Dumping ambiental e equidade no comércio internacional
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Dumping ambiental e equidade no comércio internacional
CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO A economia mundial tem passado por transformações intensas desde a Revolução Industrial1. A busca humana pela satisfação de suas necessidades extrapolou a fronteira das cidades para a dos Estados e, após o fenômeno da globalização, rompeu também os limites nacionais e fez do mundo a sua fonte de aprazimento. Contudo, a aventura de mais de duzentos anos deixou de ser motivo apenas de celebração e passa, principalmente a partir do final do século XX, a inquietar o próprio homem, pois a procura desmedida por bens e serviços ameaça a vida no Planeta. O crescimento da produção mundial de bens é significativamente correlacionado com o avanço das trocas internacionais, suprindo as necessidades dos habitantes da Terra. Não obstante, esse processo passa por severas críticas pelos efeitos maléficos impostos ao meio ambiente. Assim, alguns autores buscam separar crescimento econômico de desenvolvimento econômico, afirmando que este último respeita a base natural do Planeta, motivo pelo qual deveria preponderar sobre aquele [Alier e Jusmet (2000)]. Os males gerados na produção e no consumo trazem a dúvida sobre os ganhos com o crescimento econômico. O aumento de renda é também seguido pelo acréscimo nos gastos preventivos ou corretivos da deterioração dos recursos naturais. Despende-se cada vez mais com enfermidades relacionadas à 1 Segundo Braudel (1993), o marco da Revolução Industrial foi o aperfeiçoamento da máquina-àvapor, na Inglaterra, em 1776, realizado pelo escocês James Watt. 1 poluição e com alternativas ao lazer em rios e mares, que se encontram contaminados, o que gera a incerteza se valeu a pena avançar tanto em termos econômicos. O controle do crescimento econômico precisa ser melhor debatido na sociedade internacional. Diversos são os casos que chegam à Organização Mundial do Comércio (OMC) com o intuito de protegerem o meio ambiente, restringindo proporcionalmente o comércio mundial, sob o prisma de uma nova ordem econômico-ambiental [OMC (1999)]. A grande questão é se essa iminente alteração na mercancia global não produzirá ou agravará outros problemas, que podem ser tão perversos ou até mesmo piores do que os já existentes. “O Protecionismo, seguramente, não garante reduções dos danos ambientais, podendo, em contrário, agravar mais esses problemas” [Runge (1993, p.11)]. Esta dissertação contribui para a discussão, inserindo a dimensão da eqüidade no cenário futuro de criação de tributos ambientais no comércio internacional. A preocupação atual com o meio ambiente encerra um debate acalorado sobre o perigo à sobrevivência humana caso certas medidas não sejam tomadas pelas nações que compõem a estrutura dos negócios internacionais. Contudo, a inserção de tributos que restrinjam a participação das nações em desenvolvimento nas trocas mundiais pode trazer problemas ainda maiores, como o aumento da pobreza. Diversas questões foram abordadas neste trabalho. O capítulo 2 inicia a exposição do comércio internacional com e sem a presença de externalidades, o que chama a atenção para o real ganho proporcionado pelas trocas mercantis mundiais. O 2 capítulo 3 trata da relação entre comércio internacional e meio ambiente, mostrando a evolução daquele desde o livre comércio até a formação e consolidação da Organização Mundial do Comércio, bem como levantando o problema da justiça comercial na comunidade global. Já o capítulo 4 insere no debate a necessidade de a sociedade internacional preocupar-se com a eqüidade nas decisões relacionadas ao comércio e ao meio ambiente. Por fim, traz o capítulo 5 a análise de um modelo de mitigação à questão ambiental no comércio internacional, denominada solução fiscal, sob o ponto de vista do amparo ao meio ambiente e do respeito à eqüidade. 3 CAPÍTULO 2 COMÉRCIO INTERNACIONAL E EXTERNALIDADES 2.1. Os Ganhos do Comércio Internacional O comércio economias dos diferentes umas desigualdades; internacional Estados. das depois, Primeiro, pode trazer porque as às nações são com suas podem obter outras, beneficiando-se porque os Estados ganhos economias de escala, especializando-se na produção daqueles bens que poderiam produzir mais, de maneira eficiente, ao invés de produzir todos. Essa é a base da teoria ricardiana2 dos ganhos com o comércio internacional, proposta por David Ricardo no século XIX [Krugman e Obstfeld (2001)]. As nações explorariam suas vantagens comparativas e disponibilizariam os recursos resultantes da economia na compra de produtos, cuja produção não poderia ser eficiente pela indústria interna. Se cada país produzir conforme suas vantagens comparativas, haverá um ganho geral do comércio mundial. Um país com clima temperado, em vez de gastar recursos com estufas e cuidados intensivos na produção de frutos tropicais, pode comprar esses alimentos de países com vantagens climáticas na produção. Os recursos economizados podem ser alocados para a manufatura de outras commodities, o que resulta em ganhos para os dois Estados. 2 Gonçalves et alli (1998, p. 14) ressaltam que “a teoria ricardiana de vantagens comparativas pode ser resumida na seguinte proposição: o comércio bilateral é sempre mais vantajoso que a autarquia para duas economias cujas estruturas de produção não sejam similares.” 4 A economia trata essa questão pelo conceito de custo de oportunidade. Há um custo de se produzir o produto X em relação ao Y, que é a quantidade de produto Y que poderia ter sido produzida com a economia de recursos na produção de X [Krugman e Obstfeld (2001)]. Isso significa que quanto maior o custo de oportunidade de um produto em relação a outro, menor é a vantagem comparativa na produção daquele produto. Assim, os países devem procurar a especialização nos produtos com menores custos de oportunidade em relação a outros, ou seja, com o aproveitamento de suas vantagens comparativas. Surge, portanto, um conceito que sustenta a teoria ricardiana dos ganhos com o comércio internacional, que é o das vantagens comparativas. Como ilustração, suponha que um país produza somente dois bens, denominados X e Y. Para a produção de uma unidade de X é necessário duas unidades de Y, o que significa que a produção de mais X resulta a diminuição de Y e vice-versa, segundo a fronteira de possibilidade da produção de cada Estado. 5 Destarte, com o exemplo do gráfico 2.1, em que Q(X) é a quantidade de X produzida, Q(Y) a quantidade de Y produzida e P significa a fronteira de possibilidade de produção, para cada unidade de X que for confeccionada há a redução de duas unidades de Y. Isso reflete o custo de oportunidade de X em relação a Y. A fronteira de possibilidade de produção demonstra as diferentes combinações dos bens X e Y que poderiam ser produzidas nessa economia. Sem as trocas comerciais, um país terá que produzir ambos os produtos. Contudo, existindo a possibilidade do comércio internacional com outro Estado, de fronteira de produção diferente, pode ser mais proveitosa a especialização na produção da commodity com maior vantagem comparativa e a compra daquela que a outra economia produz mais eficientemente. Por isso, se o país estrangeiro tiver a fronteira de possibilidade de produção P*, conforme o gráfico 2.2, em que para cada Y produzido há a necessidade do dobro de X, a troca entre esses dois Estados trará ganhos para ambos. 6 Comparando a fronteira de possibilidade de produção desses dois países, observa-se que o primeiro utiliza duas unidades de Y para cada unidade de X produzida; e o segundo duas unidades de X para cada unidade de Y produzida. Então, segundo as vantagens comparativas desses Estados, é melhor o primeiro especializar-se na produção de Y e o segundo na de X. O gráfico 2.3, demonstrativo das fronteiras de possibilidade de produção dos dois países, mostra que a decisão de produzir bens na ausência de vantagens comparativas resulta na diminuição da produção daqueles produtos cuja manufatura seria mais eficiente. A especialização, com a conseqüente troca comercial, deveria trazer mais benefícios para os dois países. Se o país A especializar-se na produção de Y, poderá comprar mais X, por causa do preço mundial menor que o preço interno. O país B, ao se especializar em X, comprará mais Y, também resultado do preço mundial menor que o preço doméstico. Os excedentes de X e de Y, conforme gráfico 2.3, serão (B’-B) e (A’-A), respectivamente. 7 Ao se inserir valores para o exemplo do gráfico 2.3, tem-se a seguinte tabela: Tabela 2.1 – Comércio entre dois Países Fronteira possibilidade para A $ 100 Fronteira possibilidade para B $ 100 Preço de X para o país A $1 Preço de Y para o país A $2 Preço de X para o país B $2 Preço de Y para o país B $1 Fonte: Elaboração própria. Logo, seria mais interessante para o país A, ao invés de produzir Y, que custaria $ 2, trocar Y por X com o país B. Também para o país B, que produz X a $ 2, seria vantajosa a troca internacional. O ganho líquido com as trocas entre as duas nações seria de até $ 2 para cada unidade, resultante da economia de até $ 1 com a não produção de Y pelo país A e de até $ 1 com a não produção de X pelo país B. A nação B ganharia pagando qualquer valor menor de $ 2 pelo produto X, que o país A produz a $ 1; enquanto este Estado também ganharia comprando o produto Y por um valor menor que $ 2 da nação B, que o produz a $ 1. Faz-se necessária a menção de que a eficiência na produção de certo bem não é o único fator determinante de uma vantagem comparativa. Dois economistas suecos, Eli Heckscher e Bertil Ohlin, propuseram uma teoria, conhecida como modelo Heckscher-Ohlin, em que afirmam ser a utilização intensiva de 8 um fator abundante determinante para a consecução de uma vantagem comparativa [Krugman e Obstefeld (2001)]. Assevera Foschete (1999, p. 36) que “Os países devem se especializar na produção daqueles bens manufaturados por fatores comparativamente abundantes em suas economias.” Por isso, se um Estado tem restrição de mão-de-obra, deve especializar-se na produção de bens de alta tecnologia. Se existe excesso de trabalho, deve especializar-se em produtos que necessitam mais deste insumo, como os do setor agropecuário. As vantagens comparativas fazem com que os países exportadores tenham excedentes do produtor maiores e os países importadores tenham excedentes do consumidor também maiores. Considerando que todos os países são exportadores e importadores, os ganhos finais com o comércio internacional são ainda mais expressivos para essas nações do que em uma relação de trocas unidirecional. Segundo o modelo ínsito no gráfico 2.4, que representa a demanda e a oferta do país A, teríamos o ponto Ax como o de equilíbrio sem trocas comerciais, para um preço Px do produto X. Caso esse país resolvesse entrar no comércio internacional, a fim de reduzir o preço de Px para Pw, que é o preço mundial do produto X, haveria uma redução da oferta interna para Asx e um aumento da demanda interna para Adx. A diferença entre Adx e Asx (Adx – Asx) é a quantidade importada. O excedente do produtor seria reduzido de B + C para C, e o excedente do consumidor teria um incremento de A para A + B + D + E. O ganho líquido desse país seria [C - (B + C)] – [(A + B + D + E) A], que resultaria em D + E. Por isso, com o comércio internacional o país A estaria melhor do que na sua ausência. 9 Com relação ao país B, gráfico 2.5, que é exportador do produto X, o preço interno Px passaria para Pw, que é o preço mundial3, significando ganhos para os produtores internos e perda para os consumidores internos. A diferença entre Bdx e Bsx (Bsx – Bdx) é a quantidade exportada. O excedente do produtor seria aumentado de D + E para D + E + B + C + F, e o excedente do consumidor teria uma redução de A + B + C para A. O ganho líquido desse país seria [(D + E + B + C + F) – (D + E)] – [A - (A + B + C)], o que resultaria em F. Logo, também o país B ganharia com o comércio internacional. 3 O preço mundial, segundo Markusen et alli (1995), é maior do que o preço interno do país exportador porque os importadores retiram suas restrições de consumo, pela oferta externa, fazendo com que o aumento da demanda no país exportador incremente o preço do produto. 10 Portanto, ambas as nações tiveram vantagens com as trocas comerciais. Cabe a ressalva de que não foram inseridos nos modelos apresentados os custos derivados dos males gerados à sociedade, seja na produção, seja no consumo do produto X. 2.2. A Inserção de Externalidades no Comércio Internacional Pillet (1993, p. 27) define a externalidade do ponto de vista da economia política, afirmando que “é uma interdependência entre funções de utilidade de consumidores e funções de custo de produtores.” Entretanto, como o próprio autor destaca, não é possível fazer menção ao meio ambiente em uma função de utilidade ou de custo, pois não há mercado para esse fator. Consequentemente, aquela definição de externalidade não abrange todas as suas dimensões, como a ambiental. 11 Do ponto de vista do meio ambiente, Carneiro (2001, p. 64) é preciso em seu conceito ao afirmar que Externalidade, efeitos externos negativos ou deseconomias externas correspondem a custos econômicos que circulam externamente ao mercado e, portanto, não são compensados de forma pecuniária, sendo transferidos sem preço. Pindyck e Rubinfeld (1999, p.701) afirmam “a importância em analisar os efeitos das atividades de produção e de consumo que não se refletem diretamente na produção”. A produção e o consumo de bens geram custos para as empresas, mas também geram gastos para a sociedade, como a poluição atmosférica, a contaminação de águas, a destruição de matas, a matança de animais etc. Apesar disso, as firmas somente consideram em seus modelos de custos aqueles considerados inerentes às suas atividades produtivas. Por conseguinte, é importante a noção de externalidade, em que a decisão de produção e de consumo de um agente afeta a utilidade ou produção de outro agente, de uma maneira não intencional e sem compensação entre eles [Perman et alli (1999)]. As decisões das empresas em não considerar os males da produção nos seus custos afetam toda a sociedade. É necessária, então, a intervenção estatal com a formulação de políticas públicas para compensar as perdas da comunidade ou para inserir nos custos das empresas o valor da externalidade produzida. Asseguram considerar uma Baumol relação e entre Oates (1998) Estados, sem que o ao se interesse governamental de incrementar os custos internos das empresas, pois isto diminuiria a arrecadação com exportações, assim como 12 poderia ser causa para a elevação das taxas de desemprego, a situação é diferente. Logo, o modelo que analisou as vantagens do comércio internacional no item 2.1 desconsidera totalmente as externalidades produzidas pelos países que praticam a mercancia. Em verdade, é como se não existissem efeitos nocivos resultantes das atividades de produção nos diversos Estados do Planeta. Ainda segundo esses autores, uma nação que não controla esses males na atividade produtiva incrementa sua vantagem comparativa na produção de bens que contaminam o meio ambiente. Essa especialização pode fazer com que as indústrias consideradas “sujas” de nações com regras ambientais severas migrem para esses locais4 com um aparente ganho econômico global. Não obstante, esses lucros escondem a verdadeira face dos custos de um crescimento equivocado. O aumento na degradação da natureza provocará perdas financeiras futuras para todos na mitigação do problema. Alier e Jusmet (2000) chamam a atenção para o intercâmbio desigual, que é a exportação de produtos por uma nação sem considerar em seu preço os danos ambientais causados pela produção, bem como os males infligidos à saúde humana. A prática de esquecer os efeitos nocivos da atividade produtiva distorce o mercado e não reflete de maneira correta os verdadeiros custos da produção de um bem, que pode estar ocorrendo de maneira ineficiente. Diante disso, é interessante a afirmação feita por Kapp (1983) de que a mensuração tradicional da produção e do 4 Verbruggen et alli (1998) afirmam que os padrões ambientais do Norte são mais rígidos do que os do Sul, podendo gerar essas migrações. 