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O cotidiano cultural em Ribeirão
Preto: a cultura e o lazer entre os
anos 1880 e 1920
Liamar Izilda Tuon
RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
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Liamar Izilda Tuon
Mestre em História pela Universidade Júlio de Mesquita Filho — Campus de Franca (1997). Atualmente é professora da Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal (SP), onde também coordena o
curso de Licenciatura em História e o Centro de Documentação e Memória da Faculdade de Educação
São Luís, o CEDOC São Luís. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil e
Historiografia, atuando principalmente nos seguintes temas: História do Brasil, Ensino de História,
Educação, Cultura, Memória e Historiografia.
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Introdução
Este artigo debate elementos da história cultural da cidade de Ribeirão
Preto no final do século XIX e início do século XX. Desta forma, são analisadas
as principais transformações políticas e econômicas do período, motivadas principalmente pela expansão cafeeira pelo interior de São Paulo e pela necessidade
de mão de obra, que resultou na imigração de muitos europeus para a região. Ao
discutir a cultura e o lazer na cidade, destaca-se um panorama das diversas manifestações culturais do período, assim como dos mecanismos encontrados pelos
imigrantes para sobreviver e interferir na sociedade ribeirão-pretana.
No período compreendido entre os anos 1880 e 1920, a cidade de
Ribeirão Preto passou por profundas transformações em sua estrutura social, política, econômica e cultural. Transformações ocasionadas pela expansão cafeeira
para o interior de São Paulo e consequente necessidade de mão de obra, pela
expansão da rede ferroviária e, principalmente, pela imigração.
O período em que o Estado de São Paulo recebeu mais imigrantes compreende os anos 1885 e 1902 (ALVIM, 1986). A imigração europeia, em especial
a de italianos, para a região, foi significativa para o aumento populacional. Em
1873, a cidade contava com 5.552 habitantes, sendo que destes, 857 eram escravos. No entanto, entre os anos de 1890 e 1902, a população de Ribeirão Preto
passou de 12.033 para 52.910 habitantes, um aumento de 340%, sendo que
desses, 27.765 eram italianos (BORGES, 1994, p. 14).
A partir de meados do século XIX, a miséria provocada pela depressão
agrícola e a taxa sobre a família, cujo pagamento estava vinculado ao confisco
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da propriedade na Itália (TRENTO, 1989), foram as grandes responsáveis pelo empobrecimento de sua população. Empenhados em conquistar melhores condições
de vida e iludidos com a propaganda de que no Brasil era fácil adquirir terras,
eles imigraram em massa, para trabalhar nas lavouras de café, fugindo assim da
crise italiana.
Além de sua contribuição para a economia cafeeira, os imigrantes italianos, juntamente com os de outras nacionalidades, interferiam profundamente
nas manifestações culturais locais. Longe de serem consideradas harmoniosas,
as relações entre imigrantes e moradores locais, eram permeadas por relativa
xenofobia e preconceito de classe. Uma das formas encontradas pelos imigrantes
para superar as dificuldades foi a fundação de Sociedades, que se dedicavam a
atividades políticas, assistenciais, culturais e de lazer. Dentre as que atuaram em
Ribeirão Preto, podemos destacar a Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos de
Ribeirão Preto (1904), a Società Operaria Unione Italiana (1895), a Società Dante
Alighieri (1910). Além das sociedades fundadas por imigrantes, outras como a
Sociedade José do Patrocínio, a Sociedade Amiga dos Pobres (1910) e a Sociedade
Legião Brasileira (1903) tiveram importante atuação na cidade (TUON, 1997).
As sociedades tiveram um papel fundamental na integração dos imigrantes e destes com os brasileiros no acesso ao divertimento, à cultura e ao
lazer, numa cidade onde a riqueza econômica ainda não correspondia ao caráter
urbano local. Nessas sociedades, aconteciam festas, saraus, bailes, encontros e
palestras sobre os mais variados assuntos, incluindo apresentação teatral.
Desde a Antiguidade, o lazer tem sido objeto de reflexão. Na sociedade ateniense, o lazer era compreendido como o “ócio” ou a contemplação, uma
atividade à qual se dedicavam apenas os que estavam livres das tarefas servis,
portanto, constituía um privilégio. Ao longo da Idade Média, o trabalho permaneceu como um sofrimento para o ser humano, neste período não são as práticas
culturais estabelecidas em função dos interesses da Igreja que determinavam
aquilo que hoje chamamos de lazer. Somente com a consolidação do capitalismo,
ou das relações burguesas na sociedade, é que o lazer ganhou espaço privilegiado
no debate sobre o tempo do trabalho e o tempo do descanso (WERNECK, 2000).
Anteriormente ao século XIX, a ociosidade da nobreza era um ideal a
ser garantido em contraposição ao trabalho, sobretudo o manual. A ascensão da
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burguesia e a constituição do proletariado propiciaram o surgimento da ideia do
lazer como direito dos que trabalham e necessitam de um tempo para se desenvolver e se divertir (TUON, 1997).
Nas sociedades industrializadas, o lazer representou um fenômeno de
classe, um valor latente em todos os meios sociais, uma necessidade imperiosa de
criar espaços para a criatividade e a diversão. No entanto, nas camadas economicamente desfavorecidas, o fraco poder aquisitivo determinou o tipo de lazer a que
eles se dedicavam, que era diferente do das camadas privilegiadas da sociedade.
O estudo das relações culturais não pode ser reduzido a um produto das
relações econômicas e sociais, nem pode ser desvinculado destas relações (HUNT,
1999). A cultura representa o lado simbólico da vida, portanto, cultura é toda
produção humana, seja ela material ou intelectual. Para Roger Chartier, a história
cultural “tem por principal objeto identificar o modo como em lugares diferentes
e momentos diferentes uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16-17). Assim, para analisar culturalmente a
sociedade ribeirão-pretana, é necessário que se considere a diversidade de grupos
étnicos e culturas que se instalaram na cidade.
Em Ribeirão Preto, o divertimento fora do lar só se desenvolveu de
uma maneira mais elaborada, a partir de 1910. Até então, a cidade contava com
poucos estabelecimentos dedicados à diversão.
No final do século XIX e início do século XX, a praça e a Igreja representavam importantes espaços de sociabilidade. Até este período somente alguns
circos se instalavam na cidade apresentando espetáculos populares. Até 1901,
não havia nenhum tipo de calçamento na cidade, nem mesmo a Praça XV de
Novembro, centro da vida social, era bem cuidada. Apenas nos anos seguintes a
cidade ganhou investimentos na sua precária infraestrutura.
