JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA
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JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA
JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 23 - 2013/1 2 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Reportagem em livro Os jornalistas que mergulham fundo para contar uma história e não se contentam com poucas páginas Melissa Lobato Antes mesmo de ser pensada como gênero jornalístico, a reportagem já dava seus primeiros passos no Brasil em 1897. Um dos livros mais conhecidos da literatura brasileira, Os Sertões nascia de relatos da Guerra de Canudos para o jornal O Estado de São Paulo, quando Euclides da Cunha foi cobrir o evento como enviado de guerra. Assim como Os Sertões, algumas histórias não tiveram seu fim ao saírem estampadas nos jornais e acabaram virando livros-reportagem. Em meio a matérias que buscam responder as perguntas básicas para o leitor, os livros-reportagem ganham destaque por trazerem uma compreensão mais ampla dos fatos, ultrapassando a fronteira do imediato e oferecendo uma abordagem das causas e consequências. Os jornalistas experimentam diferentes procedimentos no que diz respeito à captação da realidade e busca de novos ângulos, o que exige mais tempo do que a imprensa está interessada em dispensar na cobertura de um assunto. Depois de Euclides da Cunha, muitos outros jornalistas também mergulharam fundo em uma realidade e dedicaram-se a reconstrui-la quase que inteiramente. “Os livrosreportagem trazem um grande volume de informações que não cabem nas páginas dos jornais e exigem, por isso, um maior compromisso com a compreensão dos fatos”, afirma Klester Cavalcanti, premiado autor dos livros Viúvas da terra, O nome da morte, Direto da selva, e o recém-lançado Dias de inferno na Síria. Há pouco mais de um ano, Klester foi enviado para a Síria como correspondente da revista Istoé, com a difícil missão de cobrir a guerra civil naquele país. Com a documentação regularizada, ele deixou sua casa em São Paulo rumo ao epicentro do conflito, na cidade de Homs. Lá, acabou sendo preso com outros 20 detentos, o que lhe rendeu muitas histórias para contar e um livro publicado. “Na prisão eu acabei encontrando um novo ponto de vista do conflito. Foi onde conheci personagens e vivi situações que deram origem ao Dias de inferno na Síria”, afirma ele. Autor do prefácio do livro de Klester e com três livros-reportagem publicados, Caco Barcellos conta que a vontade de escrever surgiu nos tempos de menino, quando ouvia os trovadores, “aqueles que contam histórias acompanhados de um violão”, no bairro onde morava, em Porto Alegre. Em um de seus livros, Abusado, Caco denuncia a entrada do Comando Vermelho na favela Santa Marta em quase 600 páginas, resultado de um profundo trabalho de apuração e de algumas noites dormindo em barracos. Ao falar de suas referências no jornalismo, Caco logo revela: “Sempre gostei muito dos escritores de não-ficção, e eu tinha vários ídolos, entre eles o Truman Capote, o Gay Talese, aquela turma”. A turma a que ele se refere são os percursores no New Journalism, um jornalismo mais detalhado e intenso, que se apropria de técnicas da literatura e que contribuiu de forma significativa para o reconhecimento do livro-reportagem nos Estados Unidos. Uma das inspirações de Caco, o ex- repórter especial Gay Talease mergulhou fundo na história do mafioso norte-americano Bill Bonanno, esperando mais de cinco anos para que conseguisse lhe arrancar confissões e então publicá-las. Em Honra teu pai, Talease entra no universo de uma das chamadas Cinco Famílias de Nova York e traz um novo olhar sobre a máfia, deixando de lado todo o romantismo que até então era visto em obras como O poderoso chefão. Outro jornalista que também se arriscou nesse submundo foi Roberto Saviano, que hoje vive recluso por ter exposto a atuação da Camorra, organização que funciona como um Estado paralelo e responsável pelos maiores indices de violência da Europa. O seu livro, Gomorra, é considerado por muitos a obra mais arrebatadora já produzida sobre a máfia de Nápoles até hoje. No Brasil, os livrosreportagem vêm cada vez mais ganhando reconhecimento, com nomes como Zuenir Ventura, Fernando Morais, Caco Barcellos e Klester Cavalcanti. O que pode ser visto fora dos jornais e revistas é um jornalismo capaz de investigar a fundo a realidade e interpretá-la de novos ângulos, formando leitores informados, críticos e responsáveis. EXPEDIENTE UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor Carlos Levi ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Direção Ivana Bentes Coordenação do Curso de Jornalismo Cristiane Costa Núcleo de Imprensa Elizabete Cerqueira coordenação executiva Cecília Castro programação visual número 23 - 2013/1 Informativo produzido pelos alunos da Escola de Comunicação da UFRJ na disciplina de Jornal Laboratório Coordenação Acadêmica Cristiane Costa Coordenação gráfica e design Cecília Castro Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório. TIRAGEM: 500 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA 3 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Eles são o oráculo O jornalismo parcial nerd do Delfos mistura humor, opinião e bacon Beatriz Felix Um ditador do século 21 comanda um núcleo de agentes que planejam dominar o mundo via internet. Parece enredo de ficção científica, mas é sob essa narrativa fantasiosa que a equipe do delfos.jor.br se apresenta em suas páginas – sem dispensar uma dose explícita de nonsense. O site foi criado em 2004 pelo publicitário, jornalista (e suposto líder totalitário) Carlos Eduardo Corrales. O que começou como um blog para matar o tempo ocioso em uma agência de publicidade em São Paulo conta agora com mais nove colaboradores oficiais, uma rede de leitores que também contribuem com textos Brasil afora e uma mascote simpática, o dragão Alfredo. Um dos integrantes mais antigos do atual staff, o jornalista Carlos Cyrino traça o perfil do público-alvo do Delfos: “São apaixonado por elementos da cultura pop”. Para satisfazer essa demanda, o site se divide em seções de games, cinema, literatura, música e TV, recheadas com análises críticas, resenhas, notícias, entrevistas e rankings temáticos no estilo “os piores filmes do ano”. Mas esse jornalismo-culturalnerd qualquer um faz, não é? Não. A característica mais marcante na linha editorial é o tom de humor que conduz as matérias, já que “é difícil competir com um site informativo”, como diz Corrales. Você pode já ter lido aquela notícia sobre o Homem de Ferro, mas “aposto que você nunca se divertiu tanto”. As ferramentas para fazer rir estão nos detalhes do texto: ironia, hipérboles, referências ao mundo do entretenimento, trocadilhos com nomes de personalidades. Para anunciar uma estreia no cinema, a integrante Taís Boeira pode escrever “Kick-Ass 2 chutará nossas bundas em 16 de agosto”. Corrales confirma: “A gente se diferencia na forma de passar a informação”. No conteúdo, também. Fugindo do modelo imparcial e objetivo de jornalismo, o Delfos prega a inclusão do autor em cada matéria. Daniel Villela, outro jornalista da equipe, revela o próprio making-of da reportagem, assim como alguns outros integrantes do site também fazem. Ele já contou o que teve que passar para chegar a entrevistas coletivas em transporte público lotado e sobre como uma jornalista “bombardeou os convidados com perguntas desconcertantes e sem noção”. Daniel considera essa parte importante. “Deve ser muito engraçado quando alguém lê que um cara realmente andou da estação Brigadeiro Faria Lima até o fuckin’ Shopping Vila Olímpia [distância de 4 km até o local da coletiva de imprensa] apenas porque não conhecia São Paulo.” O humor também dá espaço à variedade de opiniões e formas de expressão. Totalitarismo, só na piada. “Cada pessoa que entra traz uma cor diferente”, conta Corrales, que já chamou vários leitores para compor a equipe oficial e considera que textos que ele mesmo nunca faria não deixam de ter “a cara do Delfos”. A liberdade é garantida pela autonomia em relação a empresas anunciantes – gravadoras e distribuidoras, como Sony e Warner; desenvolvedores de jogos e de consoles, como a Nintendo; e editoras como a Panini, que se destaca na publicação de quadrinhos. Corrales reconhece que, caso o projeto tivesse o apoio financeiro tradicional dado à imprensa, todos ficariam “de rabo preso”. Sem fins lucrativos, o site vive em constante déficit para arcar com os custos - desde o pagamento dos membros da equipe até a compra de CDs para resenhar. O editor-chefe conta que a Carlos Corrales é publicitário, jornalista e editor-chefe do oráculo de notícias nerds nas horas vagas renda é praticamente inexistente, e o sistema para receber doações de internautas é pouco utilizado. “Se o site conseguisse ser mantido pelo público, nós manteríamos a imparcialidade. Se cada um doasse R$ 5 mensais, daria para a equipe ser bem remunerada. Mas acho que isso não vai acontecer”, explica Corrales. Mesmo sendo um site pequeno, o Delfos se debate com uma questão da grande imprensa: “As pessoas não estão acostumadas a pagar por conteúdo na internet”. Sem receber um tostão, a equipe divide o site com suas rotinas diárias. Eles estão espalhados: São Paulo, Guarulhos, ABC paulista, Rio Grande do Sul, e se comunicam por e-mails semanalmente. As reuniões presenciais só ficaram mais frequentes em 2011. Todo o empenho dos delfianos parece vir do fato de que, antes de comunicadores, eles foram fãs. De games, de rock, de filmes, de quadrinhos ou do próprio Delfos. Há um sentimento de comunidade e até uma tradição de piadas internas. Misturar “ruivas com bacon”, classificar um filme medíocre como “filme nada” e um de ação como “testosterona total”, mandar alguém “ouvir pagode” como ofensa. Parece incompreensível? “O público se sente parte da turma”, argumenta Corrales. Existem planos futuros para modernizar a participação dos internautas, quer dizer, delfonautas. Mas esse segredo de Estado o ditador não revela. 4 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Passo fora da passarela Entre backstages e entrevistas, como é a cobertura do Fashion Rio Da fila A do Fashion Rio, a visão privilegiada de um badalado editor de moda da fila final do desfile de Verão 2014 da Herchcovitch Beatriz Medeiros Noite de quinta-feira no Espaço AfroReggae, no morro do Cantagalo, Rio de Janeiro. Entre modelos, estilistas, fotógrafos, jornalistas, assessores de imprensa e artistas, convidados usando bolsas que custam mais de quatro dígitos dançam samba enquanto, em outro canto do prédio, Elba Ramalho serve bobó de camarão em copinhos de café. Podia ser a cena de um programa de TV ou série, mas foi apenas a festa de aniversário dos cinco anos do site de Lilian Pacce, durante a edição de Verão 2014 do Fashion Rio, mas o clima não era de trabalho. Raisa Carlos de Andrade estava lá. “O bobó de camarão custou R$ 5 por um copinho, mas senti que paguei pelo serviço”, conta. A jornalista já trabalhou em três edições da semana carioca, como repórter da revista Contigo!, mas, desta vez, pôde realizar o seu sonho de trabalhar diretamente com esse universo, como repórter freelancer do site FFW - o veículo oficial das principais semanas de moda brasileiras, o Fashion Rio e a São Paulo Fashion Week, organiza- das pela Luminosidade. “Senti bastante diferença nesta última temporada porque mudei o foco. Antes cobria tendências de uma forma mais direcionada à massa, mais focada nos famosos e até na vida pessoal deles. Nunca me focava em um olhar sobre a moda, por mais que me interessasse por isso. Estava ali para um outro perfil editorial, o da Contigo!.Pelo FFW pude finalmente me voltar para o que mis gosto e isso foi bem especial”, compara Raisa, que chegou a usar a presença na semana de moda como justificativa para comprar um sapato novo – que machucou o seu pé durante um dia inteiro de trabalho. Trabalhar no FFW deu a Raisa mais algumas vantagens além de mudar o foco da cobertura. Por ser o veículo oficial do Fashion Rio, a jornalista tinha uma credencial de “Produção”, que dava a ela acesso liberado aos backstages e desfiles (que são restritos aos outros repórteres), além da sala de imprensa, liberada para todos os profissionais credenciados. “O FFW tem entrada liberada, o que facilita bastante o processo. Por outros veículos a gente precisa de convites, selos, e acaba perdendo bastante tempo com isso. Credencial que facilita é outra coisa...”, admite a repórter. Para os profissionais com credencial de Imprensa, a história é um pouco diferente... Nesta edição do Fashion Rio, montada na Marina da Glória, os desfiles foram divididos em duas salas, cada uma com dois camarins, para facilitar a logística de arrumação dos cenários, roupas, provas de roupas e beleza. Na entrada dos camarins (ou backstages, como os fashionistas gostam de chamar), seguranças e as- 5 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 sessores de imprensa das marcas que estão em cada sala controlam quem entra e quem sai. O jornalista chega até o assessor, se identifica, fala para qual veículo trabalha e qual é a sua pauta. Alguns só precisam tirar fotos das araras onde as peças a serem desfiladas estão penduradas e da beleza dos modelos, outros precisam entrevistar estilistas, maquiadores e modelos - ou todas as alternativas anteriores. Às vezes a ordem de chegada é respeitada, a não ser que alguma equipe de algum veículo parceiro da assessoria ou da semana de moda chegue – elas sempre têm prioridade, como a de Lilian Pacce, que apresenta o GNT Fashion, no canal pago GNT. Também é comum ver veículos de maior relevância no universo da moda passarem à frente dos que esperam há mais tempo (e este tempo pode chegar a algumas horas), como a revista Vogue. Quando a entrada é autorizada, os profissionais recebem um cartão com o nome da marca que estão indo cobrir, para ajudar a identificação dos seguranças dos backstages. A quantidade de cartões é limitada e motivo de muita confusão e atrasos, tanto na cobertura quanto nos desfiles, afinal, a apresentação só pode começar quando o estilista acaba de dar entrevistas, todas os modelos estão maquiados, com os cabelos arrumados e vestidos com todas as peças designadas a eles. Tanto tempo na cobertura de um backstage pode inviabilizar a presença nas grandes atrações de uma semana de moda: os desfiles. Raisa cobriu quase todos os backstages dos 25 desfiles do line-up do Fashion Rio, focada na beleza dos modelos que subiam à passarela e também em outras pautas que surgiam na observação da movimentação dos estilistas, modelos e convidados. Desse montante, assistiu a apenas dois des- files. “Com tanta matéria, não tive tempo de assistir mais. Por nunca ter feito moda, quis entender mais e peguei pautas de quem faz aquilo acontecer”, explica. Assim como os editores de moda e os curiosos que ficam nos corredores em busca de convites, repórteres que trabalham na cobertura de tudo o que acontece fora da sala de desfiles também querem ver o que rola naqueles mágicos minutos em que as luzes se apagam, as câmeras no PIT de fotógrafos ficam a postos e uma coleção é apresentada pela primeira vez. Tanto a entrada quanto um lugar na sala de desfiles são motivo de disputa acirrada. Caso não tenha convite, o repórter precisa ficar por perto dos assessores de imprensa que controlam a distribuição dos ‘tickets dourados’ nos minutos que antecedem o início do desfile, na esperança de poder conseguir algum dos que sobraram. Com o convite em mãos, é preciso procurar o lugar reservado para você. Apenas as filas A e B, onde são reunidos os editores de moda, artistas e convidados especiais das marcas, têm lugares marcados – às vezes, as cadeiras numeradas se estendem até a fila C. Dos 25 desfiles do line-up do Fashion Rio Verão 2014, Raisa assistiu a apenas dois No Fashion Rio, cada sala de desfiles tinha cinco fileiras de cadeiras. Mas e o presente – ou o ‘jabá’, como são chamados os mimos distribuídos pelas marcas? Bem, quando eles existem, são restritos à fila A, e, com muita sorte, à fila B. Há quem tente surrupiar o presentinho alheio, que fica à espera de seu dono sobre o banco, mas os seguranças desta temporada repreendiam todos os ‘ladrões de jabá’ assim que eles eram flagrados e pediam para que as lembranças fossem devolvidas para os seus lugares. Por conta da agitação no backstage, a espera pelo início de um desfile pode ser de 15 minutos até uma hora e meia após o horário marcado – caso da última apresentação de Lenny Niemeyer. Credenciais de Imprensa e Produção, das temporadas de moda que Raisa cobriu pela Contigo! e FFW, respectivamente As luzes se apagam, a trilha sonora ecoa pela sala de desfiles no mais alto volume, mas não o suficiente para calar o barulho das dezenas de câmeras no PIT de fotógrafos, que fica no final da passarela, para o qual os modelos posam na metade do trajeto – ou não, a nova mania é não parar e nem fazer pose para as fotos. Enquanto atravessam a passarela, os cabelos, maquiagem, unhas, acessórios, roupas, sapatos, tudo é analisado pelos editores de moda sentados na primeira fila e anotado em seus respectivos bloquinhos, iPhones e iPads, para posteriores críticas e resenhas da apresentação. A fila final, aquela formada por todos os modelos juntos, deixa a passarela, o estilista aparece na boca de cena para o agradecimento e, antes mesmo das luzes acenderem novamente, a plateia começa a se levantar para sair da sala. Desfiles longos duram cerca de 10 minutos. No caso do Fashion Rio Verão 2014 de Raisa, foram, no máximo, 20 minutos assistindo às novidades atravessando a passarela. Mas também há deslumbre e encantamento por detrás daquele corredor iluminado. De todas as reportagens feitas na semana de moda cario- ca, uma em especial deixou Raisa com os olhos brilhando por semanas: entrevistar Zee Nunes, poderoso diretor de desfiles. “Foi uma coisa que me encantou muito, profissionalmente falando, e acho até que o texto está aquém do quanto aquilo me encantou. Era uma pessoa que eu não conhecia até então”, diz. “Gosto de entender a visão da vida de quem trabalha muitas horas para aquilo acontecer. A moda nos desperta muitos desejos e muito disso tem a ver com a capacidade desse tipo de gente, que fica ali 18 horas, com o maior prazer do mundo, amando o que faz”, comenta. No fim da maratona, o saldo foi positivo. Apesar da falta de tempo para ver desfiles e do pé machucado pelo sapato comprado especialmente para a ocasião: “É um perrengue muito bom. Acho que o melhor é encontrar os amigos e ver tudo antes”, acredita. “Muita