ARTE E TECNOLOGIA: Um estudo sobre a música pop e
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ARTE E TECNOLOGIA: Um estudo sobre a música pop e
1 ARTE E TECNOLOGIA: Um estudo sobre a música pop e seus fãs na contemporaneidade Alexandre Soares Cavalcante, Ana Keila Mosca Pinezi1, UFABC. 1 Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC, Santo André, Brasil. Este trabalho teve por objetivo investigar como jovens internautas consumidores de música no ambiente do ciberespaço pensam e se relacionam com a música no contexto das mudanças advindas das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Foram entrevistados usuários de duas comunidades virtuais, e os resultados apontam para uma visão mercadológica por parte dos mesmos, em que o sucesso é idealizado a partir de perspectivas de competição, construindo assim uma identidade social influenciada por elementos da música pop, que de fato se estendem muito mais do que simplesmente para o campo musical (moda, comportamento, visão de mundo etc.). Palavras-chave — ciberespaço, arte, música pop, novas tecnologias da informação. I. INTRODUÇÃO A globalização contemporânea trouxe para a sociedade importantes modificações em razão dos adventos tecnológicos que se tem notícia nos últimos tempos. A partir do desenvolvimento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, houve um processo de fragmentação na programação cultural consumida na sociedade, a desmassificação. Nesse contexto, podemos incluir a arte como um dos elementos da sociedade que têm sido modificados, uma vez que historicamente a mesma se apropria de técnicas e tecnologias de seu tempo para ser manifesta[1]. A música, mais especificamente, é um dos fenômenos artísticos mais atrelados à tecnologia, e é, portanto, um dos que mais se modifica conforme a evolução tecnológica. Para entender, então, as mudanças no fazer e pensar a música, escolheu-se estudar a vertente “pop”, por reunir características que nos permitem comparar a cultura de massa com o fenômeno da desmassificação; a música antes e depois do advento da Internet e, dessa forma, compreendermos quais mudanças na sociedade e no pensamento coletivo foram trazidas em função da revolução informacional. O objetivo deste trabalho é compreender como internautas fãs da música “pop” expressam sua visão de mundo no ciberespaço e constróem sua identidade social, tendo em vista o contexto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação e as mudanças conseqüentes com relação à música, em especial o pop. Para tal empreitada, foram escolhidas duas comunidades virtuais que tem por foco a divulgação e a discussão da música pop. II. AS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO A partir da década de 1970, o mundo experimentou uma revolução nas comunicações com o advento da Internet e, por mais que os impactos dessa (re)evolução tecnológica (e porque não dizer cultural) ainda estejam acontecendo, há instrumentos concretos que permitem sua análise no que tange à sociedade contemporânea. [2] A Internet, elemento protagonista da comunicação via computadores, teve rápida absorção na sociedade se considerarmos que, em pouco mais de três décadas de existência, já é utilizada por mais de 800 milhões de pessoas ao redor do planeta [3][3]; e por mais que os motivos de seu sucesso ainda sejam foco de estudos, fica claro que a interatividade e a intersecção das mídias é o que caracteriza esse meio. A questão da desmassificação, iniciada com a evolução e descentralização da televisão, torna-se mais forte no meio ciberespacial, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar, consegue interagir, participando dos e/ou modificando os processos sociais em rede, online. Dessa forma, pode-se selecionar os bens culturais que serão recebidos e consumidos, aumentando a participação do receptor cultural: na verdade, não se pode mais falar em receptor e agente ativo, pois, no meio da Internet, todos são um híbrido de ambos, à medida que a comunicação se dá de forma multilateral [4].[5] III. ARTE E TECNOLOGIA – A MÚSICA COMO FENÔMENO ARTÍSTICO Definir o conceito de arte é uma tarefa demasiado complexa e, portanto, é difícil entrarmos num consenso sobre o que, de fato, pode ser considerado arte ou não. Essa polêmica é ainda mais intensa quando estão em jogo formas de expressão mais subjetivas e pessoais, como é o caso da música. No entanto, por mais que não haja um consenso acerca desse conceito na teoria artística, podemos distinguir os conceitos artísticos em três grandes grupos que definem a arte à luz de diferentes pontos de vista: [5] • Arte como imitação: o fenômeno artístico é aquele que imita a realidade, traduz o real em outro formato; • Arte como expressão: nessa visão, é arte todo tipo de manifestação que contenha alguma carga expressão do autor; • Arte como forma significante: a obra de arte o é quando sua manifestação causa algum tipo de emoção e 2 sentimento no âmbito estético. Por fim, entendemos que, por mais subjetivo que seja o caráter artístico, há parâmetros, pessoais ou coletivos, para distinguir a obra e o fenômeno artístico na sociedade. Não obstante, fica evidente que a