A música estava presente na sociedade de diferentes formas. Possuir
um piano era sinal de status e refinamento, assim os jornais anunciavam com
frequência professores que ensinavam às boas moças de família aulas de piano e
canto, um conhecimento importante para a realização de “salões” e “saraus”.
No Rio de Janeiro, os “salões” eram famosos desde o Império. Neles, as
pessoas divertiam-se, faziam contatos políticos e cultivavam valores aristocráticos europeus (NEEDELL, 1993). Em Ribeirão Preto, não havia tanta regularidade
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na organização de reuniões íntimas. Naquela época, a música era uma forma de
lazer tanto dentro quanto fora do espaço do lar. Em casa, os saraus organizados
nas residências de famílias da elite eram encontros onde pessoas se reuniam, para
discutir literatura da época, ouvir algumas pessoas tocando e cantando e deliciar-se com as guloseimas oferecidas, doces refinados, bebidas — que geralmente
eram importadas —, pãezinhos delicados, etc. Fora do espaço do lar, a música
era motivo de encontro em associações e sociedades, bailes, festas, ocasiões
especiais, datas comemorativas e até mesmo em movimentos de protesto. Além
dessas duas formas de apreciação musical, destacamos ainda a mais popular de
todas, as bandas de música que tocavam no coreto da praça.
Por volta de 1910, várias bandas haviam se consolidado na cidade: a
banda Filhos de Euterpe, a Bersaglieri, a Banda Progressista, a Giácomo Puccini e
a Ítalo-Brasileira, constituídas por músicos italianos e, muitas vezes, conduzidas
por maestros italianos. A contratação da banda que tocava na praça era feita mediante apresentação de proposta de custo que a prefeitura encaminhava à Câmara
Municipal que, por sua vez, contratava a banda por um determinado período.
As bandas se apresentavam quase que diariamente no coreto da praça,
geralmente a partir das 18 ou 19 horas. As pessoas afluíam ao local, a fim de
apreciar as músicas tocadas. Até 1920, não aconteceram grandes mudanças, as
músicas de G. Verdi, Puccini, Mascagni, F. Lehar e Carlos Gomes foram executadas
durante anos. Algumas variações puderam ser observadas apenas nas composições nacionais menos famosas, como a dos compositores de Ribeirão Preto, que
foram mais tocadas em determinados momentos. Um aspecto importante a ser
destacado é o fato de que o Hino Nacional também era executado no coreto da
praça por essas bandas (A CIDADE, 10 out. 1915), geralmente próximo ao dia 1º
de Maio ou outras datas comemorativas.
Além de se apresentarem no coreto da praça, as bandas costumavam
acompanhar as festividades das Sociedades em datas comemorativas como o dia
1º de maio pela Società Unione Italiana; o 13 de maio pela Sociedade José do
Patrocínio; o 14 de julho pelo empresário cultural francês François Cassoulet e o
20 de setembro pelas Società Unione Italiana e Società Dante Alighieri.
Durante todo o Império e as primeiras décadas da República, o número
de analfabetos era muito grande em todo o país (CARVALHO, 1987). No município
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de Ribeirão Preto, a situação não era muito diferente, somando-se a isso o número de imigrantes que, analfabetos ou não, geralmente não falavam português.
Os leitores que adquiriam livros constituíam a elite letrada da cidade. Dentre as
principais livrarias de Ribeirão Preto, no período, a Livraria Selles (A CIDADE, 23
abr. 1909, p. 2) vendia romances, livros escolares e assinaturas do Malho, TicoTico, jornais e diversas outras revistas. Por sua vez, a Livraria Central, de Veríssimo dos Santos, anunciava livros sobre Sociologia, História, Filosofia como O que
é socialismo, de George Ronard; O Anarquismo, do dr. Elisbarcher; A emancipação
da mulher, de Novicow; Riqueza e felicidade, A luta pela existência, de Coste; Crítica scientifica, de E. Hennegnin; O Helenismo, de Agostinho Fortes; As origens do
socialismo contemporâneo; O Capital, de Karl Marx; Classes pobres, de A. Niceforo
e J. Guedes, entre outros.
Além das livrarias, segmento responsável pela divulgação de algumas
obras políticas e literárias, pode-se constatar que algumas instituições da cidade
se constituíam em veículos propagadores do saber e da cultura sistematizada.
Muitas delas se aparelhavam para montar bibliotecas, colocando-as à disposição
de seus associados. Em 1914, a maior delas era a da Loja Maçônica “Estrella
d’Oeste” (ANNUARIO ESTATISTICO DE SÃO PAULO, 1914, p. 173), que na época
possuía em seu acervo 1850 volumes, sendo que 1600 deles eram publicados em
língua portuguesa, cem deles em francês, cem em italiano e outros cinquenta em
espanhol.
A Sociedade Legião Brasileira, fundada pelo Padre Euclides, era a sociedade onde se aglutinava a intelectualidade da cidade, realizando reuniões, saraus
e encontros literários. Em 1914, sua biblioteca possuía 1200 volumes (ANNUARIO
ESTATISTICO DE SÃO PAULO, 1914, p. 173), sendo que 694 eram publicados em
português, 297 em francês, 117 em italiano, e demais itens em outros idiomas.
A biblioteca do Ginásio do Estado, primeira escola pública da cidade,
possuía em 1914 (ANNUARIO ESTATISTICO DE SÃO PAULO, 1914, p. 173), um total
de 842 volumes, sendo que 397 eram obras publicadas em francês, 336 em português e as outras publicadas em outros idiomas.
No final do século XIX, o processo de industrialização e urbanização
das cidades, notadamente do Rio de Janeiro e São Paulo, provocaram grande
desenvolvimento da imprensa escrita, os jornais serviam como importante instru-
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mento de divulgação de ideias e de acirradas disputas políticas.
Em Ribeirão Preto, era grande o número de jornais publicados, de várias
fases e de curta duração. O primeiro jornal a ser publicado na cidade foi A Lucta
(1884) (CIONE, 1992, p. 192), dirigido por Ramiro Pimentel. A falta de liberdade
de imprensa, normalmente, colocava esses profissionais diante de sérios riscos e
impasses. Em 1903, Antonio Guimarães, jornalista responsável pelo jornal O Sorriso, foi assassinado e seu jornal fechado pouco tempo depois. No ano seguinte,
João de Moura, fundador do jornal O Ribeirão Preto, foi morto a pauladas. Nos dois
casos, nunca se soube quem eram os responsáveis pelas mortes e, provavelmente,
nunca houve muito empenho na elucidação dos casos.
