DOM VITAL, NO
CONSELHO EPISCOPAL LATINO AMERICANO E NA COMISSÃO
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL..................................................................22
2.4
OS ANSEIOS PELA MODERNIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA E
O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II..........................................................25
2.5
O TRABALHO PASTORAL DE DOM TIMÓTEO JUNTO A DOM HÉLDER
CÂMARA.....................................................................................................................28
2.6
O PRIMEIRO CONTATO DE DOM TIMÓTEO COM SALVADOR E O
CONVITE PARA O ABACIADO..............................................................................31
3
JUVENTUDE
CATÓLICA,
GOLPE
MILITAR
E
AS
MANIFESTAÇÕES
CULTURAIS EM SALVADOR (1964-1968)........................................33
3.1
A JUVENTUDE CATÓLICA SOTEROPOLITANA..............................................36
3.2
O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964......................................................................40
3.2.1 O golpe civil-militar de 1964 e a campanha anticomunista do clero baiano no
cenário nacional............................................................................................................43
3.2.2 O tumultuado mês de agosto de 1968...........................................................................51
3.3 AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM SALVADOR E O ABADE DOM
TIMÓTEO......................................................................................................................59
3.3.1 A Missa do Morro..........................................................................................................63
3.3.2 A peça teatral Aventuras e desventuras de um estudante e a acusação de
subversão no Mosteiro de São Bento...........................................................................73
4
DOM TIMÓTEO, OS BENEDITINOS, OS MOVIMENTOS SOCIAIS
E
AS
RESISTÊNCIAS
A
DITADURA
MILITAR
EM
SALVADOR................................................................................................................77
4.1 A DESESTABILIZAÇÃO DE MILITANTES ESTUDANTIS A LUTA
ARMADA.......................................................................................................................78
4.2
OS RELATOS DE MEMÓRIA E AS CONEXÕES ESTABELECIDAS ENTRE
O MOSTEIRO DE SÃO BENTO E OUTROS ESPAÇOS DE DIÁLOGO EM
SALVADOR..................................................................................................................86
4.3 A “GESTAÇÃO”DO GRUPO MOISÉS E SUA
“OFICIALIZAÇÃO”...............................................................................90
4.4
O DOCUMENTO EU OUVI OS CLAMORES DO MEU POVO.............................99
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................... .......................110
REFERÊNCIA..................................................................................................................111
1
1 INTRODUÇÃO
Os estudos desenvolvidos nas últimas décadas sobre a relação entre o regime militar
brasileiro e as religiões do país, sobretudo o catolicismo, têm sido reveladores, como elas
reagiram e se posicionaram diante do golpe e o posterior regime militar são exemplos disso. A
maior tarefa é a disposição de reunir, organizar e compreender documentos que estão em
mãos de particulares. A proximidade do cinquentenário do golpe civil-militar tem fomentado
indagações e pesquisas historiográficas pelo Brasil que buscam compreender relações e
tensões de grupos e sujeitos envolvidos na construção de diferentes facetas da história do país
durante o período.
Antes de apresentar o problema da pesquisa, as fontes, as discussões bibliográficas e
metodológicas vão ater, rapidamente, sobre as possibilidades abertas pela historiografia de
investigar e compreender as mudanças ocorridas com os sujeitos, movimentos sociais e
alimentar a perspectiva de novas interpretações. Com o surgimento da escola dos Annales em
1929, a relação entre o profissional de História e suas fontes mudou rapidamente durante
todas as ouras décadas do século XX. Nesse sentido, a escrita da história a cerca do outro, o
diálogo desta com a biografia passou por faces diversas de um “personagem”, no caso deste
trabalho o biografado tem. O método de pesquisa se deu sobre a análise da Memória 1, suas
similitudes e contribuições importantes mudanças teórica e metodológica e a partir dos anos
1980 começou a ganhar evidência as contribuições da História Social, Cultural e da Microhistória, que ampliaram a tentativa de compreender as experiências do vivido.
Ao citar a biografia, não podemos deixar de abordar a micro-história, duas referências
são os autores Carlo Ginzburg e João José Reis, que produziram obras consagradas,
consideradas referências baseados no período citado com destaque para O queijo e os vermes
e Domingos Sodré um sacerdote africano, respectivamente. Os historiadores trabalham com
fontes, eles se debruçaram nelas com maestria através de métodos diferentes, abordagens
específicas e de uma escrita ímpar, essas são características de quem desenvolve seus objetos
baseados na Micro-história 2.
1
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol.2, nº3, p. 3-15,
1989.
2
REVEL, Jacques (Org.) Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
2
Em Grandezas e misérias da biografia3 escrito por Vavy Pacheco Borges, percebe-se
que uma das principais contradições do biografo é a escrita sem contextualização, baseado na
história positiva, sem reflexões. Quando um historiador se propõe a escrever uma biografia
em sua escrita constam as hesitações do personagem, reflexões contra factuais visando o
entendimento do mundo através daquele personagem. Dentro da biografia é necessária a
clareza da história do indivíduo, seu legado, sua representação e seu papel na sociedade. A
autora durante um bom tempo adiou essa missão, por se tratar de uma tarefa difícil.
O sucesso atual da biografia é discutido por Vavy Pacheco, a necessidade que as
pessoas têm de saber do outro. Sua escrita auxilia um aspirante a biógrafo (a) em muitas
dúvidas, é bastante didática quando levantou questões fundamentais para quem deseja
escrever uma biografia. Ela escreve sobre o tipo de relação entre o biógrafo e o biografado,
como selecionar as fontes, o tempo e a forma da escrita são alguns assuntos abordados porque
os historiadores devem se apropriar desse tipo de escrita:
Não se pode ter a pretensão de esclarecer o mistério de uma vida
somente a partir de fatos e de achados concretos; é significativo não só
o que se encontrou documentado, mas as incertezas intuídas, as
possibilidades perdidas etc. A sensibilidade e a intuição do historiador
são muito importantes a fim de aproveitar ausências e vazios com os
quais ele depara em seu trabalho de pesquisa para também interpretálos.4
Além de recorrer aos referidos diálogos, também é importante a contribuição dos
estudos sobre memória, sobretudo, porque amplia a possibilidade de acessar dimensões da
história de religiosos a partir de recordações das vivências a fim de alcançar trajetórias
capazes de revelar significados de suas práticas na sociedade na qual estavam inseridos.
Considerando que uma das tarefas do historiador é também lidar com evidências das
memórias, na construção de novos objetos de pesquisa, bem como enfrentar os significados e
conflitos no processo de interpretação 5. Assim, o personagem biográfico, neste caso Dom
Timóteo Amoroso participa dessa história, não apenas através de narrativa linear sobre a
Vargas, 1998.
3
BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: Pinsky , Carla Bassanezi, (org.). Fontes
históricas. — 2ª. ed., Iª reimpressão.— São Paulo : Contexto, 2008, p. 15.
4
5
Idem, p. 15.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo (Orgs). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p29.
3
dedicação eclesial, mas principalmente, as relações e diálogos que estabeleceu com jovens e
outros grupos sociais, inseridos em redes sociais, que envolvem tensões e contribuições, bem
como interesses e preferências, relacionados a contextos nos quais o indivíduo se identificou
com os acontecimentos públicos de importância para si e para sua comunidade, ou seja, com
memórias construídas por grupos sociais, como ponderou Maurice Halbawachs 6.
Compreendemos que não há pesquisa satisfatória para o historiador se não estiver
disposto a questionar e problematizar seu (s) objeto (s) movido pelas inquietações na busca de
descobrir as relações e tensões entre sujeitos e grupos sociais dentro de um contexto e de um
processo que possibilite a produção de um conhecimento novo. O historiador se vê norteado
pela busca, organização, sistematização e problematização dos documentos, que ao lado de
uma perspectiva teórica e metodológica pode se tornar em uma bússola, um farol que pode
guiá-lo na pesquisa e na escrita da história.
A escrita da história nunca é desinteressada, o que mudou foi o despertar para novos
olhares, novas perspectivas, “... os historiadores hoje já admitem que o se alojar no passado
não é garantia de imparcialidade, simplesmente porque ela é impossível.” 7 Acreditamos que
isso ocorre porque essa escrita da história ainda que se debruce sobre o passado é produzida
com os olhos, interesses e propósitos do presente.
A tentativa de compreender uma vida, enxergando nos bastidores outras diversas,
vividas em uma mesma época ou não, tendo em vista as identidades múltiplas de um
“personagem”, no nosso caso do biografado passa a ter. No prefácio de “Teoria da biografia
sem fim” Muniz Sodré lança o questionamento vivido por todo biógrafo: “Por que
biografar?”. O pesquisador mesmo responde:
“É que, em princípio, toda biografia se nos apresenta como um gesto
poderoso de sedução da memória. Não é um gesto solitário e
individual, como se poderia pensar, uma vez que esta palavra tende a
sugerir de imediato os processos de introspecção e rememoração de
fatos significativos do passado”. 8
6
BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000. p. 70.
7
ALBUQUERQUE Júnior, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de Teoria da
História. Bauru, São Paulo, Edusc, 2007, p. 62.
8
PENA, Felipe. Teoria da biografia sem fim; prefácio de Muniz Sodré – Rio de Janeiro: Mauad, 2004, p.11.
4
A escolha de um indivíduo para representar aspirações e inquietudes comuns a
inúmeros religiosos de outrora é uma ação baseada na redução de escala de observação, um
acrescenta também a noção de local e região. Não existem, para o historiador, regiões que se
impõem a ele como espaços já dados de antemão. Isto porque a “região” ou “localidade” dos
historiadores não é artifício bastante utilizado pelos historiadores, visto que “... a abordagem
micro-histórica se propõe enriquecer a análise social tornando suas variáveis mais numerosas,
mais complexas e também mais móveis.”. 9
Ao conduzir o trabalho em desenvolvimento ao qual pertence a História Regional /
Local procuramos observar as conexões dos campos históricos, fruto da “multiplicação de
espaços internos à própria História”
10
, cuja abordagem é discutida por José D’ Assunção
Barros:
A cidade dos políticos de hoje, ou da geografia física, ou da rede de
lugares administrativos em que foi dividido o país, o estado ou o
município. Toda “Região” ou “localidade” é necessariamente uma
construção do historiador. (...) Para um historiador, a região não será
tanto aquilo de onde a pesquisa partirá, mas sim aquilo que a pesquisa
pretende produzir historiograficamente. 11
A linha entre um campo histórico e outro é tênue, em tempos de pós-modernidade fica
cada vez mais difícil à delimitação de um campo a outro. Cabe ao historiador refletir sobre
isso e com a devida coerência traçar relações possíveis e necessárias. O melhor caminho para
a delimitação do nosso campo historiográfico é a biografia, essa modalidade de escrita no
referido recorte temporal abarca a conexão entre a História Local e Micro-história são com
esses arcabouços teóricos que a pesquisa foi desenvolvida.
“Pois a escolha do individual não é vista aqui como contraditória à do
social: ela deve tornar possível uma abordagem diferente deste, ao
acompanhar o fio de um destino particular – de um homem, de um
9
REVEL, Jacques (Org.) Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p.23.
10
Idem, p. 221.
11
Idem, pp. 232-233.
5
grupo de homens – e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos
tempos, a meada das relações nas quais ele se inscreve.” 12
A pesquisa proposta trouxe a discussão de diversos temas. A escolha específica deste
religioso permitiu estabelecer relações com diversos segmentos da sociedade soteropolitana.
O ecumenismo cristão era uma temática distante, com a chegada de Dom Timóteo à Salvador
passou a ser estimulado e praticado primariamente entre as Igrejas e denominações cristãs
sendo apoiado durante e posteriormente o Concílio Vaticano II. As boas relações entre o
abade e os protestantes não foram devidamente abordadas nas biografias anteriormente
escritas.
Durante muitos anos o acesso a memórias do período do regime militar foi bastante
temido, pois houve o estabelecimento da censura durante o período do governo militar, ele
findou a liberdade de expressão de indivíduos e grupos sociais O Mosteiro de São Bento pode
apoiar muitas pessoas neste momento obscuro e repleto de lacunas. Somente através da
realização de entrevistas foi possível a revelação certos fatos ocorridos.
Os arquivos e fontes pesquisadas permitiram estabelecer objetivos e problemas
singulares sobre a temática escolhida. A dissertação de mestrado em andamento contempla
aspectos inerentes a um representante de uma geração de pensadores católicos que deu grande
contribuição para estabelecer novas relações entre a Igreja Católica no contexto das décadas
de 1960 e 1970. A escolha do personagem se deu através da escassez de documentação na
área: a atuação/ resistência de instituições religiosas durante o período do regime militar. A
predileção pelo biografado se deu através das leituras de biografias, sua história de vida
permitiu diversos questionamentos e perspectivas do período em que foi abade no Mosteiro
de são Bento. A proximidade do arquivo e a análise de fontes inéditas abriram novos
caminhos que possibilitaram a escrita deste trabalho.
Os novos documentos pesquisados foram homilias, cartas pastorais, artigos de jornais
publicados pelos religiosos citados e manifestação da população sobre acontecimentos que
ocorreram. É importante destacar fontes como a carta de Dom Timóteo em resposta ao
Núncio Apostólico (Representante do Papa no Brasil) de 1966, que pediu que o abade
expusesse as atividades realizadas pelo Mosteiro. A troca de documentação entre a Nunciatura
e o Abade foi para o esclarecimento de que o Mosteiro não era um foco subversivo.
12
Idem, p.21.
6
A construção do terceiro capítulo não seria possível sem a aquisição de uma cópia de
um caderno em espiral impresso contendo relatos de memória de integrantes do Grupo
Moisés. O Parecer sobre o documento-manifesto Eu ouvi os clamores do meu povo do
Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela ambos de 1973, compõe os documentos de destaque
desse trabalho, o cruzamento com outros documentos possibilitaram a compreensão de um
personagem profundamente espiritualizado cujas relações que estabeleceu com diferentes
pessoas e grupos sociais compõem este trabalho.
Os novos arquivos e fontes pesquisadas permitem hipóteses e reflexões inovadoras
sobre a temática escolhida. O diferencial de um trabalho historiográfico são os
questionamentos aos documentos, o material pesquisado em arquivo é o que orienta e limita a
escrita do historiador, “... de todo o labor histórico que num processo de diálogo contínuo
entre o objeto de estudo e o corpus documental não pode negligenciar a problematização, a
conceptualização que conferem significabilidade aos modelos obtidos”.
13
Analisar se D. Timóteo Amoroso, septuagésimo sétimo Abade do Mosteiro de São
Bento, contribuiu para a modificação da realidade soteropolitana entre os anos de 1965 e 1973
é o principal objetivo dessa dissertação. Como seus escritos puderam contribuir para as
gerações que o cercava? Como foi sua atuação nos movimentos sociais de Salvador? A
História Regional/Local possibilita a utilização de múltiplas ferramentas teóricas, acrescendo
o fator contemporaneidade resultante é uma produção historiográfica sempre em mutação.
“Contrariamente a idéia de fragmentação do objeto de estudo e
parcialidade dos resultados finais da pesquisa, a história regional e
local, sem perder a dimensão ou totalidade, restringiu o universo
espacial de estudo, permitindo ampliação do temporal com
interdisciplinaridade.” 14
O relato do historiador enquanto tentativa de convencimento – não é um ato nada
inocente, porque não se lê a própria memória, mas a transformação dela em forma de texto. O
uso da memória enquanto construção de personagens e fatos históricos e a transformação
13
PEREIRA, Maria da conceição Meireles. História Local e Regional – singularidades de uma história plural.
In:FARIAS, Sara oliveira; LEAL, Maria das graças de Andrade. História Regional e local II: o plural e o
singular em debate. Salvador, EDUNEB, 2012, p.23.
14
NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da história na crise da
modernidade. Feira de Santana. Salvador: Arcádia, 2002, p.89.
7
desses em mitos foi um dos aspectos abordados por Peter Burke em História como memória
social15.
A trajetória da vida sacerdotal do Abade Dom Timóteo e as relações que estabeleceu
com jovens católicos e movimentos sociais é o foco desta pesquisa, mas o horizonte da
investigação ampliou para outros personagens com os quais conviveu como é o caso de Dom
Jerônimo de Sá Cavalcante, entre outros que vamos trabalhar no texto. Uma leitura atenta da
documentação permitiu observar que o Mosteiro de São Bento foi um espaço que acolheu
entre outros jovens católicos soteropolitanos que organizavam manifestações culturais com
criticas ao regime.
A escalada de poder dos militares foi possível graças a criação dos Atos Institucionais
que concedeu poderes para a manutenção dos militares no governo como justificativa de suas
ações. A dificuldade na abertura de arquivos que se encontram em mãos de particulares
dificulta a pesquisa nesse país, pois são a maior fonte do período visto que muitos
documentos foram eliminados.
Os primeiros contatos com as fontes foram difíceis por razões técnicas a
documentação do Mosteiro em um longo processo de higienização e catalogação do acervo.
Para acelerar o processo de investigação comecei a levantar as fontes de outros acervos
enquanto a documentação do Mosteiro de São Bento estava sendo preparada para consulta
pública. A jornada de investigação foi rica porque permitiu ter acesso a consideráveis
documentos e informações que trabalhos escritos sobre Dom Timóteo ainda não havia
atentado. Além disso, é importante atentar que o olhar do historiador para as fontes permitem
novos questionamentos e novas possibilidades de análise.
Esta pesquisa busca compreender como um homem que veio de uma vida civil com sólida
carreira profissional e relação amorosa consolidada por um casamento pode dar espaço a uma
vontade de servir ao outro. O lema de Dom Timóteo ao se tornar abade de Salvador era “por amor
aos meus irmãos”, algo que se espalhou pela cidade, um amor especial a juventude, aos que
sofriam opressão, eram marginalizados e viviam na clandestinidade. Os objetivos são traçar como
essa juventude múltipla se encontrava, quais os assuntos debatidos por ela e suas aspirações, e,
sobretudo, o que era noticiado sobre ela no período de 1965 a 1973. Ao longo dessa caminhada
15
BURKE, Peter. “História como memória social”. In: Variedades da história cultural. Rio de janeiro:
Civilização brasileira, 2000. pp. 79-80.
8
foi possível perceber que muitos desses jovens gestaram ou fizeram parte de movimentos sociais
de Salvador.
Assim, o primeiro capítulo busca compreender os caminhos percorridos por Dom
Timóteo até chegar à Abadia do Mosteiro de São Bento. Aborda aspectos anteriores à sua
vida religiosa situando-o nas relações que estabeleceu com outros intelectuais católicos,
destacando os aspectos histórico-ideológicos do século XX que os influenciaram. Abordamos
sobre a Ordem de São Bento, a fundação do Mosteiro de Salvador e o cotidiano na vida de um
monge, cuja narrativa pretende auxiliar ao leitor a entender a vida monástica, suas regras e
cargos.
A narrativa da vida de Luis Antônio, (Dom Timóteo) é conduzida com o objetivo de
elucidar motivos e aspirações que o levaram à vida religiosa, seus estudos, a influência da
família, a profissão e seu casamento. Com o relato de suas experiências de vida é possível
entender sua posterior aproximação com a juventude, seu trabalho pastoral e sua caminhada
espiritual.
As instituições das quais participou e os cargos que exerceu foram fundamentais para sua
formação, principalmente o Centro Dom Vital, o Conselho Episcopal Latino Americano e a
Comissão Nacional dos Bispos e ainda repercutiu diretamente no seu trabalho pastoral a relação e
o vínculo que manteve com a Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Recife e Olinda por toda a vida
também contribuiu em sua trajetória pastoral. O capítulo tem início apresentando aspectos de sua
geração e apontando como a biografia pode ser utilizada como instrumento para elaboração da
escrita da história quando é cruzada com outras fontes, mostrando a trajetória de Dom Timóteo da
primeira visita à Salvador ao convite para o abaciado.
O segundo capítulo abrange como se deu sua aproximação com a juventude de Salvador
através de ações práticas baseadas nas resoluções do Concílio Vaticano II. O trabalho
desenvolvido por Dom Timóteo promoveu a adaptação da liturgia e uma maior participação dos
leigos na comunidade. O Mosteiro de São Bento passou a se posicionar em temas considerados
polêmicos como a participação de religiosos na política.
Os espaços do Mosteiro como seu teatro e as salas de aula do Colégio São Bento passaram
a acolher reuniões de jovens, sindicatos e permitiu o desenvolvimento de movimentos sociais de
Salvador. A participação da juventude católica foi o estandarte da atuação do abaciado de Dom
Timóteo. A missa do final da tarde aos domingos ficou conhecida como a missa da juventude,
suas abordagens e temas eram propostos por ela.
9
Alguns episódios ocorridos na capital baiana como a Missa do Morro ocorrida em
1965, os ensaios da peça “Aventuras e desventuras de um estudante” e a invasão do Mosteiro
de São Bento em 1968 são analisados através de novos questionamentos e novas fontes. Os
pronunciamentos dos beneditinos na imprensa são abordados neste capítulo.
O terceiro capítulo contempla os “anos de chumbo” da ditadura militar (1969 a 1973). Fazemos a
análise de documentos (relatos de memória) realizados por jornalistas que contemplam o surgimento
do Grupo Moisés e outros eventos da época. A produção do documento-manifesto “Eu ouvi os
clamores do meu povo” também é contemplado na parte final do texto. O sentimento de religiosos de
esquerda como Dom Jerônimo de Sá Cavalcante expresso através da homília “O ano que se enterra”
revelando as incertezas após quatros anos de golpe civil-militar. Expomos através de análise
bibliográfica a trajetória da luta armada na Bahia como resposta ao endurecimento do regime militar.
A atuação de jovens e religiosos e os pilares da teologia da Libertação, suas aspirações cristãs com
cunho marxista-humanista são evidenciados através do documento-manifesto de 1973 que finaliza a
pesquisa.
10
2
PERSPECTIVA DE UMA GERAÇÃO CENTENÁRIA, ASPECTOS HISTÓRICOIDEOLÓGICOS DE INTELECTUAIS RELIGIOSOS BRASILEIROS DO SÉCULO XX
A primeira metade do século passado foi repleto de crises, revoluções e guerras marcadas por
diferentes ideologias que produziram grande instabilidade em todo mundo. O tempo parece ter sido
acelerado com a chegada de continuas tecnologias cientificas e midiáticas em permanente processo de
modificação que deram a sensação de ter vivido bastantes coisas em um curto período de tempo. Refletindo
sobre isso, encontramos a seguinte abordagem:
A certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado sem cair em auto
complacência, pois o nosso testemunho se torna registro da experiência de muitos, de
todos que, pertencendo ao que se denomina uma geração, julgam-se a princípio
diferentes uns dos outros e vão aos poucos, ficando tão iguais, que acabam
desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais da sua
época. Então, registrar o passado não é falar de si, é falar dos que participaram de
uma certa ordem de interesses e visão de mundo, no momento particular do tempo
que se deseja evocar. 16
No Brasil, os grandes acontecimentos como a Revolução Russa, as I e II Guerras Mundiais
repercutiram de modo a deixar marcas profundas na vida do País; através de grande agitação. A fim de
explorar contribuições de religiosos que vivenciaram boa parte dos citados eventos históricos século XX,
através das afinidades e convergências nas escritas e ações: Dom Timóteo Anastácio Amoroso, Dom Hélder
Câmara e Dom Jerônimo de Sá Cavalcante se fazem presentes e destacados nesta dissertação devido à
proximidade que mantiveram durante toda a vida.
Estes religiosos que vivenciaram transformações do século passado compõem aspectos de uma
geração praticamente centenária, tendo em vista que os referidos religiosos viveram boa parte do século XX.
Creio que a temática da dissertação “Dom Timóteo Amoroso - diálogos pastorais com jovens católicos e
moradores de Salvador de 1965 a 1973”-, é de grande contribuição para os estudos da História Regional,
porque todos eles atuaram em algum momento de suas vidas no Nordeste, bem como para a História Local
porque Dom Timóteo e Dom Jerônimo foram beneditinos que trabalharam mais de vinte anos em Salvador.
Em uma das entrevistas concedidas Dom Timóteo pode evidenciar suas impressões a respeito do tempo em
que viveu,
16
HOLLANDA, Sérgio Buarque. O Significado de Raízes do Brasil. Raízes do Brasil, Coleção intérpretes do Brasil, Rio de
Janeiro, Editora Nova Aguilar S.A., São Paulo, dezembro de 1967.
11
Olha, eu sou um homem cuja existência está cobrindo o século XX...O século XX
vem depois da revolução Russa e do fim da Primeira Guerra, que são os dois eventos
históricos que estão muito entrelaçados um no outro. A minha infância foi dentro da
“belle époque”, ainda no século passado. Você encontra a minha infância em
qualquer romance de Machado de Assis, é o século passado, quer dizer, as famílias,
os saraus, os docinhos, as festinhas, o trabalho. Mas não tinha uma perspectiva
histórica, era um viver gostoso do dia-a-dia. Já quando veio a guerra e a revolução, o
viver começou a parecer trágico, isso coincide com o alvorecer da minha
adolescência, em 1920, 1921. Toda aquela inquietação que o mundo conheceu como
uma nova era histórica no sentido de que era pra valer, que estava mudando, que
todos os valores anteriores, as situações e as montagens sociais, familiares, políticas
etc estavam sendo modificadas. 17
A cobertura da vida de um homem que atravessou uma mudança de cotidiano que antes parecia
ritmado a uma valsa que cabia em páginas de romance que com o advento da primeira guerra e o surgimento
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS sofreu uma ruptura, o modo de vida mais trágico.
Os anos que seguiram pareciam mais realistas, a noção de tempo foi associada a relação de trabalho no
mundo cada vez mais capitalista. Embora a guerra e suas mazelas ocorressem em outro continente as
expectativas e realidades geradas a partir dela repercutiam no Brasil.
Os representantes escolhidos para compor essa geração centenária foram intelectuais, religiosos e
pensadores em sua maioria católicos foram influenciaram jovens e adultos principalmente após a segunda
metade do século XX, sobretudo através do que escreviam. Os acontecimentos históricos que iam se
sucedendo causavam grande impacto, o corte de um estado temporal anterior mais lento, ritmado,
compassivo é substituído pela rapidez, outro aspecto notado foi à velocidade com que as informações
passaram a ser transmitidas, que potencializou o impacto que os fatos passaram a ter. O tempo descrito na
infância e adolescência de Dom Timóteo remonta ao século anterior, impregnado de romantismo. O
religioso só vislumbra perspectiva histórica com a explosão da revolução russa e o despontar da primeira
guerra mundial. A história de vida de Dom Hélder Câmara também expôs aspectos e inquietações de sua
época:
(...) A minha geração já assistiu a duas guerras mundiais e tem estado a milímetros
da terceira. A guerra se tornou, ainda mais, absurdo e loucura, agora que se arrasam
cidades e se extinguem populações civis, agora pode chegar a extinção da
humanidade. E esse poderio da destruição coincide com uma capacidade de
17
Entrevista concedida por Dom Timóteo disponível no Encarte especial da Revista História da Bahia – Nº 12,
Março de 1989. Depoimento concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro e Gustavo Falcón.
12
construção à altura de assegurar a todas as criaturas humanas um nível humano de
vida.
Que estamos fazendo de nossa força imensa de imprensa, do rádio, da televisão, do
cinema, do teatro? Que estamos fazendo nos educandários, liderados pelas
universidades? Por que não tentamos unir essas forças imensas e pô-las a serviço da
solidariedade universal? 18
Podemos apreender a importância do período mencionado através de outro personagem que teve sua
existência cobrindo grande parte do século passado. O pensador católico, sociólogo, e crítico literário Alceu Amoroso
Lima, o Tristão de Athaíde concedeu em Abril de 1973, uma entrevista a Revista Manchete que trás aspectos
interessantes a essa introdução. Quando perguntado sobre as diferenças e os pontos de aproximação entre a sua
geração e os jovens dos anos 70 sua resposta define bem essas incertezas dos seus contemporâneos.
A mocidade de hoje penetra nas coisas, desejosa de esgotar totalmente o conhecimento.
Contrariamente a mocidade do meu tempo era muito desencantada. Eu e toda a minha
geração, estávamos prematuramente envelhecidos, desanimados, citando a toda a hora a
frase de Musset: “Nous sommes vênus trop tard, dans um monde trop vieux”, nós chegamos
muito tarde a um mundo muito velho. Havia a idéia de que as grandes coisas já haviam
acontecido, e que o mundo era apenas palco da mediocridade.19
Ainda nessa entrevista o autor fala sobre as influências do agitado fim de século e o marasmo intelectual de
sua geração, durante a leitura da entrevista percebe-se o seu desencanto no tempo vivido por ele, contudo Alceu
Amoroso Lima vislumbra melhores possibilidades na geração da década de 1970. Fala também do egoísmo humano
como potencializador de conflitos,
Foi o desencanto das duas guerras mundiais. Na primeira, houve como que um outro
fim do século XIX. Depois, a mobilização da guerra de 1939, e as revoluções. Tudo
isso trouxe choque entre o desespero e a esperança, de maneira mais patética do que
havia no meu tempo de moço. (...) A problemática de cada ser humano faz com que
cada pessoa, hoje em dia, queira ser o centro do Universo, promovendo um
dogmatismo individualista que entra em choque com o Universalismo. Daí os
conflitos políticos que geram os processos de guerras e revoluções. 20
18
CÂMARA, Hélder Pessoa. Cristianismo, comunismo e democracia. In. Revolução dentro da Paz. Rio de Janeiro - Editora
Sabiá, 1968, p. 68.
19
Revista Manchete, nº 1100, Maio de 1973.
20
Revista Manchete, nº 1100, Maio de 1973
13
A escolha desse intelectual não foi aleatória, além dele ter sido um pensador católico, ter vivido noventa
anos (1893-1983), ele era primo de Regina Monteiro Amoroso Anastácio, a mãe do abade beneditino Dom
Timóteo, cujo exercício pastoral e os diálogos que entabulou com jovens e movimentos sociais de Salvador é
objeto dessa dissertação que pretende também apreender uma leitura de sua visão de mundo. Alceu Amoroso
manteve correspondências com o primo de segundo grau durante toda a vida, a primeira delas tinha o convite do
literato para Luiz Anastácio (o futuro Dom Timóteo) ir morar e trabalhar com ele como seu secretário na capital
fluminense, informação fornecida pela monografia Por amor aos meus irmãos escrita pelos jornalistas Everaldo
de Jesus e Regina Bandeira.
A escolha do tema permitiu reunir, problematizar e analisar os diálogos de D. Timóteo com jovens
frequentadores do Mosteiro a partir de sua biografia. A escrita da sua trajetória sacerdotal se deu devido à
escassez de estudos na Bahia que abordem o catolicismo e a ditadura militar. Como seria uma tarefa muito difícil
devido aos vários segmentos e personagens ao abordar o catolicismo como um todo, preferi me concentrar nos
aspectos da juventude católica que antes que tinha afinidades com o Mosteiro de São Bento e os posteriores
movimentos sociais entre os anos de 1965 a 1973.
É possível notar os esforços na Bahia através da promoção de estudos e de ensino sobre ditadura
militar nas salas de aula, através do curso de Ensino de História da Fundação Pedro Calmon em 2012, no seu
último bloco, produzido pelo Professor Doutor Iraneidson Costa evidenciava a atenção dada ao tema. No
último módulo do curso referido dos quatro textos utilizados no bloco sobre ditadura militar três citam D.
Timóteo, sua atuação enquanto abade do Mosteiro de São Bento, o que demonstra sua importância e
atualidade.
O ensino da história contemporânea é disperso e muitas vezes não abrange acontecimentos como os
regimes autoritários da América Latina e a ditadura militar brasileira. O curso de ensino de história
promoveu o estímulo de professores a abordarem o tema em suas salas de aula. A participação e
aproximação de Dom Timóteo e do Mosteiro de São Bento durante a ditadura militar com a juventude
estudantil geralmente desperta curiosidades e interesse por parte dos alunos nas aulas de história.
2.1 A ORDEM DE SÃO BENTO, A FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO DE SALVADOR E O
COTIDIANO NA VIDA DE UM MONGE.
Vasculhando a documentação, procurei evidências da vida dos monges, suas atividades e deparei-me
com uma carta de Dom Timóteo intitulada “Os Monges: uma revisão necessária”, comenta:
Reservando-me a intervir nas discussões em torno de outros pontos daquela
penetrante análise, limito-me aqui a uma das deficiências que encontrei: a ausência
do monaquismo nas perspectivas do documento.
14
Longe de mim censurar os autores por isto. Compete aos monges reivindicar a sua
presença própria no quadro geral da vida religiosa. É o que pretendo fazer, na
esperança de que o venerável princípio da vida monástica na Igreja possa exprimir-se
em formas institucionais modernas, capazes de ajudar a autenticidade dessa forma de
vida e a conversão dos monges. 21
O religioso trouxe reflexões em sua resposta ao documento “O temário da Assembléia Geral de
1968” escrito pela Comissão de Religiosos do Brasil à respeito da vida monástica, usando o termo
“monaquismo”, que de imediato remete à ideia de isolamento e de alheamento do mundo descrita nos
dicionários.Segundo nossa interpretação em sua essência, o “monaquismo” é um sistema de vida, de
consagração à causa divina, que tenta chegar a Deus através do recolhimento e uma vida de dedicação e
interiorização visando à perfeição. Esse estilo de vida pressupõe o cumprimento das normas estabelecidas
em uma Regra, pautada nos conceitos de castidade, pobreza e obediência, como é o caso da regra beneditina.
Sobre os primórdios da Igreja, o livro de Atos dos Apóstolos, na Bíblia, consensualmente escrito
pelo apóstolo Lucas, relata que naquele tempo houve homens e mulheres, que pela prática dos conselhos
evangélicos procuraram seguir Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de maneira genuína,
consagrando, cada um a seu modo, a própria vida a Deus. Muitos deles, movidos pela espiritualidade,
levaram uma vida solitária, ou fundaram famílias religiosas, que mais tarde ficaram conhecidas como
Ordens religiosas porque ao longo do tempo a Igreja de boa vontade acolheu e as aprovou com a sua
autoridade.
No documento acima D. Timóteo convoca os monges a reivindicarem sua presença como categoria
de religiosos brasileiros e procede em duas linhas de análise: o monaquismo na Igreja rejuvenescida pelo
Concílio Vaticano II e o monaquismo de hoje na situação de “desenvolvimento”. Inicialmente descreve as
diferenças entre reforma e renovação e, em seguida faz “rápida fixação do sentido lingüístico”, considerando
que ambas as iniciativas necessitam de atualização (aggiornamento), expressão comumente utilizada pelos
religiosos e estudiosos católicos.
Para o Abade, a renovação, no entanto, se caracteriza por um retorno às fontes, reserva o Espírito em
tempos de outrora, o beneditino dá um exemplo: “a eliminação das ‘classes’ nos mosteiros é da ordem e não
das reformas, mas da renovação, pois vai buscar sua inspiração tanto no Evangelho primitivo e na inspiração
primitiva, como na experiência do homem de hoje.” 22. Os novos conceitos e práticas da vida religiosa
tornaram-se imprevisíveis através da eclesiologia consagrada após o Concílio Vaticano II tendo em vista a
renovação geral da Igreja, na qual os monges são reconhecidos pelo Concílio como espécie de vida religiosa
distinta.
21
Amoroso, Timóteo Anastácio. Os Monges: uma revisão necessária, p.1, s\d.
Amoroso, Timóteo Anastácio. Os Monges: uma revisão necessária, p.1.
22
15
Para compreender o cerne dessa discussão recorremos ao conceito de “vida contemplativa/vida ativa”
que muitas vezes foi e ainda é mal interpretado dentro e fora da Igreja porque está relacionado à herança
conceitual da Escolástica. Ao invés de provocar distinção especulativa (que tem suas origens na Idade
Média), o Concílio revelou o mal-entendido “vida contemplativa/vida ativa”, cujo conceito a ordem
monástica revitalizou já que foi reconhecida como “entidade de fato [...] pelo direito” 23
Ainda se compreende o monaquismo como um estilo de vida de fuga, cujo objetivo seria apenas de
contemplação e ascese, porém, é preciso considerar que quando os monges estão nesse mundo, atuam
socialmente e realizam contemplação divina no mesmo. O aparente reavivamento do monaquismo na Igreja
ocidental é fruto dos movimentos de renovação que tiveram tanto suas reivindicações atendidas, como
mudanças na liturgia, na Bíblia, na teologia, entre outras determinas pelo Concílio Vaticano II.
Consideramos que para Dom Timóteo o monge é um autêntico buscador de Deus, livre de amarras,
cuja vocação monástica é o comprometimento profético que ele estabelece com o divino. Contudo, esta
devoção intrínseca com Deus pressupõe que a sua libertação só poderá ser realizada através do serviço.
Nessa perspectiva, escreve:
Há várias maneiras de servir, e os monges já prestaram os serviços mais variados,
conforme os apelos. Sua vida é em si gratuita e “ineficaz”, mas, no entanto, é uma
vida que sempre se empenhou segundo urgências descobertas nas longas ruminações
da Palavra de Deus, que ilumina a história humana.