própria idéia que se tem acerca do que é ou não objeto artístico é importante para a compreensão que se tem daquilo que é consumido culturalmente, como é o caso da música. À parte da problemática do conceito, podemos verificar no fenômeno artístico uma aproximação, um estreitamento bem grande, com a tecnologia e os adventos tecnológicos, e esse é um dos elementos característicos da arte contemporânea [6]. E é justamente no contexto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação que se encontra em debate a forma de se fazer e pensar a música, uma vez que essa também mudou e está mudando em razão dos adventos tecnológicos (tais como o ciberespaço, os novos suportes de reprodução de mídia, os novos formatos de mídia etc.). Com o aumento da velocidade de acesso à Internet, criou-se um ambiente de troca de informações veloz e barato. Assim, a propagação musical se dá de forma intensa no ciberespaço, fato esse que pode ser entendido como fruto da globalização tecnológica e cultural. Essa mudança de paradigma revela, na verdade, uma mudança de pensamento da população, uma vez que “a arte exprime sempre o imaginário de sua época” [6]. Ora, se pensarmos na música enquanto manifestação artística, estamos frente a uma mudança de se fazer e pensar a arte. Compreender as manifestações artísticas, e suas transformações através dos tempos é também compreender a organização dos grupos sociais diversos. IV. A DEFINIÇÃO DE MÚSICA POP A definição do que seja o “Pop” já foi abordada de diferentes formas ao longo de sua história. Foi usada para diferenciá-lo de estilos musicais como o rock e o R&B; para designar aquela música que é popular (faz sucesso com o grande público), para caracterizar o estilo de música mais voltado para a dança e a performance em si [7]. No entanto, algumas características principais são comuns a todas as definições já utilizadas. A música pop é aquela que consegue atingir um grande público devido ao seu conteúdo; e que não tem restrições de idade, sexo ou nacionalidade. Talvez por esses motivos, entre outros, historicamente a música pop foi designada como aquela que ultrapassa fronteiras e possui um alcance maior de público. Atualmente, um dos traços mais marcantes da música pop é seu caráter mercadológico. Hoje em dia, esse tipo de música mostra-se como um verdadeiro mercado financeiro, movimentando bilhões de dólares todo ano [8]. Assim, mesmo sofrendo sérios problemas com relação aos downloads ilegais e a pirataria, o mercado da música pop ainda é um dos mais poderosos. Além da força da publicidade atuante no mercado, as gravadoras e os artistas conseguem utilizar as novas tecnologias de Informação e Comunicação a fim de produzir sua imagem. Portanto, a questão da relação da tecnologia com a arte, em especial a música, fica ainda mais nítida no caso da música pop, que mostra seu caráter muito comercial e mercadológico. Nota-se, ainda, que o público-alvo dessa vertente musical é constituído, em sua grande maioria, por jovens e adolescentes (que são os maiores usuários da Internet como forma de lazer e/ou cultura). É notório que o cenário mundial do pop tem-se modificado constante e fortemente, uma vez que, com o fácil acesso por meio da Internet, muitas pessoas deixam de consumir essa arte pela forma convencional e passam a consumi-la pelo ambiente do ciberespaço (temos que considerar também os avanços tecnológicos dos reprodutores de mídia – iPods, MP3 players, iPhone etc.). Conclui-se que entender quais mudanças foram trazidas para a dimensão da música Pop em razão das novas tecnologias de Informação e Comunicação é, de fato, um caminho para entender como pensam os jovens acerca do próprio advento tecnológico e da globalização tecnológica e cultural. V. MÉTODOS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS Foi realizado, inicialmente, um levantamento de várias comunidades virtuais que abordam o tema da música pop internacional e, de acordo com a forma com que se aborda o tema, a taxa de freqüência dos usuários, a abrangência das comunidades em termos de artistas e repertório, a facilidade de acesso aos perfis dos usuários e a liberdade que se tem naquele ambiente, foram selecionadas duas comunidades virtuais, quais sejam: A Comunidade do Orkut “Revista Billboard”: dedicada à divulgação e discussão de assuntos do meio musical internacional, independente dos artistas1. B Fórum de discussão “Pulse Music Board”: fórum de discussão e de divulgação musical, composto por pessoas de diferentes partes do mundo, mas principalmente norteamericanos2. Posteriormente à seleção das comunidades virtuais, foram feitas entrevistas abertas com os usuários/participantes dessas comunidades. As entrevistas totalizaram o número de 16 (dezesseis): 08 (oito) da comunidade “Revista Billboard”, e 08 (oito) do fórum “Pulse Music Board”. Os critérios para a seleção dos entrevistados foram freqüência e participação nos fóruns das comunidades escolhidas. Em seguida, foi estabelecido contato com cada um por meio de recados deixados em seus perfis, nos quais me identificava como pesquisador da UFABC e perguntava se havia interesse em participar da entrevista. Com um perfil criado em cada um dos sites, foi enviado aos internautas o contato do pesquisador de MSN (Messenger: programa de conversas instantâneas), para que pudessem adicionar esse contato às suas listas de contatos a fim de 1 Link: http://www.orkut.com.br/Main#Community. aspx?cmm=2178033 (participam somente os que possuem conta no Orkut). 