Superior Tribunal de Justiça

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Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 60.324 - ES (2006/0119432-0)
RELATOR
: MINISTRO NILSON NAVES
IMPETRANTE : CESAR PIANTAVIGNA E OUTRO
IMPETRADO : SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA DO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO
PACIENTE
: JACKSON PINA LAURETT
EMENTA
Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Lançamento
definitivo do crédito (condição objetiva de punibilidade). Esfera
administrativa (Lei nº 9.430/96). Falsidade ideológica
(competência
da
Justiça
estadual).
Princípio
da
consunção/absorção (não-aplicação).
1. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no
art. 83 da Lei nº 9.430/96, o prevalente entendimento é o de que
a condição ali existente é condição objetiva de punibilidade.
2. Conseqüentemente, a propositura da ação penal pressupõe
haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna
exigível somente após o lançamento definitivo do crédito.
3. Notícia não há, no caso, de decisão final, na esfera
administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário.
4. É necessário, antes, que o procedimento seja unicamente
administrativo-fiscal, evitando-se, com isso, que expedientes
próprios da investigação criminal sejam indevidamente usados
para a definição de créditos tributários. Em boa verdade, esse
não é o propósito de tais expedientes, porquanto dispõe a
administração de expedientes seus para a constituição desses
créditos. Depois é que virá a ação penal, contanto que se
apresentem condutas ilícitas em tese, por exemplo, a omissão, a
fraude, a falsificação.
5. A aplicação do princípio da consunção/absorção pressupõe a
existência de uma relação de subordinação entre o crime meio
(caminho) e o crime fim (finalidade).
6. No caso, a potencialidade lesiva do crime de falsidade
ideológica não se esgota na suposta sonegação. Tal a
circunstância, com a inexistência do crime tributário, a
competência para julgar o falso é da Justiça estadual.
7. Habeas corpus concedido em parte, com extensão da ordem
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ao co-réu. Remessa dos autos da ação penal à Justiça estadual.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as
acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior
Tribunal de Justiça, por maioria, conceder parcialmente a ordem de
habeas corpus, estendendo-a ao co-réu, Luiz Carlos Binas, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido, em parte, o Sr. Ministro Paulo
Medina, que a concedia. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo
Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
Sustentaram oralmente o Dr. Marcelo Luiz Ávila de Bessa, pelo
paciente, e o Dr. Samir Haddad, Subprocurador-Geral da República.
Brasília, 21 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves
Relator
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HABEAS CORPUS Nº 60.324 - ES (2006/0119432-0)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Foi a denúncia
recebida por Juiz Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo em
17.5.05, em decisão de seguintes termos:
"1. A denúncia imputa aos réus o delito tipificado no art. 1°, I, c/c art.
12, l, ambos da Lei n° 8137/90 e também o tipificado no art. 299 do CP.
Considerando a posição assumida pelo STF quando do julgamento
do HC n° 81611-DF (Informativo STF n° 333), a decisão final no
procedimento administrativo-fiscal seria condição objetiva de punibilidade
relativamente aos delitos materiais praticados contra a ordem tributária.
Sem a demonstração de que tal condição se teria verificado, seria inviável
o recebimento da denúncia com relação ao delito contra a ordem
tributária. Nada obstante, após analisar detidamente a matéria, aderi à
tese adotada pela 5ª Turma do STJ quando do julgamento do HC
29577/RS (DJU de 16-08-2004, Relator Min. Felix Fischer), ocasião em
que se demonstrou que a valoração efetivada na decisão final do
procedimento administrativo-fiscal não pode ser alçada à categoria de
condição objetiva de punibilidade dos delitos contra a ordem tributária
(quer sejam delitos materiais, quer sejam delitos formais). Logo, não há
óbice ao recebimento da denúncia.
2. Em vista do exposto, recebo a denúncia apresentada pelo MPF
contra Jackson Pina Laurett e Luiz Carlos Binas.