E este é um dos serviços capitais que o monge é chamado a prestar a um mundo em
desenvolvimento: ser uma personalidade autêntica que se exprime nos indivíduos e
em nível de comunidade, para oferecer ao homem moderno o exemplo significativo
duma vida plenamente humana, isto é, integralmente desenvolvida. 24
A vida contemplativa não impede o serviço, segundo Dom Timóteo, que ao longo dos séculos foi
sendo praticado conforme as necessidades humanas de suas distintas épocas. A vida em comunidade
desenvolve os serviços a partir dos apelos que a sociedade necessita, ainda que estas necessidades sejam
iluminadas através do estudo da palavra de Deus.
Segundo Dom Timóteo, após o Concílio, seus debates e suas resoluções, os mosteiros devem,
“reajustar a instituição monástica e a mentalidade dos monges a uma Igreja em renovação e a um mundo em
mudança e desenvolvimento: a dupla fidelidade à ‘volta às fontes’ e aos ‘sinais dos tempos’”. De onde
devem partir essas mudanças? De acordo o beneditino vem da vivência comunitária, da liturgia dos monges,
do regime econômico, da formação monástica, do modo de “presença ativa” da Igreja no mundo.
23
24
Idem, p.2.
Idem, p.3.
16
Percebemos que existe grande empenho nas atividades desenvolvidas pelos monges cujo objetivo é
retomar valores e concepções relacionadas à vida primitiva cristã, postas à prova por valores preconizados
pelas relações capitalistas; como esses valores são vivenciados pela ordem monástica? A este respeito é
importante ficar atento aos questionamentos expostos pelo abade e que nos sugerem formular indagações,
quais sejam:
Como desolidarizar efetivamente a instituição monástica dum sistema que se funda
no lucro e redunda infalivelmente na exploração do homem e na marginalização dos
pobres?
E a nossa liturgia? É ela o culto de uma assembléia de pessoas, realizando em
continuidade com a vida, na simplicidade e na paz contemplativa?
Que formas tomará a nossa necessária comunhão com um mundo em processo de
desenvolvimento? Individualmente, comunitariamente? Toda uma estratificada
conceituação em torno da separação do mundo está a exigir a crítica teológica, para
liberar e orientar a força da caridade e os carismas de serviço que, aliás, tiveram
expressões históricas inegáveis.25
A participação do monge e de sua comunidade é algo contraditório se pensarmos o mundo que
vivemos. Como se preocupar com a exploração do homem e a marginalização dos pobres, tais cuidados com
o outro só é possível através de práticas baseadas em fundamentos cristãos preconizados por evangélicos. A
comunhão, a relação íntima com Deus, alvo dos questionamentos do abade, se deve ser individual ou
coletiva da vida monástica que se realizada a partir da separação do mundo, necessita de análise teológica.
A vida em uma comunidade monástica sempre foi objeto de curiosidades e especulações. A própria
estrutura física do Mosteiro desperta interesse, a exemplo do Claustro que é a parte reservada a circulação
exclusiva de religiosos (as) ou pessoas do mesmo sexo. Outra parte que suscita imaginações são as
bibliotecas, porque sempre contêm obras especiais e raras, livros que geralmente não podem ser mais
manuseados. Mas, a estrutura monástica em sua hierarquia e em suas construções é mais simples do que
parecem e todo mito e curiosidade são muitas vezes oriundos de livros e filmes.
Segundo o livro 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia 26, a localização do Mosteiro de São
Bento é situada próximo à Praça Castro Alves na então avenida sete de setembro, o antigo “caminho da Vila
Velha”. Seu terreno outrora pertenceu aos jesuítas, fruto da doação da oca principal da aldeia do cacique
25
Idem.
Rocha, Dom Paulo. Amoroso, Dom Timóteo. Valladares , Clarival. Rego, Waldeloir. 400 anos do Mosteiro de São Bento da
Bahia. Salvador, IV centenário do Mosteiro de São Bento da Bahia, 1982.
26
17
Ipiru (ou Tubarão), convertido ao cristianismo na missão empreendida pelos padres jesuítas, que
desembarcaram na Bahia em 29 de março de 1549, juntamente com o primeiro governador geral, Tomé de
Souza, para que ali fosse construída uma capela ao mártir e padroeiro da cidade São Sebastião. Em 1582, foi
fundada a suntuosa abadia ao lado da Igreja.
Segundo Dom Gregório Paixão no livro O Mosteiro de São Bento da Bahia 27 durante as primeiras
décadas da Bahia a prosperidade podia ser vista, contudo a estabilidade foi perdida quando à cidade de
Salvador foi invadida por holandeses, em 1624. A necessidade de citar este evento se deu porque durante o
ocorrido o Mosteiro de São Bento da Bahia foi invadido. Outra invasão ocorreu em 1968, desta vez por
patriotas, policiais que procuravam por estudantes que fugiam da repressão policial durante uma
manifestação.
2.2 DAS EXPERIÊNCIAS POLÍTICAS E RELIGIOSAS DE DOM TIMÓTEO AO CONVITE
PARA O ABACIADO EM SALVADOR
Em 12 de Julho de 1910 nasceu na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, região da Serra da
Mantiqueira, Luiz Antônio Amoroso Anastácio, filho de uma família de relevância na sociedade mineira.
Sua família fixou residência na pequena cidade de Rio de Pomba, nos na Zona da Mata a menos de cem
quilômetros de Juiz de Fora.
Segundo Everaldo de Jesus e Regina Bandeira nos primeiros anos de convivência familiar de Luiz
Amoroso, ele recebeu valores cristãos e humanistas. Embora, as famílias da época fossem nitidamente
patriarcais, foi através de sua mãe que lhe ensinou o domínio da literatura e da poesia, mesmo não tendo
frequentado a escola, recitava versos decorados mesmo com a idade avançada. Através dela veio suas
primeiras influências no campo da literatura e da religião. Sua infância além dos ares da belle époque foi
marcada pelos contos de fada dos irmãos Grimm.
Como narraram os jornalistas citados no parágrafo acima família Amoroso Lima era proprietária da
empresa Cometa, uma indústria no ramo de tecidos, financeiramente privilegiada. Seus pais, Regina
Monteiro Amoroso e Luiz Antônio Anastácio tiveram sete filhos, formavam uma família típica de classe
média alta, porém, de concepção ideologia vinculada à aristocrática rural e latifundiária. Durante sua vida
Luiz teve uma educação privilegiada foi alfabetizado por sua tia e madrinha Adélia Amoroso Lima. Na
27
OSB. Paixão, Dom Gregório (Org.). O Mosteiro de São Bento da Bahia. Versal Editores, 2011, 1ª edição.
18
cidade de Ubá uma cidade a cerca de 80 quilômetros da que residia, o curso de ginásio foi interrompido para
o primeiro chamado vocacional, manifesto no desejo de ser padre. Dos doze aos dezessete anos, realizou
estudos iniciais no Seminário Menor da Arquidiocese de Mariana, cidade próxima à Ouro Preto, uma das
Dioceses mais antigas do país.
No seminário de Mariana, sua rotina era de orações e estudos, foi nesse período que Luiz Antônio
iniciou sua paixão pela cultura clássica que perdurou por toda a vida, aprendeu latim e grego. No fim de sua
vida trabalhou fazendo traduções nesses idiomas definia-se um latinista. Mesmo com a influência familiar,
não se sentia pressionado a seguir a carreira religiosa, as experiências amorosas durante suas férias do
seminário juntamente com as inquietações próprias de um adolescente fizeram com que ele deixasse o
seminário como Dom Timóteo respondeu à diversas entrevistas que tratavam desses assuntos.
O gosto pelas letras culminou na continuidade de seus estudos concluiu o Curso Ginasial Clássico.
Em 1929 Luiz Antônio fez os exames preparatórios em Juiz de Fora e ingressou no ano seguinte no curso de
Direito em Belo Horizonte. Algo para poucos na época, pois o Brasil era um país de iletrados, e a chegada à
universidade era uma realidade distante para a maioria da população. Pode participar ativamente do
cotidiano universitário, experiência que o aproximou da juventude estudantil por onde desenvolveu cargos
eclesiásticos, principalmente em seu abaciado em Salvador.
No primeiro ano de faculdade, houve o despertar para a política, sua preocupação anterior era fazer
literatura, o cotidiano de sua época era cercado de serenatas e saraus literários. Na obra A noite dos coronéis:
entrevistas, Guido Guerra fez uma série de entrevistas, a obra foi publicada em 2005, já como Dom Timóteo
ele falou sobre os acontecimentos históricos durante sua estadia na universidade:
O interessante é que, quando eu estava terminando os exames preparatórios em Juiz
de Fora, isto é 1929, tinha sido lançada a campanha da Aliança Liberal que indicou
Getúlio Vargas à presidência da República contra Júlio Prestes, que era paulista
candidato do presidente Washington Luiz. O país atravessa um momento de grandes
tribunos populares como o gaúcho Neves de Fontoura, ex-presidente de Minas –
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, então pude assistir a grandes comícios e aí
minha vocação política aflorou, mas se manifestou mais nitidamente em 1930. A
Revolução de 30 foi liderada por Minas, secundada pelo Rio Grande do Sul e pela
Paraíba. Mataram João Pessoa. Então rompeu a Revolução. Eu cursava o primeiro
ano de Direito, me alistei. Eu tenho uma história do tipo de luta armada. 28
28
GUERRA, Guido. A noite dos coronéis: entrevistas/ Volume I - Salvador: Academia de letras da Bahia, Assembléia Legislativa do
estado da Bahia, 2005.
19
O jovem mineiro juntamente com alguns colegas universitários chegou à frente de combate,
enfrentou fogo cruzado eram carabinas e canhões que disparavam tiros na Serra da Mantiqueira. Em 24 de
outubro de 1930, Washington Luiz foi deposto, algumas guarnições permaneceram mobilizadas, contudo o
golpe foi instaurado. Luiz Antônio retornou à capital mineira onde continuou sua graduação em Direito, era
um universitário engajado, não há comprovações até então que ele participou de militância acadêmica.
Porém, não se desvencilhou dos assuntos políticos de seu tempo, e como católico praticante, certamente
participou das discussões da Juventude Católica e Universitária de seu tempo.
A geração do acadêmico de Direito era preparada para o exercício da política, raros eram os médicos
e engenheiros que se engajavam nesse meio. Em algum momento de sua formação Luiz Antônio transferiu
seu curso para Faculdade Nacional de Direito, a do Catete no Rio de Janeiro após trocar correspondência
com o primo Alceu Amoroso Lima, que o convidou para ser seu secretário e morar no Rio de Janeiro. Luiz
Antônio foi responsável por suas correspondências, acompanhava todas as conferências da época, seu primo,
juntamente com outras lideranças Católicas estavam organizando a Coligação Católica Brasileira.
Além da política certamente Luiz Antônio conheceu a boemia própria do seu tempo, participou
ativamente da efervescência cultural e política dos anos 1930. Em algumas entrevistas, já como religioso, ele
revelou que teve namoradas até que encontrou o grande amor de sua vida Jenny Hungria, no último ano de
faculdade. Concluiu o curso de Bacharel em Direito da Universidade do Rio de Janeiro em 8 de dezembro
de 1933. Nos anos em que morou no Rio de Janeiro freqüentou cursos no Instituto Católico do Rio de
Janeiro e também foi membro da Ação Católica, sinal de que não deixou suas matrizes religiosas.
Segundo Eduardo Tavares, que escreveu O milagre de D. Amoroso ou como D. Timóteo, abade do
Mosteiro de São Bento, venceu legiões de hereges, uma biografia sobre Dom Timóteo, os tempos de sua
mocidade demonstrava o desejo de se casar, foi esse o motivo da saída do Seminário de Mariana. A família
de Jenny Hungria era da cidade natal que ele adotou Rio Pomba, o que estreitou rapidamente os laços do
jovem casal. Em Julho de 1935 Luis Antônio se casou quando a moça tinha dezessete anos.
Interpretamos que o casal se tratava de dois jovens sonhadores, inseridos em um modelo familiar
para a época, um jovem de excelente instrução, com uma carreira no ramo do Direito pela frente, que
garantiria o sustento da família ao lado de sua senhora do lar, predestinada à maternidade. Já como monge,
Timóteo falava da experiência do amor em sua vida, o via como um dom, algo divino. Pela sua experiência
de vida pode dar conselhos a muitos casais durante sua vida religiosa.
Segundo os jornalistas Everaldo de Jesus e Regina Bandeira poucos meses após o casamento Jenny
Hungria foi acometida por tuberculose, uma doença praticamente incurável na época. O diagnóstico preciso
veio tarde uma tuberculose do tipo ganglionar, rara na época. Mesmo com tão pouca idade e com os esforços
20
de seu devotado esposo que fez todo o possível para que ela se recuperasse, aos vinte e um anos, a doença
foi mais forte e Jenny Hungria veio a óbito.
Segundo a biografia 29, Luiz Antônio retomou com mais afinco seu trabalho, voltou a advogar sentia se em paz, não sentia que tinha fracassado no seu papel de esposo, em alguns momentos da convalescência
de Jenny deixou de trabalhar totalmente para cuidar dela, certamente receberam suporte financeiro de suas
famílias abastadas num momento tão difícil. O jovem viúvo era cobiçado pelas moças no Rio de Janeiro pela
fama de bom marido que adquiriu.
Segundo nossa interpretação não se envolvia com outra mulher porque buscava um amor maior, um
amor que transcendesse e, por isso, foi a um retiro espiritual, na companhia de amigos, e de seu irmão
Vicente, o futuro Dom Tito que mudaria sua vida por inteiro. A ida de jovens a retiros espirituais é uma
prática bastante comum ainda nos dias de hoje, durante sua vida religiosa Dom Timóteo foi convidado a
falar diversas vezes para os jovens católicos de sua comunidade e de outras quando era convidado.
Sentiu seu coração tocado e resolveu se entregar novamente à vida religiosa. Em 31 de março de
1940 ingressou na Ordem no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, uma nova vida estava prestes a
surgir após cinco anos de formação no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro. Conforme o costume
religioso adotou o nome monástico Timóteo (Timo = Honra, Theos = Deus – Honra de Deus) e passou a se
chamar Timóteo Amoroso Anastácio. Em 1944 fez os votos e no decorrer desse tempo se especializou em
Liturgia, tendo em vista sua aproximação com a juventude, seus anseios e por estar aberto às novas
mudanças que se faziam necessárias no Catolicismo.
Suas experiências no Mosteiro lhe deram contato com os jovens que freqüentavam o Mosteiro foi
professor do Colégio de São Bento e do Noviciado. Pode se engajar mais no trabalho com o Noviciado
quando foi responsável por eles (cargo hierárquico no Mosteiro de Zelador) e pode exercitar a Liturgia
quando também tomou conta do coro. Em suas anotações, uma delas encontrava-se dispersa, não tem uma
data precisa, pude verificar a transcrição de uma de suas aulas que não explicita o público destinado, apenas
abordava sua intimidade com o divino. Suas palavras demonstram um Deus tão vivo e próximo não é de se
admirar sua proximidade com a entidade máxima de seu credo e a familiaridade, a intimidade de sua
vivência espiritual em suas aulas e conferências.
29
TAVARES, Eduardo Diogo. O milagre de D. Amoroso ou como D. Timóteo, abade do Mosteiro de São Bento, venceu legiões de
hereges, Salvador-Bahia, P&A Gráfica e Editora, 1995.
21
No principio havia familiaridade com Deus. No paraíso não havia Templo. O templo
era o paraíso, era cósmico. Deus falava com Adão quando passeava no Paraíso.
Oração é isto, Deus fala como amigo. Os patriarcas adoravam Deus ao ar livre. Nós
voltamos à familiaridade paradisíaca. Deus é conosco no Cristo, união realizada no
Sacrifício, que é a missa, Cristo presente nos seus membros. O templo é a Igreja, está
entregue à humanidade. Eu estarei convosco, no meio de vós. O Templo é a casa de
família, onde ela se reúne. São Paulo nos fala que nós não somos devedores à carne –
a nossa carne agora é templo de Deus. A misericórdia de Deus é recebida no meio do
seu Templo e o meio do Templo é o Altar, a missa. Então nós recebemos aquele
espírito de adoção que nós clamamos “Aba”, “Papai”. A alma adora pela palavra,
que é a forma da expressão da alma: pelos gestos que o corpo faz, às vezes quase que
ordenando a alma: eu já estou curvado, é hora de adorar. 30
Pode conhecer de perto as necessidades do seu Mosteiro quando realizou diferentes ofícios foi
encarregado da cozinha e da rouparia. Em 1962 tornou-se membro do Secretariado Regional da Conferência
Nacional dos Bispos dividiu essa atividade juntamente com o cargo de sub-prior até 1964. O último cargo
mencionado está abaixo somente do abade, contudo em momentos diversos um sub-prior pode assumir
“extra-oficialmente” as funções de abade como foi o caso de Dom Jerônimo de Sá Cavalcante que assumiu o
cargo de sub-prior, realizando as atividades do abade de Salvador Dom Plácido Staeb quando sua saúde já
estava bastante debilitada.
Setembro de 1965 assumiu do Sub-Secretariado Nacional de Liturgia da Conferência Nacional dos
Bispos, atividade que possibilitou aprendizado e convivências com religiosos e leigos que ansiavam que
fossem postas em prática as novas Resoluções do Concílio Ecumênico Vaticano II. Nesse mesmo ano teve
seu primeiro contato com a capital soteropolitana, seus religiosos e leigos quando ministrou conferência
sobre liturgia em Salvador. Acreditamos que a chegada de Dom Timóteo a esse cargo só foi possível porque
em 1963 o monge foi Professor de Liturgia no Instituto Superior de Pastoral Catequética – ISPAC, um órgão
nacional que fundou sua secção regional na Bahia em 1968.
2.3 AS EXPERIÊNCIAS DE DOM TIMÓTEO NO CENTRO DOM VITAL, NO CONSELHO
EPISCOPAL LATINO AMERICANO E NA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL
30
Amoroso. Dom Timóteo Anastácio. Texto Transcrito da Aula do dia 23-7-1950.
22
Segundo a Fundação Getúlio Vargas31 em 1922 o advogado católico Jackson de Figueiredo fundou o
Centro Dom Vital, instituição que estimulava a atuação de leigos e religiosos engajados no aprofundamento
da doutrina católica e com essa finalidade foi criada a revista A Ordem, para divulgação dos ideais da
Cristandade32. O Centro e a revista atuaram no combate do liberalismo e do comunismo. Em 1928, a
instituição carioca passou a ser dirigida pelo escritor católico Alceu de Amoroso Lima.
Segundo Eduardo Tavares neste período Luis Anastácio, o futuro Dom Timóteo, foi secretário de
Alceu Amoroso, no cargo ficou responsável por suas correspondências, acompanhava as conferências e
trabalhava juntamente com outras lideranças Católicas organizando a Coligação Católica Brasileira. O
futuro monge teve contribuições valiosas para sua formação, no período que trabalhou com de Alceu
Amoroso Lima quando dirigia o Centro Dom Vidal foi elementar. Foi nesse período que teve seu primeiro
contato com o movimento de ideias no mundo católico.
Em 1935, segundo a Fundação Getúlio Vargas sob a inspiração do Cardeal e Arcebispo do Rio de
Janeiro Sebastião Leme da Silveira Cintra, e sob a orientação atenta do papa Pio IX foram
institucionalizados oficialmente: a Ação Católica Brasileira a Liga Eleitoral Católica e os Cír culos
Operários. O objetivo da criação de tais organizações era reunir leigos cristãos, no caso da Ação Católica,
intelectuais renomados, dispostos a lutarem pelos ideais cristãos, a princípio, no sentido da “romanização”,
segundo os padrões da Ação Católica italiana, de cunho fundamentalmente anticomunista.
Segundo Everaldo de Jesus e Regina Bandeira em Por amor aos meus irmãos33, quando fundada
oficialmente a Ação Católica Brasileira foi dirigida por Alceu Amoroso Lima. Os temas discutidos na
instituição refletiam a inquietude dessa geração que se preocupava em buscar soluções imediatas tanto para
os problemas nacionais como para os conflitos pessoais que os afligiam, num mundo marcado pelo
confronto de diferentes concepções ideológicas. Com o curso dos acontecimentos, a ascensão do fascismo e
do nazismo a comunidade intelectual da Ação Católica passou por grandes mudanças, aproximou -se das
tendências de extrema direita o que provocou grandes divergências no seio da instituição. Em 1943 surgiu a
partir de grupo radical dissidente a “Tradição, Família e Propriedade (TFP)”, que passou a fazer oposição à
Ação Católica. No ano de 1947, quando o então Pe. Hélder Câmara foi nomeado assistente da Ação
Católica, uma nova fase de sua atuação e história foi traçada.
31
Disponível
em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/Constituicao1934/
acessado em outubro de 2012.
32
33
LigaEleitoralCatolica,
Qualidade do que é ser cristão; Comunidade de Cristãos.
Trabalho de conclusão de curso para a obtenção de Graduação de Bacharel em Jornalismo na UFBA, autoria de Everaldo de
Jesus e Regina Bandeira, Maio De 2002.
23
Segundo Eric Hosbawm os anos que sucederam a Segunda Guerra mundial foram acompanhados
com cautela. Alguns eventos buscaram amenizar a instabilidade que estava por vir com a Guerra Fria. A
criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em junho de 1945, a Carta das Nações Unidas em 1948,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1949 foram mecanismos e institucionais que pretendiam
conter essa instabilidade.
As décadas de 1950 e 1960 foram impulsionadas por uma força libertadora que se alastrou em um
movimento de norte-sul por todo o globo. A interpretação das notícias da época sugere que essas mudanças
ocorreram em todas as esferas, na política, nos hábitos na vida cotidiana, na cultura. A maioria das pessoas
aderia ao consumismo e um estilo de vida capitalista, a Guerra Fria pendia para os Estados Unidos geridos
pela ciência e descrença na fé cristã. A Igreja Católica resistiu ao longo de mais de um milênio com a sua
unidade, contudo ocorria um esvaziamento provocado pelo distanciamento entre a Igreja e os fiéis.
Segundo Antônio Montenegro 34 em paralelo a essas questões surgiram as Ligas Camponesas criadas
pelo Partido Comunista nos anos 1940. Nas décadas de 1950 e 1960, elas ganharam uma nova dinâmica,
devido a atuação que tiveram. A imprensa liberal, segmentos da sociedade civil e políticos conservadores
transformaram as Ligas Camponesas numa grande ameaça à ordem social e, sobretudo, à “paz agrária” dos
“latifúndios”. O nordeste passou a ser objeto de diversas reportagens da imprensa, nacional e int ernacional
ao longo de (1955-1964), período em que as Ligas Camponesas se transformaram em um amplo instrumento
de organização e luta dos trabalhadores interrompidas pelo golpe militar.
Segundo nossas interpretações das obras Do historiador e padre José Oscar Beozzo a Igreja Católica
caminhava para o seu segundo milênio de existência, o mundo exigiu reformas e mudanças na sua estrutura
devido aos eventos históricos e inovações tecnológicas e cientificas que mudaram a humanidade, sobretudo
no século XX. Com a profusão de religiões, seitas e denominações, a ausência de religiosidade e liturgia
adaptadas a tantas nações e culturas onde a Igreja Católica atuava, as mudanças eram urgentes tendo em
vista a perda considerável de fiéis ao longo dos tempos.
Segundo o religioso em diversas comunidades católicas no Brasil e no mundo ocorreu à busca de
soluções para tal problema através da renovação e avivamento espiritual. Em tempos de contemporaneidade,
a Igreja Católica, embora permanecesse unitária, encontrava-se desarticulada, algo que comprometia sua
estrutura porque as ações em prol de avivamento espiritual eram urgentes e o que havia eram ações isoladas.
Com esse intuito em 1951, D. Hélder Câmara encaminhou para monsenhor Giovanni Baptista
Montini, o futuro Papa Paulo VI, sub-secretário do Papa pio XII, a proposta de criação de uma Conferência
34
MONTENEGRO, Antonio Torres. “As Ligas Camponesas e a construção do golpe de 1964” Disponível em www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_pernambuco_02.pdf
24
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB devido a necessidade de articulação do episcopado brasileiro. Esse
período foi marcados por muitas viagens pelo interior do país ao lado de Dom Hélder Câmara, Dom
Timóteo pode vivenciar as realidades de diversas comunidades religiosas brasileiras
Segundo o historiador e padre José Oscar Beozzo em 1955 um novo salto para uma Igreja Católica
atuante foi dado com a criação do Conselho Episcopal Latino Americano - CELAM, órgão que passou a
promover a discussão de temas relevantes, o continente foi pioneiro em medidas integracionistas no mundo.
O órgão surgiu 1955 após o Congresso Eucarístico Nacional no Rio de Janeiro, lá se reuniram quase uma
centena de bispos brasileiros e latino-americanos, para discutirem os problemas religiosos de seus países. As
atividades pretendidas no encontro foram realizadas com êxito, após Conferências dos religiosos, estes
resolveram sugerir a Santa Sé a criação de um organismo inter-americano disposto a entrosar as atividades e
conferências desenvolvidas nas igrejas latino-americanas. Após sugestões, discussões e debates que duraram
cerca de dez dias os Bispos Latino-americanos sugeriram a formação do CELAM.
O Conselho Episcopal Latino Americano, órgão que possuí um representante de cada país, contando
em 1963 com dezessete representantes. “O CELAM, que é no momento o único Conselho Episcopal que
abrange um continente inteiro, representa cerca de 500 dioceses, - mais de 600 bispos residenciais ou
auxiliares e mais de 200 milhões de almas”. 35 A CNBB e o CELAM promoveram encontros de religiosos de
diversas nacionalidades, possibilitou trocas de experiências em diversos encontros na década de 1960. Dom
Timóteo assessorou Dom Hélder Câmara na CNBB, sobretudo, na área de liturgia.
2.4 OS ANSEIOS PELA MODERNIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA E O CONCÍLIO
ECUMÊNICO VATICANO II
O século XX foi um período de mudanças e avanços, com inúmeros encontros que debateram essas
temáticas, propostos em níveis regionais e internacionais no Brasil e na América Latina em especial o
Concílio Vaticano II (1962-1965). Este evento foi evidenciado devido as suas proporções e discussões. Ele é
35
Semana Católica, Salvador 21 de Abril de 1963.
25
considerado um marco nos novos rumos e ações que a Igreja Católica passou a adotar para leigos, sacerdotes
e as sociedades onde suas unidades estavam inseridas.
Em 1958 o Papa João XXIII anunciou o Concílio Vaticano II (1962-1965), um evento divisor de
águas no ostracismo que a Igreja se encontrava. O anúncio:
[...] provocou profundo entusiasmo em Dom Hélder Câmara, ascendendo em sua
mente, incontáveis sonhos e projetos acerca de uma igreja mais evangélica e
ecumênica, mais próxima dos pobres, empenhada no desenvolvimento dos povos e
na mútua compreensão, capaz de propiciar um diálogo entre o norte e o sul do
mundo, de colaborar na promoção da paz e da cooperação internacional,
interlocutora dos meios de comunicação social e da cultura moderna. 36
O historiador e padre José Oscar Beozzo é um dos maiores estudiosos e especialistas no Concílio
Vaticano II, principalmente sobre a atuação dos bispos brasileiros. No recorte do artigo acima citado ele
explica a atuação do Brasil no evento por intermédio de D. Hélder Câmara. Uma espécie de diário do
Concílio Vaticano II foi escrito pelo bispo que condensava mais de duzentas e noventa cartas que foram
enviadas a dois grupos de religiosos e colaboradores (as) do Rio de Janeiro e do Recife, um pequeno grupo
que ele chamava de “Família do São Joaquim” do qual D. Timóteo fazia parte e recebia as comunicações.
Certamente Dom Timóteo estava atento às resoluções do Concílio Vaticano II, muitas delas representavam
anseios dos religiosos brasileiros há mais de uma década.
Uma comitiva de bispos do Brasil foi enviada ao Concílio para representar o país, o evento teve
início em 1962. No decorrer do evento, D. Hélder destacou-se no cenário nacional, especialmente, por sua
atuação e busca pelo ecumenismo dentro do Concílio. Sua formação no seminário da Prainha em Fortaleza
permitiu grande contato e locução devido ao seu conhecimento do latim e do francês que facilitou seus
contatos com outros bispos conciliares e as mídias de comunicação de massa. A respeito de sua influência,
comenta-se:
Neste intercâmbio entre conferências episcopais, Dom Hélder carregava uma
preocupação mais entranhada, a de abrir espaço para um verdadeiro diálogo e
cooperação entre o norte o sul do mundo, entre desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Para isto, moveu céus e terras, primeiro para atrair os episcopados da África e da
Ásia e depois para conseguir espaços institucionais para a temática do terceiro
mundo como no caso do seu apelo insistente ao Cardeal Suenens para que ajudasse a
36
BEOZZO,
José
Oscar.
Dom
Helder
Camara
e
o
Concílio Vaticano
II.
Disponível
em:
http://www.socialismo.org.br/portal/historia/149-artigo/375-dom-helder-camara-e-o-concilio-vaticano-ii Acessado em 18 de
Setembro de 2011.
26
patrocinar a criação, junto a Comissão de Assuntos Extraordinários do Concílio, de
um “Secretariado especial para as questões da Pobreza e do Terceiro Mundo”. 37
O Papa João XXIII sugeriu três temas para o Concílio Vaticano II: abertura da Igreja ao mundo
moderno, unidade dos cristãos e Igreja dos pobres. O papa os denominou como “pontos luminosos”. O
pontífice desejava, portanto, abrir a Igreja ao diálogo, promover o reavivamento da liturgia, chamava a
Igreja para responsabilidade de sua gestão com os bispos e não a visão imperativa do Papa. Ou seja, era
necessário adaptar a Igreja às novas necessidades do mundo. Afinado com essa perspectiva Dom Helder
Câmara declara,
Espero em Deus que se dê em todas religiões a renovação que se está operando no
Catolicismo do Vaticano II. De saída, há pelo menos desejo de imitar sempre mais o
Cristo na sua atitude de querer servir, ao invés de ser servido. A Igreja Católica está
no propósito de tornar-se servidora e pobre. 38
O corpo conciliar em geral foi mais sensível aos dois primeiros temas: a abertura da Igreja ao mundo
moderno e a unidade dos cristãos. A Igreja dos pobres foi o tema menos debatido; contudo ele foi
amplamente discutido nas Conferências Episcopais, onde seriam realizadas as adaptações das decisões
conciliares às realidades locais.
Em Pontos de articulação: as redes de relações
39
José Oscar Beozzo escreveu sobre o grupo de
bispos denominado de a Igreja dos Pobres. Os religiosos eram de nacionalidades diferentes, mas
constataram a mesma realidade: o distanciamento da Igreja dos marginalizados. No final do Concílio
Vaticano II, em uma celebração discreta na Catacumba de Santa Domitila, esses bispos selaram um
compromisso com a pobreza e o serviço aos menos amparados que ficou conhecido como Pacto das
Catacumbas 40.
O arcebispo de Olinda e Recife, D. Hélder Câmara foi paraninfo da turma de Jornalismo em 17 de
Dezembro de 196541, da Universidade Católica de Pernambuco, na ocasião discorreu duas horas de
improviso, sobre O papel da imprensa no Concílio Ecumênico. Dom Hélder Câmara apresentou aos
formandos o “Pacto das Catacumbas”, documento que consiste em treze pontos, firmado por bispos e
37
(Rascunho da carta ao arcebispo de Malinas-Bruxelas, Cardeal Leo Joseph Suenens, datado de 23 de novembro de 1962 e
anexado à sua Circular 39/62 de 19/20 novembro de 1962). Acesso em 18 de Setembro de 2011.
38
CÂMARA, Hélder Pessoa. Cristianismo, comunismo e democracia. In. Revolução dentro da Paz p. 69.
39
BEOZZO, José Oscar. “Pontos de articulação: as redes de relações”. In: A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965.
São Paulo: Paulinas, 2005, p. 191.
40
Idem, pg. 191;
41
Jornal da Bahia, 17 de Dezembro de 1965;
27
cardeais no final do Concílio, sobre a renúncia de todos os bens materiais, conforme noticiou o Jornal da
Bahia,
- tendo aberto os olhos para as falhas de nossa vida de pobres segundo o Evangelho
1) Tentaremos viver segundo o modo ordinário de nosso Povo, no que concerne a
“habitação, alimentos, a meios de locomoção”... 2) Renunciamos para sempre à
aparência e a realidade da riqueza especialmente: - nas vestes (tecidos ricos, cores
vistosas)... -nas insígnias em matéria preciosa... 3) Não possuiremos em nosso
próprio nome, nem imóveis, nem móveis, nem contas em Banco. Se for preciso
possuir, poremos tudo em nome da Diocese ou de Obras sociais e caritativas... 4)
Confiaremos, sempre que possível, a gestão de nossa Diocese a um Comitê de leigos
competentes e conscientes de seu papel apostólico, de modo a podermos ser menos
administradores do que Pastores... 5) Recusamos ser tratados oralmente (...) nomes e
títulos que traduzam grandeza e poder (ex. Eminência, Excelência, Monsenhor)
preferimos ser chamados pelo nome evangélico de Pai... 9) Conscientes das
exigências da justiça e da caridade, e de suas mútuas relações, tentaremos
transformar as obras de beneficência em obras sociais baseadas na caridade e na
justiça que pensem em todos e em todas as exigências, como um humilde serviço
doas organismos públicos competentes... 11)... - a requerer junto aos Organismos
Internacionais, em testemunho evangélico como o do Papa Paulo VI na ONU, a
adoção das estruturas econômicas e culturais que, ao invés de fabricarem novas
nações Proletárias em mundo sempre mais rico, permitam às massas pobres sair da
miséria.42
O Concílio Vaticano II foi concluído em 5 de dezembro de 1965, dois dias após o maior evento
católico do século XX, a Constituição pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja e o Mundo de hoje,
publicou uma carta a fim de promover o diálogo da Igreja Católica com o mundo moderno, o documento
pastoral analisa o perfil da presença da Igreja no mundo de hoje, (aggiornamento), no qual a Igreja acena
estar disposta e a se comprometer ficar e se manter à “serviço” da humanidade.
O tema desigualdade entre nações pobres e ricas foi recorrente, contudo a conscientização sobre as
mazelas causadas em face desse problema cresceu vertiginosamente. A fome, a miséria, as doenças
endêmicas, a ignorância, a violência, a falta do justo acesso aos próprios recursos, ocasionou a disparidade
entre riqueza e pobreza e a dependência das nações pobres diante das ricas. Em março de 1967, o Papa
Paulo VI publicou a Populorum Progressio (PP) carta encíclica que abordou o desenvolvimento dos povos.
O Concílio Ecumênico Vaticano II foi um divisor de águas no Catolicismo. Os problemas
enfrentados pela Igreja eram imensos, a diminuição das vocações religiosas e a falta de adaptação da liturgia
são alguns exemplos. Embora, os países da América Latina, especialmente o Brasil se articulassem bastante
42
Idem
28
era necessário aprovações da alta cúpula da Igreja para validar as modificações propostas por estes
religiosos.
Dom Timóteo foi atuante na CNBB durante este período, recebia as pautas das discussões propostas
no Concílio Vaticano II através de Dom Hélder Câmara. As interpretações das resoluções do evento, bem
como suas determinações foram postas em prática no abaciado de Dom Timóteo de imediato, daí verifica-se
a contribuição e importância do principal evento católico do século XX.
2.5 O TRABALHO PASTORAL DE DOM TIMÓTEO JUNTO A DOM HÉLDER CÂMARA
Durante a pesquisa identificamos que, em diferentes entrevistas concedidas a jornalistas em períodos
distintos, Dom Timóteo relatou ter trabalhado com Dom Hélder Câmara o religioso contou que viajou pelo
país, contudo até o momento não foram encontrados documentos comprobatórios. Essa afirmação não quer
dizer que não existem tais documentos. No início dos anos 1950, D. Hélder Câmara convidou D. Timóteo
para ser seu auxiliar. A formação religiosa do beneditino foi acrescida de elementos liberais e humanitários
voltados para os mais humildes. A convivência e trabalho ao lado de D. Hélder Câmara influenciaram
profundamente D. Timóteo, como afirmou: “Isso pra mim foi capital, pois o contato com Dom Hélder
Câmara e suas ideias políticas e sociais me transformaram muito do ponto de vista político e social”. 43
D. Hélder foi um sacerdote nordestino, que conhecia as carências do seu povo, “... pregava uma
igreja simples voltada para os pobres e a não-violência, por sua atuação, recebeu diversos prêmios nacionais
e internacionais e foi indicado quatro vezes para o prêmio Nobel da Paz”.44 O religioso conviveu com
equipes de leigos numa verdadeira cruzada humanista pelo país ao lado de D. Hélder a fim de reorganizar a
Igreja no Brasil é nesse período que surge a Conferência Nacional dos Bispos - CNBB. Não houve um
doutrinamento por parte de D. Hélder, sua maneira de ver os problemas políticos é que fizeram a diferença:
A gente descobriu a dimensão coletiva da caridade, quer dizer do amor, do amor não
apenas como transpessoal, mas também transpolítico, se assim pode se dizer. Não
43
OLIVEIRA, Fabiano. Dom Timóteo: a força de um abade amoroso. Salvador: Assembléia Legislativa do estado da Bahia (coleção
Gente da Bahia), 2009, p. 121.