Em 1903, começaram a ser publicados o Jornal de Notícias, por Armando Novaes; O Commercio por Domingos Machado e a A Penna e O Trabalho. Os
dois periódicos mais importantes do período e que tiveram maior duração foram
o Diario da Manhã, fundado em 1898, e A Cidade, em 1905. Esta longa duração se
deu principalmente pelo fato de que seus proprietários sempre estiveram ligados
aos grupos políticos, apoiando os que disputavam o poder local.
Muitos outros periódicos foram publicados até 1920, alguns com tendência anticlerical e republicana, outros humorísticos, outros de propaganda católica. Em 1912, foi fundado o Bolletino di Santo Antonio, publicado pela paróquia de Santo Antônio em Ribeirão Preto e redigido parte em português e parte
em italiano.
Dadas as dificuldades sociais, políticas, econômicas e culturais enfrentadas pelos imigrantes e a falta de meios públicos para expressar seu descontentamento, foi grande o número de jornais publicados em língua estrangeira,
sobretudo nas cidades paulistas. Os jornais italianos se dedicavam, entre outras
matérias, principalmente, a denunciar as más condições de vida dos imigrantes
no campo e na cidade. Geralmente esses jornais eram de tendência anarquista ou socialista, o que provocou grandes problemas diante do conservadorismo
da sociedade ribeirão-pretana. Assim, os periódicos italianos não tiveram longa
duração na cidade. Geralmente circulavam por algum tempo e depois acabavam
sendo fechados, trocavam de nome ou de dono, ou porque não podiam criticar
a situação da maioria dos colonos, pois eram perseguidos, ou porque era muito
difícil manter a estrutura de um jornal pelos custos e dificuldade de distribuição.
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A maioria deles era vendida por assinatura ou diretamente na gráfica. Havia ainda a resistência da população local que não falava italiano e não via com bons
olhos este tipo de publicação, muitos pensavam que não era bom que jornais
fossem publicados em língua estrangeira. Havia certa xenofobia em relação aos
imigrantes, fato compreensível se considerarmos que eles constituíram uma parte
significativa da população da região, e isso constrangia os brasileiros.
Dentre os jornais italianos publicados na cidade, podemos destacar:
L’Unione Italiana, que circulou de 1896 a 1897; La Tribuna, mais ou menos na
mesma época; Il Corriere Italiano, fundado e dirigido por Carlos Torre, de 1904 a
1905, o qual, pouco depois recebeu a denominação de L’Eco Italiano. Em 1906,
Alfredo Farina fundou o jornal Il Messagero e, mais tarde, Lo Scudiscio, cuja publicação foi interrompida em consequência de um processo criminal, por injúria,
que lhe moveu um conhecido negociante da cidade (GUIÃO, 1922). O último
jornal italiano do período, que circulou em 1914, foi La Voce degli Italiani, sob a
direção do advogado Gaspar Malteze, com a colaboração de Malferrari e outros.
Os responsáveis por esse periódico eram pessoas muito conhecidas na cidade,
pequenos comerciantes e pessoas ligadas ao Consulado Italiano. Mas de modo
geral, eram pessoas pobres, trabalhadores autônomos ou ligados às categorias
mais organizadas de operários.
Além desses, Angelo Trento destacou os seguintes jornais publicados
em Ribeirão Preto, em língua italiana: Gazzeta della Domenica (1896), La Canaglia
(1900) e Il Diritto (1904). O autor afirma que todos eram de tendência socialista
ou anarquista.
Alguns deles tiveram problemas políticos e, portanto, fechados em
razão de processos judiciais sofridos em nome de denúncias e difamações. Em
1910, L’Eco Italiano orientou os seus compatriotas a permanecerem com cidadania italiana, já que nenhum candidato de origem italiana ou que defendia os
interesses dos italianos constava das chapas para a eleição municipal (A CIDADE,
25 out. 1910, p. 1). Isso provocou grande controvérsia e reação da imprensa que
representava os interesses políticos da elite local.
Outro jornal muito lido pela colônia italiana era o Fanfulla. Este periódico era publicado em São Paulo, porém, mantinha um correspondente na cidade,
devido à importância política e econômica da região de Ribeirão Preto. Esse
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jornal, contudo, não era de tendência anarquista ou socialista. Era uma publicação a serviço do Consulado Italiano, em São Paulo. Em casos muito explícitos de
desmandos e complicações com colonos, como em tempo de greve, o jornal se
posicionava abertamente a favor dos italianos. Nesses casos, seus correspondentes eram duramente criticados pela imprensa local.
A influência europeia também se fazia notar na luta pelos direitos
sociais. Em 1918, teve início a participação feminina na imprensa local. Esther S.
Monteiro, em seu primeiro artigo (A CIDADE, 8 mai. 1918, p. 1), propõe que suas
leitoras pensem na situação das mulheres trabalhadoras que não têm com quem
deixar seus filhos — e afirma a necessidade da instrução pública para todos — e
mais, que os poderes municipais construam creches onde as mães possam deixar
seus filhos enquanto trabalham. Ao mesmo tempo, diz que as mulheres que têm
condições e são educadas devem se empenhar em convencer as outras sobre a
importância da educação das crianças. Em seu segundo artigo (A CIDADE, 18 mai.
1918, p. 1), ela escreve sobre o amor entre homem e mulher e o “amor menos
egoísta”, que é a dedicação aos deserdados, aos órfãos, aos pobres e ignorantes.
No terceiro artigo (A CIDADE, 23 mai. 1918, p. 1), usa o texto para responder a alguém que a criticou por suas posições favorecendo a liberdade da mulher. Defende a instrução e a educação feminina para que ela não seja “pedante e ridícula,
nem ignorante e frívola” e acrescenta “a mulher com o auxílio de uma instrução
séria e reflectida pode ser iniciada em todos os estudos que pertencem aos homens, para os poder comprehender e escutar com prazer, e ainda mais, para saber
soffrer as adversidade e ajudar os seus a supporta-las”. Complementa escrevendo
que “não deseja usurpar os direitos dos homens, mas sim que a mulher saiba se
revestir de sua dignidade pessoal” (A CIDADE, 23 mai. 1918). Esses artigos foram
os únicos escritos por uma mulher, publicados no jornal até 1920. Em outubro de
1918, durante a epidemia da Gripe Espanhola, um jornalista escreveu um artigo
cujo título é Uma inesquecível amiga (A CIDADE, 19 nov. 1918), lamentando-se
pela morte da amiga Esther.
