5,39mb - Projeto Memória
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5,39mb - Projeto Memória
NHO XPERIÊNCIA NA ond culávamos livrem dos coronéis e da Com a mesma in aviso prévio, uma como essa vida fi ruína para compo Sempre go expô-lo no notícia do m [...] E renov sa impedi-l fato, amiga percepção. formas de be igrejas que e cos; certas ru com uma cru mesmo, sem nem romanc Não tem blus no drama azul, de p nos desc nas mais tranha no vergonha foi meu ir spreza... O DRUMMOND, TESTEMUNHO D DR DA EXPERIÊNCIA M MO N U HUMANA Rosa Gens | Ana Crelia Dias | Manoel Santana | Martha Alkimin nunca havíamos xo da escada, por i, ali, o mistério abriaMas nós crescíamos únhamos reparos na amos que a casa tinha ali morreram avós, tios uarto nasceu meu pai, u avô estendeu, até à baleada nas últimas as do município; mas livremente através lembranças e eflúvios adas e obscuras onéis e das damas dos de dona Joana e das ador Paula Andrade. onsciência natural dispersamos; um dia a e então o amargor sem FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL Presidente Jorge Alfredo Streit Diretor Executivo de Desenvolvimento Social Éder Marcelo de Melo Diretor Executivo de Gestão de Pessoas, Controladoria e Logística Dênis Corrêa Gerente de Educação e Cultura Marcos Fadanelli Ramos Assessoria técnica Juliana Mary M. Ganimi Fontes ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSA Presidente João Maurício de Araújo Vice-Presidente Irapoan Cavalcanti Diretor-tesoureiro João Aguiar Sobrinho Diretora Secretária Maria Augusta FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA Presidente José Almino de Alencar e Silva Neto Diretora Executiva Rosalina Maria Fernandes Gouveia Diretora do Centro de Pesquisa Rachel Teixeira Valença Diretora do Centro de Memória e Informação Ana Maria Pessoa dos Santos Coordenador-Geral de Planejamento e Administração Carlos Renato Costa Marinho Chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira Eduardo Coelho PETROBRAS Presidente José Sergio Gabrielli de Azevedo Diretor de Comunicação Wilson Santarosa Gerente de Patrocínio Eliane Costa Gerente de Patrocínio Cultural Tais Wohlmulth Reis PRODUTORA CULTURAL Abravideo Concepção e Texto Ana Crelia Dias Manoel Santana Martha Alkimin Rosa Gens Coordenação Geral Elizabete Braga Pesquisa Histórica João Camillo Penna Assistente de Pesquisa Mariana Quadros Pesquisa Histórica e Iconográfica Silvana Jeha Pesquisa Iconográfica Ana Crelia Dias Elizabete Braga Martha Alkimin Manoel Santana Rosa Gens Imagens de Arquivo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira - FCRB Arquivo Nacional Arquivo Público Mineiro Biblioteca José e Guita Mindlin Casa de Lucio Costa Fundação Biblioteca Nacional Fundação Casa de Rui Barbosa Fundação Getulio Vargas Instituto de Estudos Brasileiros - USP Instituto Moreira Salles Jornal do Brasil Museu de Arte Moderna - RJ Museu de Valores do Banco Central Museu Histórico Abílio Barreto Secretaria de Turismo de Itabira Digitalização e tratamento de imagens Trio Studio Fundação Casa de Rui Barbosa Revisão de Textos Cely Curado Ana Paula Belchor Projeto Gráfico Ruth Freihof | Passaredo Design Christiane Krämer Supervisão Geral Ruy Godinho Imagem da capa e 4ª capa: Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB D795 Gens, Rosa. Drummond, testemunho da experiência humana / Rosa Gens.... [et al.]. – Brasília : Abravideo, 2011. 104 p. : il. ISBN 978-85-61467-10-4 1. Andrade, Carlos Drummond de. 2. Poeta brasileiro. 3. Almanaque. I. Gens, Rosa. II. Título. CDD B869.6 Catalogação na fonte: Carolina Perdigão CRB1-1898 sumário Origem....................................................................................................................8 Leituras de infância e juventude............................................................................13 Aluno: Carlos Drummond de Andrade.................................................................19 Crônica da vida......................................................................................................23 “Itabira é apenas um retrato na parede...”...............................................................24 Percurso de vida, no Brasil.....................................................................................32 Belo Horizonte......................................................................................................34 O Modernismo......................................................................................................38 “No meio do caminho”...........................................................................................42 Rio de Janeiro.......................................................................................................48 Viver a cidade.......................................................................................................52 Percursos no mundo..............................................................................................56 Olhadores de anúncios..........................................................................................58 O sentimento do mundo.......................................................................................61 Remetente: Carlos Drummond de Andrade.........................................................64 Carlos Drummond de Andrade e o Estado Novo.................................................67 Máquinas de escrever............................................................................................68 Um Palácio...........................................................................................................70 Drummond arquivista...........................................................................................72 Em tempos de chumbo.........................................................................................74 Música, maestro!...................................................................................................76 Amigo ouvinte!.....................................................................................................78 Brasília: “A cidade inventada”................................................................................80 O Sabadoyle.........................................................................................................84 A última crônica...................................................................................................86 Sabores e nostalgias..............................................................................................88 As várias faces da moeda brasileira........................................................................90 O que é um cometa?.............................................................................................92 E agora, Drummond?...........................................................................................95 Vida em imagens..................................................................................................98 Elucidações.........................................................................................................100 Referências bibliográficas....................................................................................102 ao descer, essas ficarão. A boca, o paladar, O furto exaure-se no ato de furtar. RIO DE JANEIRO ei, pessoal: furtar jabuticaba. larga medida, para o mundo, permitindo a interpretação de acontecimentos a partir da perspectiva do escritor, que se torna reveladora deÉ montanh elementos por vezes pouco nítidos no percurso brasileiro. O testemunho do autor convida a partilhar a memória drummondiana, revisitar seus lugares, confrontá-los com o presente, possibilitando percepção crítica diversa e movimentos de pensar dinâmicos e aprofundados. Retraçar caminhos percorridos por Drummond, entender o impacto da pedra, visitar paisagens do Brasil, compreender o mundo e os mundos revelados pelo poeta são os desafios que este almanaque propõe. Nosso olhar de leitor persegue o do poeta, assim como desejamos andrade é morro que o do leitor o siga, nessas “notícias humanas”, em que se observam grandes reflexões de cunho existencial e pequenas minúcias do cotidiano. Nelas, está presente a preocupação com o humano, que se Foi no Ri afigura em estado de perigo, aliada à tentativa de salvamento — do meu amor. humano e da poesia. volto de mãos vazias para casa. autos abertos correndo caminho do mar povoado Resgatamos, em nosso percurso de escrita, traços característicos dos faz-se, desfaz-se, faz-s almanaques do início do século XX. Neste, que ora apresentamos, há matéria recreativa, humorística, científica, literária e informativa. Sua construção empreendeu-se em várias direções, o que permite, também, modos de leitura variados. O leitor pode seguir a linhaFoi da no obra Rio drummondiana, ou deixar-se levar por outras, que dela derivaram. Que possa, assim, à maneira dos antigos almanaques, o favor do Ha público facilitar a nossa tarefa, recebendo com entusiasmo esta sou eu a cidade publicação e fazendo os textos de Carlos Drummond de Andrade circularem intensamente. voluptuosidade erran As coisas tangíveis de elipses, psius serpenteia lá embaixo. O sol nascente meu amor. a forma ríg tornam A cada hora, desintegra-se, recompõe- e o sol cadente vestem de púrpura este coração Na cidade t O Projeto Memória, em sua 13.ª edição, rende homenagem ao escritor Carlos Drummond de Andrade, poeta máximo de nosso país. No intuito de torná-lo conhecido de um público cada vez Consciência m maior, apresenta um perfil menos visível de sua obra, o de cronista, que se revela entrelaçado ao de poeta. Ele viveu de 1902 a 1987. Quase todo o século XX transparece ilha em autos abertos sua obra, já que o poeta experimentou o longo tempo e tratou de colocar atos, fatos e reflexões no vigor de sua escrita. Sua atividade de composição literária foi contínua e intensa, e sua produção cronística essas ficarão. se estende por mais de sessenta anos (1921–1984). Ao focalizar moEu mentos dessa produção, este almanaque se abre para o Brasil, e, em Mas as coisas findas, a trama dos sentidos apelo do não. apelo do não. contra o sem sentido uma incorpórea face Muito ri apelo do não. Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. povoado uma pedra e, estacando, As coisas tangíve Foi no Rio Na cida Que ele é meio pateta Afinal, De cacos, de buracos apelo do não. As coisas tangíveis A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu este coração Nada pode o olvido Mas as coisas findas, que é andrade? Andrade é árvore mil presentes da vida aos homens indiferentes Foi no Rio resumo de existido. que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. ao descer, deixa confundido As coisas tangíveis numa prova escolar? que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. Foi no Rio deixa confundido e bondes tilintavam, igarapé ribeirão rio corredei apelo do não. voluptuosidade errante do calo meu amor. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. este coração Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. abafando o calor Jabuticaba chupa-se no pé. povoado As coisas tangíveis Havia a promessa do mar a forma rígida. Nuvens ciganas no pico do Cauê. muito mais que lindas, meu amor. Mas que dizer do poeta apelo do não. O grande pão de mel suspenso entre mar e céu serpenteia lá embaixo. O sol nascente Foi no Rio uma pedra e, estacando, Afinal, ei, pessoal: furtar jabuticaba. Foi no Rio autos abertos correndo caminho do mar no Rio Foi no Rio a cidade sou eu As coisas tangíveis É montanha ou aparição crepuscular. de folhas alternas flores pálidas à palma da mão. O furto exaure-se no ato de furtar. A boca, o paladar, insinua os prazeres da cidade. Eu passava na Avenida quase meia-noite. , desfaz-se, faz-se essas ficarão. este coração deixa confundido apelo do não. autos abertos correndo caminho do mar o foi logo cercando? Apresentação Muito riso escarninho meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. povoado Afinal, Foi no Rio Consciência mais leve do que asa drade é morro meu amor. este coração Na cidade toda de ferro muito mais que lindas, e não sabe rimar? Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. Amar o perdido As ferraduras batem como sinos. este coração ao descer, essas ficarão. Muito riso escarninho 5 Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? “Legado”. Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma 7 Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902. Foi o nono filho de Carlos de Paula Andrade, fazendeiro, e Julieta Augusta Drummond de Andrade. Origem Signo: Escorpião O horóscopo revela que a personalidade de Escorpião é a essência do Mistério. Regente: Água Elemento: Marte DRUMMOND O sobrenome Drummond tem origem escocesa. Em céltico, significa “costas”, ligando-se ao naufrágio da frota comandada pelo Príncipe Maurício, descendente de Átila, o Rei dos Hunos. Foi ele o primeiro a se chamar Drummond. Drum — violenta, grande, e onde — onda. O poeta descende da família Carvalho Drummond, de linhagem da Ilha da Madeira. O tronco de Itabira apresenta grande ramificação na Zona do Carmo. O sobrenome Andrade é geográfico, locativo, originário. É bastante comum no Brasil. Nasceram também em 1902: Lúcio Costa, arquiteto (27/02) | Sérgio Buarque de Holanda, historiador, crítico da literatura e jornalista (11/07) | Juscelino Kubitschek, médico e político (12/09). Drummond criança, em montagem de foto feita por ele mesmo | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Aconteceu, em 31 de outubro de 1902, dia de São Quintino, um eclipse do sol. O nome Carlos tem origem germânica e significa “homem”. Remete ao imperador Carlos Magno (séculos VIII e IX). LUA TERRA SOL Cone de sombra ou Umbra Penumbra Assinatura de Carlos Magno | Ilustração 8 9 ITABIRA ITABIRA ANDRADE NO DICIONÁRIO Afinal que é andrade? Andrade é árvore de folhas alternas flores pálidas hermafroditas de semente grande andrade é córrego é arroio é riacho igarapé ribeirão rio corredeira andrade é morro povoado ilha perdidos na geografia, no sangue. Carlos Drummond de Andrade, Boitempo Foto de família. Drummond aos 8 anos | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Va 10 os! l r a i, C s ch u a g er e a. d i v na e ema qu l do po a i S c i O n i L fe 30), CA R esia (19 na estro o , p d a n o m ro, Algu D r umm u e ao eiro liv sc ar a q m i á r m p u e e d i d ad e abre o s spécie a ident arlos, e a C lt u a c t o n a p re s e mina e mpo ilu e t o m mes ta: torto do poe m anjo u , i c s a n mbra Q uando m na so e v vida. i v e u c he na u a g desses q r e s ces” s! sete fa i, Carlo a V ma de e : e o s P s “ i d “esignifica s e a s e é fr anc gauche a r nsar em v la p va a e A pa le , a m oe ”. No p querdo do desloca t ad o desajei o est r anh to esquisi e i xo f or a do i ve m s que v e s s e d “ rto”, : coanjo to escr itor m o u d “ e a s e a a gê n e, aliad iferente articula er-se d , b ” e a c r r b e p , ad a s n a s om iferente tar var i d li i o b i m s s o o e c itado, p locar-s lo inus u g n â e, d e u m visões. ac o s , de bur s o c a c De v ác u o s os e de t a i h e d s es, psiu de elips , faz-se sfaz-se e d , e s faz a f a c e, corpóre n i a m u tido. de exis resumo ”. D emória “(In) M po Boitem rummo nd, 11 ITABIRA Labirinto Assim como Drummond, faça você também o trajeto de Itabira até o Rio de Janeiro, sem deixar de passar antes por Belo Horizonte. ITABIRA deixa confundido este coração Nada pode o olvido meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. povoado Afinal, e não sabe rimar? Amar o perdido As ferraduras batem como sinos. este coração ao descer, essas ficarão. apelo do não. o foi logo cercando? Muito riso escarn povoado mil presentes da vida aos homens indiferentes, Foi no Rio As coisas tangíveis ou Robinson Crusoé, de Daniel Defoe e o sol cadente vestem de púrpura que é andrade? Andrade é árvore deixa confundido igarapé ribeirão rio corredeira e bondes tilintavam, Foi no Rio contra o sem sentido apelo do não. Afinal, numa prova escolar? a forma rígida. Nuvens ciganas à palma da mão. este co “Leituras de garoto”, Tempo, vida, poesia. Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. abafando o calor Jabuticaba chupa-se no pé. povoado serpenteia lá embaixo. O sol nascente ei, pessoal: furtar jabuticaba. As coisas tangíveis no Rio O Foi encanto da ilha, meu amor. este coração que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. Mas que dizer do poeta Foi no Rio As coisas tangíveis a cidade sou eu este coração deixa confundido A boca, o paladar, O furto exaure-se no ato de furtar. faz-se, desfaz-se, faz-se meu amor. abafando o calor serpenteia lá embaixo. O sol nascente tornam-se insensíveis As coisas tangíveis Foi no Rio uma pedra e, estacando, sou eu a cidade que soprava no vento Foi no Rio de hiatos e de vácuos meu amor. Na cidade toda de ferro apelo do não. a promessa do mar resumo de existido. O livro doHavia escritor inglês data de 1719 e sua trama continua catide elipses, psius vando leitores. A do história do náufrago que chega a uma ilha e deve, voluptuosidade errante calo Que ele é meio pateta pouco a pouco, criar nela condições de vida reveste-se de interesse, sou eu a cidade Mas as coisas fin atraindoassume a atenção para como se pode sobreviver. A grande aventuformas inéditas de transparência. essas ficarão. ra da obra é a da própria sobrevivência: como se alimentar, como se Consciência mais Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. hermafroditas vestir, como se abrigar, à custa de engenho e trabalho. E Robinson O grande pão de mel suspenso entre mar e céu Estudar, a gente estuda. M é um solitário, embora a ele se junte, mais tarde, seu companheiro Sexta-feira. A experiência de Carlos Drummond de Andrade, me- Cada um de nó apelo do não. As ferraduras batem como nino tímido e provinciano, filho de fazendeiro, se soma à extraordinária aventura marítima vivida em tempos antigos pelo náufrago Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. Robinson Crusoé. As duas dão forma a um campo de ação, que, a partir da obra Sentimento de mundo até Novos poemas, será povoado BELO de maneira notável pela poesia. HORIZONTE apelo do não. As ferraduras batem como sinos. meu amor. Foi no Rio Consciência mais leve do que asa Mas as coisas findas, Cada um de nós tem seu pedaço este coração muito mais que O livro Carlos Magno e os doze pares de França circulou no Brasil, meu amor. essas ficarão. noilhaséculo XIX, e deixou marcas em nossa literatura popular. O autos abertos correndo caminho do mar folclorista e pesquisador cultural Luís da Câmara Cascudo o aponAs coisas tangív insinua os prazeres da cidade. tou como um dos livros mais populares do Brasil. É um livro do Mas as coisas findas, Eu passava Avenida quasemuitas meia-noite. reescrituras, principalmente na povo, mesmo, quenamotivou de folhas alternas flores pálidas literatura de cordel, e aparece em festas populares, como as cavaÉ montanha ou aparição crepuscular. uma pedra e, estacando, De cacos, de bura lhadas, que tomam por base torneios medievais e batalhas entre uma pedra e, estacando, Foi no Rio cristãos e mouros. apelo do não. Carlos Drummond de Andrade afirma: “li a História de Carlos uma incorpórea face no pico do Cauê. autos abertos correndo caminho do mar Magno e dos Doze Pares de França, em edição de capa vermelha da andrade é morro Livraria Garnier, que percorria o Brasil dee Sul O grande pão de mel suspenso entre mar céu a Norte, e me lembro que não me interessou muito. Os heróis de espavento nunca muito mais que lindas, O mar batia em meu peito, já não batia no cais. Foi no Rio foram o meu fraco.” a forma rígida. Nuvens ciganas Foi no Rio abafando o calor Estudar, a gente estuda. Mas depois, volto de mãos vazias para casa. A cada hora, desintegra-se, recompõe-se, Consciência mais leve do que asa Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. Na cidade toda de ferro meu amor. autos abertos correndo caminho do mar serpenteia lá embaixo. O sol nascente apelo do não. e o sol cadente vestem de púrpura As coisas tangíveis serpenteia lá embaixo. O sol nascente tornam-se insensíveis Mas as coisas findas, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. BELO HORIZONTE Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. a trama dos sentidos contra o sem sentido Foi no Rio de hiatos e de vácuos hermafroditas que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu povoado meu amor. Muito riso escarninho Leituras de infância e juventude apelo do não. este coração de elipses, psius sou eu a cidade hermafroditas brincam de subtraí-la. ao descer, este coração que é andrade? Andrade é árvore mil presentes da vida aos homens indiferentes, Foi no Rio Que ele é meio pateta Na cidade toda de ferro Elucidação do labirinto| Veja pág. 100 uma incorpórea face As coisas tangíveis resumo de existido. uma pedra e, estacando, Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. sou eu a cidade que soprava no vento Foi no Rio apelo do não. apelo do não. deixa confundido Foi no Rio Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. O grande pão de mel suspenso entre mar e céu uma pedra e, estacando, Estudar, a gente estuda. Mas depois, Afinal, De cacos, de buracos apelo do não. Afinal, e bondes tilintavam, assume formas inéditas de transparência. este coração meu amor. a forma rígida. Nuvens ciganas voluptuosidade errante do calo igarapé ribeirão rio corredeira Havia a promessa do mar apelo do não. sou eu a cidade meu amor. Mas as coisas findas, O mar batia em meu peito, já não batia no cais. Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. Foi no Rio abafando o calor povoado faz-se, desfaz-se, faz-se As coisas tangíveis volto de mãos vazias para casa. autos abertos correndo caminho do mar meu amor. muito mais que lindas, Jabuticaba chupa-se no pé. Foi no Rio Nada pode o olvido no pico do Cauê. As coisas tangíveis numa prova escolar? à palma da mão. apelo do não. O grande pão de mel suspenso entre mar e céu serpenteia lá embaixo. O sol nascente Mas as coisas findas, ei, pessoal: furtar jabuticaba. Foi no Rio a forma rígida. Nuvens ciganas uma pedra e, estacando, autos abertos correndo caminho do mar deixa confundido de folhas alternas flores pálidas meu amor. que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. a cidade sou eu As coisas tangíveis É montanha ou aparição crepuscular. Mas que dizer do poeta insinua os prazeres da cidade. Eu passava na Avenida quase meia-noite. andrade é morro essas ficarão. Foi no Rio A boca, o paladar, O furto exaure-se no ato de furtar. RIO DE JANEIRO o foi logo cercando? este coração deixa confundido apelo do não. autos abertos correndo caminho do mar Muito riso escarninho meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. povoado Afinal, Foi no Rio Consciência mais leve do que asa ilha meu amor. este coração Na cidade toda de ferro e não sabe rimar? Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. muito mais que lindas, Amar o perdido ao descer, essas ficarão. Muito riso escarninho essas ficarão. 12 As ferraduras batem como sinos. este coração que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. Estudar, a gente estuda. Mas depois, 13 Leituras da meninice Drummond rememora, em crônica: A primeira reminiscência de sentido literário, que me acode, não é propriamente de um texto de literatura, em verso ou prosa, mas de um personagem de romance. Não do romance em si, mas da figura projetada por ele. Porque o texto não era bem texto, era uma coleção de legendas a uma coleção de figuras, na versão infantil do Robinson Crusoé, de Defoe, na revista O Tico-Tico, publicação da maior importância na formação intelectual das crianças do começo deste século. Creio que lhe devo minha primeira emoção literária, pois quando Robinson conseguiu se mandar da ilha, senti um nó na garganta: eu queria que ele continuasse lá o resto da vida, solitário e dominador... Emoção produzida por uma personagem literária, um mito. — Mas você é o tipo de caramujo, puxa! Ainda fedelho, e já sonhava com ilhas desertas. — Não era bem a solidão da ilha que me encantava no Robinson, era talvez, inconscientemente, a sugestão poética. E enfatiza no poema “Infância”, de Alguma poesia: Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo. Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras lia a comprida história de Robinson Crusoé, Comprida história que não acaba mais. Para concluir: E eu que não sabia que minha história Era mais bonita que a de Robinson Crusoé. Páginas dos fascículos As aventuras de Robinson Crusoé, em O Tico-Tico | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Capa dos fascículos As aventuras de Robinson Crusoé, em O Tico-Tico | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin 15 Personagens famosos em O Tico-Tico: Revista O Tico-Tico Reco-Reco, Bolão e Azeitona Uma das leituras de Drummond na infância foi a revista O Tico-Tico, que circulou no Brasil de 1905 a 1977. Era um periódico para crianças, inspirado em um suplemento jornalístico lançado em 1905 na França, por Henri Gautier, intitulado La Semaine de Suzette, e destinado a meninas de 8 a 14 anos. A publicação brasileira não se restringia às meninas — tinha, entre seus leitores, crianças e adultos de ambos os sexos. Obras traduzidas e adaptadas para a revista: As aventuras de Tom Sawyer, A ilha do tesouro, Dom Quixote, Robinson Crusoé. O Tico-Tico era a única revista dedicada às crianças brasileiras e lhes dava tudo: histórias, adivinhações, prêmios de dez mil réis, lições de coisas, páginas de armar e principalmente de aventuras. Carlos Drummond de Andrade 16 Revista O Tico-Tico, 1941 Almanaque O Tico-Tico, 1958 Livro histórico sobre o centenário de O Tico-Tico, 2005 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Seções da revista: histórias infanto-juvenis, cartas dos leitores com fotos e desenhos, curiosidades, adivinhas, informações científicas, artísticas, cívicas etc. 17 Aluno: Carlos Drummond de Andrade Carlos Drummond de Andrade inicia seus estudos oficialmente em 1910, com pouco mais de sete anos — ingressa no Grupo Escolar Doutor Carvalho Brito onde inicia seu curso primário. O Elefante, 1983 | Marcella Azal/Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Escrever para crianças? O público infantil conhece as crônicas drummondianas especialmente por meio dos livros didáticos. O poeta, entretanto, resistia, quando questionado sobre se fazia literatura infantil. História de dois amores, 1985 | Marcella Azal/Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB O gênero Literatura Infantil tem a meu ver existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de ser alimento para a alma de uma criança ou um jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças que não seja lido com interesse pelo homem feito? [...] Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte? Ou será a Literatura Infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado — porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância? Drummond, Confissões de Minas Alunos do Grupo Escolar Doutor Carvalho Brito | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira Andersen [...] talvez seja leitura mais para homens do que para meninos: estes têm o maravilhoso em si, [...] enquanto aqueles fabricam o maravilhoso, já não acreditam nele, e têm de refugiar-se nas mais ingênuas ficções. Drummond, “O velho Andersen” – 5 de abril de 1955 18 19 FRUTA-FURTO Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. Estudar, a gente estuda. Mas depois, ei pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé. O furto exaure-se no ato de furtar. Consciência mais leve do que asa ao descer, volto de mãos vazias para casa. Drummond, Boitempo “Aula de francês de Mestre Emílio. Itabira, 191... “ Legenda de Drummond | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Em 1916, torna-se aluno do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Em 1918, ingressa, como aluno interno, no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), escola fundada por padres jesuítas italianos no ano de 1886. Curiosamente, é no ano — 1918 — que Drummond tem seu primeiro poema publicado pelo irmão Altivo no único número do jornalzinho Maio. O poeta tinha 15 anos então e utilizou o pseudônimo WIMPL. Em 1919, o poeta é expulso dessa escola por “insubordinação mental”, depois de um incidente com o professor de Português. Em 1923, ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, curso que conclui ao final do ano de 1925. Onda Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte | Arquivo Público Mineiro 20 Uma onda veio, mansamente, espreguiçar-se na praia, numa carícia dolente... Parecia o corpo de uma mulher... Era imensamente triste. Foi rolando sobre a areia, rolando... Perto havia uma árvore onde folhas secas punham olheiras... A onda beijou-a longamente, num beijo de gaze, de espumas. A árvore, então, derramou duas lágrimas verdes que a onda levou... Reproduzido por José Condé em “Confidências do itabirano”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 05 set. 1948. Segunda seção, p. 8 21 Crônica da vida Carlos Drummond de Andrade casou-se, em 1925, com Dolores Dutra de Moraes, com quem teve dois filhos: Carlos Flávio, em março de 1927, falecido meia hora depois de nascer; e Maria Julieta, nascida em 4 de março de 1928. A filha se tornaria, nas palavras do poeta, a pessoa a quem mais amou na vida, grande companheira, inclusive na carreira literária. Colégio Anchieta, Nova Friburgo | Manoel Dedicamos este espaço a você, leitor, para que aqui sejam registrados acontecimentos da sua história, à moda de Drummond. Santana Dolores e Drummond | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Drummond formado em odontologia Boletim do aluno Carlos Drummond de Andrade Maria Julieta e Drummond | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 22 23 “Itabira é apenas um retrato na parede...” Em muitos dos seus escritos, Drummond faz referências às suas origens itabiranas: Vista parcial de Itabira | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira AMÉRICA [...] Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração. Nessa rua passam meus pais, meus tios, a preta que me criou. Passa também uma escola — o mapa —, o mundo de todas as cores. Sei que há países roxos, ilhas brancas, promontórios azuis. A terra é mais colorida do que redonda, os nomes gravam-se em amarelo, em vermelho, em preto, no fundo cinza da infância. América, muitas vezes viajei nas tuas tintas. Sempre me perdia, não era fácil voltar. O navio estava na sala. Como rodava! [...] As cores foram murchando, ficou apenas o tom escuro, no mundo escuro. Uma rua começa em Itabira, que vai dar em qualquer ponto da terra. Nessa rua passam chineses, índios, negros, mexicanos, turcos, uruguaios. Seus passos urgentes ressoam na pedra, ressoam em mim. Pisado por todos, como sorrir, pedir que sejam felizes? Sou apenas uma rua na cidadezinha de Minas humilde caminho da América. Imagem atual de Itabira | Iugo Koyama/Editora Abril/Conteúdo Expresso A presença de Drummond na Itabira atual: Nome de rua, da Fundação Cultural da Cidade entre outras referências. Hoje, os habitantes se referem a Itabira como a Cidade da Poesia. A presença de Itabira na obra de Drummond: A cidade é um motivo recorrente na obra do autor — a cidadezinha de ferro que se confundirá, a partir do livro Sentimento do mundo, com o caráter seco e mineral do poeta, infenso ao que na vida é porosidade e comunicação. [...] 24 Drummond, A rosa do povo 25 Carta enigmatica Elucidação da Carta enigmatica| Veja pág. 100 +S O nome “Itabira” tem sua origem na língua tupi, tendo como significado “árvore de pedra” ou “pedra que brilha”, (ita=pedra e bira=árvore, que brilha). No dia 9 de outubro de 1848, através da Lei Provincial nº 374, a Vila de Itabira do Mato Dentro foi elevada à categoria de cidade. -A ENTRADA - ADA + E + EIRAS - VELOPE - CO + AR - SUPER - ETA + TAR. - SO - NTE +I PEDRA NATAL ita pedra luzente pedra empinada pedra pontuda pedra falante pedra pesante por toda a vida + EIRAS - AS - BO UM -A + TRE + MU bira candeia seca sono em decúbito tempo e desgaste sem confidência paina de ferro viva vivida +VAGAR. UM - CA - IMBO + ORRO +I DEV + - ULHA +AR. Litografia antiga de Itabira | Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG - VA +M pedra mais nada - ACO + RO - RAL +I + DE - SSOURA + GAR. Drummond, Boitempo -´Z +S DEVAGAR... Itabira 26 ETA... +S - OLÃO - DA - OURO + TA - ÃO + EU -O + AM. -Z + US. Drummond 27 Itabira, Cauê e ferro O pico do Cauê já não se alteia Mas no coração da gente ele resiste Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. Na cidade toda de ferro as ferraduras batem como sinos. Drummond, José & Outros ”Itabira” (série Lanterna mágica). Drummond, Alguma poesia O Pico do Cauê O pico do Cauê era uma formação geológica elevada, um morro, que tinha, em sua composição rochosa, alto grau ferrífero. Essa característica é comum a toda a área do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais denominada Formação Cauê. O pico foi inteiramente demolido pela mineração da Vale (antiga Cia. Vale do Rio Doce — CVRD). Em seu lugar, resta uma cratera, onde existiu o pico. Processo idêntico ocorreu também com o Morro da Conceição, outra referência da cidade — que vive sérios problemas socioambientais por causa da indústria extrativa a céu aberto em sua região urbana, que se estende por uma área de aproximadamente 15 quilômetros. O pico do Cauê é uma forte referência simbólica, constitutiva da identidade da cidade. Mas o alcance das operações de Cauê é também internacional. A história do complexo minerador de Itabira é diretamente relacionada ao Japão. A modernização das minas e da ferrovia Vitória — Minas, além da construção do porto de Tubarão, foram viabilizadas pelas exportações de minério resultantes dos acordos Brasil (através da CVRD) — Japão. Nelson Brissac et al Imagem do poeta-cronista com área do Cauê minerada ao fundo | Rogério Reis/Pulsar Imagens Se a vida passasse depressa, a estrada de ferro já teria posto os seus trilhos na orla da cidade; à sombra do Cauê, uma usina imensa reuniria dez mil operários, congregados em cinquenta sindicatos, e alguma coisa como Detroit, Chicago, substituiria o ingênuo traçado das ruas do Corte, do Bongue, dos Monjolos. Mas para que tanta pressa? Tudo virá a seu tempo, e se não fora agora, como não foi em 1898, quando o padre Júlio Engrácia dizia ironicamente que ‘depois que pelos diversos estudos ficou a esperança que passará na cidade uma via férrea, tem havido animação em construir: ao menos houve esta vantagem’ — algum dia há de ser, e tudo estará bem. O pico do Cauê na paisagem de Itabira e nas paisagens drummondianas | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira Drummond, “Vila de Utopia”, Confissões de Minas 28 29 A transformação da paisagem O poeta-cronista lamentou, em muitas situações, a total demolição do pico do Cauê. Em “Confidência do itabirano”, o escritor também faz referência ao ferro, elemento presente na sua memória e na vida, nas paisagens que espelham um modo de progresso tecnológico, científico e cultural. A Montanha Pulverizada Chego à sacada e vejo a minha serra, a serra de meu pai e meu avô, de todos os Andrades que passaram e passarão, a serra que não passa. [...] Esta manhã acordo e não a encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas — o trem maior do mundo, tomem nota — foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro, e este não passa. Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. Drummond, Sentimento do Mundo E você? Tem o ferro presente em seu cotidiano? Quanto de ferro está encarnado em você? Drummond, Boitempo Não sou Napoleão, mas tenho de subir à pedra do Arpoador para divisar, nas nuvens, qualquer coisa parecida com as montanhas de Minas. Fernando, diretor, acha que a cena será de grande efeito. Mas não é fácil ver o pico do Cauê, já demolido na realidade, erguer-se sobranceiro no céu. Drummond, O observador no escritório O ferro moldou Itabira e seus habitantes, a experiência humana de homens, mulheres e crianças das serras mineiras. Há, em sua região, uma riqueza tão forte que marque a vida dos seus conterrâneos? Descreva-a e represente-a, fotografe e monte suas memórias a respeito. O pico do Cauê está presente nas imagens de Itabira construídas pelo escritor. Temos, nelas, o confinamento geográfico por causa das montanhas, o destino duro do ferro, mas, também, a solidez e a força da pedra. Há, ainda, além disso, e especialmente em Boitempo, textos a respeito do abismo entre a eternidade que a montanha fazia vislumbrar e a destruição depois realizada com o avanço da indústria sobre a paisagem. 30 31 Percurso de vida, no Brasil MIN A S GER A I S Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. ITABIRA Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do não. ES PÍR I TO SA N TO BELO HORIZONTE VITÓRIA SÃ O PAULO As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. NOVA FRIBURGO RIO DE JANEIRO Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. SÃO PAULO R IO DE J A N EI R O Drummond, Claro enigma O escritor faz esse percurso em dois momentos: a primeira vez em 1916 para o Colégio Arnaldo e, em 1920, com a família. Retorna, mais de uma vez, a Itabira. Primeiro, quando recebe aulas particulares antes de mudar-se para Nova Friburgo. Em outro momento, ao ser professor e, depois, quando tenta a vida na fazenda, por breves períodos. Muda-se como aluno do Colégio Anchieta, Nova Friburgo 1918–1919, de onde volta após expulsão por “insubordinação mental”. Carta Portulano | O Tesouro dos Mapas A Cartografia na Formação do Brasil / Banco Santos Muda-se para o Rio de Janeiro em 1934, onde vive até sua morte, em 1987. 