iii congresso de educação dom bosco

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iii congresso de educação dom bosco
3
III CONGRESSO DE EDUCAÇÃO
DOM BOSCO
21 a 25 de julho de 2008
Ciência, tecnologia e sociedade:
ressignificação de saberes e práticas
III CONGRESSO DE EDUCAÇÃO
DOM BOSCO
21 a 25 de julho de 2008
Ciência, tecnologia e sociedade:
ressignificação de saberes e práticas
Comissão organizadora
Anneliese Alcoba Ruiz
Júlio César Wojciechowski
Laurilea Mafra de Souza Galdi
Marineide Look Azevedo
Samira Dib
Simara Fantinato Ferraz
Comissão de programação e avaliação científica
4
Durval Antunes Filho
Lucélia Secco
Nair Lobo Pacheco
Rita Egashira Vanzela
Rosane de Mello Santo Nicola
Samira Dib
Comissão de comunicação
Edson José de Oliveira Santos
?
Sumário
Apresentação
6
I
Ciência e cultura: o resgate da pesquisa sobre a natureza para a esfera pública –
Marcelo Leite
9
II
Programa Imagine Learning – relato de experiência em produção de tecnologia
educacional – Clydie Wakefield e Joseph Kennedy
...
III
5
Construção, fixação e reforço de conhecimentos matemáticos com a utilização de
recursos informatizados - Gilmar Bornatto
...
IV
Múltiplos olhares sobre o exame nacional da Irlanda: um estudo de caso em
geografia – Cibele de Cássia Xavier, Nair Lobo Pacheco e Rosane de Mello Santo
Nicola
...
V
O cinema como recurso pedagógico: uma reflexão sobre a linguagem
cinematográfica e seu uso metodológico em sala – Rafael Hauer
...
VI
Estação da memória: relato de uma experiência de capacitação de professores de
história nas séries iniciais - Maria Cristina Lindstrom
VII
Revisão textual-interativa em editor de texto – Rosane de Mello Santo Nicola
...
6
Apresentação
As tecnologias nos ajudam a realizar o que já fazemos ou
desejamos. Se somos pessoas abertas, elas nos ajudam a ampliar a
nossa comunicação; se somos fechados, ajudam a controlar mais. Se
temos propostas inovadoras, facilitam a mudança.
José Manuel Moran, 2006.
Um congresso nasce, principalmente, da necessidade de se
refletir sobre um fato, um fenômeno, uma questão que se coloca em
dado contexto para determinado grupo social. O Colégio Dom Bosco
reúne novamente suas equipes de professores e gestores para refletir
sobre múltiplos e diferenciados usos para as tecnologias, no período
de 21 a 25 de julho de 2008 na Sede Batel. A temática do III
Congresso de Educação Dom Bosco centra-se, portanto, na tríade
ciência, tecnologia e sociedade.
Essa temática se justifica, inicialmente, pelos desdobramentos da
tradição do pensamento grego, que separou a techné da epistéme, e,
mais recentemente, pelos resultados da certeza do século passado,
que hoje parece ser ainda convicção: a melhoria imperativa da
qualidade de vida pelo progresso da tecnologia dispensa qualquer
questionamento. Cabe enfrentar esse pressuposto e buscar os elos
para a melhoria da aprendizagem, naturalmente contando com a
motivação do sujeito que se defronta com os “objetos” da tecnologia.
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Cabe, portanto, conceituar as três dimensões desse congresso.
Ciência é entendida aqui como atividade humana que busca controlar
o ambiente e a nós mesmos, estando intimamente relacionada à
tecnologia e às questões sociais. Sociedade é concebida como aquela
que busca desenvolver, no público em geral, e também nos cientistas,
uma visão operacional sofisticada de como são tomadas decisões
sobre problemas sociais relacionados à ciência e à tecnologia.
Finalmente, compreende-se a tecnologia como sistemas produtivos
que se estendem dos equipamentos às operações, aos produtos e
processos.
Além disso, percebe-se a importância de se formar um aluno
preparado para tomar decisões inteligentes e que compreenda a base
científica da tecnologia e a base prática das decisões. Para tanto, fazse necessário um professor que desenvolva o ‘conhecimento de’ e o
‘comprometimento com’ inter-relações complexas entre ciência,
tecnologia e decisões.
A educação passa pelas mesmas mudanças da sociedade. São
diversas as reestruturações, novas propostas pedagógicas, tudo para
fazer com que a educação acompanhe o ritmo da evolução e atenda
melhor os alunos.
Para dar melhor qualidade à educação é preciso melhorar a
formação dos professores, pois estes só poderão responder ao que
deles se espera se possuírem conhecimentos, competências,
qualidades
pessoais,
possibilidades
profissionais
e
motivação
requeridos.
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Usar tecnologia no processo ensino-aprendizagem é muito
mais do que passar a preparar aulas em PowerPoint ou utilizar um
quadro digital (SMART Board) em substituição ao quadro de giz. A
rigor, a aula melhora com a utilização dessas tecnologias, e o aluno
tem maior facilidade de acesso a recursos disponibilizados na internet.
Se as demais condições não mudarem; se não for introduzido um
processo
interativo
com
novas
oportunidades
de
busca
de
informações, de solução de problemas, de discussão com pares e de
aplicação dos conceitos a situações do mundo real, os resultados da
aprendizagem não terão avanços significativos. Acima de tudo, a
aprendizagem torna-se efetiva quando os novos conceitos podem ser
utilizados para resolver problemas práticos do mundo real. O uso de
tecnologia sem adequação à pedagogia não amplia a aprendizagem.
Portanto a tecnologia é importante instrumento que pode ser
muito bem aproveitado quando o educador estiver capacitado para
sua utilização como apoio pedagógico, trazendo a ferramenta
tecnológica para proporcionar aprendizagem mais interativa, com
significado e construção de conhecimento pelo aluno.
De acordo com Valente (2006), o educador deve conhecer o que
tem a oferecer cada ferramenta tecnológica e como pode ser
explorada em diferentes situações educacionais. A experiência
educativa é fundamental na seleção de ferramentas tecnológicas e na
adequação à atuação pedagógica de qualidade.
Nessa perspectiva, este documento é fruto do esforço conjugado
de profissionais de educação internos e externos à instituição que, em
parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação
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(CPDE) do Colégio Dom Bosco, socializam experiências de pesquisa
e docência, buscando formar uma visão progressista e compartilhada,
pois é sabido que muitos só utilizam essas tecnologias nas suas
dimensões mais superficiais, alienantes ou autoritárias
(Moran,
1995). Cabe a cada um ressignificar seus saberes e práticas. Nessa
direção se constituem estes anais.
Curitiba, 21 de julho de 2008.
Rosane de Mello Santo Nicola*
* Comissão de programação e avaliação científica do III Congresso em Educação Dom Bosco; coordenadora científica do
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação do Colégio Dom Bosco.
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Ciência e cultura: o resgate da pesquisa sobre a natureza
para a esfera pública
Marcelo Leite1
RESUMO
Seja por força da crescente especialização, seja pelo declínio do
ensino de ciências no Brasil e em outros países, a pesquisa em
ciências naturais vem perdendo a posição central que passou a
ocupar na esfera da cultura a partir do Iluminismo. Essa alienação está
em aberta contradição com a importância cada vez maior de temas de
base científica na agenda de debates nacional e internacional – a
começar pelas questões de sustentabilidade, como a mudança
climática global. Este trabalho defende a necessidade de resgatar as
ciências naturais como elemento vivo da cultura e da civilização e de
reaproximar o cidadão de seus resultados mais importantes, pois de
sua capacidade de formar opinião autonomamente sobre tais questões
depende a participação plena no debate democrático. Tal resgate
1
Colunista da Folha de S.Paulo, doutor em ciências sociais pela Unicamp, foi bolsista da Nieman Foundation
(Universidade Harvard, EUA, 1997-98) e da Krupp Stiftung (Alemanha, 1989-90). Prêmio José Reis de
Jornalismo Científico em 2005. O último de seus 12 livros publicados é o paradidático Brasil, Paisagens
Naturais (Ática, 2007).
11
deve ser empreendido por meio de um trabalho contínuo de tradução
dos conteúdos científicos para o público leigo, por meio de três
atividades fundamentais: ensino de ciências, divulgação científica e
jornalismo científico. Este artigo se concentra no jornalismo científico,
com a apresentação e a discussão de suas fontes, critérios, recursos,
gêneros e meios.
Palavras-chave: jornalismo científico, gêneros textuais, ensino de
ciências.
1. Introdução
As ciências naturais que ganharam posição central no debate
público e democrático com o Iluminismo vêm, progressivamente,
perdendo
essa
condição
e
alienando-se
da
esfera
pública.
Paradoxalmente, nunca antes seus resultados foram tão decisivos
para o debate de políticas públicas e dos rumos da sociedade quanto
nesta época de incerteza sobre a sustentabilidade das relações entre
economia e mundo natural. A crescente especialização transforma
todos em leigos, mesmo os especialistas, por definição ignorante de
todos
os
outros
campos.
A
alienação
desse
horizonte
de
conhecimento empírico sistemático como valor do universo da cultura
é agravado pela deterioração do ensino de ciências, numa
constelação de fatores que contribui para sufocar no berço futuras
vocações científicas e para empobrecer a qualidade do debate público
no Brasil.
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Hoje se considera, ao menos em meios cultos, obrigatório ter no
mínimo uma noção sobre as obras de nomes como Machado de Assis,
Tarsila do Amaral, Ludwig van Beethoven, Heitor Villa-Lobos,
Aristóteles, Cartola ou dom João VI. O mesmo não é válido para
Jacques Monod, Francis Crick, Erwin Chargaff, Ernst Mayr, Paulo
Vanzolini, José Leite Lopes ou Rosalind Franklin, por exemplo,
embora suas contribuições não sejam menos relevantes para a ciência
que a dos primeiros para a cultura. O problema é precisamente este:
para a maioria das pessoas, a ciência natural não faz parte do mundo
da
cultura.
Como,
porém,
ser
livre
(autônomo)
no
mundo
contemporâneo sem ter noção do que se passa no campo da pesquisa
tecnocientífica?
A agenda política nacional e internacional está cada vez mais
dominada por temas complexos, cujo debate qualificado demanda
informação e validação de caráter científico. Para citar apenas alguns:
mudança
climática
biocombustíveis
X
global,
segurança
desmatamento
alimentar,
da
dilemas
Amazônia,
éticos
sobre
biotecnologias (clonagem, transgênicos, células-tronco embrionárias),
energia nuclear e energias alternativas (risco de novo apagão),
escassez de água, biodiversidade, biopirataria... É imperativo resgatar
a ciência natural para o universo da cultura, e a melhor maneira de
fazer isso é torná-la novamente compreensível pela maioria de leigos.
Numa palavra, traduzi-la. Essa é a tarefa de profissionais facilitadores
como professores, divulgadores e jornalistas científicos.
A primeira missão é combater a imagem da ciência para o senso
comum, segundo a qual a pesquisa científica produz verdades
inquestionáveis. Como qualquer outra atividade humana no domínio
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da cultura, a ciência natural é incerta, imperfeita, interessada,
inconclusiva e incompreendida. Ou seja, discutível. É preciso debater
ciência, não só transmitir conteúdos. Não se formam mentalidades
científicas com base no pressuposto de que a objetividade é algo dado
em ciência, mas sim algo conquistado, que depende de validação. Em
geral, o teste empírico (observação) e o consenso entre pares sobre a
melhor interpretação dos resultados obtidos. O público precisa dar-se
conta de que, embora a ciência seja crucial para embasar a discussão
democrática, ela não tem o poder de resolver as questões políticas,
que dependem de deliberação.
A esse respeito, o melhor exemplo de debate desencaminhado e
fracassado, e não só no Brasil, é o dos alimentos transgênicos,
sequestrado como foi por polos antagônicos e fundamentalistas. A
ignorância generalizada sobre o tema, das informações básicas ao
teor empírico das afirmações retóricas de ambos os lados, inviabilizou
em grande medida a participação informada de cidadãos não
comprometidos na controvérsia, que se tornou refém dos interessados
na adoção dessa tecnologia e dos avessos por princípio a ela. Mas
essa impossibilidade de participação dos leigos em nada diminui seu
direito de decidir sobre a questão, embora muitos pesquisadores e
tecnocratas pensem exatamente o oposto: cabe apenas aos técnicos
tomar decisões sobre questões técnicas, como se elas não fossem
também políticas. Ao contrário: tal estado de coisas só aumenta a
obrigação de todos os atores envolvidos de fornecer informação
compreensível, qualificada e contextualizada.
É preciso resgatar a noção de que informação e cultura científica
são um direito do cidadão, condição sine qua non para ele participar
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de maneira autônoma na vida social contemporânea. O jornalismo
científico é apenas uma das peças nessa engrenagem cultural, de
certa maneira o último elo na cadeia de transmissão, porque deve ser
necessariamente precedido do ensino de ciências, tarefa da escola, e
da divulgação científica, sobretudo em museus de ciência.
2. Jornalismo científico
Em qualquer seção do jornal ou da revista, o papel do jornalismo
é informar e fazer pensar. Também revelar, divertir e maravilhar, mas
o objetivo principal é e deve ser a reflexão. O jornalismo científico
deve ser encarado sob esse ângulo geral: não é um compêndio de
curiosidades nem um livro didático dividido em infinitas prestações,
mas informação básica para o cidadão pensar, participar e exercer
seus direitos. Antes de passar a expor os elementos principais de sua
prática, é prudente apresentar alguns conceitos e características
básicos do mundo da ciência natural, tal como se organiza
internacionalmente nos dias de hoje.
As comunidades científicas se organizam, tanto nacional quanto
internacionalmente, por meio de sociedades científicas, congressos de
especialistas e periódicos científicos (em inglês, journals), nos quais
pesquisadores ou grupos de pesquisadores publicam seus artigos
(papers). Os periódicos mais importantes e relevantes são aqueles
indexados, isto é, incluídos numa relação de publicações com
periodicidade regular, corpo editorial capacitado e peer review; essa
relação é mantida pela empresa ISI Thomson e contém algo da ordem
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de 25 mil periódicos espalhados pelo mundo, a maioria editada em
inglês, como o Brazilian Journal of Medical and Biological Research.
Peer review significa literalmente “revisão por pares” – leitura
crítica de cada artigo solicitada pelos editores a um ou mais
pareceristas, que podem recomendar a publicação ou não do trabalho,
com ou sem modificações. Considera-se maneira de garantir a
qualidade e o ineditismo dos artigos editados. A repercussão desses
trabalhos, por sua vez, é convencionalmente medida pela quantidade
de citações que acumula cada um (ou cada autor), ou seja, quantas
vezes é incluído nas referências de outros artigos publicados em
periódicos indexados. O número de citações é um indicador da
qualidade de certa pesquisa científica, mas também aumenta a
reputação, o prestígio e a circulação do periódico onde sai publicado.
É o que se chama fator de impacto ou número médio de citações
obtidas por um artigo no periódico X ou Y. Revistas como Nature,
Science ou Cell chegam a ter fator de impacto próximo de 30, ou seja,
cada artigo editado é citado 30 vezes, em média.
Outra convenção razoavelmente respeitada nas ciências naturais
é a ordem dos autores de um artigo. Em geral, o primeiro autor é o
doutorando ou pós-doutorando que fez o trabalho propriamente dito,
orientado por um chefe de equipe ou de laboratório que, em geral,
aparece no final da relação de autores, também chamado de autor
sênior. No meio vêm todos os outros membros da equipe ou até de
outras instituições que só deram contribuições menos importantes,
como ceder amostra de material ou fazer análise estatística dos
dados. Todas essas convenções e práticas servem de guia para
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jornalistas de ciência avaliar a importância e a relevância de
determinada pesquisa recém-publicada.
