JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA

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JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA
JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 23 - 2013/1
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Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Reportagem em livro
Os jornalistas que mergulham fundo para contar uma
história e não se contentam com poucas páginas
Melissa Lobato
Antes mesmo de ser
pensada como gênero jornalístico, a reportagem já
dava seus primeiros passos no Brasil em 1897. Um
dos livros mais conhecidos
da literatura brasileira, Os
Sertões nascia de relatos
da Guerra de Canudos
para o jornal O Estado de
São Paulo, quando Euclides da Cunha foi cobrir o
evento como enviado de
guerra. Assim como Os
Sertões, algumas histórias não tiveram seu fim
ao saírem estampadas nos
jornais e acabaram virando livros-reportagem.
Em meio a matérias
que buscam responder as
perguntas básicas para o
leitor, os livros-reportagem ganham destaque por
trazerem uma compreensão mais ampla dos fatos,
ultrapassando a fronteira
do imediato e oferecendo
uma abordagem das causas e consequências. Os
jornalistas experimentam
diferentes procedimentos
no que diz respeito à captação da realidade e busca
de novos ângulos, o que
exige mais tempo do que a
imprensa está interessada
em dispensar na cobertura
de um assunto.
Depois de Euclides
da Cunha, muitos outros
jornalistas também mergulharam fundo em uma
realidade e dedicaram-se
a reconstrui-la quase que
inteiramente. “Os livrosreportagem trazem um
grande volume de informações que não cabem
nas páginas dos jornais
e exigem, por isso, um
maior compromisso com
a compreensão dos fatos”,
afirma Klester Cavalcanti,
premiado autor dos livros
Viúvas da terra, O nome
da morte, Direto da selva,
e o recém-lançado Dias de
inferno na Síria.
Há pouco mais de um
ano, Klester foi enviado
para a Síria como correspondente da revista Istoé,
com a difícil missão de cobrir a guerra civil naquele
país. Com a documentação
regularizada, ele deixou
sua casa em São Paulo
rumo ao epicentro do conflito, na cidade de Homs.
Lá, acabou sendo preso
com outros 20 detentos,
o que lhe rendeu muitas
histórias para contar e um
livro publicado. “Na prisão eu acabei encontrando
um novo ponto de vista do
conflito. Foi onde conheci
personagens e vivi situações que deram origem ao
Dias de inferno na Síria”,
afirma ele.
Autor do prefácio do livro de Klester e com três
livros-reportagem publicados, Caco Barcellos conta
que a vontade de escrever surgiu nos tempos de
menino, quando ouvia os
trovadores, “aqueles que
contam histórias acompanhados de um violão”, no
bairro onde morava, em
Porto Alegre. Em um de
seus livros, Abusado, Caco
denuncia a entrada do Comando Vermelho na favela
Santa Marta em quase 600
páginas, resultado de um
profundo trabalho de apuração e de algumas noites
dormindo em barracos.
Ao falar de suas referências no jornalismo,
Caco logo revela: “Sempre
gostei muito dos escritores
de não-ficção, e eu tinha
vários ídolos, entre eles
o Truman Capote, o Gay
Talese, aquela turma”. A
turma a que ele se refere
são os percursores no New
Journalism, um jornalismo
mais detalhado e intenso,
que se apropria de técnicas
da literatura e que contribuiu de forma significativa
para o reconhecimento do
livro-reportagem nos Estados Unidos.
Uma das inspirações
de Caco, o ex- repórter
especial Gay Talease mergulhou fundo na história
do mafioso norte-americano Bill Bonanno,
esperando mais de cinco
anos para que conseguisse lhe arrancar confissões
e então publicá-las. Em
Honra teu pai, Talease entra no universo de uma das
chamadas Cinco Famílias
de Nova York e traz um
novo olhar sobre a máfia,
deixando de lado todo o
romantismo que até então
era visto em obras como O
poderoso chefão.
