Miragem do Oriente.

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Miragem do Oriente.
Disciplina - História -
Miragem do Oriente.
História
Enviado por: Visitante
Postado em:16/07/2009
O Egito faraônico chegou ao fim com a conquista muçulmana. Na mente dos europeus, foi
substituído por um Egito fantástico, distante da realidade histórica.Saiba mais. . .
por Claudine Le Tourneur d'Ison Durante muito tempo, o Egito não passou de pano de fundo de
algumas peripécias bíblicas: foi lá que José e Moisés ficaram famosos, e que a sagrada família se
refugiou. Depois vieram as Cruzadas, com seu lote de batalhas, conflitos, vitórias. Parte do roteiro
de lugares santos, o país ganhou lentamente o interesse dos ocidentais. Suas paisagens passaram
a ser observadas, suas ruínas foram descobertas. Chegou- se mais perto da população egípcia, e
os primeiros estrangeiros que se arriscaram a percorrer aquele território contaram suas aventuras.
Foi preciso, porém, esperar pelo século XVIII e pela era dos grandes exploradores para que relatos
mais precisos propiciassem uma visão global e, ao mesmo tempo, detalhada do antigo reino dos
Faraós. É verdade que, desde a Antiguidade, o Egito fascinava vizinhos, visitantes e invasores. Mas
foi só no século XVIII que o país se tornou uma referência que fazia sonhar, inquietava ou
maravilhava. As obras e monumentos do tempo da civilização faraônica exerciam uma influência tal
que desencadeariam a expedição de Napoleão Bonaparte, em 1798, entre outras menos famosas. E
fariam surgir, no século XIX, uma nova ciência, a egiptologia. O povo da Antiguidade clássica já
havia explorado o Egito como uma terra exótica. Os gregos elaboraram toda uma fantasia sobre o
lugar que os romanos e, em seguida, os homens dos tempos modernos retomaram e
desenvolveram. É que essa civilização oferecia todos os elementos lendários e misteriosos
favoráveis à elaboração de alegorias. Heródoto, historiador grego da Antiguidade, observou que os
próprios egípcios tinham estabelecido seus costumes e leis segundo um modo muito diferente e até
contrário ao dos outros homens. Assim, o país mostrava ser um universo bem mais misterioso e
antigo que a civilização greco-romana. O Egito foi reconhecido como berço da sabedoria e das
ciências humanas, ideia originalmente defendida pelo filósofo grego Platão, que viveu entre os
séculos V e IV antes de Cristo. Mais tarde, no período greco-romano, Plutarco se debruçou sobre a
religião egípcia. Roma foi por longo tempo o ponto de contato fundamental entre o Egito e o
Ocidente. Impôs, contudo, uma visão um tanto confusa do país. Já no tempo do Renascimento,
essa ambiguidade desnorteou os pesquisadores. Como distinguir com clareza a parte
verdadeiramente faraônica da interpretação feita pelos romanos? A escrita egípcia, incompreensível
e enigmática, foi objeto de considerável número de especulações dos neoplatônicos renascentistas,
que nela procuravam as chaves da sabedoria. Em 1471, o Corpus hermeticum, traduzido por
Marsílio Ficino, e o Hieroglyphica, de Horapollo, publicado em 1515, tiveram tamanho sucesso que
foram reimpressos várias vezes ao longo do século XVI. As obras suscitaram um inacreditável
fascínio pelos hieróglifos, fazendo surgir interpretações errôneas dessa escrita, ao mesmo tempo
que alimentavam a imaginação de artistas. O poder hipnótico dos sinais gráficos engendrava mitos e
lendas, excluindo da escrita sagrada toda e qualquer noção de fonética, transformando-a em puro
símbolo para iniciados. Os hieróglifos deram lugar a uma importante literatura poética, mas também
esotérica e alquímica. No século XVII, os linguistas começaram a se perguntar se estavam lidando
com uma escrita divina, simbólica ou inspirada. Alexandre Lenoir, arqueólogo apaixonado que criou
o Museu dos Monumentos Franceses, em 1795, era conhecido por sua “egiptomania”. O interesse
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pelos hieróglios o levou a muitas especulações. Tanto que recusou com veemência o trabalho feito
pelo lingüista e egiptólogo Champollion, ninguém menos que o primeiro decifrador dos hieróglifos.