Tais publicações (periódicos científicos ou journals) não devem
ser confundidos com revistas de divulgação científica, as quais, por
mais sérias que sejam, seguem padrões jornalísticos e não as
convenções científicas descritas. Exemplos de revistas de divulgação
de bom nível: Scientific American (EUA e Brasil), New Scientist (Reino
Unido), La Recherche (França), Bild der Wissenschaft (Alemanha)
Pesquisa Fapesp, Ciência Hoje. Estas servem com frequência como
fonte de informação para repórteres e editores de ciência, mas o
melhor jornalismo científico nunca as usa como fonte única. A praxe
costuma ser ir à fonte primária, ou seja, ao artigo original de pesquisa
publicado num journal ou ao próprio cientista envolvido. Há exceções,
mas raramente se publica uma reportagem de ciência sobre estudo
que não tenha sido publicado num periódico científico ou apresentado
em congresso de especialistas, que normalmente usam da revisão por
pares para selecionar os trabalhos que serão apresentados. O
jornalismo científico no Brasil deu um grande salto a partir de meados
dos anos 1980, quando os repórteres da área começaram a ter acesso
imediato, até antecipado, aos artigos originais dos periódicos
científicos de maior impacto mundial, como Nature e Science.
Na maioria, periódicos científicos são mensais. Alguns poucos,
semanais e outros, bimestrais ou trimestrais. Para o dia a dia, um
jornalista de ciência se vale de outras fontes de informação, como
newsletters (boletins). Alguns dos mais consultados são o Jornal da
Ciência Online, publicado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o
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Progresso da Ciência), Boletim da Agência Fapesp, Boletim do
Acadêmico, da Academia Brasileira de Ciências; para quem se
interessa por meio ambiente, Manchetes Socioambientais, editado
pelo ISA (Instituto Socioambiental). A maioria deles tem versões
enviadas aos leitores por e-mail.
Outro recurso muito útil são os portais de internet dedicados à
ciência. No Brasil, quem estiver defronte a um computador de
instituição acadêmica com curso de pós-graduação credenciado pela
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Ensino
Superior, órgão do MEC) tem acesso a quase todos os periódicos
científicos publicados no mundo, por intermédio do portal Periódicos.
Várias outras publicações científicas, a maioria delas em português e
espanhol, podem ser consultadas de qualquer computador no
repositório de acesso aberto SciELO (abreviação em inglês de
Biblioteca Científica Eletrônica Online). Mas o portal mais usado por
jornalistas de ciência no mundo todo é o Eurekalert, dos EUA, que tem
também muito material em espanhol, como comunicados à imprensa
emitidos pelas instituições de pesquisa. Na internet há ainda uma
infinidade de blogs de cientistas e jornalistas de ciência, quase todos,
como Ciência em Dia, trazendo uma relação de links para outros
blogs, de modo a propiciar navegação na área.
Ao topar com informação nova numa dessas fontes, o jornalista
de ciência precisa decidir se ela é importante o bastante para ser
publicada. É um processo muito rápido que, entre jornalistas
experientes, acaba ocorrendo quase por intuição, mas os melhores se
guiam até inconscientemente por um princípio geral: sua função
consiste em tornar interessante (atraente e legível) aquilo que é
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importante (para a ciência e o público), não tornar importante o que só
é interessante. Ou, se preferir, levar ao leitor não só aquilo que ele
quer ler, mas aquilo que ele precisa ler sobre a atualidade da pesquisa
científica. Na dúvida sobre a relevância ou o ineditismo do estudo,
uma prática jornalística comum é consultar especialista da área em
quem tenha confiança. No mais, o repórter ou seu editor se pauta nos
critérios
jornalísticos
tradicionais:
Quantas
pessoas
serão
potencialmente afetadas? Quanto se gastou na pesquisa? Ela afeta
valores ou convicções arraigadas em grupos sociais? Aplica-se à
realidade/saúde pública brasileira? O estudo é brasileiro ou conta com
pesquisadores brasileiros? E assim por diante.
Orientação básica para todo jornalista de ciência: não começar a
escrever , vale dizer traduzir o conteúdo científico para leitores leigos
como ele, antes de ter entendido de fato o estudo, ainda que em nível
básico. Vencida essa barreira, seu principal desafio é decidir como
abrir o texto, ou seja, que título usar e como será o primeiro parágrafo,
no jargão jornalístico chamado lide. Ambos precisam ser, ao mesmo
tempo, chamativos, pois deles depende fisgar a atenção do leitor em
meio a dezenas ou centenas de notícias, informativos e imediatamente
compreensíveis.
Recomenda-se
evitar
conceitos
e
raciocínios
complicados, aí para não afugentar o leitor pouco afeito a temas da
área. Tudo isso sem trair a importância do fato a narrar; se o homem
pousou na Lua, é melhor manchetar “Homens andam na Lua” (Men
walk on Moon, como fez o diário The New York Times com certa
circunspecção histórica) do que “A Lua no bolso”, como fez a Folha de
S.Paulo.
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Metáforas e analogias são inescapáveis no desenrolar do texto,
para aproximar o conteúdo científico da realidade diretamente
vivenciada pelos leitores. Alguns pesquisadores resistem em fazê-lo,
mas aqueles que também dão aulas com frequência têm menos
resistência e mais facilidade em ajudar os jornalistas a encontrar
metáforas apropriadas, uma vez que toda analogia é imperfeita, e
essa imperfeição precisa ser mantida sob controle por quem escreve o
texto. O DNA nos cromossomos pode ser comparado com uma
enciclopédia,
por
exemplo,
pois
os
genes
de
fato
contêm
especificações do que a célula precisa para realizar certas tarefas.
Chamá-lo de Livro da Vida ou chave do segredo da vida, contudo,
confere um tom hiperbólico à metáfora DNA–escrita, que mais
obscurece do que esclarece o papel dessa substância dentre os vários
recursos de que uma célula necessita para funcionar.
Infográficos – quadros que reúnem ilustrações e palavras para
apresentar determinado conteúdo – são recurso muito empregado
para tornar a reportagem de ciência mais acessível. Como regra
prática, pode-se dizer que um infográfico vem a calhar sempre que a
pessoa sinta necessidade de desenhar ou rabiscar para explicar algo.
As palavras devem ser poucas para identificar ou sinalizar partes da
ilustração, que assume o primeiro plano no infográfico. Sugere-se
cada item não ter mais palavras do que caibam numa linha. E é
preciso atenção para escolher o tipo certo de infográfico conforme a
finalidade. Diagramas servem para representar relações espaciais
entre partes; fluxogramas, para organizar em sequência os vários
passos de um processo ou experimento; tabelas, para indicar
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classificação (ranking) ou permitir comparação de propriedades de
vários elementos.
Gráficos propriamente ditos, insubstituíveis para relacionar
grandezas entre si ou no tempo, merecem cuidado especial. Gráficos
de linha devem ser reservados para representar uma variação
contínua, como elevação da temperatura ao longo do dia; de barras,
para quantidades discretas (ex.: safra de cada ano); de torta ou queijo,
para
participações
relativas
numa
totalidade
(PIB
nacional
discriminado por região).
Fotografias servem para fisgar o olhar do leitor, mas devem
permanecer informativas, não se reduzindo a mera ilustração. Sua
função é mostrar aquilo que o leitor não tenha muita chance de ver,
como lugares distantes (Alter do Chão, PA), animais de laboratório
com eletrodos implantados no cérebro, face ou laboratório do cientista
em questão etc.
3. Os diversos gêneros e meios
Reportagem de jornal ou revista – em geral, para este gênero de
texto, reservo os temas mais “quentes” (atuais) e de interesse ou
repercussão geral.
Exemplos: células-tronco no Supremo Tribunal Federal; taxa de
desmatamento na Amazônia; estudo sobre regeneração de Mata
Atlântica (UFPR). Nestes casos, o problema maior passa a ser contar,
descrever e explicar tudo em apenas 4 mil caracteres, tamanho
aproximado de uma reportagem de alto de página na Folha de
S.Paulo. Outro desafio é escrever para o leigo e o especialista, ao
21
mesmo tempo, de maneira a ser entendido pelo primeiro e não ser
indiciado pelo segundo, por erros conceituais. O esforço é sempre o
de simplificar sem empobrecer, tarefa fácil de falar, mas difícil de
fazer.
Coluna de opinião – para as colunas “Ciência em Dia”, que
assino no caderno dominical Mais da Folha de S.Paulo, busco temas
inéditos, ou quase, se possível de grande interesse público, mas nem
sempre notícia no sentido estrito da palavra. Assuntos menos
perecíveis e propícios para suscitar reflexão e opinião, como
levantamento dos índices h dos membros da Academia Brasileira de
Ciências (ABC) ou um relatório sobre ciência, tecnologia e inovação
no Brasil. O texto de uma coluna assinada pode, e no meu entender
deve, ser mais expressivo, buscar registro mais “elevado” e tom mais
pessoal.
Blog – a palavra tem origem na expressão em inglês weblog
(diário na rede). Na sua apropriação por jornalistas, tornou-se um
espaço para notas e comentários pessoais. Em geral abordo no blog
Ciência em Dia temas similares aos da coluna, mas com muito mais
liberdade de idiossincrasia. Parto do princípio de que o leitor busca o
blog porque conhece o autor, seu estilo e suas preocupações,
sabendo o que pode esperar. A grande vantagem do blog, além da
liberdade temática e estilística, é a ausência de limitação de espaço, o
que permite publicar material extenso, como as listas com índices h de
cada uma das dez áreas da ABC, caso em que jornal e blog atuaram
de maneira sinérgica, com remissão mútua.
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Livros paradidáticos – desde 2004 incluí esta vertente não
jornalística em meu trabalho de difusão crítica da ciência, a convite da
Editora Ática. Antes só tinha experiência com os livros básicos da
série Folha Explica, da Editora Publifolha. Em comum acordo com os
editores, seleciono temas que devem permanecer na agenda nacional
e internacional, tais como alimentos transgênicos, biomas brasileiros
(Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica), DNA, genética, genômica,
biotecnologias
(clonagem,
experimentos
com
animais
etc.),
biocombustíveis, energia, alimentos e assim por diante. O foco desses
livros é sempre a interface ciência/sociedade.
Sugestões de bibliografia do autor para consulta
Fogo Verde. São Paulo: Ática (no prelo). Série paradidática de ficção
infanto-juvenil “Ciência em Dia”.
Ciência – Use com Cuidado. Campinas: Editora Unicamp (no prelo).
Coletânea das colunas “Ciência em Dia”, publicadas na Folha de
S.Paulo de 2002 a 2007.
Brasil, Paisagens Naturais – Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos
Grandes Biomas Brasileiros. São Paulo: Ática, 2007.
Nos Caminhos da Biodiversidade Paulista. São Paulo: Secretaria do
Meio Ambiente do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2007.
23
A paralisia no debate sobre transgênicos e meio ambiente. In: Novos
Estudos (Cebrap), n. 78, p. 41-48, jul. 2007.
I do not make a distinction between teaching and research
[News/Special issue: The world of Undergraduate Education]. In:
Science, v. 317, n. 5834, p. 70-71, 6 jul. 2007.
Um novo clima no Brasil. In: Ciência&Ambiente (UFSM), n. 34, p. 5-9,
jan.-jun. 2007.
Promessas do Genoma. São Paulo: Unesp, 2007.
Clones Demais. São Paulo: Ática, 2007. Série paradidática de ficção
infanto-juvenil “Ciência em Dia”.
O Resgate das Cobaias. São Paulo: Ática, 2007. Série paradidática de
ficção infanto-juvenil “Ciência em Dia”.
Retórica determinista no genoma humano. In: Scientiae Studia
[Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência], v. 4, n.
3, p. 421-452, set. 2006.
O Clube da Capivara. São Paulo: Escala Educacional, 2006. Série
paradidática de ficção infanto-juvenil “BR.doc”.
Stem cell research in Brazil: a difficult launch. In: Cell, v. 124, n. 6, p.
1107-1109, 24 mar. 2006.
24
New life for Brazil’s goat town. In: Dry – Living without water.
Londres/Nova York: TWAS/Harvard University Press, 2006. p. 110119.
Pantanal, Mosaico das Águas. São Paulo: Ática, 2006. Série de livros
paradidáticos “Viagem pela Geografia”. Inclui texto de ficção: “Amigos
da Onça”.
Florestania. Análises, princípios e propostas socioambientais para
superar os vícios da economia de fronteira na Amazônia. In:
Ciência&Ambiente (UFSM), n. 32, p. 7-13, jan.-jun. 2006.
Amazônia. Uma gigantesca oportunidade para o Brasil reinventar-se.
In: Ciência&Ambiente (UFSM), n. 31, p. 7-12, jul.-dez. 2005.
Meio Ambiente e Sociedade. São Paulo: Ática, 2005. Série de livros
paradidáticos
“De
Olho
na
Ciência”.
Inclui
texto
de
ficção:
“Tempestade em Mirante do Mar”.
Amazônia, Terra com Futuro. São Paulo: Ática, 2005. Série de livros
paradidáticos “Viagem pela Geografia”. Inclui texto de ficção: “Piratas
do Tapajós”.
Dez Anos do Ipam – Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia.
São Paulo/Belém: Fundação Peirópolis/Ipam, 2005.
25
Biologia Total: Hegemonia e informação no genoma humano.
Campinas, SP [s. n.], 2005. Tese (doutorado) – Universidade Estadual
de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Public sphere and the sustainability of the bioinformatics promise. In:
Genetics and Molecular Research, v. 3, n. 4, p. 575-581, 30 dez. 2004.
Folha Explica: o DNA. São Paulo: Publifolha, 2003.
As biotecnologias e suas quimeras. In: Parcerias Estratégicas, out.
2002, n. 16.
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE. Brasília-DF. p.
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3, Fall 2002. The Nieman Foundation for Journalism at Harvard
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Covering the environment from Rio to Johannesburg and beyond. In:
Nieman Reports, v. 56, n. 4, Winter 2002. The Nieman Foundation for
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Os genes da discórdia – alimentos transgênicos no Brasil. In:
Parcerias Estratégicas. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia.
Centro de Estudos Estratégicos. Mar. 2001. p. 174-185.
Folha Explica: a floresta amazônica. São Paulo: Publifolha, 2001.
26
Biotecnologias, clones e quimeras sob controle social: missão urgente
para a divulgação científica. In: São Paulo em Perspectiva. v. 14, n. 3,
jul.-set. 2000.
Folha Explica: os alimentos transgênicos. São Paulo: Publifolha, 2000.
Os genes da discórdia – alimentos transgênicos no Brasil. In: Política
Externa. v. 8, n. 2, set.-nov. 1999, p. 3-14.
Ilusões reencontradas: a palavra da imprensa e suas aparentes
facilidades. In: Revista USP. v. 37, n. 6-9, mar.-maio 1998, p. 144-151.
Marcelo LEITE; Kristina MICHAHELLES. Presse, Funk, Fernsehen in
Brasilien. In: Gerd KOHLHEPP et al. (Org.). Brasilien Heute – Politik,
Wirtschaft, Kultur. Frankfurt am Main: Vervuert Verlag, 1994.
27
Programa Imagine Learning – relato de experiência em produção
de tecnologia educacional
Clydie Wakefield2 e Joseph Kennedy 3
RESUMO
Este trabalho faz um breve relato da história da fundação do Imagine
Learning Inc. e descreve o processo de produção desse software
educacional interativo para ensino de inglês a estrangeiros. O objetivo
é contribuir na reflexão sobre a importância da tecnologia para a
aprendizagem de segunda língua, representando alternativa eficaz
para atender às necessidades específicas de cada aprendiz, de forma
simultânea em sala de aula. Daí a ênfase no pormenorizado
detalhamento das etapas de trabalho das equipes de educadores,
escritores, artistas, programadores e músicos para a produção desse
software,
em
processo
de
implantação
gradativa
no
ensino
fundamental do Colégio Dom Bosco no período de 2008 a 2012.
Palavras-chave: aprendizagem de inglês, software educacional,
tecnologias.
Breve histórico
2
Mestre em psicologia educacional pela Universidade de Utah, professora universitária, palestrante em
diversas conferências nos EUA (NRC e AERA). Fundadora (2004) e vice-presidente executiva de
desenvolvimento educacional do Imagine Learning Inc. Contribuiu para a produção de mais de 1.700
atividades de alfabetização em inglês como segundo idioma.
3
Formado em Linguística pela Universidade de Brigham Young ( 2004), com especialização em língua
portuguesa e em aprendizado de línguas por meio de tecnologias da informação e comunicação. Professor de
inglês e japonês para estrangeiros.
28
Como a maioria das empresas, a Imagine Learning começou
com algumas pessoas que tinham grandes sonhos: três exprofessoras e três programadores, sendo uma dos docentes a autora
deste artigo.