Outro jornalista que
também se arriscou nesse submundo foi Roberto
Saviano, que hoje vive
recluso por ter exposto a
atuação da Camorra, organização que funciona
como um Estado paralelo
e responsável pelos maiores indices de violência da
Europa. O seu livro, Gomorra, é considerado por
muitos a obra mais arrebatadora já produzida sobre a
máfia de Nápoles até hoje.
No Brasil, os livrosreportagem vêm cada vez
mais ganhando reconhecimento, com nomes como
Zuenir Ventura, Fernando
Morais, Caco Barcellos e
Klester Cavalcanti. O que
pode ser visto fora dos
jornais e revistas é um
jornalismo capaz de investigar a fundo a realidade
e interpretá-la de novos
ângulos, formando leitores informados, críticos e
responsáveis.
EXPEDIENTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Carlos Levi
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
Direção
Ivana Bentes
Coordenação do Curso de Jornalismo
Cristiane Costa
Núcleo de Imprensa
Elizabete Cerqueira coordenação executiva
Cecília Castro programação visual
número 23 - 2013/1
Informativo produzido pelos alunos
da Escola de Comunicação da UFRJ
na disciplina de Jornal Laboratório
Coordenação Acadêmica
Cristiane Costa
Coordenação gráfica e design
Cecília Castro
Este número foi produzido com matérias elaboradas
pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório.
TIRAGEM: 500 exemplares
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Eles são o oráculo
O jornalismo parcial nerd do Delfos mistura humor, opinião e bacon
Beatriz Felix
Um ditador do século
21 comanda um núcleo
de agentes que planejam
dominar o mundo via internet. Parece enredo de
ficção científica, mas é
sob essa narrativa fantasiosa que a equipe do
delfos.jor.br se apresenta
em suas páginas – sem
dispensar uma dose explícita de nonsense. O site
foi criado em 2004 pelo
publicitário, jornalista (e
suposto líder totalitário)
Carlos Eduardo Corrales.
O que começou como um
blog para matar o tempo
ocioso em uma agência de
publicidade em São Paulo conta agora com mais
nove colaboradores oficiais, uma rede de leitores
que também contribuem
com textos Brasil afora e
uma mascote simpática, o
dragão Alfredo.
Um dos integrantes
mais antigos do atual
staff, o jornalista Carlos
Cyrino traça o perfil do
público-alvo do Delfos:
“São apaixonado por elementos da cultura pop”.
Para satisfazer essa demanda, o site se divide em
seções de games, cinema,
literatura, música e TV,
recheadas com análises
críticas, resenhas, notícias, entrevistas e rankings temáticos no estilo “os
piores filmes do ano”. Mas
esse jornalismo-culturalnerd qualquer um faz, não
é?
Não. A característica
mais marcante na linha
editorial é o tom de humor
que conduz as matérias,
já que “é difícil competir
com um site informativo”,
como diz Corrales. Você
pode já ter lido aquela
notícia sobre o Homem
de Ferro, mas “aposto
que você nunca se divertiu tanto”. As ferramentas
para fazer rir estão nos
detalhes do texto: ironia,
hipérboles,
referências
ao mundo do entretenimento, trocadilhos com
nomes de personalidades.
Para anunciar uma estreia
no cinema, a integrante
Taís Boeira pode escrever
“Kick-Ass 2 chutará nossas bundas em 16 de agosto”. Corrales confirma:
“A gente se diferencia na
forma de passar a informação”.
No conteúdo, também.
Fugindo
do
modelo
imparcial e objetivo de
jornalismo, o Delfos
prega a inclusão do autor
em cada matéria. Daniel
Villela, outro jornalista da
equipe, revela o próprio
making-of da reportagem,
assim como alguns outros
integrantes do site também fazem. Ele já contou
o que teve que passar para
chegar a entrevistas coletivas em transporte público
lotado e sobre como uma
jornalista “bombardeou os
convidados com perguntas desconcertantes e sem
noção”. Daniel considera
essa parte importante.
“Deve ser muito engraçado quando alguém lê que
um cara realmente andou
da estação Brigadeiro
Faria Lima até o fuckin’
Shopping Vila Olímpia
[distância de 4 km até o
local da coletiva de imprensa] apenas porque não
conhecia São Paulo.”