gente fala hoje que a moda é chata, repetitiva, comercial. Pode até ser, já deve ter sido muito melhor, mas ainda sou muito feliz ali. Gostaria de ter mais prazo com os textos, mas isso serve pra mostrar para a gente que a vida real não tem nada de sofisticada.” Que o digam os furtadores de jabá... 6 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Jornalismo além do futebol A vida profissional de um jornalista que prefere as quadras ao gramado Rio de Janeiro, Maracanã, 30 de junho de 2013. O Brasil campeão da Copa das Confederações com uma vitória impecável por 3 a 0 sobre a toda poderosa Espanha. A torcida festejava e muitos jornalistas estavam prontos para tirar férias após 15 dias de muito trabalho, viagens e noites mal dormidas. Mas nem todos os jornalistas esportivos estavam no Maracanã naquele domingo. Porque o Brasil é o país do futebol, mas a profissão não é o jornalismo futebolístico. Com as Olimpíadas desembarcando no Rio em 2016, cada vez mais profissionais estão se especializando nos esportes outrora chamados “amadores” e que hoje recebem a alcunha de “Olímpicos”. Práticas comuns no país, como vôlei e basquete, e outras que costumam chamar menos atenção, como remo e esgrima, serão o foco da atenção do mundo inteiro no instante em que que o árbitro apitar o fim da Copa do Mundo no ano que vem. Basta fazer uma pequena pesquisa entre calouros de cursos de Jornalismo Brasil afora sobre os motivos para escolher o curso: uma parcela significativa deles responderá que pretende trabalhar com esportes. Com Lucas de Tommaso não foi diferente, mas, em vez de seguir a carreira para poder acompanhar (ainda mais) de perto o seu Botafogo, ele entrou nesse mundo porque sempre foi um entusiasta dos esportes olímpicos e hoje é um jornalista esportivo no sentido mais amplo do termo. Lucas cobriu desde pequenas competições de tênis de mesa até os Jogos Pan-Americanos de 2011, no México. Também já realizou seu grande sonho de estar numa Olimpíada. Ele lembra até hoje o dia mais importante de sua vida: 26 de abril de 2012. Foi quando recebeu a notícia de que iria para Londres cobrir os Jogos Olímpicos pela TV Esporte Interativo. Apesar do canal onde trabalha não deter os direitos de trans- missão do maior evento a derrota foi importante esportivo do mundo, a para manter a cabeça no experiência não poderia lugar e lembrar que eu ester sido mais incrível para tava lá a trabalho”, conta. Lucas foi para Londres Lucas. “Foi a realização de um dos meus maiores aos 21 anos e, se ainda sonhos profissionais e ele não viveu o auge da sua chegou muito antes do carreira, pode dizer que que eu imaginava.” Curio- já fez mais do que muitos samente, foi em Londres jornalistas com anos de que ele também viveu o estrada. Assim como é momento mais triste de difícil se tornar um atleta sua profissão até agora. A profissional, ser jornalista espor t ivo derrota do não é tão Brasil para simples a Rússia “Trabalhar quanto pana final do com futebol é rece. Toda vôlei masculino não complicado, carreira de jornalista é era o que porque não é envolta com ele esperava ver como esporte e sim uma aura que mistura jornalista e paixão” gla mou r, fã do esporfama, recote. “Além nhecimento de futebol, e viagens acompanho internacionais e, quando vôlei e tênis desde criança. Estava lá em Londres, isso não vem, o choque fazendo o que gosto, de realidade no estudante achei que não tinha como ou iniciante na profissão nada dar errado naquela é forte. No caso dos viagem e queria muito esportes, pode ser ainda ver o Brasil campeão. pior porque mexe com a Comemorava o título e paixão. Justamente por já imaginava como seria isso, Lucas não entrou a grande matéria sobre nesse meio pensando em a medalha de ouro. Mas trabalhar com futebol. Segundo ele, o esporte mais querido do brasileiro não seria um esporte e sim “uma paixão”. “Trabalhar com futebol é complicado porque você precisa ter isenção com uma coisa que mexe com seu coração, com seus nervos e que você aprendeu desde criança que não deve assistir calado”, explica Lucas. “Isso resulta em três coisas: maus profissionais, jornalistas decepcionados com a profissão e os que deixam de ser apaixonados pelo esporte. São três fins muito tristes.” Apesar de não se ver trabalhando com futebol, Lucas já teve algumas experiências com a paixão nacional. “Não gosto muito de cobrir times. Tenho medo de fazer mais do mesmo e sempre me cobro para buscar algo diferente. Com os esportes olímpicos eu sei que sempre vou fazer algo diferente, mas no futebol não tenha essa segurança. É como dirigir o mesmo carro durante cinco anos e, uma vez outra outra, ter que pegar um veículo totalmente diferente do ivo pessoal Diego Sousa seu. Você até sabe como dirigir, mas vai ter medo de sair do feijão com arroz”, explica. Após uma imersão no sertão brasileiro durante a Copa do Nordeste, ele só voltou a se sentir em casa nas finais da Superliga de Vôlei. “Ali era o meu lugar e eu sabia exatamente o que deveria fazer”, se diverte. Lucas já cobriu eventos semiamadores como uma competição de ciclismo no interior de São Paulo, mas foi numa viagem a Madri para acompanhar a final da Copa do Rei da Espanha que ele passou o maior problema da sua curta carreira. “Esqueci o tripé da câmera no táxi e sem ele teríamos que gravar tudo com a câmera na mão e provavelmente as imagens sairiam todas tremidas. Acho que o nervosismo ajudou no esquecimento, minha sorte foi que consegui encontrar o motorista através do recibo do táxi.” A Copa do Mundo foi um dos temas mais questionados durante as manifestações que tomaram conta do Brasil em 2013. Os gastos excessivos nas construções dos estádios, a falta de infraestrutura para a competição e os desmandos da Fifa no Brasil deixaram boa parte da população indignada e muitas pessoas passaram a ser contra a realização da Copa em 2014. No entanto, poucos lembram que, dois anos depois, o Rio de Janeiro vai sediar os Jogos Olímpicos e tudo indica que as coisas não serão muito diferentes no que diz respeito à organização. Para Lucas, o povo não se posiciona tanto contra as Olimpíadas porque vê no atleta olímpico um guerreiro, enquanto o jogador de futebol é um astro com salários astronômicos. “Mesmo que o público não acompanhe um esporte como judô, por exemplo, ele sabe que o atleta passou por muitas dificuldades para estar na Olimpíada e vai torcer por ele independente dos problemas de organização da competição. A torcida é mais pela pessoa do que pelo país.” u Fotos: A rq Lucas em Londres, durante a cobertura dos Jogos Olímpicos pela TV Esporte Interativo. Ele considera este o momento mais feliz de sua vida profissional 7 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Lucas em três momentos: durante uma transmissão nas Olimpíadas, com o ídolo Roger Federer em São Paulo e em Guadalajara, nos Jogos Pan-Americanos. Os Estados Unidos dá as cartas O futebol americano pode ser a próxima febre no Brasil Trabalhar com esportes olímpicos, muitos deles amadores, já é uma tarefa difícil no Brasil. O que dizer então de ter que trabalhar com esportes ainda menos populares no país do futebol? Gustavo Coelho é especialista em automobilismo e admite que, apesar da Fórmula 1 ser tradicional no Brasil, a falta de um brasileiro campeão pode acabar com o esporte por aqui. “Eu vivo o automobilismo diariamente e, exceto pela F-1, vejo o esporte cada vez menos popular no Brasil. As pessoas não se interessam por outras categorias, por moto GP e Fórmula Truck”, lamenta. Além do automobilismo Gustavo coordena equipes que trabalham com MMA e futebol americano no Esporte Interativo. “Ao mesmo tempo em que vejo o automobilismo decadente no Brasil, fico feliz pelo crescimento das artes marciais mistas. As grandes ligas americanas, como a NFL - liga de futebol americano - e a NBA - liga de basquete dos EUA - também estão se tornando cada vez mais populares no Brasil”, fala. A verdade é que a NBA sempre teve um grande público por aqui, impulsionado pela entrada de jogadores brasileiros na liga. Mas Gustavo não acredita que seja necessário que jogadores do Brasil entrem no futebol americano para popularizar o esporte no país. “A NFL vai ganhar espaço em outros países fazendo negócios. A televisão será um grande agente da popularização do esporte com as transmissões didáticas para que o telespectador entenda todas as regras”, argumenta o jornalista. O futebol americano é uma indústria milionária e não quer viver somente do público nativo. Ainda mais agora que o soccer (como eles chamam o “nosso” futebol) está ressurgindo nos Estados Unidos com investimentos milionários e ganhando cada vez mais adeptos que vão aos estádios para ver craques como David Beckham e Thiery Henry. “Os managers do futebol americano ainda não estão preocupado com o futebol tradicional ganhando espaço, mas eles estão de olho. Ao invés de tentar esmagar o concorrente nos EUA, eles vão tentar levar o esporte para outras culturas da mesma forma que o soccer penetrou na América do Norte através dos latinos”, explica; Em 2016 o rúgbi será uma das modalidades das Olimpíadas do Rio de Janeiro. O esporte que originou o futebol americano pode ser uma chave para que a maior paixão dos Estados Unidos aterrisse no Brasil e não vá embora nunca mais. 8 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - “O jeitinho brasileiro não funciona no Japão” Jornalista que cobriu a tsunami e o acidente nuclear de Fukushima fala das barreiras de ser correspondente em um país tão distante do Brasil Claudia em um passeio ao Monte Fuji. O trabalho como editora do caderno de internacional trouxe o know-how para a cobertura no exterior Fernanda Prestes Não é a primeira vez que Claudia Sarmento trabalha como correspondente internacional. Quando estava no início da carreira de jornalista, o marido, diretor de uma empresa multinacional, foi transferido para Moscou. Em 2010, a proposta veio do Japão e para não deixar o trabalho que ama, propôs ao jornal O Globo, onde ela já tinha uma história de mais de 15 anos, que fizesse a cobertura da Ásia - na época o jornal havia fechado a vaga de correspondente em Pequim e estava sem um profissional na área. E assim ela começou mais uma aventura no exterior. No Japão, as dificuldades foram maiores do que em Moscou, principalmente por causa da língua. O curso de japonês ainda não trouxe a fluência necessária para o trabalho profissional e os japoneses evitam ao máximo falar em inglês. “O país é muito menos globalizado do que se imagina”, revela Claudia. Para lidar com a barreira da comunicação, é comum a contratação de intérpretes, embora os custos e a intermediação de outra pessoa façam com que ela prefira tentar sempre as entrevistas em inglês. Além disso, a dificuldade de ler a imprensa japonesa é um desafio diário, pois, apesar dos maiores jornais publicarem também em inglês, o acesso às publicações nacionais fica limitado. Diante dessas dificuldades, Claudia resolveu seguir o caminho da maioria dos jornalistas que começam um trabalho no exterior e entrou para o Foreign Correspondent’s Club do Japão, um clube de correspondentes. “Você paga uma mensalidade para ser sócio e estabelece seus contatos. O Clube realiza entrevistas, chama palestrantes e ministros”, explica Claudia. Além disso, os clubes promovem a interação com outros profissionais da imprensa, inclusive de grandes organizações como Dow Jones, Financial Times, New York Times etc. Quando lado na caixa de e-mail. “O se faz cobertura de países que emplaca são as coisas com cultura e processos mais curiosas, as histórias burocráticos rígidos como que as pessoas não coo Japão, marcar uma nhecem. É preciso ter um simples entrevista, por olhar global.” E não é só exemplo, se torna um teste para o jornal impresso. de paciência para os brasi- Como correspondente, ela leiros. “O mais engraçado também escreve matérias é esse choque de cultura. de moda e comportamento Brasileiro acha que vai li- para o caderno Ela Digital gar e já vai falar. Aqui não e para as revistas Marie tem isso. Tem que mandar Claire, Vogue e Época. Enquanto o mundo as perguntas por fax. Fax? Como assim fax? É tudo parou diante da sucessão muito burocrático, muito de tragédias que assolou lento. O jeitinho brasileiro o Japão em 2011, Claudia estava trabalhando. não funciona aqui.” Mas a adaptação não A cobertura da tsunami tardou e Claudia logo causada por um forte terremoto que se adequou à rotina de “O país ficou também trouxe graves trabalho. A às escuras, danos à usiex p e r iê ncia como editora sem comida, na nuclear de Fu k ushima do caderno ine as pessoas foi, sem dúternacional do a mais jornal O Glorespeitavam vida, marcante na bo lhe trouxe as filas” carreira da vantagens imj o r n a l i s ta portantes para Claudia como coro trabalho Sarmento respondente. de repórter. “Foi um moClaudia sabe absolutamente o tipo de pauta que “ven- mento de” sobre o Japão e aquilo dramático para o país e que o editor vai deixar de para todo mundo que mo- rava aqui. Uma cobertura muito difícil mesmo. Porque foi difícil chegar até o lugar da usina e porque meu marido e minha filha estavam aqui”, conta Claudia. “Chega uma hora que você pensa: e agora? Eu trabalho ou tiro minha filha desse país?” Junto com a dificuldade da situação veio o aprendizado. Não só da jornalista, que viveu pessoalmente essa experiência com os japoneses, mas do mundo inteiro, que pode conhecer a força e a organização deles para reagir a tragédias. Mesmo vindo todo ano para o Rio, não é só o clima da cidade que deixa saudade, mas o da redação. “Trabalhei a minha vida inteira cercada por centenas de pessoas naquela confusão de fotógrafo, repórter e editores. É complicado trabalhar sozinha.” Apesar de ser muitas vezes solitário, o trabalho do correspondente é sem duvida enriquecedor; principalmente em um país que lança as tecnologias mais avançadas no mercado e, ainda assim, usa fax. 9 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 “Eu não queria fazer jornalismo em outro país além do Brasil” A paixão pela língua portuguesa determinou a carreira do russo Alexander Krasnov, que logo arranjou um bom motivo para morar no Rio É difícil reconhecer a nacionalidade do jornalista. Se alguém o ouve falando, pode jurar que é brasileiro, até mesmo carioca. E foi com os ´ésses’ chiados e comendo um pão de queijo que Alexander contou sua história. Formado em Tradução e Interpretação Português– Russo pela Universidade Linguística de Moscou, o jornalista achava que o destino estava sendo cruel com ele ao ter sido sorteado para a turma de Português e não de Espanhol, como desejava estudar. No entanto, foi necessário apenas um semestre para mudar de ideia. “Eu me inscrevi na turma do Espanhol, comecei a frequentar as aulas, mas não gostei mais. Alguma coisa do Português já estava em mim” , conta Alexander. Depois da aceitação, veio a paixão. Para melhorar o português, Alexander ouvia música popular brasileira em discos de vinil que conseguia com excorrespondentes russos que trabalharam nas décadas de 60 e 70 no Brasil. “Vinicius de Morais e Chico Buarque foram para mim inspirações musicais e meus professores de sotaque.” Toda a dedicação serviu para a profissão que ele iria escolher e seguir até hoje. A experiência com o jornalismo começou ainda na faculdade, quando Alexander trabalhava como locutor de notícias em português da rádio Voz da Rússia. Em 2007, veio definitivamente para o Brasil como correspondente da agência de notícias RIA Novosti e já não possuía a barreira da língua, uma das maiores dificuldades para a maioria dos correspondentes internacionais. Aliás, a única dificuldade do russo é listar as dificuldades de adaptação no Rio. A cultura, o clima, a comida, o povo brasileiro: nada se tornou um problema. Durante os cinco anos que trabalhou para a agência russa, Alexander cobriu os mais diversos tipos de matérias e acontecimentos. Alguns ficaram marcados, como a queda do avião da Air France em 2009 e uma reportagem especial que produziu sobre a Escola de Teatro Bolshoi em Joinville, a única filial da companhia fora de Moscou. A variedade de temas é o que mais apetece o jornalista como correspondente internacional. “Quando você tem como responsabilidade um país, um dia você cobre um congresso de computadores, no outro você precisa explicar o que é a taxa Selic, depois você conta a história de um pinguim salvo na praia de Niterói. Não tem monotonia.”, explica Alexander. E muito menos descanso. O fechamento da redação da RIA Novosti no Rio em 2002 fez com que o jornalista fosse o único correspondente responsável pelo abastecimento de matérias de todo o Brasil. O trabalho era constante e feito de casa: “Você está sempre oficialmente ativo e não sabe a hora que vai trabalhar. Às vezes às oito da manhã, às onze da noite, de madrugada...” Mas apesar de escrever sobre tudo, ele encontra um empecilho fundamental para o jornalismo, que é a falta de conhecimento tanto dos russos em relação ao Brasil, quanto dos brasileiros em relação a Rússia. Segundo Alexander, ainda existem muitos estereótipos antigos que precisam ser quebrados para que as matérias sejam entendidas e aceitas. Normalmente as notícias que mais veiculam são as relacionadas a esporte, violência, acontecimentos inusitados e política, como matérias sobre os BRICS. Quanto a corrupção, ele explica que a Rússia também sofre desse problema em sua política interna e que portanto não é tão interessante para eles ler sobre roubos e desvios de recursos no Brasil e até cita uma frase de Gilberto Freyre para falar da proximidade entre os dois países: “o Brasil é a Rússia dos trópicos.” De 2012 para cá, a vida de Alexander deu uma reviravolta. Hoje, ele continua trabalhando como jornalista, mas dessa vez trazendo notícias da Rússia para o Brasil na filial carioca da rádio Voz da Rússia. Uma nova polaridade, mas que esbarra nos mesmos desafios que é tentar mostrar o Brasil para o seu país de origem. No entanto, durante os eventos que o Rio está para receber, como Jorna- Acima, Alexander em frente ao Pão de Açúcar, e abaixo com o astronauta brasileiro Marcos Pontes, que já voou em uma nave espacial russa. O jornalista sempre encontra familiaridades entre os dois países da Mundial da Juventude, Copa do Mundo e Olimpíadas, ele acredita que voltará a mandar matérias daqui para lá. Independente da pauta ou do país que se escreve, uma coisa é certa: Alexander não se muda mais do Brasil. “Não é só o jornalismo. Eu não queria fazer jornalismo em outro país além do Brasil. É a minha especialidade, minha paixão... o país e a cultura. Tem gente que vai (ser correspondente) sem gostar (do país), mas tem que trabalhar. Felizmente não foi o meu caso.” Fernanda Prestes Clube dos Correspondentes Diversas associações, que podem estar ligadas ou não ao governo, são criadas em todo o mundo para auxiliar os profissionais da imprensa. Aqui no Brasil, a ACIE (Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil), criada em 1962, tem filiais no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal e atende um total de 250 jornalistas estrangeiros. Segundo a associação, o Brasil é o país da América Latina que mais recebe correspondentes dos grandes veículos internacionais e eles vêm majoritariamente da Europa, Estados Unidos, Japão e China. 