33 A vida literária na Belo Horizonte dos anos 1920 se forma na rua da Bahia, no coração da cidade, onde a rapaziada se reúne, com sonhos de mudança e atitude vanguardista. Na rua, destaca-se o Bar do Ponto, referenciado pelo poeta e por seus companheiros de geração, imortalizado em seus escritos. Uma literatura moderna é pensada na esquina da rua Bahia com Afonso Pena, pelo grupo de intelectuais formado por Abgar Renault, Aníbal Machado, Emílio Moura, João Alphonsus, Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade. Belo Horizonte Vista parcial da rua da Bahia no cruzamento com avenida Afonso Pena. Em segundo plano, a esquerda vê-se o edifício do Bar do Ponto. Este edifício abrigou o Congresso Provisório da Cidade, no inicio do século XX e, posteriormente, estabelecimentos comerciais. O Bar do Ponto tem esse nome porque ficava em frente ao ponto inicial e final dos bondes que percorriam a cidade | Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto As paisagens de Belo Horizonte hoje são outras. Pouco restou dos prédios e locais pelos quais o poeta passava nos anos 1920. A Livraria Alves, outro ponto de encontro do grupo modernista, já não existe mais. Situava-se na rua da Bahia, 1055. Em 1916, Drummond tem 14 anos. Nesse ano, estuda em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino. Em 1919, muda-se com a família para a capital de Minas Gerais. Nela, vive até 1926, quando, já casado, regressa a Itabira para tentar a vida de fazendeiro. Em menos de um ano, regressaria a Belo Horizonte, onde fica até 1934, quando se muda para o Rio de Janeiro. A cidade é símbolo de modernidade, cidade-capital planejada, arquitetada segundo o ideário moderno. Quando chegamos ao colégio, em 1916, a cidade teria apenas cinquenta mil habitantes, com uma confeitaria na rua principal, e outra na avenida que cortava essa rua. Alguns cafés completavam o equipamento urbano em matéria de casas públicas de consumação e conversa, não falando no espantoso número de botequins, consolo de pobre. As ruas do centro eram ocupadas pelo comércio de armarinho, ainda na forma tradicional do salão dividido em dois: fregueses de um lado, dono e caixeiros de outro; alfaiates, joalherias de uma só porta, agências de loteria que eram ao mesmo tempo pontos de venda de jornais do Rio e ostentavam cadeiras de engraxate. Um comércio miúdo, para a clientela de funcionários estaduais, estudantes, gente do interior que vinha visitar a capital e com pouco se deslumbrava. LIVRARIA ALVES Primeira livraria, rua da Bahia. A carne de Jesus, por Almáquio Diniz (não leiam! obra excomungada pela Igreja) rutila no aquário da vitrina. Terror visual na tarde de domingo. Volto para o colégio. O título sacrílego relampeja na consciência. Livraria, lugar de danação, lugar de descoberta. Um dia, quando? Vou entrar naquela casa, vou comprar um livro mais terrível que o de Almáquio e nele me perder –– e me encontrar. Drummond, Boitempo Imagem atual da rua Bahia | Fernando Goes Drummond, O sorvete 34 35 Vista aérea de Belo Horizonte | Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto Drummond passeia pelas ruas de Belo Horizonte nos anos 1920 | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Sua mudança para Belo Horizonte deu-se em 1919, tendo morado em diversas pensões, no Hotel Avenida, no Internacional e na rua Silva Jardim, nos números 117 e 127. Esta a casa que frequentei só, com Alberto Campos, com Emílio Moura, para visitar o poeta. Era uma simpática edificação, defronte à igreja da Floresta, pintada de óleo verde, com entrada central, escada de degraus de mármore dando no “diminuto alpendre” cujas paredes ostentavam, como era moda em Minas, afrescos (o do pescador que ornava o prédio do Carlos foi-se, conforme verifiquei em romaria de saudade feita com Ângelo Osvaldo a 16 de dezembro de 1976). Esse alpendre dava para as portas de serventia do domicílio e à direita, para a do quarto independente habitado pelo poeta. Em cima deste quarto, telhado de duas águas fazendo chalé, simétrico ao do lado oposto do imóvel. Os dois ligados pela cobertura da parte central. Tudo isto desapareceu, sendo substituído pela desgraciosa laje de concreto que deu ao edifício, que era gentil, aspecto de caixote. Mas estão lá o mesmo portão de serralheria, os degraus de mármore, a porta onde entrávamos com vinte anos, para conversar sobre tudo que nos vinha à cabeça, para resolver os problemas da terra, planejar arrasamentos, redigir manifestos, delinear depredações, salvar o mundo mundo vasto mundo do poema do próprio maistre de céans. [...] Não posso esquecer certo dia de fossa (naquele tempo era mais bonito: dizia-se blues) em que o Carlos e eu não nos julgamos nem à altura da casa e que fomos debateblaterar sentados na terra frouxa e ciscada do galinheiro cheio de titica, de aragens finas e peninhas esvoaçando. [...] Nós tínhamos vontade de nos matar, de matar. Não sei se o Carlos lembra certo poema. Merda de galinha sobre a nossa vida. Constantemente. Incessantemente. Pedro Nava, Beira-Mar 36 37 O MODERNISMO Em 1924, uma caravana modernista de São Paulo, que incluía Mário de Andrade, Oswald de Andrade, seu filho, Nonê, Tarsila do Amaral e o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, aporta em Belo Horizonte. Drummond e seus amigos Pedro Nava, Martins de Almeida, João Alphonsus e Emílio Moura, todos jovens mineiros escritores que se iniciavam nas atividades literárias, acorrem ao Grande Hotel, onde estava hospedada a trupe paulistana. Assim relata Drummond o episódio: “Uma tarde, em 1924, tivemos notícia de que no Grande Hotel se hospedava uma caravana modernista de São Paulo. [...] Assistimos ao final de jantar (mineiros e precavidos, já tínhamos jantado). Depois, saímos todos, rua da Bahia abaixo, em direção à avenida Afonso Pena. Conversa generalizada e alegre, com Oswald em sua natural desenvoltura, Cendrars expandindo sua curiosidade de francês interessado em tudo, principalmente em captar a cor local da vida mineira. No desenvolver desse multidiálogo sem rumo, foi-se logo revelando, para mim e meus companheiros, a personalidade de Mário. Mesmo brincando, ele inspirava uma confiança intelectual que Oswald, muito mais brilhante e imprevisto, seria incapaz de despertar.” Estrada de Ferro Central do Brasil, de Tarsila do Amaral, 1924 O encontro é de grande importância para os jovens, que iniciam assíduas correspondências com Mário de Andrade, as quais se estendem pelos próximos anos. Para os paulistas, a “viagem de descoberta do Brasil” significava injetar profundidade histórica à reflexão sobre a modernidade que o movimento modernista de 1922 encarnava. Para os mineiros, os paulistas vieram lhes fazer descobrir Minas, uma vez que eles só tinham olhos para a Europa. Para os paulistas, Minas lhes mostra o Brasil. 38 39 Alguns retratos de uma geração Oswald de Andrade, 1926 | Acervo Iconographia Otto Maria Carpeaux, 1959 | Folhapress Antonio Candido, 1946 Murilo Mendes, 1995 | Acervo Iconographia | Folhapress Cândido Portinari, 1938 | Fundação Getulio Vargas - CPDOC Anita Malfatti, 1912 Mário de Andrade em sua casa na rua Lopes Chaves. São Paulo, início da década de 1940 40 | Acervo Iconographia | Acervo Iconographia Tarsila do Amaral e “Morro da favela”, 1925 | Acervo Iconographia 41 “No meio do caminho” No meio do caminho tinha um poema que causou muito burburinho na vida literária brasileira, mesmo em tempos de ruptura de padrões modernistas. Não se pode negar que, hoje, é o poema mais conhecido de Drummond. Antes da publicação de seu primeiro livro de poemas, Alguma poesia, em 1930, Drummond publica vários dos poemas que depois integrariam seu primeiro volume de poesias em revistas que desdobram a lição do modernismo de 1922. Estética, Rio Janeiro, abril, 1925 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Revista do Brasil, Rio de Janeiro, dez. 1926 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Verde, Cataguazes-MG, 1927 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Capa da 1ª edição de Alguma poesia, 1930 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin Ao lado: Revista de Antropofagia, São Paulo, julho, 1928 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin 42 43 Na página anterior, encontra-se o poema mais conhecido de Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho”. O poema, escrito ao final de 1924, foi publicado em julho de 1928, na Revista de Antropofagia, e provocou reações dos mais diversos tons por parte da crítica. A Revista de Antropofagia circulou em 1928 e 1929, sob a responsabilidade de Oswald de Andrade e um grupo de amigos, tais como Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp. Sua concepção gráfica foi inovadora, e, aliada à retórica de ruptura, pretendia resgatar as matrizes brasileiras recalcadas, sem deixar de lado o progresso da contemporaneidade. o público saiba que o poeta viu uma pedra no meio do caminho, o que constitui para os vates das musas de elefantíases um fato inédito e um tema poético de rara beleza. Ou estou doido ou vocês estão errados.” Oscar Queiroz, em Gazeta de Notícias, 1948: “O soneto é a mais interessante forma da poesia clássica, infinitamente acima das aviltantes tolices com as quais o bloco de pedra na cabeça e não no caminho como dizem por aí, de pedra na cabeça e na mão que apedreja o Belo, pretende desmoralizar e anular as nossas sagradas tradições artísticas, o que me parece caso de cadeia, porque não é justo nem admissível a impunidade de tão monstruosos crimes!” Davi Arrigucci, em Coração partido, 2002: “O poemeto constitui, portanto, não só a pedra de escândalo modernista que marcou a inauguração do universo poético de Drummond, pelo rebaixamento inesperado, irônico e contundente da poesia ao terra-a-terra mais trivial, mas a meditação básica e simbólica do poeta sobre o ato criador, cujo caráter problemático vem aí expresso curto e grosso como um desaforo para quem podia esperar do poético só mistério e elevação.” “No meio do caminho” nas vozes da crítica: Mário de Andrade, em carta a Drummond (1924 ou 1925): “O ‘No meio do caminho’ é formidável. É mais forte exemplo que conheço, mais bem frisado, mais psicológico de cansaço intelectual.” Ainda Mário, em carta de 1926: “Acho isso formidável. Me irrita e me ilumina. É símbolo.” Cyro dos Anjos, em Minas Gerais, 1930: “Nesse poema pode-se medir a força transmissora de sentimento na poesia moderna. Poema breve, sem nenhuma palavra bonita. Mas como se exprime nele com riqueza de cores, um drama interior e como se comunica toda a sua potencialidade emocional. Uma pedra no meio do caminho. O leitor também a teve, do contrário não compraria um livro de versos. E esse leitor é que pode avaliar a insistência daquela lembrança obsedante da pedra no meio do caminho.” Charge retratando CDA, por Alvarus | Arquivo Carlos Drummond de Andrade AMLB/FCRB Henri, em Monitor Campista, 1943: “Também eu não compreendo, e creio que muita gente, a tal história da ‘pedra no caminho’. Diabo! Encontrei uma pedra no caminho, a pedra estava no caminho. Afinal de contas que é isso? Versos? Não. Não pode ser. Deve ser pilhéria do sr. Carlos Drummond. Decididamente é pilhéria.” Flávio Brandt, em Diário de Notícias, 1944: “Antigamente as pedras serviam para serem atiradas nos maus poetas; hoje os versejadores modernistas as encontram pelo meio dos caminhos, desviam-se das mesmas para não tropeçarem e fazem um poema impresso para que 44 Caricatura de Augusto Rodrigues, 1943. O rei Vítor Manuel, da Itália, é a “pedra no caminho” dos aliados na Segunda Guerra Mundial | Augusto Rodrigues E na voz do autor: DADOS BIOGRÁFiCOS É com ironia que Carlos Drummond de Andrade conclui sua “Autobiografia para uma revista”: “[...] sou o autor confesso de certo poema, insignificante em si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais.” De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho. “Legado”. Drummond, Claro Enigma Mas que dizer do poeta numa prova escolar? Que ele é meio pateta e não sabe rimar? [...] Que encontrou no caminho uma pedra e, estacando, muito riso escarninho o foi logo cercando? Drummond, Viola de bolso Um poema pelo mundo... AZ ÚT KÖZEPÉN Az út közepén volt egy kö egy kö volt az út közepén volt egy kö az út közepén egy kö volt. Soha nem falejtem el ezt az eseményt amig csak fáradt retinám él. Soha nem falejtem, hogy az út közepén volt egy kö egy kö volt az út közepén az út közepén egy kö volt. Versão hebraica do poema “No meio do caminho”, por Hamilton Nogueira, 1964 | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Em húngaro, por Paulo Rónai, 1930 Crie a sua versão do poema de Carlos Drummond de Andrade. Esta composição de Francisco Mignone foi apresentada em primeira audição na Escola Nacional de Música, pela cantora Nair Duarte Nunes, em agosto de 1938 | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 46 47 Rio de Janeiro A casa de um itabirense muito carioca Carlos Drummond de Andrade viveu a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro, de 1934 a 1987, ou seja, 53 dos seus 85 anos. Por todo esse tempo, foi um observador atento dos hábitos e das mudanças que marcaram a vida da Cidade Maravilhosa. Viveu em Copacabana, passando por três endereços, e deu lugar a muitas referências ao Rio de Janeiro em suas crônicas e na poesia. De 1934 a 1941, viveu na rua Princesa Isabel, em uma casa de vila; depois, de 1941 a 1962, em uma casa na rua Joaquim Nabuco; e, finalmente, em um apartamento na rua Conselheiro Lafaiete. CORAÇÃO NUMEROSO Foi no Rio. Eu passava na avenida quase meia-noite. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. Havia a promessa do mar e bondes tilintavam, abafando o calor que soprava no vento e o vento vinha de Minas. [...] Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor. Drummond, Alguma poesia 48 Copacabana, algumas construções e Prédio do Hotel Copacabana Palace ao centro | Domingos Kaiser/Arquivo G. Ermakoff Praia de Copacabana, com prédios e casario ao fundo | Arquivo Nacional Bonde, centro da cidade do Rio de Janeiro, Cinelândia | Aristogiton Malta/Arquivo G. Ermakoff Panorâmica do Rio de Janeiro, vista pela Enseada de Botafogo| Marcella Azal Observador ambivalente de um camarote recuado da história brasileira e mundial, Drummond não cessa de apontar-lhe os problemas “crônicos”. A atualidade dos textos de Drummond referentes às questões urbanas e sociais da cidade do Rio de Janeiro permanece. Temas como os transportes, a especulação imobiliária e a favelização estão registrados e refletidos em sua escrita. Exemplos: 1. Favelização no Rio de Janeiro (“Crônica de Janeiro”, Versiprosa, “Capítulo do Gênesis” e “O ladrão”, A bolsa e a vida, “O telhado”, Caminhos de João Brandão); 2. População pobre no Rio de Janeiro (“Debaixo da ponte” e “Areia branca”, A bolsa e a vida); 3. Mudança da capital para Brasília (“Destino: Brasília” e “Canção do fico”, Versiprosa). São temas constantes das crônicas os moradores ilustres com que Carlos Drummond de Andrade conviveu e dialogou no Rio de Janeiro (Vinicius, Cartola, Ferreira Gullar). Nas crônicas, Drummond tratará, com sua elegância e fineza habituais, de problemas comezinhos e grandes como a falta de água e a especulação imobiliária no Rio de Janeiro, os acidentes comuns da vida urbana, a sobrevivência das culturas indígenas, as igrejas de escravos no período colonial mineiro, a nobreza do samba de Cartola. Pequenas intervenções na vida brasileira e mundial, numa tarefa sutil de salvamento do humano onde quer que ele se refugie, sinalizando o perigo iminente de sua destruição terminal. 1951 — Janeiro, 22 — Tarde de chuva fina, no centro. Junto à Livraria, observo minuciosamente as ruínas do tempo, que me sorriem. Para não sofrer com o espetáculo, prefiro fechar os olhos. Eles, porém, inspecionam por conta própria, máquina fotográfica a funcionar independente de mim. Chove no passado, chove na memória. O tempo é o mais cruel dos escultores, e trabalha no barro. Rio: ontem, hoje, amanhã PÃO DE AÇÚCAR Praia O grande pão de mel suspenso entre mar e céu insinua os prazeres da cidade. A boca, o paladar, a trama dos sentidos serpenteia lá embaixo. O sol nascente e o sol cadente vestem de púrpura a forma rígida. Nuvens ciganas brincam de subtraí-la. A cada hora, desintegra-se, recompõe-se, assume formas inéditas de transparência. Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. É montanha ou aparição crepuscular. A céu aberto reúnem-se em congresso os corpos que a manhã torna esculpidos, ao entardecer envoltos de doçura. Aqui pousam morenas redondezas entregues à delícia de existir ao calor da onda glauca, sem problemas. Existir, simplesmente — a vida é cor, é curva adolescente, é surfe e papo. O mar, irmão. O cão namora o peixe? A barraca levada pelo vento? A obrigação tediosa postergada? Deixa fluir o tempo! O tempo é nada. Drummond, Poesia errante Drummond, Poesia errante Drummond, O observador no escritório 50 51 Viver a cidade Percursos drummondianos — maneiras de percorrer o mundo urbano, viver a cidade Todas as cidades que fui conhecendo mais tarde suscitaram uma composição poética, ou um trecho, e quando eu não vi a cidade confessei puerilmente: Não falo porque nunca fui lá (caso da Bahia). Depoimento apresentado ao Jornal de Letras, mar. 1955, p. 16 As referências à cidade nos textos de Carlos Drummond de Andrade são muito frequentes, seja por tratarem de fatos e situações cotidianas, dessas que se pode acompanhar na rua, seja por explicitarem mudanças e transformações, ou, ainda, por se referirem a hábitos e costumes tipicamente urbanos. A poesia de Drummond é majoritariamente urbana. A vida no interior é ainda vida na cidade, na pequena cidade ameaçada pelos domínios dos grandes centros (a especulação imobiliária, os objetivos dos lucros das grandes empresas mineradoras). Estamos no âmbito do “tempo presente”, no momento em que a cidade está em perigo. RUAS Por que ruas tão largas? Por que ruas tão retas? Meu passo torto foi regulado pelos becos tortos de onde venho. Não sei andar na vastidão simétrica implacável. Cidade grande é isso? Cidades são passagens sinuosas de esconde-esconde em que as casas aparecem-desaparecem quando bem entendem e todo mundo acha normal. Aqui tudo é exposto evidente cintilante. Aqui obrigam-me a nascer de novo, desarmado. Drummond, Boitempo Drummond pelas ruas do Rio de Janeiro | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 53 As cenas e imagens urbanas com e do Carlos Drummond de Andrade — Itabira, Belo Horixonte, Rio de Janeiro — são os principais exemplos desse “olhar e experimentar” a cidade, e, a partir deles, podemos reconhecer sua sensibilidade para com as questões urbanas em crônicas e poesias. Ex.: Registrando as mudanças no morro da Catacumba (Arquivo Agência O Globo); o poeta na feira do livro na praça (Cinelândia, RJ), na rua, em passeios. BELO HORIZONTE Debaixo de cada árvore faço minha cama, em cada ramo dependuro meu paletó. Lirismo. Pelos jardins Versailles ingenuidade de velocípedes. Drummond, Alguma poesia Admitirá que segredos iguais se cultivam na grande cidade e, mesmo, que uma cidade, exclusão feita de prédios, veículos, objetos e outros símbolos imediatos, não é mais que a conjugação de inúmeros segredos dessa ordem, idênticos e incomunicáveis entre si, e pressentidos somente por poesia ou amor, que é poesia sem necessidade de verso. “Segredos”. Drummond, Passeios na ilha […] É feia. Mas é realmente uma flor. Descreva ou rabisque mapas de seus trajetos pela cidade ou área rural onde você vive. Quais os lugares preferidos, quais histórias são recordadas neles? Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. “A Flor e a náusea”. Drummond, A rosa do povo Cotidiano de Drummond no Rio de Janeiro | Alair Gomes/Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 54 55 Carlos Drummond de Andrade fez também traduções de autores de língua espanhola para o português, o que nos revela o conhecimento apurado do idioma, bem como de elementos da cultura hispânica. Esse universo da língua espanhola está muito presente nos países latinoamericanos vizinhos do Brasil, além da própria Espanha, na Europa, e outros países do mundo. Exemplo: 1958 — Doña Rosita la Soltera, de Frederico García Lorca, como (tradução e encenação). Percursos no mundo Carlos Drummond de Andrade tinha conhecimento aprofundado da língua francesa, tanto que traduziu diversas obras de autores importantes daquela cultura. Esse domínio do idioma pelo poeta nos revela o quanto é possível conhecer de outros mundos por meio da língua e da cultura de seus povos. Esse domínio do francês indica também o quanto o idioma era valorizado no início do século XX, resultado da influência de importantes pensadores e romancistas franceses que marcam até hoje o mundo literário e filosófico, bem como diversas áreas do conhecimento contemporâneo. Os autores traduzidos são Balzac, Molière e Proust. Exemplo: 1943 — Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac, sob o título de Uma gota de veneno; 1947 — Les Liaisons dangereuses, de Choderlos de Laclos, sob o título de As relações perigosas; 1954 — Les Paysans, de Balzac; 1956 — Albertine Disparue, de Marcel Proust; 1960 — Oiseaux-mouches ornithorynques Du Brésil, de Descourtilz; 1962 — L’Oiseau bleu, de Maurice Maeterlinck; 1962 — Les Forurberies de Scapin, de Moliére — encenada no Tablado; 1963 — Sult (Fome), de Knut Hamsum. Único país visitado por Drummond em viagem de motivação familiar, por ocasião do nascimento dos netos na Argentina. ARGENTINA BRASIL ESPANHA FRANÇA ESCALA 56 800 0 1 600 km Olhadores de anúncios A partir dos anos 1920, a impressão em cores tornou-se mais comum, devido à evolução dos equipamentos gráficos. Drummond mostrou-se um observador atento. A crônica “Olhador de anúncio” traz uma perspectiva muito bem-humorada sobre as propagandas e os artifícios de que elas se utilizavam para seduzir o consumidor. Olhador de anúncio Eis que se aproxima o inverno, pelo menos nas revistas, cheias de anúncios de cobertores, de lãs e malhas. O que é desenvolvimento! Em outros tempos, se o indivíduo sentia frio, passava na loja e adquiria os seus agasalhos. Hoje são os agasalhos que lhe batem à porta, em belas mensagens coloridas. Mas sempre é bom tomar conhecimento das mensagens publicitárias. É o mundo visto através da arte de vender. “As lojas fazem tudo por amor”. Já sabemos que esse tudo é muito relativo. “Em nossas vitrinas a japona é irresistível”. Então, precavidos, não passaremos adiante das vitrinas. E essa outra mensagem, é mesmo, de alta prudência: “Aprenda a ver com os dois olhos”. Precisamos deles para navegar na maré de surrealismo que cobre outro setor da publicidade: “Na liquidação nacional, a casa tritura preços”. Os preços virando pó, num país inteiramente líquido: vejam a força da imagem. [...] A bossa dos anúncios prova o contrário. E ao vender-nos qualquer mercadoria, eles nos dão de presente “algo mais”, que é produto da imaginação e tem serventia, as coisas concretas, que também de pão abstrato se nutre o homem. Drummond, Prosa seleta VOCÊ SABIA? Até o início do século XX, os anúncios publicitários impressos em periódicos perpetuavam a tradição do uso de caricaturas, assinadas por renomados ilustradores — Raul Pederneiras e Di Cavalcanti fizeram trabalhos desse tipo. 58 Revista Autosport, 1912 Alguns produtos, como remédios e cigarros, que hoje têm restrição de divulgação comercial, circulavam em anúncios da mesma forma que outros produtos. O Cruzeiro, 1928 O Cruzeiro, 1938 Seleções, 1958 A década de 1950 inaugura um novo mercado a ser vendido nos anúncios: o dos automóveis e dos aparelhos de TV. A partir da década de 1970, a exposição do corpo, especialmente da mulher, torna-se comum nos anúncios. Realidade, 1966 59 O Cruzeiro EU, ETIQUETA Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. [...] Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, 60 letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. [...] eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer principalmente). E nisto me comparo, tiro glória de minha anulação. [...] Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam, [...] Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. Drummond, Corpo Soldados russos no campo de batalha em fevereiro de 1943 | Pictorial Parade/Getty Images O sentimento do mundo Drummond assistiu às duas grandes guerras mundiais: a primeira, de 1914, que se estendeu até 1918; e a segunda, que foi de 1939 a 1945. A angústia dos confrontos foi tema de muitos dos escritos drummondianos. Sentimento do mundo Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes. [...] Drummond, Sentimento do mundo 61 Pogrom, Lasar Segall, 1937, pintura a óleo com areia sobre tela, 184 x 150cm | Acervo do Museu Lasar Segall-IBRAM/ MinC Navio de emigrantes, Lasar Segall, 1939/41, pintura a óleo com areia sobre tela, 230 x 275cm | Acervo do Museu Lasar Segall-IBRAM/ MinC A ONU A função da Organização das Nações Unidas, criada com o fim de estabelecer cooperação entre os países e evitar novos conflitos, é lembrada por Drummond na crônica “A ONU, essa desconhecida”: Uma vez que fora da ONU não haverá solução para os problemas de convivência entre as nações, agravando-se a fúria dos grupos econômicos que se digladiam, e que, tanto como indivíduos tanto como povo, precisamos ter uma visão clara do mundo, levemos a ONU às escolas. [...] Não instilemos nos meninos e adolescentes a chamada ‘insônia internacional’. Expliquemos-lhes, com a maior simplicidade e verdade, o que é, o que vale, o que pode ainda valer para o bem de todos a ONU. As primeiras gerações formadas pela república deram-se muito bem com uma disciplina singela, a instrução moral e cívica, que nunca degenerou em propaganda pessoal dos governantes. Dentro dela caberia essa informação aos pequenos: — Não devemos desanimar. A guerra pode ser evitada; pelo menos é nossa obrigação fazer tudo por evitá-la; e na ONU está a esperança. (09/02/1954) Na crônica escrita por ocasião da morte de Lasar Segall, fala do horror da guerra e do trabalho do pintor: Navio de emigrantes, Pogrom, Campo de concentração, Êxodo, Guerra não precisam ser citadas para documentar a humanidade de Segall. Mas esses retratos do nosso tempo honram o pintor sobretudo porque este, submisso às exigências mais estritas da arte, e com a brandura peculiar a seus meios, induziu mais à misericórdia do que ao ódio. O horror dos espetáculos não foi atenuado, e até punge mais, porque o artista o velou sob tons surdos, monótonos, quase indiferentes. Em