O humor também dá
espaço à variedade de opiniões e formas de expressão. Totalitarismo, só na
piada. “Cada pessoa que
entra traz uma cor diferente”, conta Corrales, que
já chamou vários leitores
para compor a equipe oficial e considera que textos
que ele mesmo nunca faria
não deixam de ter “a cara
do Delfos”. A liberdade é
garantida pela autonomia
em relação a empresas
anunciantes – gravadoras
e distribuidoras, como
Sony e Warner; desenvolvedores de jogos e de consoles, como a Nintendo;
e editoras como a Panini,
que se destaca na publicação de quadrinhos. Corrales reconhece que, caso o
projeto tivesse o apoio financeiro tradicional dado
à imprensa, todos ficariam
“de rabo preso”.
Sem fins lucrativos,
o site vive em constante déficit para arcar com
os custos - desde o pagamento dos membros
da equipe até a compra
de CDs para resenhar. O
editor-chefe conta que a
Carlos Corrales é publicitário, jornalista e editor-chefe do
oráculo de notícias nerds nas horas vagas
renda é praticamente inexistente, e o sistema para
receber doações de internautas é pouco utilizado.
“Se o site conseguisse ser
mantido pelo público, nós
manteríamos a imparcialidade. Se cada um doasse
R$ 5 mensais, daria para
a equipe ser bem remunerada. Mas acho que isso
não vai acontecer”, explica Corrales. Mesmo sendo
um site pequeno, o Delfos
se debate com uma questão da grande imprensa:
“As pessoas não estão
acostumadas a pagar por
conteúdo na internet”.
Sem receber um tostão, a
equipe divide o site com
suas rotinas diárias. Eles
estão espalhados: São
Paulo, Guarulhos, ABC
paulista, Rio Grande do
Sul, e se comunicam por
e-mails semanalmente. As
reuniões presenciais só ficaram mais frequentes em
2011.
Todo o empenho dos
delfianos parece vir do
fato de que, antes de comunicadores, eles foram
fãs. De games, de rock, de
filmes, de quadrinhos ou
do próprio Delfos. Há um
sentimento de comunidade e até uma tradição de
piadas internas. Misturar
“ruivas com bacon”, classificar um filme medíocre
como “filme nada” e um
de ação como “testosterona total”, mandar alguém
“ouvir pagode” como
ofensa. Parece incompreensível? “O público
se sente parte da turma”,
argumenta Corrales. Existem planos futuros para
modernizar a participação
dos internautas, quer dizer, delfonautas. Mas esse
segredo de Estado o ditador não revela.
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Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Passo fora da passarela
Entre backstages e entrevistas, como é a cobertura do Fashion Rio
Da fila A do Fashion Rio, a visão privilegiada de um badalado editor de moda da fila final do desfile de Verão 2014 da Herchcovitch
Beatriz Medeiros
Noite de quinta-feira
no Espaço AfroReggae,
no morro do Cantagalo,
Rio de Janeiro. Entre modelos, estilistas, fotógrafos, jornalistas, assessores de imprensa e artistas,
convidados usando bolsas
que custam mais de quatro dígitos dançam samba
enquanto, em outro canto
do prédio, Elba Ramalho serve bobó de camarão em copinhos de café.
Podia ser a cena de um
programa de TV ou série, mas foi apenas a festa
de aniversário dos cinco anos do site de Lilian
Pacce, durante a edição
de Verão 2014 do Fashion
Rio, mas o clima não era
de trabalho. Raisa Carlos
de Andrade estava lá. “O
bobó de camarão custou
R$ 5 por um copinho,
mas senti que paguei pelo
serviço”, conta.
A jornalista já trabalhou em três edições da
semana carioca, como
repórter da revista Contigo!, mas, desta vez, pôde
realizar o seu sonho de
trabalhar
diretamente
com esse universo, como
repórter freelancer do site
FFW - o veículo oficial
das principais semanas
de moda brasileiras, o
Fashion Rio e a São Paulo
Fashion Week, organiza-
das pela Luminosidade.