44
Idem, p. 120.
29
uma politização da fé, não se procurar uma nova tutela clerical da sociedade sendo
esquerdista, mas é sentir a ignomínia da injustiça que está encravada nas estruturas
da sociedade. Quer dizer, é como se o egoísmo humano e a exploração do homem se
tornassem estrutura, se fizessem instituição. 45
D. Timóteo apresentou suas ideias e seus ideais ao assumir a direção do Mosteiro de imediato,
pautado no evangelho mais próximo da sociedade e suas carências fruto das discussões e normas aprovadas
no Concílio Vaticano II, como a adaptação da Igreja às realidades locais.
Em Medellín ocorreu um novo encontro católico que buscava propostas práticas aos
questionamentos levantados no Concílio. A opção pelos pobres foi real para os religiosos que em sua
maioria viveram na prática as realidades do seu povo em Igreja e opção pelos pobres, Dom Samuel Ruiz
Garcia aponta a necessidade de uma formação religiosa mais voltada para este propósito, e traça uma relação
entre essa prática e o principal objetivo da Igreja Católica, a evangelização:
Se isto é verdade, anunciar o Reino significa antes de tudo anunciar o que Deus fez
num grupo humano, e não chegar eu como primeiro missionário para anunciar Deus
que eu conheci de minha experiência cristã. E isto não como método pedagógico
para conduzi-los ao evangelho, mas como conteúdo do próprio anúncio, como parte
do anúncio evangelizador. 46
Os encontros em Medelín representaram para a América Latina o que o Concílio Vaticano II foi para
a Igreja em âmbito global. Algumas das discussões em Medelín foram pautadas na definição mais clara da
doutrina social da Igreja, na liturgia adaptada às realidades locais com rituais mais simples e acessíveis ao
povo, a aproximação com outras Igrejas e denominações cristãs.
Na América Latina, a II Conferência Episcopal Latino-Americana, realizada em Medellín, na
Colômbia, no ano de 1968, teve esse objetivo. A Igreja Católica então se afirmou como: pobre, missionária e
pascal. Ali foi declarado que a Igreja, para ser considerada como sacramento de salvação, precisava desligarse do poder temporal e comprometer-se com a pobreza e com a libertação de todos os homens. Os cristãos
deveriam ser solidários com os pobres, identificar seus problemas, suas identidades e lutas. Não bastava,
porém, ter sensibilidade para reconhecer a situação da pobreza. Era preciso libertar, dar a própria vida, livrar
o homem de todo tipo de opressão, de tudo que o impedisse de viver em toda plenitude.
45
AMOROSO, D. Timóteo. Entrevista concedida a MENDES, S; SARNO, C; BARREIRO, JHB e FALCÓN, G.
Encarte especial da Revista História da Bahia - Nº 12, Março de 1989.
46
GARCIA, Samuel Ruiz. “Igreja e opção pelos pobres” In: Movimento Popular, política e religião. São Paulo: Loyola, 1985, p. 81.
30
No contexto, D. Samuel Ruiz Garcia pronuncia:
(...) De fato, as transformações históricas se realizam a partir das pressões sociais
que vêm dos oprimidos. Jesus tem razão quando anuncia sua boa nova aos pobres e
oprimidos do mundo e a partir de sua realidade impulsiona a transformação da
história.
E o que quer dizer optar pelo pobre neste contexto? Não que seja facultativo escolher
ou não o pobre como ponto de partida para minha ação. Não! Temos hoje que optar
pelo pobre porque historicamente estivemos ligados a uma classe social diferente! E
esta é uma necessidade, porque não poderemos mudar o mundo a partir das classes
superiores, uma vez que estas são as que exploram as inferiores e se beneficiam com
a manutenção da estrutura social injusta. 47
Após a Conferência de Medellín, a luta a favor dos menos favorecidos e da libertação das opressões
sociais e políticas ganhou força com a Teologia da Libertação, corrente teológica cristã que encontrou
terreno fecundo nos países subdesenvolvidos. Foi uma resposta de religiosos às discussões que vinham
sendo realizadas.
Os anos 1960 foram agitados por uma força libertadora que se alastrou mundialmente e em todas as
esferas, as formas de dominação tidas por opressivas foram combatidas. Com a Igreja Católica não foi
diferente, um novo contexto foi apresentado a uma igreja múltipla, universal. Em 2011 a Teologia da
Libertação completou quarenta anos. Segundo Leonardo Boff, 48
os jovens católicos, religiosos e teólogos trouxeram para dentro das Igrejas tais
anseios por libertação. (...) muitas Igrejas traduziram os apelos do Concilio Vaticano
II de abertura ao mundo, para o contexto latino-americano, como abertura para o
submundo e uma entrada no mundo dos pobres-oprimidos. Deste impulso, surgiram
figuras proféticas, nasceram as CEBs, as pastorais sociais e o engajamento direto de
grupos cristãos em movimentos políticos de libertação. 49
A importância da Conferência de Medellín e do Concílio é notória porque apresentaram antigas
reivindicações da juventude católica, parcela do catolicismo que enchia as missas do Mosteiro de São Bento
entre os anos de 1965 a 1968. A proximidade de Dom Timóteo de autoridades eclesiásticas permitiu que ele
47
Idem, p. 84/85.
Leonardo Boff faz parte dos primeiros teólogos que escreveram sobre a Teologia da Libertação. Passados quarenta anos após a
publicação de uma série de artigos na revista Grande Sinal, o autor continua a escrever livros sobre a corrente teológica de grande
notoriedade.
49
BOFF,
Leonardo.
Quarenta
anos
da
Teologia
da Libertação.
Disponível
em:
http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao. Acessado em 17 outubro de 2011.
48
31
dialogasse com elas e fez dele mediador entre sua comunidade em Salvador e as instâncias maiores da Igreja
Católica.
A Teologia da libertação que se consolidou na década de 1970 foi uma resposta direta a chamada à
Igreja a ser servidora e pobre. Em tempos tenebrosos que o Brasil passava, durante os anos mais repressores
da ditadura militar falar em libertação era um ultraje. Os trabalhos sociais desenvolvidos nesse período
realizados por beneditinos e jesuítas entre outras ordens religiosas foi bastante importante e atuante em
Salvador.
2.6 O PRIMEIRO CONTATO DE DOM TIMÓTEO COM SALVADOR E O CONVITE PARA O
ABACIADO
O cenário baiano que D. Plácido Staeb, e o Prior D. Jerônimo de Sá Cavalcante (que era quem de
fato estava à frente do Mosteiro de S. Bento em virtude do delicado estado de saúde do abade) se deparavam
em 1964 era de grande instabilidade. Em março, antes mesmo de ser deflagrada ditadura militar no Brasil
Dom Jerônimo foi submetido a interrogatório sigiloso, por ter idéias consideradas progressistas, além do
julgamento de suas aproximações com organizações da política estudantil de tendência esquerdista.
O Prior beneditino tinha a saúde fragilizada por conta da diabetes, mesmo com a doença seu trabalho
não fosse impedido baseado na Doutrina social da Igreja. Seu tempo era organizado distribuído por diversas
atividades: Pregação no Púlpito, confessionário, promoção de retiros espirituais. Sua aproximação com os
jovens tornou-se evidente porque trabalhou intensamente na Pastoral da Juventude e na Pastoral Familiar.
Com o agravamento do estado de saúde de Dom Plácido, os jovens católicos esperavam que Dom Jerônimo
fosse escolhido para ser abade.
Em 1965 Dom Timóteo foi Subsecretário do Secretariado Nacional de Liturgia da Conferência
Nacional dos Bispos, neste mesmo ano ministrou conferência em Salvador pelo ISPAC no Colégio Nossa
Senhora do Salete, este foi o primeiro contato com a capital soteropolitana e seus religiosos. Sua
aproximação com a capital baiana foi rápida, porém intensa. Sua visita se deu através da conferência
32
promovida pela Secretaria Regional do Nordeste III sob a liderança de Padre Ávila, de deveras importância
visto que foi o I Encontro Pastoral Litúrgico O Encontro foi encerrado em 20 de agosto de 1965 50 através de
uma Missa realizada à tarde por13 padres.
O intuito do I Encontro Pastoral Litúrgico foi de promover uma maior reflexão sobre a natureza da
liturgia, e a aplicação da reforma litúrgica aprovada pelo Concílio do Vaticano. O Encontro foi coordenado e
promovido por diversas lideranças que teve como diretor executivo Padre Luna, o professor do Instituto
Pastoral de Belo Horizonte padre Guido e Dom Timóteo, subsecretário do Movimento Litúrgico Nacional.
O evento contou com a presença de quase todas as dioceses do Nordeste, além da participação de
vários leigos e sacerdotes. Os organizadores do Encontro, ao final dos trabalhos, sentiram uma necessidade
maior de promover com mais afinco a evangelização, engajada através de uma motivação cristã inspirada na
prática sacramental, para que o homem pudesse entender com maior nitidez os ensinamentos bíblicos.
Dom Timóteo falou à reportagem do jornal “A Tarde” com o intuito de prestar maiores
esclarecimentos, devido a possibilidade de que a partir deste primeiro Encontro, sejam realizados encontros
anuais deste tipo, devido a grande aceitação, participação, enfim b o desejo despertado através dos trabalhos
transcorridos no evento
Com a saúde comprometida em 6 de agosto de 1965 Dom Plácido Staeb faleceu. Dom Timóteo se
encontrava em Brasília quando foi eleito 77º abade do Mosteiro de São Bento da Bahia, em 31 de agosto de
1965. O ano de 1965 foi emblemático porque neste ano D. Timóteo assumiu a direção do Mosteiro de São
Bento da Bahia, ano que foi encerrado o Concílio Vaticano II e que a ditadura militar completou seu
primeiro ano com a estabilização do regime.
50
Jornal A Tarde - padres encerram encontro. 20 de agosto de 1965- Missa de 13.
33
3 JUVENTUDE CATÓLICA, GOLPE MILITAR E AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM
SALVADOR (1964-1968)
Este capítulo aborda as mobilizações e arranjos da juventude católica de Salvador. O Mosteiro de
São Bento foi um espaço de acolhimento desses jovens. A proposta desse texto é o estudo da atuação de
grupos de jovens católicos que se reunião no Mosteiro de São Bento em Salvador do final dos anos 1960 até
1968, para tomar conhecimento e discutir os problemas sociais políticos culturais e religiosos enfrentados
por outros grupos sociais de Salvador. Formado em sua maioria por estudantes de escolas públicas como o
Colégio Central da Bahia e do Severino Vieira, bem como por estudantes de várias Faculdades da
Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica de Salvador.
As fontes utilizadas foram matérias de jornais, o dietário dos beneditinos, artigos e livros que estejam
relacionados ao tema entre os anos de 1960 e 1968. A abordagem é a interpretação de novas fontes como o
dietário, utilizado apenas na monografia Por amor aos meu irmãos: Dom Timóteo profeta da Bahia, escrita
pelos jornalistas Everaldo de Jesus e Regina pela Universidade Federal da Bahia.
Inicialmente as instituições de ensino brasileiras estiveram vinculadas às ordens religiosas mesmo
em instituições laicas sempre havia grupos católicos. O Colégio São Bento localizado dentro do Mosteiro
certamente participava de reuniões dos jovens freqüentadores dos espaços do Mosteiro. Supomos que
estudantes de outros colégios religiosos católicos como o Antônio Vieira, o Salete, os Maristas e as
Sacramentinas também freqüentavam o Mosteiro, não foi localizado nenhum documento que comprovasse a
estadia desses estudantes por lá. Pensar na Juventude Católica de um modo geral remete ao seu surgimento,
suas inquietações e modificações ao longo do tempo. O aparecimento de agremiações que reunissem esses
jovens ocorre no século XX.
Não há uma uniformidade nessa Juventude, contudo há valores e inquietações partilhadas por
gerações juvenis em todo o país. Basicamente ela se dividia em duas categorias de maior peso, os estudantes
secundaristas e os universitários. Não há um estudo aprofundado na Bahia sobre a reunião essa Juventude
enquanto “categoria”, tarefa difícil tamanha a pluralidade.
O conceito e o processo de organização da “Juventude Católica” surgiu como desdobramento da
“Ação Católica”, uma instituição criada pela Igreja Católica para atuar em diversos países da Europa antes
da Segunda Guerra, tomando como modelo de atuação a concepção de “ver, julgar e agir”. Durante as
décadas de 40 e 50 do século XX a “Ação Católica” ficou conhecida por estender sua atuação para diversos
seguimentos da Juventude que foi popularizada e se costuma dizer que ela criou o “A, E, I, O, U da
Juventude Católica”.
34
Grande parte da juventude católica brasileira das décadas de 50 e 60 se organizou através das
pastorais. Em dezembro de 2006, a jornalista do Correio da Bahia Ana Paula Ramos, escreveu sobre a
“verdadeira cartilha para alfabetizar os cristãos no caminho da fé”, seu texto sugere que a cartilha/ABC
produz uma sonoridade similar àquela na qual reverbera as siglas do AEIOU da juventude católica: a JAC
(Juventude Agrária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JIC (Juventude Independente
Católica), a JOC (Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica).
A obra Colégio Antônio Vieira: 1911-2011: vidas e histórias de uma missão jesuíta 51 expõe como
diversos intelectuais foram influências diretas no surgimento e manutenção no país no pensamento católico.
Em 1917 existia a antiga Congregação da Imaculada Conceição e São José para a Congregação Mariana
Acadêmica, foi rebatizada por Luiz Gonzaga Cabral, S.J., por influência de professores e alunos do colégio
em Salvador. Com o objetivo de reunir jovens das escolas superiores da Bahia em torno da doutrina cristã.
Essa congregação teve um papel significativo na sociedade baiana nos anos 20 e 30, agregando segmentos
de destaque na vida política, econômica e religiosa da cidade.
Segundo o historiador havia reuniões desses jovens fomentava o levantamento de ideias, discussões
de problemas. Quando católicos sentiam-se, convidados a se tornarem militantes religiosos. Com o prestígio
de que possuíam no campo da religiosidade, surgiram a Congregação Mariana Acadêmica, o Círculo
Católico de Estudos da Mocidade Acadêmica e a chamada Ação Católica, mais tarde chamada de Juventude
Universitária Católica (JUC).
Segundo Waldir Freitas a maioria desses jovens quando concluíam os estudos secundários nas
décadas de 20 e 30, uma pequena minoria ia para apenas três escolas superiores de formação profissional – a
Faculdade de Medicina, a de Direito e a chamada Escola Politécnica, esta formava engenheiros, e eram elas,
instituições particulares. O ingresso nessas escolas era possível somente aos rapazes de famílias
privilegiadas, com condições de arcar com as despesas dos cursos e seu sustento na cidade. Muitos desses
estudantes residiam em repúblicas ou pensionatos.
No período acima referido os estudantes universitários, na maioria, geralmente se dedicavam apenas
ao estudo, portanto, não precisavam trabalhar para viver, já que a educação era tratada pelas famílias
abastadas como um investimento futuro, por isso jovens universitários eram sustentados por seus familiares.
Houve diversas agremiações religiosas por todo o país na década de 20 nos mesmos moldes da Congregação
Mariana que promoviam discussões de cunho propriamente ideológico de cunho religioso, político e social.
51
OLIVEIRA. Waldir Freitas. Colégio Antônio Vieira: 1911-2011: vidas e histórias de uma missão jesuíta / Waldir Freitas Oliveira,
Edilece Souza Couto – Salvador, Edufba, 2011.
35
Considerando-se o perfil demográfico do Brasil entre os anos 1940 e 1960, as grandes cidades
tiveram mais a atuação da JEC e da JUC, visto que os maiores centros e eram complexos educacionais
localizados nos grandes centros urbanos. Segundo os jornalistas Everaldo de Jesus, Regina Bandeira e o
historiador Waldir Freitas diversos colégios católicos, quase todos tinham núcleos de JEC e até mesmo de
JUC, os ex-alunos secundaristas retornavam muitas vezes aos seus colégios de formação em algumas
atividades. Até mesmo nos colégios públicos tinham a JEC expressiva, em alguns casos havia grupos de JEC
em cada turno e coordenação própria em cada escola.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o processo de industrialização do país se expandiu
principalmente no entono de grandes áreas urbanas, portanto o alvo da JOC concentrava-se nas grandes
cidades. Não foram raras às vezes que a Juventude Católica representada por esses três grupos se uniu na
defesa de objetivos em comum, sobretudo, na luta por reformas pretendidas pelos governos da década de
1950 e 1960.
A Ação Católica Brasileira reuniu intelectuais católicos de prestígio dispostos a lutar pelas bases do
ideário cristão, ao lado de leigos cristãos. Devido ao avanço das ideias comunistas no país. A Liga Eleitoral
Católica e os Círculos Operários também gozavam da mesma função, essas duas últimas tinham como
prioridade afugentar o perigo comunista que rondava as classes trabalhistas. As agremiações foram se
popularizando ao longo da primeira metade do século XX. Os estudantes de ensino superior associaram-se
em níveis estaduais, no caso específico baiano, surgiu a Associação Universitária da Bahia (AUB),
organização de grande prestígio local, que iria, mais tarde, transformar-se na União dos Estudantes da Bahia
(UEB).
Em 1950, a Juventude Universitária Católica (JUC) passou a atuar com eficiência na luta em defesa
dos princípios católicos, sua politização cresceu nesse período. Seu principal objetivo era difundir os
ensinamentos da Igreja no meio universitário brasileiro, participou de modo decisivo nos processos eleitorais
para a escolha dos dirigentes das organizações estudantis, quer fossem a nível estadual ou com a escolha dos
diretores da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Segundo Waldir Freitas na obra mencionada aborda a América Latina e o Brasil quando fora m
visitados anos antes da eclosão da Segunda Guerra por Jacques Maritain um importante filósofo francês, e o
padre dominicano Louis Joseph Lebret, ambos foram pensadores católicos que influenciaram dirigentes
religiosos a favor uma Igreja mais participativa e atuante. O religioso dominicano foi fundador do
movimento “Economia e Humanismo”.
Nos anos 30, a Ação Católica Brasileira, continuou a demonstrar disposição para enfrentar o então
chamado “perigo comunista”. Anteriormente em 1928, o Centro Dom Vidal, instituição de grande atuação
36
no cenário político passou a ser dirigida pelo escritor católico Alceu de Amoroso Lima. O período foi de
grandes modificações, o mundo já havia assistido a ascensão do socialismo e a formação da URSS e a
primeira guerra mundial, outro grande evento foi a quebra da bolsa de Nova Iorque. Em 1937 houve a
extinção do Centro Dom Vidal, com a instalação no país do Estado Novo, o que enfraqueceu as atividades
da Ação Católica, contudo, não diminuiu o esforço dos que a integravam na busca de uma Igreja mais
próxima e atuante.
As discussões sobre uma nova teologia cristã vinham se desenvolvendo, à priori no sudeste e sul do
País, de modo mais preciso, nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Grande Guerra. O crescimento do
comunismo e consequentemente seu suposto ateísmo despertou tanto católicos como protestantes integrantes
de várias Igrejas contra essa corrente que se aproximava delas.
No Brasil, a luta em defesa do catolicismo adquiriu uma feição anticomunista, no entanto, vários
grupos católicos brasileiros se deslocaram, no curso dessa luta, como defensores de ideais socialistas, com
isso permitindo o surgimento, no país, de um “socialismo cristão”. A Igreja foi chamada a se engajar nas
discussões sobre os problemas sociais, reconhecia-se a necessidade de ação, de uma postura mais vigorosa
dos que a integravam no processo de mudanças que estava a ocorrendo no Brasil e no mundo.
A abordagem da Juventude Católica Brasileira, seus anseios e sua organização esclarecem suas
posturas e tomada de consciência. A Juventude Estudantil e Universitária Católica tiveram destaque em
momentos importantes na história do estado e do país. Pensar na Juventude Católica Brasileira de imediato
remete ao seu surgimento, suas inquietações e modificações ao longo do tempo.
3.1 A JUVENTUDE CATÓLICA SOTEROPOLITANA
A presença mais notável do Mosteiro de São Bento da Bahia no seio da Juventude católica era a do
Prior Dom Jerônimo que retornou à Salvador em 1964 após anos de estudos fora do país, atuou
especialmente na JUC, JEC E JOC e Ação Católica. Seu trabalho não ficou restrito a diocese baiana, atendeu
a outros estados: Pernambuco, Rio de Janeiro, Sergipe, Ceará e Rio Grande do Norte. O Prior foi convidado
a falar em muitos lugares sobre Liturgia, questões sociais em palestras e retiros espirituais.
É importante salientar que o monge beneditino exerceu a profissão jornalista desde 1941, tido por
muitos como progressista, por escrever sobre os temas atuais e muitas vezes polêmicos, colaborou com
diversos jornais a pedido de autoridades civis e eclesiásticas, escreveu mais de dois mil artigos aqui na
37
Bahia, sempre escrevia crônicas e artigos no Jornal da Bahia, jornal suspeito de ser comunista por
autoridades militares e eclesiásticas. Estas informações estão contidas no dietário do Mosteiro de São Bento.
Em março 1964, antes mesmo de ser deflagrada ditadura militar no Brasil foi submetido a
interrogatório sigiloso, o dietário não fornece por quem ou que instituição promoveu a ação. Contudo obteve
permissão do abade Dom Plácido Staeb de ser colaborador no Jornal da Bahia, foi rotulado também de
comunista, provavelmente por opositores do jornal por esta razão foi convidado por autoridades eclesiásticas
a se afastar do jornal e do mosteiro baiano não é sabido se os monges o achavam comunista, se o faziam não
era exposto publicamente ou dentro da comunidade beneditina.
O pedido de afastamento de Dom Jerônimo não foi acatado por Dom Plácido, abade, nesse período
ele recebeu uma carta de “Ordem Superior” a qual se manifestou: “Somente os ressentimentos desses irmãos
no sacerdócio podem enxergar nas minhas palavras alguma formulação errônea que eles propositadamente
amputam do seu contexto.”
52
Diante de tais acusações Dom Jerônimo também se manifestou sobre a
acusação de sua aproximação com o Comunismo:
Para mim, esta denúncia contra minha pessoa nada mais é senão, o desejo de me
calarem e a muitos outros que lutam por um cristianismo autêntico e sadio.
Vejo nesta luta de hoje uma repetição daquilo que há anos atrás sofremos no que
dizia a respeito do movimento litúrgico. Quem discute mais hoje a legitimidade da
missa dialogada, do parâmetro amplo, do altar “versus populorum”, da língua
vernácula, etc? V. Revmª. sabe que os “hereges” de ontem do movimento litúrgico
têm hoje suas idéias aprovadas e difundidas pela própria Santa Sé” 53.
O dietário é uma fonte importante, sua função é trazer informações sobre a vida dos monges que
viveram no Mosteiro de São Bento e que lá faleceram. Ele é lido diariamente durante o almoço ou o jantar,
não tenho certeza de qual das duas refeições. O dietário é composto por fatos e eventos memoráveis do
monge que faleceu na data que está sendo lido. É um livro escrito para uso dos monges. O trabalho realizado
por Alicia Duhá Lose foi muito importante, visto que os dietários que não são ferramentas de algumas
ordens religiosas como os jesuítas normalmente não são publicados. Tive a oportunidade de trabalhar em um
dietário, o dos jesuítas, na ocasião foi feito o levantamento histórico das atividades e colaborações do Padre
Sanches que tinha falecido.
As lutas pela atualização da missa eram antigas, chamadas de movimento litúrgico que mobilizou
padres por todo país. A principal reivindicação era que as missas fossem dialogadas em língua vernácula. A
52
TELLES, Célia Marques. Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia. Edição diplomática. Colaboração de Alicia Duhá Lose
[et al.]. Salvador: Edufba, 2009.
53
Idem.
38
Igreja Católica promoveu o Concílio Ecumênico Vaticano II entre 1962 e 1965, suas ações contemplou as
velhas reivindicações de religiosos de todo o mundo. Suas resoluções não tiveram precedentes porque
provavelmente a Igreja resolveu adotar ações como a adoção do idioma local nas missas em todos os lugares
onde atua e ao mesmo tempo.
O apostolado leigo ganhou bastante espaço após o Concílio. Os apelos de renovação da Igreja e sua
inserção na contemporaneidade ocorreram rapidamente, embora tivesse demorado muito de acontecer. A
proximidade com a juventude, o estímulo, o sacerdócio e as atividades que os incluíssem no contexto das
igrejas foi contemplado nas resoluções e debates no evento. A proximidade dos jovens soteropolitanos com
o Mosteiro levou a criação da Missa da Juventude que era celebrada aos domingos às 18 horas e tinha
grande participação desse grupo. Em 1964, Dom Bernardo Lucas fundou o Coral da Juventude que exerce
suas atividades até hoje. A juventude católica tinha como espaço para o diálogo o Mosteiro de São Bento, lá
suas ideias e inquietações polêmicas ou não circulavam e alimentavam permanentes debates.
A cronista Yvette Amaral do Jornal Semana Católica, ficou conhecida na década de 60 e 70 por
abordar temas atuais de sua época. A coluna era popular devido à linguagem utilizada por ela, sua escrita era
clara, sem palavras rebuscadas e por isso deveria influenciar os leitores. A coluna não tinha um título
definido porque ela escrevia sobre diversos temas.
Em 1971, Yvette Amaral escreveu sobre a apresentação do Coral da Juventude em homenagem ao
arcebispo Dom Avelar, coral que ela acompanhava notícias desde a sua criação. Na crônica 54 ela transcende
o espaço juvenil do Coral, e a partir de todas as angustias e inquietações próprias dessa faixa etária, ela
escreve como a juventude tem que cantar, porque longe de ser uma ação alienadora, o canto acalenta a dor
do outro.
O canto não é uma alienação, é um testemunho. Não é uma acomodação, é uma
participação. Cantar não significa ser indiferente à dor do outro, mas oferecer a quem
sofre um pouco de alegria e esperança. (...)
Esta geração de transição que os despede de um ciclo histórico, onde toda a atividade
trazia sempre o sinal do homem e caminha para a era que a “marca registrada” será a
carteira de identidade, precisa sentir-se responsável pela humanização de nossos dias
e do século XXI. E o canto é uma forma de humanização, problema que ao lado da
justiça e paz, também deve preocupar o jovem moderno. 55
54
A Semana Católica – 11/12 de janeiro de 1971 - Dom Jerônimo uma personalidade.
55
A Semana Católica -13 e 14 de junho de 1971 – Canto da Juventude.
39
Em entrevista concedida em setembro de 2001 aos jornalistas Everaldo de Jesus e Regina Bandeira
em sua monografia na Universidade Federal da Bahia o então Professor Doutor Antônio Francisco Saja
contou sobre a sua história com o Mosteiro de São Bento da Bahia, mas precisamente sobre sua
aproximação com Dom Timóteo e suas vivências na juventude. Ao longo da entrevista, nem sei se deve ser
considerada uma entrevista, porque ela se enquadra como um depoimento, pois não uma série de perguntas,
por isso deve ser visto como um depoimento.
Segundo o depoimento seu contato com o Mosteiro de São Bento começou na década de 70, quando
era um jovem de 16 ou 17 anos, pois fazia parte da juventude católica que tinha o costume de se reunir no
Mosteiro. Na época Dom Timóteo já era uma “figura politicamente importante na Bahia” tendo em vista seu
engajamento na luta por justiça, na luta pela liberdade e uma notável sensibilidade pela juventude e seus
anseios.
Ao longo da fala do professor percebe-se a intimidade que foi sendo conquistada a cada ano de
convivência entre o Mosteiro, ele e o abade beneditino. ao conceder a entrevista o Professor Saja, se definiu
como um cristão católico que por conhecer bastante o beneditino diz: “Eu não consigo ver nada dessas
coisas que as pessoas costumam ver, ou dar importância a elas. As pessoas fazem uma análise de Dom
Timóteo fenomenológica, a partir do fenômeno. A minha experiência é mais ontológica. Vejo tudo como
ação de Deus.” Mais adiante ele afirma que “uma coisa é ver Dom Timóteo no extraordinário, outra é ver no
cotidiano”.
No depoimento Antônio Saja atentou para a figura de Dom Jerônimo, sobre o papel importante que
ele desenvolveu, ele considera que o trio de monges que tinha suas opiniões mais influentes e que
coincidentemente tinha mais contato com a juventude era: Dom Timóteo, Dom Jerônimo e Dom Bernardo
Lucas. Em entrevista concedida em fevereiro de 2002 aos mesmos jornalistas Carlos Sarno faz menção ao
mesmo trio de monges que segundo ele acompanhavam a evolução política do pessoal ligado à Igreja. Ao
logo da dissertação pudemos explicitar a importância de cada um dos três, através desse depoimento é
possível ver que se o abade tinha monges que não concordavam com suas posturas e ações, mas, havia
monges que o apoiava e permitiam que ele desenvolvesse seu trabalho.
40
3.2 O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964
No Brasil, o período pós-segunda guerra mundial foi de intensas modificações no cenário político. O
país teve os mandatos presidenciais de caráter populista de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek. O
último presidente dos anos 50 ficou conhecido pela sigla JK, deixou o país com sérios problemas oriundos
da chamada política desenvolvimentista. Segundo René Armand Dreifruss a inflação atingiu 25% ao ano e a
dívida externa era exorbitante, tendo em vista os gastos com a construção de Brasília, o final de seu mandato
ficou conhecido como política de adiamento de problemas. 56
Em outubro de 1960 foi eleito presidente Jânio Quadros entre as suas promessas de campanha
estavam: equilibrar as finanças públicas, acabar com a corrupção e diminuir a inflação. A constituição de
1946 possibilitava a escolha do presidente e vice separadamente, na ocasião foi eleito vice-presidente João
Goulart. A campanha de Jânio Quadros foi dirigida as massas, contudo seu governo foi marcado por atender
os interesses das camadas mais altas da sociedade. Segundo René Dreifruss havia bastante pressão popular,
sobretudo das classes trabalhadoras. “O movimento sindical havia se tornado, aos olhos da comunidade
empresarial, um fator de desorganização no momento da ascensão de Jânio Quadros à presidência, pois
certos sindicatos e líderes sindicais exigiam uma mudança social.” 57
A sindicalização no campo e na cidade ocorreu em períodos muitos diferentes, o incentivo a
formação de sindicatos urbanos com os moldes atuais ocorreram no Brasil na década de 30, já os sindicatos
rurais ocorreram nos meados da década de 50. O maior instrumento de mobilização trabalhista é a greve,
através dela as condições de trabalho e salários são questionados, é possível pressionar patrões e instituições
a acatar reivindicações dos trabalhadores.
A sindicalização rural foi difícil de ser iniciada devido a dispersão dos trabalhadores, a falta de
instrução também é um fator importante. O processo de sindicalização no campo se efetivou com a criação
das Ligas Camponesas que segundo Dreifruss ocorreu em duas fases e não devem ser confundidas as Ligas
Camponesas criadas na década de 40 e as Ligas camponesas da década de 50 mais tarde associadas à
Francisco Julião que foi criada em Galiléia no estado de Pernambuco que organizou plantadores e criadores
de gado do local. O nome desse movimento sindical continuou com a nomenclatura dada pelo Partido
56
DREIFRUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Estado. (Título Original: State,
class and the organic elite: the formation of an entrepreneurial order in Brazil (1961-1965)) – Editora Vozes - Petropólis – Rio de
Janeiro, 1981 – 3ª edição, p.37.
57
Idem, p. 129.
41
Comunista porque foi uma campanha incentivada pelos proprietários de terra “numa tentativa de confundi las com as extintas ligas de inspiração comunista”. 58
No setor econômico, Jânio foi conservador, implementou fielmente as medidas do Fundo Monetário
Internacional. Prosseguiu com medidas que provocaram descontentamento popular quando congelou
salários e restringiu o acesso a créditos. Com a intenção de acabar com a inflação além dessas medidas, ele
desvalorizou o Cruzeiro, moeda nacional corrente, em 100%, porém, nenhuma destas ações obteve êxito.
Na esfera política seu mandato foi considerado contraditório, pois se dizia combatente do
Comunismo, mas, em 1961 condecorou Ernesto “Che” Guevara, um dos líderes da Revolução Socialista
Cubana com a Medalha Cruzeiro do Sul, a mais importante condecoração brasileira. Após o desgaste com
seus aliados políticos e ter sido acusado por um dos seus maiores apoios políticos o jornalista Carlos
Lacerda de estar prestes a dar um possível golpe de Estado, Jânio Quadros renunciou a presidência em 25 de
agosto de 1961.
Como previa a constituição de 1946 o vice-presidente João Goulart tomaria posse de imediato,
contudo isto não aconteceu, pois além dele esta em visita oficial à China, os setores militares mais
conservadores não concordava com a posse. O impasse político-militar durou alguns dias, foi uma situação
bastante incomum João Goulart esperou a resolução da situação na capital uruguaia Montevidéu. A gestão
presidencial foi modificada pelo Congresso para que o presidente tomasse posse. O regime presidencial
passou a ser parlamentarista, parte dos poderes passou a ser delegado a Tancredo Neves que por decisão do
Congresso passou a ser primeiro-ministro.
Nesse ano, segundo Dreifruss ocorreu o Primeiro Congresso Nacional de Trabalhadores e
agricultores realizado em Belo Horizonte, milhares de pessoas e representantes sindicais estiveram presentes
na defesa por uma “reforma da terra”. “As demandas dos camponeses se estendiam desde a abolição do
cambão - a obrigação de trabalhar para o dono da propriedade por um número de dias por semana ou por
mês a um salário mais baixo que o normal – até melhorias salariais e exigências de serviços sociais e
utilidades públicas – escola, água, esgoto, habitação e estradas.”
59
A mobilização de trabalhadores teve rápido crescimento nesse período, mesmo em locais onde não
havia nenhuma organização. Segundo Dreifruss várias organizações foram criadas e algumas foram
reativadas dentre elas merecem destaque a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil criado
em 1957 pelo Partido Comunista e o Movimento dos Agricultores sem Terra que teve origem no Rio Grande
do Sul. “Com o intuito de combater a influência dos dois movimentos, a Igreja Católica passou a patrocinar
e organizar sindicatos rurais em oposição às ligas “atéias” em várias partes do Nordeste e Sul” 60
58
Idem, p.299.
Idem;
60
Idem.
59
42
Em 1962 o governo divulgou o Plano Trienal, elaborado pelo economista Celso Furtado um
programa que além de tentar diminuir a alta taxa inflacionária possuía uma série de reformas institucionais
que pretendia atuar sobre os problemas estruturais do país. O controle do déficit público era uma dessas
medidas e, a captação de recursos externos almejando a manutenção da política desenvolvimentista para a
realização das chamadas Reformas de Base. Esse pacote de medidas econômicas e sociais possuía caráter
nacionalista porque ocorreria uma maior intervenção do Estado na economia. O Plano Trienal não alcançou
seus objetivos, pois enfrentou dura oposição, o que acarretou na negociação de empréstimos do governo
brasileiro com o Fundo Monetário Internacional, o que gerou cortes mencionadas que provocaria o aumento
da intervenção estatal, fez com que os empresários intensificassem suas ações visando à criação de
organizações que defendessem seus interesses
Segundo René Dreifruss as reformas de base foram mencionadas pela primeira vez ainda no governo
de Juscelino Kubistchek, mas ficaram conhecidas somente no governo de João Goulart. Elas ficaram
conhecidas pelo seu caráter populista, sobretudo a agrária. O populismo atribuído a elas se dava porque eram
reivindicações populares antigas.
O significado das reformas econômicas, sociais e políticas empreendidas pelo bloco
de poder de João Goulart foi, primeiramente, indicar que o presidente e seu
executivo estavam, objetivamente, desvencilhando-se do passado populista que
reconciliara as várias frações das classes dominantes e manipulara as classes
trabalhadoras.61
A luta pela reforma agrária estava assentada sobre algumas bandeiras, uma delas pleiteava a
elaboração e a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural cujo objetivo era estender aos trabalhadores
rurais, ao homem do campo, aos principais direitos conquistados pelo trabalhador urbano; mas, o principal
objetivo desta reforma era a democratização o acesso a terra, que se viabilizaria através de um decreto que
previa a desapropriação das áreas rurais inexploradas ou devolutas situadas às margens dos eixos rodoviários
e ferroviários federais.
As reformas de base caso implementadas mudariam substancialmente o país. Os setores privados
estavam inquietos, principalmente os grandes proprietários de terra que se viam prejudicados com a reforma
agrária. A escalada da campanha contra o governo assumia o caráter anticomunista, para os setores privados
as reformas de base tinham essa característica.