Acompanhando o processo de urbanização dos municípios no início do
século XX, as cidades foram sendo remodeladas e beneficiadas com calçamentos,
construção de ruas, parques e viadutos. Esses benefícios propiciaram a criação de
linhas de bondes, ruas de comércio intenso, com lojas de tecidos e armarinhos,
livrarias, cafés, confeitarias, charutarias, restaurantes, teatros, etc.
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Os cafés e as confeitarias eram locais em que as pessoas se encontravam para conversar, ler e saborear as iguarias, frutas de época, nozes, avelãs,
bombons finos, licores e doces que, geralmente, não se faziam em casa, vinham
de países ou regiões diferentes.
Em Ribeirão Preto, as confeitarias tiveram um papel importante no
processo de socialização das mulheres, como espaço público aberto a elas. Ali
podiam se encontrar para almoçar, jantar, tomar chá, comer biscoitos, bolos,
broas, pães, tomar sorvete, etc., conversar à vontade sobre os assuntos preferidos
que quase sempre versavam sobre o lar, marido e filhos, ou sobre romances que
haviam lido.
Somente a partir de 1910, as confeitarias, padarias e restaurantes começaram a se modernizar na aparência e no atendimento. Muitos destes estabelecimentos pertenciam a italianos. A cidade contava com boas confeitarias já
a partir de 1910, entre elas podemos mencionar: a Confeitaria Aurora (1910), a
Samaritana (1911), Floresta (1912), Smart (1913), Braga (1914), Central (1914),
Brandão (1915), Victtoria (1915), Bohemia (1915), Castellões (1916), Quinze
(1916), Paulicéia (1919), destacando-se as confeitarias Smart, Brandão e Castellões como sendo as mais requintadas. Também devemos destacar a Confeitaria
Aurora, da qual encontramos uma referência em 1910, que dizia: “Hoje esta conceituada confeitaria dará aos seus fregueses uma boa função cinematographica
com o seguinte programma: No Tempo de Nothany, Inconvenientes do Cinematógrapho, A Filha do saltimbanco e Jogos Olympicos em Londres” (A CIDADE, 8 dez.
1910, p. 2), demonstrando a inserção do cinema como uma forma de chamar a
atenção dos frequentadores da confeitaria.
O final do século XIX trouxe, entre outras mudanças, a prática de esportes, o estímulo aos jogos e à cultura física que passaram a ser estimulados a
partir do final do século XIX, pois isto vinha ao encontro do programa normativo
republicano (ARAÚJO, 1995). O século XX se iniciou com uma valorização da
prática esportiva em vários sentidos, que ia da saúde ao lazer. Naquele momento,
a mulher ainda era considerada extremamente frágil, por isso, a princípio, as
mulheres iam aos campos apenas assistir e torcer durante os jogos, com o tempo
começaram a praticar esportes, embora esta participação se restringisse a pouco
ou moderado esforço físico. Enquanto os homens praticavam futebol, basquetebol, corrida, natação, canoagem, equitação, corrida de motocicleta, as mulheres
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estavam limitadas às caminhadas, tênis, basquete e um pouco de equitação.
Em Ribeirão Preto, os esportes foram, a princípio, muito mais praticados pelas elites da cidade, mas acabaram por atingir outras camadas da sociedade
após a primeira década do século XX. Os mais praticados foram as corridas de cavalo, o automobilismo, o ciclismo e o futebol. Com o tempo, outros foram sendo
agregados a estes, como a corrida a pé e a corrida de motocicletas.
Ao contrário de alguns esportes que representavam uma forma de ascensão social, como a equitação e a canoagem, que tinham um caráter elitista e
por terem sua origem nos países “civilizados”, o futebol se popularizou rapidamente entre a população brasileira, que já era, naquela época, apaixonada por tal
modalidade esportiva. Era o momento em que o futebol se popularizava, fazendo
surgir os pequenos e grandes clubes, entre eles o Comercial Futebol Clube, o Botafogo Futebol Clube, o Palestra, a União Paulista e o Operário Futebol Club.
Ao contrário destes esportes, o jogo de boccia que foi introduzido
pelos imigrantes italianos não teve grande aceitação por parte da população.
Eram constantes as reclamações de transeuntes incomodados pelos que ficavam
jogando em qualquer esquina, atitude considerada deselegante e pouco civilizada
naquela época. Era o jogo das pessoas humildes da sociedade ribeirão-pretana,
aquelas que não tinham condições de ir passar um dia no campo fazendo piquenique, ou serem sócios de determinados clubes recreativos. Era um segmento
que não possuía recursos suficientes para adquirir os equipamentos necessários
à prática de esportes.
Embora as críticas a esse divertimento fossem severas, nada se comparava às críticas dirigidas aos jogos de cartas. No Rio de Janeiro e em São Paulo,
juntamente com os esportes, popularizaram-se os jogos de azar. A prática de
jogos de azar não era nova, embora eles fossem proibidos, eram jogados desde o
tempo dos vice-reis (GONZAGA, 1996, p. 29). No final do século XIX surgiu o jogo
do bicho e as casas de tavolagem (jogatina), essas, em sua maior parte, estabelecimentos clandestinos onde se jogava e apostava à vontade.
Em Ribeirão Preto, existiram muitas casas onde as pessoas podiam participar de todo tipo de jogo legalmente proibido. Em 1915, a situação dos jogos
na cidade era tão escandalosa a ponto de os jornais paulistanos apontarem para
a vergonhosa situação da cidade onde os jogos eram muito praticados (A NAÇÃO,
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1915, p. 1), e acrescentavam ainda que, em Ribeirão Preto, a situação era pior
que em São Paulo, pois havia muitos casebres frequentados por mulheres de vida
galante e menores jogando (A NAÇÃO, 1915, p. 1). É interessante notar que o
jogo passou a fazer parte não só do espaço das casas de jogos, como também do
próprio lazer de casa, onde as pessoas, apostando ou não, se reuniam para ouvir
música, ler, conversar e jogar.
Juntamente com os benefícios dos esportes, os passeios ao ar livre, no
campo, tornaram-se obrigatórios para quem quisesse acompanhar a última moda
da Europa. Os piqueniques passaram a fazer parte do lazer, principalmente, das
famílias mais abastadas, geralmente organizados pelas senhoras e senhoritas da
sociedade. Eles aconteciam geralmente no Bosque Municipal ou próximos ao Rio
Pardo, em uma área reservada para este tipo de evento. As mulheres se encarregavam das guloseimas e, assim passava-se uma tarde toda a respirar ar puro, comer
boa comida, conversar, ler, fazer discursos, etc.
