associados a sicônios de Ficus clusiifolia (Moraceae)
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associados a sicônios de Ficus clusiifolia (Moraceae)
BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 14:5-12 DEZEMBRO DE 2002 5 Agaonidae (Hymenoptera, Chalcidoidea) associados a sicônios de Ficus clusiifolia (Moraceae) da restinga de Três Praias, Guarapari, Espírito Santo, Brasil Gustavo Schiffler1, Celso Oliveira Azevedo1, Ricardo Kawada1 RESUMO: Foram encontrados quatro gêneros de Agaonidae associados a sicônios de Ficus clusiifolia Summerhayes, 1929, em uma área da restinga de Três Praias, Guarapari, Espírito Santo, Brasil. Foi descrito e ilustrado seu polinizador, Pegoscapus clusiifolidis sp. nov., incluídas observações preliminares da biologia dos agaonídeos associados e discutidas algumas notas sobre fenologia da planta. Palavras-chave: Agaonidae, restinga, Ficus clusiifolia, Brasil. ABSTRACT: Agaonidae (Hymenoptera, Chalcidoidea) associated to syconium of Ficus clusiifolia (Moraceae) from Três Praias, Guarapari, Espírito Santo, Brazil. Four genera of Agaonidae were found associated to Ficus clusiifolia Summerhayes, 1929, from a sand coast plain site of Guarapari, Espírito Santo, Brazil. The plant pollinator Pegoscapus clusiifolidis sp. nov. is described and illustrated. The preliminary biological observations of the agaonids are included. Some topics of the plant phenology are discussed. Key words: Agaonidae, sand cost plain, Ficus clusiifolia, Brazil. Introdução Existem aproximadamente 750 espécies conhecidas do gênero Ficus Linnaeus, 1753 (Moraceae) em todo mundo e cada espécie é intimamente associada a uma espécie de vespa polinizadora da família Agaonidae, Hymenoptera (Boucek, 1988; Wiebes, 1979). Apesar de existirem espécies de Pteromalidae, de Torymidae e de Eurytomidae (Chalcidoidea) associadas a sicônios de Ficus, são os Agaonidae da subfamília Agaoninae os mais especializados na polinização desta planta (Boucek, 1993). Os Agaoninae polinizadores ovipõem no interior dos sicônios fechados, morrendo após a ovipostura (Gibernau et al., 1996), sendo que seus ovos eclodem nos ovários florais. Os machos são ápteros e ficam Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Biologia, Av. Marechal Campos 1468, Maruípe, 29.040-090 Vitória ES, Brasil. 1 6 SCHIFFLER ET AL.: AGAONIDAE DE FICUS CLUSIIFOLIA permanentemente dentro do sicônio, fecundam as fêmeas e fazem aberturas no sicônio, por onde as fêmeas saem (Patel, 1998). A fêmea leva também o pólen para outra inflorescência (Herre, 1989). Dois gêneros de Agaoninae são citados como nativos para o Novo Mundo, Tetrapus Mayr, 1885 e Pegoscapus Cameron, 1906. Gêneros como Blastophaga Gravenhorst, 1827, Eupristina Hill, 1967 e Pleistodontes Saunders, 1883 foram introduzidos recentemente (Boucek, 1993). Espécies de Agaonidae das subfamílias Otitesellinae e Sycophaginae podem atuar como parasitóides destes polinizadores. Tais vespas ovipõem externamente ao sicônio, colocando ovos em ovários que podem estar ocupados por ovos de polinizadores (Abdurahiman & Joseph, 1978; Abdurahiman, 1986; Bronstein, 1991; Compton et al., 1994). Ainda não se conhece a composição de Agaonidae nas restingas do litoral brasileiro e tão pouco sua biologia. O objetivo deste trabalho foi apresentar um levantamento de gêneros e/ou espécies da fauna de Agaonidae associada a sicônios de F. clusiifolia da área de restinga do Balneário de Três Praias, Guarapari, Espírito Santo, Brasil, além de conhecer aspectos básicos biologia destes insetos e da frutificação da planta. Material e Método Foram realizadas visitas quinzenais no período de 30.IX.1999 a 30.IX.2000, a uma área de formação halófita, sob forte influência antrópica, onde há quatro indivíduos de Ficus clusiifolia Summerhayes, 1929, variando entre 12 e 18 m de altura. A cada visita, foram anotados os dados relativos à frutificação de todas árvores de Ficus da área. As coletas de sicônios foram feitas através da poda de galhos frutificados. A retirada dos sicônios dos galhos foi realizada no campo. Os sicônios foram individualizados em frascos pequenos e mantidos em laboratório para criação. Os insetos eclodidos foram capturados com um aspirador entomológico e conservados em álcool 70%. Os exemplares capturados foram depositados na Coleção Entomológica da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Resultados e Discussão Os gêneros de Agaonidae associados a sicônios de F. clusiifolia foram os seguintes: Pegoscapus Cameron, 1906 da subfamília Agaoninae, BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 14. 