13 crescimento do Produto Interno Bruto é cada vez mais inadequada. Se cada vez mais são realizadas despesas com a proteção da base natural do Planeta, estes gastos deveriam ser descontados dos ganhos com a atividade produtiva. Por conseguinte, os gastos dos consumidores em uma nação não são somente na aquisição de bens, mas também na mitigação de males gerados pela manufatura desses bens. É importante indicar que as análises positivas sobre o comércio internacional somente serão verídicas a partir do momento em que os gastos com preservação ambiental forem contabilizados. Nesse sentido, deve-se realizar nova avaliação dos ganhos com o comércio internacional, agora sob a ótica da presença de externalidades, isto é, com a inserção do custo marginal externo, para que realmente sejam refletidos os custos sociais da produção de bens. Perman et alli (1999) demonstram que, dependendo da movimentação da curva de custo marginal social, podem não existir ganhos, ao agregado, com o comércio mundial caso sejam contabilizadas as externalidades. Considerando o novo custo marginal, também chamado de custo marginal social (CMgS), como a soma dos custos marginal privado (CMgP) e custo marginal externo (CmgE), a nova curva de custo marginal de um produto tende a mover-se para a esquerda. Como a curva de custo marginal iguala-se à curva de oferta (S)5 de um produto, a nova oferta é afetada pela consideração dos efeitos das externalidades. Desse modo, pode-se analisar novamente o caso dos países A e B, ínsitos no item 2.1, gráficos 2.4 e 2.5, sob a nova 5 A curva de oferta de um produto identifica-se com a curva de custo marginal a partir do momento que esta supera a curva de custo médio desse bem [Pindyck e Rubinfeld (1999)]. 14 perspectiva do comércio internacional gerador de externalidades. A curva de oferta do país exportador B tende a ser mais inclinada para a esquerda e, dependendo dessa inclinação, os ganhos com o comércio internacional podem ser bem menores e até mesmo inexistentes. Logo, como se constata no gráfico 2.6, o comércio internacional na presença de externalidades faz com que o país exportador obtenha receitas menores, como se observa em Sy’, em que o ganho líquido deixa de ser a área amarela mais a verde e passa a ser somente a verde. Além disso, se a presença de externalidades trouxer a curva de oferta para Sy’’, não haverá vantagens com as trocas comerciais. Em relação aos países importadores, a presença de externalidades faz com que o preço mundial (Pw) do produto aumente, podendo chegar até ao preço interno (Px) dessas nações. Nessa situação, também não ocorrerão ganhos para as nações importadoras, funcionando esses novos preços como 15 impostos de importação, que desestimulam a demanda, como se mostra no gráfico 2.7. Dessa forma, o novo preço mundial poderia chegar até Px, reduzindo cada vez mais os ganhos com o comércio internacional, representados pela área amarela (D + E) no gráfico 2.7, até chegar ao ponto em que o preço interno (Px) é igual ao preço mundial (Pw). Isso significa que não existiriam mais vantagens em importar, o que poderia resultar na ausência da participação desse país nas trocas comerciais globais. Por isso, ao se analisar as trocas internacionais deve-se prestar atenção nas externalidades que a atividade produtiva impõe ao meio ambiente. A correção dos males gerados no comércio mundial sobre a base natural do Planeta pode revelar que nem sempre existirão ganhos reais para a sociedade global, demandando um comportamento de precaução daqueles que defendem o livre comércio. 16 CAPÍTULO 3 COMÉRCIO INTERNACIONAL E MEIO AMBIENTE 3.1. Livre Comércio O livre comércio pode ser definido como “a ilimitada troca negocial entre compradores e vendedores que vai além das fronteiras nacionais” [Wathen (1993, p. 5)]. Segundo esse autor, as permutas globais estão baseadas no conceito das vantagens comparativas6, que asseguram ganhos para os países participantes. Assim, procuram os Estados a ampliação no comércio internacional com o intuito de elevarem o padrão de vida de seus habitantes, o que proporciona o aumento do intercâmbio entre as nações. Destarte, entre 1750 e 1914, o comércio mundial cresceu mais de cinqüenta vezes, conforme asseguram Gonçalves et alli (1998, p. 4). Nesse período, os Estados europeus passaram a depender externamente de matériasprimas e de alimentos; os Estados americanos e os asiáticos iniciaram sua função de exportadores desses produtos. Surge, então, um elevado grau de integração nos anos que sucederam a revolução industrial até as guerras do século XX. O incremento das trocas entre as nações, observado no interstício dos séculos XVIII e XX7, foi o resultado de vários fatores. Entre esses, podem ser citados: a grande transferência 6 Este conceito fundamenta o Sistema Multilateral de Comércio, que engloba o acordo do GATT e os demais tratados internacionais de comércio, baseados na liberalização do comércio mundial [OCDE (1995)]. 7 As relações econômicas entre os povos eram inicialmente derivadas do uso da força. O surgimento de um ordenamento jurídico mundial, derivado da consolidação dos Estados absolutos, no século XVIII, possibilitou as trocas comerciais pacíficas. Assim, o Estado moderno e a economia mundial floresceram simultaneamente. [Gonçalves et alli (1998)]. 17 de populações da Europa para a América; a adoção do padrão ouro pelos Estados; a exploração européia de terras em outros continentes; o crescimento da renda per capita global; a criação de organismos internacionais relacionados ao comércio mundial8; a diminuição dos custos com transporte9; e os avanços tecnológicos [Kenwood e Lougheed (2000)]. Deve-se mencionar que uma das grandes vantagens desse aumento não se encontra na seara econômica, mas na política, com a melhora na estabilidade das relações internacionais10. Desse modo, o século XIX foi o período em que a globalização da economia acentuou-se. No início do século XX não havia nação no mundo que não tivesse os preços de seus produtos influenciados pelos preços de outras nações. A interdependência global atingia um nível jamais observado na história dos povos, apesar de ainda não haver o completo livre comércio, salvo na Inglaterra, devido à sua política de aversão a tributos de importação11. Essa euforia dos mercados parecia infinita não fossem os dois grandes conflitos mundiais da primeira metade do século XX [O’Rourke e Williamson (1999)]. Os anos 1940 foram testemunha do colapso mundial do comércio. A desconfiança entre as nações, após a crise de 1929, 8 Especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) 9 A extensão ferroviária mundial cresceu de 7,1 mil quilômetros, em 1840, para 361,7 mil quilômetros, em 1880, reduzindo extremamente os custos de locomoção de pessoas e de bens [Hobsbawm (1998)]. 10 Um Estado pode gerar recursos externos de três formas: “pela força, pelo empréstimo ou pelo comércio” [Locke (1696)]. A primeira forma significa o conflito belicoso, a segunda a dependência e a terceira a interdependência. Esta é mais adequada às relações pacíficas entre os povos. 11 O marco dessa política foi a revogação da Corn Law, em 1948, não permitindo mais o estabelecimento de tributos de importação que encarecessem o preço do milho estrangeiro. Dá-se, assim, a sinalização de que seria mais interessante à Inglaterra comprar aqueles produtos os quais não fossem produzidos de maneira eficiente, a fim de evitar preços maiores do que os praticados no mercado externo. 18 assim como a escassez estatal de recursos com o fim da II Guerra Mundial forçaram a redução nas trocas mercantis globais. Esse conflito privou muitos consumidores, em diversos países, de produtos básicos e Consequentemente, as de produtos poupanças não pessoais essenciais. cresceram em decorrência destas restrições. Com o fim da Guerra, o comércio mundial encontravase desestruturado, principalmente pela brusca interrupção nas relações entre diversos países. Entretanto, vários consumidores estavam ansiosos para voltar a consumir, e os países destruídos necessitavam investir novamente na reconstrução de suas indústrias [Kenwood e Lougheed (2000)]. A reestruturação da Europa, incentivada pelo Plano Marshal12, possibilitou a reorganização do comércio mundial, pelo menos entre os Estados Unidos e a Europa ocidental13. Após a década de 1940, com o continente europeu reconstruído, o crescimento do comércio global foi impulsionado pelo decréscimo dos custos de transporte e de comunicação, bem como pelo aumento do número de países que abriram suas economias ao mercado internacional [Welfens (2000)]. Ressaltase também que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento contribuíram para a diminuição dos custos de produção e, por essa razão, colaboraram para o ressurgimento do intercâmbio mercantil mundial. Por fim, o surgimento de um 12 Esse nome decorre do fato de que a proposta de ajuda à Europa foi feita pelo Secretário de Estado americano George Marshal, em 1947, com medo de que o colapso econômico europeu incentivasse a proliferação de idéias comunistas neste continente [Kenwood e Lougheed (2000)]. 13 Após a II Guerra Mundial, a Europa Oriental, também conhecida como Europa Comunista, por influência da “Guerra Fria”, afastou-se do comércio com nações ocidentais, tendo em vista o clima de hostilidade desse período [Maia (1999)]. 19 sistema econômico internacional, a partir da Conferência de Bretton Woods, em 1944, onde foram criados o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a base do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT), foi decisivo para o incremento mercantil entre os Estados [Malanczuk (1997)]. A The Golden Age do comércio internacional durou de 1950 a 1973. Entretanto, foi um período de avanços mais robustos para os países ricos, que obtiveram ganhos comerciais proporcionalmente maiores do que aqueles auferidos pelos países periféricos, acentuando a má distribuição de riquezas no Planeta. É certo que houve vários esforços para reverter essa situação, principalmente pelo medo do avanço de doutrinas comunistas no chamado “Terceiro Mundo”, bem como pelo aumento da imigração ilegal nos países centrais. Com a explosão da inflação, em 1973, o mundo experimentou um período de recessão até início dos anos 1990. Nessa fase, encontram-se os maiores níveis de desemprego nas nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os países em desenvolvimento também foram afetados, por causa da dependência do comércio com as nações ricas, salvo para um grupo pequeno de Estados denominados “emergentes”, que ainda mantiveram altas taxas de crescimento econômico [Kenwood e Lougheed (2000)]. Os globalização anos 1990 acelerada14. trouxeram Políticas um de novo abertura período de comercial exageradas foram pregadas como a solução para os males da 14 Segundo Amado (1997, p. 1), “A eliminação das fronteiras econômicas tem sido uma das marcas desta década.” 20 recessão dos anos 1980. Aqueles países emergentes dos anos 1970 encontravam-se agora estagnados economicamente e adotaram as idéias da liberalização da economia, mais conhecidas como neoliberalismo. Assim, o controle inflacionário, a privatização de empresas públicas, o incremento da eficiência e a diminuição de barreiras tarifárias foram algumas das medidas pregadas como essenciais para o ressurgimento de uma nova Golden Age no Mundo. Essas mudanças, direcionadas à criação de uma economia de mercado global, propiciaram, em um primeiro momento, uma euforia nas nações em desenvolvimento, pelo controle inflacionário. Nas nações desenvolvidas, com os ganhos advindos com as privatizações naqueles países, assim como pelo aumento dos mercados mundiais, igualmente notou-se esse sentimento [Markusen et alli (1995)]. Contudo, percebe-se que o Planeta chega ao fim dessa sensação de bem-estar15, pois os países periféricos, ao abrirem seus mercados, criaram problemas às indústrias internas. Além do mais, não alcançaram o crescimento necessário para reduzir as taxas de desemprego em seus territórios. Os países centrais começam a considerar a abertura comercial prejudicial à sua agricultura, porque não conseguem competir com o sistema de cultivo de nações em desenvolvimento. Eles também temem o aumento do desemprego proporcionado pelo incremento na competição que advém da abertura de suas fronteiras. 15 “O mundo está no limiar de uma severa crise política e financeira, caso nada seja feito, o que trará o colapso do sistema capitalista” [Soros (1999, p. 53)]. 21 Assevera Daly (1993) que o livre comércio tornou-se um dogma econômico que precisa ser revisto. Traz o autor três argumentos que corroboram essa visão: a) dumping ambiental – se os países não internalizam seus custos ambientais, pela busca incessante de competitividade de seus produtos, enquanto alguns países o fazem, por suas legislações mais fortes, então há uma espécie de dumping no comércio internacional; b) justa distribuição – os capitais movem-se para as nações com leis ambientais mais fracas e salários mais baixos aos trabalhadores, incentivando a alocação injusta de recursos e o aumento das disparidades entre os Estados; c) escala de sustentabilidade – se o livre comércio contribui para o crescimento da produção e do consumo, e o uso dos recursos naturais é finito, então isso levará o Mundo a um momento de falta de sustentabilidade desse crescimento. Há uma restrição lógica ao consumo de parte dos habitantes do Planeta, se os demais mantiverem o mesmo padrão de utilização de bens e serviços. Portanto, a economia internacional situa-se em um momento de ruptura. O livre comércio, que surgiu no século XVIII, evoluiu no século XIX, e transformou-se na globalização econômica do século XX, parece requerer outros rumos, com uma maior influência de organismos internacionais que sejam capazes de internalizar os problemas gerados pela corrida 22 ilimitada em busca da competitividade. Um desses problemas é a dimensão ambiental no comércio global16, pois o crescimento deste foi acompanhado pela contaminação das águas, pela degradação atmosférica, pela perda de biodiversidade, pela utilização exagerada de recursos naturais e de recursos da fauna [OMC (1999)]. Assim, a sociedade mundial17 exige de seus governantes, o que influenciará a política futura da OMC18, a inserção de dispositivos que internalizem esses danos. 