61
DREIFRUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Estado. (Título Original: State,
class and the organic elite: the formation of an entrepreneurial order in Brazil (1961-1965)) – Editora Vozes - Petropólis – Rio
de Janeiro, 1981 – 3ª edição, p.135.
43
3.2.1 O golpe civil-militar de 1964 e a campanha anticomunista do clero baiano no cenário nacional
A insatisfação com o governo de João Goulart cresceu entre os participantes das classes abastadas, à
medida que acirraram os debates e as lutas de vários grupos da sociedade em favor das Reformas de Base.
Percebendo que estava perdendo espaço político nas relações com o poder do país, a um cenário
internacional marcado pela Guerra Fria, os grupos de maior poder aquisitivo tentavam construir na imprensa
nacional imagens que aproximavam as ações do governo ao do comunismo.
Além das classes médias e abastadas também interessava à Igreja Católica dar ênfase nessa imagem.
Assim, o arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, o Cardeal da Silva, amedrontado com a expansão dos
movimentos revolucionários na América Latina e preocupado com o avanço dos movimentos sociais e com
a crise pela qual passava o país escreveu uma carta no final de 1963 na qual alerta para o perigo do Brasil
fazer opção pelo comunismo. O documento repercutiu por toda a Bahia, pois o religioso ordenou que fosse
lido em todas as paróquias.
Antes de enfrentar essa discussão, através do recorte da carta abaixo é possível compreender como os
ânimos andavam exaltados e quais eram as perspectivas da Igreja para o ano de 1964. É necessário pontuar
que o comunismo combatido pelos religiosos, como o arcebispo Dom Augusto, era bem diferente do que os
militares utilizaram para justificar o golpe. O comunismo ligado ao ateísmo, a proibição de procissões de
rua, a favor do divórcio não é o comunismo ligado as relações de Produção que João Goulart pretendia
instaurar no Brasil.
E o Brasil?...
A ameaça que lhe fazem é tremenda; o perigo às portas, dir-se-á inevitável, iminente,
talvez. Assim se proclama largamente. Dizem vozes credenciadas que “há presença
de forças dirigidas pelo comunismo internacional nas altas funções administrativas
do País: que a marcha dos comunistas e socialistas em direção ao governo se
acelerou; que isso é fato consumado.
“Ateu e intrinsecamente mau” ele, o inimigo, fará do Brasil o que já tem feito das
outras nações, que conseguiu escravizar. 62
62
Idem, p.2.
44
A carta foi publicada no principal jornal católico baiano A Semana Católica, cujo acesso se deu
através livreto encontrado no Arquivo da Arquidiocese de Salvador, no Laboratório Reitor Eugênio Veiga
que se localiza na Universidade Católica do Salvador. A carta foi direcionada aos párocos, superiores de
ordens, sacerdotes, diocesanos, regulares e a todos os fiéis da Arquidiocese. Nela, o cardeal e possivelmente
o alto clero expressa o descontentamento com o governo que avaliam como retrógrado. Como podemos
observar em outra passagem da carta,
A ninguém, com efeito, será dado, já agora, desconhecer o desditoso e miserando
estado em que se nos apresenta o panorama econômico, político, social e até
religioso do Brasil.
Será que o tão decantado “País do futuro” estaria voltando à tanga dos seus primeiros
íncolas selvagens, e jaz jogado ao Léo, subdesenvolvido, estático, envilecido, à
margem da existência. 63
A denúncia é grave e clara, sem citar que escalões do governo e quais cargos administrativos
andavam de mãos dadas com o comunismo, quais eram as “forças dirigidas pelo comunismo internacional
nas altas funções administrativas do País”? A campanha contra o comunismo no meio católico foi bastante
antiga remonta ao meado da década de 40 com a criação da Ação Católica Brasileira. O retrocesso do Brasil
era esperado pelo religioso caso o país continuasse sendo governado por João Goulart, com palavras de
efeito o arcebispo desejava encorajar atitudes e tomadas de posição contrárias ao governo.
Se triunfar no Brasil, que fará de nós?
“Intrinsecamente mau”; assassinará sacerdotes, incendiará Igrejas, arrasará
conventos, violará religiosas, fuzilará lideres católicos, atacará famílias, confiscará
propriedades, ferirá, matará, martirizará com requintes de barbaridade e fereza
bestiais; renovará os “tiros na nuca”, as “lavagens do cérebro”, os “paredões” de
fuzilamento, os “campos de concentração”. 64
O histórico do comunismo na maioria dos países que se tornou regime oficial foi truculento, até para
se impor, utilizou como outros regimes a violência, promoveu grandes massacres, sobretudo aos seus
63
CARDEAL DA SILVA, D. Augusto. Carta pastoral do Arcebispo Metropolitano da Bahia sobre O Perigo do Comunismo na Hora
Presente – Bahia, 1º de dezembro de 1963.
64
Idem, p.3.
45
combatentes. Com o intuito de abolir qualquer aproximação dos cristãos católicos baianos com o
comunismo e aterrorizar o seu rebanho, o Arcebispo no decorrer da carta expõe com riqueza de detalhes o
que supostamente os comunistas fariam caso ascendessem ao poder. Segundo o religioso o comunismo era
uma ameaça real, sua implementação deveria ser combatida através de forte campanha que tinha como
estandarte o medo, transformado em plataforma política. O lugar de vitima da Igreja Católica foi construído
ao longo do tempo, era instrumento primordial no combate ao comunismo.
O cardeal usou seu poder de autoridade da Igreja Católica para chamar a atenção dos fiéis que
representa amplo contingente dos moradores de Salvador para no documento e conclamar a todos que têm
consciência da ameaça comunista para não se omitir, e mais do que isso considera tal ação como crime
nacional.
Com efeito, todos os meios de comunicação que manifestam consciência nacional: a
imprensa, o rádio, a televisão, o púlpito, a tribuna parlamentar, tudo, tudo, está
gritando ao céu o MEA CULPA dos crimes nacionais de há muito perpetrados.
(...) Não é certo que não faltou quem declarasse que “no momento preciso não ficará
ociosa, na bainha, a espada de um só soldado brasileiro?”
Não houve já quem garantisse que o seu “governo se opõe no presente como fez no
passado e fará no futuro, às atividades conspiratórias comunistas”. (1) Quem se
declarasse: “ter sido sempre e sempre será contra qualquer espécie de ditadura; que o
seu passado de soldado e cidadão responde por esta afirmativa”? 65
É sabido pelo religioso que havia movimentações contra as atividades conspiratórias comunistas. Na
citação do Cardeal fica claro que não havia o planejamento de uma ditadura militar como ocorreu nos meses
seguintes. Finalizando a carta o arcebispo chama o seu rebanho ao combate: “Meus caros filhos, a
possibilidade desta tormenta foi prevista e a hora da refrega vai chegando na doce calma da nossa confiança
em Deus. Ao ouvirmos o chamamento ao combate, façamo-nos presentes.”66
A carta é direta, se destinada não apenas ao meio católico, tendo em vista que os principais jornais de
Salvador possuíam colunas dedicadas aos fatos e acontecimentos na vida católica do estado, tal penetração
na imprensa demonstra a visibilidade e a força que a Igreja Católica possuía nos meios de comunicação da
Bahia. Depois de concluir a carta, há uma espécie de apêndice intitulado de Mandamento que se dedicada
precisamente aos fiéis e religiosos. Nele, o Arcebispo Primaz solicita aos católicos que ofereçam orações
durante todo o mês de dezembro “pela defesa do Brasil contra seus inimigos” e que este documento seja
65
66
Idem, p.5.
Idem, p.5.
46
“registrado no livro de Tombo das Paróquias, lido e explicado aos fiéis pelas curas de almas e demais
sacerdotes na ocasião das missas de preceito”. 67
O que era uma carta aparentemente destinada aos fiéis mais próximos e aos religiosos das paróquias
baianas, em seu último parágrafo ela expressa o valor de um documento que deve ser registrado, lido e
explicado. O aumento da divulgação da carta foi considerável quando ela foi lida por sacerdotes e leigos das
regiões mais remotas da arquidiocese que alcançou um número maior de fiéis, sobretudo, os analfabetos.
O período posterior ao da carta, 1964 foi emblemático, a crescente marcha conduzida pela Igreja
Católica em defesa da “Família com Deus e pela Liberdade” que culminou com o apoio ao Golpe CivilMilitar. Nesse movimento civil houve marchas por todo o país durante os meses de março e abril.
Inicialmente para demonstrar sua insatisfação com o governo e sua suposta aproximação com o comunismo
e posteriormente em apoio ao golpe.
Paralelo a estas questões a Igreja formulou uma das maiores contribuições do Concílio Vaticano II, a
Reforma Litúrgica. Sobre ela escreveu Dom Timóteo por ser uma autoridade no assunto ao jornal Semana
Católica:
Comecemos por notar, a propósito do “esquema”, (leia-se projeto) de liturgia, que
ele, em conjunto, visa uma reforma de cunho pastoral. Isto quer dizer que o seu
objetivo principal é estabelecer os meios de uma verdadeira participação do povo nos
atos do culto, numa presença ao mesmo tempo consciente e ativa. Que no culto o
padre e o povo não se adicionem como duas quantidades separadas, como disse PIO
XII, isto é, que não sejam como duas forças distintas, cada qual agindo em campo
diverso, mas sim como membros do mesmo organismo que age como um só ser
vivo.
Entre as aparentes inovações agora aprovadas três chamam a atenção: a comunhão
sob as duas espécies (pão e vinho), em certas ocasiões; a concelebração eucarística;
o uso, ao menos em parte, da língua local no culto. 68
Os comentários de Dom Timóteo indicam que apesar de a Igreja na Bahia assumir uma postura
conservadora, as recomendações do Concílio Vaticano II e a Reforma Litúrgica, apontavam em outra
direção: a missa teria uma mudança substancial, grande parte da celebração passaria a ser em português para
67
68
Idem, p.5.
Semana Católica. O que é reforma litúrgica? Dom Timóteo Amoroso Anastácio, OSB, 19 de janeiro de 1964.
47
contemplar a grande número de fiéis católicos que era de analfabetos. Os dados 69 do censo de 1960
coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística eram alarmantes, cerca de 39% da população
que tinha quinze anos ou mais eram analfabetos.
Ao longo do artigo Dom Timóteo afirmou: “O valor intrínseco da Liturgia e sua eficácia vem de ser
ela a própria oração e a própria ação da Igreja mesma. Em cada missa perdida nas solidões mais
inacessíveis, será sempre a presença total da obra redentora do Cristo que se renova no mundo”. 70 Em
tempos anteriores a reforma litúrgica a eficiência da missa era menor, visto que a relação entre ela e o fiel
era distante. À medida que ia sendo finalizado o Concílio Vaticano II novas resoluções a atualizavam.
Os jornais de 1964 noticiavam o que acontecia no Vaticano e no Brasil. O ano foi iniciado com a
intensa participação do presidente João Goulart em comícios e manifestações populares. Com o intuito de
fortalecer seu mandato que vinha sendo desgastado através da crise econômica e com a forte e crescente
oposição da alta cúpula militar, tendo em vista as insurgências ocorridas no ano anterior por parte de
militares de baixa patente.
A campanha anti-comunista também era realizada nas forças armadas. O apoio do governo a classes
baixas nas Forças Armadas precisava ser ampliado, todo e qualquer apoio do governo Goulart era visto
como aproximação com o comunismo. Afim de ter o apoio das massas realizou o comício mais importante
da época que ocorreu no dia 13 de março de 1964, em frente ao Edifício Central do Brasil no Rio de Janeiro,
que ficou conhecido como o Comício da Central.
O Comício realizado na capital fluminense teve a presença de 150 mil pessoas com a participação de
diversos sindicatos, ele foi registrado e transmitido por emissoras de televisão e de rádio, o que gerou grande
repercussão. O presidente considerou o evento como uma grande festa cívica em meio “a campanha de
terror ideológico e de sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste
memorável encontro entre povo e o seu Presidente”. 71
Buscando respaldo em grupos populares organizados Goulart falou sobre a importância das
Reformas de base, fruto dos anseios e reivindicações populares que se faziam necessárias e urgentes. Mas,
destacou que as Reformas, sobretudo a agrária, só poderiam ser concretizadas através de modificações
substanciais na Constituição do Brasil e, anunciou no comício que a vigência das Reformas de Base seriam
69
Dados obtidos através da Pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, disponível em:
http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7B3D805070-D9D0-42DC-97AC5524E567FC02%7D_MAPA%20DO%20ANALFABETISMO%20NO%20BRASIL.pdf, acessado em fevereiro de 2014.
70
A Semana Católica, 19 de janeiro de 1964. O que é reforma litúrgica? Dom Timóteo Amoroso Anastácio, OSB.
71
Comício da Central. Disponível em http://www.institutojoaogoulart.org.br/conteudo.php?id=31 acessado em 13 de janeiro de
2013.
48
implementadas em pouco tempo. A articulação dos setores mais conservadores foi rápida. Embora o
Comício da Central tivesse levado uma multidão, o governo via-se acuado. O discurso presidencial no Rio
virou o alvo da imprensa, certamente era comentado por todo o país. Tal repercussão não surtiu o efeito
esperado por João Goulart: o apoio expressivo das camadas populares.
Depois do comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o mês de março seguiu tumultuado por
insurgências militares de baixa patente que ocorriam desde 1963. Segundo o historiador Ricardo Mendes no
artigo “Marchando com a família, com Deus e pela liberdade – O "13 de Março" das direitas” 72 os setores
conservadores da sociedade civil mobilizaram-se em São Paulo através da “Marcha da Família com Deus
pela Liberdade”, que foi realizada no dia 19 de março com o objetivo de mobilizar a opinião pública contra
o governo de João Goulart. Nove dias depois ocorreu à revolta dos marinheiros e fuzileiros navais no Rio de
Janeiro que estiveram concentrados na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, o presidente recusou -se a punir
os insubmissos, o que provocou a indignação por parte dos oficiais da Marinha.
As tensões urbanas desse período foram crescentes, até que no dia 1º de abril de 1964 militares
apoiados por empresários, segmentos da classe média, a igreja e outras instituições, através de um golpe
civil-militar tomaram o poder político, atentou contra a democracia, promulgou emenda à constituição
nacional e, durante vinte e um anos, assumiu o poder político no Brasil.
De acordo com René Dreifruss,
“O fato da intervenção das Forças Armadas nas atividades do governo e não como
tomada política da máquina do Estado assinalava a extraordinária capacidade do
bloco multinacional e associado de articular frações e facções variadas acima de suas
diferenças específicas, bem como acima e além de sua própria compreensão do
processo.” 73
As instituições ligadas aos militares em grande parte pertenciam ao empresariado brasileiro e
estrangeiro, essa última composta de multinacionais. Esse grupo não era homogêneo com o fragmento cita
era composto por frações e facções, contudo havia o objetivo comum, a retirada de João Goulart do poder. A
relação entre os empresários e os militares não é clara, os acordos entre eles eram tácitos.
O apoio ao golpe militar ocorreu devido às supostas aproximações do governo de João Goulart com
o comunismo, quem respondeu de imediato foram os setores mais conservadores da Igreja Católica. As
72
MENDES, Ricardo. Artigo Marchando com a família, com Deus e pela liberdade – O "13 de Março" das direitas. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752005000100012, acessado em outubro de 2013.
73
DREIFRUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Estado. (Título Original: State,
class and the organic elite: the formation of an entrepreneurial order in Brazil (1961-1965)) –
Editora Vozes - Petrópolis – Rio de Janeiro, 1981 – 3ª edição, p.143.
49
Marchas da Família com Deus 74 foram manifestações que utilizaram todas as mídias em suas divulgações,
as famílias católicas marcharam em diversas capitais em defesa da sociedade cristã e seus alicerces: “Deus,
Pátria e Família”
75
. Uma das maiores manifestações ocorreu na Bahia com o apoio de diversos setores da
sociedade liderados pela Igreja Católica.
Poucos dias após o golpe, o cardeal dom Álvaro Augusto da Silva oficiava um Te
Deum e liderava uma “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, do terreiro
de Jesus até o Campo Grande, como agradecimento a Deus e aos comandantes
militares pela salvação do país da “ameaça comunista”. Tal ato contou com o apoio
ativo da deputada estadual Ana Oliveira, primeira mulher a presidir uma sessão da
Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, destacada arregimentadora do público
feminino para a oposição ao Governo Goulart e as reformas de base, denunciadora
das pretensas ações “dissolventes” e “subversivas” dos “comunistas” na vida social e
política baiana. 76
Após o golpe foram realizadas as primeiras operações contra os insurgentes do golpe civil-militar
com o ato Institucional nº1 em verdadeiras cassadas e prisões de líderes sindicais, políticos ligados ao
governo de João Goulart e frentes de resistência criadas no interior do país considerados pelo regime como
pessoas que atentavam contra a segurança nacional. Na imprensa houve uma série de pronunciamentos a
favor do golpe, um deles foi a carta do arcebispo da Bahia e primaz do Brasil Augusto da Silva:
É justo, é natural, é nobre, e santo agradecermos ao Senhor a vitória alcançada agora
definitivamente sobre o comunismo apátrida e ateu. (...)
Deus que inspirou ainda uma vez as gloriosas Forças Armadas do Brasil ouvirem e
realizarem os anseios da alma nacional, evidenciados por todos os órgãos de sua
representação oficial, civil e eclesiástica; ao longo dos quadrantes da grande Pátria;
Deus que ainda uma vez realizou no Brasil o milagre de preservar-lhe das tramas a
reação do comunismo internacional ateu e opressor, então dirigidas até pouco nas
altas esferas administrativas do País – a soberania da Nação e as liberdades todas as
pessoas.77
74
A TARDE, 13 de abril 1964 - Marcha da Família com Deus.
75
SIMÕES, Solange. Deus, Pátria e Família – As Mulheres no Golpe de 64. Petrópolis, Editora Vozes, 1985.
FERREIRA, Muniz Gonçalves. O Golpe de Estado de 1964 na Bahia. Clio, Revista de Pesquisa Histórica, nº22, 2003. Disponível
em http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_02.pdf Acesso em 5 de Julho de 2011.
76
77
Carta Aos meus diocesanos. Escrita por AUGUSTO, CARDEAL DA SILVA.
50
No trecho citado ficou evidente a postura adotada pela Igreja, o apoio imediato ao golpe, o nov o
panorama político foi visto como um milagre. O arcebispo evidenciou a aproximação “nas altas esferas
administrativas” com quem segundo o religioso o comunismo rondava o país. Como era tão certa e
definitiva a vitória na luta contra o comunismo? Até onde iam as aproximações da Igreja com o golpe?
As reformas que estavam em andamento preocupava muitos setores conservadores, essas reformas
foram interpretadas por muitos como aproximação com o comunismo. O apoio a antigas reivindicações
populares e sindicatos por parte do governo acirraram os ânimos dos anticomunistas. A Igreja Católica fazia
uma campanha contra o comunismo há muito tempo, suas aproximações na implementação do golpe-civil
militar não são claras, o que há de concreto é o seu apoio posterior.
Em 1964, a incerteza e a apreensão tomaram conta de todo o país, foram fechadas entidades
estudantis, sindicatos, redações de jornais, etc., muitos integrantes dessas organizações foram perseguidos e
presos pela chamada “operação limpeza”. As forças de oposição perderam, então, seus canais mais
expressivos de atuação. Por esta razão, um dos maiores alvos dos golpistas foi o Movimento Estudantil. No
meio religioso não foi diferente, não se sabia a dimensão do Golpe Civil-Militar. As lideranças católicas, até
mesmo monges e padres eram chamados a se posicionar diante da nova forma de governo.
Eu me lembro que em um dos primeiros momentos do golpe de 64, eu não estava
torcendo pelo golpe mas estava com medo da situação que o golpe pretendeu
corrigir, então havia uma certa conivência mais ou menos secreta com o golpe, eu
me lembro que eu era monge lá no Rio, ao lado da Ilha das Cobras, aquelas
movimentações de marinheiros revoltados me fazia um medo danado. Eu participei
do medo, o medo tem um papel enorme, o medo da guarda, das seguranças
próprias.78
O relato de Dom Timóteo representou o sentimento de muitos religiosos no país que relatou nessa
entrevista publicada pela Revista História da Bahia como era apreensivo o clima no Mosteiro do qual fazia
parte, de modo geral a comunidade monástica estava solidária com golpe, em grande medida por temer
como as coisas iriam ficar. O medo era evidente, o conteúdo dos sermões de Dom Timóteo no Rio de
Janeiro ainda não era conhecido, sabe-se, porém, que o religioso era mau visto pelas autoridades militares, o
que fazia do medo um sentimento cada vez mais presente. No ano seguinte quando surgiu o convite para o
abaciado, a oportunidade caiu como uma luva surgiu após uma viagem a Salvador quando participava de um
encontro sobre liturgia.
78
Encarte especial da Revista História da Bahia – Nº 12, Março de 1989. Depoimento concedido por Dom Timóteo a Sahada
Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro e Gustavo Falcón.
51
Embora o momento político demonstrasse que o rumo do país estaria melhor com os militares, o
apoio de Dom Timóteo ao golpe durou pouco tempo. O depoimento de Dom Timóteo concedido ao
jornalista Marcos Venâncio publicado em 18 de dezembro de 1990 pelo jornal A Tarde aborda questões
importantes no período anterior a sua chegada à Salvador. Dom Timóteo narrou ao jornalista sua primeira
ação em favor de opositores do golpe, visto que o fato ocorreu em 1964, quando ele era Capelão do mosteiro
das monjas beneditinas em Belo Horizonte.
Naquele ano foi lhe solicitado a custodia de uma militante comunista grávida, presa pelo DOPS, no
final da gravidez, ela falou para Dom Timóteo o desejo de não ter o filho na prisão pediu que o religioso a
ajudasse na fuga. Segundo os jornalistas, Dom Timóteo montou uma operação para retirá -la em segurança
do mosteiro. Segundo Marcos Venâncio, o então capelão, disse:
...me lembrei que eu tinha uma senhora, minha amiga, no Rio. Uma senhora rica,
muito boa e telefonei para ela vir à Belo Horizonte, de carro, porque eu tinha um
assunto muito importante. No dia seguinte, essa senhora, dona Vera, apareceu de
carro. 79.
Na operação montada, os três saíram de carro, no dia seguinte. Dom Timóteo na frente, Vera
dirigindo e a moça escondida no banco de trás. Passaram pelas barreiras policiais e conseguiram chegar ao
Rio de Janeiro. A jovem esteve segura quando chegou à embaixada do México encaminhada pelo deputado
Márcio Moreira Alves. Embora no relato não conste que data ocorreu à fuga da jovem só o fato de ser em
1964 configura algo perigoso porque tudo estava muito recente, o golpe estava realizando uma verdadeira
operação limpeza. Dom Timóteo naquela época eras um simples capelão não haveria muita dificuldade em
retirá-lo de circulação.
3.2.2 O tumultuado mês de agosto de 1968
O ano de 1968 foi palco de diversas manifestações no Brasil e no mundo. O ano começou mesmo a
partir de março com a morte do estudante secundarista Edson Luís que foi morto por policiais militares, na
invasão do Restaurante Calabouço no centro do Rio de Janeiro durante um protesto contra o aumento de
preços das refeições no restaurante. Segundo os policiais ocorreu a invasão porque acharam que o grupo de
estudantes pretendia invadir a embaixada dos Estados Unidos.
79
Idem, p. 71.
52
O mês seguinte foi marcado por dois acontecimentos: o assassinato do líder negro e prêmio Nobel da
Paz (1964), Martin Luther King e a greve dos metalúrgicos de Contagem, em Minas Gerais que durou 10
dias, por reajuste salarial. A morte do pastor e pacifista Luther King provocou conflitos raciais em 125
cidades, e a morte de 46 pessoas em Washington. No cenário nacional a greve mineira, a greve dos
metalúrgicos de Osasco, considerado por muitos o primeiro grande movimento de contestação de
trabalhadores ao regime militar depois de 1964.
O “ano que não terminou”, como nomeou Zuenir Ventura, 1968, foi repleto de manifestações
estudantis, iniciadas no mês de março com a morte do estudante carioca Edson Luis durante um protesto
contra o Fechamento do Restaurante Universitário no Rio de Janeiro. A resposta ao brutal assassinato veio
dias poucos dias após o acontecido, em proporções nacionais. Houve comoção na opinião pública e
passeatas de protesto em diversas cidades, no dia 30 deste mês o Diretório Central dos Estudantes da
Universidade Federal da Bahia e a União dos Estudantes da Bahia deflagraram greve geral de protesto
contra o assassinato do estudante. No mesmo dia houve uma concentração na Praça Castro Alves na qual
ocorreu uma passeata com bandeira de luto pelas principais ruas do centro da cidade.
Deste dia em diante até o mês de agosto de 1968, Salvador foi palco de inúmeros protestos, o
governo militar parecia ter iniciado uma escalada de combate violento às manifestações. O primeiro
indicativo disso foi o pronunciamento na TV do governador Luís Viana lamentando a morte do estudante
carioca e solicitando aos estudantes para não irem às ruas “perturbar a vida da cidade”.
Como tentativa do governo de esvaziar a reação estudantil foi o fechamento das escolas públicas.
Contudo houve mobilizações nas Faculdades da UFBA e passeata silenciosa rumo ao Restaurante
Universitário. Lá os estudantes aprovaram uma Missa de 7º dia pela memória de Edson Luís. O evento foi
celebrado no Mosteiro de São Bento, a cerimônia foi dirigida por D. Timóteo, a atividade contou com
centenas de participantes: estudantes, artistas, intelectuais e outros setores sociais. A composição da
multidão presente demonstra que o protesto não ficou restrito ao Movimento Estudantil – ME de Salvador.
Por diversos motivos, muito bem explicitados pelo historiador Antonio Maurício Freitas Brito em
Salvador em 1968: um breve repertório de lutas estudantis universitárias 80, de março a agosto de 1968 a
UFBA esteve em greve, o movimento estava bastante organizado com diversas comissões, com destaque
para a de comunicação, financeira e de segurança.
O mês de abril foi repleto de manifestações de rua protestando contra a morte do estudante
secundarista e melhorias na educação. O ilustre pensador católico Tristão de Athaíde fez uma série de textos
80
BRITO, Antonio Maurício Freitas. Salvador em 1968: um breve repertório de lutas estudantis universitárias. In: Ditadura Militar
na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. ZACHARIADHES, Grimaldo (Org.) – Volume I Salvador, Edufba, 2009.
53
publicados pelo Jornal da Bahia sobre os acontecimentos no cenário nacional entre os meses de abril e maio,
comentados pela crônica de Carlos Masagão no Jornal A Semana Católica cujo título era Juventude em luta:
Teme o ilustre pensador brasileiro que estes, como os operários, iniludíviemente
marginalizados pela Revolução, possam oferecer, em suas manifestações públicas de
protesto nesta quadra difícil que atravessamos, os “motivos” ou “excessos”
esperados por aqueles que não desejam outra coisa senão pretextos para intensificar
ainda mais a repressão policial, de que tivemos sobejas amostras, no mês de abril
último.81
Em maio de 1968 ocorreu uma greve geral na França. O evento adquiriu significado e proporções
revolucionárias, contudo não contou com o apoio do Partido Comunista Francês que foi suprimida pelo
governo. Havia a acusação de comunistas infiltrados com a finalidade de tramarem contra a República. O
movimento começou como uma série de greves estudantis que irromperam em algumas universidades e
escolas de ensino secundário em Paris, após confrontos com a administração e a polícia.
A tentativa do governo francês de acabar com as greves com aparato policial não foi efetiva
culminou em uma escalada do conflito que levou a greve geral de estudantes e trabalhadores que aderiram à
causa. As greves seguiram com ocupações de fábricas em toda a França, às quais aderiram dois terços dos
trabalhadores mobilizou cerca de dez milhões de pessoas.
No Brasil a onda de protestos francesa, e a morte do estudante secundarista Edson Luiz ocorrida três
meses antes acarretou no dia 26 de Junho em uma passeata que ficou conhecida como: Passeata dos 100 mil,
número estimado da quantidade de pessoas no evento, que foi realizado pelas ruas do centro do Rio de
Janeiro contra a violência do governo ditatorial, após o evento houve uma série de protestos por todo o país.
Em 17 de Julho a presidência regida determinou a proibição de manifestações a fim de conter a onda de
passeatas e manifestações. A CNBB se manifestou condenando o ato do governo neste ano, o arcebispo de
Olinda e Recife se manifestou:
Basta de querer tratar o Brasil como atingido de subdesenvolvimento intelectual.
Deixou de ter sentido a leviandade de chamar de subversivo e comunista quem tem
fome e sede de justiça e de paz; quem se recusa a reduzir o mundo a duas únicas
opções; capitalismo e comunismo, como se não abraçar o capitalismo, ou discordar
81
A Semana Católica- 19 de maio de 1968 - JUVENTUDE EM LUTA – Carlos Masagão.
54
dos Estados Unidos, fosse sinônimo de abraçar o comunismo e aderir à URSS ou à
China.82
O fragmento acima foi escrito por Dom Hélder Câmara quando ainda havia liberdade na imprensa. O
texto representa parte da Igreja Católica que era a favor de um cristianismo social, que promovesse ações a
favor da dignidade do homem, muitos desses religiosos gestaram a Teologia da Libertação. A revista Veja
em 2008 lançou uma reportagem 83 narrando acontecimentos e opiniões sobre o polêmico ano de 1968. Nela
constam o esfacelamento do movimento estudantil e a participação da Igreja nos eventos que estavam
ocorrendo na época.
Na esteira do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965 para aproximar a
Igreja Católica dos temas contemporâneos e modernizar a liturgia (daí aquele
violãozinho nas missas de hoje), uma parte dos padres latino-americanos começou a
disseminar a Teologia da Libertação – concepção que tentava enxertar o marxismo
em ensinamentos cristãos, sob o argumento da "opção preferencial pelos pobres".
Alguns desses padres, inclusive, apoiaram os grupos de luta armada que assolavam o
subcontinente. No Brasil, o dramaturgo Nelson Rodrigues deu-lhes o apelido de
"padres de passeata". 84
Em 1968, o golpe de 1964 completou quatro anos. Vivia-se uma ditadura, presidida por Costa e
Silva, neste ano setores que tinham apoiado o golpe acreditando que os militares voltariam aos quartéis
depois de destituir os civis e os supostos comunistas, já somavam forças junto à oposição, este é o caso de
diversos seguimentos católicos. De outro ângulo, a oposição ao regime esteve envolvida fomentando o
debate sobre as causas da derrota em 1964 e novas perspectivas de luta, a esquerda viveu um período intenso
de cisões, rachas e fusões.
O início de Agosto de 1968 seria marcado pelo retorno das aulas dos universitários da UFBA,
contudo novamente o Movimento Estudantil se manifestou diante da prisão de Wladimir Palmeira –
considerado o mais importante líder estudantil do ME carioca. Houve diversas manifestações nas capitais do
país. Em Salvador a mais violenta ocorreu no dia 6, o que deveriam ser manifestações estudantis, e a essa
altura dos acontecimentos de outras categorias trabalhistas também, transformou o centro da cidade em uma
82
CÂMARA, Hélder Pessoa. Cristianismo, comunismo e democracia. In. Revolução dentro da Paz, 1968, Sabiá. Editora p. 72;
Disponível em: http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_100.html, acesso em 23 de janeiro de 2014.
83
84
Idem.
55
verdadeira praça de guerra, de um lado das “trincheiras” os militares, do outro em sua maioria estudantes
desarmados.
O resultado foi dezenas de feridos, prisões de estudantes e jornalistas, tiros para o
alto, bala perdida atingindo a Assembléia Legislativa e uma bala acertada em Júlio
Pavese, aluno do curso de Ciências Sociais. Impactados com a repressão, os jovens
se dispersaram e reorganizaram-se na Reitoria e no Restaurante Universitário. Cerca
de 100 estudantes fizeram um plantão na Clínica e acompanharam o estado de saúde
do colega baleado. Professores de Medicina também prestaram assistência. Houve
doação coletiva de sangue para o estudante. Em resumo: a violência da polícia
reforçou laços de solidariedade ao ME. 85
Os estudantes não estavam dispostos a ceder, os jornais já apontavam queda de 40% de prejuízo no
comércio referente às vendas em comemoração ao Dia do Pais daquele ano. Novos embates ocorreram no
dia 8, o Professor Riolan Coutinho catedrático da Escola de Belas Artes que passava pelo local foi
espancado e jogado em um caminhão com dezenas de pessoas algumas delas nem estavam envolvidas nos
protestos, a maioria dos manifestantes eram estudantes, e menores de idade.
Diante de tanta selvageria policial e das dificuldades geográficas para fugas nas ruas do centro da
cidade onde ainda hoje são realizados protestos, dezenas de estudantes foram encurralados pelos policiais,
alguns deles só tiveram apenas uma opção: pedir refúgio no Mosteiro de São Bento. Enquanto os estudantes
se encaminhavam para uma rua atrás do Mosteiro, os policiais invadiram o recinto.
Desta oportunidade os policiais não respeitaram a Igreja nem tampouco atenderam aos apelos de D.
Timóteo Anastácio que já se encontrava em seu leito, ele solicitou aos invasores um mandado para a vistoria
em busca de estudantes. Os policiais invadiram o monastério e o templo, espancaram e prenderam alguns
estudantes. Durante a Invasão 86, jovens moças se esconderam dentro das celas do claustro, algo intolerável
pela Igreja Católica, sujeito à duras penas eclesiásticas e até mesmo a excomunhão.
Um dos monges beneditinos imediatamente recorreu à regra da Ordem para levar o ocorrido às
autoridades eclesiásticas. D. Timóteo justificou através da própria regra de São Bento e dos ensinamentos
cristãos, que não deve ser negado o direito de asilo a quem está desassistido, afirmou que pecado maior teria
85
BRITO, Antônio Maurício Freitas. Salvador em 1968: um breve repertório de lutas estudantis universitárias. In: Ditadura Militar
na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. ZACHARIADHES, Grimaldo (Org.) – Volume I Salvador, Edufba, 2009, p.
105.
86
Invasão do Mosteiro de São Bento de Salvador em 9 de Agosto de 1968 noticiada pelos jornais A TARDE e JORNAL DA BAHIA;
56
sido não acolher aqueles (as) estudantes. O temor do abade humanitário tinha fundamentos já que tiros
foram disparados dentro do Mosteiro.
A invasão do Mosteiro virou alvo de críticas, a atitude provocou profundo repúdio da população. No
dia seguinte o abade foi a Secretaria de Segurança Pública Baiana solicitar a libertação dos estudantes, o
religioso beneditino solicitou a libertação de menores que encontravam sob custódia. No decorrer deste dia
D. Timóteo Anastácio presidiu uma reunião da Escola de Teatro da UFBA junto com estudantes,
intelectuais, professores e artistas para um Ato político de protesto.
Durante toda a semana os acontecimentos foram acompanhados de perto pelos jornais, a população
ficou receosa de ir às ruas. A manchete do dia 9 de Agosto do Jornal A Tarde expressa bem o que havia
acontecido em Salvador: Cidade virou praça de guerra. Em uma das reportagens Dom Timóteo contou
detalhadamente como ocorreu a Invasão do Mosteiro.
Mostrando-se bastante calmo ao prestar seu depoimento à reportagem. D. Timóteo
enfatizou que o contingente policial arrombou a porta principal da Igreja, quebrando
o ferrolho, que tem mais de 300 anos. Após penetrarem no templo, os policiais
tiveram seus passos embargados pelo Abade, que solicitou a exibição de um
mandado judicial, pois só assim poderiam penetrar em um domicilio particular, cuja
a inviolabilidade é assegurada pela Constituição. 87
Segundo o abade a tropa era comandada pelo Major Oto Aguiar, que agiu violentamente sem
respeitar o domicílio e o templo beneditinos. Os estudantes foram submetidos ao chamado “corredor
polonês”, que é uma demonstração de violência gratuita. A ação policial durou cerca de uma hora, os
excessos cometidos foram contados pelo abade:
Frisou, ainda, o Abade que dentre os estudantes detidos e espancados pela Polícia
figuravam duas professoras que lecionavam no curso primário do Ginásio são Bento.
As professoras no momento tentavam deixar o Mosteiro. O espetáculo, meu caro
repórter, foi degradante. Os policiais praticaram selvageria, dando pescoções e
ponta-pés a torto e a direito.
Não satisfeitos com os espancamentos praticados, os policiais foram até a cozinha do
Mosteiro e comeram os mantimentos e comidas que se encontravam no local. 88
87
88
Invasão do Mosteiro de São Bento de Salvador em 9 de Agosto de 1968 noticiada pelos jornais A TARDE e JORNAL DA BAHIA.
Jornal A Tarde. Abade conta a invasão do mosteiro. Sexta-feira, 9 de Agosto de 1968;
57
O abade relatou como foi a ação policial dentro do claustro foram disparados os tiros, um deles ficou
alojado dentro do recinto, a ação truculenta provocou o pânico de monges e jovens que ali se encontravam.