Esse tipo de passeio já demonstra certo relaxamento nos costumes da
época. A mulher que, antes vivia reclusa ao ambiente do lar, agora podia participar de eventos em que compareciam não apenas pessoas da família, mas também
amigos, conhecidos, companheiros de política, etc. É importante ressaltar que
nem por isso a mulher passou a ser menos vigiada e menos reprimida. Seria inconcebível a uma mulher participar de um passeio desse tipo acompanhada apenas
de suas amigas ou de um homem que não fosse o pai ou os irmãos.
Outra manifestação cultural importante do período era o carnaval,
evento este que deve ser analisado, na cultura brasileira, dentro do processo de
formação de uma sociedade multicultural. Consolidado enquanto festa popular
no processo de urbanização, no início do século XX, tem suas raízes na tradição
europeia do entrudo e dos cortejos (ARAÚJO, 1995, p. 369). A influência da cultura negra marcou definitivamente esta festa ao longo dos tempos. É sabido que
o carnaval já era festejado no Rio de Janeiro desde o século XIX. Os quatro dias
que antecediam a quarta-feira de cinzas eram comemorados com o entrudo, que
era uma brincadeira muito popular, que consistia em jogar água, farinha, cinzas
e outras substâncias menos cheirosas em transeuntes. Mesmo durante o carnaval,
quando aparentemente as exigências sociais eram relaxadas, as mulheres consideradas honestas e de boa família não frequentavam os mesmos bailes que as
cocottes, atrizes, cantoras e prostitutas. As senhoras de boa família podiam, no
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máximo, participar do corso, o desfile de carros, onde estivessem protegidas do
contato com a população mais pobre. Os préstitos eram uma espécie de desfile
onde os homens ligados às sociedades carnavalescas se encarregavam de suas
próprias fantasias, das cocottes e dos carros. Mas nem tudo ocorria em um ambiente de liberdade e descontração, os carros alegóricos que pretendessem fazer
alguma crítica social ou política dependiam da anuência da autoridade local (A
CIDADE, 9 jan. 1916, p. 1).
Em 1909, o carnaval de rua foi proibido em Ribeirão Preto. Naquele
ano, o entrudo ainda era uma prática muito frequente e foi proibido pelo delegado de polícia. A partir de 1910, os grupos carnavalescos começaram a organizar
melhor o carnaval da cidade. Entre esses grupos figuraram, principalmente, o Club
dos Lords (1910), o Clube dos Democráticos Carnavalescos (1912) e o Casacas
Vermelhas (1916).
O carnaval era comemorado na rua, mas sofreu um processo de elitização, transformando-se a festa popular em festa exclusiva dos sócios de determinados clubes, sociedades e também em teatros. Eram famosos os bailes familiares realizados no Teatro Carlos Gomes e, aqueles menos familiares realizados
no Cassino Antarctica. O uso de lança-perfume era permitido e o máximo que se
indagava era seu efeito maléfico à saúde, sobretudo aos olhos. Nos anos que se
seguiram, ou seja, 1918 e 1919, começou-se a dar destaque para os carnavais
em salões ou clubes, particularmente em Ribeirão Preto, os bailes de carnaval da
Sociedade Recreativa.
O período que abarcou o final do século XIX e o início do século XX,
juntamente com os avanços tecnológicos, trouxe mais conforto e lazer à população. Em várias cidades, novos meios de locomoção como balões, aeroplanos, transatlânticos, trens, automóveis vieram facilitar a vida das pessoas, possibilitando
maior rapidez e maior segurança nos transportes. Novos aparelhos de transmissão, como o telégrafo, o rádio e o telefone facilitaram as comunicações transmitindo-as com maior rapidez. Novas técnicas de reprodução de textos, como a
máquina de escrever, de reprodução de imagens e a fotografia, o cinematógrafo e
o gramofone possibilitaram maior difusão de valores sociais e culturais e acesso
à informação.
O teatro e o cinema tiveram grande importância no Brasil como trans284
missores de valores culturais. No período em que se insere nossa pesquisa, é
notável o número de casas de espetáculo que surgiram no país, sobretudo no Rio
de Janeiro e São Paulo. Esse é um fenômeno típico do processo de urbanização
das cidades brasileiras e mais acentuado naquelas em que a imigração se tornou
mais significativa.
Ao final do século XIX, Ribeirão Preto possuía poucas casas de espetáculo e divertimento. Eram comuns as companhias de fantoches, circos e companhias de curta temporada. Eram montagens simplórias, geralmente, sem muita
estrutura, mas que, de alguma forma, traziam um pouco de agitação para a vida
das pacatas cidades.
A partir de 1912, mais uma novidade europeia começava a ser praticada na cidade, a patinação. Segundo as fontes pesquisadas, o primeiro rinque de
patinação de Ribeirão Preto foi o Pavilhão Rink, localizado à Rua Amador Bueno.
Além da pista de patinação este estabelecimento exibia fitas cinematográficas.
Os rinques possuíam ainda camarotes reservados, bares com mesinhas, cadeiras e
completa separação da pista. Times eram montados para competirem entre si nas
pistas de patinação. Havia uma preocupação muito grande em fazer com que o
ambiente parecesse familiar. Anunciava-se que toda a família poderia participar,
inclusive reservando horas particulares para a utilização das pistas. A cidade contou ainda com outros estabelecimentos desse tipo, como o Rink Ribeirão Preto
(1912), o Rink Colosso (1912), o Ideal Rink (1912), e o Éden Rink que substituiu
o Ideal Rink a partir de 1918.
Ao longo do período que pesquisamos, encontramos inúmeras referências a espetáculos circenses na cidade, que se constituíam de apresentações
de ginástica, danças, músicas, acrobacias, exibições equestres e pequenas peças
teatrais, geralmente comédias. Não variavam muito de um circo para outro. A
vida dos circenses era difícil e sofrida, agravada pelas viagens constantes com o
transporte de toda estrutura do material de trabalho.
Em julho de 1899, foi inaugurada a rede de energia elétrica. Até então,
a iluminação pública era composta de lampiões alimentados por querosene. Esse
fato, aliado a outros, incrementou a vida noturna da cidade. Com as ruas centrais
mais bem iluminadas, as pessoas finalmente puderam passear mais à noite, e com
mais segurança. Mesmo com tudo isso, a vida noturna da cidade só se tornou mais
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intensa quase duas décadas mais tarde, por volta de 1910.