10 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Repórter multimídia Jornalistas explicam o desafio de trabalhar em mais de um emprego Fotos: Gabriel Deslandes Flávia Oliveira: além de trabalhar em três veículos midiáticos diferentes, ainda tenta conciliar a vida de mãe, esposa, terapia e ginãstica aeróbica Gabriel Deslandes Acordar às 4h30, tomar café, ler as notícias nos jornais e na Internet, partir para o estúdio, estar no camarim às 5h45, participar do “Bom dia, Rio” às 6h30, voltar para casa, partir para a Redação de O Globo até às 14h e trabalhar até 22h. Agora, multiplique o trabalho tido com essas ações corriqueiras por três, ao atender a três veículos diferentes. Pois esse é o desenrolar de cada semana de Flávia Oliveira, colunista de Economia em O Globo e comentarista do “Estúdio i”, na GloboNews, e “Bom dia, Rio”, na Rede Globo. Por ocupar todas essas funções, Flávia se classifica como uma “jornalista multimídia”, a superjornalista que tem domínio das variadas formas de mídia e é capaz de executar múltiplas tarefas – às vezes, simultaneamente -, no decorrer do dia. Criada em Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro, Flávia pensou em cursar Jornalismo quando, nos anos 80, uma prima su- geriu que ela trabalhasse em televisão apenas por ter reconhecido o poeta Ferreira Gullar em uma entrevista ao “Fantástico”. Porém, antes de prestar vestibular para a UFF, onde se formou em 1992, Flávia já se interessara pela área econômica ao fazer um curso técnico na Escola Nacional de Ciências Estatísticas. “Entrei na faculdade de Comunicação com um domínio sobre interpretação de números, que é muito raro no jornalista”. Começou a trabalhar na área de Comunicação em um jornal de bairro de Duque de Caxias e foi convidada para ser jornalista econômica no Jornal do Comércio até, em 1994, ser contratada por O Globo. Lá, foi interina de Mirian Leitão e, a partir dessa experiência, foi chamada para organizar uma coluna própria chamada “Negócios & Cia”, por ela dirigida já há seis anos. O dia de Flávia tem início entre 9h e 9h30, horário em que costuma acordar na maior parte da semana. Às terças e quintas-feiras, participa um consolidado do que irá como comentarista de apresentar no telejornal Economia no “Estúdio i”, do dia seguinte a partir de programa apresentado pro uma pré-pauta já planejada Maria Beltrão desde 2008 desde a semana anterior. na GloboNews, entre às Se fosse escolher um dia 14h e 15h30. Em torno da semana que considera de 10h30 e 11h, envia as mais puxado, de longe, sugestões de pautas para seria quinta-feira, tanto seu editor-chefe, Fábio pela atuação no jornal e Watson, e aguarda uma na GloboNews, como pela prepararesposta ção da para elapauta do borar sua “Bom dia, fala. Às “Quando você Rio”. 13h30, ela trabalha em um M a s tem que esnão tar em seu só jornal, acha oa cdia abou camarim aí. Flávia na Cenque todos os costuma tral Globo problemas ali são chegar à de Jornalismo, no muito grandes” Re d a çã o, no prédio Jardim Octávio Guedes do InfoBot ânico, Globo, no para se centro preparar para a apresentação do do Rio, às 16h, onde fica diariamente até quase às programa. Sexta-feira é o dia de 22h. Como sua coluna é Flávia como comentarista publicada de terça-feira sobre Finanças Pessoais e a sábado, Flávia escreve Economia Doméstica no de segunda a sexta, além “Bom Dia, Rio”, na Rede de assinar uma coluna em Globo, que começa às vídeo, que ela chama de 6h30. Para isso, às quin- “Papo”, para o “iPad”, a tas-feiras antes de 12h, edição de sexta-feira do envia, para a produção, Globo a Mais. Trata-se de um vídeo, gravado em casa com o iPhone, sobre um tema econômico específico, mas de forma descompromissada. Além de todas as funções profissionais, somadas às terapias nas quartas-feiras às 8h e séries de aeróbica que tenta fazer em casa – mas nunca encontra tempo -, Flávia ainda é mãe da Isabela, que, até poucos meses atrás, pensava em cursar Medicina, porém decidiu também prestar vestibular para Comunicação. Apesar da vida atarefada, Flávia afirma que pode acompanhar todos os passos da filha sem preocupação. “Eu não sou mãe culpada. Quando ela era menor, eu trabalhava menos, agora eu trabalho muito, mas a gente ainda se fala bastante.” Outro jornalista multitarefas, também de O Globo, é o editor executivo Pedro Dória. Pedro sempre teve interesse específico na área de informática, sobre a qual lançou sua primeira coluna, para a revista Macworld Brasil, em 1994. Até hoje escre- ve sobre tecnologia em O Globo desde 2011, além de ser responsável pelas editorias Internacional, Ciências e Rio. Também ex-colunista do Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, Pedro vem tentando conciliar o trabalho no jornal com a elaboração do livro “1789”, sobre Inconfidência Mineira. Não é sua primeira publicação, já tendo lançado o livro “1565 – Enquanto o Brasil nascia”, sobre o processo de fundação da cidade do Rio de Janeiro. Pedro considera História como um prolongamento da narrativa política e se diz fascinado pelo tema por sempre querer saber como viviam e o que pensavam os personagens do passado. Ele garante que, ao contrário da produção de livros, o papel de editor executivo é uma posição estratégica, distante da apuração jornalística. “Eu sinto falta de pegar a mão na massa, e os livros viraram a minha maneira de fazer isso.” Ainda assim, não vê tanta distinção entre escrever um livro e uma coluna. “É a mesma coisa. A diferença é que um livro tem 250 páginas e uma coluna 3.500 toques.” O jornalista também é pai de três filhos, de dois casamentos, e afirma ser difícil aliar a paternidade com a vida de escritor, sobretudo nos três últimos meses em que escreve o livro. Diariamente, acorda às 6h, deixa os filhos na escola às 7h30 e fica até às 10h escrevendo os capítulos do novo livro, cada qual assegura demorar uma semana para elaborar, enquanto acompanha um banco de dados de anotações de obras já pesquisadas. Chega à Redação às 10h30, integra as reuniões de capa do jornal do dia seguinte, às 16h30, como todos os editores, e costuma sair às 20h30, com exceção das segundas-feiras, dia em que redige sua coluna. Fora isso, alega que não consegue fazer mais nada em casa, tendo abandonado as corridas que fazia matinalmente. Aliar duas funções jornalísticas distintas também faz parte da realidade de Octávio Guedes, diretor de redação do jornal Extra e âncora do programa “CBN Rio”, na rádio CBN. Octávio, que sonhava em ser jornalista desde a infância, começou escrevendo uma coluna de jovem em um jornal gratuito de Niterói, enquanto estudava na UFF, até ingressar no Jornal do Brasil, em 1990. Iniciou a carreira no rádio anunciando as manchetes do Extra no “Show do Antônio Carlos”, na Rádio Globo, e acabou sendo convidado para âncora na CBN em abril de 2013. Diariamente, Octávio acorda às 5h45, faz ginástica até às 7h e começa ler os jornais para montar o programa de rádio até 8h30, quando vai para o estúdio. Depois, chega à Redação do Extra ao meio dia e meia, onde permanece até às 18h. Às 11h, durante a apresentação do programa, reúne-se virtualmente com os redatores do jornal para debater o roteiro da edição seguinte. Octávio também é divorciado e pai de dois filhos, ambos residentes em Niterói, atravessando de barca duas vezes por semana para passar a noite com eles na casa de sua mãe. Embora acredite que a profissão atrapalhe a vida de pai, os filhos sempre admiraram sua trajetória e considera que a rádio encurta a distância entre eles. Ele afirma que a vantagem do impresso é aprofundar mais os temas, enquanto a rádio instiga mais a instantaneidade. “O rádio tem uma coisa interessante: ao meio-dia, você fecha e vai embora. No jornal, você tem que preparar a primeira página, que só vai estar exposta no dia seguinte e a repercussão é só depois.” Ainda assim, Octávio sente que ainda está aprendendo a trabalhar em dois locais diferentes. “Quando você trabalha só em um jornal, acha que todos os problemas ali são muito grandes. Quando você tem que dividir, vê que precisa ser mais pragmático para resolver tudo.” 11 Pedro Dória (acima) escreve um livro e é editor-executivo e colunista em O Globo, enquanto Octávio Guedes (abaixo) se divide entre os estúdios da CBN e a editoria do Extra 12 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - 13 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornalismo de Celebridades A correria da redação em busca da notícia exclusiva Gabriela Cruz Escândalos envolvendo namoradas de jogadores de futebol, o nascimento do herdeiro de uma apresentadora da televisão ou uma simples corrida de uma atriz na praia. Quem não se deparou com algum deste temas nas capas de revistas, jornais ou em destaque em sites de todos os gêneros? O Jornalismo de Celebridade, como os próprios profissionais costumam denominar, tem cada vez mais espaço e audiência, contando como grande aliado, o dinamismo da Internet. Quem conhece um pouco a profissão do jornalista sabe que a correria é uma constante. Quando o assunto são as celebridades, a correria se multiplica. As notícias chegam minuto a minuto, pelas mais diversas fontes: e-mail, assessorias de imprensa, telefonemas anônimos e até mesmo pela própria celebridade, ou subcelebridade. A apuração deve acontecer no menor tempo possível, Página do jornalista Leo Dias hospedada pelo site do Jornal O Dia: para especialista, o Brasil não tem paparazzis que corram atrás da notícia como conta Ligia Andrade, que já trabalhou na revista Quem e no site Ego. Agilidade é fundamental, afinal a exclusividade da notícia vale ouro. Junto à apuração são feitas ainda, reuniões de pautas, entrevistas exclusivas e ensaios fotográficos. “Tudo acontece ao mesmo tem- Capa da revista que flagrou a traição de Kristen Stewart po agora”, diz Ligia. O nível de agitação da redação se altera dependendo também do horário e do dia da semana. As noites e as madrugadas rendem muitas informações por conta de festas, premiações, eventos. Já os finais de semana são um prato cheio para flagras nas praias e shoppings. Além da pressão por agilidade, os jornalistas desta área também enfrentam outras dificuldades. Karen Fideles, que trabalhou no site Ego, acredita que o maior desafio da profissão é própria função de “invadir” a vida do outro. “Tem que ser cara de pau e saber lidar com os foras, com o mau humor e com a falta de educação de alguns famosos”, diz Karen. Ela ressalta uma peculiaridade do jornalismo de celebridades na internet, em que existe um pressão muito grande para que a notícia seja dada antes da concorrência, praticamente em tempo real. Na internet ou nas revistas, as fotografias têm grande destaque, a própria foto pode ser a notícia, como no caso do flagrante da traição de atriz Kristen Stewart a seu namorado Robert Pattinson. “Tem que ser cara de pau e saber lidar com os foras, com o mau humor e com a falta de educação de alguns famosos” Karen Fideles No Brasil, ou mais precisamente no Rio de Janeiro, cidade que concentra grande quantidade de artistas, os paparazzi atuam através das agências, que enviam os flagras para os grandes sites de entretenimento. A AG News é uma das principais agências, e tem clientes como a revista Contigo!, e os portais Globo.com e R7. Os fotógrafos ficam em geral em pontos específicos das praias ou points da cidade, aguardando a passagem de algum famoso com seu novo affair. Para o jornalista Leo Dias, que mantém coluna homônima no jornal O Dia, esta conduta não caracteriza um bom paparazzi, pois os famosos que não querem ser flagrados começam a evitar determinados locais, e assim os flagras mais interessantes não são registrados. “Paparazzo verdadeiro faz plantão na porta da casa dos artistas, segue o carro dele, faz ronda nos restaurantes. Isto está cada vez mais em extinção no Brasil. Uma pena.”, lamenta o jornalista. Para conseguir a melhor notícia, o contato com o famoso, direta ou indiretamente, é necessário. Mas nem sempre este contato é facilitado. Ligia Andrade comenta que o jornalista deve saber bem quem é a pessoa que está entrevistando, e assim traçar estratégias para conseguir uma declaração que possa “abrir a matéria”. Quando o assunto são as subcelebridades, a procura inverte. Os assessores destes “candidatos a celebridades” ligam para a redação, mandam notas que em geral são de pouca relevância, mas que ainda assim encontram audiência. O jornalista e blogueiro Leo Dias, do jornal O Dia, é famoso pelas notícias exclusivas que publica e que nem sempre são tão bem recebidas pelas celebridades. Em entrevista por e-mail, ele conta um pouco do início de sua carreira, de algumas polêmicas e de suas impressões sobre a profissão. Como você começou sua carreira no jornalismo de celebridades? Começou meio que por acaso, em 1996, quando havia acabado de sair da faculdade. Uma amiga recebeu um convite para trabalhar na Amiga (revista de fofoca da extinta editora Bloch) e não quis, acho que por vergonha. E aí, ela me indicou para o lugar dela. De lá para cá, só parei um ano para estudar inglês na Austrália, em 2001. Mas passei pela Manchete, Chiques e Famosos, Contigo, Extra, Yahoo e, agora, O Dia. Quais são as maiores dificuldades deste tipo de jornalismo? A maior dificuldade é a de não fazer um jornalismo chapa-branca. O jornalismo para agradar ao famoso é o mais fácil para se fazer. O jornalis- mo verdade incomoda, dá mais trabalho, dá dor de cabeça, pode virar processo, mas traz reconhecimento. Como é em geral a relação com os artistas? Você já se declarou amigo e fala muito bem da atriz Suzana Vieira em seu blog, além dela quem é um artista queridinho seu? E qual é o seu maior desafeto atual? Gosto, sim, da Susana. Admiro bastante como atriz e como personalidade. Gosto de algumas outras pessoas, mas acho que não vale a pena aqui listá-las... Meu maior desafeto no momento? Flavia Alessandra. Você acaba ficando envolvido com freqüência em muitas polêmicas. A mais recente, foi com uma declaração do humorista Vitor Sarro sobre o motivo de sua demissão do programa Encontros. Você nem fala mais do assunto, mas o humorista continua falando no Twitter sobre isso. Victor Sarro veio tirar satisfação comigo por conta de uma nota que eu dei sobre a peça que ele encenava em Niterói. Nela, ela diz que a Fátima Bernardes não ri de nenhuma piada, por isso ele foi demitido, por ela não achar graça das piadas dele. Victor recebeu uma chamada do Jornalismo da Globo, por conta dessa nota e veio descontar em mim. Eu pelo menos me responsabilizo pelas coisas que escrevo. Ele, pelo visto, não. “O paparazzo verdadeiro faz plantão na porta da casa dos artistas, segue o carro dele, faz ronda nos restaurantes. Isso está cada vez mais em extinção no Brasil. Uma pena” de Adriane Galisteu, na Band. Amo fazer entrevistas em vídeo, porque só assim consigo levar para o público a reação dos famosos com as minhas perguntas “saiasjustas”. Você já declarou que o jornalista deve “saber em quem bater”. Já bateu em alguém e apanhou? Pode falar em quem? Sim, várias vezes, inúmeras. Uma vez bati em Giovanna Antonelli, sem ela merecer. Tínhamos uma boa relação, eu me arrependi, mas ficamos um tempão sem nos falar. Agora, graças a Deus, a paz voltou a reinar entre nós. Todos sabem que processos são comuns neste meio. Você tem apoio dos veículos em que trabalha nestas questões? Todos os processos, inclusive aqueles direcionados à minha pessoa, são respondidos pela Editora O Dia. Como foram suas exTudo pode ser notíperiências com o vídeo? cia quando se tratam de pessoas famosas? Fiz vídeos no Yahoo e trabalhei como repórter Nem tudo. Trabalho do programa Muito Mais, com a Constituição ao meu lado. O que a lei permite é notícia. Você já que hoje em dia não existe mais paparazzi bom, que não há mais perseguição de artistas como acontecia quando você trabalhava na Contigo. As fotos ficaram banais? É muito mais fácil fazer o jornalismo chapabranca. Da mesma maneira, para o paparazzi, é muito mais cômodo ficar parado numa praia esperando a notícia (ou o famoso) passar por ali. Como o ponto dele é fixo, o famoso que está pegando um nova namorada já sabe que não pode passar por ali. O paparazzo verdadeiro corre atrás da notícia, não espera ela vir até ele. O paparazzo verdadeiro faz plantão na porta da casa do artista, segue o carro dele, faz ronda nos restaurantes. Isso está cada vez mais em extinção no Brasil. Uma pena. O que você mais gosta neste tipo de jornalismo? O furo de reportagem. Eu amo ver sites, programas de TV e jornais repercutindo minhas notícias. Não tem preço que pague tal prazer. 