outra crônica (WRI), cita uma declaração da associação War Resister’s International: A guerra é um crime contra a humanidade. Estamos decididos a negar apoio a qualquer espécie de guerra e a trabalhar pela abolição de todas as causas de guerra. (01/06/1958) 62 Para: Gustavo Capanema e drad e An : d e t d r tas en on t o de c a e m i d é m m m Re r inter ru c aç ão D ic ar po omuni n s c u e m o d o , a ec ar bosa a f or m to de s Carl R ui B te dess o hábi e n , d s a l c i a i s a t a m ra io a 4 agosto de 1930 Meu querido Capanema me os ede p ç ão C os. Em ência d Funda oi gr an t f d i s a i c d d x e n , e h a o ar tas ir da m on D r um e desc tar as c An t e s Br asile . n s a o r o m c s u u t o a Liter rio, sem de fam i t o c om seu de ncias, e liter á era mu ê u l d a M n o s o s o p e es rquiv ítico, p 0 corr —oA ho pol e 1.83 n d u c s i e a d aís: a am c ar tas deste p s á i registr h a , n o o v i c r z outra conven s s e ac e Não fa ntiras todo e e ? a m t s s o a ad ores. o nã o g tra um de leit ta. Com r tei con l a c o v r e e r 970 e escr e v pr e me 7/03/1 gosta d ue sem ond, 1 o q ã m é n e m , d e ru a ev rta”. D A verd ã o escr ver ca leir o n i escre s e a r d b ia o “Man conlas. de que screvênde? ou e a r o g ã ( n e a coisa s visto e de c ar t se r pr e da gran e d o o h p n o u c que nã se o ras nhar o inuaru s c s n i a r a a m t 976 o, costu o a dian 7/01/1 e escr e v que nã u ond, 0 i e q m s s m a m t e r a”. Dru Nas ca , mas b e cart nhas?) jeto d i l ro s p a O u “ d do. terá só planeja a d n i a menos [...] Demorei um pouco a mandar o seu famoso álbum. As razões, você já sabe: a minha incurável incapacidade epistolar, que me inibia de escrever duas linhas afetuosas acompanhando o tal e também a incurável falta de honestidade dos nossos poetas, que nunca fazem aquilo que prometem... De: Antonio Candido 15de agosto 1987 Meu caro, muito caro Drummond: Confesso a dificuldade em escrever a propósito dessa inversão terrível da ordem natural que é a partida dos filhos antes dos pais [...] Um ser de alta qualidade, cuja falta há de ser insuportável para a mãe e o pai. A ambos o abraço mais afetuoso e solidário de Gilda e do Para: Mário de Andrade Itabira, 3 março 1926 Mario querido, Pronto. Estou em Itabira com armas e bagagem. Andei oito léguas no lombo do burro, debaixo de chuva e com atoleiros medonhos. Desconfio que sou herói. Meu endereço é Itabira do Mato Dentro, estado de Minas. [...] De: Mario de Andrade São Paulo, 10 de março de 1926 Carlos do coração, Um abraço. Agora você está em Itabira do Mato Dentro. Precisa trabalhar, hein, Carlos. [...] Não quero absolutamente que você se perca aí e abandone as coisas de pensamento pra que tem um certo jeito e que fazem parte do destino de você, tenho a certeza. De: João Cabral de Melo Neto Cart |A 64 stal e ão po Carl rquivo a Dru nviado os Dru mm mmon e An ond d drad d, por Jorg LB/F e - AM CRB do, d e Ama ilha, e Sev em ju lho de 1978 17 de janeiro de 1942 Se lhe desagradar a opinião dos jornais e revistas, não publique para eles; publique para o povo. Mas o povo não lê poesia... Quem disse? Não dão ao povo poesia. Ele, por sua vez, ignora os poetas. [...] Para: João Cabral de Melo Neto “[...] sabe que em matéria de correspondência eu sou como a mula velha e incorrigível.” 5 de janeiro de 1950 Carlos Drummond de Andrade e o Estado Novo Ao mesmo tempo Drummond foi Chefe de Gabinete do Ministro Gustavo Capanema, em pleno Estado Novo, e mostrava-se muito engajado nas causas sociais. Com a sua saída do gabinete de Capanema, no entanto, firmando-se nele o desejo de “militar contra o ditador” Getúlio Vargas, sua participação jornalística se adensa, dando-se aí a significativa passagem da crônica literária ao comentário cada vez mais interventivo nos fatos cotidianos. Menos de um mês depois de deixar o Ministério da Educação e Saúde, ele é sondado por Paulo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã. Drummond assim menciona o fato em seu diário: “Junto à colaboração literária, pretende fazer de mim jornalista político: editorial e tópicos.” Sua reação, no entanto, é ambivalente: “Meio atordoado, procuro sentir-me na pele de editorialista, mas falta alguma coisa na minha vontade de atuar politicamente: falta precisamente a vontade, a garra, a paixão; é uma atitude intelectual, contra a minha natureza. Veremos.” O convite não se materializa. Mas, menos de um mês depois, em 1.° de maio, ele aceita participar do Conselho Diretor de O popular, convertido adiante em Tribuna Popular, com compromisso de escrever com grande regularidade. Apesar do entusiasmo inicial, a sua participação dura muito pouco, pouco menos de dois meses. Em 22 de junho, ele comunica a resolução de deixar o comitê da direção do jornal. Quando começa a escrever crônicas três vezes por semana no Correio da Manhã, em 1954, portanto, não mais como jornalista “bissexto”, ele ainda trabalhava na “burocracia”, junto com Rodrigo M. F. de Andrade, como chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamento do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), posto que assumira ainda em 1945 e do qual se aposentará em 1962. Poema “Quando” (1945). Inédito em livro, mas preservado no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 67 MÁQUINAS DE ESCREVER Carlos Drummond de Andrade escreveu seus textos a mão e a máquina. Em “Nota Social”, podemos verificar o sistema de criação do escritor. 1714 Pellegrino Turri constrói máquina de escrever para sua amiga, a Condessa Fantoni, que era cega (Itália). 1870 “Bola de escrever”, do pastor dinamarquês Malling Hansen. 1873 E. Remington and Sons, fabricantes de armas, compraram os direitos de fabricação da máquina de escrever em 1872. 1874 Máquina de escrever Scholes&Gliden (Estados Unidos). Seu principal criador, Chistopher L. Scholes, era jornalista, poeta e, por vezes, inventor. 1895 Underwood – modelo de máquina de escrever que foi seguido ao longo do século XX. 1900 É inventada a máquina de escrever portátil. 1920 É inventada a máquina de escrever elétrica. 1930A IBM lança a máquina Eletronate. 1964A IBM Seletic permite vislumbrar o que será um processador de texto. 1985A Microsoft lança o Word 1.0, primeira versão do processador de texto mais popular atualmente. Dolores observa Drummond em sua máquina de escrever | Arquivo Carlos Drummond de Andrade AMLB/FCRB Página 69: Datiloscrito do poema “Nota Social” de 1923, publicado em 1930 em Alguma poesia, com intervenções de Mário de Andrade | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/ FCRB 68 Projeto de Le Corbusier (1936) | Marcella Azal/Acervo Iphan um Palácio Palácio Gustavo Capanema | Ricardo Azouri/Pulsar imagen Domingo, 23 de junho de 194... Meu caro Carlos, Para não transmitir ao nosso amigo Capanema impressões inteiramente levianas a respeito dos projetos submetidos ao exame da Comissão julgadora do Concurso aberto para o Edifício do M.E., Manuel Bandeira e eu recorremos a um arquiteto de talento e digno de forte confiança. 70 Vargas - CPDOC À esquerda no detalhe: Quebra-sol (brise-soleil) na fachada norte, que permite a entrada de luminosidade, e não o ofuscamento Rodrigo de Melo Franco de Andrade Nos anos 1930, o Governo Federal constrói ministérios e monumentos no Rio de Janeiro, apostando em uma nova face para a cidade. O Ministro Gustavo Capanema faz parte desse esforço renovador e abre, em abril de 1935, concurso de anteprojetos para o prédio que irá abrigar o Ministério da Educação e Saúde. O projeto vencedor do concurso, de Archimedes Memória, tinha cara de passado: prédio neogrego com motivos da flora e fauna amazônica, calcado na arte marajoara. Os artistas modernos não se conformam com a escolha e pressionam Capanema para deixar de lado o concurso. Deste grupo fazia parte Carlos Drummond de Andrade. O ministro Gustavo Capanema convida Lúcio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Maia, Ernandes Vasconcelos e Oscar Niemeyer para projetar o prédio do ministério. Lúcio Costa, por sua vez, chama Le Corbusier para prestar consultoria. Os croquis do arquiteto franco-suíço servem de base ao projeto, com uma série de modificações propostas por Oscar Niemeyer. Orgulho da arquitetura nacional, marca do moderno no Brasil, o Palácio Capanema, como hoje é conhecido, tornou-se um marco da arquitetura brasileira e internacional. | Marcel Gautherot/Fundação Getulio | Ricardo Azouri/Pulsar imagens Jardim suspenso criado pelo paisagista Roberto Burle-Marx Maquete do Palácio Gustavo Capanema | Max Rosenfeld/Fundação Getulio Vargas - CPDOC Drummond entre os pilotis do palácio | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/ FCRB | Ricardo Azouri/Pulsar imagen Pilotis em escala monumental, que parecem deixar o prédio flutuando: Praça, que permite a passagem de pedestres sem entraves | Ricardo Azouri/Pulsar imagens Azulejos de Cândido Portinari. O prédio tem também painéis de Guignard, Pancetti, e esculturas de Bruno Giorgi Drummond ocupa uma das salas desse prédio em 1944, como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, e volta a ele para trabalhar no Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), convidado por Rodrigo Melo Franco de Andrade. Seu cargo era o de chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamentos, mas, na verdade, foi durante quase 20 anos chefe do arquivo. A ele se dedicou com cuidado, precisão e inventividade. 71 11 Drummond arquivista Objetos do Museu Máquina de escrever de Clarice Lispector Toca-discos de Cornélio Pena Poltrona de Manuel Bandeira | Arquivo-Museu de Literatura Brasileira/ FCRB Os guardados estão em ordem, graças a ele, que não tem fama de organizado, enquanto eu, o arquivista profissional, sinto que por mim a arrumação jamais se faria. Sem tristeza os tiramos da arca, miramo-los, notamos este ou aquele pormenor que ficou precioso considerado de perto e de depois, voltamos a depositá-los onde dormiam. Sem tristeza. Até com a miúda, reflexiva alegria dos proprietários de velhas lembranças. “O amigo que chega de longe”. Drummond, 1˚ de março de 1968 72 7 13 6 14 5 15 16 17 18 20 19 4 21 Drummond, Jornal do Brasil, 11 de julho de 1972 Desde 28 de dezembro de 1972 a Fundação Casa de Rui Barbosa abriga em sua sede, situada à rua São Clemente, 134, Botafogo, Rio de Janeiro, o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira. Inicialmente foi dirigido por Plínio Doyle e no momento reúne acervos de escritores como Clarice Lispector, Manuel Bandeira e o próprio Drummond, além de um acervo museológico que reúne cerca de 1.200 peças de natureza diversa: canetas, medalhas, móveis, peças de indumentária... 8 12 Carlos Drummond de Andrade apresentou uma tendência a apontar acontecimentos, fazer listas, rotular experiências, classificando o mundo para tentar compreendê-lo a partir do seu olhar. Tratou de pensar o mundo ordenando-o (ou desordenando-o) por exercícios de sensibilidade. A criação de um museu de literatura coaduna-se a essa tendência arquivista do autor, manifestada na maneira como organizava suas fotos, cartas, textos, desenhos. Drummond a apresenta como sonho e fantasia, em crônica publicada no Jornal do Brasil em 11 de julho de 1972. Velha fantasia deste colunista –– e digo fantasia porque continua dormindo no porão da irrealidade –– é a criação de um museu de literatura. Temos museus de arte, história, ciências naturais, carpologia, caça e pesca, anatomia, patologia, imprensa, folclore, teatro, imagem e som, moedas, armas, índio, república... de literatura não temos [...] 9 10 completar pontos 22 23 3 25 24 26 2 27 28 1 Complete os pontos e descubra a caricatura de Drummond feita por ele mesmo. Elucidação de Completar pontos| Veja pág.100 73 APELO Em tempos de chumbo Meu honrado Marechal dirigente da nação, venho fazer-lhe um apelo: não prenda Nara Leão. Em 1970, houve uma campanha ufanista, deflagrada pelo governo militar, que visava a ligar futebol e a imagem de um Brasil vitorioso em todas as áreas. Após a conquista da Copa do Mundo, o cartunista Jaguar lançou a seguinte imagem, ligada a trecho do poema “José”, de Drummond. Jogo dos Sete Erros Soube que a Guerra, por conta, lhe quer dar uma lição. Vai enquadrá-la –– esta é forte no artigo tal... não sei não. A menina disse coisas de causar estremeção? Pois a voz de uma garota abala a Revolução? A cantora Nara Leão participou do show Opinião, em 1965, com João do Vale e Zé Kéti, tempo em que começa uma série de atribulações que ela vem a ter com o Governo Militar | Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press Na obra Versiprosa, há uma série de poemas em que Drummond faz uma espécie de “revista” dos acontecimentos do mês ou da semana. Nesse livro, composto por crônicas em verso, o poema é mais “colado ao fato” do que nas crônicas em prosa, que tendem à transfiguração do acontecimento, ao fantasioso. Além disso, em Versiprosa, Drummond realiza algumas petições em verso. É importante observar também que o último poema em que Drummond faz “revistas” dos fatos é datado de outubro de 1966 (há poemas publicados até em junho de 1970). Durante o período de chumbo da ditadura, os textos de Versiprosa tornam-se menos “factuais” ou “realistas”, por falta de expressão melhor. Começam a surgir textos de reflexão a respeito da condição humana. 