O cinema, a princípio, era apresentado em feiras, eventos, bares e cafés. Na época, não havia ainda se popularizado, porém despertava grande curiosidade na população. O Rio de Janeiro só passou a ter a sua primeira sala fixa
de exibição em 1905 (GONZAGA, 1996, p. 92). Em Ribeirão Preto, a partir de
1908, alguns estabelecimentos já possuíam salas de exibição frequente. O Paris
Theatro e o Teatro Carlos Gomes incluíam em sua programação a exibição de filmes, geralmente, durante espetáculos em que se apresentavam atores, cantores,
mágicos. Já naquela época, F. Cassoulet, importante empresário da cultura local,
administrava o Teatro Carlos Gomes e o Eldorado. No Teatro Carlos Gomes, era o
cinematógrafo Richebourg que trazia os filmes para serem apresentados. Com um
repertório variado de películas, exibiam-se desde O crime da malla até a Serra de
Santos, passando por filmes como Alucinação de Ébrios, História das Vestimentas
e O Disco da Morte (A CIDADE, 20 jan. 1910, p. 2).
Impossível escrever sobre os cinemas e teatros de Ribeirão Preto sem
falar da atuação de Francisco (ou François) Cassoulet, que provavelmente se estabeleceu em Ribeirão Preto em 1884. Era francês de origem e seu nome aparece
muitas vezes nos jornais como Francisco e em outras como François Cassoulet.
Ele se dedicava ao negócio de cabarés e prostituição, prática muito comum nas
cidades grandes e metrópoles (RAGO, 1991). Cassoulet iniciou suas atividades de
empresário teatral na cidade com o Eldorado, dirigindo também posteriormente
o Teatro Carlos Gomes. Em 1909, Cassoulet já possuía o Eldorado e administrava
o Teatro Carlos Gomes. Nesse mesmo ano, inaugurou o Bijou Theatre. Em 1914,
chegou a ser dono de cinco casas de espetáculo na cidade: Teatro Carlos Gomes,
Paris Theatre, Cinema Rio Branco, Polytheama e Cassino Antarctica. Pode-se dizer
que ele controlou toda a programação teatral da cidade naquele período, desde os
espetáculos luxuosos do Teatro Carlos Gomes, até os espetáculos não familiares
como os do Cassino Antarctica. Além disso, organizava a comemoração das datas
cívicas de sua terra natal, como o dia 14 de Julho (14 Juillet — festa nacional
francesa ou Dia da Bastilha). Em 1917, foi à falência, perdendo todos os seus
bens. No livro de registros de mortos do Cemitério da Saudade de Ribeirão Preto,
consta que ele foi enterrado em 17 de fevereiro de 1919, aos 60 anos de idade e
que a causa mortis foi “amolecimento cerebral”, um processo degenerativo da memória, com atestado de óbito assinado pelo médico Pompeu de Camargo. O livro
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de registros ainda indica que ele era viúvo. Cassoulet viveu em Ribeirão Preto por
muitos anos e fez amizade com pessoas influentes. Trazia prostitutas francesas
para trabalhar em seu cabaré e, quando elas chegavam, fazia questão que desfilassem pelas ruas da cidade. Morreu pobre, tão pobre que foi enterrado na Junta
Reserva 795, ou seja, foi sepultado na terra, sem luxo, onde eram enterrados os
indigentes, os que não podiam comprar jazigo.
Nos teatros, apresentava-se todo tipo de espetáculo, de grandes companhias de ópera à luta romana. Domingo era dia preferido do povo para ir ao
cinema e ao teatro. Eram frequentes os espetáculos de grandes companhias teatrais e de cantores líricos que se apresentavam individualmente. É o caso de
vários tenores de todas as idades que se apresentaram na cidade, entre eles Agide
Megoni, tenor de apenas quatorze anos de idade que se apresentou no Teatro
Eldorado em abril de 1909.
O Teatro Carlos Gomes, construído no centro da cidade, próximo à praça
XV de Novembro, foi inaugurado em dezembro de 1897. Sua construção se deve
principalmente à necessidade de um local adequado para receber companhias
teatrais e para a realização de eventos políticos e sociais (BORGES, 1983, p.
23). Durante muito tempo, permaneceu como o ambiente mais adequado e familiar da cidade. O Teatro Carlos Gomes diversificou suas funções a partir de 1908
quando começou a funcionar ali também um cinema. Na realidade, esse teatro
representava uma exceção aos tipos de lazer que predominavam na cidade até
o final do século XIX. Passou por inúmeras crises e vários administradores até
1920. Em 1909, incluía em sua programação companhias de fantoches e também
um cinema, o Cinematógrapho Richebourg, com a apresentação de filmes como:
Match de football no Velódromo Paulista em 6 de Junho de 1909, Idylio de um Dia
e Ao Redor dos Grandes Lagos da África Central. Em uma de suas crises, o teatro
apresentou uma “Companhia Zoológica” e campeonatos de bilhar disputados por
atrizes contratadas por Cassoulet.
Em 1910, o professor e músico José Delfino Machado assumiu a orquestra do Teatro Carlos Gomes, talvez em uma tentativa de atrair maior público ao
teatro. A crise que se instalou nesse período fez com que deixassem de ser apresentados grandes espetáculos e, assim, os atores e atrizes do Eldorado passaram
a fazer apresentações no Carlos Gomes. Apenas a partir de junho de 1911, é que
novas e boas companhias teatrais passaram a se apresentar no Teatro Carlos GoRIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
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mes. Entre elas, a Companhia Alves Silva, encenando dramas baseados na filosofia
de L. Tolstói e M. Górki; a Companhia Dramática Francesa Nina Sanzi que apresentou espetáculos como Cyrano de Bergerac e A Dama das Camélias; a Companhia
Lírica Italiana R. Mario & Cia., que incluiu no seu repertório Gioconda, Il Guarany,
Tosca, La Bohème, La Traviata e Carmen, entre outras. Paralelamente a essas
contratações, a partir de setembro de 1911, passou a funcionar neste teatro, o
Cinema Íris. A cada data comemorativa de cada nacionalidade dos que viviam na
cidade, Cassoulet preparava programação especial, conjugando os seus interesses
pessoais com os da comunidade local. No caso das óperas e operetas, Cassoulet
as exibia para agradar tanto à elite local como o imigrante italiano. Ainda assim,
as companhias mais famosas e também as mais caras, como a Companhia Clara
Della Guardia, que era considerada uma das mais importantes do mundo e que
se apresentou no Teatro Carlos Gomes, em 1912, e no Polytheama, também de
propriedade de Cassoulet, em 1913; a Companhia Carrara e a Companhia MarescaWeiss, que se apresentaram em 1916, eram acessíveis somente às pessoas das
camadas sociais mais privilegiadas.