Para Lenoir, contudo, estava-se diante da “escrita sagrada dos egípcios, uma pintura misteriosa das
revoluções celestes ou de diferentes aspectos de planetas aos quais se atribuía o poder de governar
o mundo”. O arqueólogo considerava “essas figuras como emblemas, e não como frases articuladas
em forma de discurso”. No que diz respeito à arquitetura, a explicação de Lenoir para a
grandiosidade dos monumentos religiosos era que “nada é demais para um povo poderoso, rico e
supersticioso, que almejava a glória de dar à religião uma forma majestosa e erudita”. Para ele, por
fim, as pirâmides não eram tumbas de reis, mas “monumentos erguidos em honra do Sol (...) pela
nação reunida, e não em honra dos príncipes”. Um renascimento egípcio evoluiu no rastro do
Renascimento greco- romano. Obeliscos foram erguidos em Roma. O livro O sonho de Polifilo
(1499), de Francesco Colonna, mostra o personagem sobre o dorso de um elefante. Objetos
egípcios, pinturas hieroglíficas e múmias encheram os gabinetes de príncipes. Em certa medida,
esse magnetismo pelo Egito provocou as campanhas de Napoleão Bonaparte. Depois de ser
associada a Moisés e à Bíblia, a história egípcia, durante o século XVIII, se afastou da história
sagrada. Os livres-pensadores se interessaram então pela terra dos faraós de uma maneira mais
prosaica e deram origem à egiptomania, incentivada pela descoberta em Pompeia do templo de Ísis,
em 1764. Essa egiptomania se prolongou por séculos e legou uma variedade incalculável de
objetos. Já a partir do fim do século XV, muitos foram os artistas que produziram imagens mais ou
menos corretas de relatos de viagem. Mas foi sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII
que o movimento ganhou impulso. A pintura de paisagem era ideal para dar livre curso a essas
fantasias. Hubert Robert, grande mestre na matéria, criava palácios e ruínas clássicas com
lavadeiras e jovens. Esse extraordinário encantamento se produziu na arquitetura, no mobiliário, na
decoração interior, nos objetos de arte, no teatro e, posteriormente, no cinema. Mais sensível à
evolução de estilos e modismos do que às descobertas arqueológicas, o cinema se alimentava dos
próprios mitos, símbolos e sonhos ancestrais. Nenhum outro país, nenhuma outra civilização foi
jamais portadora de mensagens comparáveis às do Egito. Os deuses e reis nilóticos deram a volta
ao planeta e foram alçados à condição de origem das grandes civilizações da Europa. Seu mundo
encantado transfigurou a história das religiões e dos povos. A dominação islâmica pôs fim a uma
cultura herdada do tempo dos faraós. Esse desfecho e os avanços na decifração da escrita egípcia
tiveram como consequência a criação de um Egito imaginário, universal e imortal, que substituiu o
Egito histórico. É verdade que o mito do país faraônico remonta aos historiadores da Antiguidade.
Mas haveria muito mais ao longo dos séculos, como as referências ao antigo Egito na literatura
romanesca, sob a forma do “romance arqueológico”. Em Séthos, de Jean Terrasson, publicado em
1731, o herói, depois de ser iniciado nos mistérios de Mênfis, vai levar as luzes egípcias até povos
selvagens, por ocasião de uma longa expedição pela África. Outro romance, esse entre os mais
lidos do século XVIII, é Telêmaco, de Fénelon, que se parece com um manual escolar. A obra
começa pela história e geografia do Egito, como se fosse uma fábula, ao mesmo tempo que
acompanha o herói em seu itinerário, da adolescência à idade adulta. Assim, essa terra de
iniciações tornava-se o local emblemático da conquista da maturidade. Até o início do século XIX, o
país era um dos mais importantes pontos de atração do Oriente para os viajantes e escritores
ocidentais, como terra secular de religiões e berço cosmogônico e intelectual da humanidade. O
viajante descobria o espetáculo de um velho Oriente imutável, popularizado na Europa por contos e
relatos fantásticos. Havia já um excesso de textos sobre o Egito, o que fez o escritor francês
François-René de Chateaubriand afirmar, em Itinerário de Paris a Jerusalém: ”Ninguém espera de
mim que eu descreva o Egito (...). Mas o que eu diria do Egito? Quem ainda não o conhece?”.
Claude- Étienne Savary, nas Cartas sobre o Egito, de 1785, se maravilha com os jardins de Roseta:
“Ao norte da cidade, encontramos os jardins no qual os limoeiros, as laranjeiras, as tamareiras, os
sicômoros (figueiras) brotam ao acaso. Essa desordem não tem graça, mas a mistura dessas
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árvores, sua abóbada impenetrável aos raios de sol, as flores que salpicam irrefletidamente nesses
bosques tornam a penumbra encantadora”. Em 1787, por ocasião de sua estada no Egito, o conde
de Volney, um apaixonado por história e línguas antigas, fornecia uma imagem menos complacente:
“Cada um tem seus próprios gostos, e julga de acordo com eles. Acredito que para um egípcio o
Egito será sempre o mais belo país do mundo, apesar de só ter visto aquele. Mas se eu puder
expressar minha opinião, como testemunha ocular, confesso que minha visão não é assim tão
positiva”. Durante aqueles mesmos anos, o conde Jean Potocki, escritor polonês de língua francesa,
descobriu o Cairo por ocasião de uma onda de fome: “Nossa chegada ao Cairo não nos brindou
com cenas agradáveis. Fazia cerca de um mês que a fome se abatia sobre aquela imensa cidade.
Esse horrendo flagelo que eu mal conhecia, só por descrições de historiadores, vivi ali em todo o
seu horror”. Era o fim das Mil e uma noites. Claudine Le Tourneur d'Ison é egiptóloga graduada pela
Escola do Louvre, trabalha para a imprensa escrita e para a TV estatal francesa. Ela também é
autora de livros como Une passion égyptienne (Uma paixão egípcia) (Plon), Mariette-Pacha (Plon)
-ganhador do prêmio História da Academia Francesa - Lauer et Saqqara (Tallandier), L´Egypte et les
pharaons (O Egito e os Faraós) (Tallandier), Je suis né en Egypte il y a 4700 ans (Eu nasci no Egito,
há 4700 anos) (Albin Michel).
Fonte:http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/miragem_do_oriente.html
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