3.2. O Sistema GATT/OMC 3.2.1 - Histórico O desejo de liberalizar o comércio mundial levou a sociedade internacional a se reunir em quatro momentos distintos, conforme Resolução da ONU, de 1946. A última reunião foi em Havana, no ano de 1948, na Conferência das Nações Unidas estabelecida a sobre Comércio Carta de e Havana Empregos19, sobre a onde foi Organização Internacional do Comércio (OIC), com o objetivo de criar uma instituição que facilitasse as trocas globais. Entretanto, esse acordo não se tornou realidade, pois os Estados Unidos da América retiraram o auxílio à constituição dessa instituição, por não contar com o suporte necessário no Senado para a 16 “O comércio internacional e o meio ambiente são os mais importantes assuntos da agenda econômica global da última década deste milênio.” [Bhagwati (1993, p. 159)]. 17 É bom fazer a menção de que a amplitude da sociedade mundial citada pode ser restrita aos países ricos, pois “muitos países em desenvolvimento suspeitam que o Norte use padrões ambientais altos com o intuito de discriminar produtos e processos do Sul, e não por razões ambientais.” [Runge (1993, p. 6-7). 18 Renato Ruggiero, Diretor-Geral da OMC em 1996, apontou a relação entre comércio e meio ambiente como um dos quatro principais itens que irão dar forma aos programas futuros dessa organização [Whalley (1996)]. 19 Os três momentos anteriores foram: Londres (1946), Nova Iorque (1947) e Genebra (1947). 23 ratificação do tratado da OIC. Sem a possibilidade do esteio americano, principal força comercial da época, o apoio à OIC foi abandonado pela comunidade internacional [OMC (1998)]. Do terceiro encontro para a formação da OIC, realizado em Genebra no ano de 1947, em que foram discutidas as cláusulas relativas a tarifas e obrigações tarifárias entre as nações, foi implementado o Acordo Geral de Comércio e Tarifas, mais conhecido pela sigla inglesa GATT (General Agreement on Tariffs and Trade)20. Logo, o GATT não foi criado para ser uma organização internacional, mas parte de uma instituição denominada OIC que, como visto no parágrafo anterior, não foi implementada naquela época [Jackson (1998)]. O estabelecimento de regras que regulamentam o comércio internacional foi nitidamente voltado à liberalização do comércio mundial. As primeiras décadas do GATT foram, principalmente, momentos de combate às barreiras tarifárias mundiais que dificultavam o livre comércio. Os arquitetos do GATT acreditavam que o protecionismo dos anos trinta contribuiu para a instabilidade mundial daquela época, inclusive para o crescimento do fascismo na Europa [Hunter et alli (1998)]. O fruto dessa liberalização foi um crescimento acentuado do comércio internacional, como se observa no gráfico 3.1. As transações comerciais mundiais foram incrementadas em aproximadamente 500% entre os anos 1960 e 1990, o que significa o acréscimo de US$ 2.500 bilhões às cifras de US$ 500 bilhões alcançadas naquela época. O estabelecimento de um acordo mundial como o GATT foi, sem dúvida, crucial para esse 20 Apesar de as negociações terem sido concluídas no ano de 1947, o GATT somente entrou em vigor a partir de janeiro de 1948. 24 aumento, resultado da ação contra as barreiras comerciais adotadas pelos Estados à época. O GATT tornou-se um Tratado-Organização21, pois não havia uma estrutura física prevista em seu texto. Contudo, sem poder aguardar a criação de uma instituição que o abrigasse, como a OIC, teve de estruturar-se para atingir seus objetivos. Somente após o início da Rodada do Uruguai22, em 1986, é que voltaram os anseios da criação de um organismo maior de comércio internacional. Dessa forma, em 1990, o Canadá propôs a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), com o posterior suporte da Europa a essa proposta. Mais tarde, no ano de 1993, foram estabelecidos os termos de um pacto, chamado de Acordo Dunkel23, marcando o fim da rodada do Uruguai. Este 21 Segundo Goyos Jr. (1994, p. 11), “O GATT é o único tratado multilateral que estabelece regras para o comércio internacional, ao mesmo tempo que é o principal organismo internacional para as negociações de comércio internacional e de resolução de disputas e controvérsias na área.” 22 A rodada do Uruguai foi a última de oito rodadas do GATT, concluída em 15 de dezembro de 1993. 23 Tendo em vista que esse Acordo foi preparado por Arthur Dunkel, Diretor-Geral do GATT à época, o mesmo teve a designação em sua homenagem. 25 acordo foi aprovado em 1994, na cidade de Marrakesh, onde foram estabelecidas as bases para a formação da OMC24, fórum de fomento de um sistema internacional de comércio, iniciando suas atividades em janeiro de 1995 [Jackson (1998)]. Por fim, cabe mencionar que o GATT e a OMC têm sido bem sucedidos há mais de meio século no fomento ao comércio (tabela 3.1). A redução das barreiras aos negócios internacionais e a aplicação de regras não-discriminatórias no comércio mundial foram importantes conquistas desses instrumentos para a liberalização mercantil. Entretanto, do ponto de vista ambiental, o sistema GATT/OMC tem sido vítima de diversas críticas, justamente por não considerar essa dimensão um dos objetivos principais de seu texto, assim como ocorre com a promoção das trocas comerciais [Sampson (1999a)]. Tabela 3.1 – Evolução do Comércio Internacional com a presença do sistema GATT/OMC. Rodada Ano Número de países Valor do Comércio Genebra 1947 23 US$ 10 bilhões Annecy 1949 33 - Torquay 1950 34 - Genebra 1956 22 US$ 2,5 bilhões Dillon 1960-61 45 US$ 4,9 bilhões Kennedy 1962-67 48 US$ 40 bilhões Tokyo 1973-79 99 US$ 155 bilhões Uruguay 1986-94 120+ US$ 3,7 trilhões Fonte: Jackson (1998) 24 O GATT foi incorporado à Organização Mundial do Comércio, com a denominação GATT 1995, e continua vigendo nos assuntos que não foram tratados por acordos posteriores mais específicos. 26 3.2.2 – O Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT) “O GATT25 é o maior acordo acerca de regras comerciais, e provê a estrutura para uma política global de comércio, assim como é o fórum para disputas comerciais” [Wathen (1993, p. 6)]. O GATT é, então, um tratado que estabelece o direito internacional para seus acordantes, bem como se propõe a solucionar as disputas comerciais entre estes Estados. Atualmente, mais de cento e vinte países participam desse acordo, que vige em uma nova estrutura denominada Organização Mundial do Comércio (OMC). Afirmam Markusen et alli (1995) que o GATT tem duas funções primárias: estabelecer obrigações gerais entre os paísesmembros e ser o fórum de negociação sobre tarifas no comércio internacional26. As obrigações gerais formam o corpo dos princípios fundamentais do GATT, que são: a) Princípio da não-discriminação, considerado a base filosófica da liberalização do comércio. Este engloba dois outros princípios, que são o da nação mais favorecida, ínsito no artigo I, e o do tratamento nacional, constante do artigo III. Aquele diz que quaisquer benefícios de comércio dados a um país devem ser estendidos aos demais países membros do GATT27; este veda a discriminação entre produtos similares importados e domésticos; 25 Possui trinta e oito artigos que se resumem a: redução tarifária, não-discriminação e desconsideração de barreiras não-tarifárias [Wathen (1993)]. 26 Talvez a grande vantagem de um acordo tipo GATT é o seu multilateralismo, em que muitos países concordam em conjunto para a redução de barreiras ao comércio [Markusen et alli. (1995)]. 27 Exceções a essa regra são permitidas em certas circunstâncias, como na implementação de acordos regionais de comércio ou de preferências para países em desenvolvimento [OCDE (1995)]. 27 b) Princípio da proteção por intermédio de taxas28 (proteção transparente). São vedadas proteções diversas das estabelecidas por taxas, como barreiras não-tarifárias. Essa regra se deve ao fato de que é mais difícil identificar restrições ao comércio internacional quando estas não se encontram no preço dos produtos29; c) Princípio da base estável para o comércio. Essa base estável é derivada do compromisso de os Estados praticarem apenas constantes do os impostos compromisso de realizado importação junto ao GATT; d) Princípio da concorrência leal. Vedam-se, assim, medidas consideradas injustas no comércio internacional, como o dumping; e) Princípio da condição especial aos países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos devem prestar assistência aos países menos desenvolvidos, assim como estes podem contar com condições mais favoráveis nas negociações internacionais [MDIC (2002)]. A segunda função do GATT foi a de facilitar as negociações comerciais entre seus membros, como a que conduziu a uma redução drástica de tarifas de comércio desde a 28 Os autores utilizam usualmente a expressão taxa ou tarifa para determinarem o mesmo instituto. Ressalta-se que, no direito tributário pátrio, taxa é diferente de tarifa, pois aquela é espécie de tributo; e esta não é tributo. 29 Existem, também, diversas exceções a essa regra. A principal diz respeito às dificuldades no balanço de pagamentos das nações. 28 sua formação. Nesse aspecto, o GATT foi realmente bem sucedido, mas não impediu a proliferação de barreiras nãotarifárias ao comércio, tendo em vista a desconfiança do sistema nos anos 1980 e a falta de imperatividade do acordo, que repousava no princípio da obediência voluntária30. Destaca-se que o GATT reconhece situações em que a adoção de medidas restritivas ao comércio é justificada, denominadas exceções gerais. Essas são motivadas por questões sociais, de ordem pública e, em alguns casos, por motivações econômicas e financeiras. Por serem violações permitidas ao GATT, devem estar bem definidas neste acordo, sob pena de configurarem barreiras ilícitas ao comércio internacional. Cabe a ressalva de que o GATT não é um tratado que visa primariamente à proteção ambiental ou à saúde humana31, mas sim à ampliação do comércio global, motivo pelo qual as suas exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Assim, o artigo XIX do GATT permite a implementação de ações em caso de excessivo aumento de importação que prejudique a produção interna. Igualmente, o artigo XII desse estatuto assegura o direito de existirem restrições não-tarifárias às importações caso o país enfrente dificuldades no balanço de pagamentos, impedindo a perda de divisas decorrentes da remessa de dinheiro para o exterior em vista do incremento das importações. 30 Assim como em qualquer tratado internacional, pois os Estados organizam-se horizontalmente, não existindo autoridade superior no plano mundial [Rezek (1995)]. 31 Sampson (1999a) chama a atenção para o despertar da OMC acerca dessas questões, materializadas em recentes acordos internacionais de comércio e em julgamentos dessa instituição. 29 Finalmente, trata o artigo XX das exceções ambientais do GATT, consoante Hunter et alli (1998). Diz esse dispositivo que nada deve inibir a adoção de medidas necessárias à proteção do homem, dos animais e das plantas, à conservação dos recursos naturais finitos, caso estas últimas ações sejam realizadas em conjunto com restrições domésticas à produção e ao consumo. Apesar dessa previsão, a interpretação corrente da OMC é no sentido de restringir ao máximo o alcance do citado artigo, tendo em vista desvios no comércio internacional que poderiam surgir, tais como medidas protecionistas disfarçadas de ações para a proteção do meio ambiente [Morris (1993)]. 3.3. A Questão Ambiental no Comércio Internacional 3.3.1 – Introdução A economia mundial tem passado por transformações intensas desde o fim da II Guerra Mundial. O crescimento populacional, o aumento da produtividade industrial e os avanços nas comunicações e nos transportes possibilitaram uma intensa interação mercantil entre os povos. Esses fatores contribuíram para o crescimento da economia global. Como se observa na tabela 3.2, o incremento no volume das exportações mundiais foi da ordem de dezenove vezes de 1950 a 1999. Outro importante evento que contribuiu para isso foi a pressão pela redução das barreiras comerciais a partir da segunda metade do século passado. Essa foi fruto da reação às injustiças criadas pelas políticas protecionistas de até então [Schuler (1996)]. Percebia-se que a necessidade de integrar a comunidade internacional passaria necessariamente pela 30 integração econômica32, o que, na década de 1990, pôde ser constatada pela formação e consolidação de blocos econômicos entre nações. Tabela 3.2 – Evolução das exportações mundiais, 1950-1999. (índice, 1990 = 100) Ano Índice Ano Índice Ano Índice Ano Índice 1950 9 1963 22 1976 - 1989 95 1951 9 1964 25 1977 - 1990 100 1952 10 1965 26 1978 - 1991 104 1953 11 1966 29 1979 66 1992 109 1954 11 1967 30 1980 68 1993 113 1955 13 1968 33 1981 68 1994 124 1956 13 1969 37 1982 66 1995 136 1957 15 1970 41 1983 68 1996 143 1958 14 1971 44 1984 73 1997 158 1959 16 1972 47 1985 75 1998 166 1960 18 1973 53 1986 78 1999 174 1961 19 1974 56 1987 83 1962 20 1975 52 1988 89 Fonte: OMC (2001) A liberalização comercial proporcionada pela globalização aumentou o tamanho dos mercados de bens e de serviços [Jones e Martins (2000)]. A dimensão nacional dos mercados transformou-se na dimensão global, em que firmas e consumidores de todo o Planeta passaram a se relacionar, tendo 32 Os equívocos estabelecidos na política comercial do período seguinte à I Guerra Mundial, principalmente as sanções comerciais impostas à Alemanha, foram fatores que sinalizaram para a necessidade de que a sociedade internacional construísse uma estratégia de cooperação baseada no estabelecimento de regras mais justas de comércio entre os povos. 