A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS
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A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS
A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS-CURRENCY SWAP João Manoel de Lima Junior1 Resumo O presente trabalho apresenta, em linhas gerais, a operação de cross-currency swap (também denominada como swap de divisas, de moedas ou währungsswap), introduz brevemente o estudo sobre sua natureza jurídica e contábil e apresenta algumas dificuldades na determinação do regime jurídico e contábil aplicável a esta operação quando consideradas as características do contrato. Introdução O presente trabalho tem como objetivo introduzir o debate sobre a natureza jurídica e contábil da operação financeira denominada cross-currency swap. O cross-currency swap é um instrumento financeiro derivativo que pode ser considerado “exótico” bastante utilizado no mercado internacional na medida em que permite à duas, ou mais, companhias com possibilidades de obtenção de taxas de juros menos onerosas em operações de empréstimo, contratadas tendo como base uma determinada moeda funcional (estas vantagens comparativas podem advir, por exemplo, do melhor rating de crédito ou do fato desta ser mais conhecida dos investidores em determinado país), a obter um determinado resultado financeiro mais favorável aos seus objetivos empresariais por meio da troca das taxas de juros cobradas pelos empréstimos. O estudo dos tratamentos jurídico e contábil deste tipo de operação se justifica na medida em que, conforme ensinam os Professores Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera (2010) “A nova realidade do mercado financeiro observada no Brasil nos 1 Advogado, sócio do escritório Spalding Advocacia Empresarial. Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Assistente de Ensino na FGV Direito Rio. Críticas, comentários e sugestões sobre este artigo são bem vindos no e-mail [email protected]. últimos anos teve um impacto significativo nas operações com derivativos realizadas pelas empresas e pelas instituições financeiras. De um cenário amplamente baseado em operações tradicionais (plain vanilla) realizadas em Bolsa, o mercado começou a abrigar obrigações cada vez mais customizadas e realizadas no mercado de balcão. As empresas comerciais e industriais, antes ausentes do mercado de derivativos, começaram a se tornar players importantes do mercado.” Se mostra de relevância tanto acadêmica quanto prática empreender exercícios de análise sobre um tipo específico de contrato de derivativo, disponível para contratação por empresas brasileiras, especialmente àquelas que têm acesso aos mercados internacionais, na medida em que estas podem considerar a captação de recursos por meio de empréstimos não apenas em sua moeda funcional, o Real, mas em outras moedas e trocar os resultados econômicos destas operações de captação com outros players dos mercados internacional ou nacional. Contudo, apesar dos fundamentos econômicos da captação de empréstimos e utilização do cross-currrency swap como instrumento de gestão de tesouraria pelas empresas, algumas dúvidas se impõem com relação ao tratamento jurídico deste contrato de derivativo segundo os atuais ordenamentos jurídico e contábil brasileiros. Valendo, como exemplo, mencionar: a operação de cross currrency interest rate swap é um contrato aleatório ou comutativo? Têm natureza jurídica de valor mobiliário? É um instrumento de hedge, trading ou de especulação? Qualquer empresa pode entrar neste tipo de contrato? É um empréstimo? É um ativo financeiro, para efeitos de aplicação das regras previstas no Pronunciamento Nº 38, de 2 de outubro de 2009, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC? Ou, ainda, este contrato de derivativo é uma operação de renda fixa ou de renda variável? Pode ser realizado por partes relacionadas? As despesas com o envio de recursos ao exterior para realização do netting das taxas de juros trocadas entre as partes (legs) são dedutíveis? Etc. Naturalmente, O presente trabalho, pela necessidade de concisão e objetividade não pretende, tampouco poderia pretender, esgotar o assunto nem mesmo à responder todas as perguntas listadas acima, mas sim servir como um breve e, espera-se, profícuo intróio ao estudo do cross-currency swap e apresentar algumas problematizações na caracterização e 2 enquadramento deste instrumento de engenharia financeira segundo as regras jurídicas e contábeis atualmente vigentes