O grupo das professoras havia trabalhado junto desenvolvendo
software educativo e compartilhava o desejo de levar o conhecimento
do inglês a pessoas nas Filipinas, onde Dianne havia morado, ou a
alguns países da África – Marnae morara em Moçambique. O objetivo
inicial era ensinar as mulheres, em particular, a mães porque, como se
sabe, ao ensinar a mãe automaticamente se ensina a seus filhos.
Desconhecia-se como conseguir apoio financeiro para tal projeto.
Susan Preator, que havia liderado o grupo numa empresa de software
educativo, soube do projeto. Ao mesmo tempo, três programadores se
uniram ao perceber que podiam desenvolver plataforma melhor para
um software educativo e fizeram planos, mas entenderam que
precisavam de alguns professores para ajudá-los.
Susan encontrou, por coincidência, um desses programadores,
Ben Larson, que lhe contou sobre o desejo de começar uma empresa
de software educativo. Então houve a formação da equipe, mas ainda
não havia financiamento, que só se tornou possível, por meio da irmã
e do cunhado de Susan, os quais ousaram investir suas economias no
pequeno grupo.
As portas do Imagine Learning Inc. se abriram em 14 de junho
de 2004, com 17 pessoas – 14 das quais integravam o grupo de
produção. Desde então, a equipe de produção cresceu para 22
profissionais. No momento são três artistas, um engenheiro de áudio,
29
uma equipe de vídeo com três integrantes, duas educadoras, duas
redatoras técnicas, seis programadores e cinco avaliadores.
Assim que produzido um conjunto de lições, o suficiente para
colocar no mercado, foi necessário aumentar a equipe. Criou-se uma
equipe de suporte com 14 pessoas que instalam o Imagine Learning
English nos computadores e ensinam os professores a usá-lo. Foram
contratados, ainda, profissionais para a área de finanças e o
atendimento telefônico. Gradualmente, formou-se uma rede de vendas
com mais de 20 profissionais que tornou possível levar o Imagine
Learning English a 32 estados nos Estados Unidos e a 4 países –
Japão, Coreia, Taiti e Brasil. Hoje, pouco mais de quatro anos depois,
há 76 centros de Imagine Learning no país.
O processo de produção
Obviamente, a capacidade de instrução também cresceu. A
primeira versão tinha cerca de uma dúzia de tipos de atividade, com
aproximadamente 200 atividades no total. Entende-se tipo como
classificação geral da atividade. Por exemplo: ouvir uma história.
Somente esse tipo possui 15 histórias consideradas para atividade
individual. Na próxima versão, a ser lançada no segundo semestre de
2008, há cerca de 70 tipos diferentes de atividade, com mais de 1.700
atividades individuais. Segue a página de abertura das atividades.
30
Ao identificar crianças e jovens estudantes de inglês como
público-alvo, foi possível examinar as habilidades de aquisição de
segunda língua que um aluno precisaria dominar. Alguns especialistas
no ensino de inglês como idioma estrangeiro deram fundamentação ao
programa, como Paul Nation, da Nova Zelândia, e Lightbown e Spada,
do Canadá, ou no campo da leitura, Steven Krashen e Diane August,
dos Estados Unidos. Ainda psicólogos de base cognitiva, como Lev
Vygotsky, da Rússia, e neurologistas como Eric Jensen.
Com
base
nesses
estudos, construiu-se
uma lista
das
habilidades a ensinar, começando por habilidades de desenvolvimento
da linguagem oral e, eventualmente, estendendo para habilidades de
alfabetização.
Em seguida, passou-se a desenvolver as atividades, o que
demanda muito tempo para produzir um único tipo. Apenas para
exemplificar, o design de um tipo dura de um a dois meses para ser
desenvolvido.
31
Assim, as pesquisas auxiliam a determinar os conceitos que
serão ensinados e como isso será feito. Rimar, por exemplo, é uma
grande habilidade que ajuda os alunos a perceber os sons das
palavras em inglês. À medida que ouvem os sons, eles se tornam
capazes de associá-los a letras, que já conhecem, podendo associálas a fonemas do idioma inglês. Na atividade, pedimos aos alunos que
demonstrem ser capazes de fazer rimas em inglês.
Nonie Lesaux
estudou os esforços de alunos do Canadá francês para aprender a ler
em inglês. Ela concluiu que o conhecimento fonológico – incluindo a
capacidade de reconhecer palavras que rimam – era muito eficiente.
“Para as crianças que falam inglês como segundo idioma e
enfrentam dificuldades no aprendizado de leitura em inglês no estágio
inicial, os resultados desse estudo demonstram que, assim como as
crianças que falam inglês como primeira língua, essa dificuldade está
relacionada à capacidade de reconhecimento fonológico.”
A pesquisa contribui para determinar que, ao ensinar aos alunos
o conceito de rima, deve-se primeiro ensiná-los usando seu idioma
principal. Assim, criou-se uma atividade que ajuda os alunos a fazer
rimas em seu idioma principal. Ela é chamada Introdução à rima e,
nesse caso, o idioma principal do aluno é o português.
Como exemplo, observe-se o design do tipo de atividade que
acompanha a Introdução à rima, chamado Identificar palavras que
rimam. Sua execução pelo aluno demora cerca de dois minutos, mas
seu design é muito mais demorado.
32
O design da atividade inicia ao se organizar uma equipe
responsável por ele, composta de um designer educacional, um
redator técnico, um artista, um especialista em vídeo, um engenheiro
de áudio e um programador.
O processo de design ocorre durante uma série de reuniões, a
primeira das quais inicia com um brainstorm da equipe. O designer
educacional descreve os objetivos e apresenta diversos cenários de
como o assunto poderia ser ensinado. Além da identificação de
palavras que rimam, a atividade promove a ampliação vocabular, pois
os alunos aprenderão novas palavras em inglês.
Durante a reunião de brainstorm, a equipe apresenta diversas
ideias diferentes de diversão e maneiras atraentes de apresentar a
informação para os alunos. Normalmente, no final da reunião, a equipe
já optou por uma ideia.
Na segunda reunião, o designer educacional apresenta um
protótipo e o artista mostra seus rascunhos.
33
Em geral, realizam-se quatro reuniões para decidir como será e
funcionará a atividade. Na última reunião, o redator técnico assume a
atividade e cria o documento de especificações de interação.
34
As especificações de interação são usadas para informar ao
programador exatamente como a atividade deve funcionar. As
redatoras criam a especificação ao detalhar cada item de arte, áudio e
funcionalidade para uma atividade. Cada especificação inclui os
membros da equipe de design para se saber a quem fazer perguntas e
os detalhes da reunião, para acompanhar nossas decisões.
Há também um fluxograma dividido em estágios que mostra o
fluxo geral de cada atividade. Um estágio inclui um conjunto de peças
que trabalham juntas. Determinamos que a maioria dos estágios
termina quando esperamos um clique do aluno – pedimos a eles para
escolher a resposta correta ou clicar em algo na tela. O realce amarelo
mostra que trechos de áudio serão repetidos se um aluno exceder o
limite de tempo. Isso pode ocorrer se lhe for solicitado para clicar
numa figura e ele não fizer nada por determinado período de tempo.
35
Nesse caso, o trecho de áudio será repetido. Assim, deve-se informar
o programador qual trecho de áudio será executado.
A cor verde diz para onde deve ir após a conclusão de um
estágio. A coluna de idioma mostra em que idioma o trecho de áudio
deve ser reproduzido. Observa-se que o programa prevê dois
processos de progressão: o acerto e o erro do aluno. Em geral, há um
final e, em alguns casos, um estágio em que o aluno poderá fazer a
impressão, se a atividade possuir esse recurso. O percurso de
atividade aqui descrito é um dos mais simples. Há muitos outros,
alguns mais complexos, que necessitam de detalhes. Algumas
atividades possuem até 20 estágios.
Da primeira reunião,o designer educativo apresenta o objetivo.
Até finalizar a especificação, o processo leva cerca de um mês. A
conclusão da arte, do áudio e das impressões, também um mês. Cada
um desses detalhes de produção deve primeiro ser descrito
cuidadosamente pelo redator técnico.
Há especificações de áudio
para o profissional de áudio, inclusive as traduções para sete idiomas
diferentes. E há também especificações gráficas para nossos artistas,
identificando cada elemento visual.
36
Em muitas atividades, os artistas têm que trabalhar com o
engenheiro de áudio, especialmente quando se produz uma canção.
Também o engenheiro de áudio executa um trabalho extremamente
complicado, pois não apenas grava as instruções em inglês, usando
uma variedade de habilidades, mas também grava vozes em francês,
português, espanhol, mandarim, japonês, haitiano , coreano e árabe.
Ele também é músico e compôs muitas músicas do programa.
Os programadores levam entre uma e três semanas para
programar uma única atividade, dependendo de quão complexa seja
sua funcionalidade. O programa usa uma arquitetura cliente-servidor.
37
Isso significa que a “inteligência” está hospedada num “servidor” –
pequena caixa que se comunica com um cliente – ou em cada
computador que um aluno utiliza. O processo completo – do objetivo à
finalização das atividades – leva aproximadamente três meses.
Há, ainda, o trabalho dos avaliadores que revisam o programa
em busca de erros. Nesse departamento, há falantes nativos de
português, chinês, mandarim, japonês, enfim de todos os outros
idiomas atendidos pelo programa.
Eis breve resumo de como o processo funciona, usando-se uma
analogia esportiva.
X
QA
X
O
V
X
D A
X
O
O
GOAL
!
No jogo de futebol, americano ou não, o técnico marca o
posicionamento de todos os jogadores. Assim, “X” é o designer. Após
discussão sobre a instrução e como ensinar habilidade específica,
busca-se o redator, representado por um “O”. Há uma reunião com a
equipe de design – arte, áudio programadores e, algumas vezes,
38
programadores de vídeo. Para chegar à especificação da forma
desejada, são necessárias várias discussões entre o designer e o
redator. Em seguida, o redator descreve tudo e passa detalhes para o
programador, o artista, o especialista em vídeo e o engenheiro de
áudio.
Assim, quando a produção da atividade é concluída, ela vai para
o controle de qualidade ou teste. Algumas vezes, os avaliadores
fazem perguntas sobre o design ou eles podem comunicar-se com o
redator no caso de uma inconsistência entre a atividade em si e a
forma como o redator a especificou. Quando tudo funciona bem,
“marca-se um gol”.
Algumas vezes os redatores devolverão o material para os
integrantes da equipe de pesquisa, não ocorre com frequência. O
redator pode ter que enviar o design de volta para o designer e, nesse
caso, é necessário começar tudo de novo.
O currículo ensina habilidades que variam da fluência para o
iniciante a praticamente fluência completa em inglês. O objetivo é
ensinar alunos de quatro a doze anos de idade, dando prioridade a
crianças mais velhas e mais fluentes.
Uma das mais recentes criações é um programa de televisão
que integra as atividades do programa em uma história. O programa é
apresentado por Jack, um caçador de tesouros, e Booster, seu
assistente, que fala qualquer idioma que se faça necessário.
Fundamentação teórica
Para estudantes do idioma inglês, o ensino explícito oferece
procedimentos claros, específicos e fáceis de seguir, que simplificam o
39
aprendizado de uma nova habilidade ou estratégia. Ele possui um
benefício adicional muito importante: quando as habilidades são
ensinadas de forma explícita, os estudantes de inglês também
aprendem o idioma associado a elas (CALDERON, HERTZLAZAROWITZ & SLAVIN, 1996).
Algumas diretrizes úteis de instrução explícita são (HALL, 2002):
1. Ser explícito sobre grandes ideias (equilíbrio entre falta de
objetivos e quantidade de objetivos ).
2. Tornar as estratégias evidentes. Todos os alunos, principalmente
alunos com necessidades especiais, se beneficiam de ter as
estratégias importantes tornadas claras e evidentes.
3. Fornecer estrutura de mediação. A estrutura de apoio à
aprendizagem deve ser ajustada à medida que a capacidade do
aluno muda. Em outras palavras, a estrutura é dinâmica ou
reativa ao progresso do aluno.
4. Exigir que os alunos respondam com frequência. Quanto mais
ativos eles forem no aprendizado, maior será o sucesso.
5. Fornecer comentários para as respostas corretas e incorretas
imediatamente.
As instruções de alfabetização com o Imagine Learning English
são muito explícitas: os alunos assistem ao vídeo de uma boca em
movimento para saber como pronunciar os fonemas em inglês
associados às letras. Eles aprendem como pronunciar as palavras,
usando o conhecimento que têm do som das letras, e descobrem o
significado de cada palavra que aprendem a ler usada numa sentença
e traduzida.
40
Para desenvolver a compreensão de leitura, os alunos
aprendem a responder perguntas literais e inferenciais.
Quando uma professora diferencia as instruções, ela as ajusta
às necessidades dos alunos: ela reage aos indivíduos, reconhecendo
o conhecimento variado, a capacidade de leitura, a linguagem, as
preferências de aprendizado, os interesses dos alunos e responde de
acordo (HALL, 2002).
O objetivo da diferenciação é levar os alunos adiante no
processo de aprendizagem. É uma ferramenta poderosa, mas que os
41
professores relutam em usar quando encontram uma sala de aula
cheia – tipicamente abrangendo capacidade de leitura de cinco anos.
O Imagine Learning English diferencia o nível de aprendizado
dos alunos pelo menos de quatro formas:
1. O teste de posicionamento determina pontos iniciais separados
no ensino de vocabulário e alfabetização e no desenvolvimento
da linguagem oral.
2. O programa regula ou encadeia o aprendizado com base no
desempenho dos alunos. Se, por exemplo, o aluno dominar um
conjunto de palavras de vocabulário – três lições seguidas –, o
programa acelera o ritmo, racionalizando as atividades. Por outro
lado, se um aluno não dominar um conceito, o programa o
ensina novamente.
3. O aluno pode receber ajuda no idioma nativo, que é estratégica
e gradativamente retirado.
4. Os alunos recebem comentários informativos ajustados às suas
respostas.
Assistem a vídeos que descrevem a palavra “pesquisa”. Em
seguida, são solicitados a fornecer a palavra numa sentença com
lacunas.
Os alunos podem assistir a vídeos para cada uma das palavras
e, em seguida, selecionar a palavra correta para a sentença com
lacunas. Eles praticam sua compreensão da palavra ao ouvir pistas
em Dê um nome à palavra.
42
Finalmente eles demonstram o que aprenderam no teste Mostre
o que você sabe.
Leem e gravam um dos artigos sobre o desenvolvimento de
vacinas, por exemplo. À medida que gravam, praticam a linguagem
relacionada ao método científico.
43
Eles recebem a impressão de um organizador gráfico sobre o
método científico, o qual também serve como prompt para a
composição de um resumo. A impressão poderia ser completada por
um
par
mais
fluente,
possibilitando
conversas
acadêmicas
“estruturadas” e adicionais.
44
Para ajudar estudantes iniciantes de inglês, decidiu-se usar seus
idiomas principais como ponte para o aprendizado de inglês. Criou-se
um sistema chamado “remoção progressiva do primeiro idioma”. É
quando se aproveita a noção de estrutura de Vygotsky – prestar
suporte no início e removê-lo gradualmente. É assim que funciona:
quando encontram uma atividade pela primeira vez, os alunos ouvem
instruções no idioma nativo. Nas próximas duas vezes que passarem
por ela, as instruções serão apresentadas em inglês. Eles podem
solicitar as instruções no idioma nativo clicando num botão de
tradução. Daí em diante, as instruções serão sempre apresentadas
em inglês. Se os alunos falharem ao responder a determinada
instrução por longo período de tempo, ouvirão as instruções no idioma
nativo.
À medida que avançam no aprendizado do idioma, os alunos
passam a ouvir as instruções somente em inglês. Continua o
fornecimento de tradução para novas palavras do vocabulário e,
havendo apresentação de tarefa mais complicada, como desenhar
uma inferência, aparecem explicações no idioma nativo.
Considerações finais
Embora o programa seja muito recente para podermos avaliar o
resultado de aprendizagem, de alunos imersos ou não na cultura da
língua inglesa, é possível destacar a flexibilidade da plataforma que
apoia esse recurso tecnológico, cujo roteiro está sustentado em
pesquisas linguísticas contemporâneas.