2002 7 Heterandrium Mayr, 1885 e Aepocerus Mayr, 1885 da subfamília Otitesellinae e Idarnes Walker, 1843 da subfamília Sycophaginae. Pegoscapus Cameron, 1906 O gênero Pegoscapus possui 52 espécies descritas para as Américas, da Flórida à Argentina (Wiebes, 1995). Esta é a primeira citação de uma espécie de Pegoscapus associada a F. clusiifolia. Pegoscapus clusiifolidis Schiffler & Azevedo sp. nov. Descrição da fêmea: comprimento do corpo 1,62 mm; comprimento da asa anterior 0,95 mm. Cor: cabeça preta, antena preta com escapo e pedicelo castanhos, dorso do corpo preto, coriáceo, pouco mais claro ventralmente até a tíbia, tarsos castanhos; metasoma preto polido; mucro castanho. Cabeça (Fig. 1): trapezoidal, com a região do vértice mais larga que a face, 1,1 x mais larga que longa e 1,84 x menor do que a fronte, vértice retilíneo, com cantos arredondados. Olhos elípticos, 2 x mais longo do que a gena, mais próximos da crista do vértice do que da margem basal da mandíbula. Antena com onze segmentos; escapo angulado na margem ventral, sensilas longitudinais, segmentos medianos com 5 sensilas em cada face, 4 sensilas longas em cada face do segmento claval. Mandíbula com fileira de pêlos na margem dorsal e ventral, espessa na base e laminar horizontal no ápice, bidentada, dente externo distintamente mais longo do que o interno. Apêndice mandibular com 9 lamelas ventrais. Gena e pós-gena pilosas. Forâmen occipital com carena forte na margem dorsal. Mesosomo (Fig. 1): coriáceo, asa anterior (Fig. 2) 1,97 x mais longa do que larga; nervura pós-marginal ausente; nervura estigmal em ângulo reto com a marginal. Tíbia anterior com um pente espinhos distais. Tíbia posterior com um dente tricúspide antiaxial. Mesopleura com bolsa de pólen arredondada, ocupando a maior parte da área anterior da mesopleura. Metasomo (Fig. 1): Valvas do ovipositor maiores que o metasomo. Descrição do macho: comprimento do corpo 1,8 mm. Cor: corpo castanho, olhos pretos. Cabeça: 0,96 x mais larga que longa. Olho arredondado, 3 x mais longo que a gena. Mesosomo: pronoto, posteriormente, 0,96 x mais largo que longo. Meso-metascuto, anteriormente, 0,85 x mais largo que longo. Propódeo SCHIFFLER ET AL.: AGAONIDAE DE FICUS CLUSIIFOLIA 1 2 8 Figs. 1-2. Pegoscapus clusiifolidis sp. nov. 1. Corpo, vista lateral; 2. Asa anterior. (escala = 123 mm). BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 14. 2002 9 4 x mais largo que longo. Tíbia com quatro dentes antiaxiais; protuberância dentiforme na base externa; garras tarsais tetradentadas; os dois dentes mais externos distintamente maiores do que os demais. Material examinado: holótipo, fêmea, BRASIL, Espírito Santo, Guarapari, Três Praias, árvore 02, 25.XI.1999, C.O. Azevedo & G. Schiffler col. (UFES). Parátipos: BRASIL, 33 fêmeas e 9 machos, mesmos dados do holótipo (UFES). Variações: comprimento do corpo das fêmeas 1,45-1,62 mm e da asa anterior 0,95-1,0 mm. Observações: foram encontradas asas e antenas entre as escamas do ostíolo dos sicônios, com exemplares no seu interior destes sicônios. Tal comportamento foi observado por Gibernau (1996) para polinizadores. Também, foram encontrados fêmeas e machos no interior dos ovários que apresentam orifícios de saída arredondados e apicais. Etimologia: nome refere-se à planta hospedeira da vespa. Heterandrium Mayr, 1885 O material da série tipo de várias espécies de Heterandrium é proveniente de Blumenau, Santa Catarina, Brasil (Boucek, 1993). Segundo este autor, as espécies deste gênero não apresentam especificidade quanto ao hospedeiro, e sim quanto ao tamanho do sicônio. Foram observadas duas espécies não determinadas. Uma delas, provavelmente, é uma espécie nova por apresentar funículo da antena com o primeiro e terceiro segmentos aneliformes, o segundo e os