31 como resultado a explosão da produção e do consumo33. As preocupações mundiais recentes sobre problemas ambientais globais passaram a exigir um melhor entendimento do relacionamento entre comércio internacional e meio ambiente. Apesar desses problemas, Dean (2000) vê no livre comércio três passos com efeitos positivos sobre o meio ambiente, originados pelo incremento da renda dos países: 1°) o efeito escala, gerado pelo aumento do tamanho da economia. Deriva da maior exigência de bens pelas pessoas, que consomem mais por causa da maior renda resultante dos excedentes gerados no livre comércio; 2°) essa exigência, com o tempo, faz com que as pessoas passem a demandar produtos considerados “limpos”, isto é, que não prejudicam o meio ambiente; 3°) a demanda por produtos ambientalmente corretos força as empresas a ajustarem suas produções a tecnologias menos prejudiciais à natureza. Logo, diz essa autora que quanto maior o crescimento da renda, menor é o prejuízo ao meio ambiente. Essa relação é conhecida como “U-invertido”, demonstrada na curva de Kuznets34, gráfico 3.2, e afirma que a degradação ambiental é 33 Segundo previsões da OMC (1999), com as atuais taxas de crescimento da economia mundial, o PIB per capita duplicará em 2035 e quadruplicará em 2070, exigindo medidas severas para o controle da degradação decorrente deste incremento. 34 Essa hipótese foi realizada pelo economista Simon Kuznets, na década de 1950, para demonstrar a relação entre distribuição de renda e renda per capita. O Banco Mundial, com o Informe sobre Desenvolvimento Mundial de 1992, utilizou essa hipótese para demonstrar o vínculo benéfico entre o incremento da renda e a degradação do meio ambiente, o que originou a curva de Kuznets ambiental [Mueller (2001)]. 32 diretamente proporcional à renda até um ponto, denominado de “contaminação máxima”; depois, torna-se inversamente proporcional. Dessa maneira, o desenvolvimento de uma nação, que decorre do crescimento econômico, é benéfico, a longo prazo, para a preservação do meio ambiente. Entretanto, essa visão não é isenta de restrições. Sabese que a relação da curva de Kuznets é verdadeira para alguns poluentes. Não obstante, em grande parte desses contaminantes o que se observa é o efeito prejudicial ao meio ambiente com o aumento da renda. Conforme Harris (2001), os autores Grossman e Krueger, no trabalho Economic Growth and the Environment (1995), verificaram que essa relação entre aumento de renda e diminuição da poluição é benéfica apenas em um limitado número de poluentes do ar e da água. A abertura mundial do comércio criou um estado de competição intensa entre as nações. A produção de bens de consumo tornou-se uma atividade que prejudica o meio ambiente, sem a devida preocupação com a escassez dos 33 recursos naturais e com as funções de assimilação e de base vital da natureza35. Somente a partir da década de 197036, especialmente entre os países desenvolvidos, é que pressões ambientais forçaram os governos desses Estados a buscar formas de produção mais preocupadas com o meio ambiente. Contudo, nas nações em desenvolvimento, a escassez de recursos econômicos faz com que elas priorizem o crescimento, reduzindo a possibilidade de conciliar este com a preservação ambiental. O argumento implícito dessas nações é que qualidade ambiental é um bem supérfluo, e só as pessoas residentes em nações ricas preocupam-se com ele, ao contrário dos cidadãos de países pobres, que estão mais envolvidos com a sobrevivência [Whalley (1996)]. Desse modo, pode-se dizer que há um estado de necessidade, em que a conservação do meio ambiente, por elevar os custos de produção, diminuiria ainda mais o acesso ao mercado global dos produtos originários de países pobres. Essa é a visão tradicional, com a existência de trade-off, em que existe um conflito inevitável entre ganhos econômicos e preservação ambiental, motivo pelo qual esta, principalmente em nações periféricas, ainda não é prioridade de seus governos [Togeiro de Almeida (2002)]. Parece, então, haver uma oposição entre comércio internacional e protecionismo ambiental, pois este pode ter como objetivo desacelerar a economia mundial, afetando de modo 35 Segundo Jacobs (1991), a biosfera desempenha três funções econômicas: a) fonte de recursos; b) assimiladora dos dejetos resultantes da atividade de produção e de consumo; c) serviços ambientais (amenidades e suporte à vida). 36 Nessa década ocorreu a Conferência da ONU de 1972, em Estocolmo, sobre o meio ambiente, demonstrando o surgimento de uma consciência internacional acerca do tema. 34 mais intenso os Estados em desenvolvimento, que necessitam crescer mais em relação às nações ricas. Esse conflito atinge o direito das gentes37, porquanto os tratados internacionais que visam ao incremento comercial no Planeta buscam a diminuição dos custos na produção de bens e serviços, enquanto os acordos ambientais incrementam ainda mais esses custos, reduzindo a degradação do meio ambiente [Viana e Nogueira (1998)]. Asseveram Baumol e Oates (1998) que a preocupação ambiental por legislações parte severas dos Estados impõe perdas com a às suas implantação de indústrias de exportação. Como conseqüência dessa política, as taxas de desemprego crescem, a balança comercial é desequilibrada e o produto interno bruto (PIB) diminui. Ainda, segundo os escritores, esses efeitos geram receios não somente nas nações em desenvolvimento, mas também em países ricos. O GATT mostra-se, ainda, adverso a medidas que dificultem as trocas comerciais entre as nações38. É um acordo interpretado como contrário aos interesses ambientais do Planeta, o que originará, certamente, diversas alterações futuras em suas regras ou em sua hermenêutica, a fim de conciliar as demandas mercantis globais com a mitigação do problema ambiental. Sem embargo, essas modificações são temerárias, como visto nos parágrafos anteriores, notadamente entre os países que precisam desenvolver-se, pois influenciarão as metas de crescimento destes Estados, gerando ainda mais problemas sociais. 37 Também denominado direito internacional. E o torna alvo da fúria dos ambientalistas, que já o classificaram como GATTzila, em alusão ao monstro japonês Godzila, e como GATTástrofe [Bhagwati (1993)]. 38 35 Portanto, o comércio internacional pode influenciar a degradação ambiental, o que tem exigido séria reflexão dos governantes mundiais. Regras que objetivam a redução do impacto da produção no meio ambiente têm surgido, mas enfrentam a reação aos possíveis efeitos negativos nos custos internos dos produtos, influenciando a saúde financeira dos Estados. O GATT, por visar ao aumento do comércio internacional, parece estar contrário aos desejos ambientais de parcela da sociedade mundial, motivo pelo qual poderá sofrer mudanças em seu texto ou em sua interpretação, buscando conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. 3.3.2 – O Dumping Ambiental Segundo Krugman e Obstefeld (2001, p. 148) “a prática de cobrar preços diferentes de clientes diferentes é denominada discriminação de preços.” O dumping nada mais é do que uma discriminação de preços, em que se cobram preços distintos dos consumidores domésticos e dos de outras nações. Essa prática é considerada desonesta no comércio internacional, pela manipulação de preços nela existente. Assim, quando um país vende seus produtos a dois mercados, por preços diferentes, acontece o dumping, podendo beneficiar as mais diversas políticas estatais, como o desejo de expansão comercial para determinados segmentos. O dumping ambiental também é uma discriminação de preços, pois os custos ambientais gerados na atividade produtiva tornam os produtos mais caros internamente, visto que a 36 sociedade doméstica absorve os custos das externalidades produzidas. Isso gera a redução do preço dessas commodities em relação ao preço de nações com políticas ambientais de inserção das externalidades nos custos de manufatura dos produtos. Esse fenômeno surge do confronto entre crescimento econômico e preservação ambiental. Enquanto algumas nações procuram minimizar os problemas de degradação do meio ambiente na produção; outras, para que suas indústrias não sejam excluídas do comércio mundial, ainda não podem inserir em seus custos de produção a dimensão ambiental39. Por conseguinte, são criadas discrepâncias no comércio internacional, causadas pela produção sem controle ambiental em países que não verificam o processo de fabricação de seus produtos. Essa prática torna os bens dessas nações mais competitivos, pela não inserção, nos preços, dos custos da degradação do meio ambiente, originando uma vantagem no comércio internacional considerada injusta. Assim, surge o dumping ambiental, o qual é a tentativa de aumentar a competitividade dos produtos em um Estado pela externalização dos custos ambientais, ou seja, pela sua não consideração. Em contraste, Foschete (1999, p. 56) salienta que no afã de aumentar a produtividade, os países industrializados têm usado, de forma cada vez mais intensiva, robôs e outras tecnologias avançadas, poupadoras de mão-de-obra, em seus processos produtivos, reduzindo substancialmente seus custos e, daí, seus preços internacionais. Tal fenômeno tem sido denominado de dumping produtivo ou dumping tecnológico. 39 Corrobora essa assertiva a hipótese de que indústrias poluentes de países desenvolvidos procuram migrar para países pobres, em busca de legislações mais brandas do ponto de vista ambiental. É o que Young e Lustosa (2002) denominam “vantagens competitivas espúrias”. 37 Destarte, a busca tecnológica também cria discrepâncias no comércio internacional, havendo uma redução de preços, com o conseqüente ganho de competitividade pelas nações centrais. Foschete (1999) crê que argumentos de dumping, ambiental ou tecnológico, nada mais são que mecanismos utilizados para a defesa da falta de eficiência junto aos organismos internacionais de comércio. Essa também foi a conclusão do Relatório Nossa Comunidade Global [Comissão sobre a Governança Global (1996, p. 127)], quando afirma que Observa-se em certos países industrializados a tendência preocupante de ameaçar com medidas retaliatórias os países em desenvolvimento que praticam o chamado dumping social ou ambiental, quando na verdade os que fazem essas ameaças estão menos preocupados em defender a dignidade humana ou a segurança do planeta do que em proteger suas próprias indústrias nãocompetitivas. Em que pese essa visão, não considerar os males ao meio ambiente na produção significa descartar o processo produtivo e apreciar somente o produto final. É certo que o artigo I do GATT, referente ao princípio da nação mais favorecida, proíbe qualquer discriminação a bens considerados similares, o que esconde os efeitos da degradação da natureza. Assinala Charnovitz (1993, p. 280) que é um dogma em política comercial afirmar que padrões unilaterais de importação devem relacionar-se apenas com produtos, e não com processos. Os defensores desta posição apontam que padrões aos processos são intrínsecos a cada país e só a estes dizem respeito. O GATT não ignora de modo absoluto o meio ambiente. O artigo XX desse acordo prevê a possibilidade de se afastar a 38 aplicação do princípio da nação mais favorecida, quando relacionado a problemas de conservação dos recursos naturais, desde que as restrições também sejam impostas ao mercado interno. Igualmente, as restrições podem ser inseridas em um contexto de proteção à vida e à saúde de homens, animais ou plantas (Figura 3.1). Então, se um produto importado afeta o meio ambiente ou a saúde de uma população, o artigo supracitado permite que o Estado tome medidas para mitigar o problema [Jackson (1998)]. Figura 3.1 – Implicações dos danos ambientais originados nas atividades de comércio internacional Sem embargo, conforme julgados da OMC presentes na tabela 3.3, ações que enfraqueçam o comércio internacional, ainda que fundadas em aspectos ambientais, parecem não merecer o respaldo jurídico que alguns grupos ecológicos desejam [Sampson (1999b)]. A interpretação corrente tem em vista a definição de “produtos semelhantes40”, isto é, produtos que por terem as mesmas características físicas não podem 40 Do inglês like products. 39 sofrer discriminações, mesmo que o os seus processos de manufatura sejam diversos41. Tabela 3.3 - Alguns Julgados da OMC acerca de questões ambientais. Argumento Ambiental Caso Argumento Comercial O gás venezuelano Uma emenda ao Clean Air Act americano, de 1990, exigia padrões de pureza da gasolina utilizada nos EUA. Refinarias estrangeiras alegaram que se tratava de discriminação A gasolina produzida nos EUA é mais pura e polui menos o meio ambiente A OMC considerou a medida do governo americano discriminatória A preferência européia pelas bananas caribenhas é discriminatória contra companhias americanas A produção de bananas caribenhas é fonte de empregos e recursos ao Caribe, e a sua produção utiliza menos agrotóxicos A OMC decidiu que a preferência por bananas caribenhas viola regras do princípio da nãodiscriminação É possível pescar camarão com métodos que não prejudiquem as tartarugas ameaçadas A OMC declarou que os EUA violaram regras comerciais e são discriminatórias A União Européia não aceita produtos tratados com hormônios por prejudicarem a saúde humana A OMC decidiu não haver provas suficientes sobre a prejudicialidade à saúde As bananas caribenhas Os EUA restringiram a importação de camarão de países que usam métodos O caso dos mortais às tartarugas. camarões e Nações da Ásia alegaram das tartarugas que os EUA não podem influenciar a pesca fora do seu território Carne com hormônios Os EUA alegaram que a União Européia ao banir carne americana tratada com esteróides violou regras de comércio internacional de nãodiscriminação Resultado Fonte: Friends of the Earth (2001). 41 O debate atual na OMC é “ainda dominado por atitudes de diversos oficiais de comércio que consideram o meio ambiente um obstáculo à liberalização comercial.” [Buchner e Roson (2002, p. 7)]. 40 Já previu Whalley (1996), ao analisar o comércio internacional e o meio ambiente frente às perspectivas do encontro da OMC em Singapura (1996), a flexibilização do conceito de “produtos semelhantes”. Conforme o escritor, o artigo terceiro do GATT tende a encontrar uma interpretação que permita a discriminação de produtos com base em aspectos ambientais e de saúde humana, demonstrando a importância do processo de confecção de bens42 na consideração do que sejam “produtos semelhantes”. Outrossim, o Instituto para Estudos das Relações Européias e Latino-Americanas (IRELA), em seu estudo Europe and Latin America: Bridgind the Gap between Trade and the Environment, já ponderava sobre essa nova tendência da OMC, apesar de considerar uma questão controversa. Assim, segundo o IRELA (1998, p. 6): o mais difícil assunto a ser resolvido, cerne das disputas entre políticas comerciais e questões ambientais, é se restrições devem abranger o processo de produção ou somente o produto. Surgirá, então, a evolução fundada no conceito de “processo semelhante”43, ou seja, se o procedimento de manufatura do produto será fundamental para a consideração se esse bem é ou não semelhante a outro. Insere-se, portanto, a dimensão ambiental no comércio internacional. Esta solução mitigará o problema do dumping gerado pela não observância de regras que protegem o meio ambiente. Caso não sejam integrados ao processo produtivo os problemas 42 43 gerados ao meio ambiente, as nações que se O que se costuma denominar Processes and Production Methods (PPM). Do Inglês like process. 