2 Link: http://pulsemusic.proboards.com (as postagens são limitadas àqueles que possuem conta cadastrada no site). 3 possibilitar a entrevista aberta. Para aqueles que não se utilizavam de tal serviço de comunicação, a entrevista se deu por meio da troca de e-mails. As entrevistas, norteadas por um roteiro elaborado a partir da observação participante e da fundamentação teórica construída, transcorreram com pouca dificuldade. Quanto às perguntas, nenhum entrevistado se recusou a respondê-las. As entrevistas foram gravadas em formato de texto a partir das mensagens e das conversas gravadas pelo programa de bate-papo. Assim, de posse das informações fornecidas, montou-se um quadro de caracterização dos informantes, contendo os dados objetivos, quais sejam: comunidade da qual o entrevistado é oriundo, nome/nickname, sexo, país/região, nível de escolaridade, tempo de acesso à Internet diário, principal meio pelo qual consome e ouve música, e se trabalha ou não. A partir de então, com a tabulação dos dados, obtidos por meio de entrevistas e observação participante nos ambientes das comunidades citadas, foi realizada até agora uma análise parcial. A análise dos dados continua em curso, neste momento da pesquisa. VI. CONCLUSÃO Em uma análise preliminar dos dados, a pesquisa aponta para aspectos da relação dos internautas com a tecnologia e a música de forma bastante singular, dentre os quais vale ressaltar: Os usuários são, em sua grande maioria, jovens de 16 a 25 anos, em idade escolar (Ensino Médio ou Superior), do sexo masculino. Não obstante, a carga horária diária que passam online varia muito, o que demonstra a diversidade de rotinas de vida dentre os internautas entrevistados. No entanto, é notória a íntima relação com os aparatos tecnológicos que os mesmos apresentam quando o assunto é consumo de música: todos afirmaram utilizar computadores e players digitais para ouvir música, e a Internet para fazer downloads. No que tange às localidades, foi constatado que grande parte vive em centros urbanos e, no caso dos usuários brasileiros, que informaram as cidades em que vivem, estão nas capitais metropolitanas. A concepção dos entrevistados sobre os aparatos tecnológicos e suas relações com a música foi bastante ambígua: os jovens conseguem enxergar aspectos positivos e negativos acerca dessa temática. Em linhas gerais, os mesmos observam que as novas tecnologias da informação e comunicação, em especial a Internet, possibilitam a emergência de novos artistas e artistas independentes de fazerem suas músicas sem a necessidade de um grande selo (marca, gravadora). Assim, maior liberdade de produção e edição foram temas levantados como aspectos positivos. No entanto, a crescente pirataria e os downloads ilegais foram os aspectos mais correntes nos discursos dos entrevistados, mostrando assim uma visão mercadológica acentuada do mundo musical. Para os jovens, a “indústria” musical é um campo de competição, e a idéia de sucesso acompanha tal pensamento: ter sua música como a mais tocada, a maior vendagem de discos e singles (músicas de trabalho do artista), shows lotados, maiores lucros em cada trabalho etc. Nota-se que a identidade social desses jovens é construída a partir da diferenciação de gostos musicais dentro do cenário pop da música. Assim, pode-se inferir que uma identificação com os artistas e o ideal competitivo interiorizado são conseqüências que se verificam no comportamento desses jovens. Assim, mais do que ouvir uma música e se identificar com a letra e/ou a melodia, o pop traz para os indivíduos uma série de aspectos que os influenciarão suas vidas: modo de se vestir, linguajar, pessoas com quem se relacionar, visão de mundo e até mesmo a visão de si mesmo. Muito pouco foi dito sobre arte. A indústria musical parece ultrapassar essa dimensão e é vista como um ambiente de venda e compra de ideais, imaginários, modas, cuja via parece ser a música pop. AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do ABC, por proporcionar aos alunos a experiência de realizar pesquisa científica e aprendizado interdisciplinar. À Prof. Dra. Ana Keila Mosca Pinezi, pela paciência, dedicação, interesse, incentivo e ensino. Este trabalho foi financiado pelo programa Pesquisando Desde o Primeiro Dia (PDPD/UFABC). REFERÊNCIAS [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] LIESEN, M. “Navegando na ciberarte: notas sobre arte e imaginário na contemporaneidade” In Revista eletrônica de Ciências Sociais. nº 08, p. 71-94, 2005. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/caos/mauricioliesen.pdf> Acesso em: 11/02/2009. CASTELLS, M. A sociedade em rede. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. IDG Now. Mais de 800 milhões de pessoas acessam a Internet, mostra estudo. 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