três segmentos distais subquadrados e clava com três segmentos fundidos. Segmentos aneliformes alternados com segmentos subquadrados é uma característica peculiar dentro do gênero. Aepocerus Mayr, 1885 Oito espécies deste gênero são citadas para o sul do Brasil (Boucek, 1993). Observamos, em laboratório, fêmeas fora do sicônio, introduzindo o ovipositor repetidas vezes em pontos distintos da superfície, possivelmente, para escolher um local para postura. A estratégia de Aepocerus parece indicar que esta espécie exerce certa interferência sobre a polinização, já que suas espécies podem ser parasitóides do polinizador ou inquilinos do fruto, mas sem exercer função de polinização. Pouco se sabe a respeito do impacto de vespas não polinizadoras sobre a 10 SCHIFFLER ET AL.: AGAONIDAE DE FICUS CLUSIIFOLIA redução do sucesso reprodutivo de vespas polinizadoras e de figueiras (Kerdelhué & Rasplus, 1996; West et al., 1996). Idarnes Walker, 1843 Segundo Hanson & Ramirez (1995), as espécies deste gênero são galhadoras de sementes, com dependência íntima em relação aos polinizadores, pois as flores de Ficus não polinizadas são abortadas pela planta. O gênero Idarnes conta com, aproximadamente, 30 espécies na Costa Rica (Hanson & Ramirez, 1995), onde suas espécies estão restritas a algumas espécies de figueira (Gordh, 1975). De Santis (1980) cita a ocorrência de oito espécies para o Brasil, sete delas para Santa Catarina e uma para a Ilha de Fernando de Noronha. Foi encontrado exemplares de Idarnes em quantidade em Ficus eximia em áreas de Campinas/SP e Londrina/PR (Pereira et al., 2000). Foram encontradas duas espécies deste gênero. Uma delas com ovipositor quase duas vezes maior do que o ovipositor da segunda, esta última com proporções corporais menores. Foi observada uma fêmea de Idarnes com ovipositor longo ovipondo externamente ao sicônio. Em 15 minutos, foram observadas 6 introduções do ovipositor no sicônio. Ficus clusiifolia Summerhayes, 1929 Observou-se que as árvores de Ficus clusiifolia, na área estudada, alternam sua frutificação em intervalos de 30 dias entre uma planta e outra durante a primavera, o verão e o outono. Durante o inverno não foi observada frutificação nas árvores estudadas. O tempo de desenvolvimento do sicônio desta espécie até a eclosão dos insetos é de cerca de 30 dias. As populações de Ficus de regiões tropicais apresentam geralmente pelo menos alguns indivíduos com sicônios, como observado em Ficus da Reserva de Santa Genebra (Figueiredo, 1995). Tal estratégia traz um mútuo benefício, pois a sobrevivência dos Agaonidae depende da contínua existência de sicônios e, por outro lado, garante a presença de polinizadores para as plantas ao longo de todo ano (Figueiredo, 1995; Hanson & Ramirez, 1995). A falta de plantas com frutificação no período de inverno em Três Praias pode estar associada ao fato de a população local de Ficus clusiifolia ser representada por apenas quatro indivíduos. Este número reduzido de Ficus na área pode significar um grave problema na manutenção de suas vespas polinizadoras e BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 14. 2002 11 conseqüente aumento da população da planta. Logo, quando da elaboração de propostas de manejo e conservação de áreas de preservação ambiental, deve-se ter a preocupação em manter um número mínimo de indivíduos de F. clusiifolia para que seja garantida a viabilidade da população de seu polinizador, como sugerido para outras espécies de figueiras por McKey (1989), apesar destas árvores produzirem uma quantidade muito grande de sicônios viáveis. Referências Bibliográficas ABDURAHIMAN, U. C. 1986. Biology and behaviour of Phlotrypesis pilosa Mayr (Torymidae). Bull. Entomol., 27: 121-127. ABDURAHIMAN, U. C. & JOSEPH, J. 1978. Biology and behaviour of Apocrypta bakeri Joseph (Torymidae), a cleptoparasite of Ceratosolen marchali Mayr (Agaonidae). Entomon, 3: 31-36. BOUCEK, Z. 1988. Australasian Chalcidoidea (Hymenoptera). C.A.B. International, London, UK, 832p. BOUCEK, Z. 1993. The genera of chalcidoid wasp from Ficus fruit in the New World. J. Nat. Hist., 27: 173-217. BRONSTEIN, J. 1991. 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