3. Após a expedição e resposta dos ofícios destinados a
implementar a medida cautelar de seqüestro deferida em procedimento
autuado em apenso (nº 2005.50.01.002032-3), designe-se data para
realização dos interrogatórios, citem-se e intimem-se as partes na data
designada.
Enquanto tais ofícios não forem respondidos, esta ação penal corre
em segredo de justiça. Tal medida é destinada a viabilizar o implemento
da medida cautelar.
4. Por fim, requisitem-se as folhas de antecedentes criminais dos
denunciados e efetivem-se as comunicações necessárias."
O Tribunal Regional Federal denegou o habeas corpus – que
pretendia a extinção da ação penal – em acórdão assim ementado:
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"A pendência de procedimento administrativo fiscal não é argumento hábil
a obstar, em princípio, e por si só, o prosseguimento da ação penal se a
irresignação do contribuinte não se referir de modo imediato à existência
do tributo."
Vindo idêntico pedido ao Superior Tribunal, são estas as
alegações apresentadas, e é este o pedido formulado pelos impetrantes:
"... o paciente foi acusado de haver praticado os atos tipificados no
inciso I do artigo 1º c/c inciso I do artigo 12, ambos da Lei 8.137/90, e
artigo 299 do Código Penal, nestes termos:
................................................................................................................
3. Não obstante a incoerência da peça acusatória – sobretudo por
arrimar-se em elementos cujas conclusões divergem entre si – fato é que
induziu o juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo a
proceder ao seu recebimento (doc. 06). E isso independentemente de o
paciente jamais haver sido sequer reputado devedor do Fisco Federal.
4. Nessa vereda, insofismável a situação jurídica do paciente
(não-devedor), até mesmo porque jamais foi submetido a qualquer
processo administrativo fiscal, muito menos com vistas a figurar como
sujeito passivo de qualquer obrigação tributária.
5. Desse modo, o acatamento da denúncia em referência
consubstanciava (e consubstancia) ato absolutamente ilegal, pois a
inexistência de débito tributário imputado ao paciente implica a falta de
prova da existência de crime (tributo supostamente sonegado), donde se
conclui haver o magistrado em referência recebido denúncia sem justa
causa.
.................................................................................................................
17. Como dito, o paciente não foi (nem é) reputado devedor de
tributos federais, até mesmo porque jamais foi alvo de qualquer processo
administrativo fiscal.
18. Não sem razão, não é citado na lista de inadimplentes da
Secretaria da Receita Federal, muito menos na de contribuintes visados
pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (vide certidões anexas doc. 08).
.................................................................................................................
26. Nessa vereda, em razão de em momento algum haver sequer
sido instado a pagar tributo – até mesmo porque não há qualquer crédito
dessa natureza constituído em seu desfavor – o paciente não pode, agora,
ser submetido a processo criminal instaurado com a finalidade de apurar
se cometeu ou não crime contra a ordem tributária.
27. Com efeito, como poderia, in casu, o paciente evitar o
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constrangimento de ser sujeitado a processo criminal se não podia pagar
o que não devia. Se não se é devedor de tributo, como é possível pagá-lo
para efeito de extinguir a punibilidade de crime contra a ordem
tributária???
.................................................................................................................
29. A despeito de tais argumentos, observa-se que o acórdão
recorrido refere-se ainda à existência de imputação do crime de falsidade
ideológica à pessoa do paciente, fato esse que, na linha de raciocínio
cristalizada no acórdão, desaconselharia o sobrestamento do processo
criminal.
30. Equivocada, entretanto e com todo respeito possível, a
fundamentação.
31. Com efeito e à contrariu sensu , fosse o caso de imputação
absolutamente autônoma de crime de falsidade ideológica e a hipótese
imporia no mínimo a concessão parcial da ordem pleiteada, com vistas a
excluir pelo menos a imputação de crime tributário.