41 sentirem prejudicadas no comércio internacional poderão tomar certas atitudes, como a imposição ou a majoração de impostos de importação, a fim de que os custos ambientais sejam internalizados nos preços praticados pelas nações exportadoras. 42 CAPÍTULO 4 EQÜIDADE NO COMÉRCIO INTERNACIONAL E MEIO AMBIENTE 4.1. A Eqüidade “Eqüidade representa uma avaliação normativa do desejo social de resultados econômicos”. [Rose e Tietenberg (1993)]. Esse termo questiona a forma de distribuição de bemestar entre os membros da coletividade. Consoante Field (1997), eqüidade relaciona-se com moralidade; de que forma estabelecem-se políticas com o objetivo de beneficiar os mais necessitados. Ainda segundo esse autor, essas considerações acerca da eqüidade têm estimulado discussões sobre justiça ambiental44. Perman et alli (1999) dizem que a eqüidade busca responder quais as implicações na utilização de uma política na distribuição de riqueza da comunidade. Os governantes devem buscar avaliar suas ações de maneira a detectarem se os resultados desejados foram alcançados. Um dos critérios para essa avaliação é a eqüidade. Talvez seja o parâmetro mais importante, pois mesmo quando se analisam políticas eficientes essas não serão implementadas se forem carentes de eqüidade [Field (1997)]. Apesar de saber que a eqüidade é um dos critérios utilizados na avaliação econômica de políticas públicas, surge a dificuldade de como fazer essa avaliação, já que esse termo é 44 Justiça Ambiental é um movimento que ganhou notoriedade na década de 1980 com a preocupação de reduzir os perigos da contaminação do meio ambiente nas populações mais carentes. Estes grupos, segundo estudo patrocinado pela União das Igrejas de Cristo, estão três vezes mais expostos a problemas relacionados com poluição do que as populações brancas ricas [Field (1997)]. 43 impregnado de julgamento moral, não mensurável ou apreciável por modelos econômicos [Rose e Tietenberg (1993)]. Procurouse, assim, esclarecer mais o significado da eqüidade, utilizando o apoio de outras ciências, também familiarizadas com essa expressão, como acontece nas ciências jurídicas. Dessa maneira, com base na análise dentro do direito internacional, Shaw (1997) diz que a eqüidade pode ser entendida em três formas: a) adaptação da lei a um caso particular ou escolha entre diversas interpretações (infra legem). É a eqüidade segundo a lei, pois esta permite diversos entendimentos e cabe ao intérprete escolher o mais justo; b) preenchimento de lacunas da lei (praetor legem). Este é o caso da eqüidade onde não há lei, cabendo à inteligência humana buscar em dispositivos semelhantes o entendimento que tenha razão para a situação concreta; c) promotora de eqüidade, ou seja, para que não sejam aplicadas leis injustas (contra legem). Assim, há a eqüidade que é contrária à lei, por entender ser a lei infundada, carente de justiça. Apesar dos diversos juízos sobre a eqüidade, ressaltase um aspecto importante nos contextos formulados por Shaw: a eqüidade identifica-se com a justiça45, ainda que tenha que 45 Vide John Rawls na obra Uma Teoria da Justiça (1981, p. 33), em que o autor também identifica a justiça com a eqüidade. 44 divergir da lei. Malanczuk (1997) assevera que os termos eqüidade, justiça e direito natural46 tendem a se confundir, possuindo o mesmo sentido. Segundo esse autor, a eqüidade tem sido usada ultimamente pelas nações em desenvolvimento para argüirem o direito a uma distribuição mais justa das riquezas do Planeta47. A eqüidade é, portanto, um conceito baseado em um sistema ético, que no caso da sociedade internacional deve ser um sistema global. Guruswamy e Hendricks (1997) destacam que os princípios de eqüidade e justiça têm-se tornado parte de um direito ambiental internacional, demonstrando o consenso entre as nações acerca da importância em se entender os problemas ambientais acima da rigidez do sistema jurídico escrito. Em oposição, pode-se citar a visão da Escola Realista de Relações Internacionais48. Para os defensores desse ponto de vista, não há uma ética ou uma moral que possa ser global, pois não existe uma comunidade global, com os mesmos valores e as mesmas experiências. Essa escola traz como paradigma a lei, e não a justiça. Por conseguinte, como eqüidade não é um conceito concreto, mas uma idéia moral, o ideal de justiça para os realistas deve ser realizado dentro da lei, mediante acordos e tratados internacionais [Ali (2001)]. 46 Direito natural é um direito anterior às leis do homem. Na verdade, é fonte das leis, não tendo limitações temporais ou físicas. É um direito universal que se confunde com o ideal de justiça [Pereira (1994)]. O direito natural é o direito inerente a todo homem, que o faz agir com lealdade, paz, justiça e harmonia na vida social. 47 É a “Nova Ordem Econômica Internacional”. 48 “A análise que os realistas fazem do sistema internacional pode ser caracterizada como o que se tem denominado imagem hobbesiana, isto quer dizer que o sistema internacional se identifica com o estado de necessidade descrito por Hobbes em seu Leviatã.” [Castro Silva (1997, p. 9)]. 45 A Corte Internacional de Justiça (CIJ) já se posicionou diversas vezes sobre a utilização da eqüidade nas suas decisões judiciais49. Conquanto não considere a eqüidade um princípio específico de direito internacional, reconhece que este deva ser utilizado como auxílio suplementar à lei. Desse modo, alguns casos já foram julgados pela CIJ com base em aspectos eqüitativos, como: “O Desvio das Águas do Rio Meuse” (1937); “A Plataforma Continental do Mar do Norte“ (1969); “A Jurisdição de Pesca entre o Reino Unido e Islândia” (1974) [Brownlie (1990)]. Outrossim, Hunter et alli (1998, p. 162) afirmam que Princípios éticos são importantes por duas razões: juntos com os princípios ecológicos, eles ajudam a melhorar o fundamento de um direito internacional ambiental, assegurando a perpetuidade da humanidade; e eles podem, sem qualquer auxílio da lei, guiar o comportamento da sociedade mundial para um desenvolvimento sustentável. Por isso, ainda que faça parte de um sistema ético não positivado, isto é, não transformado em lei escrita, está a eqüidade apta a auxiliar a interpretação das normas. Talvez, seja a eqüidade a verdadeira face da justiça nos litígios internacionais, pois é por meio dela que o julgador dosa o quantum necessário a cada parte, dando a cada um o que lhe é de direito, conforme suas necessidades específicas. Considerando a eqüidade um princípio ético, por ser identificada com o conceito de justiça, ela também é vista como um meio de assegurar a base de um comportamento universal 49 “A Corte Internacional de Justiça definiu equidade como sendo um princípio geral diretamente aplicável, assim como a lei.” [Claussen e McNeilly (1998, p. 9)]. 46 acerca do meio ambiente. As questões ambientais devem ser entendidas sob a perspectiva da eqüidade50, pois a distribuição justa dos recursos do Planeta assegura o princípio máximo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) de que “todos os homens são iguais”. Não há como se falar em igualdade sem a repartição eqüitativa das riquezas do Planeta. Entretanto, essa divisão não é necessariamente a mesma entre os homens, pois aqueles que têm mais precisam de menos, e os que têm menos precisam de mais. Por isso, a eqüidade não é a igualdade matemática, mas sim a igualdade na distribuição de justiça. Somente com uma repartição justa se atinge esse princípio moral, assegurando o bem-estar daqueles que estão em situação de infortúnio. A definição de Aristóteles do que é igualdade - tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais - parece estar em consonância com a eqüidade. Não obstante, quem são os iguais, e quem são os desiguais? Entende-se que, na sociedade internacional, os países em desenvolvimento estão em situação de requerer maiores benefícios das leis do que as nações centrais, pois aqueles nada mais querem que estar como estes; e estes, já se encontram em um patamar de vida considerado digno51. Como se observam na tabela 4.1, alguns dos indicadores de qualidade de vida apresentados comprovam que 50 Field (1997) considera que os seguintes aspectos devam ser analisados na avaliação de políticas ambientais: eficiência, eqüidade ou justiça, incentivo ao esforço máximo, poder de coação e aceitação moral. 51 “26% da população mundial, que vive em países industrializados, consomem, por exemplo, 80% da energia comercial mundial, 79% do aço, 86% dos demais metais, 85% do papel. Igualmente, geram 92% de todas as emissões industriais de dióxido de carbono” [Jacobs (1991, p. 88)]. 47 as regiões em desenvolvimento do Planeta encontram-se ansiosas pela distribuição mais eqüitativa das riquezas mundiais. Tabela 4.1 – Índices de Qualidade de Vida nas Regiões em Desenvolvimento do Mundo. Região América Latina e Caribe África Ásia Expectativa de vida 66 anos 57 anos 52 anos** Pessoas vivendo em absoluta miséria 35% 62%* 25% Percentagem dos que sentem fome no Mundo 10% 25% 60% Crescimento populacional 2,1% 2,2% 3% Analfabetos 16% 50% 40% Classificação da renda (predominantemente) Média Baixa Média *África subsahariana ** Sul da Ásia Fonte: Dore (1996). Ao se considerar a distribuição de riqueza mundial, refletida nos níveis de renda per capita anual, nota-se a gritante desigualdade na repartição da fartura global, como se percebe na tabela 4.2. Essas disparidades, segundo Krugman e Obstfeld (2001), chegam ao absurdo quando demonstram que a renda individual nos países ricos é 73 vezes maior que a das nações mais pobres. 48 Tabela 4.2 – Renda per capita em quatro grupos de países, 1997. Grupamento PNB per capita (em US$ dolares) Países de baixa renda 350 Países de renda média inferior 1.230 Países com renda média superior 4.520 Países com renda alta 25.700 Fonte: Banco Mundial, World Development Report, 1998/99 Em vista disso, são importantes as considerações de Hans Kelsen (1962) sobre a igualdade, pois sabe ser um absurdo que todos tenham as mesmas obrigações e os mesmos direitos, sem que haja distinções. Na sociedade internacional também é contrário à razão o fato de todas as nações terem os mesmos direitos e as mesmas obrigações, o que configuraria não reconhecer as diferenças entre os povos do Planeta. Na obra Uma Teoria da Justiça, Rawls (1981, p. 37) sustenta que são justas apenas desigualdades que “resultarem em benefícios para todos e, em particular, para os membros menos privilegiados da sociedade.” A justa repartição de direitos e deveres deve levar em conta a distribuição imperfeita das riquezas do Globo, pois só assim pode-se reverter essa situação em favor daqueles que se encontram em situação de penúria na sociedade internacional. É certo que ambientalistas clamam por uma política mundial unificada em relação ao meio ambiente [Verbruggen et alli (1998)]. Desejam que os tratados internacionais, como o 49 GATT, não permitam exceções baseadas em questões de eqüidade, sob o argumento de que a natureza encontra-se muito degradada e quaisquer exceções são perniciosas. No caso do GATT, esses organismos ambientais dizem que a flexibilidade das regras desse acordo coloca o comércio na frente da preservação ambiental, o que é perigoso [Sampson (1999a)]. Contudo, afirmações que não consideram as desigualdades dos povos na sociedade internacional, ainda que fundadas em questões de preservação do meio ambiente, podem ser contra a eqüidade, que também é um princípio ético que dá base à conservação da natureza. Parece mais lógico uma abordagem dos problemas ambientais dentro da perspectiva da eqüidade, porquanto a crise do meio ambiente foi e continua sendo causada em sua maior parte pelas nações desenvolvidas52. 4.2. A Eqüidade no Comércio Internacional Os incentivos ao comércio, proporcionados pelo decréscimo dos custos de transporte e de comunicação, assim como pelo aumento do número de países que abriram suas economias ao mercado internacional aconteceram primeiro entre os Estados Unidos e alguns países europeus do oeste. Por serem os primeiros a se ajustar às necessidades do comércio mundial, obtiveram vantagens competitivas em relação aos demais 52 Jacobs (1991, p. 91) afirma que “não deveria deixar nas suas mãos [dos países pobres] a responsabilidade pela crise ambiental; tal responsabilidade é anterior a destes países e é maior nas nações industrializadas”. 50 Estados do globo53. O desenvolvimento antecipado de suas indústrias possibilitou a especialização em produtos manufaturados, o que não aconteceu com outras nações, que mantiveram sua base produtiva em produtos primários. Essa especialização produziu distorções na distribuição da riqueza mundial. O crescimento da renda nos países desenvolvidos fez com que a demanda por produtos primários não acompanhasse este incremento de rendimentos. O principal fator é a tecnologia dos países ricos, que possibilitou a substituição de produtos primários por produtos sintéticos, diminuindo os ganhos das nações periféricas [Gonçalves et alli (1998)]. Corrobora essa assertiva os dados obtidos de documentos estatísticos da Organização Mundial do Comércio, ínsitos na tabela 4.3. Enquanto a participação nas exportações totais mundiais do continente europeu saltou de 31%, em 1948, para 43%, no ano de 1999; a participação da América Latina caiu de 12,3%, em 1948, para 5,4%, em 1999. O mesmo foi observado com a Ásia em desenvolvimento e com a África. Pode-se alegar que a América do Norte também perdeu sua porção no mercado mundial, mas se considerarmos as perdas de quase 73% da África, de quase 50% da Ásia, e de 56% da América Latina, em comparação com os 38% de perda do continente norte-americano, vê-se que os países mais prejudicados com a integração comercial mundial foram as nações pobres. O crescimento mundial do comércio, após as 53 Asseveram Krugman e Obstfeld (2001, p. 263) que os países em desenvolvimento estabeleceram proteções às suas indústrias internas porque estas “não podem concorrer inicialmente com manufaturas já estabelecidas nos países desenvolvidos.” 51 guerras do século XX, foi acompanhado de desigualdades na distribuição dos ganhos entre as nações. Tabela 4.3 – Comércio por Região, 1948-1999 (em percentagem) Região 1948 1953 1963 1973 1983 1993 1999 Mundo 100 100 100 100 100 100 100 América do Norte 27,5 24,6 19,4 17,2 15,4 16,8 17,1 América Latina 12,3 10,5 7,0 4,7 5,8 4,4 5,4 Europa Ocidental 31,0 34,9 41,0 44,8 39,0 43,7 43,0 África 7,4 6,5 5,7 4,8 4,4 2,5 2,0 Japão 0,4 1,5 3,5 6,4 8,0 10,0 7,7 Ásia* 5,8 4,5 3,1 2,1 2,7 2,6 3,0 *Exceto Japão, China e os países chamados “Tigres Asiáticos”. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da OMC (2001). Com relação às injustiças criadas pela nova ordem comercial mundial, em 1958 um grupo de expertos foi convocado para estudar os avanços do GATT desde a sua implementação. Entre as conclusões, apontaram dois fatores que demonstravam a desvantagem da liberalização comercial para os países em desenvolvimento: o protecionismo doméstico aos produtos agrícolas dos países desenvolvidos e as políticas industriais estabelecidas à época, favorecedoras das nações industrializadas. Os resultados desse estudo foram apresentados com a denominação de Relatório Haberler [Kenwood e Lougheed (2000)]. 52 Dessa maneira, percebe-se que existem diferenças na distribuição da justiça comercial entre diversas regiões do Planeta. A globalização da economia fez com que as nações centrais beneficiassem-se mais com este fenômeno do que as nações periféricas, o que tornam urgente medidas políticas de uniformização, a fim de proporcionarem ao Sul meios de diminuírem os prejuízos originados no século passado. É oportuna a visão globalista das relações internacionais, que assegura ser o sistema capitalista mundial voltado à mantença dos desequilíbrios econômicos entre as nações, o que produz um mecanismo de dependência entre o Norte desenvolvido e o Sul em desenvolvimento. Por isso, asseveram Viotti e Kauppi (1993, p. 9) que A estrutura da política global econômica tem-se desenvolvido de forma, intencional e não intencional, a manter o Terceiro Mundo subdesenvolvido e dependente do Norte. Os países menos desenvolvidos (PMD) desempenham um papel crucial no bem-estar econômico de países como os Estados Unidos da América, bem como para os mercados de bens americanos. Como parte de um sistema capitalista global, os PMD não podem escolher seus próprios caminhos de desenvolvimento. Desenvolvimento autônomo, nessas circunstâncias, não é possível. 4.3. A Eqüidade e o Meio Ambiente Consoante Ali (2001, p. 46), “não há como escapar de dilemas éticos nestes tempos de transformações e fragmentações.” As modificações na base natural do Planeta ocorrem de maneira rápida, significando florestas derrubadas, oceanos contaminados, espécies animais aniquiladas e atmosfera poluída. O ser humano parece insaciável em sua jornada de 53 consumo, o que impõe uma pressão sobre a natureza cada vez mais acentuada. Desse modo, uma concepção ética do comportamento humano é inevitável, principalmente do ponto de vista da distribuição eqüitativa das riquezas naturais. Carneiro (2001, p. 33), ao tratar da pobreza e do desenvolvimento, destaca que Alijados do processo econômico e dos valores da cidadania, sem direito à educação, à saúde, à moradia, ao saneamento básico, à água potável e a uma dieta calórica minimamente adequada, resta aos pobres e miseráveis do mundo servirem das sobras das parcelas mais favorecidas da população, alimentando-se dos restos lançados diariamente nos depósitos de lixo das grandes cidades. Considerando que a maior parte desses infortunados encontra-se nos países periféricos54, nota-se que a distribuição dos recursos no Planeta é desigual e, certamente, aí se incluem os benefícios gerados na exploração dos bens naturais que o meio ambiente fornece ao homem. Conseqüentemente, qualquer formulação ética ou moral por parte da sociedade internacional deve pautar-se pela mitigação desse problema. A proteção ambiental deve ser acompanhada da proteção aos mais necessitados, pois existe uma ética mundial de resguardo aos carentes55. Por eqüitativa, então, entendem-se aquelas medidas que diminuam a degradação ambiental sem que aumentem ainda mais o fosso de distribuição entre ricos e pobres. Jacobs (1991, p. 331) diz que 54 Consoante Tabela 4.1, 95% dos que sentem fome no mundo encontram-se nas regiões em desenvolvimento. 55 Essa ética global pode ser constatada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu artigo XXV, que visa a assegurar a todos os homens um padrão mínimo de vida capaz de fornecer dignidade à existência humana. 54 A proteção ambiental tem que seguir conjuntamente com a proteção social, de forma que os custos de cumprir as medidas de sustentabilidade sejam distribuídos de forma eqüitativa. López (1995) demonstra que a pressão do comércio sobre o meio ambiente está relacionada a dois fatores: o fator crescimento e o fator preço. O primeiro diz respeito ao incremento na produção e no consumo, resultantes do crescimento econômico. O segundo fator relaciona-se ao baixo preço dos produtos primários, resultante de imposições das indústrias do Norte e que fazem com que o valor do meio ambiente também seja baixo no mundo em desenvolvimento. Como esses Estados normalmente são grandes exportadores de matéria-prima, vê-se a relação nociva entre as políticas de preços para produtos primários realizadas pelo mundo desenvolvido sobre a atividade produtiva nos países periféricos. Por isso, a responsabilidade não pode ser somente das nações pobres pela má utilização dos recursos naturais na sua atividade manufatureira. Segundo Derani (1997, p. 122), são incoerentes as críticas dos países desenvolvidos ao modelo de utilização do patrimônio natural nas nações em desenvolvimento. A manutenção do bem-estar no Norte depende dos preços baixos aos produtos do Sul, pois De fato, o bem-estar de uma nação que consegue garantir o movimento favorável no mercado internacional é intrinsecamente dependente do consumo massivo e barato de recursos naturais das nações menos industrializadas. 55 Com relação à ética mundial necessária à proteção dos recursos naturais do Planeta, percebe-se que deve ser fruto de um consenso. Não há espaço para a imposição de um modelo ético considerado o mais correto pelo Norte56. López (1995) afirma que isso é inaceitável, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista da eficiência econômica. A consciência ética deve resultar de um entendimento global, das experiências enfrentadas pelas sociedades mundiais no combate à degradação ambiental, e não de um paradigma colocado por alguns povos. 56 O Diretor de Planejamento do Departamento de Estado norte-americano propõe “integrar países e organizações de forma a promover um mundo em harmonia com os interesses e valores americanos.” [Dupas (2002, p. 11)]. 56 CAPÍTULO 5 A SOLUÇÃO FISCAL 5.1. Introdução Na busca em se considerar os efeitos das externalidades geradas na produção, diversas são as propostas mundiais para a mitigação do problema. Essa falha de mercado57 não permite que forças econômicas ajustem de maneira ótima a utilização do meio ambiente pela atividade produtiva, ensejando soluções diversas das partes envolvidas. Como não existe um organismo que possa impor ações aos Estados para que estes insiram nos seus custos a degradação ambiental, ou que detenham os mesmos padrões de produção58, meios que não violem essa realidade da sociedade internacional são procurados pelos governos e pela Organização Mundial do Comércio. A solução fiscal diz respeito à imposição de impostos59 de importação a bens oriundos de países que não respeitam o meio ambiente em sua atividade produtiva60. Trata-se de 57 Falhas de mercado são situações cujas forças econômicas de oferta e de demanda deixam de otimizar os resultados à sociedade. A externalidade gerada na produção de bens e de serviços é um exemplo de falha de mercado que influi na otimização da relação meio ambiente e atividade produtiva [OMC (1999)]. 58 Sampson (1999b, p. 4) afirma que “os países em desenvolvimento temem que padrões de produção extremamente elevados prejudiquem suas importações.” Wathen (1993) tem receio que os mesmos lobistas que pregam a adoção de padrões ambientais globais insistam que esses paradigmas devam ser fixados em níveis mínimos, o que seria prejudicial ao meio ambiente. 59 Segundo o Código Tributário Nacional, art. 16, “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” Desse modo, não há a obrigação estatal em aplicar o arrecadado com um imposto em determinadas atividades, pois estas espécies tributárias não são vinculadas. Assim, o imposto tem também aplicações que extrapolam a seara de arrecadação de dinheiro, sendo utilizados no controle da balança comercial, no estímulo ou na inibição da produção industrial etc. 60 “A lei de comércio dos Estados Unidos proíbe que empresas estrangeiras façam dumping em seu mercado e impõe automaticamente tarifas quando o dumping é descoberto” [Krugman e Obstfeld (2001)]. 57 medida unilateral que busca considerar o processo de produção, e não apenas o produto final, corrigindo o preço dos bens para que reflitam o prejuízo ambiental causado. Assim, o país exportador será penalizado com a elevação do preço de seus produtos em determinado Estado importador, por não respeitar a natureza na confecção, na colheita ou na manufatura de um bem de consumo61. Esses impostos de importação seriam fixados pelos governos das nações importadoras, tendo em vista a inexistência de organismos internacionais supranacionais que possam interferir o poder de tributar de um Estado. É oportuna a lição de Machado (1998, p. 25), pois segundo este autor “O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta.” Por isso, no exercício dessa soberania, uma nação impõe a seus governados obrigações tributárias para a consecução de seus fins. O imposto de importação é um tributo, em geral, de competência dos governos federais, pois implica no relacionamento destes com as demais nações. O seu fato gerador62 é a entrada de produtos estrangeiros em território nacional. As suas alíquotas podem ser fixadas para cada produto importado, segundo critérios estabelecidos pelo Poder Executivo. Esses parâmetros podem guardar vínculo com a exigência de padrões ambientais mínimos dos produtos que entram no país. Os bens que não respeitarem esses padrões podem ter suas 61 Essa solução é uma variante do princípio Poluidor-Pagador do direito ambiental. Este princípio, consoante Leme Machado (2001), diz que o poluidor deve arcar com os custos de sua atividade, tendo uma clara finalidade preventiva, assim como ocorre com a implantação de um imposto de importação que internalize a degradação ambiental. 62 O fato gerador de um tributo nada mais é do que o seu motivo de cobrança ou a sua motivação. 58 alíquotas elevadas. Desse modo, quando os impostos de importação derivarem da proteção ambiental, são denominados, neste trabalho, de impostos de nocividade. Esse mecanismo de correção dos preços dos produtos importados, segundo critérios ambientais, intitula-se solução fiscal. Charnovitz (1996, p. 192) assinala a possibilidade de no futuro a solução fiscal ser um modelo multilateral baseado em um consenso mundial sobre a necessidade de serem implementadas medidas comerciais para a proteção do meio ambiente, assegurando o poder coercitivo de tratados ambientais. Segundo o autor Se medidas comerciais servem para garantir a utilidade de um tratado, serão necessárias novas medidas no futuro. Uma possibilidade é uma tarifa internacional (ou taxa) aprovada por uma autoridade multilateral e aplicada a bens com base em seus processos de manufatura. Cabe aqui a observação de que este trabalho adota o termo imposto no lugar de taxas ou de tarifas, a fim de se adequar ao direito brasileiro. Taxas, segundo Machado (1998), são espécies de tributo relacionadas ao poder de polícia e à prestação de um serviço público. No caso em estudo, não há serviço público a ser prestado, nem se pode falar em poder de polícia63, pois este resulta do condicionamento e de restrições a direitos e a bens. Tarifas são preços públicos, e não tributos, logo, não são obrigatórias e dependem da utilização efetiva de um bem ou de um serviço. Finalmente, tendo em vista que o Estado brasileiro já utiliza o imposto de importação como auxiliar 63 Consoante Meirelles (2002, p. 127), “Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” 59 na política econômica, especialmente por não depender do Congresso Nacional no caso de aumento de suas alíquotas64, bem como não ser necessário observar o princípio da anterioridade65, crê-se ser este o instituto mais pertinente do ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro. Os impostos de importação nesse caso, também denominados impostos de nocividade, pela tentativa de reduzir a degradação ambiental originada na atividade manufatureira de determinada nação, podem ser considerados exceções ao artigo primeiro e ao artigo terceiro do GATT. Esses dispositivos proíbem que os Estados-membros usem tributos internos para discriminarem produtos em benefício de outras nações ou da produção doméstica. São os chamados princípio da nação mais favorecida e princípio do tratamento nacional. Desse modo, em uma interpretação futura ao artigo vinte do GATT, poderiam ser permitidas discriminações baseadas no processo de manufatura de um produto, desde que com o objetivo de proteção à saúde humana ou ao meio ambiente. É a aceitação das restrições comerciais baseadas nos métodos e nos processos, que consideram o ciclo de produção do bem de consumo. Essa, talvez, seja a opção mais iminente, pois não necessita alterar o texto do GATT, o que do ponto de vista político é complicado, tendo em consideração pressão da comunidade internacional. Portanto, interpretações mais favoráveis à proteção ambiental dentro desse acordo comercial 64 Pode o Poder Executivo majorar esse tributo por Decreto, não necessitando de lei aprovada pelo Poder Legislativo. 65 A Constituição de 1988, em seu artigo 150, inciso III, alínea “b”, veda à União cobrar tributo no mesmo exercício em que foi publicada a lei que o instituiu ou o aumentou. No caso do imposto de importação, a Carta Magna permite à União majorar este tributo diretamente, conforme seu artigo 153, § 1º, como parte da política econômica, que é de competência do Poder Executivo. 60 parecem ser o próximo passo na conturbada relação entre comércio exterior e meio ambiente. 5.2. A Solução Fiscal na Internalização das Externalidades Nos anos que se seguiram à obra de Pigou66, a preocupação com os efeitos das externalidades tem provocado intenso debate sobre como inserir essas nos preços dos produtos, de forma a causar impactos mínimos na economia. Destarte, diante de diversas teorias, surgem debates acerca do melhor modelo de internalização das externalidades. É certo que não se discute mais se o comércio internacional é ou não enfraquecido pela presença das externalidades67. Como já afirmaram Perman et alli (1999), a presença de externalidades prejudica o livre comércio. O que os economistas tentam hoje é encontrar a melhor forma de inserir essas na economia de modo a otimizar os ganhos globais. O modelo pigouviano diz que o desvio do custo marginal social (CMgS), causado pela inserção do custo marginal externo, que é o custo da externalidade, onde só se considerava o custo marginal privado, deve ser corrigido por intermédio de impostos de nocividade ao emissor da externalidade68. Assim, a solução fiscal faz com que o custo marginal externo seja refletido pelo imposto criado, modificando a curva de custo marginal social. Esta, consoante exposto nas considerações feitas ao 66 Autor que propôs os fundamentos da teoria das externalidades, na obra Economics of Welfare, de 1920. 