45
Referências
CALDERON, M. E.; HERTZ-LAZAROWITZ, R.; SLAVIN, R. Effects of
bilingual cooperative integrated reading and composition on student
transition from Spanish to English. Elementary School Journal, 1996,
p. 153-165.
COHEN, M.J.; HALL, J.; RICCIO, C.A. Neuropsychological profiles of
children diagnosed as specific language impaired with and without
hyperlexia. Arch Clin Neuropsychol, 2002, p. 223-229.
Construção, fixação e reforço de conhecimentos matemáticos
com a utilização de recursos informatizados
Gilmar Bornatto4
RESUMO
Considerando as bases teóricas da pedagogia construtivista e da
informática educativa, este trabalho apresenta um modelo de
aprendizagem que contempla atividades experimentais de construção,
fixação e reforço de conhecimentos matemáticos com a utilização de
recursos informatizados, em especial do Adobe Flash, primariamente
um software de gráfico vetorial, apesar de suportar imagens bitmap e
vídeo, usado geralmente para a criação de animações interativas.
Essa apresentação visa, de modo geral, a estimular o uso das TIC
(tecnologias da informação e comunicação) de forma interativa nas
4
Graduado em matemática (UFPR), com especialização em educação (UFRJ) e matemática (UFPR),
mestrado em engenharia de produção (UFSC) sobre uso de softwares no ensino da geometria, professor de
ensino médio e superior há mais de 15 anos; desenvolve projetos em flash para ensino de matemática.
46
aulas de qualquer disciplina, mas especificamente favorecer a
identificação,
análise
e
proposição
de
ações
que
integrem
competências e habilidades da matemática com a informática.
Palavras-chave:
conhecimentos
matemáticos,
recursos
informatizados, uso de software, uso de jogo educacional.
Introdução
São raras as pessoas que acreditam ser possível educar uma
criança ou um jovem sem as novas tecnologias da informação.
Softwares e aplicativos, no entanto, não são componentes de uma
fórmula mágica que, combinados ou isolados, melhoram a qualidade
do ensino. Ao contrário, se usados sem orientação, podem muito
pouco ou nada, garantem os educadores. Para um software ou um
jogo educacional ser bem aproveitado, o aluno precisa de orientação.
Por isso, é recomendável utilizá-los dentro de uma estratégia
pedagógica preestabelecida.
Novas tecnologias e ensino
A educação desempenha importante papel no processo de
formação do perfil necessário ao cidadão da atual sociedade, a
informacional. Essa formação, entre outros aspectos, implica o
conhecimento das tecnologias da informação e comunicação (TIC).
Segundo Ponte, Oliveira e Varandas (2003), as TIC podem colaborar
com o professor na criação de situações de aprendizagem
estimulantes,
favorecendo,
também,
a
diversificação
das
possibilidades de aprendizagem. No entanto é preciso uma formação
47
adequada para o professor poder utilizar criticamente as TIC como
recurso pedagógico.
Segundo Pretto (1996), para o corpo docente, a tecnologia
representa, muitas vezes, um elemento complicador, já que o grupo de
professores possui condições de trabalho que envolvem: a) grande
quantidade de aulas semanais; b) pouco tempo de sobra para
reciclagem e aperfeiçoamento; c) baixo nível salarial; d) pouco tempo
para o lazer. Como exigir desses professores, que mal têm tempo para
reciclar conteúdos, que venham a dominar mais essa técnica de aulas
em computador? Se a esse fator se somar a falta de um projeto
pedagógico adequado, a informática na educação pode ser apenas
um grande transtorno – perda de tempo, desmotivação –, causando
ainda maior resistência às inovações tecnológicas.
O professor Frederich Litto (apud BORNATTO, 2002), da Escola
do Futuro da Universidade de São Paulo (USP), defende que a
informática e seus recursos representam novo paradigma para a
educação. Para ele, o uso do computador e da mídia permite que os
alunos deixem de decorar conhecimentos que se possam tornar
ultrapassados com facilidade para aprender a fazer perguntas certas,
a tomar decisões corretas e a comunicar essas decisões a terceiros,
enquanto o professor deixa de ser repetidor de conceitos, mero
entregador de informações, para assumir papel mais nobre: o de
facilitador, que elabora atividades para o aluno aprender.
A revolução provocada pela informática impõe ao educador uma
revolução pedagógica – é o que defende Papert (apud ALMEIDA,
48
1998, p. 67), que faz uma conjunção importantíssima de teoria e
prática de informática com os estudos de Piaget:
O computador vem permitir que
as crianças que têm acesso a ele
construam elas mesmas suas
estruturas
intelectuais,
espontaneamente, sem que estas
lhe sejam inculcadas. O que não
significa
que
elas
sejam
elaboradas a partir do nada. Ao
contrário, a criança elabora suas
estruturas
de
pensamento
manipulando os materiais que
encontra em seu ambiente.
Na verdade trata-se de uma aplicação, a partir de um
instrumento técnico, da proposta piagetiana de formação dos
esquemas de assimilação, cooperação, coordenação, equilíbrio,
reversibilidade, descentralização e outros.
Piaget observou que a criança constrói a noção de certos
conceitos porque interage com objetos do ambiente onde ela vive.
Papert (1980), aliás, denominou esse tipo de aprendizado de
"piagetiano": “Quando o aprendiz está interagindo com o computador,
ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu
desenvolvimento mental. Ele está adquirindo conceitos da mesma
maneira que ele adquire conceitos quando interage com objetos do
49
mundo, como observou Piaget” (PAPERT apud VALENTE, 1998, p.
39-40).
Coelho (1996, p. 43), numa visão construtivista, afirma que não é
ao computador, por si só, que pode ser imputada qualquer eficácia do
ponto de vista cognitivo, afetivo ou metacognitivo. O contexto, as
interações entre professores e alunos, o tipo de situações de
aprendizagem
são
aspectos
importantes
no
processo
de
aprendizagem.
No caso da matemática, embora as calculadoras, sobretudo as
gráficas, que produzem gráficos e trabalham com funções algébricas,
sejam ainda utilizadas e investigadas em sala de aula, os
microcomputadores e a internet vêm ganhando cada dia mais espaço
e adeptos, tanto na prática escolar como na pesquisa educacional.
Entretanto pouco ainda se conhece sobre o impacto das novas
tecnologias em sala de aula, no que diz respeito às crenças, às
habilidades, às concepções e reações de professores, alunos e pais,
ou ainda ao próprio processo de ensino.
De acordo com Kilpatrick (1994), as novas tecnologias permitem
aos estudantes não apenas estudar temas tradicionais de maneira
nova, mas também explorar temas novos, como a geometria fractal.
Gracias (2000, p. 24) considera que um professor de matemática
precisa conhecer os softwares a utilizar no ensino de diferentes
tópicos e ser capaz de reorganizar a sequência de conteúdos e
metodologias apropriados para o trabalho com a tecnologia de
informática em uso.
50
Almeida (1998, p.12) ressalta que o professor deve ser um
projetista que propõe materiais a serem programados, os quais ele
pode criticar, recompor, aumentar, usar parcialmente etc. Essa
capacidade de saber o que quer e de projetar o perfil de seu material é
que permite ao professor se assenhorear do instrumento, utilizá-lo
eficaz e criativamente, argumenta.
A utilização de materiais apropriados pode produzir também,
segundo Leitão, Fernandes & Cabrita (apud BORNATTO, op. cit.),
situações altamente motivadoras, contribuindo para a eficácia da
resolução de problemas. Um alto nível de motivação tem sido
observado nos alunos que trabalham com o computador, o que indica
vantagens de sua utilização como poderoso auxiliar da resolução de
problemas, visto que "contribui para quebrar bloqueios anteriores
relativamente à aprendizagem da matemática" (MOREIRA, 1989,
p.213).
Nesse sentido, e pretendendo contribuir para a melhoria dos
processos de ensino e aprendizagem nos ensinos fundamental e
médio, apresentamos jogos e atividades, alguns traduzidos, outros
desenvolvidos por nós, com a utilização do programa Flash. Essa
apresentação visa, de modo geral, a estimular o uso das TIC
(tecnologias da informação e comunicação) de forma interativa nas
aulas de qualquer disciplina, mas especificamente favorecer a
identificação, a análise e a proposição de ações que integrem
competências e habilidades da matemática com a informática.
Em particular na matemática, as TIC podem oferecer grande
contribuição, à medida que: I) reforçam o papel da linguagem gráfica e
51
de novas formas de representação; II) relativizam a importância do
cálculo; III) permitem a manipulação simbólica (PONTE; OLIVEIRA;
VARANDAS, 2003).
Apresentação de alguns exemplos de jogos desenvolvidos em Flash
Seguem alguns jogos desenvolvidos com uso do Flash, visando
à fixação e ao reforço de conteúdos matemáticos desenvolvidos pelo
professor em aula.
1. Jogo das potências
Objetivo: fixar as principais propriedades operatórias da
potenciação.
Tela inicial
52
O aluno deve carregar com o mouse os quadrados laterais (mais
escuros) para o local onde a propriedade correspondente está correta.
Existe um contador de pontos de acertos e também aparece na tela
um relógio que cronometra o tempo gasto. É possível estabelecer
regras, como, por exemplo: pontuação total subtraída do tempo gasto.
Isso estimula a disputa entre os grupos, o que torna o exercício mais
agradável ao aluno.
2. Jogo da velha matemático
Oobjetivo: reforçar conceitos matemáticos ou geométricos.
Tela número 1
Tela número 2
53
O aluno deve escolher um dos temas tentando sempre
completar três acertos em mesma linha. Escolhendo o tema,
aparece uma pergunta a ser respondida (digitada) na caixa de
respostas; se responder corretamente, marca um X no retângulo
da pergunta, lembrando que o competidor corre contra o tempo.
É dividido em três níveis de dificuldade. No último, o aluno deve
acertar ou completar os nove quadrados para ganhar.
Tela número 3
54
Observe que duas respostas corretas já foram digitadas,
faltando responder corretamente a próxima. Se a resposta for
errada, aparece a figura O, como no jogo da velha, e assim
sucessivamente.
3. Cruzadinha de geometria
Tela número um
Neste jogo, o aluno faz uma cruzadinha usando seus
conhecimentos de geometria. Clicando em cada linha ou coluna
da cruzadinha, aparece a pergunta e uma caixa onde deve ser
digitada a resposta correta.
Tela número dois
55
Observe que duas respostas já foram dadas, estando a tela no
aguardo da resposta (digitação) à pergunta.
4. Jogo da memória
Tela número um
56
Neste jogo de memória, como em outro qualquer, o aluno clica
em dois retângulos, buscando associar a figura ao seu nome. Por
exemplo, a imagem do quadrado com a palavra quadrado. Também
há um contador de tempo para se estabelecer uma dinâmica
competitiva com a turma.
Tela número dois
Cabe destacar: no exemplo acima, já se passaram 1:29 e quatro
figuras foram associadas aos seus nomes.
5. Forca matemática
Tela número um
Na tela inicial, o aluno escolhe ou o professor indica o tema a ser
trabalhado.
57
Tela número dois
O jogo está acontecendo. Com algumas tentativas de erros e
acertos, o boneco vai formando-se assim com a palavra que, por sinal,
é variável. São
apenas
alguns
exemplos
como
sugestão
de
possibilidades para o desenvolvimento de jogos, buscando sempre ter
como foco a aprendizagem. Visam, de maneira bem abrangente, à
fixação, ao reforço e à aquisição de novos conhecimentos trabalhados
ou não com os alunos.
58
Considerações finais
Enquanto o ensino enfatiza o professor, sua pessoa, suas
qualidades e habilidades, a aprendizagem centra-se no aluno, em
suas capacidades, possibilidades, oportunidades, condições de
aprender. Entende-se que o processo ensino-aprendizagem deve
privilegiar a aprendizagem dos alunos, pois a docência, qualquer que
seja a área ou o nível, existe em função da discência, devendo ser
esse o foco do processo.
A utilização de jogos e softwares educacionais (SE) pode auxiliar
o desenvolvimento do pensar crítico e do aprender a aprender nos
alunos. Entende-se que, independentemente da modalidade de
software desenvolvido e utilizado em determinado contexto, é a
concepção que o professor tem do que seja aprender que direciona o
uso da ferramenta. Dessa forma, numa abordagem construtivista, a
utilização de SE pode contribuir para tratar de propostas intelectuais
que dificilmente seriam possíveis, nas suas melhores formas, sem a
utilização do computador.
Seria pretensão querer esgotar o assunto neste artigo.
Buscamos apontar relações entre a prática pedagógica e a tecnologia
de informática, as quais podem e devem ser mais bem trabalhadas por
aqueles que se inquietam com esse novo paradigma educacional, com
essas novas possibilidades. Também foi intenção mostrar a grande
disponibilidade de recursos ainda pouco explorados na educação.
Referências
59
ALMEIDA,
Fernando
José
de.
Educação
e
Informática:
os
Computadores na Escola. São Paulo: Cortez, 1988.
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educativa propícia à mudança de postura do professor. In: VALENTE,
José Armando (Org.). O Professor no Ambiente Logo - Formação e
Atuação. Campinas: Unicamp/Nied, 1996, p. 163-173.
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Mestrado: UFSC, abr. 2002.
COELHO, M. I. P. O cabri-géométre na resolução de problemas.
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Mestrado: Universidade de Aveiros, Lisboa, 1996.
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PONTE, J. P.; OLIVEIRA, H.; VARANDAS, J. M. O contributo das
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<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/artigos_pt.htm>. Acesso em:
3 set. 2004.
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Papirus, 1996.
VALENTE, J. A. (Org.) Computadores e Conhecimento: Repensando a
Educação. Campinas: Unicamp/Nied, 1999.
60
_______________. Computadores e Conhecimento: Repensando a
Educação. 2. ed. Campinas: Unicamp/Nied, 1998.
MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE O EXAME NACIONAL DA
IRLANDA: UM ESTUDO DE CASO EM GEOGRAFIA
Cibele de Cássia Xavier Cruz5
Nair Lobo Pacheco6
Rosane de Mello Santo Nicola7
RESUMO
5
Graduada em história e geografia (UFPR), especialista em novas tecnologias para a educação (Spei),
especialista em metodologias para o ensino fundamental (Universidade Positivo), mestre em antropologia
cultural (UFRJ) com foco em formação de padrão cultural em adolescentes a partir da mídia. Titular de
geografia do Colégio Dom Bosco e autora de material didático de ensino fundamental e médio.
6
Graduada em ciências biológicas (PUC-PR), especialista em metodologia científica (Unibem) e mestre em
engenharia da produção, mídia e conhecimento (UFSC). Supervisora científica do CPDE (Centro de Pesquisa
e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom Bosco e professora de formação inicial de professores em
instituição de ensino superior em Curitiba. Titular das disciplinas de ciências e biologia do Colégio Dom
Bosco.
7
Graduada em letras (UFPR), especialista em gestão de pessoas (FAE) e mestre em educação (PUC-PR).
Coordenadora científica do CPDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom
Bosco, professora de cursos de graduação e pós-graduação da PUC-PR; coordenadora de curso de pósgraduação em desenvolvimento editorial com ênfase em materiais didáticos (PUC-PR); professora de cursos
de especialização das faculdades Bagozzi e Unifae.
61
Este estudo é fruto de um trabalho colaborativo realizado pelo Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) de uma
instituição de ensino privado de Curitiba, cujo contexto se destaca por
passar, desde o primeiro semestre de 2008, pela implantação de seu
Projeto Político Pedagógico (PPP), reformulado em 2007. Assim,
neste momento, acompanham-se o desenvolvimento dos processos e
os resultados oriundos das discussões geradas por esse documento.
O PPP propõe um currículo por competências e habilidades e,
portanto, esta análise dos exames produzidos na Irlanda (2007) teve
como objetivo capacitar os docentes envolvidos no processo
pedagógico instituído naquele estabelecimento de ensino quanto à
elaboração de instrumentos de avaliação de conhecimentos por
habilidades. Dessa forma, ao analisar os exames nacionais irlandeses,
na área de geografia, nas dimensões do letramento linguístico,
cartográfico
e
sociocientífico,
busca-se
promover
a
formação
continuada dos docentes da área de geografia, incentivando-os a
repensar a estrutura das avaliações produzidas por eles. A escolha
recai sobre a Irlanda, uma vez que esse país despontou no cenário
mundial por obter excelentes resultados no programa internacional de
avaliação comparada, o Pisa. Para tanto, formou-se um grupo de
professores, respondendo pelas áreas de geografia, biologia e língua
portuguesa, integrados pelas perspectivas de letramento e mapas
conceituais. A análise revela que a abordagem dos exames irlandeses
se coaduna com os conceitos estruturantes presentes no mapa
conceitual de geografia proposto no PPP da referida instituição de
ensino. Isso se deve ao fato de haver uma base comum
62
epistemológica de geografia, embora a construção desse processo
pedagógico seja diferente sob todos os demais pontos de vista.