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41. Diante do exposto, o recebimento da denúncia em comento,
sobretudo sob a ótica da jurisprudência do STF e deste ilustre STJ,
caracteriza franca coação ilegal, porquanto a inexistência de processo
administrativo fiscal (em curso ou concluído) que repute ao paciente débito
de IRPF (ou mesmo de qualquer outro tributo relacionado aos fatos
descritos na denúncia), assim como a prova indelével de que não possui
ou possuiu qualquer automóvel cuja aquisição fosse feita com patrimônio
não-declarado, demonstra claramente a inexistência de justa causa para
tanto.
42. É de se requerer, portanto:
a) seja liminarmente concedida a ordem, a fim de que seja
imediatamente sobrestado o procedimento do processo n.
2001.50.01.009473-8, que tramita na 5ª Vara (1ª Vara Federal Criminal)
da Seção Judiciária Federal do Espírito Santo, até decisão final a ser
dada no feito em tela; e
b) em ato contínuo, após a manifestação do Ministério Público
Federal, seja reformada a decisão recorrida para que seja concedida a
ordem e determinado o 'trancamento' da ação penal de número referido e
conseqüente arquivado o processo criminal em que é réu o paciente
Jackson Pina Laurett e autor o Ministério Público Federal, declarando
nulos os atos praticados até então."
Opinou o Ministério Público Federal pela concessão da ordem.
Eis a ementa do parecer:
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"Penal. Crimes contra ordem tributária. Sonegação fiscal. Inexistência de
processo administrativo fiscal. Ausência de lançamento definitivo de
crédito tributário. Condição de procedibilidade da ação penal.
Trancamento da ação penal. Pela concessão da ordem.
1. In casu, consoante certidões hospedadas às fls. 802/803, verifica-se
que não pende qualquer processo administrativo-fiscal contra o paciente
e, conseqüentemente, não houve o lançamento definitivo de crédito
tributário.
2. Deste modo, merece prosperar o pleito de trancamento da ação penal
contra o paciente, eis que, consoante julgados dos Tribunais Superiores, o
lançamento definitivo do tributo é condição essencial para a instauração
da ação penal nos crimes de sonegação fiscal, pois, enquanto o tributo
não se torna exigível, não se integraliza, no plano da tipicidade, a conduta
de 'sonegar.'
3. Pela concessão da ordem."
É o relatório.
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VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): O
pronunciamento ministerial é no sentido de que se tranque a ação penal –
também quanto ao co-réu –, pois que, segundo sua conclusão, "não
houve lançamento definitivo de tributo em desfavor do paciente, sendo
esse requisito condição essencial para a instauração da ação penal nos
crimes
de
sonegação
fiscal".
Escreveu
o
parecerista
(Subprocurador-Geral Alcides Martins):
"11. Deste modo, conclui-se que somente será possível o
oferecimento da ação penal quando o procedimento administrativo em
curso for definitivamente concluído, com o devido lançamento definitivo do
crédito tributário.
12.
Nesse sentido inúmeros são os julgados desse Egrégio
Tribunal Superior dentre os quais destaca-se, verbis :
.................................................................................................................
13.
In casu, consoante certidões hospedadas às fls. 802/803,
verifica-se, realmente, que não pende qualquer processo
administrativo-fiscal contra o paciente.
14.
Sendo assim, merece prosperar o pleito de trancamento de
ação penal sustentado pelo impetrante, posto que não há falar em
lançamento definitivo de crédito tributário em desfavor do paciente.
15.
Frise-se, mais uma vez, que o lançamento definitivo do tributo
é condição essencial para a instauração da ação penal nos crimes de
sonegação fiscal, pois, enquanto o tributo não se torna exigível, não se
integraliza, no plano da tipicidade, a conduta de 'sonegar'.
Face ao exposto, manifesta-se esta Subprocuradoria-Geral da
República pela concessão da presente ordem de habeas corpus , para
trancar a ação penal ajuizada contra o paciente e o co-réu Luiz Carlos
Bina, haja vista que não houve lançamento definitivo de tributo em
desfavor do paciente, sendo esse requisito condição essencial para a
instauração da ação penal nos crimes de sonegação fiscal."