67 Vide conflito entre a visão tradicional, também denominada de trade-off, e a hipótese de Porter, acerca da relação comércio internacional e meio ambiente, na obra de Togeiro de Almeida (2002). 68 É a observância ao princípio do Poluidor-Pagador. 61 gráfico 2.6, tende a uma inclinação mais à esquerda, diminuindo os ganhos líquidos do comércio global. Dessa maneira, como se observa no gráfico 5.1, o imposto (T) criado faz com que o preço original (P), que não refletia a externalidade, seja elevado para P’, e essa diferença (P’ – P) é o valor do tributo. A curva de custo marginal social, derivada da inserção do custo marginal externo, pode, então, ser refletida pelo incremento no preço do produto, o que não acontecia na existência tão-somente do custo marginal privado. Nesse sentido, não havendo a internalização dos males da produção, o preço dos produtos tende a ser inferior ao que realmente deveria significar, gerando vantagens aos países que adotem essa política no cenário do comércio internacional. Essa modalidade de dumping, chamada ambiental, faz com que nações detentoras de políticas de internalização das externalidades sejam prejudicadas pela elevação dos preços de seus produtos. 62 Corrobora essas considerações o exemplo do gráfico 5.2, em que são comparados o comércio internacional entre dois países, PA e PB, com diferenças na produção de um bem Y. PA não insere nos custos a dimensão ambiental, podendo ofertar conforme a curva SPA; enquanto PB, por internalizar as externalidades da produção de Y, possui curva de oferta SPB. Notamos a vantagem comercial de PA, que se reflete no preço de seu produto PPA, inferior ao preço de PB, denominado PPB. Desse modo, com uma demanda internacional D, o preço do produto Y é menor no país PA. Como não é o caso de concorrência justa, com ganhos de eficiência, mas de dumping ambiental, o país PB encontra-se em posição de exigir da comunidade internacional medidas para a correção das desigualdades, como o estabelecimento de impostos mundiais de nocividade nos países que adquirem produtos de PA. Com isso, pressões para a imposição de medidas que reflitam adequadamente o preço dos produtos são demandadas no comércio internacional. Não raramente, as nações centrais 63 impõem impostos de importação sobre produtos de outros Estados com o argumento de que os preços originais estão defasados. Segundo Jackson (1997), os Estados Unidos especializaram-se no estabelecimento de tributos e de subsídios, em resposta ao que consideram “comércio injusto”69. Sempre que surgem práticas comerciais que violem o conceito americano de trocas justas, o gatilho de retaliações é pressionado. Sem dúvida, uma das formas mais utilizadas pelas nações com o intuito de corrigir os preços dos produtos que importam é o imposto. O principal motivo na utilização desses é a relação de coordenação entre os Estados, em que a soberania70 não permite intervenção para a correção dos custos de um país. Desse modo, o importador, por ato interno de soberania, corrige importados sem artificialmente violar a os preços independência de de outro produtos Estado. Também, os impostos, por serem espécies de tributos, servem para aumentar a receita dos governos e proteger interesses domésticos, como a indústria local [Krugman e Obstfeld (2001)]. Com relação aos efeitos da inclusão de um tributo, como o imposto de nocividade, Krugman e Obstfeld (2001) trazem as seguintes observações: a) um tributo eleva o preço do bem no país importador e diminui o preço no país exportador. O importador não contará mais com o excesso de oferta, que vinha do exterior; e o exportador terá um excesso 69 A expressão original é unfair trade. “Os princípios que delimitam a soberania, como o da não-intervenção, são essenciais na mantença de um estado razoável de estabilidade entre as nações” [Shaw (1997, p. 152)]. 70 64 de oferta interna, com redução do preço daquele bem; b) o governo que impõe um tributo aumenta sua receita. Dessa maneira, ao se analisar os excedentes do produtor e do consumidor, um tributo aumenta o excedente do consumidor e diminui o excedente do produtor no país exportador. No país importador os efeitos são inversos, ou seja, há uma diminuição no excedente do consumidor e um incremento no excedente do produtor. Além dessas alterações, o governo ganha parte da receita com o comércio. Alier e Jusmet (2000) acrescentam duas conseqüências na inserção de um imposto de nocividade no comércio internacional. Primeiro, pode o tributo alterar os níveis de produção, diminuindo a degradação ambiental associada a esta atividade. Segundo, podem os Estados exportadores implementar políticas de alteração das técnicas produtivas, tornando-as mais “limpas”. Por conseguinte, as nações que exportam não estariam sujeitas mais aos impostos de nocividade. A fim de analisar melhor esses efeitos, o gráfico 5.3 mostra a variação dos excedentes do produtor e do consumidor, bem como tributação o ganho governamental, em uma política de por parte da nação importadora. O preço de importação Pi aumentaria para P2. A demanda interna diminuiria de D1 para D2, enquanto a oferta interna seria incrementada de S1 para S2, tendo em vista preços mais atrativos para a indústria. Assim, os produtores ganhariam a área amarela, e os 65 consumidores perderiam a área amarela, a marrom e a azul. O governo desta nação teria um aumento de sua receita igual à área azul, apropriada dos consumidores. A área marrom não é apropriada por ninguém, isto é, significa uma perda de eficiência desse sistema [Krugman e Obstfeld (2001)]. Com relação aos efeitos no país exportador, conforme gráfico 5.4, a imposição de um imposto de nocividade faz com que seus produtores percam a área amarela. O preço de exportação Px terá que diminuir para P2 se esta nação quiser exportar, pois este é o preço mundial. Esta terá que reduzir a oferta de S1 para S2, tendo em vista preços menos atrativos no mercado externo. Os consumidores internos provavelmente ganharão, pois o excesso de oferta reverterá em quedas nos preços do mercado doméstico. Neste exemplo, também, há perda no sistema, não apropriada por ninguém, identificada pela área marrom do gráfico. 66 A inter-relação entre comércio e meio ambiente é um dos desafios futuros para o sistema internacional de comércio. A obrigatoriedade da inserção de externalidades na produção parece ganhar força na comunidade global, principalmente sob a forma de tributos ecológicos. A solução fiscal, como visto, pode trazer conseqüências danosas aos países em desenvolvimento, pelo fato dos custos de redução da degradação ainda serem altos nessas nações. O argumento favorável à solução fiscal, por ser um instrumento econômico, é o seu incentivo ao esforço máximo, isto é, o incentivo à busca eterna de formas produtivas menos danosas ao meio ambiente, com vistas a evitar esses tributos. Entretanto, em que pese esse fator positivo, a imposição de mecanismos fiscais pode aumentar ainda mais o abismo econômico entre países ricos e pobres. Além disso, algumas questões técnicas merecem ser feitas à comunidade mundial, caso esta decida favoravelmente sobre a utilização da solução fiscal, bem como seja esse o desejo isolado de alguns países. Qual o nível do imposto a ser fixado, tendo em vista que as nações não detêm informações sobre os 67 custos dos demais Estados, a fim de prever um tributo de nocividade que não deturpe ainda mais o mercado? Como fixar um tributo para cada produto importado que apresente indícios de dumping ambiental? Como individualizar cada tributo para cada exportador? Como inserir a poluição, e não somente a utilização dos recursos naturais, no cálculo dos tributos ecológicos, o que atingiria de forma mais danosa os interesses das nações ricas? Sem dúvida, a solução fiscal pode significar não só o aumento na discrepância da distribuição mundial de riquezas, mas também uma operação técnica impossível de ser atingida. 5.3. A Solução Fiscal e a Eqüidade Como já discutido, a solução fiscal é a possibilidade de as nações corrigirem os preços, por intermédio de impostos de nocividade, dos produtos importados que não respeitam o meio ambiente em sua manufatura. Tais tributos visam à internalização dos males da produção, e tornarão os bens oferecidos pelos países exportadores menos atrativos ao mercado internacional. A conseqüência dessa política é a diminuição das vendas e das receitas dos exportadores, que no caso dos produtos primários e de pouco valor agregado são as nações em desenvolvimento. Estas nações não conseguiram, ainda, arcar com os custos ambientais da mesma maneira que o mundo desenvolvido. Segundo Pearce e Turner (1995), os países periféricos terão maiores dificuldades em se adaptar às exigências de internalização dos custos ambientais pelos seguintes motivos: 68 a) dependem de um modo mais imediato de seus recursos naturais. Não podem esperar avanços tecnológicos e, em sua maioria, nem possuem recursos para adquirir esses avanços, pois suas necessidades imediatas são de sobrevivência; b) dependem em grande parte de combustíveis obtidos da madeira, pois não possuem recursos para substituírem estes por derivados do petróleo ou de outras fontes energéticas. Suas atividades produtivas tendem a utilizar esse recurso natural de forma insustentável; c) a necessidade urgente de terras para a produção agrícola ou para a mineração ultrapassa a exigência de conservação desses espaços. Derani (1997) também assinala que os países do Sul encontram-se em desvantagem pelos baixos preços impostos aos seus produtos de exportação, constituídos em sua maioria por matérias-primas e bens de manufatura simples. Se esses produtos não proporcionarem excedentes maiores aos países em desenvolvimento, não há como estes alterarem seus modos de produção, pois os custos na obtenção de técnicas e meios mais ecológicos não compensarão os ganhos com o comércio destes artigos. Como cada vez mais a relação de comércio entre as commodities primárias e as de alto valor agregado torna-se desproporcional, significa que os países do Sul devem produzir cada vez mais para adquirirem os mesmos produtos do Norte. Young e Lustosa (2002, p. 44) manifestam que os países periféricos especializaram-se na exportação de produtos 69 primários e de produtos de baixo valor agregado, com grande potencial de contaminação ambiental, pois a industrialização que se espalhou para a periferia estava baseada em padrões tecnológicos intensivos em recursos naturais e energia, obtida principalmente pela queima de combustíveis fósseis. Essa base energética está associada a problemas de poluição ambiental em todos os seus níveis: globais – por serem os responsáveis pela intensificação do efeito estufa, transfronteiriços – como chuvas ácidas e locais – a degradação da qualidade ambiental dos solos, dos corpos hídricos e da atmosfera. A industrialização periférica passou a se caracterizar cada vez mais pela produção e exportação de commodities de baixo valor agregado, mas com elevados níveis de poluição industrial, devido aos processos e métodos de produção adotados. Esses economistas, no caso da América Latina (AL), demonstram, tabela 5.1, que a dependência das exportações de produtos primários ainda é muito grande, especialmente para a União Européia (UE). Quaisquer mudanças nos preços desses produtos terão impactos sensíveis nas economias da AL, o que pode acontecer caso sejam inseridos os custos ambientais na produção dessas commodities. Ao se considerar que a exportação de produtos primários pelos países em desenvolvimento produz determinado nível de poluição, como asseveraram Young e Lustosa, pode-se prever que a inserção de tributos de importação baseados em padrões ambientais prejudicaria com intensidade as receitas da AL. Considerando o ano de 1997, o reflexo desses impostos perturbaria quase um quarto das exportações para a UE e quase metade para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), demonstrando a prejudicialidade dessa medida às economias latino-americanas. 70 Tabela 5.1 – Índice de dependência de produtos primários das exportações latino-americanas por área de destino – 1987/1997 Ano Para: EU Para: NAFTA Para: AL 1987 53,9% 31,3% 28,4% 1988 48,2% 25,8% 23,4% 1989 45,0% 28,8% 25,1% 1990 45,9% 31,3% 27,4% 1991 45,8% 28,9% 26,4% 1992 45,2% 27,0% 22,5% 1993 43,2% 25,1% 18,8% 1994 44,8% 23,5% 19,8% 1995 43,6% 24,0% 20,2% 1996 42,2% 23,6% 22,9% 1997 43,9% 23,1% Fonte: Young e Lustosa (2002). 22,0% Interessa, ainda, outro dado no estudo retrocitado, chamado índice de toxicidade71 (IT) dos produtos industriais. A análise dos dados entre 1987 e 1997 demonstra um crescimento do IT dos produtos exportados pela AL em relação às importações. Destarte, conforme tabela 5.2, o IT por região de destino no mundo mostra uma queda nas exportações para o NAFTA72 e para a própria AL, e os maiores níveis de toxicidade ocorrem dentro da AL. Considerando que há uma tendência de elevação do IT dos produtos exportados pela AL para a UE, novamente pode-se prever diminuição na renda desses países com a inserção de tributos ecológicos. 71 Esse índice é “medido pela relação linear de intensidade de toxicidade humana aguda (ILITHA), desenvolvido pelo Banco Mundial.” [Young e Lustosa (2002, p. 45)]. 72 O North American Free Trade Agreement engloba os Estados Unidos, o Canadá e o México. 71 Tabela 5.2 – Índice de Toxicidade das exportações industriais latinoamericanas por área de destino – 1987/1997 Ano Para: EU Para: NAFTA Para: AL 1987 7,2 6,6 12,6 1988 7,6 6,9 13,0 1989 8,1 7,1 12,4 1990 7,8 6,8 11,6 1991 7,5 6,6 12,1 1992 6,9 6,6 10,8 1993 6,9 6,2 9,9 1994 7,5 6,2 10,1 1995 8,4 6,1 11,0 1996 7,7 5,7 10,9 1997 8,1 5,5 Fonte: Young e Lustosa (2002). 