74 [...] De música precisamos, para pegar no rojão, para viver e sorrir, que não está mole não. Nara é pássaro, sabia? E nem adianta prisão para a voz que, pelos ares, espalha sua canção. Meu ilustre Marechal dirigente da Nação, não deixe, nem de brinquedo, que prendam Nara Leão. Esta ilustração que fiz para os versos de Carlos Drummond de Andrade quase provocou a prisão do poeta. Tive um trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o desenho sem pedir a autorização do autor. Jaguar Drummond, Versiprosa Trechos do poema “Apelo”, em que o poeta intervém a favor da cantora Nara Leão Elucidação do Jogo dos sete erros| Veja pág. 101 75 Alguns poemas de Drummond que já foram musicados: “Cantiga de viúvo” — 1925, Villa-Lobos. “Quero me casar” — 1931, Frutuoso Viana. “Quadrilha” e “No meio do caminho” — 1938, Francisco Mignone. “José” e “Viagem na família” — 1944, Villa-Lobos. Composição do pernambucano Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, sobre poema “Memória” | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Música, maestro! Carlos Drummond foi grande apreciador de música. Esse era um assunto muito frequente em suas crônicas e também nas conversas com os amigos, especialmente com Mário de Andrade. Estima-se que existam mais de cem peças compostas a partir de poemas de Drummond. A respeito de um caso de suspeita de plágio, que envolvia Villa-Lobos, acusado de copiar indevidamente uma composição de Catulo, Drummond escreveu uma crônica em que deixou clara sua profunda admiração pelo músico brasileiro: O compositor Belchior lançou, em 2003, um livro, acompanhado de dois CDs, em que musicou 31 poemas de Carlos Drummond. O livro trazia 31 caricaturas do poeta feitos por Belchior Villa-Lobos é realmente um excelso ladrão. Sua obra monumental, furtou-a do Brasil, do sentimento, da graça rítmica, do arrepio interior de nossa gente; depois, furtou para nós a admiração do mundo. “O sono da música”. Drummond, 13 de janeiro de 1954 Em outra crônica, cita a carta que recebera de Bandeira, que dizia que Villa-Lobos musicara seu poema “Cantiga de viúvo”: “O Villa, que anda numa fase folclórica, está escrevendo uma série de serestas sobre versos nossos. [...] A ‘Cantiga de viúvo’ também está feita e ficou deliciosa. [...] Não me lembro se caí duro de espanto ou se pulei de felicidade. [...] Em 1934, o compositor me concede outra honra: musicara o meu poema ‘José’[...].” “Villa-Lobos numa sala”. Drummond, 11 de novembro de 1962 76 77 Amigo ouvinte! Em 1961, Drummond colabora no programa Quadrante da Rádio Ministério da Educação, instituído por Murilo Miranda. O ator Paulo Autran comenta o sucesso do programa Quadrante: “[...] os cronistas eram a nata da inteligência do Rio de Janeiro. Era Carlos Drummond, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, enfim, um para cada dia da semana. Então era um programa privilegiadíssimo. Durava no máximo cinco minutos, que era o tempo de leitura de uma crônica. Ia ao ar às oito horas da noite, e era repetido no dia seguinte, ao meio-dia. Era um dos programas de maior audiência [...].” Você sabia? A radiodifusão sonora chegou ao Brasil em 1922, ano do centenário da Independência. No dia 7 de setembro daquele ano, o discurso do então presidente Epitácio Pessoa foi transmitido ao grande público. Até a década de 1930, o rádio expandiu-se por todo o País, levando ao povo música e informação. Cartaz programa de rádio Quadrante, 1961 Drummond em estúdio, gravando poemas | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 78 Brasília: “a cidade inventada” “Era um rabisco e pulsava.” Essas foram as palavras de Carlos Drummond de Andrade depois de ler o relatório escrito e desenhado por Lúcio Costa para criação da cidade de Brasília. Croquis feito por Lúcio Costa, em 1956, com esboço do traçado urbano da capital federal | Acervo Casa de Lúcio Costa 80 MáQuina de Escrever: O manuscrito do Lúcio foi levado a uma firma da rua da Quitanda, no Rio de Janeiro, com a orientação de que fosse datilografado em espaço 2 e se fizessem duas cópias. Ortografia: A correção do português foi feita por Drummond. Não houve mudança de estílo, tampouco erros. Lúcio escrevia em português antigo: punha “h” onde já não havia; escrevia “summaria” em vez de sumária “prompta” no lugar de pronta. Parte do projeto-piloto da cidade de Brasília | Acervo Casa de Lúcio Costa Carlos Drummond de Andrade trabalhava com Lúcio Costa no Ministério da Educação e a ele coube a tarefa de ler o projeto: “Peguei da folha e tive entre os dedos nada menos que a cidade de Brasília, inexistente e completa, como um germe contém e resume a vida de um homem, uma árvore, uma civilização.” 82 Manuscrito de parte do projeto urbanístico feito por Lúcio Costa | Acervo Casa de Lúcio Costa O Sabadoyle Em 1964, Drummond começou a frequentar a casa de Plínio Doyle, um respeitável bibliófilo, a fim de fazer consulta à biblioteca para a escrita de suas colunas no jornal. Aos poucos, essas visitas tiveram público ampliado, e assim formou-se uma das maiores confrarias literárias de que se tem notícia até hoje. Oficialmente, as reuniões duraram, com poucas interrupções, 34 anos (1964-1998). O nome, registrado em ata no ano de 1974, foi dado por Raul Bopp, que assim o definiu: “reunião aos sábados na casa de um cidadão chamado Plínio Doyle.” Falava-se, sobretudo, de literatura e artes, mas o horizonte de assuntos era amplo, desde que não se tratasse de política e religião. Na biblioteca de Plínio Doyle, Novembro 1972: Da esquerda para a direita, sentados: Joaquim Inojosa, Prudente de Morais, Cândido Mota Filho, Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp, Pedro Nava; em pé: Fernando Monteiro, Gilberto Mendonça Teles, Raul Lima, Alphonsus de Guimarães Filho, Mário da Silva Brito, Álvaro Cotrim (Alvarus), Paulo Berger, Plínio Doyle, Péricles Madureira de Pinho | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB 84 Alguns depoimentos sobre o Sabadoyle: Ata em comemoração aos vinte anos de Sabadoyle, escrita por Drummond: [...] Os vinte anos decorridos após aquela primeira conversa dividida entre a voluptuosidade da página impressa e as doçuras do Natal, são outros tantos vividos por Plínio Doyle no esforço de manter aceso um ideal de confraternização à margem de todos os motivos de tensão e incompatibilidade ideológica. Nesse esforço, contou com a inestimável cooperação de Esmeralda, inesquecível companheira de toda a vida, e conta com a de Sonia, filha que prolonga, no sentimento e na vontade, os dons espirituais do casal. Pela saudade, vivem conosco, ainda, os companheiros desaparecidos. Aqui estamos pois todos reunidos como uns poucos o estiveram em tarde esperançosa de dezembro de 1964: com a mesma alma aberta e o mesmo fervor de espírito e de coração. Sabadoyle I Uma ata é obrigatória em tudo quanto é sessão. Por isso, quando a pediram eu não pude dizer não. Juntei algumas palavras ao estilo de um tabelião. Se não faço o que me pedem fico de cara na mão! Na casa do Plínio Doyle só há uma obrigação: cafezinho e um bate-papo de sua predileção. Quando é hora de ir-se embora trocam-se apertos de mão. De acordo com o estatuto fica encerrada a sessão. Raul Bopp, 1974 CRUZADINHA DE POEMAS Cruzadinha de Poemas Encontre nesta cruzadinha poemas do poeta itabirano: Encontre nesta cruzadinha 1616 títulos do poeta itabirano. ETERNO - PALAVRAS NO MAR - INVENTÁRIO - CANÇÃO AMIGA Carlos Drummond de Andrade | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB A última crônica A FLOR E A NÁUSEA - O MEDO - POEMA DE SETE FACES - NO MEIO DO CAMINHO - TRISTEZA NO CÉU - SEGREDO - LAGOA NOTURNO MINEIRO - INFÂNCIA - CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO O ENIGMA - ITABIRA Depois de mais de seis décadas de jornalismo, em 1984, às vésperas de completar 82 anos, o poeta decide encerrar sua atividade de cronista. Em carta ao presidente do Jornal do Brasil, Drummond afirma: “Sinto que é hora de descansar e também de ceder espaço a outros que começam ou que estão em fase de desenvolvimento de carreira.” Ciao Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu os seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou: — Sobre o que pretende escrever? — Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste mundo e de qualquer outro possível. O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fazer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices. “Ciao”, despedida do poeta | Arquivo/CPDOC JB [...] E é por admitir esta noção de velho consciente e alegremente, que ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é sua doença vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Ceda espaço aos mais novos e vá cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário. Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo. “Ciao”. Última crônica do poeta. Jornal do Brasil, 29 de setembro de 1984 86 Elucidação das Palavras cruzadas| Veja pág. 101 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 CONVERSA DE MORANGO Passa o tabuleiro de quitanda: é pão-de-queijo é rosca é brevidade é broa de fubá é bolo de feijão é tudo que é gostoso e eu vou comprar eu vou comer o dia inteiro a vida inteira o sortimento deste tabuleiro. Drummond, Boitempo Sabores e nostalgias MEMÓRIA DO PALADAR, NOSTALGIA DA INFÂNCIA A memória do paladar recompõe com precisão instantânea, através daquilo que comemos quando meninos, o menino que fomos. O cronista, se fosse escrever um livro de memórias, daria nele a maior importância à mesa de família, na cidade do interior onde nasceu e passou a meninice. “O céu da boca”. Drummond, A bolsa e a vida Algumas linhas apenas, para situar no tempo as refeições. Acordar às sete (com aquele frio de montanha) e café com leite; almoço às nove, lanche às doze (chamava-se café do meio-dia e era um novo café com leite). Esses cafés eram forrados a biscoito de polvilho, pão de queijo, bolo de feijão que ardia na boca, de tão apimentado, rosca, ou queca (nacionalização do cake inglês). Coisas diversas, que meninos de tabuleiro à cabeça iam vendendo de porta em porta –– e que se adquiriam um pouco por serem gostosas, enquanto o pão de trigo da cidade era geralmente ruim, e outro pouco para ajudar as viúvas ou velhas parentes pobres que as fabricavam. “O céu da boca”. Drummond, A bolsa e a vida PARA TODOS OS GOSTOS “A culinária brasileira é rica e inventiva. O cardápio indígena, as comidas africanas e a culinária portuguesa formam a sua base, retocada pela influência do gosto alimentar de outros países, como a França e a Itália.” Câmara Cascudo, em História da alimentação no Brasil, revela que os mineiros têm uma “queda particular para a arte de confeiteiro”, sendo mestres na arte de confeccionar doces. 88 [...] Hoje eles (os morangos, claro que não me refiro aos lábios) vêm em cestinhas de taquara ou de lâminas finas de madeira, dizem até que já botam assim da rama, acondicionados em cestinhas maiores ou menores, conforme a intenção do vendedor e as posses do consumidor, são apartamento de morango, né? Uns maiores, outros menores, como acontece com a gente, ai morangos! O ácido sabor cortado pela branca moleza do creme Chantilly, e essa agora, quando que morango brasileiro de hábitos silvestres podia imaginar que seria misturado a essa francesice, edulcorado e sucre vanillé e todas as milongias conotativas que o nome desperta: fôret, château, porcelaine, dentelles... Drummond, crônica de 10 de junho de 1971 BROA DE FUBÁ CREMOSA Ingredientes: 4 ovos 1 copo de fubá (200 g) 1 copo (200 g) de queijo ralado (canastra, meia-cura) 1/2 copo de coco ralado (mais ou menos 50 g) 1 copo de açúcar (200 g) 1 copo de óleo de soja (200 ml) 1 copo de leite frio (200 ml) 1/2 colher de chá de sal 3 colheres de sopa de farinha de trigo 1 colher de sopa bem cheia de fermento em pó Açúcar refinado e canela em pó para polvilhar a gosto. No liquidificador, bater os ovos com óleo, leite, farinha de trigo, açúcar e sal. Virar numa bacia e acrescentar o queijo e o coco ralado, e o fubá, previa- mente misturados. Por último, acrescentar a colher bem cheia de fermento em pó. Despeje tudo num tabuleiro retangular médio untado e enfarinhado. Assar por 30 a 40 minutos em forno pré-aquecido. Misture o açúcar refinado com a canela em pó e polvilhe em cima da broa antes de servir. Receita do blog Mineiras, uai! BREVIDADE DE MAISENA Ingredientes: 1 ½ xícara de açúcar; 3 colheres de manteiga; 2 xícaras mal cheias de maisena; 1 ½ colherinha de canela; 3 ovos. Modo de fazer: Misture a manteiga com o açúcar. Bata os ovos inteiros e misture na massa. Ponha a maisena e asse em forminhas de papel. Receita do livro Dona Benta: comer bem, publicado em 1940. Em 2010, ele chegou à 78.