Após a saída dos policiais com os estudantes espancados, D. Timóteo ordenou o fechamento de todas as
dependências do Mosteiro. No inicio da noite D. Timóteo esteve pessoalmente na Secretaria de Segurança
Pública, quando a fim de realizar um protesto junto ao Secretário Gilberto Pedreira seu pela invasão do
Mosteiro, informando ao chefe de polícia o que foi feito no interior do templo. Os dias seguintes
provocaram repúdio da população e de religiosos frente a famigerada invasão.
Ao finalizar seu depoimento ao jornal, o abade disse que esta foi à segunda invasão do Mosteiro, em
toda sua história de mais de 300 anos: “...mas o que é mais lastimável e melancólico é que, enquanto a
primeira invasão foi feita por estrangeiros, inimigos do Brasil, a de ontem foi processada por soldados da
Polícia Militar baiana” – finalizou.”89
Enquanto os ânimos eram abrandados após dias turbulentos tendo o próprio ME baiano decidido pela
suspensão temporária dos protestos de rua. Alguns pais tiveram o seu dia mais festivo ao receberem seus
filhos, rapazes e moças que ficaram escondidos no Mosteiro por três dias após a invasão do recinto, ilesos
(as) puderam retornar à suas famílias. Estes jovens só puderam sair após três dias porque o Mosteiro estava
sendo vigiado, houve um verdadeiro cerco pelos militares, a saída dos estudantes só foi possível durante a
saída dos frequentadores e fiéis após a missa das 18H, que tradicionalmente enchia o templo, o que
possibilitou a fuga dos jovens.
No Jornal da Bahia dos dias 11 e 12 de agosto de 1968 foi impressa a seguinte matéria: Padres e
Religiosas Divulgam Seu Manifesto Contra as Violências. No documento assinado por jesuítas, franciscanos
e beneditinos, dentre outras ordens manifestou o apoio de parte do clero aos estudantes e ao acolhimento do
Mosteiro de são Bento aos jovens.
Padres e religiosas da Bahia divulgaram ontem um manifesto em que dizem “não
haver proporção alguma entre as manifestações estudantis e a brutal repressão da
Polícia” e em que se solidarizam “com a comunidade beneditina da Bahia e com os
estudantes e populares, vítimas de violência repressiva.”
Advertem os padres que os estudantes baianos são membros da nossa sociedade e
não podem ser tratados como marginais, e responsabilizaram “as autoridades pelas
cenas de selvageria da última quinta-feira, nas ruas da cidade e no Mosteiro de São
Bento. 90
89
90
Idem.
Jornal da Bahia. Padres e religiosas divulgam seu manifesto contra as violências. 11-12 de Agosto de 1968.
58
No início dessa semana, no dia 13, um jornalista esteve numa missa fúnebre realizada no templo de
São Bento em favor de Teresa Lourdes Ribeiro. Na ocasião foram proferidas palavras de Dom Timóteo a
cerca dos incidentes ocorridos no Mosteiro que na presente data tinha um cerco policial o qual dificultou a
chegada dos fiéis à Igreja. A missa começou com atraso, foi solicitado pelo abade “a Deus para fazer descer
sobre os homens, principalmente sobre as autoridades, sentimentos de respeito, sentimentos de amor e
sentimento de dignidade.”
91
No final do dia por volta das 18 horas, após o Abade de São Bento, e o Prior D. Jerônimo de Sá
Cavalcanti entraram em diálogo com o administrador Apostólico, D. Eugênio Salles e com o Governador é
que o cerco policial foi desfeito. Por ordem do Chefe do executivo, o Mosteiro foi liberado, depois de um
representante dos militares ter entrado em contato com os religiosos. Posteriormente eles falaram ao Jornal
da Bahia que foi “a primeira vez na história da Bahia que a Polícia sitia uma Igreja, impedindo o ofício
religioso sob ameaça de baionetas e cães.” 92
Nos meados do tumultuado mês de agosto dois episódios merecem destaque: a visita de desagravo
realizada por deputados baianos ao Mosteiro de São Bento e a morte do Arcebispo da Bahia e Primaz do
Brasil Dom Augusto, também conhecido como Cardeal da Silva. O falecimento do religioso ocorreu na
madrugada do dia treze, sendo noticiado durante vários dias todos os detalhes do ocorrido e como o povo
baiano se despediria do seu conservador líder. Com a idade avançada Dom Augusto há muito tempo não
exercia funções do seu cargo que foram delegadas ao administrador apostólico Eugênio Sales, como
esperado, ele assumia o Arcebispado no mês seguinte.
No dia dezessete deputados visitaram o Mosteiro afirmando que o objetivo foi prestar solidariedade
frente à invasão sofrida. Tal fato foi noticiado pelo Jornal da Bahia. Ao dirigir-se aos parlamentares, Dom
Timóteo declarou que sua autoridade sacerdotal e de cidadão foi desrespeitada por soldados “orientados para
fazer baderna dentro de uma casa religiosa”.
O líder da Oposição Deputado Clodoaldo campos disse na oportunidade, que “tudo
isto evidencia o desespero de quem teme a juventude e coloca a Igreja a distância, no
momento que ela defende reformas sociais e a dignidade dos povos. 93.
Os Atos Institucionais foram mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos
militares, sem eles o regime militar não se sustentaria por ser inconstitucional. Foram dezessete no total que
ficaram conhecidos com A.Is. que tiveram ao longo de suas execuções dezenas de atos complementares. Os
91
Jornal da Bahia. D. Timóteo pede a Deus que dê sentimentos de respeito às autoridades, 14 de agosto de 1968;
Idem.
93
18-19 de agosto de 1968 – Jornal da Bahia - Deputados Fizeram Visita de Desagravo ao Mosteiro de São Bento.
92
59
mais conhecidos foram o primeiro e o quinto. No primeiro os militares instituíram o poder de alterar a
constituição, a cassação de mandatos legislativos, a suspensão dos direitos políticos por dez anos e a
demissão, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado
contra a segurança do país entre outras atribuições.
O Ato Institucional nº 5 foi editado no dia 13 de dezembro representou um significativo
endurecimento do regime militar. Este dia ficou marcado na história contemporânea brasileira. Este ato
incluía a proibição de manifestações contra de natureza política na ocasião foi estabelecida a Censura no
país. O ato vetou o direito de todo preso ao "habeas corpus" para crimes contra a segurança nacional (ou
seja, crimes políticos) e concedeu ao Presidente da Republica enormes poderes como o fechamento do
Congresso Nacional.
Na época, os jornais publicaram os decretos em primeiras páginas, foram iniciados os anos de
chumbo, expressão consagrada para designar os anos mais repressivos, com o estabelecimento de torturas e
assassinatos de presos. A imprensa foi silenciada, jornais e emissoras de rádio foram extintas, foram anos de
terror. Já se fazia um balanço dos militares no poder.
3.3 AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM SALVADOR E O ABADE DOM TIMÓTEO
Com os ânimos ainda apreensivos por não saber quanto tempo duraria a ditadura militar, o tempo era
incertezas. A oposição foi silenciada, o clero em sua maioria, sobretudo a alta hierarquia apoiava o regime
militar. Os religiosos contrários ao regime quando não eram silenciados pelos militares eram repreendidos
pela própria Igreja Católica. O período foi de grande instabilidade, dificilmente os religiosos continuariam a
desenvolver livremente suas atividades nas comunidades que estavam inseridos.
(...) veio 65 eu senti que era uma voz que eu não podia me omitir, porque eram as
vozes que estavam caladas à força e a minha ainda era respeitada, porque na Bahia,
eles não tiveram a audácia, digamos, de prender um abade de beneditinos, que na
hierarquia da Igreja tem uma posição um pouco digamos, parecida com a de bispo,
na estrutura eclesiástica. 94
94
Revista História da Bahia – Nº 12, Março de 1989. Entrevista concedida por Dom Timóteo em Março de 1989. Depoimento
concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro e Gustavo Falcón.
60
Ao refletir sobre o depoimento de Dom Timóteo é importante frisar que o Rio de Janeiro tornou -se
quartel general do regime militar e a partir deste posto ordenou a prisão, a tortura e a expulsão de inúmeros
cidadãos brasileiros e estrangeiros domiciliados no país, de vários credos, profissões e ideologias, dentre os
quais muitos religiosos católicos foram silenciados e como punição, mandados para outros estados da
federação para desfazer os vínculos construídos com as comunidades paroquiais.
Com a morte de Dom Plácido Staeb houve a vacância da Abadia do Mosteiro Beneditino em
Salvador e para a surpresa de muitos o nome do abade escolhido foi Dom Timóteo Anastácio Amoroso. A
surpresa também tomou conta de Dom Timóteo visto que teve pouco contato com os religiosos baianos, não
aceitou o convite de imediato, teve pouco tempo para dar sua resposta, porém, o religioso beneditino viu a
possibilidade de realizar um bom trabalho, já que viriam as novas resoluções do Concílio Vaticano II, em
sua especialidade que era liturgia eram expressivas as mudanças, e estava disposto a pô-las em prática.
Poucos meses após o primeiro aniversário do regime militar, D. Timóteo foi eleito septuagésimo
sétimo Abade do Mosteiro de São Bento de Salvador. Em 1965 também foi encerrado o Concílio Vaticano
II. Um dos motivos para escolha de D. Timóteo para a direção do Mosteiro de São Bento foi a sua
especialização em liturgia, atividade desenvolvida com a força das tradições que necessitava de mudanças.
Para cumprir a árdua tarefa do exercício do Abaciado que D. Timóteo teria que executar, a partir de
setembro de 1965, a Regra de São Bento, especialmente os pontos 1 e 12 que resumem o texto escrito pelo
fundador da Ordem religiosa:
O Abade digno de presidir ao mosteiro, deve lembrar-se sempre daquilo que é
chamado, e corresponder pelas ações ao nome de superior. Portanto, quando alguém
recebe o nome de Abade, deve presidir a seus discípulos usando de uma dupla
doutrina, [12] isto é, apresente as coisas boas e santas, mais pelas ações do que pelas
palavras, de modo que aos discípulos capazes de entendê-las proponha os
mandamentos do Senhor por meio de palavras, e aos duros de coração e aos mais
simples mostre os preceitos divinos pelas próprias ações. 95
O cargo recebido tem como preceito básico o exemplo. O abade além de responsável pela
comunidade tem o dever mostrar através de suas vivências “as coisas boas e santas”, suas ações devem ser a
prática disto. Quando Dom Timóteo se tornou abade a Igreja passava por importantes transformações,
95
Regra do glorioso Patriarca São Bento. Tradução e Notas de Dom João Evangelista Enout, OSB. Acessado em 6 de Junho de
2012, disponível em http://www.osb.org.br/regra.html .
61
sobretudo, pelo processo de inserção no mundo contemporâneo. A força das tradições era uma realidade no
Mosteiro de são Bento, nem todas as mudanças que ocorreram agradaram integrantes do Monastério e fiéis.
Em dezembro de 1965, Dom Timóteo deu uma importante entrevista ao jornal Mensageiro da Fé na
qual apresentou os principais pontos que envolveriam seu abaciado. O estímulo a vocação monástica, a
aproximação entre a Pastoral litúrgica do Mosteiro com a diocese, a valorização do trabalho desenvolvido
por leigos são alguns exemplos. Como o entrevistador considerava os beneditinos como integrantes de uma
comunidade tradicional questionou, por que o Mosteiro estava propondo mudanças, sobretudo na área
litúrgica? O abade respondeu que fariam parte da Pastoral que já havia no Mosteiro, a “aculturação
litúrgica”, visando a aproximação da comunidade com o Mosteiro.
O Brasil já dava mostras de mudanças de acordo com as novas resoluções do Concílio desde Agosto
de 1964 quando foi realizada a primeira missa em língua vernácula no Rio de Janeiro. Segundo o Jornal
Semana Católica do dia 12 de julho de 1964 na ocasião foi apresentado o novo missal quotidiano também
em português aprovado pelo Vaticano que foi traduzido pelo monge Dom Beda Keickeisen e editado pelos
monges do Mosteiro de São Bento da Bahia.
Como informou o semanário católico, no mesmo período foi realizado o terceiro curso de canto
pastoral promovido pela Comissão Arquidiocesana de Música Sacra, do Rio de Janeiro, no Instituto Nossa
Senhora Auxiliadora. Na ocasião, o cônego Amaro Cavalcanti de Albuquerque, secretário da Comissão
exibiu juntamente com o franciscano Frei Joel e o Padre José Alves, alguns números de músicas religiosas,
não litúrgicas em ritmos de baião, samba e toada, nas quais foram adaptados textos sacros. Esse curso dava
mostras aos avanços que eram feitos à medida que chegava o fim do Concílio Vaticano II, a fim de que o
povo tivesse maior participação nas ações litúrgicas.
A Igreja soteropolitana manifestava através da juventude com a sua consagrada missa pelos monges
beneditinos desde 1964, realizada às 18H aos domingos. Segundo Dom Jerônimo a missa contava com
assistência em grande maioria de jovens estudantes. Eles que tomam conta de boa parte da celebração e seu
preparo, cuidavam do altar, preparavam a entrada solene do celebrante e recolhiam as oferendas. Em equipe
organizam a leitura das preces dos fiéis, que eram lidas no Ofertório. Na coluna assinada provavelmente no
Jornal da Bahia e transcrita pelo Jornal A Semana Católica por Dom Jerônimo ele transcreveu a oração de
uma jovem:
1 “Senhor, habitamos o mundo, mas estamos em trânsito. Nós vos pedimos que a
esperança na eternidade não nos deixe inertes e acomodados nas situações difíceis da
vida. Que não baixemos a cabeça às injustiças sociais nem a todos os erros das
estruturas atuais.
62
Que os sofrimentos impostos sob todas as formas sejam enfrentados por nós,
conscientemente, unidos a Vós.
2 Senhor, na semana que passou celebramos o dia do Trabalho.
Que o trabalho seja encarado por operários e patrões como um instrumento de
dignificação.
Que o salário, fruto do trabalho santificado pelo esforço, não seja um fruto
mesquinho de uma terra abundantemente regada, mas que seja uma justa recompensa
que permita ao homem promover e conservar toda a sua dignidade.
3 Senhor, o apóstolo, na Epístola de hoje, nos exorta à obediência à autoridade.
Nós pedimos que se estabeleça em todos os postos de governo e de comendo uma
autoridade verdadeira, que não existe para a glória de quem exerce, mas pelo
contrário, é um serviço prestado ao homem.
Pedimos também pelos que estão sob a autoridade, para que não sejam movidos pela
coação e pela opressão, mas antes pela verdade comunicada. 85
A prece representa de maneira respeitosa e contrita como pensava a juventude católica freqüentadora
das missas em Salvador. Disposta a não ser subjugada contra o poderio da ditadura militar frente às
injustiças sociais que sofriam e sofre a população brasileira. A inflexibilidade do governo é notória na
oração da jovem, e o pedido de não acomodação com essa situação. O trabalho monástico com a juventude
católica e não-católica dava seus frutos:
Sendo a nossa Igreja mais freqüentada por jovens temos dado uma atenção
toda especial à juventude. Trabalho sem dúvida muito difícil nas horas atuais,
entretanto necessário, pois é que reside a esperança, não só de um mundo
melhor, mas de um mundo onde os princípios cristãos se firmem e constituam
base da nova civilização que se avizinha. A missa das 18 horas no domingo,
também, chamada Missa da Juventude, tantas vezes elogiada e aplaudida, não
é outra coisa senão o resultado do trabalho dos Monges de São Bento, seja hoje
ou ontem junto aos moços, ouvindo-os e aconselhando-os.96
O trabalho de Dom Jerônimo de Sá Cavalcante é o primeiro diferencial do Mosteiro de São Bento
com a juventude de Salvador. Ao falar dessa juventude que frequentava o Mosteiro e estava envolvida em
suas atividades como a missa das 18H aos domingos, é, sobretudo estudantil nos níveis secundário e
96
Jornal A Semana Católica. Oração de uma jovem citada por Dom Jeronimo. 11/12 de janeiro de 1971;
86
Jornal A Semana Católica – Dom Jerônimo uma personalidade. 11/12 de janeiro de 1971
63
universitário. E quem fazia parte desses grupos? Jovens de classe média, em sua maioria de etnia branca.
Nem por isso devemos menosprezar as tentativas de inclusão dos setores periféricos da população.
3.3.1 A Missa do Morro
Ao assumir o Mosteiro de São Bento Dom Timóteo se encarregou de promover as primeiras
mudanças. Quando assumiu a abadia, as missas passaram a ser realizadas em português, substituindo o
latim, e os cânticos em português foram incorporados à celebração das missas. O início de sua atuação foi
marcado pela demonstração e prática de suas viagens pelo país, foi quando ele pode observar a pluralidade e
as necessidades da Igreja. Como pastor (como D. Timóteo mesmo se denominava) pelo Brasil, sua pregação
falava de um cristianismo e uma Igreja para os pobres, desamparados e excluídos.
Nesse processo o administrador apostólico, Dom Eugênio Sales incumbiu o abade beneditino, D.
Timóteo a desenvolver a “aculturação da liturgia” 97, ou seja, a realização de uma proposta de culto católico
que se aproximasse mais de referências da cultura local: “... o culto é de um povo, então, esse povo se
exprime pela sua cultura, sua língua, suas melodias, seus gestos simbólicos.”
98
A iniciativa da Arquidiocese
baseava-se nas resoluções propostas no término do Concílio Vaticano II. A administração de Dom Eugênio
Sales demonstrava a necessidade da Igreja em se aproximar do povo. O significado dessa ação baseava -se na
atuação da Igreja junto aos seus fiéis.
Durante o período que esteve à frente do Mosteiro de São Bento (1965-1981), D. Timóteo esteve
envolvido em praticamente todos os episódios polêmicos que envolviam a Igreja Católica nas mais diversas
temáticas do cenário baiano: os sermões, a atuação e os posicionamentos de D. Timóteo tiveram grande
repercussão. O primeiro acontecimento que tomou proporções nacionais foi a “A Missa do Morro”, como o
próprio nome sugere o formato de realização de uma das principais cerimônias católicas já era bastante
incomum para aquela época, e pretendia estabelecer uma relação direta com aqueles para quem ela se
destinava.
Não vamos nos contentar com uma renovação litúrgica que importe apenas em
mudança de altar e em maior participação dos fiéis nos cantos e nas preces:
queremos que a liturgia apóie e aprofunde a catequese, elevando os humildes e
abalando o egoísmo dos poderosos. A alusão ao sopro renovador que está sacudindo
97
Hoje é utilizado o termo adaptação da Liturgia
Encarte especial da Revista História da Bahia – Nº 12, Março de 1989. Depoimento concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno,
José Henrique Barreiro e Gustavo Falcón.
98
64
os meios católicos não traduz esquecimento do que podem e devem fazer os demais
grupos religiosos. 99
A Missa do Morro ocorreu em 11 de dezembro de 1965, realizada no Mosteiro de São Bento por
Dom Timóteo, com exatos cinco dias após o encerramento do Concílio Vaticano II. O evento foi noticiado
pelos jornais e setores conservadores da Igreja Católica solicitaram a vinda do Núncio Apostólico no Brasil
para avaliar o motivo de tanto estardalhaço, uma missa celebrada ao som de berimbaus, pandeiros e
atabaques, instrumentos tipicamente utilizados nas celebrações do Candomblé.
Os anseios de muitos religiosos estavam amparados no Concílio Vaticano II, as reivindicações eram
antigas, como exemplo a liturgia que precisava se aprofundar nos ritos e na catequese, onde no centro de
suas ações deveria estar os humildes, ainda que os mais conservadores católicos fossem incomodados. A
maioria dos grupos religiosos estava disposta a colaborar com a renovação que a Igreja vinha passando.
Sobre a liturgia Dom Timóteo escreve:
O Concílio libertou a liturgia do imobilismo contraditório. A rígida uniformidade
anterior deu lugar a formas flexíveis que, sem prejuízo do fundo inalienável dos
ritos, tornam possível uma celebração encarnada. O gênio próprio do povo e sua
língua, o seu modo de expressão e de representação e a sua sensibilidade, a sua
música, os seus instrumentos, o seu mundo intelectual – eis valores culturais
chamados a contribuir ativamente para exprimir a vinda de Deus e a resposta do
homem, na unidade simbólica do rito. A liturgia é por definição popular. É, pois,
evidente a importância da Missa do morro para concretização dessas intenções mais
profundas do Concílio e da aspiração por uma liturgia reconstituída nas fontes e da
criatividade popular. 100
O Concílio Vaticano II é considerado por muitos estudiosos e fiéis como um marco na Igreja
Católica. Vivemos no século XXI e mesmo assim nenhum evento deste período conseguiu superar a
grandiosidade desse conclave que reuniu religiosos e leigos de todas as partes do mundo para debater sobre
mudanças na liturgia, e ações que promovessem a revitalização da Igreja com a devida aproximação entre
ela e os fiéis. A atuação social nos países subdesenvolvidos este no centro dos debates.
99
CÂMARA, Hélder Pessoa. Cristianismo, comunismo e democracia. In. Revolução dentro da Paz p. 70/71
100
ANASTÁCIO, D. Timóteo Amoroso, OSB. Apresentação do disco Missa do Morro e cantigas da Boa Terra, Rio de Janeiro,
Philips; Companhia Brasileira de Discos, 1969, (Coleção de Pesquisa de Músicas Brasileiras).
65
Segundo o Jornal da Bahia, a missa do Morro não foi realizada exclusivamente na Bahia, ocorreu
primeiro no Rio de Janeiro, na Guanabara. Embora quase todos os jornais de Salvador, comentassem
aspectos da Missa do Morro, apenas o Jornal da Bahia divulgou detalhes daquela cerimônia, antes mesmo de
ter sido realizada e cuja matéria teve o seguinte título: Missa vai ao povo com instrumentos familiares a
todos101.
A aproximação de Dom Timóteo com o Jornal da Bahia é notória visto que o jornal publicou todos
seus pronunciamentos no período que esteve na Bahia. A relação do extinto jornal com o Mosteiro
beneditino remonta desde os primeiros artigos de Dom Jerônimo a convite da instituição. A apresentação de
um evento importante como foi a Missa do Morro antes mesmo que ele tivesse ocorrido foi uma
demonstração da proximidade entre o jornal e o Mosteiro.
A Missa do Morro foi idealizada e realizada com os cânticos baseados no samba, detendo na medida
do possível, toda melodia do ritmo, foi acompanhada de violão, atabaque, bateria e berimbau, em
substituição instrumental ao tradicional órgão. Houve um ensaio realizado pela Professora Rosita Salgado
Lopes, idealizadora da missa, na Bahia, e contava com o auxílio das alunas do curso de Pedagogia do
Instituto Isaías Alves que estavam encarregadas do canto.
O Jornal da Bahia destacou que esta apresentação ocorreu no mesmo grupo, durante as festas do
Natal, na concha acústica do Teatro Castro Alves e outra em meados do no mês de dezembro. Foi
programado para que as jovens estudantes fossem acompanhadas pelo Conjunto Folclórico da Inspetoria de
Música e Canto Orfeônico da Bahia, durante a execução do Kyrie, Sanctus e Cordeiro de Deus.
A repercussão imediata da Missa do Morro foi tão grande que Dom Timóteo teve que prestar
esclarecimentos através de matérias publicadas nos jornais “A Tarde” e da “Bahia” logo após os três dias da
execução para que não fossem realizados comentários caluniosos e difamatórios sobre a missa. No jornal da
Bahia de 14 de dezembro de 1965, ele demonstra que,
como já sabem certamente – disse D. Timóteo Anastácio – os cantos obedecem a
uma inspiração musical de cunho popular e brasileiro. E os instrumentos, violão,
atabaque, berimbaus são, também, populares no Brasil e eram, até agora ausentes das
funções religiosas da Igreja Católica. 102
Com destaque os jornais enfatizaram quais os dois tipos de inimigos que teve a missa:
101
102
Jornal da Bahia – Salvador, sexta-feira, 10 de dezembro de 1965.
Jornal A Tarde e Jornal da Bahia -14 de dezembro de 1965.
66
(...) os apegados a um passado que se quer imóvel, e, de outro lado, os superficiais,
sempre ávidos de novidade pela novidade. Estes são, talvez, os mais prejudiciais,
porque expõem uma experiência tão séria a uma justa suspeita de leviandade e
desrespeito pela sacralidade de Culto. 103
O religioso beneditino estava salvaguardado pelo pedido do administrador apostólico Dom Eugênio
Sales, que havia pedido uma adaptação da Liturgia à realidade baiana antes mesmo de sua posse como
abade. Nas reportagens disse que hesitou em concordar com a missa em proporções tão grandes como em
uma formatura, mas que ela deveria ocorrer em círculos menores.
A Santa Liturgia é, por sua natureza, própria a adaptar-se ao gênio dos diferentes
povos. Fazendo-se homem e habitando entre os homens para salvá-los, o Verbo de
Deus assume os valores que constituem a fisionomia própria de cada povo,
encarnando-se também, em sua cultura humana. Assim sendo, exorto os presentes a
verem nesses ritmos e nessas melodias e instrumentos não uma concessão
oportunista e demagógica às massas, porém uma mensagem salvadora do Cristo, que
vem para salvar-nos e nos fala em nossa língua e através de sinais familiares que
constituem o nosso universo mental e cultural. 104
As críticas parecem ter sido atiçadas após as palavras do abade terem sido publicadas, fiéis,
intelectuais e religiosos se pronunciaram por quase dois meses nos jornais baianos. Na mesma edição do dia
14 de dezembro o Jornal da Bahia publicou a seguinte matéria: Missa do Morro não pode causar surpresa
porque reflete alma brasileira. O Secretário de Desenvolvimento do Estado, Professor Vitor Gradim, opinou
em uma enquete, promovida pelo referido jornal:
(...) a “Missa do Morro” não deveria causar tanta surpresa, a não ser que fosse
celebrada em Roma ou nos Estados Unidos, mas não aqui entre nós brasileiros.
Manifestaram ainda sua opinião favorável a atualização do processo da liturgia
católica duas figuras proeminentes dos meios sacerdotais: o Assistente
Arquidiocesano da Juventude Estudantil Católica, Padre Dionísio, e o Diretor do
Jornal Franciscano “Mensageiro da Fé”, Frei Vitor Carneiro. 105
Nem todos os leitores dos jornais demonstraram opiniões favoráveis a Missa do Morro, a repercussão
refletia certamente os comentários gerados em praças e ruas de Salvador. No dia 14 de dezembro foram
publicadas duas cartas endereçadas à redação do jornal A Tarde. As duas demonstraram de maneiras
diferentes seu posicionamento contrário à Missa:
103
Idem:
Idem.
105
Idem.
104
67
Sr. Redator: Nunca imaginei que tivesse que assistir num majestoso templo, como é
o de São Bento, a santa missa mais sublime ato de fé da nossa milenária religião,
entremeada de trechos de música africana, ou pelo menos em ritmos tirados de
instrumentos típicos das orquestrações de sambas e danças nagôs. Na ocasião,
arrepiei-me só de pensar, não sei bem se naquele sacrilégio ou se nos quadros
profanos que a agradável cadência evocava. Imagino que outras pessoas não
puderam concentrar o pensamento em Deus sendo transportadas contra à vontade, a
ambientes festivos e sensuais onde predominam o arrastar das sandálias e o cheiro
das gostosas comidas de azeite. Isso está certo, Sr. Redator? 106
A sensualidade narrada no trecho da carta demonstra que o “velho católico” que não quis se
identificar conhecia bem os instrumentos e quando eram utilizados em festividades de origem africana. O
leitor demonstrou estar desconcertado com as mudanças daquela missa, aparenta estar inquieto com tudo
que estava vivenciado porque as novidades na missa eram muito diferentes das missas realizadas no
Mosteiro de São Bento. No decorrer da carta o leitor cita as “missas negras” que eram realizadas na Idade
Média por “bruxas histéricas” que eram devidamente penalizadas pela Igreja através da Inquisição.
Naquele tempo o Santo Ofício não brincava. Religião era cousa séria. Hoje se
permite, se legaliza uma exibição de músicas e cantos folclóricos, mais próprios de
uma casa de diversões, no interior de um templo. Creio que a estranheza não terá
sido somente minha nessa manhã de sábado na abacial São Bento. Que outros
católicos se manifestem. Ou ficarão calados, deixando que o mal cresça? 107
Estava certo o abade beneditino quando afirmou que a missa realizada teria opositores. Nos jornais
esses “inimigos” aparentavam ser uma mistura de antiquados c superficiais porque nem todos foram a missa
e a julgaram como o “velho católico” que opinou tendo visto a missa. Muitos leitores expuseram suas idéias
de maneira preconceituosa, ou seja, opinando mesmo sem ter assistido a missa. Na carta o “velho católico”
atentou contra as mudanças na liturgia que ela se destinava “as camadas mais humildes da população”,
contudo o leitor afirmou que conhecia pessoas humildes que preferiam a missa da maneira mais tradicional.
Certamente poderia haver quem fosse menos abastado que preferisse a missa da maneira tradicional,
deveria ser uma pequena minoria que não conhecia as verdadeiras intenções pretendidas com a nova missa.
Nem todas as missas estariam acompanhadas por instrumentos inusitados para a época como foi a Missa do
Morro, mas a utilização do português durante a missa, no sermão ou nos cânticos irrefutavelmente fazia da
missa mais próxima dos fiéis principalmente os menos instruídos.
106
Jornal A Tarde. Missa em ritmo de samba. 14 de dezembro de 1965.
107
Idem.
68
A outra carta publicada no jornal A Tarde foi do Dr. Elísio Simões, de imediato esse leitor parece ter
tido um nível de instrução maior do que o anterior porque utilizou uma linguagem mais rebuscada e logo no
início da carta disse ter sido aluno do tradicional Colégio jesuíta Antônio Vieira. Lá ele recebeu uma
educação religiosa conservadora, relatou no início da carta que a Missa do Morro era realizada a fim de
agradar “gregos e troianos”. Embora o “velho católico” se opusesse a missa ele não demonstrava tamanha
ojeriza frente à iniciativa como o Dr. Elísio Simões:
Que se poderá pensar hoje, em se rezar missa ao som de atabaques, violões, agogôs,
berimbaus e baterias, sob a alegação estúpida quanto ridícula, deprimente e
desagradável, desprezível e sobretudo desprimorosa, quando não se chegue até dizer
desrespeitosa, ao sentido místico, santificado, do sacrifício da missa! Ruíram, ruíram
por terra os velhos cânones da Igreja Católica Apostólica Romana? Não, senhores,
apenas vivemos em “bossa nova”! A demagogia não chegou até os redutos sagrados?
108
A erudição do Dr. Elísio Simões era grande, mesmo tendo-a usado de forma pejorativa. O distinto
leitor sabia que a primeira experiência como a Missa do Morro foi realizada na África, no Congo que ficou
conhecida como a Missa Luba, composta por canções tradicionais do Congo que foi cantada e gravada pela
primeira vez em 1958.
Não seria a justificativa de popularizar o “Santo Sacrifício da Missa”, de procurar
tocar o coração – como se diz – do povo, da massa, que se venha de realizar missa
em folclore, isso não, mil vezes não. Não somos os botocudos do Congo, para ouvir
“missa luba” ou “missa do morro”, e sentirmos êxtase material, desfazendo a
“mística do espírito”. Que nos respeitem, ao menos, como um povo menos atrasado
que os africanos109
De imediato, outros leitores dos jornais se manifestaram. O padre Manuel Soares tinha a tradicional
coluna Vida Católica com informes diários no Jornal A Tarde. No dia 16 de dezembro o padre se manifestou
com aparente imparcialidade, disse que as intenções eram boas e já que a experiência havia sido feita que as
pessoas a analisassem e retivessem algo de bom, caso o balanço de seus idealizadores fosse negativo que
eles reconhecessem e voltassem ao caminho correto.
108
Jornal A Tarde. Missa ao som de atabaques. 14 de dezembro de 1965.
109
Idem.
69
A opinião do padre Manuel Soares era importante porque sua coluna era bastante lida. Os leitores
segundo o jornal pediram que ele opinasse sobre a Missa do Morro. Ao longo do texto o religioso fez
citações de fiéis que em sua maioria não aprovaram a Missa do Morro, essas pessoas se diziam
escandalizadas e mesmo a minoria que aceitou a missa seria com ressalvas. Segundo ele a experiência era
uma oportunidade cheia de sentido devido ao clima pós-conciliar.
Um questionamento foi lançado à ocasião escolhida para que a Missa do Morro fosse realizada, uma
formatura de Arquitetura. A explicação para que a missa fosse executada foi tornar a celebração mais
popular, o padre Manuel Soares destacou que o local, a hora e a ocasião foram inapropriadas para a
execução da Missa do Morro. “Se é para atingir as classes mais humildes e habituadas com o candomblé e à
macumba, por que São Bento e numa formatura de novel universitário?”
110
A Missa do Morro uma cerimonia típica da Igreja Católica que utilizava instrumentos do Candomblé
mostrou-se polêmica. Os leitores que liam a coluna Vida Católica se diziam indignados com a aproximação
entre as duas religiões, nenhum dos que eram contrários ou a favor quiseram se identificar, contudo o
colunista expôs a opinião de alguns deles.
Para mim o Candomblé vai sair ganhando em toda linha. Em lugar de ver seus
membros convertidos à Igreja, muita gente que nunca viu Candomblé vai querer
agora conhecê-lo, desde que a própria Igreja está trazendo para o recinto sagrado
suas harmonias e seus instrumentos”. E acrescentou ironicamente: “Os Pais de Santo
devem estar eufóricos, satisfeitos, felizes. Tiveram excelente propaganda
inteiramente gratuita e estão com excelentes argumentos a seu favor para a conquista
de novos adeptos, convencendo a muitos que aquilo é tão bom que até nas igrejas já
se adotam seus instrumentos e suas músicas. 111
O religioso tentava demonstrar imparcialidade por ser um formador de opinião, tentou deixar a
análise da consciência de cada leitor o julgamento. Contudo ficou evidente que ele não concordava com a
iniciativa:
É natural que experiências desse porte e dessa natureza despertem opiniões as mais
diversas e mesmo contrárias e opostas, motivando críticas e elogios, aplausos e
condenações. (...) Reconhecemos que existem lados positivos, embora pensemos que
os negativos sejam mais fortes e mais numerosos com possibilidade de anular os
positivos e à boa intenção. 112
110
Jornal A Tarde. Vida Católica, p.6 – A Missa do Morro – Padre Manuel Soares, 16 de dezembro.
111
Idem.
Idem.
112
70
Passada uma semana após a exibição da coluna citada anteriormente no Jornal A Tarde um leitor
bastante ilustrado que tinha assistido a missa polêmica, que era bastante entendedor de instrumentos
musicais, sem se identificar fez comentários desfavoráveis à Missa do Morro na coluna Opinião do leitor.
Disse não ter desgostado da melodia, mas os acompanhamentos o transportaram dali, “(...) fechando os
olhos tinha a impressão de achar-me no meio de uma selva africana ou num terreiro de candomblé, ouvindo
os lamentos dos oguns.”.
113
O leitor sugeria um local para que a missa tivesse sido realizada, o Centro de Estudos Afro-Orientais.
Para ele a missa passaria a ser uma “manifestação folclórica e só para turistas”. Ele considerou que a
iniciativa não teve “duas espécies de inimigos”, mas “antipatizantes”. A palavra de ordem após a leitura do
texto é civilidade, que era adotada por parte do governo, como medida seria a erradicação do analfabetismo.
As novidades apresentadas pela Abadia beneditina para ele estavam ferindo os sentimentos de muitos
católicos, já que as festividades de outrora eram de pompa e esplendor.
O Concílio Vaticano II fazia sugestões e promovia ações segundo o leitor que estavam sendo
extrapoladas. Além das mudanças da missa, houve alterações no altar e no posicionamento do trono
tornando o recinto anteriormente solene em um ambiente mais simples, medidas que fizeram com que o
templo católico assumisse um aspecto de assembléia protestante, segundo o revoltado leitor. Finalizou:
E tudo isto para que? Qual a vantagem? Deus torna-se-á assim mais conhecido, mais
respeitado, mais amado?
Senhor! rezem as missas dialogadas, em horários determinados, mas reservem
algumas missas do tipo tradicional, a sobretudo, ressurja a Missa Solene cantada em
latim, com órgão ou instrumentos próprios, a Missa Festiva na plenitude do seu
pomposo esplendor.
E que os beneditinos esqueçam a missa do morro.
Com um público mais eclético o Jornal da Bahia expôs em uma reportagem às vésperas do período
natalino, a opinião de alguns universitários, o que demonstrou maior aproximação com essa categoria. A
Juventude Universitária Católica se posicionou a favor da Missa do Morro e se manifestou por mudanças da
113
Jornal A Tarde - opinião do leitor: Missa do Morro. 21 de dezembro de 1965.
71
Igreja no que se referia à troca dos instrumentos clássicos por populares, pois, de acordo com eles “refletem
o verdadeiro sentimento do povo.”