Palavras-chave: avaliação por habilidades, letramento, geografia,
formação de professores
Introdução
O presente artigo é fruto de um trabalho colaborativo que se
iniciou com a visita técnica realizada por um grupo multidisciplinar de
estudos à Irlanda no primeiro trimestre de 2008. O grupo teve acesso
a algumas provas do Exame Nacional da Irlanda, em especial na área
de geografia. De posse desses exames, no retorno ao Brasil, foi
solicitada uma análise dessas provas ao Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Educação (CPDE) do Colégio Dom Bosco, para
avaliar como se apresentavam esses instrumentos quanto à estrutura
das questões, seleção de conteúdos e às habilidades contempladas.
Para tanto, formou-se um grupo de professores, respondendo pelas
áreas de geografia, biologia e língua portuguesa.
A discussão acerca da elaboração de instrumentos de avaliação
adequados e eficazes é um desafio para todas as áreas dentro e fora
desse estabelecimento de ensino. Especificamente no contexto dessa
escola, a equipe pedagógica tem-se debruçado sobre essa questão,
buscando promover a formação continuada do corpo docente, visando
à
construção
de
outro
olhar
sobre
a
avaliação
focada
na
aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades do aluno.
63
Para tanto, toma-se como fundamento teórico, nesta análise,
duas perspectivas: letramento e mapas conceituais. A primeira
entendida como caráter eminentemente unificador do currículo, cujas
dinâmicas de ensino formal de cada disciplina, ainda que distintas, se
tornam significativamente complementares. A segunda como forma de
organização e representação articulada dos principais conceitos do
conhecimento escolar necessários à apropriação do aluno ao longo da
educação básica, considerando-se que ele pode ser um ponto de
partida para novos equacionamentos da relação entre conhecimento,
currículo e práticas educativas.
Em seguida, apresentam-se três olhares sobre as provas de
geografia do exame nacional da Irlanda /2007, visando a incentivar a
reflexão docente sobre a prática de elaboração de instrumentos de
avaliação voltados para as habilidades. Inicialmente, são abordados
aspectos linguísticos e discursivos evidenciados nos enunciados das
questões; em seguida, faz-se a análise de conceitos e habilidades
propostos nas questões. Finalmente, apresenta-se o contexto sóciohistórico da Irlanda, a fim de situar as provas no tempo e no espaço, já
que docência é uma atividade complexa e altamente contextualizada,
variando no tempo e no espaço conforme as necessidades sociais.
Letramento e mapas conceituais: fundamentos para a análise
Adota-se neste estudo a concepção de letramento que Senna
(2007) propõe como sendo a primeira macroárea de conhecimento
acadêmico instituída no século XXI no campo das humanidades,
referenciando
o
pensamento
escolar
contemporâneo
numa
perspectiva unificadora, cuja motivação primordial é a dimensão
64
humana, inclusiva e intercultural. Essa
perspectiva
transdisciplinar,
segundo o autor, conduz o letramento como especialidade acadêmica
dentro da área de educação, em torno da qual se interpenetram desde
os processos de alfabetização, a compreensão de leitura e escrita, a
educação matemática e científica, a inclusão digital, até as teorias dos
modelos e dos sistemas cognitivos.
Assim, a escola é concebida como uma agência de letramento
linguístico, literário, matemático e sociocientífico, cujas aulas passam
a ser práticas educativas de leitura e escrita ensinadas como
estratégias cognitivas de processamento de texto. Como afirma
Vygotsky (1993, p. 44), “o desenvolvimento do pensamento é
determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do
pensamento e pela experiência sociocultural da criança”.
Costa (2007, p. 254) afirma:
Hoje, mais do que nunca, face às exigências do
mundo atual, a leitura tem um papel fundamental no
processo de construção do conhecimento, seja
como
fio
condutor
interdisciplinar,
seja
na
no
rede
do
currículo
desenvolvimento
de
competências e habilidades na interação com
diferentes sistemas de expressão com os quais se
queira formar um aluno capaz de aprender, por si
próprio, ao longo da vida.
Cada disciplina pressupõe determinados modelos particulares de
texto – gêneros textuais ou discursivos, que são formas socialmente
realizadas em textos orais ou escritos e estão parcialmente
65
estabilizadas por sua circulação histórica e social ( Bakhtin, 1995). E,
para que se possa letrar o aluno, no sentido do uso efetivo das
práticas da cultura escrita, garantindo seu desenvolvimento como
sujeito social e, portanto, promovendo sua formação cidadã, é
essencial colocá-lo em contato com gêneros textuais produzidos fora
da escola, em diferentes áreas de conhecimento.
Assim, para cada gênero textual, há estratégias específicas de
leitura que transitam na esfera das aulas da disciplina, sendo
fundamental o domínio do docente para transferir, além dos
conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades de leitura,
entendida
aqui
como
ato
de
produzir
sentidos
a
partir
de
conhecimentos prévios de mundo, linguísticos e textual-discursivos.
Mapas conceituais, também chamados mapas visuais, mapas
mentais,
pensamento
visual
ou
organizadores
gráficos,
são
ferramentas para organizar e representar visualmente o conhecimento.
Eles incluem conceitos, geralmente inseridos em algum tipo de
diagrama, relacionados entre si por meio de uma linha de conexão.
Esses conceitos podem ser organizados de maneira hierárquica, indo
do mais geral, em cima ou ao centro, para o mais particular, embaixo
ou nas extremidades.
Quanto à origem dos mapas conceituais, existem duas vertentes.
A maioria dos autores informa que essa técnica está fundamentada na
Teoria da Aprendizagem Significativa, de Ausubel e John Novak
(1963), segundo a qual "o aprendizado significativo acontece quando
uma informação nova é adquirida mediante esforço deliberado por
parte do aprendiz em ligar a informação nova com conceitos ou
proposições relevantes preexistentes em sua estrutura cognitiva”
66
(Ausubel et al, citado por SOUZA, 2003). Isto é, a aprendizagem
ocorre “quando uma nova informação se ancora em conceitos ou
proposições relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do
indivíduo” (CAVE, 2003).
Por outro lado, vários outros estudiosos citam Tony Buzan como
o criador dos chamados mapas mentais em 1960. Em seu site, Buzan
conta como criou os mapas mentais, associando sua criação à
descoberta, também nos anos 60, dos hemisférios cerebrais pelo
pesquisador Roger Sperry. Em suas pesquisas, Sperry confirmou que,
quanto mais as habilidades dos dois hemisférios do cérebro (lógica,
linearidade, números, redação, listas, ritmo, cor, sonho, imaginação e
apreensão do todo (Gestalt)) fossem integradas, mais a atuação do
cérebro estaria em sinergia e cada habilidade intelectual diferente
estaria melhorando a atuação nas outras áreas intelectuais. Quando
se constroem os mapas mentais, não se praticam apenas os poderes
fundamentais da memória e da habilidade de processamento de
informações, organização e ligações em rede; usam-se também todas
as habilidades cerebrais, a caminho de ajudá-lo a manifestar seu
próprio gênio (BUZAN, 2003).
Para Harland (2003), (a) os mapas não precisam ser simétricos,
isto é, eles podem ter mais conceitos de um lado que de outro; (b) não
existem mapas completamente corretos, somente mapas que se
aproximam do significado que se pretenda representar para os
conceitos em questão; (c) devem ser colocadas poucas palavras numa
caixa de conceito; (d) devem-se conectar poucas caixas seguidas sem
ramificá-las; (e) podem ser usados conectivos que expressem a
67
relação para ligar dois conceitos; (f) os mapas são bidimensionais, não
apenas uma lista de conceitos conectados por linhas; (g) os conceitos
mais importantes podem ser identificados pelo posicionamento deles
no mapa e que ideias se ramificam deles; (h) os mapas mais
completos têm muitas bifurcações.
Buzan (2003) também menciona alguns benefícios dos mapas
mentais, destacando que permitem a visão geral de um assunto
complexo; possibilitam o desenvolvimento cognitivo de maneira mais
eficaz; proporcionam visão geral e detalhada de um tema; congregam
e exibem grande quantidade de dados; encorajam a resolução de
problemas, mostrando caminhos novos e criativos; ajudam a pessoa a
ser muito eficiente; também são estéticos, o que incentiva a leitura, a
reflexão e memorização.
Considerando a base epistemológica, que fundamenta o ensino
de cada disciplina, e a intenção de fazer frente aos múltiplos desafios
da sociedade, numa perspectiva de enriquecimento contínuo dos
saberes e do exercício de uma cidadania adequada às exigências da
realidade atual, foram inicialmente selecionados os conteúdos
científicos e essenciais. A seleção dos conceitos científicos essenciais
surge do fato de não ser mais possível ensinar todo o conjunto de
conhecimentos científicos acumulados de forma livresca, sem
interação
com
fenômenos
sociais,
geográficos,
naturais
e
tecnológicos.
Para pensar os conceitos essenciais das disciplinas, partiu-se da
identificação da palavra-chave de cada área de saber. No caso da
geografia, é o espaço. A partir dela, desdobraram-se os conceitos
68
científicos essenciais ao desenvolvimento dos conteúdos. Apresentase a seguir esse mapa conceitual (Ilustração 1).
Ilustração 1 – Modelo de mapa conceitual de geografia
Dessa forma, o mapa conceitual foi concebido para traduzir o
essencial da aprendizagem do estudante, sendo-lhe propiciadas
diversas possibilidades interpretativas do espaço geográfico, para nele
interagir criticamente, entendendo e relacionando as especificidades
da geografia, nos aspectos que concernem à análise geográfica,
partindo de temas e/ou lugares numa discussão que articule as
questões da natureza e da sociedade.
Aspectos linguísticos e discursivos dos enunciados
A análise de aspectos linguísticos presentes nos enunciados das
provas do Exame Nacional da Irlanda representa breve descrição de
aspectos lexicais adequados ao tema ou aos modelos cognitivos
69
ativados nas questões. Assim, selecionaram-se apenas dois aspectos:
a escolha de verbos (léxico) e os gêneros textuais (discurso)
empregados na formulação das questões. Para tanto, estudaram-se
três provas do exame nacional, uma de 2006 e duas de 2007. Para
tanto, apresenta-se a tabela a seguir.
Tabela 1 – Verbos
Número de vezes em que
é empregado
Principais verbos de
comando
Examinar
Prova
Prova
Prova
1
2
3
7
24
29
Diferentes sentidos de uso
Observar minuciosamente, analisar,
investigar
Explicar
11
11
---
Expor
Discutir
---
---
5
Avaliar, analisar
A tabela mostra a incidência com que o ato de “examinar” está
vinculado ao propósito da leitura e ao nível de desempenho, a
compreensão, visto remeter à identificação e recuperação de dados
em tabelas, gráficos, mapas e diagramas. Embora os demais verbos
não sejam tão recorrentes, cabe apresentá-los no sentido de análise
das exigências discursivas dessa avaliação. São eles: nomear,
associar, escrever, numerar, desenhar, escolher, calcular, identificar,
completar, classificar, analisar, comentar, ilustrar, circular. Isso reflete
um dialogismo bastante rico, que promove práticas de contextos
sociais diversos.
Outro aspecto essencial para este estudo é a estrutura
composicional dos enunciados: a objetividade, a preferência por um
comando de cada vez, sem uso de recursos coesivos. O uso de
70
negrito em letras, numerais e termos determinantes para a resposta,
tais como dois, cada; presença de títulos em algumas questões –
numa prova com 12 questões, 8 têm títulos, sendo uma parte objetiva
e outra discursiva, mas com possibilidade de escolha da questão para
resposta. Finalmente, a tabela a seguir demonstra os dados sobre
gêneros textuais encontrados.
Tabela 2 – Gêneros textuais
Gêneros textuais
Número de vezes em cada prova
presentes
Prova 1
Prova 2
Prova 3
4
4
4
Mapas
2
3
4
Tabelas
7
6
2
Gráficos
2
2
6
Esquemas
1
1
---
Imagens
1
1
---
Imagens de satélites,
5
3
---
Diagramas
(representações
esquemáticas,
desenhos com letras)
fotos
Fica evidente que as provas avaliam exaustivamente a
habilidade de compreensão de gêneros textuais típicos da geografia,
que fazem interface com a matemática (conceitos estatísticos). Nesse
sentido, faz-se necessário o trabalho com as etapas de tratamento de
dados (coleta, organização e interpretação). Cabe considerar o valor
dado nessas provas ao desenvolvimento de um sujeito social que
saiba articular representações gráficas com práticas e necessidades
71
sociais, o que lhe permite voltar-se à pesquisa e ao confronto de
ideias, ações essenciais na sociedade contemporânea.
Análise de alguns conceitos e habilidades propostos nas
questões
As instituições de ensino privado no Brasil, pela necessidade de
atender às demandas da sociedade, com a exigência de resultados
efetivos de aprendizagem, buscam analisar exemplos e modelos bemsucedidos de experiências no mundo. Essa estratégia permite ao
docente constante pesquisa e diálogo com seus pares, estudando
soluções viáveis de aplicação na escola. Diante disso, os exames são
objetos de estudo viáveis para comparar a forma de abordagem dos
conceitos
estruturantes
da
geografia
naquele
país
com
os
instrumentos construídos pelos docentes de geografia na referida
instituição privada brasileira. Nesse sentido, dada a limitação desse
gênero textual, tomam-se para análise do exame irlandês os seguintes
conceitos essenciais do mapa conceitual: letramento cartográfico
(Ilustração 2), localização(Ilustração 3) e meio técnico-científicoinformacional (Ilustração 4).
O aspecto referente à representação do mundo e dos diversos
lugares, por meio de mapas temáticos, iconografia, maquetes e
plantas, imagens de satélites tendo presentes a legenda, a escala e a
orientação, levando-se em conta, ainda, o tratamento das informações
geográficas
e
as
novas
tecnologias,
é
fundamental
para
o
desenvolvimento cognitivo do estudante.
72
Imagem de satélite
Observe esta imagem de satélite de uma parte da costa oeste dos EUA e do
Canadá. Associe cada uma das letras de A a E na imagem com as características
apropriadas a seguir.
Nº
Característica
Rio Valley
Banco de neblina costal
Campos com neve
Ilha Grande
Nuvem fina
Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da
Irlanda – Seção 1
O exposto em relação à educação geográfica e à compreensão
do espaço geográfico parte da compreensão de espaço como
“conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas
de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas
como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1996, p. 51).
Dentro do letramento geográfico, a cartografia é uma peça
fundamental para a construção dos saberes do estudante. Assim, o
letramento cartográfico é o principal foco dos Exames Nacionais da
Irlanda, exigindo que o estudante demonstre o domínio dessa
habilidade.
A
cartografia,
então,
é
considerada
uma
linguagem, um sistema-código de comunicação
imprescindível
em
todas
as
esferas
da
aprendizagem em geografia, articulando fatos,
conceitos e sistemas conceituais que permitem ler
e escrever as características do território. Nesse
73
contexto, ela é uma opção metodológica, o que
implica utilizá-la em todos os conteúdos da
geografia, para identificar e conhecer não apenas a
localização dos países, mas entender as relações
entre eles, compreender os conflitos e a ocupação
do espaço (CASTELLAR, 2005, p. 4).
Assim, fica nítido dentro do desenvolvimento da prova de
geografia que o letramento geográfico e seus pressupostos garantem
ao aluno demonstrar domínio do conhecimento específico da área. O
letramento geográfico constitui-se na construção de um universo
teórico-metodológico específico para a geografia inspirado na
concepção de letramento advindo da linguística. Este é o grande
desafio para a construção do pensamento geográfico, pois se
sobrepõem
no
debate
acadêmico
alguns elementos como
a
interdisciplinaridade, a contextualização, a epistemologia própria da
ciência, as demandas políticas e ideológicas que norteiam o fazer
pedagógico, entre outros.