14 Moda Ponto Com Ponto Br Lugar de mulher é na cozinha? Internet hoje é um dos principais meios de informação do mundo fashion o blog, que surgiu como um diário digital, apresentou uma nova forma de interação, permitindo que o leitor se aproximasse e dialogasse com o autor e outros visitantes. A principal diferença com os impressos é que, além da velocidade da notícia, agora em tempo real, o audiovisual - fotografias e vídeos – se tornou o principal atrativo e meio de comunicação com quem está do outro lado do monitor. Entre os pioneiros, como “Moda pra Ler” e “Oficina de Estilo”, está o “Hoje Vou Assim”, que nasceu de um processo de luto da publicitária mineira Cris Guerra. Aos sete meses de gravidez, Cris perdeu o namorado, que morreu subitamente. Abalada, e ao mesmo tempo experimentando a maternidade, ela descobriu sua vocação literária ao criar o blog “Para Francisco”, dedicado ao filho recémnascido. “Era um desabafo, uma forma de falar para o Francisco sobre o pai. Eu estava vivendo um momento muito antagônico”, revela. Logo depois, sem pretensão, ela criou o primeiro blog de looks diários do país: “Eu sempre fui muito ligada em moda, gostava de me vestir e era muito famosa no meu local de trabalho. Um dia fiz uma sobreposição que eu achei bacana e resolvi abrir um blog. Mas era pura brincadeira, nem sabia o que eu estava fazendo”. O “Hoje Vou Assim”, que atualmente alcança mais de 5 mil acessos diários, ganhou repercussão nacional, entrando como pauta na grande imprensa. “Até então eu achava que eu só podia escrever para o meio publicitário”, conta Cris Guerra, que hoje é referência de estilo para muitas consumidoras de moda e divide seu tempo entre o site, suas colunas na rádio Band News e na revista Veja, de Belo Horizonte. Acompanhando o movimento, jornalistas também têm mergulhado no universo virtual. “Abandonei o papel para nunca mais voltar”, declara a jornalista Déborah Bresser em sua biografia no site “Petiscos”, outro pioneiro, onde é hoje editora-executiva. Déborah passou por jornais e revistas profissionais da área - como o falecido Jornal da Tarde, onde ficou por 13 anos - até ser fisgada pela internet. “Já que alguém precisa falar do lado bom da vida, que seja eu”, brinca. O “Petiscos”, comandado pela publicitária Julia Petit, nasceu blog e cresceu site. Desde então, Julia conquistou espaço na mídia especializada e hoje apresenta um programa de moda e beleza no canal GNT. Blogueiros x Jornalistas Uma das principais características da internet é o seu caráter democrático. Nem tanto quando o assunto é escrever sobre moda. Polêmica, a rixa entre jornalistas de moda e blogueiros existe e vez ou outra vem à tona. Deborah Bresser, apesar de não alimentar a briga, admite que “houve, sim, uma baderna no mercado, com gente levando a sério algumas aventureiras despreparadas”. Cecília Lima é direta: “O blogueiro não tem o compromisso primeiro com a verdade, e segundo com a imparcialidade. Numa mídia de moda, padrão, eu tenho a obrigação de falar sobre tudo, do que eu gosto e do que eu não gosto, tentando ser o mais imparcial possível”. Para Cris Guerra, a rixa existe, mas ambas têm sua importância no meio. “O blogueiro tem esse aspecto autoral. Não adianta querer competir com jornalista de moda. O jornalista vai falar mais tecnicamente, muitas vezes vai fazer uma cobertura mais tradicional, mais completa.” Laura Barbosa Ainda criança, a Copa de 74 foi transmitida em cores e a encantou. Três anos mais tarde, a primeira ida ao Maracanã, em um jogo do Flamengo, mudou a vida de Martha Esteves e despertou sua paixão por esportes: ali mesmo ela decidiu pela profissão de repórter. Atualmente editora esportiva no jornal O Dia, Martha foi uma das primeiras mulheres na revista Placar. Aos 49 anos, ela mostra com sua trajetória como uma mulher lidou de igual para igual com os homens enquanto repórter de esportes. Martha formou-se em jornalismo pelas Faculdades Integradas Helio Alonso (Facha) em 1984. Assim que deixou a faculdade bateu na porta da revista esportiva Placar pedindo uma chance. Começou trabalhando de graça, tamanha era sua vontade de atuar onde estavam os melhores profissionais da área naquele momento. A tranquilidade financeira foi conquistada com o sucesso do próprio trabalho e até hoje Martha se mantém no esporte, mostrando que ser mulher não é um impedimento. Para ela isso ajudou mais do que atrapalhou sua carreira no jornalismo esportivo. Martha conta que nunca sofreu preconceito dos colegas de profissão. Ao contrá- “Eu era igual a eles, me sentia um dos caras, falava palavrão, não tinha frescura comigo” Martha Esteves Foto: Reprodução Facebook Quem dita a moda? O mundo fashion, historicamente dominado pelas revistas, tem ocupado cada vez mais espaço na web, com os sites e blogs de moda disputando com versões online de jornais, revistas e emissoras, além de portais especializados e homepages de eventos. Com a democratização ao acesso à internet, os fashionistas viram surgir um grande fenômeno: os blogueiros se tornaram tão fundamentais quanto os jornalistas na difusão de informações sobre o assunto. Primeiro vieram os sites. Com sede de ir além do que já existia sobre moda na internet, a designer Cecília Lima, pós-graduada em jornalismo, inovou o mercado especializado em 2006, ao criar o “Closet On Line”, o primeiro site de jornalismo de moda do Brasil. “Eu escrevia muito para revista na época, fazendo pauta, como convidada, e eu queria aprender mais. O máximo que você tinha eram as tendências. Você não tinha cobertura e bastidores, mercado, só em agências muito especializadas ou site fechados. Não se falava da própria mídia, como nos Estados Unidos e na Europa, onde já se fazia há muito tempo”, conta. O “Closet On Line”, inicialmente uma Web TV com entrevistas voltadas para o mercado, foi lançado como site no final de 2007 e ganhou grande notoriedade desde então. “Eu estava indo contra a tendência. Os blogs estavam em alta. Hoje nosso site é reconhecido, temos uma estrutura de redação, a própria mídia respeita”, completa. O boom dos blogs aconteceu mesmo em 2007. A cultura blogueira deu voz a pessoas comuns, que passaram a opinar e compartilhar informações sobre diversos assuntos. Além de uma manifestação autoral, Além da moda propriamente dita, outros assuntos de seu universo, como comportamento, consumo, tendências, estilo, design, beleza e coberturas de eventos são pautas recorrentes nos veículos especializados. Para Cris, a diferença em escrever para a web está na tentativa de “fazer uma coisa mais palatável para todos, que traduza melhor a moda para o consumidor”. Cecília Lima chama a atenção para a instantaneidade das notícias: “Na web chega um momento que não serve mais, se não é na hora não adianta. Ou a gente dá o desfile no dia ou não adianta dar depois”. A consolidação do calendário oficial de moda brasileiro colocou o país como tendência, principalmente na Europa, onde se tornou pauta de reportagens e editoriais de moda. Entre os principais eventos de moda no Brasil, estão o São Paulo Fashion Week, seguido pelo Fashion Rio. Enquanto Cris Guerra cobre sozinha as semanas de moda no país, tentando colocar sua opinião no que foi relevante, o “Petiscos” tem optado por balanços diários sobre os desfiles nacionais e internacionais. Mas afinal, o que é preciso para escrever sobre moda? Cecília acredita que é necessário mais do que uma faculdade ou saber nome de estilista: “Cada coleção pode ser uma referência histórica, geográfica. Para cada desfile você tem que ter um conteúdo agregado muito grande. Você precisa entender de tudo um pouco, independente de ter feito moda ou jornalismo”. A imprensa tradicional - revistas, jornais, programas de TV e rádio - ainda está se adaptando a essa nova arquitetura da informação, de produção colaborativa. Sites, blogs e portais promovem a aproximação do leitor com conteúdos e linguagens antes direcionados para especialistas e entendedores do assunto. A jornalista Martha Esteves mostra que o preconceito contra o sexo feminino na cobertura esportiva pode ser tirado de letra Martha entre os colegas Alfredo Ogawa e Carlos Orletti: primeira mulher na revista Placar rio, sendo repórter igual a eles, ela se sentia um dos “caras”: “Eu me comportava como eles, falava palavrão, não tinha frescura comigo”. Martha também soube se impor com os jogadores e técnicos e sempre foi tratada com respeito. “Casei e tive filhos cedo. Trabalhava grávida e isso mantinha a distância também. A única dificuldade era na hora de entrar no vestiário, porque os caras estavam pelados. Mas a maioria se enrolava em toalha e só aí eu entrava. Depois veio uma geração de bad boys que desfilava nu para me afrontar, mas eu não ligava e sempre dizia: o que vocês tem aí meus dois filhos também têm.” Hoje, com 29 anos de profissão, Martha orgulha-se de sua carreira bem-sucedida no esporte. “Tenho a honra de só ouvir elogios e até uma certa reverência sobre meu trabalho, meu nome, coisas que me enchem de orgulho”, diz. Apaixonada de carteirinha e tatuagem O sentimento da jornalista Amanda Salles pelo esporte, e pelo time do coração, está marcado na própria pele Foto: Amanda Salles Karen Fideles 15 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Na infância, enquanto as amigas colecionavam álbuns das Chiquititas ela trocava figurinhas do Campeonato Brasileiro com os meninos. Frequentava o Maracanã e guardava todos os ingressos dos jogos. Também muito falante, uniu o útil ao agradável e fez vestibular para jornalismo já na intenção de seguir na área esportiva. Amanda Salles é recém-formada em Jornalismo pela Escola da Comunicação da UFRJ (ECO). Flamenguista de carteirinha, cresceu numa família apaixonada por futebol e aprendeu com o avô materno tudo que sabe sobre o esporte. Na ECO foi repórter no projeto “Copa Campus” e, mesmo buscando conhecer outras áreas, nunca abandonou o esporte. Logo que passou no vestibular, o falecimento de seu avô a motivou a tatuar no pé “Sempre Flamengo” e a marca, que tem para ela um grande valor afetivo, fortaleceu seus laços com o futebol. Hoje Amanda está no SporTV como editora de esportes. Ela conta que a tatuagem nunca foi um impedimento em sua carreira. Ao contrário, a marca no pé sempre foi uma curiosidade que em entrevistas assume um caráter bônus. “Quando as pessoas conseguem ver, porque é escondido, é no pé, me perguntam o porquê”, conta. 16 Para essa equipe, Carnaval é assunto nos 365 dias do ano Imagem: www.gambira.com “Extra, Extra!” Essa exclamação, tão associada no imaginário popular às informações exclusivas - próprias do universo do jornalismo já fez parte de título de enredo de escola de samba. Foi na União da Ilha do Governador. Em 1987, a agremiação desfilou pela Marquês de Sapucaí representando, através de suas alas, as páginas de um imenso jornal, com direito a todas as editorias mais comuns. Ainda que não dessa forma tão explícita, todo ano Carnaval e notícia se misturam. No calor do espetáculo, os repórteres se esforçam por garantir as imagens, as emissoras de televisão discutem o desempenho das escolas e repercutem os resultados da apuração. Quando cessam as folias de Momo, os grandes veículos não acompanham o dia-a-dia de quem constroi essa festa, deixando órfãos de novidades muitos sambistas apaixonados. Aproveitando esse espaço, a equipe do Carnavalesco entrou em cena, tornando seu site referência no assunto. Criado em 2007, o Carnavalesco é um exemplo de empreendimento nascido da pura paixão, nutrida pelos jornalistas Alberto João e Rafael Lemos. A trajetória dos dois começou no jornal O Dia, onde trabalharam juntos na editoria online O Dia na Folia. Já naquela época, Alberto, 32 anos, atual editor-chefe do Carnavalesco, percebeu o potencial do tema. “Quando entrei no O Dia, a editoria lá já funcionava, mas apenas de janeiro até o fim do Carnaval. Eu vi que era possível funcionar o tempo inteiro.” Convencer as pessoas de que isso era verdade foi o grande desafio nos momentos iniciais da empreitada. Mesmo mobilizando multidões de fãs e trabalhadores, preparação do Carnaval não é acompanhada pela imprensa “Com o aval dos editores, depois de muita luta, eu consegui, mas tinha que fazer o meu trabalho de sempre e depois fazer a cobertura das escolas. Entrei no jornalismo de carnaval por ser apaixonado e por ver ali um vazio em que eu poderia me destacar.” Com o tempo, a equipe foi se formando com amigos do jornal e sonhando cada vez mais com voos independentes. Também se juntaram pessoas que queriam aparecer mais e exercitar certos aspectos da profissão, pois no O Dia quem trabalhava no portal não fazia reportagens na rua. Com esse “material humano” reunido, foi um passo para que o Carnavalesco nascesse, crescesse e atingisse as marcas de popularidade e audiência que tem hoje. A página tem uma média de 18 mil acessos por dia de março a junho, 30 mil nos ensaios técnicos (alcançando até os 50 nos dias das escolas de maior torcida), culminando nos 110 mil do período momesco. Conseguir isso exige muito trabalho. Para o espanto de quem não acompanha o mundo do samba, não só existe vida de fevereiro a fevereiro, como ela é muito agitada. Por volta de abril, as escolas já anunciam seus enredos, que imediatamente começam a ser debatidos nas redes sociais. Há sempre aquele torcedor que acha que sua escola já é campeã apenas pelo tema escolhido, e aquele que já prevê um suposto desastre inevitável... Para atender a ansiedade e o curioso prazer dos sambistas de especular sobre a folia que virá, o Carnavalesco precisa se desdobrar e se fazer presente em todas as quadras e eventos especiais. Passando pela entrega das sinopses entre maio e junho, cujos textos são publicados na íntegra pelo Carnavalesco, os repórteres do site ainda têm a missão de cobrir as eliminatórias e escolhas de samba (entre julho e outubro) e as apresentações dos protótipos das fantasias. Finalmente, vêm os ensaios técnicos no Sambódromo, testes decisivos para as escolas antes do tão esperado momento do desfile oficial. Além de todo esse calendário, há as cerimônias de premiação – nas quais o próprio site já faturou vários troféus, como o do importante Prêmio Sambanet, em 2012. “Estamos em todos os eventos com a ideia de que o conteúdo tem que estar no ar em tempo real ou, na pior das hipóteses, ainda na madrugada. Pensamos que as pessoas, quando chegam ao trabalho pela manhã, já têm que ver no site tudo que aconteceu no evento em que estiveram, ou que não viram porque tiveram que dormir mais cedo”, afirma Alberto. Muitos colaboradores do Carnavalesco são pessoas que não tinham um envolvimento prévio com o jornalismo, mas acabaram encarando a missão de desenvolver, por sua ligação afetiva com o Carnaval, práticas profissionais de reportagem e redação. Figura carimbada nos vídeos capturados diretamente da Passarela do Samba, Roberto Vilaronga, 26 anos, é formado em História. Entrou na equipe a convite do editor-chefe, que o conheceu quando ele era da Diretoria de Carnaval de sua escola de coração, o Império Serrano. “As pessoas que trabalham no site têm uma forte ligação com o Carnaval. Comecei no Império com 12 anos de idade” conta Roberto, que vive em seu encargo inusitado a experiência de conviver com jornalistas profissionais. Assim como o advogado Luis Carlos Magalhães, 65 anos, o colunista mais conhecido do Carnavalesco, recentemente escolhido para a função de diretor-cultural de sua querida Portela. Ligado ao samba desde o berço, Luis Carlos exerceu diversas funções no Governo do Estado, inclusive a de chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Planejamento. Militando pela causa cultural da revitalização dos blocos da Avenida Rio Branco, muito tradicionais no Carnaval carioca, ele foi convidado para participar da Rádio Roquette Pinto, no programa “Vai dar Samba” de Miro Ribeiro. Foi o começo de uma pomposa trajetória no campo da reportagem e do jornalismo de carnaval que o levou, após também passar pelo O Dia na Folia, ao Carnavalesco. Isso tudo, apesar de Luis Carlos curiosamente fazer questão de dizer que não é um jornalista. “O valor que os jornalistas dão à notícia não se compara. Para mim, ela não tem nenhuma importância. O que eu faço é tirar pedra da notícia, fazer uma análise até ideológica, cultural. Eu não daria uma notícia que achasse prejudicial e que pudesse criar confusão, mas acho que os jornalistas têm mesmo que informar. O público espera isso.” A observação se justifica em um meio cada vez mais atribulado. Alguém pode pensar que viver o tempo todo em ambientes de festa, repletos de mulatas exuberantes e samba no pé, deve ser um trabalho maravilhoso. Isso não poderia estar mais longe da realidade. Em um meio onde declarações de mestres de bateria ou intérpretes demitidos, por exemplo, causam acaloradas tensões, que envolvem tão fortemente a emoção dos componentes e das comunidades, o que menos há é sombra e água fresca. Diante das intensas reformulações, com as promessas de uma nova Cidade do Samba, e das denúncias sobre dívidas e escândalos nas escolas mais tradicionais, como Portela e Mangueira, cada palavra em uma reportagem se torna delicada. O próprio Luis viveu uma situação difícil em 2010, quando uma declaração repercutiu negativamente nas redes sociais. Ela foi feita durante uma transmissão ao vivo na rádio Tupi, que conta com muitos jornalistas do Carnavalesco em seus quadros na cobertura do Carnaval. Ele lembra em tom divertido a curiosa Imagens: www.carnavalesco.com.br Samba no pé... E na pauta! Lucas Berlanza 17 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Na internet, o site Carnavalesco atrai torcedores de todas as agremiações do carnaval carioca enrascada: “Eu estava cobrindo a comissão de frente da Unidos da Tijuca, quando comentei, impressionado, que iria embora, que não precisava ver o resto. É claro que eu fiquei, mas em questão de segundos já tinha torcedor de tudo quanto é escola falando mal de mim na Internet”. Alberto João, porém, comenta que nem sempre os problemas são tão engraçados. “Sabemos que o Carnaval é acima de tudo cultural, mas temos que manter a competição para gerar conteúdo e atrair os leitores. Quando ainda estava no O Dia, já vi dirigentes de escolas ameaçarem jornalistas com armas, mas sabia que isso não passava de jogo de intimidação.” Embora hoje não cheguem a esses extremos, os obstáculos continuam – entre eles, o financiamento. Desde sua fundação, o site é mantido pelos recursos do próprio editorchefe, e por colaborações de amigos que apreciam o trabalho e desejam vêlo continuar – sem fazer uso de recursos de financiamento coletivo. Assim, o Carnavalesco segue sua caminhada, nos passos do samba. Sem jamais abandonar a paixão que “Não vamos vender nosso Jornalismo para manter o site e por isso enfrentamos dificuldades, mas sempre conseguimos superar” lhe deu origem, e se sustentando na união de sua “comunidade” e no espírito guerreiro que todo sambista conhece bem, ao participar do processo duro e longo de preparação de um desfile. No fim das contas, o Carnavalesco acaba sendo como uma das várias escolas que acompanha, correndo contra o tempo e as limitações financeiras para “botar o bloco na rua”. Como resume Alberto: “Muitas vezes o can- saço bate e temos brigas, discussões e depois no outro dia todo mundo está bem. Posso falar que, no Carnavalesco, nós temos amigos e loucos por Carnaval. É impossível trabalhar com Jornalismo de Carnaval sem ser louco, porque o retorno financeiro é mínimo e os elogios são poucos. Não vamos vender nosso Jornalismo para manter o site e por isso enfrentamos dificuldades, mas sempre conseguimos superar.” A equipe do Carnavalesco recebeu o prêmio Sambanet e botou seu bloco na rua 18 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Na mira do conflito Jornalistas participam de cursos para cobertura de conflitos armados para evitar tragédias 19 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 A voz ativa da comunidade O Jornalismo Comunitário se preocupa com a criação de uma rede alternativa de