no Brasil. O presente trabalho está dividido em três sessões além desta introdução e de uma singela conclusão ao final. A primeira buscará apresentar e delinear as principais características da operação de cross-currency swap; a segunda buscará traçar algumas linhas acerca do problema da natureza jurídica da operação financeira de cross-currency swap; por fim, a terceira, de maneira semelhante, tentará introduzir o estudo da atual classificação contábil do cross-currency swap. 1. O cross-currency swap Derivativos são instrumentos financeiros contratuais, bilaterais ou multilaterais, onde são negociados ativos financeiros cujo valor é derivado de um ou mais ativos referência (underlying assets), existem algumas versões mais comuns e usuais de contratos de derivativos, os plain vanilla, normalmente negociáveis em mercados de bolsa ou de balcão organizado (opções, futuros, à termo e swaps) e outras modalidades operacionais que não se encaixam aos ‘moldes padrão’ e por isso são contratadas diretamente entre empresas, com ou sem a intermediação de instituições financeiras, sendo contratadas em mercado de balcão ‘não organizado’. Existe grande consenso no Brasil acerca da utilização destes contratos apenas como instrumentos de hedge (proteção). Nesta linha, segundo Marcelo Oliveira et al. (2005), estas operações têm como sua finalidade principal de fornecer proteção contra movimentos adversos do mercado. Porém, além desta finalidade de proteção podem os contratos derivativos ser utilizados para obtenção de lucros com distorções momentâneas nos mercados (arbitragem) ou com o objetivo de especulação. De tal modo que merece atenção uma visão mais ampla sobre a utilização de contratos de derivativos como instrumentos para a gestão de riscos por empresas financeiras, ou não, pois conforme lição de Marcelo Ferraz (2003) e Robert M. McLaughlin (1999) a utilização de derivativos por empresas não financeiras pode ajudar empresas à atingir objetivos tão diversos como, por exemplo: (i) reduzir os impactos de impostos em empresas com resultados financeiros muito voláteis; (ii) reduzir custos diretos e 3 indiretos de falências ou de problemas financeiros; ou (iii) reduzir o custo de capital da companhia. Segundo John C. Hull (2005), “swap é um acordo entre duas companhias para trocar fluxos de caixa no futuro. O acordo define as datas em que os fluxos de caixa serão pagos e de que forma serão calculados. Em geral o cálculo dos fluxos de caixa envolve os valores futuros de uma ou mais variáveis de mercado”. Na modalidade mais simples de swap (os plain vanilla mencionados acima), duas companhias acordam em trocar entre si, em datas pré-determinadas de liquidação e por um determinado período de tempo, as diferenças na variação de dois fluxos de caixa iguais aos juros calculados a uma taxa fixa e os juros calculados a uma taxa de juros flutuante (fix to floating swap). Por outro lado, contratos derivativos exóticos, conforme definição dos Professores Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera (2010) “são derivativos que alteram uma ou mais características tradicionais dos derivativos plain vanilla”. Sendo assim, pode-se definir um cross-currency swap como um derivativo exótico¸ pois esta operação envolve não apenas um único valor de principal sobre o qual serão calculados fluxos de taxas de juros para as partes (notional), mas dois valores de principal, sendo um em cada moeda adotada por cada uma das partes, considerando-se um swap que só envolva duas partes contratantes. Outra característica que define o ‘exotismo’ do cross-currency swap, e que será estudada mais detidamente quando for discutida definição contábil deste contrato de derivativo como “instrumento financeiro”, é o fato de que esta operação exige a troca, entre as partes, do valor do principal, em dois momentos específicos durante a vida do contrato, no início e no final da contratação, com base na taxa de câmbio verificada pelas partes em cada um destes momentos. Este fator é importante, pois, em um plain vanilla swap não há a troca de principal, devendo as partes trocar entre si apenas e tão somente as diferenças de rentabilidades apuradas nas datas de liquidação, o que não exige um desembolso significativo de recursos no momento da contratação por nenhuma das partes, diferentemente do que ocorre nas operações de cross-currency swap. 4 Um outro ponto importante para o correto entendimento do funcionamento do crosscurrency swap é mencionar que o interesse negocial das