“Senti bastante diferença
nesta última temporada
porque mudei o foco. Antes cobria tendências de
uma forma mais direcionada à massa, mais focada nos famosos e até na
vida pessoal deles. Nunca
me focava em um olhar
sobre a moda, por mais
que me interessasse por
isso. Estava ali para um
outro perfil editorial, o da
Contigo!.Pelo FFW pude
finalmente me voltar para
o que mis gosto e isso foi
bem especial”, compara
Raisa, que chegou a usar
a presença na semana de
moda como justificativa
para comprar um sapato
novo – que machucou o
seu pé durante um dia inteiro de trabalho.
Trabalhar no FFW deu
a Raisa mais algumas
vantagens além de mudar
o foco da cobertura. Por
ser o veículo oficial do
Fashion Rio, a jornalista
tinha uma credencial de
“Produção”, que dava a
ela acesso liberado aos
backstages e desfiles (que
são restritos aos outros repórteres), além da sala de
imprensa, liberada para
todos os profissionais credenciados. “O FFW tem
entrada liberada, o que
facilita bastante o processo. Por outros veículos a
gente precisa de convites,
selos, e acaba perdendo
bastante tempo com isso.
Credencial que facilita é
outra coisa...”, admite a
repórter.
Para os profissionais
com credencial de Imprensa, a história é um
pouco diferente... Nesta
edição do Fashion Rio,
montada na Marina da
Glória, os desfiles foram
divididos em duas salas,
cada uma com dois camarins, para facilitar a
logística de arrumação
dos cenários, roupas, provas de roupas e beleza.
Na entrada dos camarins
(ou backstages, como os
fashionistas gostam de
chamar), seguranças e as-
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- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
sessores de imprensa das
marcas que estão em cada
sala controlam quem entra e quem sai. O jornalista chega até o assessor, se
identifica, fala para qual
veículo trabalha e qual
é a sua pauta. Alguns só
precisam tirar fotos das
araras onde as peças a serem desfiladas estão penduradas e da beleza dos
modelos, outros precisam
entrevistar estilistas, maquiadores e modelos - ou
todas as alternativas anteriores. Às vezes a ordem
de chegada é respeitada, a
não ser que alguma equipe de algum veículo parceiro da assessoria ou da
semana de moda chegue –
elas sempre têm prioridade, como a de Lilian Pacce, que apresenta o GNT
Fashion, no canal pago
GNT. Também é comum
ver veículos de maior relevância no universo da
moda passarem à frente
dos que esperam há mais
tempo (e este tempo pode
chegar a algumas horas),
como a revista Vogue.
Quando a entrada é autorizada, os profissionais
recebem um cartão com o
nome da marca que estão
indo cobrir, para ajudar
a identificação dos seguranças dos backstages.
A quantidade de cartões
é limitada e motivo de
muita confusão e atrasos,
tanto na cobertura quanto nos desfiles, afinal, a
apresentação só pode começar quando o estilista
acaba de dar entrevistas, todas
os modelos estão
maquiados, com
os cabelos arrumados e vestidos
com todas as peças
designadas a eles.
Tanto tempo na
cobertura de um
backstage pode inviabilizar a presença nas grandes atrações de uma semana
de moda: os desfiles.
Raisa cobriu quase todos os backstages dos
25 desfiles do line-up
do Fashion Rio, focada
na beleza dos modelos
que subiam à passarela e
também em outras pautas
que surgiam na observação da movimentação dos
estilistas, modelos e convidados. Desse montante,
assistiu a apenas dois des-
files. “Com tanta matéria,
não tive tempo de assistir
mais. Por nunca ter feito
moda, quis entender mais
e peguei pautas de quem
faz aquilo acontecer”, explica.