O
segundo
conceito
estruturante
presente
na
prova
é
localização. Como já foi enfatizado, compõe a referência conceitual
mais importante da geografia no que diz respeito ao espaço.
Observe estes diagramas, mostrando a evolução cíclica de uma topografia fluvial.
Usando os números 1 a 3, identifique
os estágios novo, maduro e velho.
74
Ilustração 3 – Modelo de questão do Exame Nacional da
Irlanda – Seção 1
Quanto ao conceito referente ao meio técnico-científicoinformacional, na última seção do exame, o estudante faz escolhas
entre os seguintes conceitos: globalização, geoecologia, cultura e
identidade, desenvolvimento da atmosfera e hidrosfera. Seguem três
questões de um dos conceitos propostos no mapa conceitual.
Geoecologia
1. Analise as implicações globais da destruição continuada das florestas úmidas tropicais.
2. Discorra sobre como as atividades humanas podem acelerar a erosão do solo.
3. Ilustre o desenvolvimento dos biomas e escolha um exemplo específico.
Ilustração 4 – Modelo de questão do Exame Nacional da
Irlanda – Seção 3
Assim, há convergência entre os Exames Nacionais da Irlanda e
o atual ensino de geografia, permitindo identificar expectativas em
relação à aprendizagem futura dos estudantes. Os resultados
alcançados pelo país possibilitam vislumbrar caminhos para a
constituição de um letramento geográfico efetivo, que possibilita ao
estudante realizar não apenas a leitura do mundo, mas agir sobre ele
e transformá-lo de forma crítica.
O Exame Nacional é dividido em três partes. À medida que o
instrumento apresenta as questões, o estudante é exigido de forma
diversificada e pode fazer escolhas entre temas e modelos de
75
questões, de acordo com a proposta das habilidades a serem
avaliadas. A proposta de desenvolvimento das habilidades fica
evidente quando as questões diferenciam em níveis cognitivos
distintos (menos elaborado, mais elaborado, complexo), apesar de
exigir do estudante a demonstração do domínio de uma mesma
habilidade. Usando um jargão comum: existem questões fáceis,
médias e difíceis sobre a mesma habilidade. O estudante pode
escolher questões diferentes para responder dentro da prova, contudo
as habilidades presentes nas questões são as mesmas. Nos exames,
é possível inferir a presença de uma classificação, semelhante à
taxionomia de Bloom, como demonstrado no quadro. As questões não
são apresentadas de forma hierarquizada, mas estão voltadas para a
demonstração do domínio de habilidades essenciais de acordo com a
faixa etária e os conceitos estruturantes da área na qual o estudante
está realizando a prova. Cada questão é relacionada a um valor
(pontuação), apresentando-se de forma bastante equilibrada a
distribuição dos pontos diante das habilidades que ele deve
demonstrar em cada faixa etária.
Tabela 1 – Distribuição das questões de geografia no Exame
Nacional da Irlanda
Parte I
Parte II
12 questões (obrigatória)
Seção 1 - 6 questões
Seção 2 - 6 questões
Seção 3 - 12 questões
(obrigatória)
(enfoque)
(opcional)
Economia e
Temas
Geografia física e regional
desenvolvimento
humano
Geopolítica,
geoecologia, cultura e
identidade, atmosfera
e hidrosfera
76
Escala crescente de complexidade
Taxionomia de Bloom
Identificação
e
observação
Explicação e síntese
Aplicação e análise
Os exames analisados deixam evidente a preocupação com uma
educação geográfica que instrumentalize o estudante a compreender
e explicar processos de transformação do mundo em que vive,
enfocando sua dinâmica e compreendendo relações entre fenômenos
sociais, econômicos e naturais. O estudo da geografia possibilita a
compreensão da posição do aluno, mediante as relações da
sociedade com a natureza e as consequências das ações individuais e
coletivas. Pretende-se que o estudante se reconheça como membro
participante,
responsável
e
comprometido
com
os
valores
humanísticos, ambientais e tecnológicos. O diagrama a seguir
expressa essa proposição.
Ilustração 5 – A estrutura do Exame Nacional da Irlanda na área
de geografia
Percebe-se a preocupação em avaliar o estudante quanto à
compreensão
da
epistemologia
da
geografia.
Os
conceitos
77
estruturantes da área são os focos de todo instrumento de avaliação.
A prova é construída de forma interdisciplinar, contextualizada e
voltada a um plano de letramento em que o aluno é levado a
“relacionar espaço com natureza, espaço com sociedade, isto é,
perceber os aspectos econômicos, políticos, culturais, entre outros, do
mundo em que vive” (KAERCHER, 2007, p. 85).
O letramento sociocientífico
O resultado dos avanços tecnológicos e da valorização
generalizada da educação formal do mundo pós-moderno em todos os
países exige cada vez mais o desenvolvimento de habilidades
cognitivas para que o homem possa vencer desafios e ocupar um
papel social. Então, por que se debruçar sobre o estudo do exame
nacional da Irlanda?
Essa discussão desenvolve-se desde 2003, quando os primeiros
resultados obtidos na Irlanda foram divulgados pela mídia. Os dados
apresentados destacavam a mudança dos investimentos daquele país
e os resultados educacionais alcançados, uma vez que o Brasil, nesse
mesmo período, tinha obtido resultados sofríveis entre os 41 países
avaliados pela Unesco. Há pouco mais de 30 anos, a Irlanda figurava
como nação pobre, com elevados índices de analfabetismo e
população com pouco acesso à educação. O interesse em integrar a
comunidade econômica europeia levou os dirigentes do país a se
perguntarem o que fazer para a Irlanda se transformar num país
desenvolvido, voltado para o futuro.
78
(...) No lugar de mais infraestrutura econômica e
desperdício em prédios públicos, a decisão foi a de
que o país concentraria seus investimentos, ao longo
das
décadas
seguintes,
independentemente
de
resultados eleitorais, em três objetivos: saúde de
qualidade e gratuita para todos, educação de
excelência para todos e ciência e tecnologia de
ponta. Desde então, a Irlanda investiu contínua e
prioritariamente na educação de seu povo. O
resultado: a Irlanda é hoje um dos países com a
melhor educação entre todos do mundo (BUARQUE,
2003, p. 1).
Esse contexto irlandês foi aperfeiçoado nos últimos cinco anos,
tornando o país referência em educação no cenário mundial. A
superação de suas limitações em curto espaço de tempo despertou o
interesse de vários países, inclusive dos educadores brasileiros. Além
da análise que envolveu a abordagem específica da disciplina, a prova
de geografia do exame nacional da Irlanda permite refletir sobre sua
elaboração, com base no contexto interdisciplinar, orientada pelo olhar
das ciências naturais, que acrescenta o letramento sociocientífico a
seus conceitos atuais. A educação sociocientífica, por possuir caráter
interdisciplinar, envolve saberes capazes de constituir uma rede de
significações que aproxima de diferentes conhecimentos para a
compreensão
da
realidade
conhecimento
científico,
é
contemporânea.
necessário
passar
Para
pelo
atingir
o
processo
investigativo que acompanha toda pesquisa, organizando-se saberes
79
compartimentados, de forma agregada, no caso específico, a
geografia, a química e as ciências. Tome-se a questão abaixo.
Ciclo da água
Nas caixas fornecidas, combine cada um dos números de 1 a 4 no diagrama com a letra de seus
pares na coluna X. Um par foi terminado para você.
Coluna X
X
A Precipitação A
B
Condensação B
C Escoamento C
D
Evaporação
Nº
2
D
Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 2
Se, por um lado, a geografia explorou os processos biofísicos,
por outro permitiu, nas ciências naturais, investigar o conhecimento do
estudante sobre as propriedades, as transformações e a constituição
da matéria, ao tratar do tema referente ao ciclo da água. Para isso, o
estudante deve dominar conceitos científicos necessários para
compreender certos fenômenos do mundo natural. Embora os
conceitos utilizados sejam típicos dos campos da química, das
ciências biológicas e ciências da Terra e do espaço, eles são
aplicados
a
problemas
científicos
presentes
na
vida
real,
acrescentando mais um caráter relevante à construção da questão – a
contextualização.
Algumas questões de caráter optativo e discursivo abordam
situações atuais e até se referem à Amazônia. Justifica-se essa
abordagem pelo contexto histórico vivido pela Irlanda. Nos últimos 15
80
anos, esse país passou de “parente pobre” a “tigre celta” da União
Europeia, após ter vivido toda espécie de pobreza, desemprego e
fortíssima emigração pós-Segunda Guerra Mundial, além de se ter
desvinculado do Reino Unido. Nessa época, os países desenvolvidos
buscavam outras regiões para investir, dentre eles figuravam o Brasil e
a Irlanda. Verifique-se a questão a seguir.
Compreendendo o caso Irlanda
A decisão estratégica de investir em educação reverteu o quadro
apresentado nos anos 1960, que detinha índice de analfabetismo
beirando os 35%. Tornou-se obrigatória a frequência escolar,
formando um sistema de ensino gratuito e de boa qualidade, desde a
educação básica até a universidade. Essas medidas resultaram na
eliminação total do analfabetismo e na qualificação da mão de obra. O
país, assim, promoveu um “choque de competitividade” em sua
economia por meio da educação.
Atualmente, o sistema educativo da Irlanda configura-se em três
níveis: primário, pós-primário e superior. O primário tem duração de 8
anos, permitindo o ingresso de crianças entre 4 a 6 anos, e traz no
currículo línguas (irlandesa e inglesa), matemática, estudos sociais, do
meio e científico (história, geografia, ciências). O pós-primário tem
duração de 5 a 6 anos, é considerado obrigatório e compreende dois
ciclos: o júnior e o sênior. O júnior, com duração de 3 anos, traz um
currículo flexível que permite à escola escolher entre 26 disciplinas
aprovadas. Dentre as mais frequentes figuram: irlandês, inglês,
matemática, educação cívica, social e política, educação para a saúde
81
e educação física. O sênior, com duração de 2 ou 3 anos, apresenta
um currículo diversificado (geral, vocacional e aplicado). O último ano,
o terceiro, é optativo e volta-se ao desenvolvimento pessoal e social, à
promoção de competências técnicas e acadêmicas. No ciclo sênior, os
professores avaliam os alunos durante o período letivo por meio de
testes, mas a passagem de ano continua a ser automática, salvo
circunstâncias excepcionais. Ao final desse ciclo, os alunos são
sujeitos a exames de fim de estudos, uma nova avaliação externa
(escrita, oral e prática) de grande importância. Do sucesso depende a
atribuição do certificado de fim de estudos, bastante usado pelos
empregadores para fins de candidatura a emprego e cuja pontuação
serve de base para acesso ao ensino superior. Finalmente, no ensino
superior, dentre os cursos ofertados, destacam-se os de licenciatura
em ciências, engenharia e matemática.
Considerações finais
Ao analisar as provas de geografia do Exame Nacional da
Irlanda, fica evidente a preocupação com o letramento do estudante
em todas as áreas. Estimulando leitura e escrita com propriedade, a
Irlanda aponta em direção à construção da cidadania, como bem
coloca Schäffer (2007) “concebida como formação de opinião pública
capaz de direcionar decisões políticas”.
A observação cuidadosa do
que é posto no mapa conceitual da área de geografia, proposto para o
Colégio Dom Bosco, e a forma como o exame irlandês constrói o
instrumento de avaliação aproximam o diálogo, pois ambas as
realidades comungam dos mesmos fundamentos epistemológicos. Ao
problematizar a análise do exame e verificar a validade de
82
comparação dos modelos de provas da Irlanda e do Brasil, neste caso
com o recorte de Curitiba, percebem-se as possibilidades de
aprimoramento na elaboração das avaliações como, por exemplo, dar
opções aos estudantes. Compreender que o letramento do estudante
passa antes pelo letramento do próprio docente é fundamental. O
perfil do profissional capaz de realizar essas transposições didáticas é
de um docente reflexivo, capaz de distanciar-se do seu fazer
pedagógico e investir no estudo e na pesquisa para transpor suas
limitações e avançar de forma segura em direção à aprendizagem do
estudante.
Referências
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Sonia
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Geográfica:
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25, n.
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85
O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO: UMA REFLEXÃO
SOBRE A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E SEU USO
METODOLÓGICO EM SALA
Rafael Mauricio Hauer8
RESUMO
O presente artigo pretende discutir metodologias que incorporem
efetivamente a linguagem cinematográfica à educação, buscando
superar seu uso meramente instrumental. Para tanto, propõe ao
docente aprofundar o conhecimento dos elementos específicos da
linguagem cinematográfica, apresentando pequena coleta de dados
empíricos, a partir da qual se enfatiza o uso instrumental do cinema
em sala de aula e se propõem novas metodologias que partem do
pressuposto
estético
dessa
linguagem.
Assim,
priorizam-se
metodologias que visem à educação pelo e para o cinema, voltadas
não só para a recepção crítica e inclusive estética dos filmes e
documentários utilizados pelos professores, como também para
produções cinematográficas dos próprios alunos com uso dos
elementos da linguagem dessa arte.
Introdução
O uso do cinema na educação formal remonta à década de 1970
ou 1980, mas a função educativa do cinema é algo relacionado ao
próprio surgimento do cinema e que extrapola o espaço da escola.
8
Graduado em história (UFPR), especialista em filosofia política (UFPR) e mestre em educação com foco em
cognição e aprendizagem ( UFPR). Professor de ensino médio há mais de dez anos, autor e analista crítico de
material didático para a Editora Dom Bosco.
86
Com efeito, a educação em si é um fenômeno maior, que ocorre nas
ruas, nas relações sociais e nos meios de comunicação.
O cinema educa, portanto, desde seu surgimento, tendo
gerações inteiras marcadas por sua linguagem fora do espaço escolar.
Apenas recentemente as escolas perceberam o uso pedagógico do
cinema e vêm incorporando essa ferramenta de forma crescente, o
que requer, certamente, uma reflexão acerca da apropriação dessa
tecnologia e de seu emprego de forma eficiente, consciente e
responsável.
A reflexão sobre as relações entre cinema e educação é tão
mais necessária quando se lembra do uso do cinema e de outras
mídias por instituições como partidos, governos, grupos terroristas ou
fanáticos religiosos. O imenso impacto do cinema nas plateias deve
ser matizado pelas experiências históricas e orientar sua aplicação em
ambientes de aprendizagem formal.
A presente reflexão constitui-se do relato de experiência acerca
de uma oficina dedicada ao debate sobre o uso da linguagem
cinematográfica em sala de aula, bem como das metodologias que
incorporam efetivamente a linguagem cinematográfica à educação,
superando seu uso meramente instrumental.
Desenvolvimento
Entre 21 e 25 de julho de 2008, no III Congresso de Educação
Dom Bosco, este professor e pesquisador ministrou uma oficina
intitulada “A linguagem cinematográfica como recurso pedagógico”. Na
abertura, aplicou um instrumento de pesquisa nos participantes para
87
coletar algumas informações acerca do uso do cinema em sala de
aula. Dentre os doze participantes, nove afirmaram utilizar cinema em
sala, três disseram não usar, ou seja, o uso do cinema pelos
professores ficaria em torno de 75% dos professores desse pequeno
corpus.
O alto índice de utilização do cinema comprovou um dado já
percebido empiricamente, que reforça a necessidade de indagar a
respeito do uso que se faz do cinema. Dentre os nove participantes
que faziam uso do cinema, apenas dois afirmaram usar filmes inteiros,
ou seja, apenas 22% apresentam toda a obra cinematográfica aos
alunos, enquanto a maioria, 78%, usa apenas cenas pré-selecionadas.
Tendo em vista que, dentre os doze professores participantes, havia
um orientador educacional, quatro professores de arte, dois da área de
biologia, um de inglês, um de sociologia, dois de história e um de
educação física, nenhum dos títulos de filmes citados se repetiu,
aparecendo referências a títulos como Amor Além da Vida e Agonia e
Êxtase, citado pelos professores de artes, O Patriota e Carlota
Joaquina, pelos de história, além de referências a documentários.