partes nesta contratação é transacionar vantagens comparativas obtidas por cada uma na obtenção de financiamento em mercados com moedas diferentes (usando como referência para as trocas do contrato de swap as taxas de juros conseguidas nos empréstimos), e não propriamente o risco cambial (o que aconteceria se alguma das partes se utilizasse como referência taxas de câmbio, contudo naturalmente existe risco cambial envolvido e transacionado nesta operação, já que envolve obrigações de pagamento e recebimentos em moedas diferentes, o qual pode ser mitigado pelas empresas contratantes por meio de sua transferência para instituição financeira intermediária da operação, da utilização de taxas de câmbio fixas e/ou por meio da contratação de outras operações específicas com a finalidade de fornecer hedge para esta exposição ao risco de taxas de câmbio). A operação de cross-currency swap, conforme explica John C. Hull (2005) pode ser usada para transformar uma ou mais características de um empréstimo tomado pela empresa em uma determinada moeda e com uma determinada taxa de juros por outra(s). Ou seja, por meio do cross-currency swap as empresas conseguem expor-se aos riscos de um contrato de empréstimo mais adequados às suas vantagens comparativas e não ao que efetivamente contrataram em determinado mercado e moeda. Neste ponto, é importante estabelecer a diferença entre o cross-currency swap, objeto do presente trabalho, e o currency interest swap, os quais se diferenciam exclusivamente pela necessidade de contratação, pelas partes, da troca dos valores de principal em moedas diferentes no início no fim do contrato, que está presente no cross-currency swap, mas não no currency swap, conforme apontam os Professores Ari Cordeiro Filho (2000) e José A. Engrácia Antunes (2009). Por fim, no intuito de esclarecer o funcionamento do cross-currency swap, segue abaixo dois quadros esquemáticos mostrando os fluxos de pagamentos no início e no final da vigência de um contrato de cross-currency swap contrato: No início do Contrato: 5 Fonte: Fernando Szterling (2009) “OTC Derivatives: The ISDA System and Regulatory Developments” Conforme demonstrado no exemplo acima, a companhia tomou recursos emprestados (por meio da emissão de títulos) em uma determinada moeda, contraindo assim, obrigações de pagamento de juros e principal em dólares americanos, e contratou um cross-currency swap com uma instituição financeira no Brasil para receber valores de juros e principal (no início do contrato) em Reais. No final do Contrato: 6 Fonte: Fernando Szterling (2009) “OTC Derivatives: The ISDA System and Regulatory Developments” Para caracterização do cross-currency swap deve ser acordado pelas partes no momento da contratação, a “retroca” dos valores de principal em datas futuras. Ou seja, conforme lição de Ari Cordeiro Filho (2000), “as moedas trocam de mão inicialmente, mas se acerta a reversão da operação em data futura. Na troca de moedas, ao se contratar o pagamento de juros na moeda do seu detentor, durante a vida do swap, pode-se dizer que os juros são “trocados” em definitivo, mas não o principal. A operação reversiva do principal pode ocorrer de um só vez no vencimento, em data futura, ou mediante um cronograma de amortização.”(aspas no original) 2. A Natureza Jurídica do cross-currency swap Uma vez apresentado o funcionamento da operação de cross-currency swap, importa para os propósitos do presente trabalho tentar avançar no debate sobre a natureza jurídica e contábil desta operação financeira. Inicialmente é importante destacar que a tarefa de encontrar uma “natureza” própria de operações realizadas nos mercados de derivativos é bastante controversa, na medida em que este mercado, caracterizado por inovações financeiras constantes representa um enorme 7 desafio para o jurista acostumado que está a analisar operações e tipos negociais do presente com critérios, requisitos e elementos de institutos desenvolvidos no passado. Esta, principalmente quando se trata da análise de operações financeiras, talvez seja uma limitação do método que se utiliza a ciência do direito para “reconhecer” situações da realidade do mundo negocial e definir-lhes o regime jurídico aplicável. Do ponto de vista do direito civil, o cross-currency swap tem, conforme entendimento de Érica Gorga (1998) clara natureza jurídica contratual. Devendo, por isso, ser analisado inicialmente com base nos critérios de classificação dos contratos, de modo que o crosscurrency swap, tal