10,5 É digno de menção outro trabalho que analisa as barreiras comerciais que podem ser impostas pelo Norte ao Sul em desenvolvimento, denominado Environmental Product Measures: Barries for South-North Trade? Segundo seus autores, Verbruggen et alli (1998, p. 1) Existe uma discussão crescente dentro da OMC acerca da extensão e das circunstâncias em que medidas ambientais devam ser permitidas e aplicadas às importações, baseadas em como os produtos são produzidos ou processados. Acrescentam, ainda, que “existem pressões do Norte para a harmonização de padrões de produção.” Baseados nesses cenários de aceitação pela OMC de medidas ambientais ao comércio internacional, bem como de uma possível implementação de padrões internacionais de produção, esses autores desenvolveram um trabalho que visa a investigar o 72 impacto de ações dessa natureza sobre as exportações de países em desenvolvimento. Para tanto, foram desenvolvidos dois índices que objetivam determinar a freqüência e a cobertura de medidas ambientais sobre os produtos exportados pelas nações em desenvolvimento à União Européia (UE). O primeiro, denominado Índice de Freqüência para Medidas Ambientais (FIEM), mensura a porcentagem de produtos exportados que são sujeitos a restrições ecológicas. O segundo, chamado Índice de Cobertura para Medidas Ambientais (CIEM), mede o quanto do total monetário exportado é sujeito a medidas ambientais. Os padrões adotados no estudo de Verbruggen et alli para a adoção de medidas ambientais são os da Alemanha, considerados representativos de toda a UE. Isso se deve ao fato de que essa nação tem a legislação ambiental mais avançada na Europa, o que sinaliza para a futura adequação da União Européia a esse modelo. Assim, os resultados hipotéticos do estudo acerca do FIEM e do CIEM, que têm como parâmetro a legislação alemã, indicam o futuro desses índices para toda a UE. Verbruggen et alli apresentam na tabela 5.3 os índices FIEM e CIEM hipotéticos das exportações provenientes de países em desenvolvimento para a União Européia. Os dados utilizados foram gerados em 1992 para três tipos de medidas ambientais. Nesta dissertação o objetivo é utilizar as informações provenientes somente de medidas ambientais de natureza econômica, como acontece com a inserção de tributos ecológicos. 73 Tabela 5.3 – FIEM e CIEM hipotéticos para as exportações de países em desenvolvimento à União Européia. MEDIDA ECONÔMICA REGIÃO FIEM CIEM África 0,02 0,08 Ásia 0,01 0,02 América Latina 0,01 0,03 Mundo em desenvolvimento 0,01 0,04 Fonte: Verbruggen et alli (1998) Ressalta-se que as medidas obtidas no trabalho desses autores não foram fruto de restrições ambientais efetivamente impostas pela União Européia às exportações dos países em desenvolvimento. São dados hipotéticos baseados em informações do GREENTRADE Information System73. Esse estudo é, na verdade, uma simulação sobre o que pode ocorrer com as exportações do mundo em desenvolvimento caso a Europa adote os padrões ambientais da Alemanha e desde que a Organização Mundial do Comércio tenha revisto o princípio da não discriminação no comércio internacional. A econômicas, análise desses especialmente dados salienta tributárias, que medidas prejudicariam as exportações dos países em desenvolvimento. O FIEM para essas nações é de 0.01, o que significa que 1% de todas as exportações sofreria restrições no comércio com a UE. Com 73 O GREENTRADE Information System é um banco de dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) sobre instrumentos de política ambiental e seus impactos no comércio mundial. 74 relação ao volume total de dinheiro arrecadado com as exportações por esses Estados, o índice CIEM mostra que 4% desse montante poderia ser objeto de restrições ambientais. O estudo citado mostra a proporção de exportações de países em desenvolvimento que seriam objeto de restrições ambientais na União Européia. Isso significaria perda de divisas para as nações pobres, o que se reverteria na diminuição de recursos para a aplicação em setores essenciais, necessários para a diminuição do abismo social presente nesses Estados. Portanto, com base nos trabalhos examinados, medidas ambientais de caráter tributário, como a solução fiscal, podem diminuir o acesso aos mercados internacionais das nações periféricas. Segundo Claussen e McNeilly (1998, p. 9), haverá uma violação do conceito de eqüidade caso sejam adotadas ações restritivas de caráter ambiental aos produtos do Sul. Podese inferir do texto desses autores que os países do Sul deveriam ser beneficiados com prazos maiores para a adequação a essas medidas, pois normalmente “aos países em desenvolvimento são dadas maiores flexibilidades e períodos mais longos de transição para a adesão de decisões da OMC.” O princípio eqüitativo prega que na aplicação de quaisquer decisões devem ser considerados os desequilíbrios entre as nações. Ao se restringir as exportações de produtos originários do Sul, com base em padrões do Norte desenvolvido, viola-se tal princípio, por não se considerar as diferenças nos meios de produção dessas regiões. 75 CAPÍTULO 6 CONCLUSÕES O comércio mundial tem passado por transformações diversas, motivadas pelos avanços tecnológicos, pela diminuição dos custos de produção, pela melhoria dos meios de transportes, pela criação de organismos internacionais relacionados à mercancia global; enfim, pela formação de uma nova sociedade. Esse novo modelo social, denominado Comunidade Global74, advém de uma grande interação entre os povos observada na atualidade, em que as necessidades de consumo superaram os limites da produção doméstica. Hoje, todos querem adquirir as mais exóticas mercadorias, pois a dimensão interna dos mercados transformou-se na dimensão mundial, onde não existem demarcações do que é possível comprar ou vender. A teoria ricardiana das vantagens comparativas auxiliou essa nova ordem mundial no comércio, promovendo o intercâmbio entre as nações com base em suas especificidades para o crescimento do bem-estar global. Assim foi pregado pelos organismos internacionais de comércio, bem como por doutrinadores econômicos e políticos que viam nessas trocas mercantis a solução para o crescimento das economias e para a estabilização política do Planeta. Apesar de a teoria econômica comprovar os ganhos que a comunidade mundial tem com o incremento do comércio internacional, percebe-se que o proveito para todos pode ser bem menor que o esperado, e até mesmo inexistente. 74 Termo utilizado pelo Relatório da Comissão sobre Governança Global (1996) das Nações Unidas. 76 Descobriu-se que não adianta obter ganhos econômicos se o lugar de desfrute desses lucros – que é o planeta Terra – estiver contaminado de modo a inviabilizar a vida. Desse modo, surge um recente campo a ser explorado por pesquisadores econômicos: o estudo das externalidades. Esses males, originados na atividade produtiva, trazem uma nova perspectiva do comércio internacional, mostrando agora a relação perversa entre o incremento das trocas mundiais e a degradação do meio ambiente. Essa preocupação extrapolou o interesse acadêmico e já é percebida na Organização Mundial de Comércio [Buchner e Roson (2002)]. O desejo de liberalizar o intercâmbio mercantil internacional, outrora a única inquietação daquele órgão, passa neste momento por um processo de questionamento, que pode ser resumido em: como fomentar o comércio mundial sem que haja tamanha destruição da base natural do Planeta? A partir dessa preocupação, as nações do Norte têm procurado formas de produção mais “limpas”, o que aumenta os custos de seus produtos. Os estados em desenvolvimento ainda não dispõem de recursos para a transformação dos seus meios produtivos, motivo pelo qual suas commodities tendem a ter menores preços no mercado internacional. Isso tem despertado a aversão das nações mais ricas, que alegam haver dumping no comércio mundial. Essa opinião tem merecido cada vez mais atenção dentro da OMC, vislumbrando-se alterações no texto do GATT, ou em sua interpretação, especialmente acerca do Princípio da não-discriminação. É crescente a corrente de que um produto 77 somente deve ser considerado similar a outro se os ciclos de produção forem idênticos. Considerando que o processo produtivo para os mesmos produtos são diferentes nas nações ricas e pobres, abre-se a possibilidade de o Norte limitar a entrada de bens advindos do Sul com base na alegação de que estes foram manufaturados sem a preocupação ambiental adequada e, por isso, não são similares aos mesmos bens produzidos em nações centrais. A participação dos países periféricos no comércio mundial pode, com base nesses argumentos, diminuir ainda mais, reduzindo a porção desses povos na riqueza internacional. O que pode significar uma melhor atenção aos problemas ambientais derivados da produção, também pode exprimir mais pobreza em um Planeta onde aproximadamente 40% de seus moradores vivem em absoluta miséria [Dore (1996)]. Por tudo isso, esta dissertação insere outra perspectiva na análise do comércio internacional e de sua relação com o meio ambiente. Trata-se do exame da eqüidade entre as nações, que considera qualquer política de concentração de riquezas prejudicial ao bem-estar da sociedade mundial. A imposição de regras mais severas, ainda que de caráter ambiental, diminuirá a participação do mundo em desenvolvimento nas trocas mercantis entre as nações, aumentando o fosso entre pobres e ricos no Planeta. Booth (1993), ao pesquisar os limites éticos da economia ambiental, assevera que esses extremos podem ser influenciados pela visão que a comunidade tem do meio ambiente. Se considera a natureza um ente moral, com valor por si só; ou se o meio ambiente é instrumental, ou seja, somente o 78 homem tem valor moral e a natureza é um bem que está a serviço da utilidade humana. Esse autor conclui que, conjugando essas duas percepções, a preservação ambiental deve ser prioridade quando todos os homens estiverem acima da linha do mínimo desejável para a vida. Caso estejam abaixo desse ponto, a prioridade deve ser dada ao bem-estar do indivíduo. Outrossim, um dos princípios delineadores da Teoria da Justiça, de Jonh Rawls (1981), é o do maximin. Significa que as desigualdades econômicas devem ser arranjadas de forma a beneficiar aqueles que se encontram em pior situação na sociedade [Dore (1996)]. É o princípio da diferença, que se assemelha ao princípio da igualdade, com o objetivo de tratar a todos diferentemente conforme suas dessemelhanças. Faucheux e Noël (1995, p. 49) ressaltam essa idéia de justiça rawlsiana, que consiste em “maximizar a utilidade da categoria da população menos favorecida.” Ao se notar que essa população está presente em sua maioria nos países em desenvolvimento, pode-se inferir que, segundo os autores supracitados, a aplicação da teoria econômica que trata das externalidades no comércio internacional deve sofrer limitações éticas, que estão relacionadas ao bem-estar dos mais pobres. Não adiantam medidas protetoras da base natural do Planeta se estas piorarem a situação dos hipossuficientes, isto é, daqueles com situação econômica fraca. A diminuição dos ganhos, pela redução na participação do comércio mundial, aumentará os problemas de pobreza nas nações do Sul, o que demonstra a clara violação a preceitos de justiça, ainda que fundados em uma preocupação ambiental. Como já citado, Booth admite a prioridade do meio ambiente somente se todos os seres 79 humanos estiverem vivendo acima do padrão mínimo de uma existência digna. A solução fiscal é uma regra ambiental que violará esses preceitos morais. Não há eqüidade nesse modelo tributário, ferindo o princípio da diferença de Rawls, pois haverá a maximização da utilidade da população mais rica, que são os países desenvolvidos. Os dados analisados neste trabalho demonstram que medidas ambientais, como a inserção de impostos de nocividade, poderão exigir incrementos nos custos de produção das nações em desenvolvimento, sob pena de terem suas commodities confinadas ao comércio doméstico. Entretanto, parte desses Estados não dispõe dos fatores necessários a uma mudança rápida no modelo de manufatura, essenciais a uma indústria moderna, que são capital e mão-de-obra especializada. Há, assim, uma barreira para que essas nações consigam economias de escala, características de países ricos e que permitem investimentos cada vez mais vultosos na atividade produtiva [Krugman e Obstfeld (2001). É bom salientar que a solução fiscal é uma força extrema que auxilia a imposição de valores éticos de uma sociedade sobre outra. Isso obriga determinada população a aceitar os preceitos morais de outrem sob a ameaça de perderem algo importante. Considerando que as nações pobres encontram-se em situação de desvantagem no comércio internacional em relação às nações ricas, pode-se prever que os seus valores éticos serão substituídos pelos dos Estados centrais, a fim de não terem o acesso de seus produtos dificultados nos mercados destes países. Bhagwati (1983, p. 171) chama a atenção para essa forma de eco-imperalismo, “quando as nações 80 fortes usam o poder comercial para obrigar as nações mais fracas a aceitarem seus valores”. A eficiência na utilização dos recursos naturais é pregada pelo Norte como motivo para a mudança da base produtiva dos países pobres, sob pena destes serem prejudicados no comércio mundial. Devem estes atingir seus objetivos comerciais de forma a prejudicarem o mínimo possível o meio ambiente. Contudo, como descreve Rawls (1981, p. 74), na justiça como eqüidade, os princípios de justiça têm prioridade sobre as considerações de eficiência e, portanto, grosso modo, os pontos interiores que representem distribuições justas, serão, geralmente, preferíveis a pontos de eficiência que representem distribuições injustas. Logo, a inserção de uma nova perspectiva na análise entre o comércio internacional e o meio ambiente é necessária, a fim de atender ao princípio da eqüidade, ou da justiça. As objeções levantadas pelas nações ricas ao tipo de mercancia praticado pelos Estados periféricos devem mudar de direção. Não existe mais espaço para políticas que visem à uma maior concentração de renda pelos países desenvolvidos. Portanto, faz-se urgente a alteração do enfoque dado ao comércio mundial e ao meio ambiente. Deve-se estimular a preservação ambiental, mas não a qualquer custo social. A diminuição na participação das trocas globais pelas nações pobres não é justificada pela proteção ambiental, pois os problemas relacionados à pobreza também impõem muita pressão sob o meio ambiente [Mueller (2001)]. A eficiência econômica na produção, se ainda não for possível, deve dar 81 lugar à eqüidade, pois aquela não se justifica caso inexista benefícios à população mais pobre da sociedade internacional. Por fim, seriam importantes estudos acerca da viabilidade na implementação da solução fiscal. Como realizar essa medida sem que haja incremento das desigualdades entre as nações? Considerando o caráter multilateral das relações internacionais, como capacitar a OMC, ou outra organização internacional, para a fixação de tributos ambientais na seara global? Quais as outras medidas que poderiam ser adotadas pela sociedade internacional para a mitigação do problema? Quais os resultados teóricos dessas novas medidas em comparação com a solução fiscal? Como inserir toda a dimensão ambiental, incluindo também a poluição, na fixação de medidas fiscais? 82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALI, Asghar. A conceptual framework for environmental justice based on shared but differentiated responsibilities. Norfolk: The Center for Social and Economic Research on the Global Environment, 2001. ALIER, J. M.; JUSMET, J. R. Economía ecológica y política ambiental. México: PNUMA, 2000. p. 433-435. AMADO, A. M. Globalização, liberalização e o problema regional no Brasil. Política Comparada, vol. I, n. 2, 1997. BAUMOL, W.; OATES, W. The theory of environmental policy. 2ª ed. 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