Assim como os editores de moda e os curiosos
que ficam nos corredores
em busca de convites, repórteres que trabalham na
cobertura de tudo o que
acontece fora da sala de
desfiles também querem
ver o que rola naqueles
mágicos minutos em que
as luzes se apagam, as
câmeras no PIT de fotógrafos ficam a postos e
uma coleção é apresentada pela primeira vez.
Tanto a entrada quanto
um lugar na sala de desfiles são motivo de disputa
acirrada. Caso não tenha
convite, o repórter precisa ficar por perto dos assessores de imprensa que
controlam a distribuição
dos ‘tickets dourados’ nos
minutos que antecedem o
início do desfile, na esperança de poder conseguir
algum dos que sobraram.
Com o convite em mãos,
é preciso procurar o lugar
reservado para você.
Apenas as filas A e B,
onde são reunidos os editores de moda, artistas
e convidados especiais
das marcas, têm lugares
marcados – às vezes, as
cadeiras numeradas se estendem até a fila C.
Dos 25
desfiles do
line-up do
Fashion Rio
Verão 2014,
Raisa assistiu
a apenas dois
No Fashion Rio, cada
sala de desfiles tinha cinco fileiras de cadeiras.
Mas e o presente – ou o
‘jabá’, como são chamados os mimos distribuídos pelas marcas? Bem,
quando eles existem, são
restritos à fila A, e, com
muita sorte, à fila B. Há
quem tente surrupiar o
presentinho alheio, que
fica à espera de seu dono
sobre o banco, mas os
seguranças desta temporada repreendiam todos
os ‘ladrões de jabá’ assim
que eles eram flagrados e
pediam para que as lembranças fossem devolvidas para os seus lugares.
Por conta da agitação no
backstage, a espera pelo
início de um desfile pode
ser de 15 minutos até uma
hora e meia após o horário
marcado – caso da última
apresentação de Lenny
Niemeyer.
Credenciais
de Imprensa e Produção,
das temporadas de moda que Raisa
cobriu pela Contigo! e FFW, respectivamente
As luzes se apagam,
a trilha sonora ecoa pela
sala de desfiles no mais
alto volume, mas não o
suficiente para calar o
barulho das dezenas de
câmeras no PIT de fotógrafos, que fica no final
da passarela, para o qual
os modelos posam na metade do trajeto – ou não, a
nova mania é não parar e
nem fazer pose para as fotos. Enquanto atravessam
a passarela, os cabelos,
maquiagem, unhas, acessórios, roupas, sapatos,
tudo é analisado pelos
editores de moda sentados
na primeira fila e anotado
em seus respectivos bloquinhos, iPhones e iPads,
para posteriores críticas e
resenhas da apresentação.
A fila final, aquela formada por todos os
modelos juntos, deixa a
passarela, o estilista aparece na boca de cena para
o agradecimento e, antes
mesmo das luzes acenderem novamente, a plateia começa a se levantar
para sair da sala. Desfiles
longos duram cerca de
10 minutos. No caso do
Fashion Rio Verão 2014
de Raisa, foram, no máximo, 20 minutos assistindo
às novidades atravessando a passarela.
Mas também há deslumbre e encantamento
por detrás daquele corredor iluminado. De todas
as reportagens feitas na
semana de moda cario-
ca, uma em especial deixou Raisa com os olhos
brilhando por semanas:
entrevistar Zee Nunes,
poderoso diretor de desfiles. “Foi uma coisa que
me encantou muito, profissionalmente falando, e
acho até que o texto está
aquém do quanto aquilo me encantou. Era uma
pessoa que eu não conhecia até então”, diz. “Gosto de entender a visão da
vida de quem trabalha
muitas horas para aquilo
acontecer. A moda nos
desperta muitos desejos e
muito disso tem a ver com
a capacidade desse tipo de
gente, que fica ali 18 horas, com o maior prazer
do mundo, amando o que
faz”, comenta.
No fim da maratona, o saldo foi positivo.
Apesar da falta de tempo
para ver desfiles e do pé
machucado pelo sapato
comprado especialmente para a ocasião: “É um
perrengue muito bom.
Acho que o melhor é encontrar os amigos e ver
tudo antes”, acredita.