informações para os moradores de favelas “Olho olho olhov olho oolho ovvolho oolho o volho o olho oolho ovvolho ovlho DJ Marlboro Legenda Jornalistas em treinamento durante o curso promovido pelo Centro Conjunto de Operações de Paz no Brasil Isadora Barros Não se trata de Irã, muito menos de Iraque. A violência no Brasil fez crescer a oferta de uma recente – porém crescente – modalidade de treinamento militar destinado a jornalistas na cobertura de conflitos armados. Até pouco tempo, redações das mais diversas publicações brasileiras deslocavam alguns jornalistas especiais para a Argentina para realizar o treinamento. A cidade de Buenos Aires tem um pólo importante de treinamento militar para jornalistas, que funciona através do Centro Argentino de Treinamento Conjunto para Operações de Paz (CAECOPAZ). Mônica Puga, jornalista conhecida pela qualidade de suas matérias investigativas, relatou sua experiência vivida nesse curso em Buenos Aires. “É pesado. Eles simulam um sequestro e praticam tortura psicológica. É tudo muito real”, revela a jornalista. Para ela curso é importante porque ajuda a conhecer os limites da sua curiosidade em terreno desconhecido e em conflito iminente. No Rio de Janeiro, um curso promovido pelo CCOPAB é um dos preferidos entre as redações que enviam jornalistas especiais para o trabalho pesado. O QG da opção carioca fica na Vila Militar, em Duque de Caxias, e ensina, entre muitas habilidades, a entrar em uma favela em conflito. A Rede Globo, os portais IG e Terra e o jornal gaucho Meia Hora já passaram por lá. As simulações levam a sério a semelhança com a realidade e consideram todos os cuidados que um jornalista deve ter para, antes de tudo, garantir sua integridade. Simulações de como lidar com ambientes sujeitos a ataques químicos, biológicos e nucleares também são realizadas, de forma que o curso se mostra, dentro do limite de simulação, bem completo. A última turma formada nessa unidade realizou o curso entre os dias 8 e 12 de julho. Durante os dois primeiros dias do curso os militares ministram palestras sobre mediação de conflito, negociação de refém, regras da ONU para áreas de conflito e outros temas relevantes para quem vai passar por território em guerra. Passada a teoria, a hora é de colocar a mão na massa “Eles simulam um sequestro e praticam tortura psicológica. É tudo muito real” Mônica Puga – ou de se jogar no meio do conflito. Durante os próximos três dias que completam o curso, a imersão nas situações de risco torna-se quase tão temível quanto a realidade. A busca pela maior semelhança possível com uma situação limite a que um jornalista pode ser exposto nesses casos é um ideal do curso. “Não há limites para a maldade humana”, justifica o Capitão de Fragata Teotônio Toscano. Por isso, os alunos enfrentam salas infestadas de gás lacrimogêneo, incêndios, tiroteios e até uma simulação surpresa de sequestro, quando o grupo se encaminha para os alojamentos. Nesse momento, os jornalistas relatam que são encapuzados e levados para um cativeiro sob uma simulação de tortura psicológica. Tudo isso, a CCOPAB garante, controlado ao máximo para conseguir a verossimilhança necessária e prometida pelo curso e orien- tar como o jornalista deve (e não deve) se comportar nesses momentos. Em 2011, o jornalista Gerson Domingos, cinegrafista da Band, levou um tiro mortal enquanto cobria um conflito na favela de Antares, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. Apesar de grande experiência na cobertura desse tipo de conflito, os conhecimentos adquiridos na prática, sem treinamento específico, de Gerson não foram capazes de prevenir sua morte, que é até hoje sentida e lembrada nas redações do país, como o caso do ícone Tim Lopes, assassinado em 2002 em represália a uma matéria investigativa que conduzia na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio de Janeiro. Além do tradicional caderninho com garranchos ilegíveis, microfone e câmera, parece que o colete a prova de balas é candidato bem cotado para fazer parte do kit tradicional do jornalista. “Os grandes veículos de comunicação falam o que é interessante para eles. O que a gente fala é interessante para a própria favela. Quando o povo se escuta, o povo percebe que é alguém.” O discurso do Repper Fiell (com e), ao ser questionado sobre a necessidade da voz ativa nas favelas não deixa dúvidas de sua crença na importância da disseminação da informação. Para tanto, Emerson Cláudio Nascimento dos Santos, morador do Morro Santa Marta e responsável por um trabalho social no local, não economiza esforços para melhorar a qualidade de vida das pessoas onde vive. Além dos projetos ligados à música, Fiell foi um dos percussores da rádio comunitária no local e os motivos para isso o mesmo sempre deixou claro: a desalienação. O surgimento de um discurso baseado no “agora por nós mesmos”, utilizado não só por Repper Fiell mas também por Renê Silva, o menino que fez a cobertura durante toda a invasão do alemão na rede social, está presente em grande parte dos veículos comunitários. Para o morador do Santa Marta, a necessidade de criar uma fonte alternativa de informação tem como objetivo garantir que a comunidade possua autonomia. “A nossa rádio é uma iniciativa que contempla e que inclui para poder representar o povo. Todas as favelas tem que ter os seus meios de comunicação, porque o nosso Estado não nos representa, ele, na verdade, nos reprime”, afirma Fiell. Já a cobertura da invasão do Morro do Alemão para a instauração das Unidades de Polícia Pacificadora feita em 2010 por Renê Silva em seu Twitter, Voz da Comunidade, deu visibilidade ao menino que cinco anos antes já pos- Foto de divulgação Luiza Morena Pires Repper Fiell encara o desafio de cuidar de um projeto de comunicação gerido pelos próprios moradores do Santa Marta suia um jornal. O veículo, homônimo ao Twitter, teve como objetivo inicial relatar aos moradores os problemas do Morro do Adeus, local em que vive. Segundo Renê, que antes mesmo de cursar Jornalismo já era repórter, fotógrafo, redator, editor e colunista, o crescimento de seu jornal foi inesperado: “Quando comecei, a minha ideia era falar dos problemas sociais que atingiam o lugar onde moro e nunca achei que fosse ganhar tanta repercussão. No início falavamos sobre o asfalto e o saneamento básico, mas depois de relatarmos a invasão do morro em tempo real no Twitter, o Voz da Comunidade (Jornal) passou a ficar conhecido.” Com um total de 122.883 seguidores no Twitter, Renê realiza um trabalho que vai além de informar ao mundo o que ocorre na favela por um olhar interno. Através de uma educação informal veiculada na rede social, o jornalista comunitário ajuda a resgatar a cidadania dos moradores. Fruto de seu trabalho, o jornal que começou como um projeto escolar tem hoje uma tiragem médial mensal de 5 mil exemplares. “Se antes nós só alertavamos sobre os problemas da comunidade, hoje, cobramos das autoridades soluções. O que mais preocupa ainda é a saúde e a educação. Precisamos urgentemente de mais investimentos.”, alerta Renê. No caso do Repper Fiell, a repercussão de seu trabalho garantiu que escrevesse o livro Da favela para as favelas. O livro conta a visão de um morador da favela sobre a educação, o tráfico, a instauração da UPP e a nessecidade de comunicar e buscar uma voz ativa. A rádio Santa Marta, que foi fechada em maio de 2011 por uma operação da Polícia Federal e da Agência Nacional de Telecomunicações - operação que além de apreender o transmissor levou Fiell a cadeia - foi reaberta em 2012. As dificuldades impostas para a legalização da rádio continuam sendo um problema enfrentado por quem deseja fazer jornalismo comunitário. A potência baixa, de no máximo 25 watts, a antena que não pode ultrapassar mente o Dia Mundial da 30 metros e deve ter uma Liberdade de Imprensa.” Apesar dos benefícios fraquência única e a necessidade de à cidadania todos os loque a introcutores serem dução das “O que a volu nt á r ios Unidades de gente fala é são alguns Polícia Pados probleinteressante c i f i c a d o r a mas que garantiram d i f i c u l t a m para a própria às comuniesse tipo de dades, são favela. jornalismo. recorrentes Quando o Durante denúncias de o tempo em abusos de popovo se escuta, que a rádio der policial, Santa Marta o povo percebe garante o ficou no ar Fiell. que é alguém” Repper na FM foram Motivado r e c or r e nt e s por esses debates sobre problemas, o Repper Fiel, as favelas e morador do comunicador sobre como Santa Marcomunitário os políticos ta criou a governam o Cartilha de Estado, o que para Fiell foi Abordagem Policial ,que a causa do fechamento e de tem como objetivo garantir sua prisão: “Foi uma prisão os direitos dos moradores política. Isso mostra que o das favelas diante desEstado é repressor e não ses policiais. Movido por quer que o povo se comu- um questionamento innique a não ser que aceite terno, Fiell desafia sua o jornal ou a TV Globo. comunidade e o restante Esses meios de comunica- da sociedade: “Vamos nos ção ditam o que temos que organizar porque as remopensar e fazer enquanto as ções vão vir e toda nossa rádios comunitárias são história irá virar mais um marginalizadas e demoni- livro para sociólogos, que zadas. A prisão aconteceu não moram em favelas.” no dia 11 de maio, justa- 20 21 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Uma viagem pelos bastidores do Globo Repórter Acervo Globo Repórter Entre o documentário e o telejornal Acervo Globo Repórter bo Repórter era produzido por cineastas e conduzido pela voz do narrador estático. Mas, na década de 1980, o programa foi integrado ao departamento de jornalismo da Rede Globo. Nesse momento, ganhou a presença da figura do repórter, que juntamente com o cinegrafista, assume a função de testemunha dos fatos, transmitindo ao telespectador toda a emoção vivida na abordagem do tema. As mudanças também ocorreram nas reportagens, que passaram a ter duração de apenas 15 minutos, e na tecnologia usada na edição e produção, que ganhou agilidade. Outra mudança significativa ocorreu na década de 1990, quando os aparelhos de televisão se tornaram mais populares no Brasil. Como as classes C e D começaram a ter maior acesso à TV, as demandas por informação também foram reformuladas. Esse Sérgio Chapelin e Glória Maria, apresentadores do programa, revisam o texto antes de gravação especial de final de ano público começou a buscar informação qualificada sobre assuntos relacionados com seu cotidiano. “Pensando nesse público, que geralmente tem baixo grau de instrução, o Globo Repórter se adequou ao perfil de serviço. Os temas mais comuns são saúde, alimentação e economia doméstica”, explica Francesca Terranova. A chefe de produção lembra que todo programa jornalístico precisa se renovar sempre e que o Globo Repórter não foge Sérgio Chapelin, apresentador desde o início do programa, em 1973, participa da gravação das chamadas no novo cenário digital do Globo Repórter Mariana Martins Um programa na televisão aberta com duração de 45 minutos, sobre um único tema, com tempo de produção longo e com cara de produção cinematográfica. Este é o Globo Repórter, que completou 40 anos em 2013 e é o primeiro programa jornalístico do gênero documentário do Brasil. Apesar da boa aceitação do público, telejornais nesse formato têm pouco espaço nos canais da TV aberta do Brasil e, por isso, tendem a limitar suas pautas a assuntos mais genéricos, voltados para um público amplo e variado. O formato que conhecemos hoje nasceu da ideia de criar um programa jornalístico semelhante ao 60 Minutes, da CBS News, mas, por falta de estrutura para gravações externas, a Rede Globo preferiu adotar o modelo do extinto Globo Shell Especial e produzir cinedocumentários com narração em off do apresentador. Assim, na década de 1970, o Globo Repórter tornou-se um veículo importante para vários cineastas brasileiros, como Eduardo Coutinho, Maurice Capovilla, Walter Lima Júnior, Vladimir Carvalho e Gregório Bacic. Ainda assim, muitos cineastas e documentaristas negam que o Globo Repórter possa ser classificado como documentário. Entre as principais razões para isso, afirmam que o documentário não tem como objetivo traduzir a informação, mas apenas reportar. Ou seja, originalmente, o documentário não tem narrador e muito menor repórter conduzindo a informação. Para a editora-chefe, Silvia Sayão, o programa se enquadra no meio termo. “É algo tão polêmico que desisti de definir. Eu acho que o Globo Repórter tem muito do telejornal diário e também do documentário. Quando precisamos apresentar o programa lá fora, costumamos defini- lo como documentário jornalístico, fica mais fácil de entender.” Nos anos 80, o programa passou a fazer parte do departamento de jornalismo da Rede Globo e abriu as portas a equipes de reportagem. Com base nas estatísticas da editora-chefe, a novidade caiu no gosto do público. “O brasileiro gosta muito do formato, tanto que outras emissoras têm se aventurado na criação de programas parecidos. Normalmente, a cada duas televisões ligadas na TV aberta, uma está no Globo Repórter.” Notícia ou serviço Mesmo o telespectador mais desavisado percebe que o programa se diferencia de outros telejornais. Segundo a chefe de produção, Francesca Terranova, a diferença está justamente no fato de o Globo Repórter não tratar de notícias, mas sim analisar determinados temas. “Não é notícia, é uma investigação jorna- lística mais aprofundada”, esclarece. O processo investigativo envolve uma grande demanda de tempo e mão de obra. Por isso, em média, 30 pessoas trabalham fixamente na apuração e produção. Inclusive profissionais de outros programas, especialmente os cinegrafistas, auxiliam nas gravações. “Não é notícia, é uma investigação jornalística mais aprofundada” Francesca Terranova Uma equipe padrão do Globo Repórter conta com um produtor, um editor de texto, um repórter, um cinegrafista, um técnico, e, mais adiante, um editor de imagem. Todos trabalham em conjunto na realização das matérias especiais de cada edição do programa. Por se tratar de uma análise mais profunda dos fatos, cada equipe demora, em média, dois meses desde a escolha da pauta e concepção à finalização de um episódio. Francesca explica que, com mais tempo, é possível selecionar mais e buscar os melhores especialistas e personagens. Isso sem mencionar o dispendioso processo de edição das dezenas de horas de gravação. “Nossa ideia é justamente se distinguir dos outros telejornais e aprofundar a informação. É natural do jornalista querer experimentar outros formatos. O documentário jornalístico é onde a produção e a pesquisa são mais densas. É óbvio que temos exceções, como a morte do Michael Jackson ou o World Trade Center, mas no geral temos 60 dias para fechar uma edição”, diz a diretora. Formato camaleônico Originalmente, o Glo- O Globo Repórter através do tempo 1993 O programa começa a adotar um único tema por edição 1996 Assuntos mais abrangentes para o público das classes C e D 2008 Comemoração dos 35 anos do programa com novo cenário, mais arrojado e interativo 1983 Grande transformação: entrada de repórteres especiais 3/4/1973 Vai ao ar pela primeira vez 10/6/1982 Gravado e editado em fita pela primeira vez com uma reportagem em Serra Pelada 20/3/1986 Nova fase, com reportagens mais longas 1995 Jorge Pontual deixa o Globo Repórter e Silvia Sayão, que fazia parte da equipe desde 1985, assume a coordenação editorial do programa 2010 Glória Maria estreia como repórter especial do Globo Repórter à regra. O repórter também precisa se adequar a esse processo cíclico e se adaptar às mudanças do formato e dos interesses do público. 22 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Curso Abril de Jornalismo por quem faz e por quem fez Coordenador e alunos revelam os critérios da concorrida seleção Rafaela Marinho É bem mais difícil do que passar no vestibular. A disputa é grande para entrar no Curso Abril de Jornalismo: são 42 candidatos por vaga. Na edição de janeiro de 2013, foram 2.500 os que tentaram e apenas 60 os que conseguiram. Mas, sem pânico, leia algumas dicas de quem irá selecionar você e de quem já foi selecionado – e o melhor, contratado. “O que você está fazendo da sua vida para se tornar uma pessoa interessante?” É com esta pergunta que Edward Pimenta responde a dúvida de muitos candidatos sobre qual é o perfil dos selecionados para o Curso Abril de Jornalismo (CAJ) que ele coordena. O disputado curso fortalece o currículo de quem está começando a carreira e o melhor: é porta de entrada para trabalhar na principal editora do país. Nos últimos quatro anos de curso, 200 alunos foram contratados. Mas, afinal, existe um perfil? Aparentemente não. Existem características fundamentais somadas às experiências de vida. Por isso, o importante é encontrar suas aptidões, exercitá-las e fazer da sua vida uma história interessante para contar. Inclusive porque o processo seletivo começa com uma redação em que o candidato deve responder outra pergunta desconcertante: “Quem é você e porque você escolheu o jornalismo?” Se o que você responder chamar a atenção dos examinadores, o próximo passo é ser entrevistado por Edward. Ele viaja pelo país para fazer estas entrevistas e conta que isto é o que torna o curso mais rico. “Vivemos em uma época onde atenção é o que há de mais escasso. Para ganhar a dos leito- 23 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Passei! E agora? O que vem pela frente? Se entre todas as viagens que Edward Pimenta fez pelo o país, você foi um dos selecionados, parabéns. No entanto, antes de desembarcar na sede da Abril em São Paulo, saiba onde está pisando. O CAJ foi criado em 1968 para montar a primeira redação do projeto de Roberto Civita, morto em maio de 2013. O filho de Vitor Civita, fundador da editora, sonhou fazer uma revista brasileira semanal inspirada na americana Time. A Veja, hoje a segunda principal revista de semana no mu0ndo, nasceu com o curso Abril. Desde 1984, quando passou por uma reestruturação, o curso abre todos os anos inscrições em agosto para as modalidades de texto, design, fotografia, ilustração/infografia, vídeo e mídias digitais. Os candidatos selecionados foram os que escreveram uma boa redação e mandaram um currículo interessante. Depois, eles passam por uma entrevista em dezembro e, finalmente, começam as aulas em janeiro. Uma redação experimental é montada exclusivamente para o curso. Durante 40 dias os alunos participam de palestras com nomes importantes da empresa e do mercado, inclusive internacional. Vale lembrar que o curso não oferece bolsa. Bancar-se na capital paulista