114
A presença conservadora de um abade desconhecido era temida por parte da Juventude Católica
Universitária que foi desmistificada através da Missa do Morro, se os jovens já tinham o Mosteiro como um
local de acolhimento para eles a iniciativa promoveu a aprovação do novo abade. O povo de santo também
se viu representado quando instrumentos utilizados em suas celebrações foram utilizados na polêmica missa.
O ano de 1966 ainda seguiu no seu primeiro mês com a imprensa escrita comentando a Missa do
Morro. Anteriormente o Jornal à Tarde parecia ter apenas leitores conservadores, postura contrária dos
leitores do Jornal da Bahia. O jornal na época vespertino expôs no dia 7 de janeiro depoimentos de alguns
fiéis com opiniões bem diferentes das anteriores. A aprovação dos instrumentos e da natureza da música
aplicada na Missa do Morro.
O Sr. Edson Nunes da Silva provou através da bíblia que os instrumentos utilizados estavam
coerentes. “Na missa, culto exterior, para provocar recolhimento e prece, a música só se manifesta,
coerentemente, com as tonalidades próprias do ato religioso. A música há de ser, pois, especial, religiosa. E
os instrumentos em apreço exprimem também, nas mãos de quem sabe manejar, os fervores do coração e
nos conduzem aos êxtases divinos.”
115
Mais uma vez os leitores mostraram-se bastante esclarecidos e atualizados, dando mostras que
sabiam as resoluções do Concílio Vaticano II e suas adaptações aqui no Brasil. Nessa reportagem houve um
leitor que não se identificou que havia retornado da Europa segundo ele as pessoas de lá já viviam os frutos
do Concílio. O leitor realçou a necessidade que a Igreja tinha de se inserir no mundo, que finalmente esse
processo estava acontecendo.
No Concílio a Igreja encontrou o verdadeiro caminho, o caminho da vida comum, da
festa popular dos homens. Cabe portanto a nós, cristãos de hoje, cristãos de após o
Concílio Vaticano II procurar cada vez mais libertar cada vez mais a Igreja de todo e
qualquer preconceito. No caso a introdução dos instrumentos populares na igreja é
muito oportuna aqui na Bahia que aliás já tivemos um exemplo admirável na África
com a “Missa Luba” exemplo de que canto popular mas que nem por isso deixa de
ser profundamente religioso. 116
114
Jornal da Bahia - Missa do Morro Adapta Igreja do Diálogo à Realidade Brasileira. 23 de dezembro de 1965.
115
Idem.
Idem.
116
72
Com o tema aquecido, a adaptação da liturgia prosseguiu firme nos seus propósitos, mudanças no
cotidiano dos católicos. A fim de formar melhor sacerdotes de todo o país foi promovido pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil um Curso Superior de Liturgia que teve a duração de um mês, como
autoridade no assunto a aula inaugural foi ministrada pelo abade Dom Timóteo que teve como tema A
liturgia, expressão do serviço de Deus e dos homens.
O curso teve três linhas de estudo a “doutrinária (litúrgica), a sociológica e a antropológica (o
homem, especialmente o homem brasileiro)”
117
. Com temas interessantes o curso envolveu profissionais de
áreas diversas como a teatróloga Maria Clara Machado com o tema “O homem e o gesto”. Na aula que foi
apresentada “a tese de que o gesto, a expressividade, é o meio de comunicação mais direto do homem e,
sendo a missa onde o gesto está presente, torna-se o fato um tema de interesse para a Igreja.”
118
Na reportagem foi feita uma importante entrevista com o representante no Núncio Apostólico, D.
Sebastião Baggio que ao ser perguntado sobre a Missa do Morro afirmou: “(...) não creio que a Missa do
Morro seja tão importante como o descobrimento da América nem como uma heresia. É, apenas, uma
modificação na tradição musical da Igreja, com que nem todos os clérigos estão de acordo. O religioso ouviu
uma gravação no mês seguinte e aprovou a iniciativa.
E como reagiu o povo diante de tudo isto, sem a tal falada preparação?
Admiravelmente. É impressionante a gente ver, mesmo nas Igrejas do interior como
o povo está vivendo a missa. Crianças, homens, velhos, todos em uníssono dialogam
com o sacerdote.
(...) Aqueles que temiam que fosse a missa desvalorizada e incompreendida,
enganaram-se totalmente. Apesar da deficiente formação cristã do nosso povo, da
piedade sentimental tão característica da religiosidade brasileira, as massas deram
um testemunho extraordinário de compreensão das reformas litúrgicas. 119
O trecho acima é parte do jornal mês de janeiro A Semana Católica que publicou uma matéria
relatando como o povo estava reagindo com as mudanças nas missas. O escritor não foi revelado, mas o que
pode ser percebido é o seu contato com os freqüentadores das missas. Após o Concílio alguns setores da
Igreja acreditavam que a população teria que ser preparada para as adaptações em curso.
117
Jornal da Bahia. Curso debate: questões da igreja analisando a aculturação. 23, 24 de janeiro de 1966 Litúrgica.
118
119
Idem.
Jornal da Bahia. A Semana Católica – o povo e a liturgia. 25 de janeiro de 1966.
73
3.3.2 A peça teatral Aventuras e desventuras de um estudante e a acusação de subversão no Mosteiro de
São Bento
Nos meados da década de 60, a população brasileira era composta em mais da metade por jovens
com menos de vinte anos. O jornal semanal deu essas estatísticas ao abordar que o problema da Igreja estava
relacionado com a juventude, na falta de diálogo com ela. Esta faixa etária estaria vivenciando uma séria
crise que precisava de uma pastoral para atender suas necessidades. Os moldes tradicionais não tinham a
linguagem adequada para dialogar com o jovem da época. A frente de ação estaria com a Ação Católica
através dos seus desdobramentos, a JEC, a JUC e a JOC. A colunista Yvette Amaral expôs como se
expressava a juventude. “Diante desta derrocada da juventude que quer afirmar-se através de camisas
espalhafatosas, cabeleiras de play-boy e escandalosos biquínis, não podemos ter uma atitude só de revolta e
lamentação.” 120
A escritora menciona que o diálogo se fazia necessário porque a juventude era cheia de desvios e
contradições. Naquele momento participantes da Juventude Estudantil Católica estavam reunidos em um
retiro em Itaparica a fim de pensar formas para esse diálogo. “Diálogo difícil porque exige renovação
completa de palavras e atitudes; diálogo humilde, embora corajoso e firme; diálogo, sobretudo com amor. A
juventude não pode sentir-se repelida sob pena de fecha-se em perigosa revolta.”
121
Os retiros até hoje são muito populares entre os jovens, é em momentos como esse que pessoas
optam pela vida religiosa como foi o caso de Dom Timóteo. Em outra reportagem 122 o jornal semanário
chamou atenção para a participação do estudante na vida pública, embora suas lideranças tivessem sido
dispersas pelo golpe civil-militar em sua operação limpeza iniciada em 1964. Contudo, essa operação foi
mais incisiva nos anos de chumbo da ditadura, até 1968 ainda havia liberdade de expressão, a juventude ia
às ruas, protestava contra abusos cometidos principalmente por parte da ditadura.
No dia 6 de agosto de 1966 Dom Timóteo recebeu um documento que causou inquietação por parte
do abade, uma carta do Núncio Apostólico do Brasil, órgão representante do Papa no país. No início da carta
que não foi assinada tratava o abade beneditino com saudação cordial, mas era curta e direta acusava o
Mosteiro ter ser um “foco de subversão”. Essa acusação pode ter sido lançada após a aproximação do
Mosteiro com os estudantes do Colégio Central.
120
10 de abril de 1966 – A Semana Católica -A CRÔNICA DA SEMANA – DIÁLOGO COM A JUVENTUDE.
121
Idem.
10 de abril de 1966 - ESTUDANTE E A VIDA PÚBLICA –– A Semana Católica.
122
74
Em junho de 1966 ocorreu à greve do Colégio Central em Salvador, o evento é considerado como a
primeira grande manifestação estudantil contra o governo militar em Salvador, contudo este episódio
desencadeou a primeira ação repressiva organizada do regime ditatorial contra o Movimento Estudantil na
Bahia desde o golpe em 1964. A proibição da peça Aventuras e desventuras de um estudante foi o estopim
da mobilização grevista que paralisou todo o colégio e acabou desencadeando em outros estabelecimentos
de ensino secundário e universitários são alguns exemplos: a Escola de Eletromecânica e o Colégio
Aplicação, as Escolas de Geologia, Teatro, Música e Filosofia da UFBA, além de entidades como União dos
Estudantes da Bahia (UEB) e do Teatro Experimental de Feira de Santana (TEF).
Dando continuidade à postura atuante do Mosteiro de São Bento junto à juventude soteropolitana, D.
Timóteo enquanto esteve na direção da abadia abriu ainda mais os espaços físicos e de diálogos da
comunidade religiosa. Não havia intenção de recuar sua postura próxima e acolhedora com a juventude
estudantil.
A resposta através de uma carta enviada ao Núncio Apostólico Brasileiro, ou seja o representante do
papa no Brasil é considerada por nós o documento mais importante desse trabalho acadêmico. A carta do
Núncio Apostólico utilizava o papel timbrado do Vaticano indicando trata-se de um documento oficial. A
carta escrita pelo abade no mesmo mês trouxe com riqueza de detalhes quais as atividades que o Mosteiro de
São Bento da Bahia vinha desenvolvia. Dentre elas, destaca-se pela repercussão a liberação do teatro do
Mosteiro para os ensaios de alunos do Colégio Central e pessoas ligadas ao Grupo de Teatro Amador da
Bahia – GATEB para posterior apresentação neste espaço da polêmica peça: Aventuras e Desventuras de um
estudante escrita pelo estudante do Colégio Central Carlos Sarno.
O documento esclarece que a autorização concedida por Dom Timóteo só foi realizada porque a peça
teatral não havia sido liberada por um inspetor do Colégio Central, a polêmica gerada em torno da atividade
extraclasse ocorreu devido à proibição da direção do Colégio. Este fato só aconteceu por causa do texto da
peça, o qual abordava a burocracia que o aluno passava desde o ingresso na instituição e várias denúncias de
descaso e falta de comprometimento com a educação que o Colégio Central (e outras instituições) vinha
realizando com o ensino público.
A resposta de Dom Timóteo foi enviada quatro dias após o recebimento da carta explicou
detalhadamente as atividades desenvolvidas pelo Mosteiro, assim, a denúncia não tinha fundamentos. O
abade se reportou a Dom Sebastião Baggio responsável pelo Núncio Apostólico, sem saber o porquê da
acusação, a postura adotada era defensiva e esclarecedora:
75
De que, com efeito, me acusaram corretamente? Terei armas aqui escondidas?
Admito conciliábulos conspiratórios? Para informar lealmente a V. Excia, tentatarei
enumerar os tipos de reunião que se abrigam no Mosteiro: um curso noturno de
alfabetização de adultos, promovido por elementos da JOC e ministrado por
voluntários da JUC e outros, em favor de moças empregadas em serviços
domésticos. O curso funciona das 20 às 22hs, nas salas do Ginásio São Bento.
Temos também reuniões de grupos da JEC masculina e da JIC, com os respectivos
assistentes, que são monges deste Mosteiro. Temos também um grupo coral
intitulado “Coral da Juventude” que se reúne em outro salão anexo, para estudar e
ensaiar a sua participação na 18hs de domingo no Mosteiro, além de suas outras
incipientes atividades folclóricas. Ultimamente, acolhi também, com muita alegria,
um grupo de teatro estudantil que ensaia uma peça proibida no colégio onde estudam
por fazer justa crítica da corrupta situação que é notória. 123
Em sua carta o abade relatou que entre os estudantes secundaristas que estava acolhendo havia
“marxistas convictos”, mas segundo o religioso a ideologia deles não pesava no conjunto. A maioria sem
radicalização ideológica, o Mosteiro vinha desenvolvendo um papel de orientação em suas vidas, indignado
Dom Timóteo perguntou se isso era o “foco de subversão”, afirmou que a maioria dos jovens era contra o
governo, mas que em sua concepção isso também não era subversão.
A comunidade beneditina andava apreensiva, seu templo estava sendo monitorado, a confirmação
disso foi a abordagem de um agente do governo a um jovem que estava nas portas da Igreja, ele ajudava nos
preparativos da missa da juventude, tradicionalmente realizado às 18H aos domingos. O homem perguntou
ao jovem se era lá que estava sendo ensaiada a peça comunista e se ele estava disposto a ajudar a polícia, o
rapaz não concordou em ajudá-lo porque “seria contra os padres”.
Feitos os devidos esclarecimentos, o Mosteiro continuou apoiando os estudantes, porém por pressões
diversas Dom Timóteo recuou na apresentação da peça em nota pública no Jornal da Bahia no dia 20 de
Agosto de 1966 o abade explicou melhor a situação:
(...) em face da ameaça de tumultos capazes de perturbar a encenação da peça, a
pedir aos meus jovens amigos do Grupo de Teatro que supendam o espetáculo que
até que se levante a opressão que baixa sobre o nosso páis neste crepúsculo de sua
liberdade. Assim agindo, atendo especialmente, com a deferência merecida ao apelo
do Exmo. Sr. Dom Eugênio Salles, Administrador Apostólico da Arquidiocese que
123
Documento - resposta do Mosteiro de São Bento, Salvador (Bahia) do dia10 de agosto de 1966 redigido ao Excelentíssimo Sr.
Dom Sebastião Baggio representante do Núncio Apostólico.
76
me comunicou as suas apreensões a respeito. Não me sinto, por outro lado, com
direito de expor os estudantes e a platéia a riscos de fácil previsão. Estando também,
em vias de viajar ao estrangeiro para participar do Congresso geral dos abades da
minha Ordem, sentir-me-ia constrangido e sem sossêgo se deixasse entregues à sua
própria sorte esses valorosos estudantes. 124
Enganou-se quem cogitou a possibilidade de recuo no diálogo do abade com a juventude
soteropolitana, os laços e passos dessa relação de amizade foram estreitados ao longo do tempo, situação que
preocupava o regime autoritário. Algumas vezes freqüentadores do Mosteiro denunciavam possíveis agentes
infiltrados nas missas no Mosteiro beneditino, mostra que os religiosos e freqüentadores do Mosteiro
passaram a ser vigiados de maneira atenta pelos militares.
A atuação de D. Timóteo com a população excluída de Salvador não se restringiu aos estudantes. A
Missa do Morro aproximou o abade beneditino de diversas casas de candomblé, fazendo com que fosse
iniciado o diálogo Inter-religioso na capital baiana. Essa ação foi mais progressista do que as propostas de
diálogo Ecumênico Cristão recomendado pelo Concílio Vaticano II. É válido salientar a aproximação e
amizade do religioso com o antropólogo Vivaldo Costa Lima, importante estudioso do candomblé na Bahia.
No dia 18 de agosto Dom Timóteo proferiu uma palestra no restaurante universitário da UFBA sobre
a Páscoa que teria espaço privilegiado para a juventude. Na ocasião afirmou que “os cristãos conscientes de
hoje estão ameaçados de perseguição nesse país”. Por comungarem a missão de Cristo “pela personalização
do homem, contra toda forma retardada de humanidade; a ignorância, a injustiça, o ódio, as servidões
materiais – tudo que seja entrave à liberdade”.
124
125
125
Jornal A Tarde. 20 de Agosto de 1966.
Jornal da Bahia. Cristãos conscientes de hoje estão ameaçados de perseguição - diz o Abade. 18 de agosto de 1966.
77
4 DOM TIMÓTEO, OS BENEDITINOS, OS MOVIMENTOS SOCIAIS E AS RESISTÊNCIAS A
DITADURA MILITAR EM SALVADOR
No que tange a atuação do Mosteiro de São Bento, nos anos de chumbo do regime militar, o espaço
era tido pela juventude soteropolitana como um reduto de discussão e diálogo, visto que suas autoridades
eclesiais acolheram e aceitaram discutir problemas e manifestações culturais com jovens e moradores de
Salvador no período.
As principais fontes de pesquisa utilizadas foram entrevistas impressas, realizadas por Jesus e
Bandeira no trabalho Por amor aos meus irmãos 126. As entrevistas foram cedidas por Dom Gabriel, monge
beneditino visitante do Mosteiro. O religioso se interessou em estudar a vida de Dom Timóteo, a curiosidade
dessa história é como um rascunho da monografia dos orientandos de Emiliano José no curso de
Comunicação Social da UFBA, as entrevistas realizadas por eles, livros e artigos pesquisados chegaram até
o monge beneditino visto que esses documentos não fazem parte do acervo da biblioteca e do arquivo do
Mosteiro de São Bento da Bahia.
O caderno em espiral impresso que condensa essas entrevistas não tem nenhum critério de
classificação, contudo todas as entrevistas foram datadas, o que permitiu que fizéssemos uma lista com o
nome dos entrevistados. Contudo, três dos entrevistados não tiveram seus depoimentos anexados aos
dezesseis transcritos pelos jornalistas.
Três monges que possivelmente conviveram Dom Timóteo, Dom Ivan Andrade, José Den Bôer e
Dom Bernardo, este último merece destaque nesta dissertação porque acompanhou o abade durante os vinte
e nove anos que morou no Mosteiro de São Bento da Bahia; Além destas há também uma entrevista com
Padre Renzo Rossi. A não exposição dessas entrevistas pode ter sido proposital devido o seu conteúdo ou
por terem sido as últimas entrevistas realizadas pode não ter havido tempo para transcrevê-las.
O trabalho monográfico Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés 127, escrito por
Paloma Váron e Francisco Cláudio aborda o mesmo período. Os dois trabalhos acadêmicos de jornalismo
foram orientados pelo professor e ex-preso político Emiliano José conhecido por escrever suas memórias
126
Trabalho de conclusão de curso para a obtenção de Graduação de Bacharel em Jornalismo na UFBA, autoria de Everaldo de
Jesus e Regina Bandeira, Maio De 2002;
127
VARÓN, Paloma; CLAÚDIO, Francisco. Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés. 2001. Trabalho de conclusão de
curso (Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
78
enquanto esteve preso, os livros: “Galeria F: lembranças do mar cinzento” e “As asas invisíveis do Padre
Renzo”, no qual relata a atuação do padre junto aos presos políticos no Brasil.
O trabalho de Paloma Varón e Francisco Cláudio de 2001 é inédito, realizado com qualidade sobre o
Grupo Moisés. Porém, ao longo do texto a dupla de jornalistas cita o entrevistado apenas quando usa trechos
de provável entrevista, um procedimento metodológico com o trabalho com entrevistas pouco usual na
produção historiográfica. Contabilizamos onze entrevistados, três deles ex-religiosos. No mesmo ano,
Regina Bandeira e Everaldo de Jesus realizaram dez entrevistas, seis dos entrevistados foram pessoas que
Váron e Cláudio entrevistaram, porém o objetivo delas foi a escrita de uma biografia sobre Dom Timóteo. A
proximidade dos temas se entrelaça porque Dom Timóteo “oficializou” o Grupo Moisés.
Como pôde ser observada, nos capítulos anteriores, houve uma escalada gradual no endurecimento
do regime militar. Em Dezembro 13 de 1968 foi decretado o Ato Institucional nº5, que ficou popularmente
conhecido como o A.I. 5. Este ato incluiu a proibição de manifestações de natureza política na ocasião foi
estabelecida a Censura no país. O ato vetou o direito de todo preso ao habeas corpus para crimes contra a
segurança nacional (ou seja, crimes políticos) e concedeu ao Presidente da República enormes poderes como
o fechamento do Congresso Nacional. As arbitrariedades cometidas subtraíram pouco a pouco a paz nos
lares brasileiros.
No ano seguinte ocorreu a desestabilização dos freqüentadores do Mosteiro, sobretudo jovens de
esquerda, alguns dos quais se tornaram clandestinos, nesse período muitos sindicatos foram fechados ou
impedidos de realizar suas atividades. Diante destas tensões, jovens e religiosos se preocuparam em
organizar novos espaços de socialização como foi o caso do Mosteiro de São Bento que acolheu
movimentos sociais em suas dependências. Nesse período sugiram o Grupo Moisés e a conjuntura de
lançamento do documento/manifesto dos Bispos do Nordeste: Eu ouvi os clamores do meu povo.
4.1 A DESESTABILIZAÇÃO DE MILITANTES ESTUDANTIS A LUTA ARMADA
Às vésperas de completar dez anos de Revolução Cubana, o discurso anticomunista no Brasil em
grande medida proferido pelo regime militar atacava os setores ligados à oposição. Ao ler trechos do texto
“O ano que se enterra” escrito por Dom Jerônimo de Sá Cavalcante se tem uma noção de como foi o
tumultuado ano de 1968 e quais eram suas expectativas para o ano seguinte, afirmando que, no ano de 1968
79
o homem avançou na ciência, foi à lua à procura de novos conhecimentos cósmicos, porém, nele se
presenciou o terrível drama de “uma Biafra faminta e esmagadora pela ganância e egoísmo dos governos.”
A guerra fria vivia o seu ápice, a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética para a
chegada do homem à lua. Embora o texto relate como um fato ocorrido em 1968 os EUA só conseguiram o
feito no ano seguinte. O ano que se enterra é um texto que faz parte do livro Testemunho Hoje coletânea de
artigos publicados no Jornal da Bahia. O livro foi a única obra deixada por Dom Jerônimo publicada pela
Editora Beneditina que funcionava no Mosteiro de São Bento da Bahia, seu lançamento 128 foi noticiado pelo
Jornal Semana Católica como evento de sucesso, pois, segundo o semanário católico o religioso autografou
cerca de quinhentos exemplares.
Voltando à análise de O ano que se enterra, o beneditino expõe a “ganância e egoísmo dos
governos” que alastraram desigualdades por onde passaram, nesse período é notável o avanço das indústrias
multinacionais que exploram países subdesenvolvidos e neocolonializados. Na concepção de D. Jeronimo as
palavras perdem o sentido, valores são mudados e as realizações são deturpadas em seu legítimo objetivo
pelos meios de comunicação que são bem montados a serviço do lucro e ambições de grupos e de nações. Já
se vivia o AI-5, os meios de comunicação passaram a ser controlados e monitorados pelos militares e mais
uma vez a mensagem de Dom Jerônimo era clara já que revelava que o interesse no controle não era
somente estatal:
O cristão sabe que ele também foi instrumento de contradições no meio de um
mundo que aceita e vê todas as crises financeiras, econômicas, sociais, políticas e
culturais, mas não admite a crise religiosa. O próprio Paulo VI afirmou que a Igreja
foi tirada desta humanidade que aí está, portanto a Igreja carrega as virtudes e os
defeitos desta geração. Se a Igreja é divina e imutável, ela é também humana e
mutável. Sua substância é a mesma, seus acidentes é que variam 129.
O que esperar nesse tempo de incertezas, qual o papel do cristão frente às mudanças? A juventude
católica e os leigos engajados buscavam renovação da Igreja, que ocorreu a passos lentos através de
possíveis diálogos. Por mais que houvesse tensões em torno de gerações eclesiais pré e pós Concílio
Vaticano II, algumas autoridades admitiam a crise religiosa e estavam sedentas por mudanças rumo a uma
Igreja mais “humana e mutável”.
128
Dom Jerônimo de Sá Cavalcante, Testemunho Hoje. Editora Beneditina, p.101.
129
Idem.
80
O exemplo de cristão “... é aquele que vive a sua fé, realiza a fraternidade, a paz, a justiça, usa de
bondade e misericórdia com as criaturas e não aquele que se submete às estruturas desumanas e
contraditórias” 130, a mensagem de Dom Jerônimo recomenda que cristãos e não cristãos reflitam como deve
ser uma pessoa que busca se tornar um ser humano melhor, em suas palavras há essência do Cristianismo.
À medida que o texto avança percebe-se com mais clareza essa essência, que 1968 foi um ano difícil,
que era necessário repensar que ninguém é melhor do que outro. “O ano que se enterra aponta -nos um único
caminho para os homens: o pregado Mistério do Natal, o da fraternidade. Precisam os homens se convencer
de que somos todos irmãos, temos um mesmo Pai, fonte de todo o bem e toda a luz” 131.
O “sepultamento” do ano que marcou gerações previa que 1969 viesse repleto de “... um
comprometimento único e digno de cristão, comprometimento com o homem”, cujo empenho marcou o
engajamento da Igreja Católica do Brasil com as causas sociais que ela considerava como urgentes e
necessárias para defender os interesses de grupos de cristãos envolvidos nestas tensões políticas. Foi nesse
contexto de enfrentamentos no Brasil que entre agosto e setembro de 1968 ocorreu a II Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano (CELAM), em Medellín:
O Concílio havia consagrado a idéia de Povo de Deus, mas somente no encontro
realizado na Colômbia a noção seria alargada para a de Igreja dos Pobres... Ficou
célebre a abertura do capítulo dedicado à pobreza, com seu brado de libertação: “Um
surdo clamor brota de milhões de homens, pedindo a seus pastores uma libertação
que não lhes advém de parte nenhuma”. 132
As sementes plantadas pelo Concílio Vaticano II brotavam em Medellín e, finalmente, a Igreja nascia
para o povo na América Latina e anunciava seu propósito de seguir adiante com esta posição. O autor relata
que os militantes católicos promoviam a integração entre os grupos baseados nas correntes socialistas e
marxistas. Os pequenos grupos chamados de “minorias proféticas” atuavam em todo o continente, oriundos
geralmente dos movimentos da Ação Católica. Os resultados da atuação dos grupos eram paroquiais e/ou
dirigido a grupos específicos da juventude católica agrária, estudantil, operária, universitária, independente,
já comentados no capítulo anterior - como a Juventude Agrária Católica (JAC), (JEC), (JIC), (JOC) e (JUC).
A Conferência do CELAM foi acompanhada por muitos religiosos brasileiros e acreditamos que
participaram das resoluções e da elaboração de documentos que circularam em diversos segmentos da Igreja
no Brasil. Além disso, é possível perceber que havia esperanças em um ano melhor, “(...) enterremos com 68
130
Idem.
Idem.
132
COSTA, Iraneidson Santos. Que papo é esse? Intelectuais religiosos e classes exploradas no Brasil (1974-1985). Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
131
81
o medo, a covardia, os compromissos e partamos para 1969 com a autenticidade do cristão, da cruz, do
Calvário” 133, assim se postava Dom Jerônimo diante do que supomos ser uma referência ao Ato Institucional
nº5, ao finalizar o seu texto “pressentindo” o que estava por vir, o período mais obscuro e violento da
ditadura militar, uma cruz que cristãos e não cristãos, na acepção do beneditino deveriam ter carregaram
para enfrentar.
Na história política do Brasil, o ano de 1968 é o início de um período mais repressivo do regime
militar, repleto de seqüestros, prisões, exílios, processos, desaparecimentos e mortes de pessoas que não
concordavam com o governo. O rumo tomado por elas foi à clandestinidade e o afastamento de suas funções
nas organizações. Passado o primeiro impacto foram traçadas as novas estratégias e rumos de pessoas e
instituições ligadas a esquerda tais como partidos, entidades estudantis e sindicatos. O desmantelamento da
União Nacional dos Estudantes com a prisão de diversos lideres no congresso realizado em outubro de 68
em Ibiúna, deu mostras do que estava por vir:
O desbaratamento do 30° Congresso da UNE já era um demonstrativo da
intolerância e da repressão com a oposição. Após o Congresso em Ibiúna, muitos
estudantes brasileiros foram denunciados em processos jurídicos – alguns casos,
imediatamente presos enquanto o inquérito tramitava. Em seguida à queda de Ibiúna,
houve o Ato Institucional nº5 (AI-5) que praticamente fechou as possibilidades de
alguma resistência legal e aberta ao regime. Também chamado de “golpe dentro do
golpe”, o AI-5 suspendeu o direito ao habeas-corpus, instituiu a censura. 134
A repressão foi a forma que o governo ditatorial encontrou para barrar a onda de protestos e
manifestações que ocorreram em todo o país. A desarticulação do movimento estudantil através das prisões
de suas lideranças em Ibiúna alcançou o seu objetivo: instaurar uma caçada aos opositores da ditadura. O
movimento estudantil quando ia as ruas incitava outras categorias como associações de bairros e sindicatos a
se manifestarem por melhores condições de vida.
As reivindicações dos estudantes não eram somente por melhoria no ensino, o “milagre econômico”
já dava seus primeiros sinais à renda per capita aumentou nesse período, acompanhada de grande
desigualdade. Para o governo era necessário “crescer o bolo para depois reparti-lo”, o problema é que a
população recebia pedaços desiguais desse “bolo”, quando recebia. Acoplada as manifestações estudantis
133
Dom Jerônimo de Sá Cavalcante, Testemunho Hoje. Editora Beneditina, p.102.
BRITO, Antonio Mauricio Freitas. Salvador em 1968: um breve repertório de lutas universitárias. In.: ZACHARIADHES,
Grimaldo Carneiro (org.) Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes. Salvador: EDUFBA, 2009,
p.111.
134
82
protestavam pessoas do movimento negro, mulheres reivindicando direitos, assalariados insatisfeitos devido
ao arrocho salarial.
Em Salvador em 1968: um repertório de lutas universitárias135 em fevereiro de 1969 foi criado pelo
governo o decreto 477 com o intuito de imobilizar o Movimento Estudantil. O documento impedia que
estudantes que participassem de manifestações se matriculassem numa faculdade por um período de três
anos. A punição foi utilizada de modo retroativo, na UFBA foi cassado o direito a matrícula de setenta e
dois estudantes. Aos professores que se envolvessem em manifestações “político-partidárias” estavam
previstas expulsões de seus trabalhos.
Com poucas alternativas para resistir ao regime instalado, o Movimento Estudantil optou por duas
estratégias: o afastamento de suas atividades junto aos estudantes secundaristas e universitários. O foco de
sua atuação passou a ser nos movimentos sociais de Salvador e, posteriormente, se inserir na clandestinidade
se dedicando ou não à luta armada. Assim, grupos do movimento estudantil que permaneceu atuando em
Salvador participou de diversas mobilizações e arranjos durante 1964-1968. Narrando a trajetória do
Movimento estudantil e sua inserção na luta armada, Sandra Souza escreveu o livro Ousar Lutar, Ousar
Vencer: Histórias da luta armada em Salvador (1969-1971)122
A Bahia foi uma área de recuo das organizações armadas e não apenas Salvador. De acordo com a
pesquisa de Souza, a formação, as estruturas das organizações armadas em Salvador, as atividades,
características, as interações entre essas organizações políticas armadas urbanas que atuaram em Salvador,
notadamente, na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), no Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR) e no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) são os temas
principais do livro123.
Souza, ao fazer uma retrospectiva das movimentações estudantis nos anos de 1966 a 1968, com o
objetivo de “acompanhar a passagem da militância política legal das mobilizações estudantis, para a
resistência clandestina através das organizações de esquerda armada urbana, que atuaram nessa cidade
durante os anos de 1969 a 1971” 124, sugere que havia valores e inquietações que eram partilhadas por
gerações de jovens de todo o país, nas quais os estudantes secundaristas e os universitários tinham maior
peso.
Ainda segundo Souza entre os anos de 1960-1970, a cidade de Salvador foi alvo de um projeto de
desenvolvimento econômico que, apesar de embrionário, ocasionou o acirramento das desigualdades sociais
135
Idem, p.111.
SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Silva. Ousar, Lutar, Ousar Vencer: Histórias da luta armada em Salvador (1969-1971).
EDUFBA, Salvador, 2013, p.35.
123
Idem, p. 35.
124
Idem, p. 37.
122
83
porque era empreendido de forma excludente. A fim de enfrentar ou reparar tal exclusão surgiram inúmeros
movimentos sociais que se organizavam em bairros da capital baiana:
Paralelo a isso vivia um momento de inauguração no cenário cultural nacional,
protagonizado por uma juventude que ansiava por novas formas de expressão, as
quais não podiam prescindir da liberdade para a sua plena realização, o que incluía
poder manifestar, também, a sua preocupação com a realidade social e política da
época.125
Ainda, a autora ressalta que, em Salvador, durante os protestos de 1966 e 1967, os estudantes
secundaristas eram maioria, sobretudo nas manifestações contra a Lei Orgânica do Ensino, ocorridas em
agosto de 1967 – diferentemente de outros estados, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo – e os protestos
tinham como objetivo chamar a atenção para problemas específicos dos secundaristas. Afirma qu e em 1968,
especialmente, a partir dos acordos MEC-USAID, predominou a participação universitários; no entanto, o
movimento já tinha a adesão de diversas classes e correntes ideológicas.
A radicalização do regime militar foi uma confirmação para a juventude baiana de que para reaver a
liberdade e acabar com o regime autoritário no Brasil não seria através de vias pacíficas. Assim, com o
objetivo de dar continuidade a resistência à ditadura militar foi que os estudantes militantes no movimento
estudantil dos anos de 1966 a 1968 ingressaram nos organismos que defendiam a luta armada.
O trabalho realizado por Sandra Souza foi de grande valia para a compreensão de como e por que
estudantes se envolveram na luta armada, em ações que ocorreram em Salvador como exemplo assaltos a
banco. As ações podiam nem ser tão extremas, bastava hospedar alguém clandestino. Souza aborda que a
Bahia não foi uma mera “área de recuo”, ou seja, lugar onde militantes de organizações armadas passavam
um tempo em uma cidade longe do seu local de atuação afim de não ser pego pelo governo.
Segundo Souza a Bahia teve um papel de destaque, cidades interioranas foram locais de treinamento
de guerrilha. Salvador abrigou as principais lideranças da Ação Popular antes da clandestinidade e o
Mosteiro de São Bento esteve próximo de militantes de organizações armadas fornecia informações a
familiares e amigos.
Os estudantes que haviam participado dos movimentos de oposição após o golpe de 1964 sofreram
profunda influência das teorias da guerra revolucionária. Com a clandestinidade, o foquismo pareceu uma
solução viável, que consistia em:
Enraizou-se assim entre os estudantes a teoria do foquismo, segundo a qual ações
isoladas nos grupos militantes poderiam desencadear a revolução na América Latina.
Além disso, a limitada violência associada ao AI-5 convenceu muita gente de que a
ditadura estava àquela altura tão firmemente implantada que só poderia ser
84
derrubada pela força das armas. Foi o argumento final para a adesão de muitos
membros da classe média à luta armada. 136
Em Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), Maria Helena Moreira Alves, aborda os ciclos da
repressão promovidos pela ditadura militar. O primeiro ciclo, em 1964 promoveu a expulsão de pessoas
politicamente ligadas aos governos populistas, principalmente o de Goulart. O segundo ciclo (1965-1966),
tinha como foco a conclusão expurgos, pessoas ligadas à burocracia de Estado e nos cargos eleitorais. O
terceiro ciclo da repressão foi iniciado em 1968 “caracterizou-se por ambos expurgos em órgãos políticos
representativos, universidades, redes de informação e no aparato burocrático do Estado, acompanhados de
manobras militares em larga escala” 137. Houve violência indiscriminada, as campanhas de busca e detenção
de pessoas foram em âmbito nacional atingiram setores da população até então não afetados.
O depoimento de Dom Timóteo concedido ao jornalista Marcos Venâncio publicado em 18 de
dezembro de 1990 pelo jornal A Tarde aborda questões importantes sobre o período anterior a sua chegada à
Salvador. Na entrevista remonta a conjuntura do final de 1968 e a promulgação do AI-5, o religioso
descrevendo seu posicionamento com relação à luta armada, comenta:
Eu estava de tal modo comprometido com as pessoas e com o movimento das coisas,
e vendo com horror a ação repressiva que se endurecia e se tornava cada vez mais
cruel, pelos testemunhos que a gente recebia, que não foi difícil eu passar para um
sentimento de que realmente não havia outra saída senão a luta armada. Porque um
governo ditatorial não se entrega espontaneamente os pontos. Ele realmente se
defende, porque é toda uma acumulação de orgulho, de vontade, de gozo do poder e
do domínio sobre o homem e da manipulação do homem. Parecia-me que a luta
armada era a única saída, apesar dos riscos que ela própria desencadeia. Mas,
realmente houve um momento em que eu, apesar de não estar comprometido com a
luta armada, achava que era a solução e apoiava. Eu exultava com aqueles
seqüestros, na aurora da luta armada, na aurora romântica, os seqüestros de
embaixadores. Achava aquilo formidável. Era uma vitória. 138
Não há dúvidas que esse posicionamento era de quem estava próximo aos militantes das
organizações de luta armada. Dom Timóteo afirmou que estava “comprometido com as pessoas e com o
movimento das coisas”, comprometimento que acompanhou proporcionalmente com o endurecimento do
136
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução Clóvis Marques. 3ª edição. Editora Vozes,
Petrópolis, 1985, p. 142-143.
137
Idem, p. 141.
ANASTÁCIO, D. Timóteo Amoroso. Depoimento concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro e Gustavo
Fálcon. Revista da Bahia, Periódico: 12 de maio – 1989.