Em novembro de 1914, o Teatro Carlos Gomes trouxe para Ribeirão
Preto, pela primeira vez, o Kinetophone, definido pelo anúncio como o cinema
falante (A CIDADE, 24 nov. 1914) inventado pelo cientista norte-americano Thomas Edison.
A partir de 1915, a apresentação de comédias já havia caído no gosto
popular, neste mesmo ano, o Teatro Carlos Gomes já apresentava sinais de decadência. Cassoulet passou a administração do teatro para Aristides Motta, que
incentiva jovens atores a montarem um grupo de teatro, mas isso durou pouco
tempo. Em 1916, o empresário trouxe a Companhia Italiana de Operetas Maresca-Weiss, cujo repertório não era muito diferente das grandes companhias que
se apresentaram anteriormente — Eva, Viúva Alegre, Geisha e Boccaccio, entre
outras. Ao longo do tempo, muitas outras companhias menos importantes se
apresentaram no teatro como a Companhia Alzira Leão, a Companhia Italiana de
Operetas Vitale, a Companhia Carlo Nunziata e a Companhia Città di Napoli.
Após a falência de Francisco Cassoulet, em 1918, o teatro passou por
um período de decadência. Em 1919, a empresa Mendes & Companhia realizou
grandes reformas no teatro para que grandes companhias como a Companhia
Italiana de Óperas e Operetas Clara Weiss pudessem se apresentar novamente na
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cidade. No mesmo ano, a empresa Loyolla & Cia passou a administrar o teatro. A
partir dessa data, o espaço foi usado quase sempre como cinema até 1920, quando começaram a se apresentar companhias menos reconhecidas.
Outros estabelecimentos teatrais foram espaços de lazer importantes
na cidade, como o Paris Theatre, o Bijou Theatre, Cinema Rio Branco e o Cinema
Barracão que se dedicavam principalmente à exibição de filmes.
Em outubro de 1911, uma novidade, um contrato entre a empresa Luis
Junqueira & Companhia, que administrava os teatros Paris e Bijou. Esses pertenceram a Cassoulet, e a Companhia Cinematográfica Brasileira que possibilitava
aos dois cinemas exibirem películas em Ribeirão Preto, menos de um mês após
elas terem sido exibidas em São Paulo.
No final de 1914, a empresa Cassoulet adquiriu o Paris Theater e imediatamente na sua programação começou a aparecer além dos filmes, a propaganda de cantoras italianas, francesas e portuguesas que faziam o seu espetáculo
ao final das sessões cinematográficas acompanhadas pela orquestra do maestro
Nardelli.
A Primeira Guerra Mundial trouxe novidades para o cinema, filmes como
L’Italia s’è desta (I fratelli Bandiera), O despertar da Itália, A Alemanha na Guerra,
A Trieste — vencer ou morrer, que traziam o dia a dia da situação europeia diante
da guerra. Eram muito apreciados pela população que, por ser em sua maioria de
origem estrangeira, somava a apreensão em relação à guerra.
Em 1916, o Paris começou a distribuir bombons às crianças que compareciam às matinês. Esse teatro foi administrado pela empresa Cassoulet até a
sua falência em 1917 e em sequência por Luiz Tosone. No final da década, não
encontramos mais nenhuma referência a esse teatro, o que nos leva a crer que
tenha sido desativado devido à crise que se abateu sobre os cinemas e teatros
naqueles anos.
No decorrer do período, novos cinemas aparecem como o Polytheama
e o Cinema Rio Branco. O primeiro surgiu a partir da reforma do prédio do antigo Pavilhão Rink, localizado na Rua Amador Bueno. Pertencera inicialmente a
Evaristo Silva & Companhia, tendo depois pertencido à F. Cassoulet até a época
de sua falência. A princípio sua programação era basicamente a mesma dos outros pequenos teatros: espetáculos com artistas e cantores, geralmente italianos,
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exibição de filmes, também alugava-se o salão para bailes, banquetes e outros
eventos sociais. A partir de 1914, esse teatro foi adquirido pela Empresa Cassoulet, que promoveu a apresentação de grandes companhias líricas nesse teatro.
No entanto, no ano seguinte, as apresentações mais comuns voltavam a ser das
cantoras estrangeiras, espetáculos menores e exibição de filmes. Por essa época,
as grandes companhias passavam a se apresentar no Teatro Carlos Gomes, também de Francisco Cassoulet. Em 1915, houve um agravamento da crise provocada
pela Primeira Guerra Mundial, e a comunidade italiana se organizou para arrecadar
dinheiro para a Cruz Vermelha Italiana e para as famílias dos soldados que foram
para a guerra. Nos anos seguintes, ou seja, em 1915 e 1916, aconteceram no
Polytheama vários espetáculos em benefício da Cruz Vermelha Italiana. Cassoulet
contribuiu com os espetáculos, não apenas cedendo o teatro como também colocando em disponibilidade os artistas que trabalhavam em seus estabelecimentos,
sobretudo os artistas do Cassino Antarctica. A partir de junho de 1917, a empresa
F. Cassoulet & Companhia já se encontrava em processo de decadência. Nessa
época, o teatro Polytheama passa novamente para o controle da empresa Evaristo
Silva & Cia.
O Cinema Rio Branco, inaugurado em agosto de 1912, foi mais um dos
empreendimentos de lazer de F. Cassoulet. Desde o início, esse estabelecimento
funcionou mais como um cinema, tendo em sua programação, ocasionalmente, a
participação de alguns espetáculos apresentados por artistas e cantores. A programação desse cinema mostrou que, pela primeira vez, a cidade começava a ter
os mesmos filmes exibidos em vários cinemas, mais uma inovação de Cassoulet. A
exibição de Quo Vadis? (1913), por exemplo, pelo seu estrondoso sucesso, chegou
a figurar na programação do Polytheama, Paris Theater e Cinema Rio Branco ao
mesmo tempo. Em 1916, esse teatro também distribuía bombons às crianças a
exemplo do que Cassoulet já fazia no Paris Theater. A partir de janeiro de 1917,
esse cinema deixou de funcionar, mostrando mais uma vez o início da decadência
da Empresa Cassoulet, só retomando suas atividades a partir de abril de 1920.