fica por conta dos alunos. Logo nos primeiros dias eles são divididos em grupos para desenvolver projetos práticos, que surgem das necessidades das redações reais. Durante o processo, são coordenados por editores das principais publicações. Um contato privilegiado para quem está no início de carreira. Ao final, devem apresentar estes projetos a uma plateia rigorosa: os próprios funcionários da Abril. Além disto, os ‘cajianos’ têm a oportunidade de estagiar durante uma semana em alguma das redações. Mais uma chance para conhecer pessoas e áreas novas. Quem se destacar, mostrando dedicação, talento e maturidade para se entrosar com colegas tão diferentes sem gerar conflitos, pode conquistar uma contratação. O que depende também da disponibilidade das redações. Em geral, os alunos são selecionados tendo em vista as vagas livres das revistas ou que estejam precisando de reforço, como é o caso das novas mídias. Pieter Zalis– Formado na ECO, foi contratado como repórter da Veja e está morando em São Paulo. “Valorizam muito se você lê uma revista estrangeira, se você tem conhecimento de imprensa, consegue criar um certo perfil sobre as coisas.” Helena Borges – Aluna formada pela ECO, foi contratada como repórter da Veja na sucursal do Rio de Janeiro: Edward Pimenta, coordenador do Curso Abril de Jornalismo: ele viaja pelo país para encontrar os melhores candidatos res precisamos de pessoas muito boas e diferentes”, comenta. Na entrevista, Edward fará o que ele define como seu principal trabalho: “buscar pessoas interessantes” e também testar aquelas características fundamentais para um jornalista. “Você será instado a falar em inglês”, revela Edward, provando que ter domínio da língua é indispensável. “Não dá para conceber alguém que não consiga ler bem inglês. Se você vai fazer qualquer revista ou site, o seu dia a dia vai ser lidar com literatura e apuração em inglês.” Edward define o curso como prático, sem ambições acadêmicas e um “banho de cultura Abril”. Mas, nem por isso é para esperar que a empresa seja apresentada. Você precisa buscar conhecê-la e, principalmente, querer fazer parte dela: “Se quer genuinamente trabalhar na Abril, você já tem vários pontos a favor. Se não quer muito, então é melhor não tentar.” Um desa- fio atual da editora é que a empresa tenha a mesma relevância que sempre teve nas revistas impressas também no mundo digital. Ter intimidade com ferramentas para publicações na internet ou em tablets, por exemplo, faz a diferença para pegar carona nas mudanças deste mercado. Um pré-requisito para concorrer é ser recémformado ou estar prestes a se formar. Logo, se existe uma coisa em comum entre a maioria dos candidatos, ainda pouco experientes na vida profissional, é a insegurança sobre qual caminho escolher no jornalismo. Política? Economia? Esporte? Moda? Para Edward, não importa responder com tanta convicção. Afinal, “não existe perfil definido saindo da faculdade”, garante Edward. O que você precisa é mostrar que entende do que gosta sem fechar oportunidades. A Editora Abril é um mundo de publicações de segmentos variados e coisas in- teressantes podem surgir onde menos se imagina. Ainda assim, dedique-se a suas aptidões desde já. E lembre-se: “O mais importante é estar disposto a trabalhar”, avisa o coordenador. Vale a pena preparar a memória para falar sobre as leituras que já fez e os lugares que já conheceu. Viagens e intercâmbios são pontos a favor. Se ainda não tem experiência em estágio, corra atrás. Faz toda a diferença mostrar o que você já produziu. A melhor tática de conquista é a formação cultural. Para Edward isso é um reflexo de um traço determinante: ser curioso. “Busco pessoas que mesmo sendo jovens foram atrás de ler as coisas certas, foram atrás de viajar, de viver. E que no momento em que são entrevistadas conseguem mostrar esta curiosidade pela vida.” Agora ficou mais fácil encarar o desafio? Edward garante: “É muito mais simples do que parece”. E os alunos que conseguiram (muitos deles egressos da ECO) dão mais dicas, confira na próxima página. O QUE NÃO PODE FALTAR • Uma graduação em faculdades renomadas: a maior parte é formada em jornalismo • Uma história de vida interessante • Curiosidade • Boa escrita • Bom domínio do inglês, tanto para falar como para ler • Dedicação e aptidões • Querer trabalhar na Abril • Maturidade para conviver em grupo “Não queira parecer perfeito na entrevista. Não adianta fingir, você vai passar um mês lá e eles vão perceber quem você é. Tenha noção de que existem muitos testes psicológicos durante o curso.” Lucas Varidel – Formado pela PUC-Rio, entrou para o curso na terceira tentativa. Foi contratado para trabalhar na área de mídias sociais da revista Placar em São Paulo. Ele garante que antes lhe faltava experiência profissional. “É um processo duro, não pelas etapas, mas sinto que é rigoroso com a qualidade das pessoas que entram.” Saulo Guimarães – Formado na ECO, foi contratado para trabalhar no site da revista EXAME e está morando em São Paulo. “Se você mostrar que a empresa pode investir em você e ter um retorno legal, por mais que não te chamem, vão prestar atenção. Se não for agora será lá na frente, não só na Abril como em qualquer empresa.” Daniel Barros – Formado na ECO, foi contratado como repórter da revista EXAME e está morando em São Paulo. “Você conhece pessoas incríveis. Eles fazem uma seleção em que há uma nata dos jovens jornalistas brasileiros. Gente com quem você vai se deparar ao longo da carreira. É uma rede de contatos muito importante.” 24 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Loucos por ele Quatro profissionais oriundos de outras áreas contam o que os levou para o caminho do jornalismo Alex Escobar, ex-comissário de bordo, largou a faculdade de Letras e agora é o atual apresentador do Globo Esporte Rio e do Cafezinho com Escobar Nathalia Tourinho O que um ex-comissário de bordo, uma excirurgiã-dentista, um estudante de Direito e um engenheiro têm em comum? Quando você não é mais feliz na sua profissão ou o destino modifica os seus planos, como ter certeza de estar fazendo a coisa certa? Alex Escobar, Carlos Noel da Silva, Luís Gustavo Soares e Paola Lima mudaram seus rumos profissionais e foram parar na reportagem. Luís Gustavo, 22 anos, estudante de Direito e atual Parceiro do RJ da região Maracanã, no RJ TV, da Rede Globo, ainda está em dúvida de que caminho seguir. Após acompanhar a dupla da Cidade de Deus do programa, gostou do projeto e quis se inscrever. Seu interesse foi pela oportunidade dos próprios moradores do bairro poderem utilizar a TV para solucionar um problema da região. Carlos, 57 anos, após 34 anos como engenheiro na Petrobrás, ao ver seus filhos na fase de prestar vestibular, se empolgou com a ideia. Primeiro, tentou Sistemas da Informação, pela Unirio. Porém, não gostou e largou logo no primeiro período. Em 2010, fez o Enem e passou para Comunicação Social na UFRJ. Atualmente, continua trabalhando como engenheiro na Petrobrás e seu plano para migrar de área é apenas quando se aposentar, que ocorrerá simultaneamente com a conclusão do curso. Já Paola, na adolescência, quis fazer jornalismo. Porém, por questões familiares, optou por fazer Odontologia. Depois de cinco anos de faculdade, mais um ano de especialização, mais quatro anos trabalhando, ela percebeu que não era isso que “Acredita e segue firme, foco” Alex Escobar queria. Estudou mais três anos para concurso público, enquanto dava aula de biologia e química em um cursinho de pré-vestibular. Então, percebeu que passar em um concurso só traria estabilidade financeira, mas não realização profissional. Jogou tudo para o alto e hoje, aos 31 anos, está no quarto período de Jornalismo, na Universidade Estácio de Sá. Alex Escobar, 38 anos, já cantou na noite carioca, foi comissário de bordo, cursou parte da faculdade de Letras e hoje é comentarista e apresentador do Globo Esporte. Escobar sempre quis ser locutor de rádio, porém, após não ter passado em dois testes, preferiu fazer o curso de comissário de bordo e seguir na profissão. Lá, sempre fazia locuções, até que um colega gostou e resolveu indicá-lo ao cunhado, que era locutor da rádio JB FM. Após orientações dele, Alex passou no teste e foi contratado. Começou fazendo a locução de algumas notícias e das horas durante a madrugada. Então, a Rádio Cidade, que era do mesmo grupo, iniciou o projeto do programa Rock Bola, programa com quatro torcedores de times grandes do Rio. Por ser torcedor do América, foi chamado para ser o apresentador do programa, pois seria imparcial. O programa foi um sucesso e após três anos, foi chamado para o SporTV. Ficou comentando jogos e depois apresentou por seis meses o Bom Dia Rio, quando substituiu o Tadeu Schimit, no Bom Dia Brasil. Em 2010, assumiu o Globo Esporte Rio. Conhecimento extra A ex-cirurgiã-dentista afirma que a formação ajuda de forma indireta, pois um bom profissional deve estar bem informado sobre a situação real da sociedade em que está inserido. “A saúde é uma das áreas sociais com os maiores problemas estruturais, de qualificação profissional, de investimento e de pesquisa. Sempre é pauta de reportagem de denúncia e escândalos. Minha visão, obviamente, é diferente daquele que nunca esteve do outro lado, que nunca viveu o dia a dia de um profissional da saúde.” Luís Gustavo afirma que o curso de Direito dá uma possibilidade de conhecer o ordenamento jurídico e como acontece na sociedade. Ficou surpreso pelo poder que um meio de comunicação tem. “O repórter tem um papel fundamental na so- 25 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 ciedade, porque vai gerar um debate e é como um motor.” Escobar afirma que ter sido comissário o ajudou muito. Por ser uma profissão que considera solitária, aprendeu a lidar com as dificuldades e superálas sozinho. “Eu tive um desprendimento muito grande sendo comissário. Sinto-me muito capaz de lidar com qualquer situação, me tornei mais independente. Um probleminha técnico no ar não se compara com algumas situações que eu passei no avião.” Carlos também acredita que poderá aproveitar seus conhecimentos de engenharia em comunicação e vice-versa. “Meus conhecimentos e experiência com o trabalho na área técnica permitiriam tratar desses assuntos de forma mais atraente para ambos os públicos. Também poderia trabalhar na área de comunicação da Petrobrás.” “Eu acho que a pessoa que tem o interesse, que tem o hábito, que é curiosa, que está vivenciando aquilo, acha que em si pode desenvolver um perfil de jornalista.” diz o Parceiro do RJ, que não é a favor da obrigatoriedade do diploma para profissionais da área de comunicação. Paola vê as faculdades de comunicação sen- Paola Lima, ex-cirurgiã-dentista e ex-estagiária de jornalismo na Band, fez teste de estúdio para TV do muito tecnicistas e é a favor de mais disciplinas que incitem o senso crítico. “Eu sou a favor do conteúdo. Não do diploma. Sou a favor que um economista faça uma pós em jornalismo econômico, me entende?”, diz a estudante. Já o apresentador do Globo Esporte acha necessário o diploma. “Dentro da redação da TV Globo são centenas de pessoa que trabalham com jornalismo, talvez 1% não tenha, e eu estou nele”. Ele conta que por não ter cursado Jornalismo, algumas limitações são impostas, como não pode ser editor-chefe do programa. “Eu estou muito mais feliz do que quando me chamavam de doutora e passava o dia de branco, trancafiada num consultório” Paola Lima “Então vale sim, ninguém está jogando o tempo no lixo. Conhecimento nunca é perda de tempo e te dará uma série de oportunidades dentro do jornalismo que eu não tenho”, Luís Gustavo, estudante de Direito e Parceiro do RJ da região do Maracanã, do RJ TV afirma. “Ele permite o desenvolvimento acelerado dos conhecimentos necessários ao desenvolvimento da atividade de comunicador”, afirma o engenheiro, que também concorda que o curso é importante. Ele acredita que estudar em uma universidade é um momento de abertura para o mundo. Aprendese equilíbrio entre razão e emoção, como outros conhecimentos desprezados na formação básica, como Filosofia. Paola não teve dificuldade ser de outra área e sim para escrever textos para TV. “A dificuldade que eu tive foi por não estar familiarizada em escrever para TV. Meu texto era mais parecido com o formado de impresso”, diz. Luís Gustavo teve mais dificuldade em se acostumar com rotina, jargões jornalísticos e por não ter nenhuma base do conteúdo que é dado nas faculdades. “Eu vou ter que correr muito mais por fora do que quem já está fazendo jornalismo.” Já Escobar afirma não ter tido dificuldades, principalmente por ter uma função muito específica, que exige mais a facilidade de comunicação, carisma e o conhecimento na área de esportes. Ter trabalhado no Rock Bola, também como apresentador, aumentou ainda mais sua bagagem de conhecimento esportivo. Porém, destaca que quem quiser trabalhar em uma área mais ampla, escrever textos, fazer matéria, irá precisar de um diploma. Paola Oliveira está cursando Jornalismo e diz que tenta estudar por fora para compensar o excesso de tecnicismo abordado em seu curso. “Sou muito mais feliz do que quando me chamavam de doutora e eu passava o dia de branco, trancafiada num consultório, o dia todo e com musiquinha de elevador.” Já Luís Gustavo prefere não pensar no assunto agora. Primeiro quer acabar de cursar Direito. Porém, se surgir uma oportunidade na Rede Globo, trancaria e daria uma chance. “Ando na rua e penso: será que isso vale uma pauta? Já começo a ficar sistemático, estou pensando como um jornalista.” afirma. Alex Escobar também não planeja, por enquanto, cursar uma faculdade. O seu projeto é o Globo Esporte, o que já ocupa todo o seu tempo. Ele destaca que o importante para quem está se formando é identificar o seu talento. “Identificado, acredita e segue firme, foco. Quem tem competência, se estabelece em qualquer área. Quem quiser esporte, acompanhe a área de perto, sempre. Para, quando a oportunidade chegar, estar apto a pegar. Porque oportunidade aparece, mas, às vezes, é a gente que não está apto.” 26 Quem sabe faz ao vivo Contando histórias com números A economia está por todos os lados e atrai jornalistas que não se assustam com gráficos, tabelas e números para fazer notícia Produzir um programa de rádio é trabalhar em equipe com o ouvinte O rádio é um meio de comunicação companheiro, prático e rápido, seja no radinho de pilha ou no aplicativo do celular. Longe dos seus anos dourados, a correria de quem trabalha no meio continua a mesma. Na verdade, o repórter de rádio passou a acumular mais funções com o tempo. E a internet não intimida esse veículo de comunicação. Na BandNews Fluminense, o jornalista não fica restrito ao microfone. Ele recebe a notícia, apura, entrevista, escreve, e até cuida da mesa de operações. Todos são multitarefa, inclusive os estagiários. Polyana Bretas, chefe de reportagem da BandNews, comenta: “O repórter aqui tem que prestar atenção em várias coisas simultaneamente, mas tem um controle maior sobre o que vai ao ar e não fica preso a um padrão”. A emissora tem quatro principais jornais, dois no período da manhã e outros dois a noite, além de divulgar notícias minuto a minuto. Os noticiários são quase sempre ao vivo, porque muitas informações são apuradas e disponibilizadas durante o programa. As transmissões são no horário do rush, quando um grande número de pessoas está indo ou saindo do trabalho. O rádio é um meio de comunicação de caráter regional, tanto que uma das maiores razões para as pessoas sintonizarem numa emissora é para saber do trânsito da sua cidade. Com o desenvolvimento tecnológico isso se acentuou porque o número de rádios AM, que tem maior alcance de transmissão, caiu fortemente enquanto as grandes emissoras mudaram para o formato FM, de menor cobertura, mas com melhor qualidade do som. “Ouvir rádio com ruído na era da TV em alta definição é difícil”, relata Eugênio Leal, comentarista esportivo e repórter da Super Rádio Tupi. Como trabalha somente com a voz, a linguagem radiofônica é diferente de outros meios de comunicação, como a televisão ou o jornal, sendo mais Programa Dário de Paula: o amigo da cidade Em Volta Redonda o Programa Dário de Paula há mais de 20 anos transmite notícias para a região Sul fluminense. Criado em 1990, antes mesmo da CBN, e transferido para o modelo FM em 1993, foi o primeiro da região a investir nesse formato, sendo que a maioria das rádios locais tinham uma programação somente musical. “Como estamos no interior, as pessoas não reconhecem esse pioneirismo”, comenta Dário de Paula. O programa vai ao ar de segunda a sexta, das 6h às 10h, e transmite notícias locais – trânsito, clima, polícia -, as manchetes dos jornais diários, tem uma parte dedicada ao esporte, e ainda comunica aniversários, pedidos dos ouvintes e notas de falecimento. “Um serviço de utilidade público que nenhum outro programa faz”, afirma Dário. “Até reclamam porque não sabem quem morreu no final de semana.” A equipe criou também duas rádios no site do programa e que já tocam em algumas lojas da cidade. Foto: Patricia Machado Patricia Machado O programa Tupi na Rede na é transmitido online durante o horário da Voz do Brasil “Muita gente que escuta rádio tem os comunicadores como verdadeiros amigos, nos sentimos perto mesmo não cohecendo o ouvinte” Eugênio Leal emotiva. “O que me fascina muito no rádio é que tem a possibilidade de construir a imagem na mente do ouvinte sobre o que você está relatando”, afirma Eugênio. “É uma coisa meio lúdica, romântica, mas é verdade.” Além disso, o rádio é único meio de comunicação que não exige toda a atenção da pessoa, deixando-a livre para praticar outras atividades. O acesso também é simples, qualquer celular hoje em dia é capaz de captar ondas de rádio, e pode ser levado para qualquer lugar. O rádio pode virar literalmente um companheiro do dia-a-dia das pessoas. “Muita gente que escuta rádio tem os locutores como verdadeiros amigos, nós nos sentimos perto mesmo não conhecendo o ouvinte” completa o comentarista. O rádio valoriza e trabalha com a resposta de quem está ouvindo. Seja para fazer um comentário ou uma denúncia, ele(a) está sempre presente. Na prática, o ouvinte é o maior pauteiro do rádio. “Eu acabo de dizer algo e já tem resposta no Twitter, seja positiva, negativa ou indicativo do que o público quer ouvir”, diz Eugênio Leal. Talvez pela particularidade desse veículo, que cria o clima de proximidade, o ouvinte não se sinta intimidado a entrar em contato com os repórteres. Um exemplo disso seria nas notícias de trânsito, caso ocorra um acidente