138
85
regime militar. Em 1968 segundo o relato de memória de Carlos Sarno (Jesus e Bandeira, 2002), o
publicitário relatou que esteve escondido no Mosteiro de São Bento com colegas em dois momentos quando
ocorreram repressões às manifestações estudantis. Segundo ele “esperando a barra esfriar”.
Os jovens militantes mais atuantes da Juventude Universitária Católica estavam indo para a
clandestinidade, fugindo da repressão. Os fundadores da Ação Popular eram vistos como opositores do
regime. Segundo o relato de memória de Solange Lima, seu esposo Haroldo Lima ficou em Salvador por
cerca de dois anos sem optar pela total clandestinidade após o golpe militar, mas ele sentia que era vigiado
pela repressão. Por isso, seu contato com o Mosteiro de São Bento tornou-se mínimo.
Em detalhes o relato de memória de Solange Lima contou a Everaldo de Jesus e Regina Bandeira o
período que Alípio Freitas esteve hospedado em sua casa. O interessante dessa história é que Solange só
ficou sabendo quem era o hóspede em sua casa tempos depois. O hóspede desconhecido por ela era um ex padre, também membro e fundador da AP, procurado pela repressão. Por esse motivo Alípio Freitas estava
na clandestinidade desde o início da ditadura. O objetivo de sua estadia em Salvador foi a realização de
cursos para membros da Ação Popular cujas orientações para o curso foram sistematizadas após uma viagem
a Cuba onde adquiriu informações teóricas e práticas destinadas a fomentar a luta revolucionária em
território brasileiro.
De acordo como Jesus e Bandeira em uma conversa entre Haroldo e Alípio falou-se de Dom Timóteo
e na confiança que os militantes de Salvador depositavam nele. Alípio viveu uma fase conturbada, às
vésperas do golpe foi proibido de celebrar missas por seu arcebispo D. Jaime de Barros Câmara. Seu
envolvimento com a AP era notável precisou fugir para não ser preso. Contudo, oficialmente, ele não havia
deixado de ser padre. Como católico sentiu a necessidade de comungar e se confessar. Encontrou na figura
de Dom Timóteo a confiança necessária para tal. Seu anfitrião comunicou seu pedido ao abade que aceitou
prontamente.
Ainda de acordo com os entrevistadores acima citados, no dia e horário marcados Haroldo passou
para pegar o abade, que não sabia sequer o nome da pessoa com quem iria encontrar vestiu seus paramentos
de sacerdote e levava consigo a hóstia para a comunhão. Os entrevistadores revelam um comentário de
Haroldo Lima que àquela altura já se dizia ateu: Tudo aquilo parecia surreal.
“Aquela figura bela, sentada junto a mim, com a hóstia na mão, e eu no meio de um
tumulto danado, para levá-lo a um desconhecido, perseguido pela ditadura. Naquele
momento, se acontecesse alguma coisa, estaríamos presos Alípio, eu e o abade.”.
86
Certamente esse acontecimento fez Haroldo lembrar-se do início de seu engajamento político quando
ainda era católico. A descrição quase poética da cena por um ateu nos leva a dimensão do sagrado. Dom
Timóteo naquele momento vestido com seus paramentos religiosos e carregando consigo o corpo de Cristo,
prestes a alimentar espiritualmente um desconhecido. Os riscos sem dúvida inquietaram Haroldo Lima que
estava dirigindo, preocupado com o abade que não estava envolvido com os motivos que trouxeram Alípio
Freitas à Salvador.
4.2 OS RELATOS DE MEMÓRIA E AS CONEXÕES ESTABELECIDAS ENTRE O MOSTEIRO
SÃO BENTO E OUTROS ESPAÇOS DE DIÁLOGO EM SALVADOR
O momento evidenciado por grande parte dos relatos de memória foi à invasão do Mosteiro de São
Bento em agosto de 1968, embora nenhuma das entrevistas transcritas demonstraram que alguém esteve
presente no episódio em questão. Houve uma ampla cobertura da ocorrência realizada pela imprensa, cujas
informações foram utilizadas por todos que escreveram sobre a invasão.
De todo material que tivemos a oportunidade de ler até o momento sobre Dom Timóteo há um
abismo entre os anos de 1969 e 1972, após a invasão do Mosteiro de São Bento é como se pairasse um
silêncio a respeito do qual não encontramos evidencias sobre as ações realizadas por esta instituição; por
este motivo resolvemos procurar vestígios em matérias de jornais e relatos de memória. Foi durante àquele
período que houve intensa mobilização de pessoas e a formação do Grupo Moisés. Os impactos da II
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (CELAM), em Medellín foram sentidos em Salvador.
É importante relatar os encontros anteriores a Medellín que foram citados por Verón e Cláudio no
texto em Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés.139O Encontro Episcopal Latino-Americano
de Baños (Equador, 1966), a X Assembléia do Conselho do episcopado Latino-Americano (CELAM), que
teve como tema “O papel da Igreja no desenvolvimento e na integração da América Latina (Argentina,
1966), o Encontro de Pastoral Universitária (Colômbia, 1967), e o Encontro de Pastoral Social (Brasil,
1968).
Após o Concílio Vaticano II diversos religiosos e leigos da América Latina participaram de diversos
eventos. Possivelmente as discussões nos eventos citados fomentaram os problemas que ocorriam em todo o
139
VARÓN, Paloma; CLAÚDIO, Francisco. “Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés”. 2001. Trabalho de conclusão
de curso (Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
87
continente, a pobreza, a participação dos leigos e a integração dos países com intuito de levantarem
questionamentos e fazer com que a Igreja tomasse posições em determinados momentos.
Quando esses eventos ocorriam eram publicados documentos com resoluções que continham
possíveis avanços. A circulação desse tipo de escrita no meio religioso clerical e leigo era constante. Dom
Timóteo era uma pessoa cuidadosa possivelmente guardou documentos desse tipo, porém, a presente
pesquisa realizada até o momento não encontrou seu posicionamento ou escritos dele durante sua realização,
referente ao período de 1965-1973. Sendo assim, a fim de compreender melhor esse período houve a
necessidade de recorrermos às memórias. A memória difundida entre as pessoas que conheceram e
conviveram com Dom Timóteo em diversos momentos se mostra de forma mítica com relação a ele. É fato
que suas ideias e atitudes foram corajosas e admiráveis, pensamentos e ações que segundo ele fizeram parte
de sua visão acerca do cristianismo e, de modo especial, da regra de São Bento. Uma leitura da s entrevistas,
dos escritos e de relatos que pessoas que conviveram com o Abade, indicam que se têm é que quanto mais
próxima a pessoa era de Dom Timóteo se faz menos “culto a sua personalidade”.
A necessidade da história é uma necessidade de memória. De acordo Pierre Nora a curiosidade pelos
lugares onde a memória se condensa e se refugia está ligada a cada momento particular da nossa história, o
momento presente é de profunda análise do passado recente. Nesse sentido, o cinquentenário do golpe civil militar passa por um novo “surto memorialístico”. Segundo Lucileide Cardoso 140 “A memória histórica,
assim como a ideologia, pode ser manipulada de acordo com as correlações de forças e interesses das classes
de um determinado momento histórico”.
Para compreendermos esse convívio de jovens estudantes com outros monges e outras pessoas que
fazem parte de movimentos sociais iniciados do Mosteiro de São Bento iremos explorar os relatos de
memória que há doze anos eram entrevistas realizadas por Everaldo de Jesus e Regina Bandeira entre 2001 e
2002 para a redação de Por amor aos meus irmãos141. A respeito da utilização de entrevistas realizadas por
outros pesquisadores nesta dissertação recorri a historiadora Lucileide Cardoso que sugere trabalhá -las
usando o conceito de “relatos de memória”, porque essas entrevistas tanto foram realizadas há tempos e não
as conduzimos, por isso a breve necessidade de uma discussão sobre memória.
Salientamos que os trabalhos escritos sobre Dom Timóteo que localizamos e tivemos acesso não
exploram suas conexões com outros monges como a atuação de Dom Bernardo que criou o Coral da
Juventude e a proximidade com os jovens por Dom Jerônimo com a missa das 18 Horas aos domingos que
ficou conhecida como a Missa da Juventude. Os trabalhos relatam a expectativa que havia na escolha de
140
CARDOSO, Lucileide. Construindo a memória do regime de 64. Revista Brasileira de História – São Paulo, volume 14, nº27,
pp.179-196, 1994.
141
Trabalho de conclusão de curso para a obtenção de Graduação de Bacharel em Jornalismo na UFBA, autoria de Everaldo de
Jesus e Regina Bandeira, Maio De 2002.
88
Dom Jerônimo como 77º abade do Mosteiro de São Bento falam de sua proximidade com a juventude
católica de Salvador de forma superficial.
Mas, em Salvador os anos de chumbo foram tão violentos que silenciou por muito tempo pessoas que
viveram as atrocidades desse período. A esse respeito Pierre Demoulière, um ex-padre francês, no relato de
memória concedido a Váron e Cláudio disse que um dos seus companheiros, o também ex-padre Alfred
Henri Gruyer, que trabalhava contigo no processo de evangelização de operários de Salvador conseguiu sair
do país em 1974 com documentos falsos para França e mesmo depois de treze anos, Alfred não falava sobre
o tempo que viveu aqui no país no período da ditadura militar.
Com o passar dos anos, mesmo não havendo punição aos perseguidores do período ditatorial as
pessoas passaram a escrever suas memórias, ou permitiram que alguém as escrevessem. Em 2004 no
aniversário dos 40 anos do golpe segundo Benito Schmidt 142 já ocorria uma “batalha de memórias” na qual
estavam envolvidos nos discursos: o governo, os militares, vítimas e familiares.
O pivô desses conflitos foi a abertura (ou não) dos arquivos da repressão. A “onda de memória”
precedeu a “batalha” seu ápice no ano 2000, ano que foi comemorado os 500 anos de “descobrimento” do
Brasil. Acreditamos que essa “onda” pode ter influenciado diversos trabalhos acadêmicos tendo em vista
que pessoas e grupos foram silenciados durante a ditadura militar. As memórias podem ter caráter de prova,
contudo possuem dois problemas:
Primeiro, devido à inacessibilidade até o presente momento de diversos arquivos da
repressão, que poderiam confirmar ou pôr em xeque tais lembranças. Segundo, em
razão da própria ambiguidade da noção de verdade nas chamadas “escritas de si”
(como as autobiografias e as memórias), a qual oscila entre “verdade factual”,
objetiva e submetida à prova (científica e/ou jurídica), e a “verdade interior”, a
sinceridade daquele que rememora 143
Na Bahia é escassa a documentação oficial, boa parte desses arquivos foi destruída e se restou
alguma documentação não é disponibilizada aos pesquisadores. A ambigüidade referida é natural porque não
há verdade absoluta, há casos que não existe como refutar. A Comissão dos Mortos e Desaparecidos
Políticos do Rio Grande do Sul utiliza o lema: “Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.”
Para Benito Schmidt “de acordo com várias vítimas do regime, o lembrar tem um sentido “pedagógico”:
aprender com o passado a fim de evitar, no presente, a repetição de acontecimentos semelhantes.”
142
Cicatriz aberta ou página virada? Lembrar e esquecer o golpe de 1964 quarenta anos depois. Anos 90, Porto Alegre, volume 4,
nº26, p.127-156, dezembro 2007;
143
SCHMIDT; 2007; apud GOMES, 2004.
89
Por curiosidade, ou com o intuito pedagógico as livrarias estão repletas de livros, biografias,
autobiografias e afins, escritos geralmente por memorialistas em busca de uma memória histórica, o relato
do memorialista inclui inevitavelmente a releitura do passado imbuído de significados.
Entre os memorialistas dos anos de repressão (1967-1974) é o que mais exprime, na
narrativa, os valores de denúncia dos crimes hediondos praticados pela ditadura.
Escrever as suas memórias significa uma prova de resistência que só os
revolucionários “autênticos” foram capazes de suportar. Este caráter de
exemplaridade, de resistência heroica aos desmandos da ditadura, constitui o cerne
da narrativa.144
A escrita dos feitos memoráveis do abaciado de Dom Timóteo se mostram espaçados, pontuais. É
necessário ampliar o debate, através da observação de detalhes que passaram despercebidos, documentos
que não se tinha acesso anteriormente como foi o caso da carta de Dom Timóteo à Nunciatura brasileira em
1966. É como se não houvesse uma continuidade nas ações é como se não existisse um cotidiano de práticas,
orações, textos lidos nas missas, diálogos e trocas de informações antes ou depois das missas da juventude.
O “cerne da narrativa” proposta nesse trabalho foi à apresentação dos acontecimentos “memoráveis”
já explorados, suas entrelinhas e novas interpretações. O que mudou de fato no mosteiro após a missa do
morro, os ensaios da peça “Aventuras e Desventuras Estudantis” e a invasão do mosteiro pela polícia? A
aproximação ainda maior de jovens de Salvador, sobretudo de estudantes que passaram a ter um espaço
durante um período no qual não havia a quem recorrer. O mesmo ocorreu com movimentos sociais de
Salvador.
“Os relatos de memória” a que tivemos acesso estão ligados direta ou indiretamente com pessoas e
grupos que tiveram muitas dificuldades em se comunicar com seus familiares e companheiros. As
evidencias indicam que Dom Timóteo fazia parte de uma “rede de comunicação”, nos anos de chumbo da
ditadura militar não se tinha muitas notícias, diversas pessoas eram presas, os meios de comunicação não
faziam denúncias porque sofriam censura e eram manipulados pelo governo ditatorial.
Segundo Schmidt o escritor católico Gustavo Corção escreveu “Para a Normalização do Brasil”
145
exprimindo a postura de lideranças católicas ligadas aos ideais marxistas.
O principal alvo de ataque de Gustavo Corção é a Igreja e os clérigos de esquerda.
Afirma que no mundo inteiro a Igreja viveu a heresia chamada ‘progressista’ e que,
entre nós, esta heresia encontrou maior ressonância com ideais marxistas. O
movimento de Educação de Base, o socialismo dos dirigentes da Petrobrás, a Ação
144
145
Construindo a memória do regime de 64. Revista Brasileira de História – São Paulo, volume 14, nº27, pp.179-196, 1994.
Idem, p.121.
90
Popular e os ‘delírios’ de bispos socialistas e de padres dominicanos envolvidos em
ações ‘subversivas’ foram responsáveis por ‘perverter’ a nossa juventude, atuando
principalmente na área estudantil.
Ao longo deste capítulo foi possível perceber que embora o Mosteiro de São Bento não se declarasse
partidário de esquerda, algumas de suas ações podem ser consideradas subversivas na época. A “perversão”
de seus religiosos era notável tendo em vista a circulação de jovens e suas ideias nas dependências do espaço
religioso. O terceiro ciclo da repressão segundo Maria Helena Moreira foi iniciado em 1968, embora as
principais lideranças começaram a ser perseguidas muito antes como foi o caso de Haroldo Lima e Carlos
Sarno.
4.3 A “GESTAÇÃO” DO GRUPO MOISÉS E SUA “OFICIALIZAÇÃO”
No relato de memória de Délia Bonisegna (Jesus e Bandeira, 2002), a italiana tinha uma definição de
si mesma “uma leiga sem consagração, independente, autônoma, filiada a nenhuma ordem específica” que
chegou ao Brasil para auxiliar o trabalho do padre Paulo Tonucci e Renzo Rossi em bairros carentes de
Salvador especificamente a Fazenda Grande e o Alto do Peru trás informações preciosas. Segundo ela entre
1970/71 foi fundada a escola 1º de maio, os dois padres moravam lá na Fazenda Grande, como a italiana
chegou no arcebispado de Dom Avelar certamente se juntou aos padres e outras leigas a partir de março de
1971.
A escola tinha uma proposta bastante diferente das convencionais, foi pensada por um grupo de
religiosos italianos, para ser uma escola profissionalizante com ensino gratuito, pois os padres pensavam na
situação política e a formação de um operariado. Havia aula de cidadania ministrada pelo professor José
Crisostomo, as aulas de carpintaria eram ministradas pelo professor Edson Carvalho, curso de eletricidade e
encanamento industrial (os dois últimos eram os principais).
De acordo com o relato de Délia, não foi espantoso o fato da escola se tornar um espaço e um
símbolo de onde surgiram vários movimentos populares porque a escola fomentava discussões sobre a
cidadania e a transformação de trabalhadores em operários. Foi nesse processo de engajamento social no
qual os alunos que tanto participavam das aulas de capoeira, como das discussões sobre os problemas do
bairro e apesar dos tempos difíceis, a escola era mantida com dinheiro vindo da Itália conseguido pelo
diretor Padre Paulo Tonucci. O surpreendente deste “relato de memória” foi saber que Dom Timóteo era o
91
diretor oficial desta escola que tinha uma pequena gráfica, com mimeografo e que em alguns momentos ela
produzia material clandestino, conforme cita:
Dom Timóteo participava das reuniões na escola. Com a cobertura dele, evitava a
repressão. Debaixo da saia de Dom Timóteo, a gente conseguia fazer reuniões para
discutir assuntos proibidos. Com certeza, éramos espionados na escola. Surgiu lá o
Trabalho Conjunto, sempre com o apoio da escola. Acho que o inicio do Grupo
Moisés também foi lá, porque o pessoal que trabalhava na periferia se encontrava lá:
padres franceses, alemães, etc. era um grupo aberto. 146
Pode-se depreender do relato de Bonisegna que o trabalho realizado na escola 1° de maio nos anos
mais difíceis da ditadura foi algo importante. Porque “(...) a visão que as mudanças viriam através de uma
revolução do operariado. Revolução no sentido de mudança”. Este tipo de trabalho deve ter ocorrido em
raras instituições num período que pensar diferente do governo era subversão, ainda mais nos termos citados
por Délia onde “revolução” e “operariado” não deveriam estar na mesma frase.
Ainda de acordo com o relato veemente de Délia Bosisegna Dom Timóteo também partilhava da
visão que:
A mudança não vem do pobretão, porque este era o máximo pode explodir de uma
vez, em cima da questão da terra, da casa, mas depois não tem estabilidade para
manter, nem a visão de futuro. A pessoa que tem o status de pobreza, mas tem
estabilidade, pode lutar pelo futuro. 147
Nesse sentido era necessário o trabalho de conscientização do cidadão/trabalhador de seus direitos.
Esse trabalho era considerado por muitos religiosos estrangeiros como uma missão que foi iniciada na
década de 1950 com trabalhadores rurais. Em Salvador na década de 1960 segundo a militante católica havia
padres franceses,
eram padres operários que trabalhavam na igreja do Pilar, na cidade baixa. Antes de
São Bento, lá era o centro da esquerda. Eram visados pela policia e Dom Eugênio
sabia das coisas. Esses padres franceses e também os alemães eram muito rebeldes,
além dos italianos, como Pendandula.
146
147
Relato de memória de Délia Bonisegna concedido a Jesus e Bandeira, 2002.
Idem.
92
No relato de memória de Délia provavelmente ela estava se referindo aos padres Pedro Paulo (Pierre
Demoulière), João (Jean Laecrevaz), Alfredo (Alfred Henri Gruyer) e Camilo (Camille Rolland). Esses
religiosos são citados por Pierre Demoulière entrevistado por Váron e Cláudio (2001) que no relato de
memória, segundo os jornalistas, D. Eugênio Sales o afastou do sacerdócio por “desobediência”. Sua
atuação como padre operário foi organizar greves e movimentos tidos como subversivos na Tibrás, fábrica
onde trabalhava. O arcebispo o transferiu para Itapicuru, no interior da Bahia, para que ele deixasse a Tibrás.
“Pierre não acatou as ordens superiores e foi afastado de suas atividades eclesiais, ‘Ele me tirou a batina,
mas não o trabalho’ ” 148.
Ainda de acordo com os jornalistas, o trabalho dos outros três padres não foi muito diferente. Em
1969, o padre João organizou uma reunião da União Nacional dos Estudantes (UNE), naquela época era uma
entidade clandestina e Camilo era vigário da igreja do Pilar, foi expulso do país por permitir a reunião nas
dependências da igreja.
Pierre conta que Alfredo era amigo de Jorge Amado e que o escritor intermediava a
compra de objetos sacros vendidos por Alfredo à classe mais abastada da cidade.
Estes objetos vinham de igrejas velhas e abandonadas. “Jorge Amado tinha muitos
amigos da burguesia de Salvador que gostava de arte sacra. Ele relata um pouco
deste episódio no livro “o sumiço da santa”, diz, revelando que o dinheiro
arrecadado era usado para contribuir com ações dos grupos ditos subversivos, mas
ele não sabe exatamente quais. 149
Não é à toa que esses quatro padres eram tidos como rebeldes por Délia Bonisegna, o trabalho deles
era observado por Dom Eugênio que puniu Pierre por desobediência o que culminou com sua saída do ofício
sacerdotal. Este ex-padre relatou que seu companheiro Alfredo se envolveu em ações arriscadas e que
preferia não contar aos seus amigos. Contudo, já na condição de ex-padre, Pierre relatou aos jornalistas as
atividades que ele desenvolvia eram: a formação de comissões operárias dentro das fábricas, o fornecimento
de esconderijo para perseguidos políticos e ajudar no transporte de armas.
No relato Pierre disse que não participou efetivamente de nenhum dos movimentos revolucionários.
Como não? Até onde vai essa noção de estar envolvido ou não na luta revolucionária? Para as pessoas
“comuns” era até aceitável hospedar um clandestino. Agora esconder armas e dar guarida ao primeiro
condenado à morte no Brasil, através da Lei de segurança Nacional em 1969 ao ex-preso político
Theodomiro Romeiro dos Santos não é participar de um grupo revolucionário?
148
149
Relato de memória concedido por Pierre Demoulière à Váron e Cláudio, p.13.
Idem, p.14.
93
Por estar em evidência nos primeiros anos da ditadura, será que o deslocamento do centro da
esquerda da igreja do Pilar localizada na cidade baixa para o Mosteiro de São Bento no centro da cidade
ocorreu com a chegada de Dom Jerônimo quando ele se aproximou da juventude católica? A intensa
movimentação de pessoas na localidade do Mosteiro que era passagem obrigatória nas manifestações
também não auxiliaram nessa escolha? Que local estava a salvo da vigilância ditatorial? Nenhum, porém a
estrutura física do Mosteiro facilitava a entrada e saída de pessoas, além de ser uma estrutura autônoma,
independente do arcebispado.
No relato Délia mencionou que conheceu Pe. Paulo Tonucci entre os anos 1969 e 1970 na Itália
quando ele tirou férias. Ela relembra que Tonucci e outros religiosos estrangeiros receberam uma carta de
Dom Eugênio Sales que deviam assiná-la comprometendo-se a não participar de grupos que não tivessem o
aval oficial da igreja. O voto de obediência é uma regra da vida religiosa, sobretudo quando ela vem do
arcebispo. O Padre Tonucci era jovem e inquieto, não achava correto ter que sair dos grupos que participava,
com mais experiência o e Padre Renzo e Dom Timóteo sugeriram que ele assinasse o documento para não
ser punido com a expulsão de suas atividades realizadas no Brasil e que depois desobedecesse a ordem de
Dom Eugênio.
É interessante destacar as atividades desenvolvidas por esses três religiosos, Dom Timóteo, Pe.
Tonucci e Pe. Renzo que trabalhavam juntos na escola 1º de maio, chegaram, coincidentemente, a Salvador
em 1965, supomos que a reunião não foi uma tarefa muito difícil, visto que desde a missa do morro, o abade
sempre fazia pronunciamentos religiosos da igreja do Pilar na qual podem ter se encontro. Mas, é importante
esclarecer que até o momento não temos os evidencias concretas do momento que se conheceram e
começaram a partilhar das mesmas ideias.
De acordo as recordações de Délia Bonisegna, as atividades que foram desenvolvidas não tinha
ligação direta com o ensino industrial da escola, porque seu trabalho era realizado na gráfica da escola na
Fazenda Grande na qual produzia “o boletim das comunidades” que sempre tratava de um tema social, e era
publicado no jornal da arquidiocese o “Mensageiro da fé”. Ela se dedicava a operar o mimeografo e realizar
a arte final, enquanto o Padre Paulo fazia os desenhos e os argumentos textuais. A leiga e engajada Délia
revelou que os boletins passavam toda semana pela censura da polícia federal que proibiu a publicação de
exemplares que abordaram temas como: “racismo, escravidão, prisões e a vontade de ser livre”.
Ao mencionar a rebeldia dos padres estrangeiros Délia expressou toda a vitalidade e empenho
missionário de jovens religiosos e leigos engajados que atenderam ao pedido do papa João XXIII solicitando
que a Igreja adotasse a América Latina, já que de acordo a italiana os missionários europeus nas décadas de
1960 e 1970 se interessavam mais em evangelizar o continente Africano do que a América Latina.
Refletimos que 1968 foi um ano no qual a juventude do Brasil e do Mundo saiu das casas, vilas, cidades e
94
países para protestar contra a direção política que o mundo estava tomando, com o estado de beligerância, a
corrida armamentista, as guerras, as instalações de governos ditatoriais, repressões as liberdades,
.provocaram impactos e está inquietação social e cultural provocou a juventude latino-americana e europeia
a promover grande efervescência política no mundo.
Na década anterior, em 1958 a encíclica Fidel Domum (Dom da fé) foi promulgada, o documento
papal trouxe um novo conceito do que é ser missionário. Nos anos 1960 e 70 houve um aumento de
religiosos estrangeiros em Salvador, anteriormente o missionário era visto como colonizador, que trazia
consigo sua “cultura” que era a “correta” e, portanto deveria ser imposta. Porém, grupos de missionários
jovens passaram a reconhecer e respeitar o valor das culturas diferentes da sua e está postura política e
religiosa desencadeou novas relações que possibilitaram dar início a novas trocas e intercâmbios culturais.
Ainda de acordo com o relato de memória de Délia, “naqueles anos, 68, 70, na Europa toda, muitos
movimentos de esquerda, os hippies, então na parte da igreja avançada começou a vir para a América Latina.
Vir pra cá, já era tachado como pessoa de esquerda.” 150 O que realmente motivou essa rebeldia foi o
convívio com o povo, suas carências e uma vontade de realizar mudanças. A II Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano (CELAM), em Medellín em 1968 germinou a teologia da libertação.
Com relação à estadia de religiosos estrangeiros no Brasil durante a ditadura militar segundo o relato
do espanhol Andrés Mato151 havia um certo “privilégio” no que diz respeito a luta contra a ditadura militar.
“Muitos brasileiros tinham medo de se envolver porque morriam na hora. Contra os estrangeiros, a repressão
não podia fazer muita coisa, porque repercutia internacionalmente e o governo se preocupava com a imagem
externa do país”.
O “controle” das ações dos religiosos em alguns casos se dava por parte das autoridades eclesiais as
quais estavam submetidos, contudo em alguns casos o visto de permanência no país era negado por motivos
que normalmente não eram divulgados. Em 24 de março de 1972 quando voltava da Bélgica com destino à
Recife o padre José Comblin foi avisado, através de telegrama, que estava impedido de desembarcar no
Brasil, os agentes de imigração não sabiam o que fazer e decidiram manter o padre no Rio de Janeiro. O tal
telegrama tratava-se de um decreto presidencial, que segundo Váron e Cláudio, o padre Comblin declarou:
Depois soube-se que se tratava de um decreto secreto que o presidente tinha o poder
de emitir naquele tempo. Oficialmente o decreto não constava em nenhum
documento. Recebi inumeráveis apoios, mas tudo foi inútil porque caía no vazio, as
autoridades negavam tudo.
150
151
Relato de memória de Délia Bonisegna concedido a Jesus e Bandeira, 2002.
Relato de memória concedido por Andrés Mato à Váron e Cláudio em 2001.
95
O religioso foi considerado um elemento subversivo no país e sua expulsão foi mantida em sigilo. A
Polícia Federal logo se apressou em censurar qualquer publicação sobre o ocorrido. “Ele sempre foi um
teólogo da situação do Brasil e da Igreja. Na época em que foi expulso do país, escrevia artigos e era muito
conhecido no estrangeiro. Os militares achavam que os intelectuais da Igreja, como ele, eram teóricos da
revolução”.
152
Em seus livros e palestras Comblin falava abertamente do clima de insegurança e
perseguição tendo em vista a supressão dos direitos em que vivia o povo brasileiro.
Na manhã do dia 31 de março de 1972 estava sendo celebrada a paixão de Cristo, indignado com a
situação do padre José Comblin, Dom Timóteo leu uma carta repudiando a expulsão do padre “Eu achei que
D. Timóteo não ia sair dali (...) D. Timóteo falou o que todos tinham no coração e na cabeça. Todos
pareciam afirmar: Enfim, alguém falou”. 153 Durante a leitura da carta, os fiéis demonstraram surpresa.
O momento foi de reflexão, a carta foi distribuída antes da missa das 10 horas, no momento que foi
lida para um Grupo de leigos e religiosos que sempre se encontravam no Mosteiro de São Bento. Foi assim
que “o Grupo Moisés nasceu devagar, como toda coisa boa. Em 1970, a Igreja começou a levantar a voz
contra a ditadura e, em 1972, ele se ‘formalizou’”.
154
O período mencionado por Andrés Mato como o
inicio da reação da Igreja (1970) coincide com o período que o Grupo de religiosos e leigos engajados
passaram a se reunir.
Segundo o antigo testamento da Bíblia, o nome Moisés significa “tirado das águas” remonta ao
hebreu que foi criado pela família real egípcia como príncipe. Moisés se envolveu numa discussão entre um
guarda do palácio e um escravo hebreu. No calor da discussão o príncipe acabou ceifando a vida do guarda e
Moisés fugiu para uma terra distante, lá o Deus do seu povo, Iaveh, lhe incumbiu da tarefa de libertar o povo
hebreu do julgo egípcio.
Ao longo da leitura de Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés, percebemos a
importância do nome que remete à missão de Moisés o maior profeta hebreu encarregado de levar o seu
povo à terra prometida, a região do rio Jordão, Israel. Os entrevistados pelos jornalistas citaram membros
permanentes e esporádicos do Grupo Moisés, nos guiaram a promover as conexões entre as instituições que
os membros do Grupo Moisés participavam.
O fio da meada começou com os padres operários da Igreja do Pilar, na verdade em 1972, somente
padre Alfredo e Pedro Paulo (Pierre Demouliére) estavam no país. No relato de memória de Pierre, em 1973,
Alfredo viveu no Rio de janeiro na clandestinidade e em 1974 conseguiu documentos falsos e foi para
152
Relato de memória concedido por Cláudio Perani à Váron e Cláudio em 2001.
Relato de memória concedido por Jean Bauzin à Váron e Cláudio
154
Relato de memória concedido por Andrés Mato à Váron e Cláudio.
153
96
França, onde deixou o sacerdócio. Apesar de ter abandonado o sacerdócio em 1971 Pierre mesmo não sendo
mais padre continuava na militância operária, e nesta condição participou de reuniões do Grupo Moisés.
Segundo Varón e Claúdio, durante as reuniões, os participantes tinham liberdade para discutir e
questionar o momento que estavam vivendo.
As informações chegavam das mais diversas fontes: através da convivência com
presos e perseguidos políticos, de jornais da imprensa alternativa como O Movimento
e O Pasquim e publicações estrangeiras que tinham mais liberdade para relatar a
situação de opressão vivida pelo povo brasileiro nos difíceis anos 70.
Alfredo, um dos padres franceses levava às primeiras reuniões suas traduções da
revista francesa La Letire que era editada por padres operários e chegou ao Brasil
com o nome Hoje no Mundo. “Ele levava um pacote com vários exemplares e
distribuía no Grupo Moisés”, conta Pierre. Dentre as traduções, está o documento
intitulado O Dono da Minha Fome Sou Eu, de Jalles Costa, que procura despertar
uma consciência cristã para a revolução social, buscando um maior engajamento dos
fiéis.
Os títulos das publicações eram bastante sugestivos, as informações que não eram divulgadas no
Brasil por conta da censura eram publicadas pela imprensa internacional, não deveria ser fácil chegar com
periódicos e com uma certa quantidade nesse período. Se considerarmos que os meios de comunicação mais
eficientes no período eram os telegramas e as cartas, que foram meios monitorados pelo regime militar.
Em seu relato de memória Hilda Hendrickx 155, ela sugere que Alfredo e Dom Timóteo tinham suas
conexões e disse afirmando que “no Grupo Moisés, D. Timóteo era o nosso informante, tinha notícias que a
gente não tinha. Participava de círculos intelectuais, tinha conexões, sabia quem tinha desaparecido, sido
preso”, ou seja, informações que conseguiu em reuniões e possíveis leituras de relatórios que o cargo Abade
do Mosteiro de São Bento lhe permitiu ter acesso, uma condição que naquela conjuntura era impossível à
outros religiosos.
Os relatos de memória indicam que durante o ano de 1972, o Grupo Moisés se reuniu mensalmente
em três endereços: o Mosteiro de São Bento, a Igreja da Graça que pertence aos beneditinos e no ISPAC Instituto Superior de Pastoral Catequética fundado em 1968 pelo padre jesuíta italiano Dionísio Seuchetti. É
importante esclarecer que o referido grupo inicialmente funcionava no Colégio Nossa Senhora das Mercês,
155
Concedido a Váron e Cláudio.
97
mas em 1972 passou a funcionar no campus da Universidade Católica de Salvador, na Federação, sob a
direção do Padre Cláudio Perani.
Atentos aos relatos de memória Varón e Cláudio sugerem que o local do encontro variava porque
havia sempre a desconfiança da vigilância da polícia. Pierre Demoulière contou que os militares haviam
alugado um apartamento no Hotel São Bento, em frente ao Mosteiro com o intuito de vigiar o local. “Eu me
lembro que uma vez Dom Timóteo disse: “Vamos fazer aqui, mas é a última vez””, conta ele lembrando que
os integrantes perceberam a presença de pessoas estranhas nas janelas prestando atenção na movimentação
do Mosteiro.
Segundo Hilda Hendrickx as reuniões duravam cerca de duas horas e aconteciam à noite, depois que
os membros do Grupo haviam deixado suas atividades. A cada encontro, marcava-se a data e o local do
próximo, para evitar ligações telefônicas ou correspondências fossem apreendidas e utilizadas como
justificativas para uma possível prisão por parte do Exército. As reuniões contavam com cerca de quinze
pessoas e sempre tinha um convidado. O Grupo Moisés não era clandestino, contudo não era bem visto pelas
autoridades eclesiásticas. O arcebispo Dom Avelar Brandão sabia de sua existência, mas, segundo Délia
Bonisegna em relato a Váron e Cláudio disse: “muitas vezes D. Avelar não tinha coragem ou não podia,
como bispo, assumir algumas posições mais radicais. Então, ele permitia a existência, mas até se sentia
representado pelo Grupo Moisés”.
Segundo Andrés Mato 156: “O Grupo Moisés deve ser concebido como um rizoma. Não era fechado,
tinha várias articulações, como o CEAS, o ISPAC e o Mosteiro de São Bento”. Nossa análise vai um pouco
além, integra os responsáveis pela escola 1º de maio na Fazenda Grande e os ex-padres operários da Igreja
do Pilar. Uma figura de destaque nesse período foi o jesuíta Cláudio Perani que veio para Salvador em 1968
para assumir Centro de Estudos e Ação Social – “O CEAS era formado por pessoas diversificadas. A gente
não pedia a carteira ideológica ou de fé, mas reunia pessoas que tinham o compromisso para um trabalho a
serviço dos setores populares” 157. Fundado em 1967 o CEAS passou a produzir o seu periódico “Cadernos
do CEAS” dois anos após sua fundação, tanto as reuniões quando o periódico que existem até hoje, tiveram
importante papel na luta contra a ditadura militar. As palavras de Cláudio Perani continuam atuais, pois o
CEAS continua atuando nas camadas populares. O religioso Andrés Mato fez parte do CEAS ele relatou a
Váron e Cláudio que a atuação do CEAS era parecida com a do Grupo Moisés: “Todos os integrantes do
Grupo tinha esta vivência com posseiros, operários, favelados, estudantes, mulheres e outras minorias
sociais, assim como no CEAS”.
Segundo os relatos de memória, embora as reuniões fossem mensais foi relatado por mais de um
componente do Grupo Moisés que quando ocorria algo, como uma prisão ou denúncia de tortura ocorriam
156
157
MATO, Andrés. Relato de memória concedido por à Váron e Cláudio.
PERANI, Claúdio. Relato de memória concedido a Váron e Cláudio.
98
reuniões extras. Segundo Cláudio Perani, as reuniões não tinham um assunto específico, “a gente colocava
em comum as experiências de cada um. Depois, ampliava a discussão. Se havia notícias novas, a gente lia e
comentava” 158.
As ações práticas do Grupo Moisés eram: a escrita de cartas falando da situação de presos,
perseguidos políticos e torturados com o intuito de comunicar outros grupos sobre a situação que essas
pessoas se encontravam e a intercessão a favor de presos e perseguidos junto ao arcebispo Dom Avelar
Brandão Vilela. Com o apoio da autoridade religiosa era possível chegar mais próximo dos quartéis e saber
qual era a situação de uma pessoa que de repente lá se encontrava.