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Foi indicado pelo parecerista o HC-52.779, da relatoria do
Ministro Quaglia Barbosa, DJ de 3.4.06, cuja ementa estatui o seguinte:
"3. A exata verificação da existência e do montante do crédito tributário,
que venham ser apurados em procedimento administrativo-fiscal, porém,
constitui óbice bastante à propositura da ação penal, pois estaria a
reclamar a efetiva existência do crédito tributário insatisfeito, questão
esta que, ainda, se discute na instância administrativa."
2. Em 6.12.05, quando julgou o habeas corpus lá impetrado, o
Tribunal Regional, entre outras considerações, fez as seguintes:
"Por tudo o exposto, sou levado a crer que a pendência de
procedimento administrativo fiscal não tem o condão de, em princípio, e
por si só, obstar a persecução penal. Em doutrina, as lições sempre
referidas de Andreas Eisele anotam que...
.................................................................................................................
Desta feita, ao lado do inquérito policial e do extenso rol de
documentos encartados na locução 'peças de informação', o
procedimento administrativo fiscal tem relevância informativa não sendo
indispensável ao oferecimento de denúncia, desde que a partir de
qualquer outro expediente se constatem indícios de existência de delitos
fiscais.
Assim, penso que o precedente invocado não deva ser tomado sem
reservas para toda e qualquer hipótese. Tenho destacado, no mais, que a
aplicação desmedida, desenfreada, do decidido nos autos do Habeas
Corpus n. 81.611-DF...
.................................................................................................................
No caso em tela, não bastasse o caráter pouco conclusivo dos
interrogatórios de fls. 698-702, incapazes de afastar, de plano, a
tipicidade dos fatos imputados ao paciente, vê-se ainda que os termos da
impugnação administrativa apresentada pelo co-réu Luiz Carlos Binas, em
fls. 108-202, eleito sujeito passivo da ação fazendária, não atingem a
autuação fiscal em sua substância, limitando-se a questionar a multa
aplicada, e destacar o caráter não intencional da omissão a ele imputada:
.................................................................................................................
Desta feita, a existência de indícios veementes de efetiva lesão aos
cofres públicos, perpetrada mediante o emprego de expediente
fraudulento e omissão de informações à autoridade fiscal, milita em
desfavor do impetrante desaconselhando a providência excepcional de
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trancamento da ação penal.
Por fim, não deve ser olvidado que há nos autos imputação
autônoma do crime do art. 299 do Código Penal, razão igualmente
suficiente a desautorizar o prematuro sobrestamento do feito."
Veio aos autos, trazido pelos impetrantes em 21.6.06, despacho
do Juiz do processo, de 7.4.06, do qual recolho este tópico:
"4. Continuo a defender os entendimentos acima expostos (itens 2
e 3). Sem embargo, a prática está a demonstrar que, mais cedo ou mais
tarde, o réu logra 'trancar' a ação penal através de habeas corpus ,
acarretando na inutilidade de diversos atos processuais praticados por
este juízo. Nessa linha, visando evitar a prática de atos judiciais que serão
inúteis, em março passado optei por curvar-me à posição da
jurisprudência dos tribunais superiores.
Em vista do exposto, por ora suspendo os atos processuais.
5. Oficie-se à DRF-ES, requisitando seja informado: (a) se o
débito está parcelado e, em caso positivo, qual o regime de parcelamento
em que está inserido; (b) caso não haja parcelamento, se houve decisão
final no procedimento administrativo-fiscal que deu azo à denúncia e, em
caso positivo, qual o teor da referida decisão. Fixo o prazo de quinze (15)
dias para resposta."