A respeito dos critérios de escolha dos filmes, sete professores,
ou seja, 77% dos entrevistados, afirmaram escolher filmes porque eles
exemplificam o conteúdo das disciplinas. Seis professores ou 66%
apontaram o aprofundamento de conteúdos por meio de filmes; quatro
ou 44% apontaram que os filmes escolhidos devem apresentar outros
pontos de vista sobre os temas de estudo, podendo também ser
escolhidos por eventuais erros que apresentam, permitindo, assim,
problematizar o conteúdo.
88
Em termos metodológicos, oito dos nove professores que
afirmaram usar filmes apontaram que usam o cinema sempre depois
da explicação do conteúdo, o que justifica a informação anterior do
uso de filmes para exemplificar o conteúdo exposto. Com efeito, 77%
afirmaram que buscam exemplos nos filmes, o que justifica a opção
metodológica de 88% dos entrevistados em passar filmes após a
explicação. Quatro dos nove professores que usam filme, ou seja,
44%, afirmaram também que usam filmes ao mesmo tempo em que
explicam os conteúdos, intercalando cenas com observações teóricas
acerca
do
assunto
estudado.
Ainda
em
termos
de
opções
metodológicas, quatro professores ou 44% apontaram ainda que
utilizam filmes como elemento motivador, ou seja, apresentam o filme
ou as cenas para então começar a explicação do conteúdo a ser
estudado.
A pesquisa permite constatar que a grande maioria dos
professores utiliza o cinema de forma instrumental, ou seja, como
recurso pedagógico que favorece ilustrar, aprofundar, questionar e
debater determinado conteúdo a ser discutido pela classe, mas que
não se detém na linguagem própria do cinema, que não analisa a
estética proposta pelo diretor nem tampouco questiona os motivos
ideológicos que levaram o diretor a adotar uma solução de montagem
em vez de outra. Com efeito, oito dos entrevistados apontaram esse
tipo de explicação como justificativa para o uso do cinema; uma
pesquisa foi deixada em branco, ou seja, 88% dos professores
apontaram o cinema em termos instrumentais, mas nenhum citou a
necessidade de maior conhecimento técnico e estético sobre a
especificidade da linguagem cinematográfica.
89
A respeito do conhecimento dos professores entrevistados sobre
os elementos que compõem a linguagem cinematográfica, obteve-se
resultado curioso. Dos doze participantes da pesquisa, três afirmaram
que não fazem uso do cinema em sala, ou seja, 25% dos
participantes, enquanto 75% afirmaram usar o cinema apenas em
nível instrumental. Ora, apresentavam-se aos professores quatro
elementos da linguagem cinematográfica: planificação, movimentos de
câmera, angulação de câmera e montagem. Todos os participantes
que afirmaram não utilizar o cinema em sala de aula também
afirmaram conhecer os movimentos de câmera; dois afirmaram
conhecer a planificação e a montagem e um afirmou conhecer todos
os elementos da linguagem cinematográfica apresentados na enquete.
Dessa forma, exatamente os profissionais da educação que possuem
maior conhecimento da linguagem cinematográfica são aqueles que
abdicam do uso dessa linguagem em sala. Por outro lado, dos nove
profissionais que afirmaram usar o cinema, apenas um, ou seja, 11%,
afirmou conhecer todos os elementos apresentados, enquanto oito
participantes, ou 88%, assinalaram que não conheciam nenhum dos
elementos cinematográficos apresentados. Em resumo, das doze
pesquisas, quatro participantes conheciam algum elemento da
linguagem do cinema, ou 33%, mas três deles não usavam o cinema.
A próxima questão levantada pela pesquisa perguntava se os
professores participantes já se haviam preocupado em conhecer
melhor a linguagem do cinema em sua especificidade para utilizá-la
em sala. Dos doze participantes, oito afirmaram que sim, ou 66%,
enquanto quatro afirmaram não, ou 33%. Por fim, todos admitiram que
conhecer melhor a linguagem cinematográfica otimiza o trabalho com
90
os filmes, ou seja, 100%. Dentre as justificativas apresentadas com
relação a esse tópico, os professores apontaram que esse
conhecimento ajudaria na escolha, análise e interpretação das cenas a
usar em sala de aula.
Esse resultado permite algumas inferências: em primeiro lugar,
busca-se ensinar com o cinema, mas sem fazer ou criticar o próprio
cinema; em segundo lugar, existe uma preocupação de alguns
professores em conhecer melhor os elementos da linguagem
cinematográfica, mas são exatamente aqueles que não usam o
cinema em sala. A respeito dessa informação, acreditamos ser
necessária uma pesquisa específica para tentar comprovar esse dado
e os motivos dessa opção.
Por outro lado, uma abordagem estética ou essencial do cinema,
para além de seu mero uso instrumental e que inclua análise da
estética cinematográfica, evolução de sua linguagem, recursos
técnicos utilizados em determinada película, parece algo ainda
distante da sala de aula. Então, o que é educar pelo cinema?
Em termos de metodologias instrumentais, parece haver um
padrão razoavelmente homogêneo em suas aplicações, que ignora
amplamente a estética cinematográfica. Esse padrão pode apresentar
pequenas variações, mas se mantém da mesma forma, a grosso
modo.
O professor faz breve explanação sobre determinado assunto.
Em seguida, apresenta aos alunos um filme ou documentário completo
ou cenas pré-selecionadas. Pede então aos alunos um relatório
orientado sobre os pontos do conteúdo ilustrados no filme ou das
contradições e dos erros do filme na abordagem desse conteúdo, o
91
que é muito comum; ou, ainda, enfatiza as cenas cuja abordagem do
conteúdo é exemplarmente mostrada, reforçando a feita em sala. O
uso de debates também é muito comum, mas sobre o conteúdo
estudado, os erros e acertos do filme, mais raramente as posições
ideológicas implícitas nas cenas. Quase não se debate sobre o que o
filme diz, mas como o filme diz.
Exemplos desse tipo de metodologia são comuns e podem ser
encontrados facilmente tanto nos depoimentos dos professores como
também em sites dedicados às relações entre cinema e educação.
Veja a metodologia proposta no site www.planetaeducação.com.br, a
respeito do filme A Ilha.
1. Peça aos estudantes a leitura dos clássicos livros Admirável
Mundo Novo, de Aldous Huxley, 1984, de George Orwell, e Eu,
Robô, de Issac Asimov. Para tanto, divida a turma em três
grupos e peça a cada terço de alunos a leitura de um dos títulos
mencionados. O ideal é que essa leitura seja feita antes da
apresentação do filme. Depois que o filme for mostrado, promova
discussões sobre o futuro com os estudantes. Se puder, envolva
professores de outras áreas nos debates.
2.
Realize
uma
mostra
de
filmes
de
ficção
científica,
preferencialmente dos clássicos, para os estudantes terem uma
perspectiva da visão de futuro de diferentes escritores, cineastas
e pensadores. Encarregue os estudantes de organizar uma
apresentação do filme por meio de painéis, debates, textos e até
92
exposições artísticas, como produção de desenhos, pinturas ou
dramatizações.
3. Muitos filmes que tratam do futuro abordam o assunto de
forma pessimista. Por que isso acontece? Qual a parcela de
responsabilidade sobre essas nuvens negras que pairam no
horizonte futuro da humanidade? O que se pode fazer para
mudar essa perspectiva tão negativa do amanhã? Envolva os
estudantes numa pesquisa de campo sobre essa temática,
buscando opiniões fora da escola, junto às famílias e à
comunidade. Amplie as discussões.
4. O tema central das discussões acerca da ciência no filme A
Ilha é a clonagem. Busque informações atuais desse assunto.
Como estão as pesquisas? E a legislação? Há debates mundiais
sobre clonagem? Qual a sua opinião sobre o assunto? Depois de
acumular informações extraídas de jornais, revistas, sites e
livros, o ideal é fazer uma mesa-redonda envolvendo discussões
sobre ciência e ética.
Sem dúvida, a metodologia exposta é muito produtiva e, por si
só, justifica o uso do cinema na educação. Ele permite o
estabelecimento de diálogo com a literatura e outras linguagens
artísticas, contextualiza a questão das tecnologias e introduz o debate
sobre bioética. Seria possível propor e executar metodologias ainda
mais afeitas ao cinema?
93
Nesse sentido, propõe-se um segundo tipo de procedimento
metodológico, muito semelhante ao descrito, mas incorporando a
análise dos elementos que formam a linguagem cinematográfica.
Inicialmente,
decrevem-se
os
elementos
que
compõem
essa
linguagem.
A linguagem cinematográfica
Entre os gregos antigos, o olhar, como o resto dos sentidos, era
considerado condição para a relação entre o ser e o mundo. Sem
olhar, o ser efetivamente não existia, na medida em que sua existência
dependia da compreensão do mundo que o cercava. Para os gregos,
no entanto, existia uma distinção entre dois tipos de olhar: olhar
receptivo e olhar ativo.
Olhar receptivo e passivo decorre do simples fato de o homem
possuir a capacidade de ver, ou seja, de receber estímulos na retina.
Nesse sentido, uma aula com uso do cinema, segundo os
procedimentos expressos acima, baseia-se no olhar receptivo mais
tradicional, no qual o aluno é colocado na posição de espectador que
assume posição passiva, mas suficientemente atenta para receber
mensagem acerca de um conteúdo qualquer. Ele vê, mesmo sem ter a
intenção, o que está à sua frente. Olhar ativo, ao contrário, é o olhar
de quem vê o mundo com atenção, de quem busca, de quem pretende
compreender ou simplesmente apreciar o que o mundo exterior
proporciona. Esse é o olhar do sábio, do cientista e do artista; no caso
do cinema, não pode ser estimulado a não ser que se conheçam os
elementos fundamentais que compõem sua linguagem, pois apenas
94
dessa maneira se pode transformar o que se percebe em ideias,
conhecimento e arte.
Dos sentidos que possuímos, o olhar é considerado o mais apto
à intuição. Na fala, por exemplo, circulam bilhões de mensagens a
cada articulação sonora, pronunciada em certa cultura, o que torna
mais complexa a apropriação dos significados. A imagem, na medida
em que se constitui em ícone, segundo a teoria da linguagem de
Pierce, exige do espectador o exercício da recepção. Pesquisas de
linguística mais recentes afirmam que a leitura depende de um sujeito
ativo que faça ativação de conhecimentos prévios, a fim de produzir
sentidos para o que está lendo (no caso, vendo). Assim, a
compreensão varia conforme o grau de conhecimentos desse
espectador. Os teóricos sobre leitura (Koch, 2006; Marcuschi, 2008)
concordam que esses conhecimentos prévios podem ser de três
níveis: linguístico, de mundo e de gêneros. Portanto o domínio da
linguagem cinematográfica, ou de “como o cinema diz”, passa pelo
conhecimento linguístico (saber a língua empregada no filme ou na
tradução), pelo conhecimento de mundo (experiências acumuladas
pelo espectador quanto à recepção de filmes, ao tema em questão,
aos elementos da linguagem cinematográfica etc.) e passa também
pelo conhecimento do gênero (documentário, drama, suspense, terror
etc.).
O cinema 'fala' por meio de uma linguagem específica, de um
discurso, segundo Xavier (2005). Assim também na literatura, o
escritor se expressa por meio da língua, mas de forma artística, numa
espécie de território livre da linguagem. Ainda que a intencionalidade
seja outra, a forma de expressão de quem escreve se dá por meio da
95
sintaxe. O cinema também tem uma ‘sintaxe’ que se cristaliza pelo
relacionamento dos planos, das cenas, das sequências. Desse modo,
os elementos básicos da linguagem cinematográfica, chamados
elementos
determinantes,
podem
ser
assim
considerados:
a
planificação (os diversos tipos de plano: geral, de conjunto, americano,
médio, close up etc.), os movimentos de câmera (travelling,
panorâmica, na mão etc.) e a angulação (plongée, contre-plongée
etc.).
Por
último,
ocorre
a
edição
ou
montagem,
momento
determinante para a caracterização da obra cinematográfica, quando
todos os elementos citados são dispostos na obra pelo artista criador
em seu formato final.
Uma vez planejado o roteiro, que contém todas as tomadas em
ordem cronológica e precisamente numeradas, a filmagem não
obedece, todavia, ao que está estabelecido no papel. O cineasta,
tendo em vista, além de outros fatores, a exequibilidade e a viabilidade
econômica, começa a filmar a partir de qualquer tomada do roteiro –
meio, ou começo. Segundo Setaro (2008), “a tarefa de ordenar os
diversos fragmentos de um filme cabe à etapa de criação do cinema,
ou seja, a montagem pode ser definida como trabalho criativo de
reunir as partes do material filmado de acordo com a ordem
estabelecida no roteiro”.
O montador edita o filme, isto é, faz a reconstituição da primeira
à última imagem, colando ponta com ponta e, na ordem numérica, os
diferentes pedaços de película que foram revelados e impressos numa
"cópia de trabalho". Geralmente são colados, em sequência, pedaços
de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena.
Há, portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano. De
96
um plano para outro, verifica-se uma descontinuidade rápida chamada
corte.
A montagem não . É também, e sobretudo, uma criação. A
linguagem do realizador impõe um estilo e revela uma visão
original de mundo. A montagem, segundo a ótica de Bretton
(1985), preside a organização do real, visando à satisfação
simultânea da inteligência e da sensibilidade; provoca, com isso,
a emoção artística, o efeito dramático ou onírico. Faz
malabarismos com o tempo e o espaço, com cenários e
personagens (trucagens e dublês). É o elemento mais específico
da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do filme",
segundo Pudovkin, citado por Andrew (1989). Os grandes
cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim etc.)
esforçaram-se para estabelecer a nomenclatura dos diversos
processos de montagem e por analisar seus efeitos psicológicos.
Geralmente, classificam-se os tipos de montagem em três
categorias principais: a montagem rítmica, objeto de grande atenção
por parte de Chartier (1953); a montagem intelectual ou ideológica; a
montagem narrativa, que compreende quatro tipos: montagem linear,
montagem invertida, montagem alternada e montagem paralela.
A criação do olhar ativo: novas metodologias para uso do cinema
em aula
Como dissemos, as metodologias que usam o cinema em termos
de análise do conteúdo são eficazes, apesar de se pautarem por um
olhar passivo diante da obra de arte. Ao elencarmos os elementos
97
constituintes da linguagem do cinema, ainda que de forma
sumarizada, o propósito é formular metodologias que promovam a
leitura cuja compreensão inferencial seja mais competente, já que
mais rica de significados.
Em primeiro lugar, pensamos em metodologias intermediárias
entre a mera utilização do conteúdo do filme e a realização efetiva de
produções cinematográficas. Nesse sentido, apontamos para o
domínio, por parte do professor, dos elementos constituintes do
cinema, já enumerados. Nesse caso, o trabalho com o cinema supera
a análise de conteúdos e permite também análise formal da obra, que
inclui as técnicas mais utilizadas pelo cineasta, os ângulos adotados
pela câmara e seus significados no conjunto da obra, o ritmo da
narrativa
desenvolvido
pela
montagem
e
seus
fundamentos
ideológicos. Trata-se, com efeito, de uma leitura mais técnica da obra,
de um olhar mais arguto e competente, enfim, de uma educação
estética para a leitura de obras de arte caracterizadas pela imagem
(espaço) em movimento (tempo), conforme Araújo (1995).
Por fim, essas metodologias intermediárias que conjugam
conteúdo e forma abrem caminho para encaminhamentos que incluam
a produção de filmes. Não se trata, necessariamente, de formação de
cineastas, mas da utilização mínima dos elementos fílmicos por alunos
que não apenas são capazes de um olhar ativo e crítico sobre obras
de arte cinematográficas, mas que possam utilizar o cinema como
instrumento que permite esse mesmo olhar ativo sobre a própria
realidade, transmutada em obra de arte.
A produção de filmes em sala de aula torna-se tanto mais
desejável numa sociedade cada vez mais influenciada pela imagem,
98
veiculada através de vídeos, da televisão e do cinema. Nesse sentido,
considera-se que o aprofundamento de alunos e professores no que
diz respeito aos elementos formadores da linguagem visual típica do
cinema contribui para a leitura mais crítica e consciente da imagem em
si, esteja ela presente em genuínas obras de arte ou vinculada a
qualquer mídia visual e manipuladora, com finalidades diversas,
muitas vezes mantida pela desinformação e pela passividade, não
pela formação estética e técnica permitida pelo olhar ativo.