“D. Avelar não assumia totalmente a iniciativa do Grupo Moisés, mas queria que
entrássemos em contato com ele para dizer o que fazíamos. Às vezes, pedíamos a ele
que fizesse alguma intervenção mais oficial a respeito de alguns que estavam
presos”, recorda Renzo Rossi. Isa Moniz lembra de um episódio semelhante
envolvendo o cardeal e o Grupo: “Eu soube de um estudante de História que estava
sendo torturado e fui falar com D. Avelar, que tomou as providências. Este já era um
trabalho comum entre nós; a gente tentava ajudar na medida do possível”, conta. 159
Como mencionamos anteriormente, até pela posição em que se encontrava era muito complicado
para um cardeal assumir “um lado” porque atuou muitas vezes como um mediador entre militantes,
religiosos católicos e os militares. Na segunda metade da década de 70, o trabalho de visitas a presos por
todo o país do Padre Renzo ficou internacionalmente conhecido. Porém, só o fato de pedir para ser
informado sobre a atuação do Grupo demonstra o seu interesse nas ações que fazia.
Outra informação importante sobre o cardeal é que Dom Avelar esteve muito próximo das discussões
da II Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Medellín, Colômbia, que teve como tema “Presença
da Igreja na atual transformação da América Latina”. Em 1968, D. Avelar Brandão Vilela, então arcebispo
de Teresina era o presidente do CELAM. Esse evento após o Concilio Vaticano II foi o que gerou mais
impacto nas comunidades religiosas, suas discussões sensibilizou os teólogos que se aproximaram das
questões sociais. Nos anos seguintes a Teologia da Libertação foi o maior fruto desse encontro.
4.4 O DOCUMENTO EU OUVI OS CLAMORES DO MEU POVO
158
MATO, Andrés. Relato de memória concedido por à Váron e Cláudio.
VARÓN, Paloma; CLAÚDIO, Francisco. Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés. 2001. Trabalho de conclusão
de curso (Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001, p. 24.
159
99
A palavra de ordem em 1973 era “libertação”. “O egoísmo escraviza, o amor liberta”, este era o lema
sugerido pela Coordenação Nacional da Campanha da Fraternidade para a quaresma deste ano”,
160
o clamor
por libertação extravasava as fronteiras dos estados e tomou conta de toda a nação, a Coordenação Nacional
da Fraternidade compreendeu este alarido e expôs isso:
Tema oportuno para nossa reflexão pessoal, a LIBERTAÇÃO aparece em nossos
dias como palavra mágica, despertando o entusiasmo de uns, provocando o
escândalo de outros. Por toda parte a encontramos. Libertação da mulher, libertação
da miséria, libertação dos povos, libertação dos preconceitos, libertação sexual,
libertação cultural. 161
Os teólogos da Libertação como o uruguaiano Juan Luis, o peruano Gustavo Gutièrrez e os
brasileiros Hugo Assamann e Leonardo Boff já eram conhecidos por escreverem sobre a postura
assistencialista da Igreja que era descomprometida com os problemas sociais. O texto relatou a “libertação”
como “palavra mágica”, vista por uns com entusiasmo porque há mais de uma década já circulava nos
pequenos grupos, nas “minorias sociais” e a Igreja durante séculos viu esse tipo de busca como um
escândalo.
A libertação da mulher, do seu próprio corpo se iria ser mãe ou não com o avanço da medicina
através e do uso do anticoncepcional, assunto que a Igreja não se posicionou por décadas. A luta por sua
inserção no mercado de trabalho, o divórcio e a homossexualidade. Era recente a visão de uma Igreja
servidora e pobre, próxima dos famintos, dos favelados e analfabetos. Há menos de uma década a missa era
em latim e tinha uma pequena participação dos leigos, começou aí um processo de libertação cultural,
quando a missa passou a ser feita para o povo e pelo povo.
Um movimento de protesto deve a nos levar sempre a analisar com coragem as
causas que provocaram. Muito mais, quando alguns desses grupos de jovens depois
de ter tentado caminhos frustrantes de libertação como a droga, ou a liberdade
sexual, se voltam para coisas tão sérias como a procura de relações verdadeiramente
humanas através de pequenos grupos ou comunidades fraternas, de um maior contato
com a natureza e formas de trabalhos mais livres e desinteressadas. Ou ainda com a
promoção da PAZ e AMOR entre os homens e a busca de uma experiência religiosa,
seja através de práticas budistas de meditação ou da “curtição” de Jesus Cristo e sua
mensagem.
160
161
3 e 4 de fevereiro de 1973 – Semana Católica – Libertação, Palavra do Momento.
Idem.
100
Conscientes de que a libertação vem somente através do protesto e da recusa frente ao imobilismo,
segundo os representantes da Campanha da Fraternidade a busca por esta libertação seguia por caminhos por
vezes frustrantes como a droga e a libertação sexual. É como se o documento relatasse o retorno do jovem
sedento por libertação nos lugares errados, como o filho pródigo que retorna “à procura de relações
verdadeiramente humanas através de pequenos grupos ou comunidades fraternas”, esses grupos lembram
círculos de oração, ou trabalhos comunitários nas paróquias.
A busca por “Paz e Amor”, lema dos hippies em suas pequenas comunidades em contato com a
natureza e descomprometidas com a sociedade capitalista parecia para muitos jovens como uma
oportunidade viável ao invés de um comprometimento religioso. As mensagens de “Paz e Amor” também
estavam no Budismo através de suas práticas de meditação e “da “curtição” de Jesus Cristo e sua
mensagem”. Cativar essa juventude através da mensagem cristã que era a favor da igualdade, do amor ao
próximo, na crença de um Deus que é amor, mas, sobretudo, é justiça, não estava sendo uma tarefa fácil.
Quantos estudantes, operários, profissionais liberais e pessoas próximas a eles tiveram suas vidas
ceifadas,. A luta por melhores condições de vida, habitação, estudo, emprego era considerada “coisa de
comunista”.
E entre nós? Em nossa comunidade, saberíamos descobrir manifestações de ensaios de
libertação? Será que entre nós não há muitos que precisariam ser ajudados a libertar-se
de alguma coisa que os impede de realizar-se numa vida verdadeiramente humana?
Que amarras eram essas? Talvez se falasse superficialmente sobre essa libertação. E esse auxílio para
a promoção verdadeiramente humana seria feita como? Os questionamentos eram muitos e passavam a ser
evidenciados nos meios de comunicação católicos. Eis que dois meses depois de tantas inquietações foi
lançado o manifesto-documento: Eu ouvi os clamores do meu povo. O documento foi escrito por grupos de
religiosos de Salvador e de Recife e leigos capacitados a falar da realidade do povo nordestino foi lançado
em 6 de maio de 1973 com assinaturas de 18 bispos e superiores nordestinos. O padre holandês Humberto
Plummen foi entrevistado por Paloma Váron e Francisco Claúdio que tiveram detalhes sobre a escrita do
documento.
O padre Humberto Plummen era diretor do Instituto de Teologia de Recife, muito próximo do
arcebispo de Olinda e Recife D. Hélder Câmara. O padre representou a parte religiosa na escrita do
documento em Recife, cujos dados técnicos foram fornecidos um técnico da Superintendência de
101
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Além de técnico da SUDENE “Vieira” segundo o padre
Humberto porque esqueceu o primeiro nome, contudo disse que o homem se tratava de “um agente pastoral
e militante político, engajado na luta pela reforma agrária”. A construção do documento foi coletiva,
“Nós escrevemos durante 15 dias e 15 noites sem parar. Quando o texto estava
pronto, já tendo passado por Salvador, eu fui levá-lo para D. Timóteo, que leu
assinou e mandou imprimir”, conta Plummen, que é também sociólogo. O então
padre Marcelo Carvalheira, atual arcebispo de João Pessoa, ficou responsável pela
introdução e pela parte teológica do documento, que foi impresso na gráfica do
Mosteiro de São Bento da Bahia e rapidamente distribuído para todo o Nordeste. 162
O documento-manifesto foi escrito por algumas mãos aqui em Salvador. Segundo Váron e Cláudio, o
jesuíta Cláudio Perani disse: “quando a primeira versão chegou ao CEAS, nós refizemos e sugerimos outra
linha de análise, pois estava com uma perspectiva muito desenvolvimentista”. Com outra abordagem de
caráter marxista-humanista, o documento teve contribuições suas e dos integrantes José Crisóstomo e
Andrés Mato, também membros do Grupo Moisés.
O cruzamento de informações nas entrevistas, hoje relatos de memória, é importante nesse caso
porque o padre Humberto mencionou que o documento teve uma “passagem” por Salvador antes de ficar
pronto. Como assim uma “passagem”? Segundo o relato de Cláudio Perani, o documento passou por
alterações significativas, passando de “uma perspectiva desenvolvimentista” para outra marxista-humanista.
Os dados da SUDENE e IBGE-PNAD – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística em Pesquisa Nacional
por Domicílios, no 1º semestre de 1970 com informações sobre trabalho, educação, renda per capita,
alimentação e saúde. Antes da “passagem” por Salvador certamente esses dados demonstravam mais
tecnicamente as condições de vida no Nordeste, a partir do levantamento teórico no documento com análise
de suas causas e conseqüências, mergulhadas em realidade histórica. Outra parte importante foram as
inserções de citações bíblicas ao logo do texto algo que permitiu mais leveza ao texto.
Desde a criação da SUDENE, a região nordeste foi vista como “área problema” do país, a indústria
da seca e o latifúndio eram problemas seculares a serem resolvidos pela instituição e o documento dos
religiosos nordestinos criticava o governo pela não realização da reforma agrária, atacam contestando o
“milagre brasileiro” que só acentuava as diferenças entre o Nordeste subdesenvolvido e o Centro-Sul.
Vamos referir dados objetivos, frutos de pesquisa, e de conteúdo técnico, para que o
nosso julgamento, em nome de Deus, não parta de impressões superficiais e atitudes
162
VARÓN, Paloma; CLAÚDIO, Francisco. Rumo à terra prometida: a trajetória do grupo Moisés. 2001. Trabalho de conclusão
de curso (Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001, p. 37.
102
subjetivas. Nossa perspectiva, porém, é a do homem – o homem todo e todos os
homens. É a de Deus, que se fazendo homem, tornou o homem, em Cristo, a medida
de todas as coisas. 163
O parecer técnico no documento foi importante na hora de formular as merecidas críticas ao governo
ditatorial, para que não fossem palavras vazias, carregadas apenas com perspectiva de mudanças sem a
devida dose de realidade. É como foi mencionado no inicio do capítulo por Dom Jerônimo, “uma Igreja
humana e mutável” que após II Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Medellín em 1968 não
suportava mais o clamor do seu povo.
A rapidez com que o documento foi escrito envolvia “a urgência da sua missão e agora também
como uma forma de celebração comemorativa de fatos tão relevantes”: o cinqüentenário da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e o décimo aniversário da Encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII.
As conclusões e apelos da XIII Assembléia Geral da CNBB, realizada em fevereiro de 1973 que
provavelmente definiu o tema da Campanha da Fraternidade certamente sensibilizou Bispos e Superiores
Religiosos do Nordeste brasileiro para a escrita do documento Eu ouvi os clamores do meu povo.
Como ministros da libertação, temos, antes de mais nada, que nos converter
continuamente para melhor servir. Temos que aceitar a interpretação do homem
nordestino que grita por esse ministério de libertação, que clama pelo nosso
compartir sua “fome e sede de justiça”.
É a própria marcha da Libertação deste homem que interpela a nossa sociedade e
entra em choque com os seus critérios de lucro, com a distorção de estatísticas e
dados que tentam justificar a “violência institucionalizada” em que vivemos,
conforme a expressão da II Conferência do CELAM, em Medellín. 164
A conversão se dá não apenas com a escolha da vida religiosa. É um ato diário, o mandamento
máximo de Jesus foi “amar o próximo como a ti mesmo”, que amor é esse que não se coloca no lugar do
outro? Como “ministros da libertação” a não acomodação com os problemas sociais é a demonstração
genuína de amor à Cristo e aos irmãos, é ver a face de Jesus em cada irmão. A missão de conhecer a
realidade do seu povo que ainda clama por “fome e sede de justiça” foi uma causa abraçada por muitos
religiosos nordestinos.
A “marcha pela libertação” é oposta aos critérios de lucro da sociedade capitalista. A “distorção
de estatísticas e dados que tentam justificar a “violência institucionalizada”” era uma tentativa de
163
BISPOS e Superiores Religiosos do Nordeste. Eu ouvi os clamores do meu povo (6 mai. 1973). Cadernos do CEAS, Salvador,
n. 27, p. 37-60, out. 1973.
164
Idem.
103
manutenção de privilégios. A violência em 1968 embora já estivesse “institucionalizada” como pode ser dita
na II Conferência do CELAM, em Medellín, estas palavras não estavam tão claras quanto em 1973. A cifra
de mortos ou desaparecidos políticos já ultrapassava as centenas.
As denúncias dos crimes cometidos pelo regime militar na imprensa internacional havia se tornado
algo corriqueiro, já que a imprensa brasileira passava por forte censura. O lema do país na época entre 1969
e 1974 era: “Brasil: ame-o ou deixe-o”, sendo que amar o país era sinônimo de “aceitar” o terror do governo
Médici conhecido como os “anos de chumbo” do regime. O que esses religiosos conseguiram foi mobilizar
toda uma região que sofria (e ainda sofre) com problemas sociais.
Segundo os dados do Censo do IBGE de 1970 eram alarmantes: 23% das pessoas em idade de
trabalhar estava fora do mercado de trabalho ou utilizava sua força de trabalho apenas parcialmente, Isto
significa que, praticamente, um quarto da população que estavam em idade economicamente ativa não
tinham postos de trabalho.
Marginalizado no campo, explorado e sem acesso à terra, resta ao camponês
continuar lutando pela terra ou emigrar para os centros urbanos da região, para São
Paulo ou outro lugar, onde continua sendo explorado como mão-de-obra barata,
esteja ele construindo Brasília ou a transamazônica.A cidade é apenas a continuação
de sua odisséia. Sem condições de competir pelo tipo de empregos gerados pela
indústria, já insuficientes para absorver a expansão da força de trabalho urbano, vai
engrossar a sub-ocupação do setor de serviços, procurando num “biscate’ qualquer
os meios de satisfazer sua necessidade mais elementar: matar a fome. 165
A indústria da seca é revelada através da exploração do trabalhador rural, a falta de acesso a terra e
dos meios para cultivá-la. Quando lutava por melhores condições de vida e acesso a terra através de
sindicatos ou associações o camponês era tachado de comunista, restava-lhe migrar para as cidades. A
construção de Brasília realizada a duas décadas passadas juntamente com a Transamazônica que era uma das
promessas do “Milagre brasileiro” eram obras que tinham majoritariamente como mão-de-obra os
nordestinos.
As cidades nordestinas de maior porte já não absorviam a mão-de-obra vinda do sertão, do semiárido
e sem estrutura amontoava trabalhadores e suas famílias em situação degradante. O setor de serviços era (e
ainda é) a ocupação que lhe cabe porque na maioria das vezes o sertanejo não tinha instrução, como foi
165
Idem.
104
mencionado no texto, a solução imediata para matar a fome da forma mais digna possível “num “biscate”
qualquer”.
Naquela época a fome no Nordeste possuía características epidemiológicas, “a deficiente
disponibilidade de alimentos para a população da área nordestina tornou-se evidente... a população em geral
foi considerada magra, o que se confirmou através de exames clínicos, foi de subnutrição ou de pouco
desenvolvimento físico” promovida pela escassez de alimentos era tão latente, tão violenta que a vida média
no período era de 50 anos, sendo menor para os homens 47 anos. Agravada por condições habitacionais
insalubres, segundo Publicação da SUDENE – Departamento de Recursos Humanos em fevereiro de 1970, a
mortalidade infantil, a doença de Chagas, a esquistossomose e a tuberculose ceifavam a vida do nordestino
muitas vezes bem antes que os cinqüenta anos.
Com pungente cadência, o Poeta Nordestino retrata no seu imortal poema de Natal, o
drama do homem do Nordeste: “E se somos Severinos / iguais em tudo na vida/
morremos de morte igual/ mesma morte Severina/ que é morte que se morre/ de
velhice antes dos trinta/ de emboscada antes dos vinte/ de fome um pouco por dia”
(João Cabral de Melo Neto – Morte e Vida Severina).
Somente a sensibilidade de um poeta podia retratar a vida e a morte que é algo tão banalizado, pois
começamos a morrer a partir do momento que nascemos. Com caráter igualitário o poeta descreve que
ninguém é melhor do que ninguém na hora derradeira. Padecer por fome é o tipo de morte mais cruel que
um ser humano pode ter, é definhar um pouco a cada dia. Este é o verdadeiro lamento do nordestino, um
poema de Natal que é o período em que a sociedade costuma estar sensibilizada na celebração do
nascimento de Cristo.
A Igreja, por sua vez, não raro, vem se ombreando com os detentores da dominação
cultural, social, política. Muitas vezes ela tem se identificado mais com os
dominadores do que com os dominados. Sua configuração piramidal fazia com que
seus ministros falassem do alto dos seus púlpitos para um povo que os escutava
passivamente. A Igreja, dentro da cultura dominante, tornou-se, então,
assistencialista, atrasando, conseqüentemente, por vezes, a marcha do povo para se
libertar.
O teor marxista-humanista dado ao documento concebido pelos integrantes do CEAS e do Grupo
Moisés pode ser visto com clareza quando submete a própria Igreja e sua estrutura em juízo. Em boa parte
da sua história, a Igreja Católica se alinhava junto aos “detentores da dominação cultural, social, política” já
que ela mesma detinha os valores, os dogmas e até mesmo as leis que regulavam contextos políticos e
105
econômicos. A essência da Igreja parecia ter se perdido, sua estrutura que era baseada na igualdade, na fé e
nas boas obras tinha dado lugar a uma estrutura altamente hierarquizada, onde seus ministros falavam com
arrogância para o povo desacreditado que não dava mais ouvidos a ela.
Ao invés de procurar soluções para os problemas sociais do povo, a Igreja “tornou-se, então,
assistencialista”, o renascer a cada dia na fé parecia perdido. O clamor em orações e súplicas de religiosos e
leigos engajados começou a ser ouvido por essa estrutura piramidal, o primeiro resultado foi o Concílio
Vaticano II. A “marcha do povo para se libertar” continuou e chegou a II Conferência do Episcopado
Latino-Americano, em Medellín que deu argumentos para que essa marcha prosseguisse embora o aparato
repressivo governamental brasileiro quisesse impedir a união de pastores dos seus rebanhos que prevaleceu
no lançamento deste documento e representou uma grande conquista.
O papel do Mosteiro de São Bento da Bahia representando também o Grupo Moisés foi de imprimir
o documento, contudo nem tudo saiu como previsto, pois uma cópia do documento foi roubada por um
monge e entregue aos militares. “Na véspera do lançamento, a gente já sabia que o documento estava na
mão dos militares, tanto que no dia, as ruas em frente ao mosteiro estavam ocupadas” como afirmou Jean
Bauzin, ex-monge do mosteiro em entrevista a Paloma Váron e Francisco Cláudio.
No dia 2 de maio já havia um informe da Polícia Federal que proibia qualquer comentário na
imprensa sobre o documento. Segundo o relato de memória de Jean Bauzin a maneira que ele e D. Timóteo
encontraram para distribuir o documento sem que a repressão percebesse foi através de “um monge
beneditino que era capitão da marinha e nós conseguimos que ele levasse o documento para o reverendo
Celso (Dourado) sem saber. Ele levou no carro oficial, fardado, pois a gente disse que era um documento do
ecumenismo”. Se havia uma cópia nas mãos dos militares, outras já estavam em mãos de religiosos porque
antes de ser impresso foi realizada a coleta das assinaturas dos Bispos e Superiores nordestinos que
repassaram suas cópias. Não houve modo de barrar o documento, na época foi bastante lido e divulgado por
padres, religiosos e leigos da Igreja e este movimento corroborou para uma ampla divulgação que resultou
no lançamento do documento em vários países simultaneamente na França e nos Estados Unidos, tal
articulação permitiu boa repercussão na imprensa internacional, já que a brasileira estava sob forte censura.
Os ecos dos clamores do povo lançado em setembro de 1973 através do documento-manifesto dos
Bispos e Superiores do Nordeste ainda estavam presentes e o maior expoente da imprensa católica de
Salvador o Jornal “A Semana Católica publicou”: Eu ouvi os clamores do meu povo – um parecer sucinto
sobre o Documento escrito por D. Avelar Brandão Vilela, Cardeal Arcebispo de São Salvador da Bahia e
106
Primaz do Brasil em 24de agosto do corrente ano. O Parecer 166 do arcebispo de Salvador possui oito pontos
de reflexão.
1.
O Documento manifesta, inegavelmente, uma opção religiosa que envolve
aspectos de natureza político-social.
2.
Sobre matéria de interesse humano, a Igreja tem o direito e dever de opinar.
Em assuntos técnicos, porém não lhe cabe, ex-offício, decidir e obriga 167
A opção realizada por representantes religiosos de seis dos nove estados nordestinos tinha caráter
político-social, não havia como não se envolver; foram utilizados dados de natureza técnica para que
juntamente com a realidade da população percebida por seus sacerdotes o documento fosse fruto de um
trabalho sério. Os dados dos órgãos do governo foram inseridos no contexto histórico e real do povo
nordestino e a indignação com o estado do povo não podia ser a única arma no momento de contestar o falso
progresso para essa região do país. Cabia o direito e o dever da Igreja em opinar, mesmo que se tratasse de
meros “assuntos técnicos”, porque a vida da população é planejada por seus governantes através desse tipo
de documentação. Ao assumir a estrutura piramidal da Igreja os religiosos estavam submetidos à regra
básica da obediência que,
3. O último Sínodo, realizado sobre a presidência de Paulo VI, declara que “não
compete à Igreja, enquanto comunidade religiosa e hierárquica, oferecer as
soluções concretas no campo social e político, para a justiça no mundo. Sua
missão, porém, implica a defesa e a promoção da dignidade e dos direitos
fundamentais da pessoa humana.
Os membros da Igreja, enquanto membros da sociedade civil, tem o direito e o
dever de procurar o bem comum, como os demais cidadãos.
4. O documento “Eu ouvi os clamores do Meu Povo” – faz denúncias graves que,
se comprovadas, debilitam, do ponto de vista social, a conjuntura econômica
vigente.168
Como defender a dignidade e os direitos fundamentais do homem sem oferecer soluções concretas?
Se o dever de dar alimento por uma instituição religiosa for substituído por meios para que um pai ou mãe
de família garanta esse alimento for visto como uma solução concreta no campo social, não pode ser feito?
É algo contraditório, pregar sobre O egoísmo escraviza, o amor liberta, e sobre a justiça social, se a
166
A Semana Católica - 1º e 2 de setembro de 1973 – EU OUVI OS CLAMORES DO MEU POVO – Parecer sucinto sobre o
Documento D. Avelar Brandão Vilela Cardeal Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
167
168
Idem.
Idem.
107
igualdade de direitos é dever do cristão que segue as leis de Deus e as leis dos homens enquanto membro da
sociedade civil.
As denúncias não foram feitas sem algo que as comprovassem, a debilidade da conjuntura da época,
o tal “Milagre brasileiro”, que de acordo com o caderno do CEAS:
... mascarado pela propaganda maciça, a utilização do futebol como meio de
afirmação patriótica, a utilização de mecanismos de ilusória ascensão econômica,
como a loteria esportiva, não conseguem, contudo, entorpecer a consciência do povo,
capaz de identificar os verdadeiros resultados do “milagre”.
A ausência de liberdade, a violência da repressão, as injustiças, o empobrecimento
do povo e a alienação dos interesses nacionais ao capital estrangeiro não podem
constituir sinal de que o Brasil tenha encontrado o caminho de sua afirmação
histórica.169
Os Atos Institucionais escritos para retificar as ações do governo ditatorial deixaram claras as suas
intenções. O caminho para a afirmação histórica do país estava longe de ser conquistado visto que seu povo
passava por uma supressão de direitos nunca antes vista. A imprensa internacional escancarava a ausência de
liberdade e a violência da repressão. O “milagre” foi gerado através da escolha de regiões do país que seriam
beneficiadas, que só ocorreu graças ao completo endividamento do país com o capital estrangeiro.
Há sérias acusações no documento que devem ser examinadas, desapaixonadamente,
pelos responsáveis da cousa pública brasileira.
Não aceito o documento como diretriz de Pastoral Social em minha Arquidiocese.
A máquina repressora do governo preferia não aceitar um documento que requeria análise por trazer
acusações sérias feitas através da utilização de dados dos órgãos competentes do governo. Dom Avelar
Brandão preferiu passar a tarefa de análise do documento às autoridades responsáveis pela máquina pública
brasileira. Se esse tipo de documento não foi aceito como diretriz do apostolado social de Salvador o que
era?
169
BISPOS e Superiores Religiosos do Nordeste. Eu ouvi os clamores do meu povo. Cadernos do CEAS, Salvador, n. 27, p. 37-60,
out. 1973.
108
Admito-o, porém, como instrumento de estudo para grupos de comprovada
capacidade intelectual e moral, isto quer dizer que não se trata de obra acabada
nem de tese defendida pela Arquidiocese, mas de um texto que deve ser
analisado num clima de liberdade e responsabilidade.
Não penso que o melhor caminho, relativamente ao documento, seja da simples
rejeição e repressão. Segundo me parece, os órgãos especializados, públicos e
particulares, deviam estudá-lo convenientemente, e apreciá-lo à luz do Modelo
Brasileiro e da real situação do povo, em ordem ao bem comum.
Uma atitude, dentro desse espírito, seria judiciosa providência, colocada a
serviço da verdade, da justiça e da paz.
O documento foi escrito por grupos de estudo sérios com absoluta capacidade intelectual, moral e,
sobretudo, vivência prática com a realidade do povo. De pastores que ouviam as queixas recorrentes de seus
rebanhos. Notamos um avanço na fala do arcebispo quando admitiu que o documento merecia no caso,
(mais) estudo. Isto já estava sendo feito. No último tópico do seu Parecer Dom Avelar Brandão pareceu
adivinhar o que estava por vir quando afirmou que o melhor caminho no que diz respeito ao documento não
era o da rejeição e da repressão.
Em outubro, o Centro de Estudos e Ação Social tentou publicar o texto integral do documento Eu
ouvi os clamores do meu povo no Caderno do CEAS de nº 27, edição utilizada para a escrita desse capítulo.
O periódico não foi autorizado pela Polícia Federal. Em relato de memória Isa Moniz afirmou a Váron e
Cláudio que o documento ganhou um apelido curioso entre os fiéis, “Pantera cor-de-rosa” devido à cor de
sua capa. Segundo a leiga italiana o Grupo Moisés foi o distribuidor do documento em solo baiano.
O CEAS enquanto instituição criada para a promoção de estudo e diálogo do documento à luz “da
real situação do povo” “a serviço da verdade, da justiça e da paz”. No Grupo Moisés não era diferente, com
o caráter menos institucionalizado, tinha as mesmas pessoas circulando e conforme os avanços eram
conquistados como a Anistia de presos políticos e o retorno a legalidade de associações e sindicatos
percebia-se a abertura política do regime militar.
Segundo Váron e Cláudio após o surgimento do Grupo Moisés surgiu o Trabalho Conjunto em
março de 1974, o motivo foi à destruição de uma invasão conhecida como Marotinho que era localizada
entre a região da Fazenda Grande do Retiro e o bairro de São Caetano. O Grupo Moisés se diluiu à medida
que outros grupos iam se engajando nos problemas sociais da cidade. Não houve uma data específica para
sua finalização.
109
A necessidade de reunir o Grupo foi diminuindo lentamente, os seus integrantes continuaram suas
atividades pastorais. Consideramos que a grande contribuição do Grupo Moisés para a cidade de Salvador
foi circulação de idéias de seguimentos majoritariamente católicos em tempos que a repressão não tolerava
escritos e discussões a cerca das mazelas que castigavam a população porque esse tipo de questionamento
era considerado subversivo.
A teologia da libertação é uma das grandes realizações da Igreja na América Latina,
quando os teólogos começaram a pensar em termos concretos de história, que estão
próximos da caminhada do povo pela liberdade, pela terra, pela saúde, pela paz. Eles
reinterpretaram o Evangelho – que é transcendente – à luz dessa caminhada pela
dignidade, pela paz. Trata-se de teologia e teologia é um trabalho da razão. Baseado
na fé, mas um trabalho da razão, um trabalho cientifico. Por isso, tem que haver uma
certa liberdade para os teólogos pensarem...Não está em jogo a fé. A fé é Jesus
Cristo, Deus homem, o amor de Deus, a dignidade de cada um e o acesso de todos os
marginalizados. O sentido da teologia da libertação é isso: pensar em termos
realidade latino-americana, que é uma realidade de injustiça. 170
Os pensamentos e questionamentos de jovens religiosos que atuaram nas periferias de Salvador eram
baseados nos pilares da teologia da libertação. O trabalho de conscientização das camadas populares foi uma
constante nas discussões do Grupo Moisés. A reinterpretação do Evangelho foi algo partilhado por Dom
Timóteo e os outros religiosos que embora não se considerassem teóricos da libertação procuravam tê-la
como norte do trabalho que desenvolviam em suas comunidades.
Durante os dezesseis anos (1965-1981), que esteve no abaciado do Mosteiro de São Bento Dom
Timóteo promoveu uma abertura da comunidade que dirigia com a cidade de Salvador e seus problemas. A
continuidade no acolhimento dos jovens católicos e suas lutas também fizeram parte dessa história, bem
como a aproximação dos ritos com o povo.
170
ANASTÁCIO, D. Timóteo Amoroso: Depoimento concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro Gustavo
Fálcon. REVISTA DA BAHIA, Periódico: 12 de maio – 1989.
110
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa levou a discussões importantes sobre a postura de parte da Igreja Católica de Salvador
frente à ditadura militar. O tema remete a uma geração de religiosos no Brasil representada nesta dissertação
mediante ao estudo de aspectos da vida e obra de Dom Timóteo que se referem aos diálogos que estabeleceu
com jovens estudantes católicos e movimentos sociais de Salvador e que possibilitaram compreender
tensões e conflitos partilhados por dezenas de padres e monges no país. A etapa concluída promoveu
reflexões sobre parte da produção historiográfica de Salvador visto que a pesquisa fez incursões sobre a
História do abaciado de Dom Timóteo entre os anos de 1965 a 1973.
As novas fontes, como o livro Testemunho Hoje de Dom Jerônimo de Sá Cavalcante, um caderno em
espiral impresso contendo relatos de memória de integrantes do Grupo Moisés, a carta pastoral do Arcebispo
Dom Augusto de 1963, e o Parecer sobre o documento-manifesto Eu ouvi os clamores do meu povo do
Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela ambos de 1973, a carta de Dom Timóteo ao Núncio Apostólico de
1966, jornais de Salvador do período de 1965 a 1973 que abordam pronunciamentos de Dom Timóteo,
notícias sobre sucessão do arcebispado, manifestações estudantis que tratam dessa temática dissertação que
permitiram interpretar novas significações. O trabalho realizado promoveu grande crescimento acadêmico e
pessoal fruto da atualidade dos escritos pesquisados que se revelaram na observação de aspectos da biografia
do abade que permitiu no cruzamento com outros documentos a compreensão de um personagem
profundamente espiritualizado cujas rememorações do seu tempo deram a ver as relações que estabeleceu
com diferentes pessoas e grupos sociais.
A primeira vez que ouvi falar do abade surgiu uma imensa inquietude. Como historiadora resolvi
levantar evidências e documentos cujas as leituras foram tão envolventes e instigantes que me levaram a me
interessar ainda mais pela trajetória religiosa de Dom Timóteo, que é o objeto dessa dissertação. No
exercício da pesquisa para a elaboração desta dissertação realizei o levantamento, sistematização e reflexões
de grande quantidade de informações, e trabalhos acadêmicos sobre as temáticas abordadas. Após esta
escrita consigo vislumbrar perspectivas de que a documentação sobre D. Timóteo localizada nas
dependências do Mosteiro ainda possibilita especialmente se estender o período de 1973 a 1981
111
REFERÊNCIA
Arquivos
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – Jornais A Tarde e da Bahia
Laboratório Reitor Eugênio Veiga da Universidade Católica do Salvador (Acervo da Arquidiocese) – Jornal
(A) Semana Católica
Biblioteca do Mosteiro de São Bento
Biblioteca Pública dos Barris – Jornais A Tarde, da Bahia e Revistas.
Documentos Pesquisados
AMOROSO, Timóteo Anastácio. Os Monges: uma revisão necessária, p.1, s\d.
__________, Dom Timóteo Anastácio. Texto Transcrito da Aula do dia 23-7-1950.
__________, Dom Timóteo Anastácio. Documento - resposta do Mosteiro de São Bento, Salvador (Bahia)
do dia 10 de agosto de 1966 redigido ao Excelentíssimo Sr. Dom Sebastião Baggio representante do Núncio
Apostólico.
_________, Dom Timóteo Amoroso, OSB. Apresentação do disco Missa do Morro e cantigas da Boa Terra,
Rio de Janeiro, Philips; Companhia Brasileira de Discos, 1969, (Coleção de Pesquisa de Músicas
Brasileiras).
CARDEAL DA SILVA, Dom Augusto. Carta pastoral do Arcebispo Metropolitano da Bahia sobre O Perigo
do Comunismo na Hora Presente – Bahia, 1º de dezembro de 1963.
__________________ Carta Aos meus diocesanos, 1964.
GOULART,
Presidente
João.
Comício
da
Central.
Disponível
http://www.institutojoaogoulart.org.br/conteudo.php?id=31 acessado em 13 de janeiro de 2013.
em
112
(Rascunho da carta ao arcebispo de Malinas-Bruxelas, Cardeal Leo Joseph Suenens, datado de 23 de
novembro de 1962 e anexado à sua Circular 39/62 de 19/20 novembro de 1962).
Regra do glorioso Patriarca São Bento. Tradução e Notas de Dom João Evangelista Enout, OSB., disponível
em http://www.osb.org.br/regra.html.
Relato de memória de Délia Bonisegna concedido a Jesus e Bandeira, 2002.
Relato de memória concedido por Pierre Demoulière à Váron e Cláudio, 2001.
Relato de memória concedido por Andrés Mato à Váron e Cláudio em 2001.
Relato de memória concedido por Cláudio Perani à Váron e Cláudio em 2001.
Relato de memória concedido por Jean Bauzin à Váron e Cláudio em 2001.
Relato de memória concedido por Hilda Hendrickx à Váron e Cláudio em 2001.
Revista História da Bahia – Nº 12, Março de 1989. Entrevista concedida por Dom Timóteo em Março de
1989. Depoimento concedido a Sahada Mendes, Carlos Sarno, José Henrique Barreiro e Gustavo Falcón.
Revista Brasileira de História´- volume 14, nº27 – São Paulo, Construindo a memória do regime de 64,
1994.
Revista Manchete, nº 1100, Maio de 1973.
Jornal (A) Semana Católica
Semana Católica, Salvador 21 de Abril de 1963
10 de abril de 1966 – A Semana Católica -A CRÔNICA DA SEMANA – DIÁLOGO COM A
JUVENTUDE - ESTUDANTE E A VIDA PÚBLICA –– A Semana Católica.
A Semana Católica – 11/12 de janeiro de 1971 - Dom Jerônimo uma personalidade.
A Semana Católica -13 e 14 de junho de 1971 – Canto da Juventude.
A Semana Católica- 19 de maio de 1968 - JUVENTUDE EM LUTA – Carlos Masagão
Jornal A Semana Católica. Oração de uma jovem citada por Dom Jeronimo. 11/12 de janeiro de 1971;
86
Jornal A Semana Católica – Dom Jerônimo uma personalidade. 11/12 de janeiro de 1971
Semana Católica – 3 e 4 de fevereiro de 1973 - Libertação, Palavra do Momento.
113
A Semana Católica - 1º e 2 de setembro de 1973 – EU OUVI OS CLAMORES DO MEU POVO – Parecer
sucinto sobre o Documento D. Avelar Brandão Vilela Cardeal Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz
do Brasil A TARDE, 13 de abril 1964 - Marcha da Família com Deus.
Jornal da Bahia
Jornal da Bahia – Salvador, sexta-feira, 10 de dezembro de 1965.
Jornal da Bahia, 17 de Dezembro de 1965.
Jornal da Bahia - Missa do Morro Adapta Igreja do Diálogo à Realidade Brasileira. 23 de dezembro de 1965.
Jornal da Bahia. Curso debate: questões da igreja analisando a aculturação. 23, 24 de janeiro de 1966
Litúrgica.
Jornal da Bahia. A Semana Católica – o povo e a liturgia. 25 de janeiro de 1966.
Jornal da Bahia. Cristãos conscientes de hoje estão ameaçados de perseguição - diz o Abade. 18 de agosto de
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Jornal da Bahia - Invasão do Mosteiro de São Bento de Salvador em 9 de Agosto de 1968.
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