como apresentado acima, é um contrato bilateral, oneroso, de trato sucessivo, atípico, aleatório, principal, coligado, pessoal, paritário e não solene. Naturalmente, esta concepção ignora uma série de dificuldades para análise jurídica de uma operação de swap, posto que a análise pormenorizada de cada um destes problemas fugiria substancialmente do escopo e objetividade almejados pelo presente trabalho, tais como: é uma operação de jogo ou aposta?; tem natureza jurídica de seguro? é um contrato aleatório ou comutativo de álea infinita (conforme defende BANDEIRA (2010))? Quem pode ser parte de um contrato com estas características? etc. Adicionalmente, é importante destacar que o cross-currency swap, também poderá vir a ser considerado como uma operação de hedge (proteção), trading ou de especulação dependendo das causas objetivas e da finalidade de sua contratação. Ou seja, qual foi a intenção da empresa contratante com a instituição financeira, levando em consideração não apenas a sua exposição à riscos financeiros, mas também seus riscos operacionais como um todo. Esta distinção é relevante na identificação da natureza jurídica do contrato de crosscurrency swap pois configura um importante “elemento de fim” da operação, o que se coaduna com a visão de que devem-se buscar os elementos de fim e de meio para a correta determinação da natureza jurídica de determinada operação estudada. Principalmente se considerarmos como pano de fundo um contexto de funcionalização do exercício dos direitos subjetivos que ganhou força depois da constituição Federal de 1988 e dos institutos do direito privado que viriam a entrar em vigor com a edição do Código Civil de 2002, conforme ensina a Professora. Judith Martins-Costa (1999). 8 Merece atenção o fato de que, se por um lado, a caracterização da operação como sendo de “hedge” ou não provocará efeitos contábeis (conforme se verá abaixo) diversos, por outros influenciará também na sua classificação do ponto de vista contratual e tributário. Pois, confirma ensina o Professor Alexsandro Broedel Lopes (2009) “derivativos com finalidade de hedge não possuem existência independente do item que está protegendo de forma que o reconhecimento em resultado deve ser feito de forma concomitante” assim, caso a operação de cross-currency swap seja contrata para fins de hedge ela não será um contrato principal, conforme mencionado acima, mas um contrato acessório e, como tal, seguirá o principal (o empréstimo “hedgeado”) e por ele será afetado. Adicionalmente, merece destaque que o cross-currency swap tem natureza jurídica de valor mobiliário, conforme determina o atual texto do artigo 2º da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1.976, onde constam os incisos, VII, VIII e IX, incluídos pela lei 10.303/01, cujo texto, transcrito abaixo, é hábil para incluir os contratos derivativos no rol de valores mobiliários independentemente dos ativos subjacentes: “Art. 2° São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (Omissis) VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (grifou-se) Esta definição é importante, pois é a partir dela que se define o tratamento jurídico que o cross-currency swap receberá, dado que a conceituação de determinado título e/ou operação como valor mobiliário, conforme aponta Nelson Eizirik (2008), tem caráter basicamente instrumental, demarcando o âmbito de abrangência da regulação estatal especifica sobre valores mobiliários. Conferindo, desta feita, as competências regulatória, executiva e judicante sobre o instrumento, contrato ou operação que for considerado um valor mobiliário 9 ao órgão regulador de mercado, ou seja, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, no caso brasileiro. Destaque-se que o cross-currency swap reúne algumas caraterísticas típicas de “plain vanilla swap” (trocas das diferenças entre os fluxos de taxas de juros nas datas de liquidação) com uma característica essencial das operações de mútuo (transferência dos montantes de principal de/para cada uma das partes no início e no final do contrato), o que porá algumas dúvidas em relação à sua caracterização como uma operação de crédito ou não. Esta diferenciação impactará não apenas na definição do regime jurídico aplicável ao contrato, mas terá efeitos operacionais, uma vez que sendo considerada como uma operação de crédito pelo banco que ingressa no contrato estará sujeita à diferentes limites em relação ao patrimônio de referência do banco ao que estaria se fosse considerada