de carro que crie uma congestionamento, haverá ouvintes pedindo informações – o motivo do acidente, o tamanho do engarrafamento - e outros disponibilizando informações – como rotas alternativas de circulação. Aliás, a web não assusta os jornalistas do rádio. A comunicação entre os ouvintes e os repórteres foi complementada com o auxílio das redes sociais. “Eu não acho que a internet seja um veícu- 27 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - lo concorrente, ela é uma ferramenta que pode ser a favor de qualquer meio de comunicação desde que saiba trabalhar com ela”, afirma Fernando Mansur, professor da Escola de Comunicação da UFRJ e locutor da MPB.FM. “A internet é um instrumento de ampliação do rádio”, completa. Para Eugênio Leal, também responsável pela cobertura do carnaval carioca na Rádio Tupi, a internet amplia a cobertura dos acontecimentos sem precisar interromper a programação. “Na internet, se você quiser transmitir 2 ou 3 acontecimentos ao mesmo tempo é possível. Nós nunca teríamos o espaço para cobrir o carnaval na rádio como temos no site.” Mesmo mais de um século depois da sua invenção, o rádio preserva sua experiência com o ouvinte intacta. O trabalho do jornalismo no rádio não difere muito das outras áreas de notícias diárias, com sua rotina de correria. “Meu chefe brinca que se você quer trabalhar com rádio deve esquecer o resto da sua vida. Realmente é cansativo e uma loucura, mas nós amamos fazer isso”, diz Eugênio Leal. Parece que o repórter é mais um que foi fisgado pelo charme desse veículo criado em 1893. Patricia Valle A maioria dos jornalistas responde a mesma coisa sobre como escolheu a profissão: facilidade de comunicação, interesse por diferentes assuntos, gostar de escrever e odiar matemática. Mas alguns tiveram a incrível surpresa de entrar em um campo bem específico, cheio de números, gráficos e linguajar próprio, difícil de entender: o economês do jornalismo econômico. Quem acabou entrando nesse meio sem querer e se apaixonou foi a repórter especial Cássia Almeida do jornal O Globo. Ela veio ao Rio de Janeiro para trabalhar no jornal econômico e dois anos depois foi chamada para a editoria de economia no Globo. Há 18 anos por lá, ela não deseja outra coisa. “O jornalismo econômico te permite falar de qualquer assunto, desde saúde à violência urbana, de sustentabilidade à política, de pobreza e desigualdade a negócios milionários, do comportamento do bairro à situação econômica internacional. A economia engloba qualquer assunto, é completamente fascinante”, afirma a repórter. Uma das provas de que a economia está em tudo foi a série A terceirização que mata, escrita por ela, e que acabou ganhando o prêmio Esso. A reportagem surgiu numa apuração sobre as reivindicações dos petroleiros e outras categorias durante uma campanha salarial. Três trabalhadores terceirizados da Petrobras tinham morrido em 15 dias. Assim ela, com Ramona Ordoñez, especialista na área de petróleo, e Geralda Doca, em Brasília, começou a apuração. Constatou-se a falta de segurança para os operários terceirizados que faziam as atividades mais perigosas. “Ficou claro a invisibilidade dos trabalhadores mortos no Brasil”, afirma Cássia. Cássia Almeida, Repórter do Globo, afirma que há um esforço em explicar de forma clara O primeiro prêmio que a matéria ganhou foi o Vladimir Herzog. “Foi uma honra muito grande receber o prêmio das mãos da viúva do jornalista, Clarice Herzog”. O que é preciso para ser um bom jornalista econômico? Sem dúvida ter afinidade com os números ajuda, mas não é um pré-requisito. Exatamente porque a economia se relaciona com qualquer área, qualquer assunto pode ser pauta. Mas analisar dados é uma rotina, explica Cássia: “A pauta está voltada para divulgação de relatórios, de resultados de governo, de pesquisas sobre atividade econômica, negócios”, afirma a jornalista. Os especialistas ajudam a traduzir os números, mas cursos de entidades que divulgam com frequência dados ajudam bastante o jornalista a lidar com esse noticiário. Quem está começando também percebe que é preciso estar por dentro desse universo. Daniel Barros era estudante de jornalismo da UFRJ e estagiário da EBX, mas não estava contente com o trabalho de assessoria. Bateu na porta da Revista Exame e pediu uma chance. Atendida. Ele começou o estágio na revista e percebeu “ A economia costuma estampar as manchetes dos grandes jornais vários dias na semana” que era importante estar por dentro da economia. “Saber lidar com gráficos, acho que pode ser um diferencial. É possível ser um repórter de economia medíocre ou estudar e ser minimamente conhecedor do mundo econômico, portanto mais capaz de fazer os raciocínios que uma publicação analítica como a Exame requer. Além, claro, de estar mais preparado para as conversas com economistas, empresários, investidores e administradores públicos.”, analisa o jovem repórter, que foi contratado no final do ano. Daniel percebe que é preciso estudar e se aprimorar para se destacar e pretende fazer um mestrado de economia, mas garante que ler muito a respeito já é um grande passo. “É essencial ter curiosidade, como em qualquer outra parte do jornalismo. Mas é claro, para avançar, tem que se informar. Tem que ler o Valor, tem que ler a Economist, tem que ler o caderno de economia do Estadão... E a Exame também, por que não?”, brinca. Apesar de não saber se ficará na área de economia ou se irá para a política, o jovem jornalista está muito feliz com o que faz: “Eu quero fazer um jornalismo relevante. Quero falar sobre os grandes temas, discutir o que importa para o Brasil, as grandes questões do Brasil. Eu sou um pouco Policarpo Quaresma nesse sentido. A economia, em boa medida, permite isso”. Com o tempo, a tendência é a especialização em um setor da economia. Em todos os jornais existem repórteres especializados e cada repórter é responsável por um setor. “É importante porque, ao cobrir sempre um determinado tema, ele passa a entender mais do assunto e, sobretudo, fazer fontes. Ele [o repórter] vai aumentando seu conhecimento ao longo do tempo”, explica Liane Thedim, que edita o site de economia do O Globo. “É claro que numa situação de crise todo mundo vai fazer aquilo, ou seja, vamos concentrar esforços e puxar repórteres de outras áreas”, completa. Portanto, é preciso sempre acompanhar o que acontece ao redor, fora o seu próprio setor. A internet tem trazido novas oportunidades para trabalho nessa área, que assim como as demais áreas do jornalismo está sofrendo com demissões e a incerteza da continuidade do jornal em papel. Mas ainda é um setor com uma média salarial um pouco maior, porque exige especializações. Cássia investiu em suas especializações e alcançou o sucesso: “Quanto mais especializado o trabalho, mas bem pago ele é. Ainda mais porque, no jornalismo, com o aumento da oferta de mão de obra, os salários estão ficando menores”. Universidades, públicas e privadas, dão cursos de economia para jornalistas, ensinando os conceitos e história econômica. A Bolsa de Valores também oferece cursos rápidos sobre o funcionamento do mercado financeiro. IBGE também faz seminários sobre os indicadores econômicos calculados pelo instituto, principalmente sobre o cálculo do PIB e sobre as pesquisas domiciliares. “Eu já fiz todas essas especializações e cursos”, conta Cássia. Qualquer veículo precisa ter a sua versão on-line hoje em dia, e isso abre um pouco o mercado, mas diminui as redações convencionais. As publicações de peso nessa área têm investido em sites e mesmo nas redes sociais, como a Exame, O Globo e o Estadão. O público desse tipo de jornalismo precisa de uma análise mais profunda, mas também de notícias rápidas para acompanhar o pregão da bolsa, por exemplo, ou para ter uma informação que vale investimento antes dos outros. A economia está de fato em todos os cantos e tem especializações para todos os gostos. 28 Envelhecer nas redações Os degraus da reportagem Repórteres costumam ter vida curta nos principais jornais do país Vivianne Tufani Olga segura laudas de texto na redação de O Globo antes da chegada dos computadores graça”, conta Olga. Na hora de renovar seus quadros de empregados, as empresas também levam em conta o fraco poder de mobilização dos jornalistas recém-formados. Ávidos por conseguir uma posição no mercado, os focas costumam protestar menos contra uma rotina de trabalho mais intensa. “Os focas aceitam jornadas de trabalho mais duras e menos benefícios, que muitas vezes foram conquistados pelos mais experientes à custa de muita batalha com a empresa. Contribui para isso um certo mito de que o jornalismo é uma missão e não uma profissão, e que o profissional deve se submeter à vida dura se quiser obter sucesso”, observa Consuelo Sanchez. Atualmente com 50 anos, ela pisou pela primeira vez na redação de um grande jornal em 1989; dez anos depois, optou por seguir carreira como assessora de imprensa. Hoje, Consuelo trabalha no departamento de comunicação da Petrobras. Oportunidades na crise Para piorar, os jornais ainda batem cabeça na hora de lidar com a famigerada era da informação, em que o imediatismo da notícia, potencializado pela internet, mudou completamente a lógica de produção. Os anunciantes, que bancam toda a indústria jornalística, mínguam no papel, o que leva à redução de custos e, consequentemente, à contratação de repórteres mais jovens - e mais baratos. Essa política, dizem alguns, diminui a qualidade dos jornais, o que leva à queda das vendas e só aumenta a bola de neve. O fenômeno, no entanto, não é uma exclusividade dos veículos brasileiros. Sofrendo com a queda na receita publicitária, os jornais americanos reduziram em 26% suas redações desde 2007. Apesar do cenário sugerir um colapso do mercado, essas reestruturações funcionam como Hoje pouco mais da metade dos jornalistas trabalha na imprensa tradicional uma porta de entrada para os novatos nos grandes jornais. “Comecei na profissão depois de um passaralho. O problema atual é que os jornalistas demitidos não são repostos. Isso deixa os mais jovens sobrecarregados, o que se reflete na queda de qualidade dos jornais”, pontua Olga de Mello. O momento de incertezas no jornalismo divide opiniões entre aqueles que estão começando agora a escrever suas primeiras matérias. Num ramo em que a vocação é essencial para uma carreira longeva, há quem coloque em dúvida as convicções que levaram à escolha pelo curso de comunicação social. Luiz Carlos Ferreira, por exemplo, já pensa em alternativas para quando chegar aos 50 anos. “Espero estar num setor administrativo, de gestão. Caso continue como repórter, pretendo ocupar uma área mais flexível, que me permita ter uma rotina menos estressante”, diz o repórter do Diário Lance!, hoje com 23 anos. Projetando a carreira no ano de 2041, o brasiliense Eric Zambon, de 22 anos, espera ocupar um cargo de chefia. “Quando completar 50 anos quero ser editorchefe de uma revista - digital ou em papel, se ainda existir - especializada em música e esportes. Nas horas vagas, gostaria de praticar meu hobby, que é compor músicas”, afirma. O papel de um bom repórter vai muito além de fazer uma simples matéria. Apurar bem, ter um bom relacionamento com as fontes e os companheiros de trabalho e dominar o idioma são algumas das funções essenciais para uma carreira de sucesso. Alguns repórteres acabam se destacando nesses quesitos pelo bom desempenho e alcançando andares mais altos na carreira de jornalista. Se tornar editor ou diretor FM, e eu fui para lá, como produtor e repórter”. Trabalhar em rádio nunca foi um desejo, mas ele conta que se descobriu e ficou um ano como âncora do jornal da manhã. “Depois de pouco mais de um ano eu fui chamado para voltar para a televisão, como repórter. Foi um período muito importante para a minha carreira, eu aprendi bastante.” Mas Rodolfo não ficou muito tempo nessa função e logo foi chamado para voltar à rádio Band News, onde ficou por três anos e Imagem: Projetteria.com Não é fácil encontrar repórteres acima dos 50 anos nas redações dos principais jornais e revistas nacionais. Segundo a pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro?”, realizada pelo Programa de PósGraduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em convênio com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), apenas 8% dos profissionais da área têm mais de 51 anos - e apenas 55% dos entrevistados atuam em veículos de comunicação. Ainda de acordo com o levantamento da UFSC, praticamente metade dos jornalistas ativos no país têm entre 23 e 30 anos, números que conduzem a uma pergunta inevitável: por que o mercado vem abrindo mão de jornalistas mais experientes? Um caminho para chegar à resposta é analisar os sinais emitidos pelo próprio mercado. No primeiro semestre de 2013, uma onda de cortes - o temido passaralho, jargão jornalístico para demissões em massa - atingiu algumas das principais redações brasileiras. Na Folha de S. Paulo, entre 30 e 40 vagas foram extintas, assim como o caderno “Equilíbrio”; no concorrente O Estado de S. Paulo, o enxugamento foi praticamente o mesmo, com 40 vagas a menos na redação e cadernos mais enxutos. Outra gigante do mercado nacional, a Editora Abril anunciou em 2013 uma reestruturação que afastou de seus quadros cerca de 70 funcionários de vários setores, entre eles sete executivos. Nesse processo de reformas internas, as empresas jornalísticas tendem a se livrar de seus empregados mais antigos em benefício daqueles que estão saindo agora da faculdade de comunicação. O que pode soar como uma política discrimi- natória, na verdade, tem uma explicação econômica: profissionais mais experientes custam mais caro. Além disso, o desgaste do dia-a-dia tende a levá-los para outras áreas de atuação. “A migração voluntária dos profissionais para outras áreas, como as assessorias, é uma realidade. Em razão dos baixos salários pagos pela grande maioria dos veículos de comunicação e das condições de trabalho, que incluem desrespeito à carga horária e pressão contínua, os profissionais que têm outras oportunidades acabam optando por se desligar das redações”, analisa Maria José Braga, vice-presidente da Fenaj. No caso de Olga de Mello, de 52 anos, o primeiro passo para deixar o trabalho na redação foi a maternidade. Trinta e dois dias após descobrir que estava grávida, ela largou o cargo de repórter no Globo. Um ano depois, tentou voltar à velha rotina como redatora do Jornal do Brasil, no qual permaneceu pouco mais de um ano. Ainda teve uma passagem de 10 meses pelo O Dia antes de, finalmente, migrar para a assessoria. “Além da vantagem financeira, o horário de trabalho foi determinante. Sem contar que você chega num ponto que não aguenta mais. Na minha última matéria eu sabia as respostas de antemão, de tanto que já tinha entrevistado aquelas pessoas. A reportagem vai perdendo a Jornalistas que chegaram a cargos de chefia contam suas experiências Rodolfo Schneider: um dos mais jovens diretores do mercado pode ser um sonho, mas só com muito empenho é possível chegar lá. Gerenciar pessoas é muito diferente de ir às ruas atrás de furos jornalísticos. É preciso estar atento ao processo como um todo, trabalhando para que tudo corra da melhor maneira possível. É o caso de Rodolfo Schneider, diretor de jornalismo da Band Rio. Em sua sala, dentro da movimentada redação da emissora, ele conta que passar de repórter para diretor foi uma grande mudança. Formado em jornalismo pela PUC-Rio, Rodolfo começou na Band como estagiário, no setor de apuração, e quando estava se formando acabou indo para outra área: “No meio de 2005, quando eu estava acabando a faculdade, surgiu a Band News meio como chefe de redação. Ele gostava tanto do trabalho que acabou se destacando e, em agosto de 2011, recebeu a tarefa de assumir a direção de jornalismo na Band, formada pela televisão e pelas rádios Band News FM e Bradesco Esporte FM, além do jornal Metro, que também faz parte do grupo. “Quando comecei minha carreira no jornalismo eu sequer pensei que fosse ser repórter de televisão, ainda mais diretor de jornalismo. Tudo aconteceu muito rápido na minha vida, as oportunidades surgiram sem que eu buscasse”, afirma. Mas quem já foi repórter um dia nunca perde o gosto pela adrenalina de conseguir furos jornalísticos, tentar achar a melhor fonte e publicar uma matéria que dê ale- gria de escrever. Por isso Rodolfo conta que mata a vontade de fazer as reportagens e conseguir boas pautas sendo curioso. “Às vezes eu pego o meu almoço e vou para o centro, ando pela Rua da Carioca, buscando respirar o Rio de Janeiro. Quando não tenho reunião eu sempre tento sair pela cidade.” Para ele, não é errado estipular um cargo de chefia como meta. Quando se tem um objetivo é comum se dedicar mais, e com isso, ambos saem ganhando, tanto o profissional, quanto o jornalismo. “O mais importante é trabalhar o seu dia-a-dia, fazendo a melhor matéria que puder, contando a melhor história. Mostrando que tem algo a mais, o repórter ganha confiança, ganha voz, e com isso surgem as oportunidades”, diz. Para aqueles que pensam que um cargo mais alto é sinônimo de tranquilidade na profissão, Schneider explica que não é bem assim, e que, mesmo estando na chefia, tem sempre alguém de olho no seu trabalho: “A empresa me avalia. Se algo desandar, for em outra direção, eles vão fazer uma escolha melhor. Por isso eu preciso estar sempre mostrando qualidade naquilo que faço”. Outro caso de sucesso no jornalismo é o de Aydano Motta, editor do jornal O Globo. Formado pela UFF, ele diz que seu pai não era a favor da sua escolha, e preferia que ele seguisse uma “profissão de gente”. Por isso, Aydano acabou passando em Direito para a PUC-Rio, mas não chegou a completar mais de um semestre. Ele diz que se sente realizado. Não pretende ir além e chegar ao cargo de diretor de redação: “Eu acho ser chefe mais chato do que ser repórter”, diz. Filho de um comerciante e de uma psicóloga, Aydano começou sua car- Foto: acervo pessoal Tiago Nicacio 29 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - Aydano Motta: “O bom jornalista está sempre se informando” reira no jornal O Dia, e não recebia salário para trabalhar. No entanto, sua vontade era tanta que ele ia para a redação até nos finais de semana. Logo depois, surgiu uma vaga no jornal O Fluminense, em Niterói e, como ele era morador da cidade, uniu o útil ao agradável. O jornalista cobria a área de esportes, algo bem diferente do que ele imaginou quando decidiu seguir a carreira. Sua escolha foi feita após assistir ao filme “Todos os homens do presidente”, que conta a história de dois repórteres, que, através de uma investigação, acabam descobrindo o escândalo Watergate, responsável pela queda do presidente americano Richard Nixon. Aydano diz que descobriu o poder da profissão e gostou daquele tipo de jornalismo investigativo, mas não seguiu por esse caminho. Sempre pensando em novas pautas, ele encontrou um universo com muitas histórias curiosas e divertidas: “Eu acabei me especializando no carnaval carioca. Descobri um monte de histórias interessantes que ninguém tinha contado e que eu queria contar”, declara Aydano, que já está escrevendo o seu quarto livro sobre o tema. Com 27 anos de profissão, ele diz que não chegou ao cargo de editor porque alguém o protegeu, mas sim porque trabalhou muito e foi reconhecido. O jornalista, que sempre gostou de escrever, acabou se destacando pela qualidade dos seus textos: “Eu rapidamente me inseri pela valorização do texto, e sempre era puxado para o fechamento do jornal. Acabei me descolando da reportagem e fiquei com o cargo de editor”. Para ele, não há mistério no jornalismo, e o importante é sempre se informar e praticar. “Eu me informo obsessivamente e fico redigindo textos na minha cabeça o tempo todo, porque daí vem a facilidade com as palavras e o domínio do texto”. O mercado é muito concorrido e é preciso se diferenciar da maioria para garantir um lugar na profissão. O repórter tem que se esforçar: “Para você virar editor ou diretor, o caminho é trabalhar direito. Foi o que eu fiz”. 