Na petição de 21.6.06, alegaram, então, os impetrantes:
"O teor da decisão mencionada, que inclusive subtrai o conteúdo da
liminar pleiteada no presente habeas corpus , demonstra a convicção do
próprio magistrado quanto à insustentabilidade da denúncia apresentada
contra o paciente."
Mas há notícia de que a ação teria retomado o seu curso:
"Não obstante a notória agilidade e eficiência do vosso gabinete em
apreciar casos urgentes como o presente habeas corpus , imperioso se
faz informar que, conforme documento anexo, foi designada para o dia
25/9/2006, às 14h, audiência para 'realização conjunta dos sumários de
acusação e defesa'.
Assim, verifica-se que o ora paciente encontra-se sob o eminente
risco de ser injusta e ilegalmente submetido aos vexames e
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constrangimentos de uma ação penal, consubstanciado no ato de ter de
comparecer à referida audiência designada para o dia 25/9/2006, às 14
horas, na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo."
3. Tal e qual fez o Ministério Público Federal – de fato, a
jurisprudência do Superior Tribunal é a que ali foi lembrada –, lembraria
eu, se necessário fosse, a propósito das coisas relacionadas com as Lei
nºs 8.137/90 e 9.430/96, o voto que escrevi para o HC-31.205, lido aqui
por mim na sessão de 2.9.04. Mas, a tal respeito, quero referir o
precedente do Ministro Medina de seguinte ementa (HC-32.743, DJ de
24.10.05):
"1. A impossibilidade de instauração da ação penal e, em conseqüência,
também a impossibilidade de indiciamento pela prática do crime definido
no inciso II, artigo 1º, da Lei 8.137/90, enquanto não existir lançamento
definitivo do tributo, não decorre do descumprimento de uma condição de
procedibilidade, mas sim da ausência de tipicidade: enquanto não é
exigível o tributo, não se integraliza, no plano da tipicidade, a conduta de
'sonegar'.
2. Pendente de julgamento o recurso interposto do auto de infração não
há crédito tributário exigível e, conseqüentemente, não pode ter início a
persecução penal.
3. Ordem concedida para o efeito de trancamento do inquérito policial."
Eis uma de minhas ementas (HC-38.694, DJ de 19.9.05):
"Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Crédito tributário
(exigência). Esfera administrativa (Lei nº 9.430/96). Condição objetiva de
punibilidade.
1. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83 da
Lei nº 9.430/96, o prevalente entendimento é o de que a condição ali
existente é condição objetiva de punibilidade.
2. Conseqüentemente, a ação penal pressupõe haja decisão final sobre a
exigência do crédito tributário correspondente.
3. Precedentes da 6ª Turma do Superior Tribunal.
4. Ordem concedida."
4. Recentemente, pronunciamo-nos sobre busca e apreensão,
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bem como sobre quebra de sigilos, tendo eu, no HC-57.624, votado desta
maneira (sessão do dia 12.9.06):
"Já que temos interpretado o art. 83 da Lei nº 9.430/96 – 'A
representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem
tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de
1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão
final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário
correspondente' – no sentido de que deve existir condição objetiva de
punibilidade, então não é lícito, mesmo tendente à simples investigação
(inquérito policial), que a instância judicial preceda a administrativa. Exato,
pois, se me apresenta o que escreveu o Ministro Medina no item 2 da
propositada ementa:
'2. A autorização judicial para quebra do sigilo das comunicações
telefônicas e telemáticas, para o efeito de investigação de crime de
sonegação de tributo, é ilegal se deferida antes de configurada a condição
objetiva de punibilidade de delito. Constrangimento ilegal verificado.'
É necessário, antes, que o procedimento seja unicamente
administrativo-fiscal; se não, estar-se-ia indevidamente usando de
expedientes próprios da investigação criminal para a definição de créditos
tributários. Em boa verdade, esse não é o propósito de tais expedientes,
porquanto a administração há de dispor de expedientes seus, e deles
dispõe, sem dúvida, para a constituição desses créditos. Depois, depois
sim é que virá a ação penal, contanto que se apresentem condutas ilícitas
em tese, por exemplo, a omissão, a fraude, a falsificação.