como um derivativo e, ainda, estará sujeita, às regras de contingenciamento de crédito ao setor público, o que restringirá, por exemplo, a possibilidade de contratação dos cross-currency swaps por empresas públicas atuantes no mercado internacional. Conforme previsto no inciso I do parágrafo 1º do artigo 1º da Resolução 2.873, de 26 de julho de 2001, conforme alterada, que dispõe sobre a realização de operações de swap, a termo e com opções no mercado de balcão, bem como sobre contratos negociados em bolsas de mercadorias e de futuros e entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil – Bacen ou pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, expedida pelo Conselho Monetário Nacional – CMN a operação de “swap” é definida como: “I - são definidas como operações de swap aquelas realizadas para liquidação em data futura que impliquem na troca de resultados financeiros decorrentes da aplicação, sobre valores ativos e passivos, de taxas ou índices utilizados como referenciais;” Conforme visto acima, a definição jurídica atual de operação de swap apenas faz menção à troca dos resultados financeiros futuros, ou seja, das diferenças apuradas entre as rentabilidades nas datas de liquidação. De modo, que, neste caso, parece razoável entender o acordo para troca dos principais como contratação de empréstimos entre as partes, sendo este 10 pacificamente entendido, tanto do ponto de vista jurídico quanto econômico e contábil, como uma operação em que uma das partes recebe recursos da outra com o compromisso de devolvê-los no futuro; que pode ou não acontecer mediante a cobrança de juros (caso dos empréstimos bancários), caso em que será caracterizado como mútuo feneratício. 3. A classificação contábil do cross-currency swap Uma vez apresentadas algumas linhas sobre a possível natureza jurídica do contrato de cross-currency swap o presente trabalho buscará definir a sua classificação contábil, com base no ordenamento contábil atualmente vigente no Brasil e à luz das regras internacionais de contabilidade às quais a contabilidade brasileira está em processo final de convergência. Contudo, é importante destacar que para os propósitos do presente trabalho apenas uma característica do cross-currency swap será tratada mais detalhadamente: a troca dos principais. Uma vez que é esta a característica que põe em cheque a classificação desta operação como um instrumento financeiro derivativo. Sendo assim, em primeiro lugar observar-se-á algumas definições contábeis de instrumento financeiro e de instrumento financeiro derivativo. O Pronunciamento Número 38 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC define como instrumento derivativo: “Definição de derivativo Derivativo é um instrumento financeiro ou outro contrato dentro do alcance deste Pronunciamento Técnico com todas as três características seguintes: (a) o seu valor altera-se em resposta à alteração na taxa de juros especificada, preço de instrumento financeiro, preço de mercadoria, taxa de câmbio, índice de preços ou de taxas, avaliação ou índice de crédito, ou outra variável, desde que, no caso de variável não financeira, a variável não seja específica de uma parte do contrato (às vezes denominada ―subjacente); 11 (b) não é necessário qualquer investimento líquido inicial ou investimento líquido inicial que seja inferior ao que seria exigido para outros tipos de contratos que se esperaria que tivessem resposta semelhante às alterações nos fatores de mercado; e (c) é liquidado em data futura.” (negrito no original, sublinhou-se) O Professor Alexsandro Broedel Lopes (2009) ensina que a FASB (Financial Accounting Standards Board) caracteriza de forma mais precisa os derivativos, pois “segundo a FASB, instrumentos financeiros derivativos devem possuir três características concomitantes, a saber: (i) investimento inicial nulo ou muito pequeno, (ii) presença de um ou mais ativos subjacentes e (iii) liquidação em uma data futura.” (grifou-se) Adicionalmente, Antônio Maria Henri Beyle de Araújo (2002), menciona que o IASB (International Accounting Standards Board), por meio do IAS 39, considera como “instrumento financeiro qualquer contrato que origine um ativo financeiro para uma empresa e um passivo financeiro ou um instrumento de patrimônio líquido para outra empresa” e, especificamente como instrumentos financeiros derivativos, que são uma espécie do gênero instrumento financeiro, as operações em que “a) o valor do instrumento muda em resposta a mudanças nos