30 Liberdade de expressão Repórteres relatam as vantagens de trabalhar duro na redação da Playboy Vinícius Vieira Fotos: Vinícius Vieira Vários mitos cercam a revista Playboy. Cachês astronômicos para mulheres famosas e observação privilegiada das sessões de fotos pelos repórteres são os mais comentados. A maioria dessas especulações, porém, é falsa. Mas uma palavra que pode descrever a publicação é liberdade. Antes que pensem besteira: essa liberdade traduz-se, principalmente, no processo de elaboração das matérias. Nathan Fernandes, repórter que já trabalha há três anos na revista, revela: “Você pode ser estagiário, editor, o que for, se você sugerir a pauta, é você quem vai fazer. Então, mesmo sendo estagiário é possível, por exemplo, fazer uma grande entrevista”. Ele acrescenta que várias pautas sugeridas por Luan Freires, o mais novo estagiário de Playboy, viraram matérias e entrevistas, o que é ótimo para quem está no começo da carreira, uma vez que possibilita a criação de um “puta” portfolio. Essa opinião de liberdade editorial também é compartilhada pelo editor de redação, Jardel Sebba, no que se refere à regulação do conteúdo internacional. “Nós podemos fazer o que a gente quiser com esse conteúdo. Podemos publicar praticamente a revista americana inteira.” A Editora Abril paga royalties à marca americana para ter acesso a um sistema interno de comunicações no qual é possível ver as revistas pelo mundo publicam. Assim, Jardel diz que aproveita algum material externo quando se publica conteúdo voltado ao público-alvo da revista brasileira. “Já republicamos a 20P [seção com 20 perguntas direcionadas a uma personalidade] com o Tom Cruise e com o Tarantino, por exemplo.” Mesmo assim, Jardel não descarta deixar em banhomaria algumas matérias da Jardel Sebba, editor de redação: “Nós nunca fizemos pornografia. O que eu acho que ocorre é uma interseção de público” playboy americana. “Nesse mês, a 20P que a gente recebeu é do anão da série Game of Thrones [Tyrion Lannister, interpretado pelo ator Peter Dinklage]. Se precisar podemos usar, se alguma coisa der errado, está lá.”, diz. A liberdade editorial da Playboy faz parte de uma estratégia para manter bons jornalistas em seu time. Mesmo sendo homossexual, Nathan diz que não trocaria a revista masculina para trabalhar numa voltada para o público gay. “Quer dizer, ganhando bem, eu iria, mas se eu pudesse escolher entre a G Magazine e a Playboy eu ficaria com a última, sem dúvida, porque é um lugar muito livre”, brinca o foca. O repórter já passou por várias redações do grupo Abril, como a Veja, Women’s Health, Mundo Estranho e Superinteressante, contudo ressalta a contradição entre a seriedade desses lugares e a liberdade no trabalho atual. Mais uma vez, essa liberdade não está associada às mulheres peladas. “Na Playboy a gente fica até tarde, mas fala besteira e entra em site de putaria. Não tem uma pressão para você se comportar de ou- tra forma, mesmo sendo gay ou não, e acho que isso não tem em outra revista.” Se na redação de uma revista cujo target é masculino heterossexual tem um repórter gay na redação, por que também não poderia ter uma mulher? Uma curiosidade comprova a disposição da Playboy para contratar um bom profissional, independente de gênero ou orientação sexual: a redação foi chefiada, durante sete anos, pela jornalista Adriana Negreiros. Desde que a revista mantenha a qualidade que adquiriu ao longo dos quase 40 anos de existência, mantendo o foco no público-alvo, Jardel acredita que não há nenhum problema que tenha os mais diversos tipos de jornalistas. “Temos que olhar para quem estamos escrevendo e por isso é que nós temos um repórter homossexual e não há problema nisso, não tem problema ter uma repórter mulher, porque não somos nós, é o produto que estamos fazendo. Então, esperamos que eles não se amarrem a gênero, raça ou questão pessoal”, pontua. A Playboy também ousa porque permite aos seus jornalistas trazer as curiosidades, angústias e vontades pessoais como inspiração para as pautas. Segundo Jardel, quando um repórter propõe uma matéria sobre fetiches ou turismo, por exemplo, é porque esse jornalista tem algum interesse. Pode ter sido um fetiche que levou Nathan a fazer uma matéria sobre um casal de Brasília para a edição de maio. “A menina ficou toda pelada. Ele amarrou os braços e as pernas dela, usou uma mordaça, uma corrente, uns brincos de pressão no peito e a deixou lá na varanda, se exibindo. A cada amarração, o homem me explicava o que eles faziam. Foi bem divertido”, lembra. A revista dedica um espaço para os leitores tirarem suas dúvidas sobre qualquer assunto. Numa revista como a Playboy, é natural que grande parte desse conteúdo seja preenchido com as mais pitorescas perguntas sobre sexo e comportamento. Nathan, responsável por editar esse espaço, declarou que a pergunta mais indiscreta que a equipe recebeu veio de uma garota cuja curiosidade era saber sobre anal giratório (variante do sexo anal na qual o coito acon- 31 - Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - tece com a mulher sentada no seu parceiro, tentando fazer um movimento de 360 graus). “A gente até cogitou fazer um infográfico para mostrar o que era um anal giratório, mas ficou só no escrito mesmo”, diz Nathan. Embora as respostas estejam recheadas de trechos bem-humorados, todas são respaldadas por especialistas. A equipe já se surpreendeu com as respostas obtidas dos médicos, encontrando lógica onde só pensavam se tratar de uma dúvida esquisita. “Nesse mês, a gente recebeu uma pergunta de um cara dizendo que gostava que a mulher gozasse na boca dele, mas que o esmalte do dente estava saindo e o dente estava ficando sensível. Quando apuramos, descobrimos que tem a ver”. Outro espaço da Playboy que merece destaque, pela grande espaço dedicado à seção e – consequentemente – pela quantidade de polêmicas reveladas é as entrevistas. Constituindo-se como um caso raríssimo diante de uma imprensa cada vez mais breve, Jardel destaca que os principais critérios para seleção dos entrevistados são a relevância, a diversidade de assuntos e importância, de alguma maneira, para a história do Brasil. Afinal, o escolhido tem de dominar uma variedade de assuntos a fim de ocupar a grande lacuna. “A gente tem que ter tempo com as pessoas, elas não podem dar uma entrevista com pressa e isso resulta numa estratégia de entrevista que permite que elas digam coisas que elas não dizem em outros lugares. Nós não podemos dar uma entrevista de oito páginas para alguém que não tenha muito a dizer. Então, os critérios são relevância e a longevidade”, pondera. Evidentemente, uma personalidade pode se tornar um entrevistado de Playboy mais de uma vez. Mas a publicação costuma dar uma distância de até 10 anos de uma entrevista para outra. Àqueles que ainda não foram entrevistados e sentiram sua importância diminuída, Jardel explica: “Isso não quer dizer que as pessoas tenham mais ou menos qualidades. Sabemos da importância do Criollo para o cenário musical atual, mas não faria sentido para a gente entrevistá-lo, porque ele está no primeiro disco mainstream, está começando uma carreira”, afirma. Um famoso que tem sua importância costumeiramente discutida é Neymar. Num país campeão de cinco copas do mundo e com o futebol ocupando um espaço importante para o target da revista, a presença do jogador nas páginas é sempre revisitada: “Será que não faz mais sentido entrevistar o Neymar daqui a dois anos? Ou daqui a três anos? Ou daqui a um ano, no torneio de 2014? A gente sempre tem medo de queimar a largada porque a entrevista de Playboy tem que ser algo mais substancioso”, argumenta Jardel. Como a Playboy, em geral, tem três seções de entrevistas (a principal, o 20P e a integrante do pôster), os critérios de seleção acima não conseguem excluir aqueles famosos que se destacam por seus ataques de estrelismos. Editor de algumas dessas en- Reedição de um número com Marilyn Monroe. Abaixo, capas são afixadas na parede da redação trevistas, Nathan pareceu realmente incomodado ao relatar a experiência de arrancar algumas respostas de Bárbara Evans (filha de Monique Evans). “Eu a entrevistei duas vezes e foi bem complicado porque, além de ter chegado horas atrasada, ela achava que era estrela. Tem coisas que eu acho que não precisa. Por exemplo, ela me fez esperar um champanhe gelar para poder começar a falar comigo porque queria fazer a entrevista gelando o champanhe”, desabafa. O conteúdo obsceno facilmente compartilhado na Internet deveria deixar os responsáveis pela Playboy descabelados. E, aqui, não se refere ao termo “descabelar o palhaço”. De fato, conforme Jardel, a diminuição e es- pecialização do público são observados com certa apreensão, mas não atingem de maneira certeira a revista. A começar porque os dois veículos trazem abordagens diferentes para atiçar a libido masculina, de acordo com a explicação dele. “Nós nunca fizemos pornografia. O que eu acho que ocorre é uma interseção de público da abordagem erótica disponibilizada por Playboy e a da pornografia. Esta última sempre existiu, mas hoje talvez seja de mais fácil acesso em função da digitalização das coisas.” Observando o contexto numa escala mais ampla, Jardel aponta que todos os veículos impressos perderam público com a formação da rede mundial de computadores, independente do conteú- do. Mesmo assim, a marca Playboy se diversifica para encarar o novo cenário e o redator-chefe garante que este não é o fim da revista. “Uma revista como a Playboy, com a marca e a tradição que tem, nunca vai morrer. Poderá se restringir, poderá se dirigir a um público menor, poderá entrar em outros formatos, tais como conteúdo para smartphones e tablets, além das rádios online, mas a pornografia em si não nos atingia nos anos 80, na época ds revistinhas de sacanagem, da mesma forma que o Redtube (site que exibe vídeos gratuitos de sexo) não nos atinge hoje. Acho que a gente fala outra coisa”, opina. Algumas pessoas preferem deixam o melhor por último. O jornalista que vos fala, também. Então, vamos passar a cereja do bolo? No caso da Playboy, a cereja manifesta-se na mulher da capa. Pelo menos, é o que o Jardel, a partir das várias passagens por revistas masculinas, diz. “A mulher da capa é o símbolo mais forte do bem viver, do prazer, da libido, da celebração. A seleção dessa mulher ocorre por uma série de fatores, mas sempre se deve observar o histórico criado, que é o de ter mulheres conhecidas. Acabamos virando reféns disso”, reconhece o redator-chefe. Ao contrário do que acha o senso comum, não são pagos valores monumentais para um cachê de capa, uma vez que uma revista também é um negócio e as “contas tem que fechar todo o mês”, como diz Jardel. A dificuldade em equilibrar despesas e receitas é uma dos fatores que levaram o recém-diretor de redação, Thales Guaraci, a dar um novo direcionamento à cereja do bolo de Playboy: “Ele quer trabalhar com meninas bonitas que não sejam necessariamente como as que foram capa até agora. Ou seja, não teremos mais nenhuma ex-BBB e nem panicat ao longo desse ano e a gente vai partir de vez para uma opção que Playboy fez muito ao longo do tempo, que é de criar suas musas, revelar novas belezas, novos rostos, ou seja, fazer o caminho inverso. Isso é um plano de trabalho”. Seja qual for a estratégia adotada, uma coisa é certa nos ensaios fotográficos: para a infelicidade geral dos focas da ECO, a entrada de repórteres é controlada. “As meninas querem ficar à vontade. Então, geralmente os profissionais chamados para o ensaio são o fotógrafo, o produtor e o assistente. Eu estive no estúdio duas vezes, mas não cheguei a vê-las abrindo as pernas”, confidencia Nathan. Mesmo assim, acredito que até aqui foram apresentados motivos suficientes para que enviem currículos para Playboy assim que terminarem de ler essa matéria. 32 Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 - A nova era do Jornalismo A tecnologia passou de recurso a editoria e mudou a rotina das redações Marlon Câmara O jornalismo trocou as ruas pelo computador. Se as principais atribuições da profissão sempre foram sair à rua, caçar furos e conseguir boas aspas, hoje ficar sempre ligado nas redes sociais, escolher as palavras certas e pensar formas de transformar o fato em serviço está se tornando algo cada vez mais essencial. O “jornalismo virtual” ainda não tomou conta de todos os veículos, mas vem se tornando uma vertente cada vez mais forte, principalmente em uma editoria que vem ganhando muita importância nos dias atuais: a da tecnologia. O jornalista do ramo da tecnologia precisa es- Para Allan Melo, editor de Celulares e Tablets do site TechTudo, o furo não é mais um grande diferencial entre os jornalistas tar sempre atento às novidades e atualizações do ossos do ofício. E acho a popularização da web. Muitos blogs consegue “males” do jornalismo mercado e da indústria e, que a tecnologia vem para Com o surgimento das dar um furo dias antes virtual, já que servem por isso mesmo, não pode somar neste caso. Afinal, redes sociais, em especial dos grandes portais, mas constantemente de refedesgrudar da tela do com- facilita muito o acesso à do Twitter, em que as in- poucos conseguem a au- rência para grande parte putador – e, aproveitando informação. É um modo formações são dadas em diência que aquela notícia dos veículos, deixando a onda, do seu smartpho- prático de fazer jornalis- tempo real e com grandes merece. E quando a no- as notícias muitas vezes ne ou tablet. A apuração mo”, opina o jornalista. repercussões, as pessoas tícia ganha audiência, aí com a “mesma cara” e acontece na própria rede, passaram a se informar ganha quem deu mais in- sem abordagens diferenpor meio das páginas sosimultaneamente ou até formações e explicou me- ciadas entre os veículos. ciais, de vídeos e de “vamais rápido do que os lhor. Quem transformou De acordo com Thiago zamentos” ou rumores. próprios veículos de co- o fato em um serviço”, Barros, este é um dos “É preciso Por isso, com esta nova municação. conta Allan. motivos pelos quais ele rotina, sair à rua se torDesta forma, a simO jornalista, de 26 acredita que a nova forma esquecer tudo nou mais uma forma de ples velocidade da notícia anos, continua saindo da de se fazer reportagens sobre furo perder do que de ganhar deixou de ser uma arma redação com alguma fre- nunca se tornará definitioportunidades. tão forte do “jornalismo quência, considera muito va: “O jornalismo virtual jornalístico. Para o freelancer de virtual”, e o “furo”, outra mais produtivo ficar em é ótimo, mas tem coisas Hoje, pouco tecnologia e blogueicaracterística clássica da frente ao computador. que você só percebe ro Thiago Barros, de 23 importa quem profissão, se tornou qua- “Não há necessidade de pessoalmente. Nessa anos, que escreve para o se obsoleto. Para Allan ir a outra cidade para entrevista, por exemplo, deu a notícia site de esportes UOL e Melo, editor da área de descobrir que um plano certamente eu falaria para a página de tecnoMobile do portal de tec- novo de Internet foi lan- com você de uma outra primeiro” logia TechTudo, além de nologia TechTudo, da çado, mas se sentirmos maneira se estivéssemos manter um blog pessoal Allan Mello, editor Globo.com, hoje existem que vale a pena ir até lá frente a frente. Além sobre viagens, a chegada do site TechTudo outras maneiras de conse- para perguntar diversos disso, nem sempre há da tecnologia à profissão guir que a matéria tenha detalhes sobre esse plano como sobreviver somente ainda tem seus pontos destaque que não envol- ou tentar arrancar outra de apuração virtual. Por negativos, mas já mostra vem tempo. informação, nós vamos. conta desses fatos é que Nos últimos anos, a um grande potencial: “Antes de tudo, é pre- No final, as assessorias de eu não acredito nem que “Este modelo tem suas internet se tornou uma ciso esquecer tudo sobre imprensa são as grandes o jornalismo impresso fundamen- furo jornalístico. Isso fa- culpadas dessa nova era. vá acabar algum dia. vantagens, como a prati- ferramenta cidade e a facilidade de se tal para o repórter de zia sentido naquela época Eles estão sempre dispos- Todas as mídias tem sua poder trabalhar de qual- qualquer área, que pode em que, para dar uma no- tos a dar informações por importância e suas caracquer lugar, sem a necessi- apurar fatos, aprofundar tícia, era preciso esperar telefone ou e-mail, muitas terísticas. A virtual, por dade de uma redação para assuntos e até fazer en- a montagem da edição vezes com resultados me- mais que seja mais rápida todos. No entanto, a falta trevistas de maneira mais seguinte do jornal. Hoje, lhores e com mais rapidez e mais prática, também é de participação presen- rápida e simples. Porém, pouco importa quem deu do que presencialmente”, mais fria, mais impessocial em eventos e cober- o que parecia ser só uma a notícia primeiro. O que explica. al”, conclui o freelancer, vantagem também gaturas externas é um ponto importa é quem informou As assessorias, por si- que foi contatado para negativo. Mas é aquilo: nhou um lado ruim com melhor e para mais gente. nal, são um dos grandes esta entrevista por e-mail.