Em 1914, mais dois cinemas foram inaugurados na cidade, o cinema
Odeon localizado na Rua Amador Bueno e o Cinema Barracão, localizado no bairro
do Barracão. O cinema Odeon foi reformado de forma a oferecer além da exibição
de filmes, também um bar, charutaria, barbeiro e lustrador de calçados. De propriedade de Aristides Motta & Companhia, esse cinema foi o primeiro a promover
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uma sessão gratuita às pessoas pobres da cidade que não tinham dinheiro para
frequentar um cinema. O empresário também promoveu sessões em benefício da
Santa Casa. Nem mesmo a filantropia do proprietário salvou o cinema da falência
em novembro de 1914. A partir de 1915, este cinema passou a se chamar Cinema
Familiar.
O Cinema Barracão localizava-se fora do centro da cidade, no bairro
Barracão, bairro operário, talvez por isso sua programação não aparecesse nos
jornais da época. Provavelmente, a elite da cidade jamais o frequentou. É compreensível que o jornal A Cidade, no qual pesquisamos, não tenha dado tanta
importância a esse cinema, pois ele representava os interesses das camadas privilegiadas da sociedade.
Depois da crise que se abateu sobre os cinemas e teatros da cidade com
a falência de F. Cassoulet, apenas o Teatro Carlos Gomes, o Polytheama, o Paris
Theatre e o Cassino Antarctica permaneceram funcionando precariamente. Em
1919, novos investimentos foram feitos e passaram a funcionar também o Central
Cinema e o Cinema Ideal.
O Central Cinema, localizado na época à Rua São Sebastião, trouxe um
nome novo ao ramo de atividades teatrais. Luiz de Faria Baptista ainda não havia
sido proprietário de nenhum outro estabelecimento do ramo cidade. Ao contrário
dos outros que ora eram proprietários de um cinema e ora eram de outro, como já
descrevemos anteriormente.
O Cinema Ideal que passou a funcionar no prédio da Sociedade Unione
Italiana, a partir de outubro de 1919, apresentava espetáculos teatrais e exibição
de filmes. Embora funcionasse no prédio da Sociedade Unione Italiana, pertencia
a Evaristo Silva, que já havia possuído vários estabelecimentos na cidade.
O teatro Eldorado, fundado em 1887, recebeu esse nome porque, na
época, a cidade de Ribeirão Preto era conhecida como Eldorado Paulista, devido
à riqueza que emanava da produção cafeeira da região. Esse teatro dedicou-se
principalmente à diversão dos fazendeiros e de outras pessoas de posse da cidade
e da região que preferiam espetáculos mais extravagantes. Era, na realidade, um
cabaré, por onde circulavam e trabalhavam principalmente prostitutas francesas.
A fama desse estabelecimento era grande, até jornais de São Paulo, às vezes,
influenciados pelo moralismo vigente na sociedade, criticavam a imoralidade do
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que era exibido no cinematógrafo (COMMERCIO DE SÃO PAULO, 2 jan. 1909). O
jornal O Trabalho criticou Cassoulet em 1909, porque ele insistia em convidar as
famílias a irem ao Eldorado (O TRABALHO, 14 set. 1909). Realmente Cassoulet
anunciava as sessões familiares, mas a intolerância e o moralismo que imperavam
na sociedade jamais permitiriam que senhoras de família frequentassem aquele
teatro. A partir de 1916, a empresa D. Baccaro assumiu o Eldorado que passou a
ser denominado Eldorado Paulista. A empresa investiu em reformas, mas não alterou muito o tipo de divertimento oferecido, espetáculos com “atrizes e cantoras”
estrangeiras e bailes de máscaras. Em abril de 1917, um acordo entre D. Baccaro
e F. Cassoulet permitiu que ambos ficassem sócios do Eldorado, terminando assim
com as rivalidades entre o Eldorado e o Cassino Antarctica, que exploravam o
mesmo ramo de atividade, embora o segundo fosse mais luxuoso. O Eldorado foi
um dos estabelecimentos fechados após a falência de F. Cassoulet. Com seu fim,
desapareceu também uma parte da história de Ribeirão Preto, que, dificilmente,
poderá ser reconstituída.
O Cassino Antarctica foi inaugurado em 14 de novembro de 1914. Esse
talvez tenha sido o empreendimento mais extravagante de François Cassoulet.
Ele construiu o Cassino Antarctica para que ali passasse a funcionar o antigo
Eldorado, seu primeiro estabelecimento teatral. A programação do Cassino Antarctica era parecida com a do antigo Eldorado. Contava com artistas estrangeiras
que cantavam, interpretavam, participavam de festas e bailes promovidos pela
empresa e frequentemente se prostituíam. Os jogos ilícitos eram liberados e o
espaço de marginalidade era perfeitamente integrado à imagem da cidade. Nunca
faltaram pessoas para criticá-lo, nem pessoas que viessem a Ribeirão Preto especialmente para conhecê-lo. Em 1914, já havia uma tolerância maior para este tipo
de estabelecimento, o que permitia que, às vezes, famílias da mais alta sociedade
local participassem de matinês aos domingos, no Cassino Antarctica (A CIDADE,
24 nov. 1914, p. 2).
Após a falência de Cassoulet, o cassino permaneceu fechado até março de 1918, quando houve nova tentativa de reabertura que não durou muito
tempo. Somente em 1919, o Cassino Antarctica voltou a funcionar. Desta vez,
sob a direção da Companhia Alcebíades, que o administrou até meados de 1920.
Para a grande maioria da população e, sobretudo, para aqueles frequentadores do
Cassino Antarctica, seria impossível pensar em sua existência e funcionamento
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sem Cassoulet, empresário que se identificou com o “negócio” dos cassinos, sua
administração e sua importância no lazer e divertimento no contexto da época.
Em sua formação, a cidade de Ribeirão Preto se consolidou como polo
econômico importante e constituiu-se como espaço de manifestações de muitas
culturas que se estabeleceram na região — os mineiros, os escravos, os imigrantes europeus, os japoneses, etc. Ao longo do século XX, a cidade recebeu novas
levas de migrantes mineiros, nordestinos, estrangeiros de todos os lugares e, mais
recentemente, de asiáticos. Cada um destes grupos continuou e continua sendo
alvo de preconceitos e discriminações, por isso, cabe à História, refletir sobre o
papel destes grupos na sociedade, sua cultura e suas contribuições para a consolidação de uma nação multicultural e democrática.
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