Registro que, de igual modo, estou votando no RHC-16.414, da
relatoria do Ministro Carvalhido. No presente caso, voto de acordo com o
Ministro Medina."
Em ambos os momentos – RHC-16.414 e HC-57.624 –, fomos,
até, para a frente, dando solução a alguns dos aspectos que o fato
principal desencadeava.
5. Há, dúvida não tenho, de vir à colação a orientação já
lembrada – bem assentada pelo Superior Tribunal –, visto que a
denúncia, no que diz respeito à Lei nº 8.137/90, é de teor seguinte
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resumidamente:
"O primeiro denunciado, dolosamente, suprimiu o IRPF referente aos
exercícios de 1997 e 1998, ao omitir informações e prestar informações
falsas à Receita Federal sobre seus rendimentos e bens adquiridos,
conforme evidenciado nos autos do anexo inquérito policial.
Em fevereiro de 2001, o segundo denunciado foi autuado (fls.
167/168 do IPL) pela Receita Federal, por se omitir da entrega das
Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda de Pessoa Física,
relativas aos exercícios de 1997 e 1998, conquanto, nesse mesmo
período, tenha adquirido um automóvel Lamborghini Diablo VT, ano de
fabricação 1994, modelo 1995, com pagamentos efetuados entre 09/96 a
01/97.
................................................................................................................
Ao omitir informações e prestar declarações falsas à Receita
Federal, o primeiro denunciado, voluntária e conscientemente, suprimiu o
IRPF referente ao exercício de 1997 e 1998, cujo crédito tributário foi
apurado em R$ 240.268,31 (duzentos e quarenta mil, duzentos e sessenta
e oito reais e trinta e um centavos), atualizados até 01/2001).
O segundo denunciado, por sua vez, participou, voluntária e
conscientemente, da conduta criminosa, cedendo o seu nome para figurar
como proprietário do citado veículo."
Notícia não há, evidentemente, de decisão final, na esfera
administrativa,
sobre
a
exigência
fiscal
do
crédito
tributário
correspondente – vide parecer ministerial.
6. Acontece, todavia, que a denúncia se funda, também, no art.
299 do Cód. Penal. São palavras suas, algumas apenas:
"Os denunciados, consciente e voluntariamente, fizeram inserir
declarações falsas no Certificado de Registro de Veículo, no Certificado
de Registro e Licenciamento de Veículo (fls. 31v e 36 do apenso I),
emitidos pelo Detran/ES, com o fim de prejudicar direito e alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante.
Jackson Pina Laurett adquiriu para si um veículo esportivo
Lamborghini Diablo VT, pelo valor de R$ 303.172,00 (fl. 24 do IPL), em
1997, utilizando o nome de Luis Carlos Bina, seu empregado na empresa
Eletrocity Eletrodomésticos, para ocultar a real titularidade do automóvel
nos registros públicos do Detran/ES.
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Em maio de 1998, o primeiro denunciado resolveu transferir o
Lamborghini do nome do segundo denunciado, simulando uma venda por
R$ 123.000,00, fazendo inserir, novamente, declarações falsas em
documento público (fl. 25 do IPL).
................................................................................................................
Pelo exposto, o Ministério Público Federal requer o recebimento da
presente denúncia, sejam os denunciados citados e interrogados, e, após
os trâmites legais, condenados como incursos nas penas do art. 299
(duas vezes em concurso material, art. 69) c/c art. 61, inc. II, alínea 'b',
todos do CP e art. 1º, inciso I c/c art. 12, inciso I, ambos da Lei 8.137/90,
esse de forma continuada (artigo 71 do CP), ambos os crimes em
concurso material (artigo 69 do CP)."
Relativamente a essa parte, a ação penal há de ter
prosseguimento. Só que a indicada falsidade não é de competência
federal, senão de competência estadual.