ª edição Pudim de leite Batam seis ovos com meio kilo de açúcar e tirem de uma garrafa de leite o bastante para desmanchar duas colheres de maizena. Fervam o resto do leite e depois de fervido, ainda quente, juntem os ovos batidos com açúcar e, por último, a maizena desmanchada. Passem a massa pela peneira e perfumem com baunilha. Untem uma forma com açúcar queimado , deitem a massa e cozinhem em banho-maria. Deixem esfriar completamente. Se houver gelo, coloquem a forma no meio dele. Almanaque d’O PAIZ, 1910. p.V-VI As várias faces da moeda brasileira Nos 85 anos de vida de nosso poeta, o dinheiro brasileiro sofreu variações não só quanto à sua valorização, mas também quanto à sua nomenclatura. Veja: A partir de 28/02/1986 — Cruzado (Cz$) Até 1942 — Réis A partir de 16/01/89 — Cruzado Novo (NCz$) Homenagem Póstuma A partir de 01/11/1942 — Cruzeiro (Cr$) | Museu de Valores do Banco Central do Brasil Você sabia? A partir de 13/12/1967 — Cruzeiro Novo (NCr$) Há duas moedas comemorativas do centenário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade. A de prata tem valor facial de R$ 2,00. A de ouro, de R$ 20,00. A partir de 15/05/1970 — Cruzeiro (Cr$) | Museu de Valores do Banco Central do Brasil 90 Compare: O livro Alguma poesia, em 2010, foi comprado a R$ 29,90. Se fosse em cruzado novo, custaria Se fosse em cruzado, seria Se fosse em cruzeiro, seriam gastos Para resolver esse problema, procure auxílio de uma tabela de conversão de moedas antigas, que pode ser encontrada em muitos sites, dentre eles o do Banco Central do Brasil. O endereço é www.bcb.gov.br. O QUE É UM COMETA? Corpo menor do sistema solar que orbita em torno do Sol. Deles, há registros muito antigos, como, por exemplo, o feito pelos chineses, em 240 a.C. É invisível, exceto quando próximo do Sol. O núcleo do cometa, ao aproximar-se do Sol, dá origem à cabeleira e à cauda. Cometa halley em sua ùltima aparição em 1986 | NASA O NOME HALLEY O cometa recebeu o nome de Edmund Halley (1656-1742), astrônomo inglês que aplicou as leis de Newton do movimento para traçar com precisão o período do cometa e sua órbita. HALLEY MEDO E CIÊNCIA Antes de o astrônomo Halley explicar o que era um cometa, o fenômeno era associado ao mistério que envolvia o aparecimento de um rastro de luz no céu, sendo acompanhado de reações de temor. Mesmo após os esclarecimentos científicos, continuaram as superstições a respeito de sua aparição. Em 1910, sua passagem provocou pânico, propiciado pela ideia de que sua cauda deixaria um gás venenoso, capaz de envenenar a terra e matar as pessoas. Aos sete anos de idade o cronista imaginou que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a terra, não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria geleia, O Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Ideias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando –– mas isso, no fundo, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade. O que aconteceu à noite foi maravilhoso. O cometa de Halley apareceu mais nítido, mais denso de luz, e airosamente deslizou sobre nossas cabeças sem dar confiança de exterminar-nos. “Fim do mundo”. Drummond, 4 de fevereiro de 1962 92 Símbolo astronômico para os cometas: Disco com uma cauda, similar a uma cabeleira | Ilustração [...] Ah, sim, restou Halley iluminando de ponta a ponta o céu de 1910. O menino Murilo Mendes o contemplava em Juiz de Fora o menino Marques Rebelo em Vila Isabel o menino Carlos no mato-dentro de Itabira os três absolutamente fascinados como o contemplaria no Brabante em 1302 o menino Ruysbrock-o-admirável. Halley voltará Halley volta sempre com a pontualidade comercial dos astros. Pouco importa sejam outros meninos que o hão de ver em 1986 iluminando de ponta a ponta a noite da vida. Drummond, A falta que ama Deixa para lá o disco voador, amor. É hora de ver (antes de vir) o cometa, curtir o cometa; na cauda do cometa, cosmoviajar. [...] Não quero declarar-me importante, mas vi o de 1910, entendes? O que me confere particular autoridade para dizer de cometas. Quem foi gratificado com sua visão dispensa sucedâneos. “Dou-te um cometa: vai”. Drummond, 13 de novembro de 1973 Desfile da escola de samba Estação Primeira de Mangueira em homenagem à Drummond | Rogério Reis/Pulsar Imagens COMETA Olho o cometa com deslumbrado horror de sua cauda que vai bater na Terra e o mundo explode. [...] Drummond, Boitempo O cometa Halley tornará a passar em 2.062. Que medos provocará? E agora, Drummond? Carlos Drummond de Andrade morreu no dia 17 de agosto de 1987, 12 dias depois da morte de sua filha, Maria Julieta. No início do ano de 1987, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira homenageou o poeta com o samba-enredo “No reino das palavras” e foi campeã do carnaval carioca: Mangueira De mãos dadas com a poesia Traz para os braços do povo Este poeta genial Carlos Drummond de Andrade Suas obras são palavras De um reino de verdade Itabira Em seus versos ele tanto exaltou Com amor Eis aí a verde e rosa Cantando em verso e prosa O que ao poeta inspirou [...] 94 Em 1989, é publicado em edição limitada o livro Álbum para Maria Julieta, edição fac-similar de um caderno, contendo originais manuscritos de alguns autores, que o poeta compilou para a filha. Em 1990, Tônia Carrero, Paulo Autran e o coral Garganta Profunda estrearam no Centro Cutural Banco do Brasil com o espetáculo Mundo, vasto mundo. No ano de 2002, quando se comemorou o Centenário de nascimento do escritor, muitas foram as homenagens, dentre as quais se destacam o filme Poeta de sete faces, do diretor Paulo Thiago, e a estátua na Praia de Copacabana. Em 1992, é lançado o volume O amor natural, com poemas eróticos de Carlos Drummond, ilustração de Milton Dacosta e projeto gráfico de Alexandre Dacosta e Pedro Drummond. | Folhapress A estátua de Carlos Drummond de Andrade, na praia de Copacabana, é visitada por muitos de seus admiradores. Mais do que isso, são muitos os que lhe dirigem a palavra, simbolicamente, e chegam a conversar com o escritor. Em 1998, em Itabira, é inaugurado o Museu de Territórios Caminhos Drummondianos, que se tornou um passeio turístico. O trajeto é marcado por placas-poemas localizadas nos locais citados pelo poeta em suas obras. 96 Entre 1999 e 2000, são lançados, pelo selo Luz da Cidade, três obras do autor em CD: Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran, Contos de aprendiz por Leonardo Vieira, História de dois amores — contada por Odete Lara. No ano de 2010, a editora Record criou o twitter do autor, que tem muitos seguidores. Vida em imagens 1902 Nasce em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais 1920 Muda-se com a família para Belo Horizonte 1922 Ganha prêmio com o conto “Joaquim no telhado” 1923 Ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte 1925 Casa-se com Dolores Dutra de Moraes Conclui o Curso de Farmácia 1927 Trabalha como redator do Diário de Minas 1931 Falece seu pai, Carlos de Paula Andrade 1932 Trabalha com Gustavo Capanema na Secretaria do Interior 1937 Colabora na Revista acadêmica 1946 Colabora em jornais Trabalha na diretoria do IPHAN 1951Publica Claro enigma e Contos de aprendiz 1957Publica Fala, amendoeira 1963 Recebe prêmios 1966Publica Cadeira de balanço 1969 Cronologia feita por Drummond com imagens | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB Publica Reunião: 10 livros de poesia 1987 98 Começa a escrever para o Jornal do Brasil Falece em 17 de agosto Elucidações Elucidação dos Sete erros da pág. 75 Elucidação da Carta enigmatica da pág. 27 CARTA ENIGMÁTICA: CIDADEZINHA QUALQUER Casas entre bananeiras CRUZADINHA DE POEMAS mulheres entre laranjeiras Encontre nesta cruzadinha 16 poemas pomar amor cantar. do poeta itabirano: CRUZADINHA DE POEMAS Encontre nesta cruzadinha 16 poemas do poeta itabirano: Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. ETERNO - PALAVRAS NO MAR - INVENTÁRIO - CANÇÃO AMIGA Um burro vai devagar. Devagar… as janelas olham. E A NÁUSEA - O MEDO - POEMA DE SETE FACES A FLOR NO MEIO DO CAMINHO - TRISTEZA NO CÉU - SEGREDO - LAGOA - Eta vida besta, meu Deus. NOTURNO MINEIRO - INFÂNCIA - CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO O ENIGMA - ITABIRA Elucidação do labirinto da pág.12 Elucidação Completar Pontos da pág.73 ITABIRA este coração a trama dos sentidos serpenteia lá embaixo. O sol nascente apelo do não. contra o sem sentido A cada hora, desintegra-se, recompõe-se, e o sol cadente vestem de púrpura Mas as coisas findas, Consciência mais leve do que asa Foi no Rio tornam-se insensíveis As coisas tangíveis serpenteia lá embaixo. O sol nascente Estudar, a gente estuda. Mas depois, abafando o calor uma pedra e, estacando, de hiatos e de vácuos hermafroditas Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. povoado A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu Foi no Rio hermafroditas brincam de subtraí-la. ao descer, que é andrade? Andrade é árvore mil presentes da vida aos homens indiferentes, sou eu a cidade apelo do não. este coração meu amor. de elipses, psius Que ele é meio pateta Cada um de nós tem seu pedaço As ferraduras batem como sinos. que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. BELO HORIZONTE 100 apelo do não. numa prova escolar? uma incorpórea face Foi no Rio Afinal, De cacos, de buracos uma pedra e, estacando, As coisas tangíveis resumo de existido. Na cidade toda de ferro que soprava no vento Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. sou eu a cidade apelo do não. Foi no Rio apelo do não. deixa confundido Foi no Rio Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. O grande pão de mel suspenso entre mar e céu Nada pode o olvido Afinal, Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. apelo do não. assume formas inéditas de transparência. este coração meu amor. a forma rígida. Nuvens ciganas voluptuosidade errante do calo As coisas tangíveis Mas as coisas findas, O mar batia em meu peito, já não batia no cais. e bondes tilintavam, meu amor. Havia a promessa do mar igarapé ribeirão rio corredeira As coisas tangíveis Foi no Rio sou eu a cidade abafando o calor povoado volto de mãos vazias para casa. autos abertos correndo caminho do mar faz-se, desfaz-se, faz-se muito mais que lindas, Jabuticaba chupa-se no pé. Foi no Rio meu amor. meu amor. que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. no pico do Cauê. O grande pão de mel suspenso entre mar e céu serpenteia lá embaixo. O sol nascente Mas as coisas findas, ei, pessoal: furtar jabuticaba. apelo do não. a forma rígida. Nuvens ciganas uma pedra e, estacando, Foi no Rio autos abertos correndo caminho do mar andrade é morro Foi no Rio a cidade sou eu As coisas tangíveis É montanha ou aparição crepuscular. de folhas alternas flores pálidas à palma da mão. O furto exaure-se no ato de furtar. RIO DE JANEIRO insinua os prazeres da cidade. Eu passava na Avenida quase meia-noite. Mas que dizer do poeta A boca, o paladar, essas ficarão. o foi logo cercando? essas ficarão. este coração deixa confundido apelo do não. autos abertos correndo caminho do mar Muito riso escarninho meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. povoado Afinal, Foi no Rio Consciência mais leve do que asa ilha meu amor. este coração Na cidade toda de ferro muito mais que lindas, deixa confundido Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. e não sabe rimar? ao descer, essas ficarão. Muito riso escarninho Amar o perdido As ferraduras batem como sinos. este coração que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. Estudar, a gente estuda. Mas depois, Elucidação das Palavras cruzadas da pág. 87 Referências BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1968. _____. (sel. e mont.). Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema. 2. ed. aum. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010. _____. O observador no escritório. Rio de Janeiro: Record, 1985. _____. Os dias lindos. Rio de Janeiro: Record, 1995. _____. Poesia completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2006. _____. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Aguilar, 2003. _____. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: Record, 1995. MAPA de Itabira e cidades mineiras. Belo Horizonte: Hartimann, 1922. 1 mapa. Escala 1:450.000. Disponível em: <www.asminasgerais.com.br/qf/ univlercidades/mapas/antigos/05.jpg>. Acesso em: maio 2010. MEINIG, Donald. O olho que observa: dez versões sobre a mesma cena. In: Revista Espaço e Cultura. Rio de Janeiro: UERJ/Nepec, n. 3, 1996. P. 35-46. MORAES NETO, Geneton. 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