O “Titanic” e o ajuste fiscal

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O “Titanic” e o ajuste fiscal
O “Titanic” e o ajuste fiscal
Hélio Duque
A recessão da economia brasileira será duradoura e não aponta
uma rota de otimismo no curto e médio prazo. O estrago produzido nos últimos
anos não poderá ser deletado apenas pelo ajuste fiscal que vem sendo
implantado. Ele é emergencial, objetiva impedir que o caos econômico se
instale. O descontrole dos gastos públicos foi o determinante para a completa
desestruturação da política econômica. Excesso de desoneração beneficiando
áreas específicas, intervenção na economia, expressada na “nova matriz
econômica!”, geraram a redução da arrecadação, atingindo em cheio os
investimentos. O crescimento econômico foi o grande sacrificado.
Paralelamente o gasto público foi expandido sem critério e disciplina.
O economista Mansueto Almeida, especialista em políticas
públicas, vem demonstrando que o ajuste fiscal tem impacto direto no bolso da
população. O orçamento familiar, através a cobrança de tributos é o grande
sacrificado. Imposto sobre Operações Financeiras, sobre produtos
industrializados e de importação, além do realinhamento dos preços
administrados de combustíveis e das contas de luz, por exemplo, são
repassados à sociedade, afetando diretamente a realidade da ascensão social
ocorrida nos últimos anos. A inadimplência familiar tornou-se fato indiscutível.
O desemprego decorrente da estagnação da economia vem invadindo todos os
setores. Vale dizer, a conta da irresponsabilidade econômica produzida pelas
autoridades governamentais é repassada para as famílias brasileiras.
O ajuste fiscal para garantir “superávit primário” (economia do
governo para manter contas positivas e pagamento da dívida pública), sem
alternativa, confisca a renda dos brasileiros com apetite pantagruélico. Em um
cenário de economia enfraquecida, com uma redução do PIB (Produto Interno
Bruto) em 2015, calculado entre 1,8% a 2%. Na outra ponta, o Banco Central
executa ativa política monetária com juros elevados para combater a inflação.
Lamentavelmente o BC foi omisso e conivente no governo Dilma Rousseff I,
quando ignorou o perigo que representava a redução irrealista e populista das
taxas de juros. A inflação no ano próximo vai se reduzir basicamente pela
recessão, pelo desemprego (pode ultrapassar os 10%) e pela queda dos
investimentos nas áreas produtivas.
Para enfrentar esses e outros desafios, produzidos pela
“fantasia populista” dos últimos anos, recolocando o Brasil em trajetória de
crescimento sustentável, não será tarefa simples. Infelizmente o governo Dilma
Rousseff não tem visão e liderança para implantar reformas estruturais,
fundamentais para a retomada do desenvolvimento. Herdou do governo Lula II,
o Estado endividado, agravado a partir de 2008, com a crise das finanças
internacionais apelidada jocosamente de “marolinha” pelo então presidente da
República. Ao invés de enfrentar a conjuntura econômica adversa, o governo
Dilma resolveu ampliá-la com o crescimento sendo estimulado artificialmente
pelo gasto público, adjetivando sonhadoramente de “nova matriz econômica”.
Instaurou um capitalismo de Estado com fartos subsídios, via BNDES, para
setores privilegiados. Reeleita, a soma dos equívocos e imcompetências
afloraram com grande ímpeto fragilizando o seu governo e vendo a
popularidade virar pó. Foi obrigada a terceirizar o poder, entregando a
economia a Joaquim Levy e a agenda política ao PMDB do vice Michel Temer.
Temos um governo sem credibilidade, onde a confiança da
população vai se esvaindo dia a dia. E recuperar credibilidade e confiança só
seria possível com uma agenda positiva, onde a retomada das reformas
estruturais, abandonadas nos governos Lula/Dilma, se transformem em
realidade. Sem elas a retomada de um ciclo econômico duradouro na
economia brasileira é missão impossível. O ajuste fiscal emergencial em
execução objetiva impedir que o “Titanic” se choque com o “iceberg”. Não
sendo suficiente para recolocar o País em rota de crescimento. Os próximos
anos serão de baixo crescimento, com agravamento da questão social e
ambiente econômico e político adverso e tumultuado. Quem viver, verá.
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de
vários livros sobre a economia brasileira.

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