7. Concluindo, Srs. Ministros, concedo, em parte, a ordem,
estendendo-a ao co-réu – Luiz Carlos Binas –, com o intuito, por ora, de
extinguir a ação penal fundada na Lei nº 8.137/90, ressalvada a sua
renovação se e quando apropriada.
Conseqüentemente, determino a remessa dos autos à Justiça
estadual, onde, à vista do art. 567 do Cód. de Pr. Penal, a ação pelo art.
299 seguirá o seu caminho.
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RELATOR
IMPETRANTE
IMPETRADO
PACIENTE
: MINISTRO NILSON NAVES
: CESAR PIANTAVIGNA E OUTRO
: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA
REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO
: JACKSON PINA LAURETT
DO
TRIBUNAL
VOTO-VENCIDO
EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA:
Srs. Ministros, acompanhei o voto do Sr. Ministro Nilson Naves, e,
de igual modo, a orientação dos Srs. Ministros Paulo Gallotti e Hamilton Carvalhido.
Da leitura feita pelo Sr. Ministro Nilson Naves é que estou divergindo
de S. Exa. em parte.
S. Exa. leu exatamente que esse crime de falso, de acordo com a
narração condutora, visava à fraude tributária. É o que consta da denúncia, que foi
lida neste instante por nós. Presunção por ilação, ele disse que poderia esse falso
atingir outras figuras típicas. Esse fato não está narrado. Ele está dizendo que é
possível, eu anulo a dúvida, traduzo a presunção ou a ilação. O texto não tem nada
de concreto, não tem nada de poupável. Apenas imagino que, adiante, possa servir
a uma nulidade. Apenas esse fato em si não descreve figura típica alguma. Logo,
não poderia ser da competência estadual ou federal nem parar aí - iria continuar.
Assim, penso que, apesar de o Dr. Samir ter discordado, no
início, quanto a esse aspecto, o falso, a falsidade ideológica, está absolvido pelo
crime tributário...
Aparte
O SR. MINISTRO PAULO GALLOTTI: Sr. Ministro Paulo Medina, não se trata de
falsidade ideológica, mas documental.
Voto-Vencido (Em Parte)
O SR. MINISTRO PAULO MEDINA (PRESIDENTE):
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Exatamente, documental, sobre o documento transferência. Falso,
ideológico ou documental, o resultado será o mesmo, visava ao tributo. Então,
estaria a cometer outro crime.
Nesse sentido, vou mais além: quando um dos crimes é de
competência da justiça estadual, e o Sr. Ministro Nilson Naves disse que o outro não
é, mas toda denúncia descreveu como se fosse, ou seja, um umbilicalmente
vinculado ao outro, e a prova também é nesse sentido, não há por que separar, já no
recurso, no habeas corpus de agora, mandando para a justiça estadual, o que era
crime-fim no outro crime.
Assim, por entender absoluta unidade entre o crime-fim e essa
passagem pelo meio do falso, sendo ou não documental, é que estou a discordar de
V. Exa., Sr. Ministro Nilson Naves, concedendo a ordem de habeas corpus
conforme o termo pedido.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2006/0119432-0
HC
60324 / ES
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 200150010094738 200502010102935
EM MESA
JULGADO: 21/09/2006
Relator
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO MEDINA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. SAMIR HADDAD
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE
IMPETRADO
PACIENTE
: CESAR PIANTAVIGNA E OUTRO
: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
DA 2A REGIÃO
: JACKSON PINA LAURETT
ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de
Consumo - ( Lei 8137 / 90 )
SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentaram oralmente o Dr. Marcelo Luiz Ávila de Bessa pelo paciente e o Dr. Samir Haddad,
Subprocurador-Geral da República.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, estendendo-a
ao co-réu Luiz Carlos Binas, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido, em parte, o Sr.
Ministro Paulo Medina, que a concedia."
Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
Brasília, 21 de setembro de 2006
ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário
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