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Cinematográfica.
São
Paulo:
Brasiliense, 1990.
99
100
REVISÃO TEXTUAL-INTERATIVA EM EDITOR DE TEXTO
Rosane de Mello Santo Nicola9
RESUMO
Este artigo propõe o uso do software editor de texto do programa
Words como recurso metodológico de ensino de língua materna, em
aulas de produção textual, viabilizando o uso do principal tipo de
correção textual proposto por Ruiz
( 2001) – a correção textual-
interativa. Por meio dela, o professor estabelece uma interlocução não
codificada com o aluno, escrevendo-lhe bilhetes que focam problemas
referentes
à
globalidade
do
texto,
ou
seja,
de
natureza
macroestrutural, voltados não apenas à materialidade textual, mas
principalmente às relações entre a forma de expressão e seu sentido.
Desse modo, as intervenções do professor são mais producentes por
lhe possibilitarem uma variedade de ações dialógicas – sugerir,
questionar, elogiar, esclarecer, comentar etc., favorecendo ao aluno
melhores condições de reescrita do texto. Portanto o uso de
ferramentas de gerenciamento do editor de texto, como o controle de
alterações, cujo recurso permite visualizar comentários e aceitá-los ou
não, embora bastante conhecido, parece ainda pouco explorado como
procedimento metodológico de ensino, mesmo em instituições com
9
Graduada em letras (UFPR), especialista em gestão de pessoas (FAE) e mestre em rducação (PUC-PR).
Coordenadora científica do CPDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom
Bosco, professora de cursos de graduação e de pós-graduação da PUC-PR; coordenadora de curso de pósgraduação em desenvolvimento editorial com ênfase em materiais didáticos (PUC-PR); professora de cursos
de especialização das faculdades Bagozzi e Unifae.
101
amplo acesso às tecnologias. Cabe ao educador conhecer o que tem
a oferecer e como pode ser explorada cada ferramenta tecnológica em
diferentes situações educacionais (Valente, 1995). A articulação das
recentes teorias de linguística aplicada ao ensino com as ferramentas
tecnológicas adequadas pode contribuir para uma atuação pedagógica
de qualidade.
Palavras-chave: editor de texto, correção textual-interativa, ensino de
produção textual
INTRODUÇÃO
O tema de produção e reestruturação textual é bastante
recorrente, ainda que, na prática, as estratégias interventivas de
correção textual empregadas pelos professores pouco tenham
avançado efetivamente. A própria representação docente sobre a
tarefa da correção remete a uma atividade menor, de pouco valor e de
mera
perda
de
tempo,
conforme
atesta
Assis
(2005).
Em
contrapartida, neste artigo, busca-se tratar da produção textual
mediada pela correção de textos como estratégia de intervenção
imprescindível para o processo de apropriação da escrita por parte do
aluno em contexto escolar.
Disso decorre a necessidade de uma ressignificação das
práticas pedagógicas de que o professor de língua materna faz uso; e,
para tanto, apresenta-se o uso do editor de texto do Word como
alternativa de aplicação didático-pedagógica, porém longe de se
pretender, com isso, reforçar o mito das novas tecnologias como
102
solução para problema de método e motivação no ensino de língua,
visto representar mais um recurso, não uma panaceia.
O artigo se organiza em duas partes: uma teórica, que visa à
exposição de alguns fundamentos da perspectiva sociointeracionista
da linguagem e sua relação com a correção textual-interativa; a outra
aplicada, propondo atividades de análise reflexiva coletiva e individual
do aluno sobre a escrita por meio do editor de texto.
Alguns fundamentos do sociointeracionismo discursivo e suas
relações com a correção textual-interativa
O objeto real de ensino-aprendizagem da língua materna, em
essência, são as operações de linguagem necessárias a ações de
recepção (escuta e leitura) e produção (oral ou escrita), as quais,
dominadas, constituem as capacidades de linguagem. Na concepção
interacionista, consideram-se capacidades de linguagem como um
conjunto de operações que permitem a realização de determinada
ação de linguagem, instrumento para mobilizar os conhecimentos
prévios e operacionalizar a aprendizagem.
Revisar
e
reescrever
textos
representam
operações
de
linguagem que envolvem complexas tarefas de leitura e releitura,
favorecendo a mediação e o processo colaborativo entre professor e
alunos. Na perspectiva dialógica, o papel do professor deve ser de
interlocutor disposto a dialogar com o texto e seu autor. Trata-se de
uma postura construtiva e interativa na correção com a intenção de
construir o comportamento do aluno revisor dos próprios textos.
Assim, o principal propósito da prática de correção deve ser levar o
103
aluno à reflexão sobre o próprio discurso e os efeitos de sentido que
produzirá no interlocutor.
Tradicionalmente, o quadro de ensino de produção escrita na
escola de educação básica parece ter recebido poucas influências das
tendências orientadas para a perspectiva dialógica da língua. O modo
de o professor de língua encarar a produção escrita como produto
acabado que deve ser corrigido segundo um código homogêneo e
independente dos alunos constitui uma prática cotidiana oposta à
visão de inter-relação forma, conteúdo e contexto.
Corrigir vai além das marcações usadas por muitos
docentes nos textos de seus alunos, pois requer reflexão sobre o uso
da língua, não se limitando à correção de aspectos gramaticais. Cabe
ao professor explicitar ao aluno como as inadequações de seus textos
podem interferir na coerência e coesão. Segundo Therezo (2002, p.
24),
Por coesão entende-se a articulação de palavras na frase, de
frases no período, de períodos no parágrafo e de parágrafos
no texto. Se não houver boa utilização de pronomes e dos
sinônimos não se obterá coesão referencial. Se não se
empregarem bem as conjunções, será prejudicada a coesão
sequencial. Quanto à coerência, desnecessário reafirmar que
é
imprescindível,
numa
exposição
de
ideias,
pois
é
responsável pelo eixo condutor do pensamento. Alicerce do
raciocínio lógico, ela é a articulação dos sentidos no texto e
fundamenta-se na progressão interna do conteúdo das ideias
e na compatibilidade externa com o real.
104
Em outras palavras, a correção textual é uma atividade
complexa em que a função do professor é intervir no texto do aluno
com o objetivo de apontar lacunas e inadequações na tessitura desse
objeto cultural. Ao corrigir, o docente precisa levar em consideração o
gênero textual estabelecido na proposta, cujo enunciado necessita
cumprir as condições de produção de textos: o que dizer (tema), a
quem dizer (leitor), como dizer (gênero), por que dizer (objetivo), onde
será veiculado (suporte). Dessa maneira, a correção varia conforme o
gênero textual. Observe-se um exemplo de enunciado de trabalho
solicitado na área de história, que cumpre todas as condições de
produção textual.
Examine as manchetes de jornal ao lado
e faça uma lista de assuntos de história
que
permeiam
maiores
esse
fato.
esclarecimentos.
reportagens, colete
dados,
Busque
Leia
as
pesquise
fontes históricas e, finalmente, redija um
artigo de opinião para a revista “Nossa
História”, refletindo sobre a validade ou
não
de
se
tornarem
públicos
os
documentos relevantes sobre a ditadura
no
Brasil.
O
site
da
revista,
www.nossahistoria.net, aceita proposta
de artigos.
Nessa proposta, o tema é a abertura de arquivos da ditadura militar
no Brasil; o gênero a ser produzido, artigo de opinião; o objetivo é, à
luz dos fatos históricos, o aluno posicionar-se a favor de ou contrário a
105
tornar públicos todos os documentos relevantes sobre abusos de
direitos humanos durante esse período. O suporte é a revista Nossa
História, sendo possível inferir o perfil do leitor desse artigo de opinião
(acadêmico, estudioso de história ou pesquisador). Um enunciado
bem-feito representa maior garantia para a qualidade da produção do
aluno. Corrigir na escola está relacionado ao tipo de estímulo dado à
escrita, considerando-se essencial contextualizar, ou seja, simular
uma situação de produção,
criar uma forma de
divulgação da produção no domínio escolar, enfim, problematizar.
Como mediador dessa atividade, também o professor necessita
fazer observações individuais ao estudante, de acordo com seu
conhecimento de mundo, nos aspectos linguísticos e discursivos,
buscando promover a capacidade de calcular o sentido do próprio
texto. A natureza das intervenções do professor reflete sua concepção
de linguagem e as representações que faz de língua e de texto.
Serafini (1989) classificou a correção textual em três tipos.
- Correção resolutiva – consiste em corrigir todos os erros
encontrados no texto, reescrevendo palavras, frases e períodos.
- Correção indicativa – consiste em marcar/indicar palavras,
frases e períodos que apresentam erros ou pouca clareza.
- Correção classificatória – consiste na identificação específica
dos erros por meio de uma classificação.
Ruiz (2001) propôs um quarto tipo, a correção textual-interativa,
que consiste em fazer comentários escritos após o texto do aluno e se
realiza sob forma de bilhetes que visam a orientar a reescrita do aluno.
Nesse contexto, é possível afirmar que há expressiva preferência
dos professores de língua materna (e talvez também dos docentes das
106
demais disciplinas) pela correção resolutiva, caracterizada pela
apresentação e solução dos problemas detectados nos textos. Tratase da concepção de língua como código homogêneo e neutro em que
se estabelece a perspectiva normativa que considera o texto do aluno
apenas para avaliar seu conhecimento de regras gramaticais. Limitase o processo reflexivo do autor aprendiz, pois ele recebe todas as
falhas reescritas, eliminando-se a possibilidade de refletir
sobre o
próprio texto, uma vez que o veredito já esteja dado. Dessa forma,
entende-se o texto como produto acabado e não como processo.
Segundo Therezo, “ensinar a redigir é um processo lento, dentro do
qual se insere outro processo, o da chamada correção, que, por sua
vez, supõe etapas” (2002, p. 7).
O quarto tipo de correção considera a revisão como atividade
interacional, contribuindo para conduzir o aluno produtor a se tornar
um usuário competente na habilidade de escrever. Para isso, é
importante que os professores se conscientizem da necessidade da
correção “clara, sem ambiguidade e inclusive sendo coautores dos
textos de seus alunos” (Bezerra, Queiroz & Tabosa, 2004 apud Ruiz,
op. cit). Os textos devem ser corrigidos levando-se em consideração,
além das unidades menores (questões gramaticais), “o que se diz,
como se diz, para quem se diz e quando se diz” (cf. Antunes, 2006:
33).
Cabe ao professor ensinar ao aluno que sua produção escrita
precisa contemplar aspectos que ultrapassem a visão reducionista de
que basta escrever sem cometer erros gramaticais; é preciso
considerar “os fatos textuais e discursivos, e ter como apoio o uso da
107
língua em textos reais, isto é, em manifestações textuais da
comunicação funcional” (cf. Antunes, 2006: 32).
Serafini (2001) propõe seis princípios que fundamentam a prática
da correção:1) A correção não deve ser ambígua. 2) Os erros devem
ser reagrupados e catalogados. 3) O aluno deve ser estimulado a
rever as correções feitas, compreendê-las e trabalhar sobre elas. 4)
Devem-se corrigir poucos erros em cada texto. 5) O professor deve
estar predisposto a aceitar o texto do aluno. 6) A correção deve ser
adequada à capacidade do aluno.
Pode-se inferir, então, que determinados padrões de correção,
sobretudo se vinculados à tarefa de reescrita, são extremamente
significativos para a reflexão sobre a atividade de produção de textos,
exercendo relevante papel no processo de aprendizagem da
modalidade escrita.
Correção textual-interativa e editor de texto
Embora não tenha sido criado com esse objetivo, o editor de
textos do Word é um recurso pedagógico para revisão textualinterativa, porque possibilita ao professor inserir comentários, ou seja,
fazer intervenções mais produtivas e dialógicas (sugerir, questionar,
elogiar, esclarecer, contra-argumentar etc.), provocando o aluno a
refletir sobre as relações entre a forma de expressão e seu sentido.
Por outro lado, permite ao aluno controlar alterações, isto é, saber
quais alterações foram feitas na primeira versão; aceitar ou rejeitar
alterações,
obrigando-se a analisar os comentários feitos pelo
professor em balões nas laterais do texto. Observe-se exemplo de
108
correção textual-interativa de verbete escrito por um aluno de 1º ano
do ensino médio noturno de escola pública.
Chá de cadeira quem nunca tomou um,
lá estava eu
trabalhando fui fazer uma entrega chegando a o estacionamento bati
de cara com uma combi que estava carregando no momento
que estacionei feixaram o portão tive que esperar, após 30 minutos
depois fui atendido fiquei revoltado coisa que ia durar 10 minutos.
C.:
Você deu um bom exemplo do que significa a expressão
popular, mas, para produzir um verbete de enciclopédia, primeiro
precisa explicar o significado dela; o exemplo vem depois. Use nível
de linguagem formal.
O professor utilizou o editor de texto do Word da seguinte forma:
clicou em Ferramentas, depois em Controlar alterações. A partir daí,
tudo que é acrescido, aparece sublinhado e escrito em vermelho ou,
como no caso acima, se clicar em Inserir comentário, o efeito é igual
ao do exemplo. Além dos comentários do editor de texto, o professor
insere bilhete para o aluno, no qual faz observações referentes às
unidades maiores da língua – adequação ao gênero solicitado e ao
nível de linguagem. Sem essas orientações, ainda que todos os
comentários anteriores fossem atendidos na reformulação, a produção
não estaria adequada; há, portanto, duas etapas de reformulação: a
109
das unidades menores (aspectos estruturais) e a das unidades
maiores.
A partir daí, dependendo dos recursos disponíveis, o professor
pode imprimir o texto do aluno, para ele analisar e reescrevê-lo;
apresentá-lo em slide para a turma analisar e propor sua
reestruturação de forma coletiva; enviar ao aluno por e-mail para ele
aceitar ou rejeitar as alterações, reformulando o texto; ou, ainda,
trabalhar com ele em sala de informática ou com classmate.10
Outra forma de utilizar essa ferramenta é simular uma situação
de texto em processo de edição e entregar a grupos de dois ou três
alunos um texto impresso com os comentários feitos no editor de
textos do Word. Os alunos produzem então a versão definitiva para o
autor validar.
Considerações finais
Cabe ao educador conhecer o que tem a oferecer e como pode
ser explorada cada ferramenta tecnológica em diferentes situações de
aprendizagem. Mas isso apenas não é suficiente. É necessária a
articulação entre as ferramentas adequadas e as teorias recentes de
sua área de conhecimento, neste caso, em linguística aplicada ao
ensino. Revisar um texto, principalmente o de um aluno que se
encontra em formação, significa contribuir para a construção de sua
identidade, visto que ela se constitui pela língua. Por isso revisar é
uma responsabilidade voltada para ações dialógicas, requerendo de
todo professor que revise um texto em situação escolar que supere a
10
Classmate é um mininotebook de baixo custo destinado a estudantes. Sua vantagem é a portabilidade e a
possibilidade de armazenar conteúdos didáticos, permitindo pesquisa na internet em sala de aula.
110
visão limitadora da tarefa escolar e o entenda como unidade
significativa de interlocução a distância que produz conhecimento.
Referências
ANTUNES, I. Muito Além da Gramática: por um Ensino da Gramática
sem Pedras no Caminho. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2007.
ASSIS, Juliana Alves. A Correção de Textos Acadêmicos no Processo
de Formação de Professores. Comunicação apresentada no 53º
Seminário do GEL, em julho de 2005, na Universidade Federal de São
Carlos, no âmbito do Simpósio Práticas de Letramento II: da Educação
Básica ao Ensino Superior, coordenado pela autora.
BEZERRA, M. A.; QUEIROZ, A. K.; TABOSA, M. Q. Correção de
textos e concepções de língua e variação: relações nem sempre
aparentes”. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 4, n. 1,
2004.
RUIZ, Eliana Maria Severino Donaio. Como Se Corrige Redação na
Escola. Campinas: Mercado de Letras, 2001.
SERAFINI, M. T. Como Escrever Textos. Tradução de: MATTOS,
Maria Augusta B. de. São Paulo: Globo, 2001.
THEREZO, G. P. Como Corrigir Redação. 4. ed. Campinas: Alínea,
2002.
111
VALENTE,
José
Armando.
Computadores
e
Conhecimento:
Repensando a Educação. Campinas: Nied, 1995.
112