valores de preços, taxas ou índices, geralmente denominados “subjacentes; b) não requerem investimento inicial líquido ou demandam um investimento inicial líquido pequeno se comparado a outros tipos de contrato que respondem de forma similar a mudanças nas condições de mercado; [e] c) são liquidados em data futura.” (grifou-se) Conforme visto acima, em todas as definições contábeis relevantes a ausência de desembolso financeiro no início do contrato é um critério significativo para a definição de um determinado instrumento financeiro como sendo um instrumento financeiro “derivativo” o que, de plano, cria óbices ao enquadramento da operação de cross-currency swap dentro desta espécie do gênero instrumento financeiro. O que cria a necessidade de buscar tratamento contábil diverso para o contrato. 12 Sendo assim, é razoável defender que no momento da contratação da operação de cross-currency swap pela empresa ela deverá contabilizar em seus registros contábeis dois passivos (um empréstimo em uma moeda e outro em moeda diversa (sendo este segundo empréstimo assumido na contratação do cross-currency swap) e um ativo (o empréstimo que a empresa fará na mesma moeda do empréstimo tomado inicialmente) pelo seus valores justos, devendo “segregar” a contabilização destes passivos e ativo da contabilização das trocas de diferenciais, as quais, por se enquadrarem na definição de derivativos mencionada acima devem ser marcadas à mercado. Conclusão Diante do exposto acima, entendemos que a operação de cross-curency swap consiste em uma operação de empréstimos cruzados (trocas de principal em moedas diferentes), com um swap de taxas embutido (trocas das diferenças entre as taxas), portanto, de natureza híbrida, e se enquadra na categoria de ativo financeiro para efeitos contábeis (a troca do principal recebe o tratamento contábil das operações de empréstimos e recebíveis e a troca das diferenças como instrumento derivativo), podendo ou não vir a ser definida como uma operação de hedge (o que vai depender da análise da motivação da empresa contratante), devendo a troca de principais ser caracterizada como operações de mútuo entre as partes e as trocas de diferencias ser considerada como um instrumento financeiro derivativo. Naturalmente, dada a complexidade da operação esta é uma dentre outras possibilidades igualmente defensáveis de classificação desta operação, a qual poderia ser considerada, por exemplo, como uma combinação de operações no mercado de câmbio, sendo, para cada uma das partes, uma operação no mercado de câmbio à vista (spot); um contrato de câmbio para liquidação futura (a termo) e um currency-swap que poderia ser fix to fix, circus ou floating to floating swap dependo das taxas que foram adotadas pelas partes na contratação. Com a ressalva, feita por José A. Engrácia Antunes (2009) de que estas taxas estão referenciadas à diferentes valores de nocional especificados em moedas diferentes o que diferenciaria esta operação de um mero swap de taxas de juros padrão. 13 Esta conclusão decorre de constatação de que tanto para efeitos jurídicos quanto para efeitos contábeis, a necessidade de desembolso de valor significativo (os nocionais) pelas partes no início e no final do contrato contraria tanto a definição contábil, conforme definidas pelo CPC 38, IAS 39 e SFAS 133, quanto jurídica, conforme estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional – CMN, de swap. Esta constatação demonstra a dinamicidade das inovações financeiras, uma vez que a sedimentação da prática negocial corrente excluiu da definição de instrumento financeiro derivativo a “forma historicamente primogênita” (Antunes 2009) da operação de swap (o famoso swap contratado entre a IBM e o Banco Mundial em 1982 tratava-se de um cross- currency swap) do conteúdo do conceito jurídicocontábil de “swap”. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Antônio Maria Henri Beyle de. (2002) O reconhecimento, a mensuração e evidenciação de operações de swaps em instituições financeiras: uma abordagem à luz da teoria da contabilidade. Tese de Doutorado em Ciências Contábeis apresentada ao Programa Multiinstitucional e Inter-Regional de Pós-Graduação em Ciências Contábeis UNB, UFPB, UFPE e UFRN. BESSADA, Otávio. (2005) Mercado de derivativos no Brasil: Conceitos Operações e Estratégias. São Paulo, Editora Record. CHALHUB, Melhim N. (2006) Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro, Editora Renovar. 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