“Muita gente fala hoje
que a moda é chata, repetitiva, comercial. Pode até
ser, já deve ter sido muito melhor, mas ainda sou
muito feliz ali. Gostaria
de ter mais prazo com os
textos, mas isso serve pra
mostrar para a gente que a
vida real não tem nada de
sofisticada.” Que o digam
os furtadores de jabá...
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Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Jornalismo além do futebol
A vida profissional de um jornalista que prefere as quadras ao gramado
Rio de Janeiro, Maracanã, 30 de junho de 2013.
O Brasil campeão da
Copa das Confederações
com uma vitória impecável por 3 a 0 sobre a
toda poderosa Espanha. A
torcida festejava e muitos
jornalistas estavam prontos para tirar férias após
15 dias de muito trabalho,
viagens e noites mal
dormidas. Mas nem todos
os jornalistas esportivos
estavam no Maracanã naquele domingo. Porque o
Brasil é o país do futebol,
mas a profissão não é o
jornalismo futebolístico.
Com as Olimpíadas
desembarcando no Rio
em 2016, cada vez mais
profissionais estão se especializando nos esportes
outrora chamados “amadores” e que hoje recebem
a alcunha de “Olímpicos”.
Práticas comuns no país,
como vôlei e basquete,
e outras que costumam
chamar menos atenção,
como remo e esgrima,
serão o foco da atenção
do mundo inteiro no instante em que que o árbitro
apitar o fim da Copa do
Mundo no ano que vem.
Basta
fazer
uma
pequena pesquisa entre
calouros de cursos de
Jornalismo Brasil afora
sobre os motivos para
escolher o curso: uma
parcela significativa deles
responderá que pretende
trabalhar com esportes.
Com Lucas de Tommaso
não foi diferente, mas, em
vez de seguir a carreira
para poder acompanhar
(ainda mais) de perto o
seu Botafogo, ele entrou
nesse mundo porque sempre foi um entusiasta dos
esportes olímpicos e hoje
é um jornalista esportivo
no sentido mais amplo do
termo. Lucas cobriu desde
pequenas competições de
tênis de mesa até os Jogos
Pan-Americanos de 2011,
no México. Também já
realizou seu grande sonho
de estar numa Olimpíada.
Ele lembra até hoje o
dia mais importante de
sua vida: 26 de abril de
2012. Foi quando recebeu
a notícia de que iria para
Londres cobrir os Jogos
Olímpicos pela TV Esporte Interativo. Apesar do
canal onde trabalha não
deter os direitos de trans-
missão do maior evento a derrota foi importante
esportivo do mundo, a para manter a cabeça no
experiência não poderia lugar e lembrar que eu ester sido mais incrível para tava lá a trabalho”, conta.
Lucas foi para Londres
Lucas. “Foi a realização
de um dos meus maiores aos 21 anos e, se ainda
sonhos profissionais e ele não viveu o auge da sua
chegou muito antes do carreira, pode dizer que
que eu imaginava.” Curio- já fez mais do que muitos
samente, foi em Londres jornalistas com anos de
que ele também viveu o estrada. Assim como é
momento mais triste de difícil se tornar um atleta
sua profissão até agora. A profissional, ser jornalista
espor t ivo
derrota do
não é tão
Brasil para
simples
a
Rússia
“Trabalhar
quanto pana final do
com
futebol
é
rece. Toda
vôlei masculino não
complicado, carreira de
jornalista é
era o que
porque não é envolta com
ele esperava
ver
como
esporte e sim uma aura
que mistura
jornalista e
paixão”
gla mou r,
fã do esporfama, recote. “Além
nhecimento
de futebol,
e viagens
acompanho
internacionais
e, quando
vôlei e tênis desde criança. Estava lá em Londres, isso não vem, o choque
fazendo o que gosto, de realidade no estudante
achei que não tinha como ou iniciante na profissão
nada dar errado naquela é forte. No caso dos
viagem e queria muito esportes, pode ser ainda
ver o Brasil campeão. pior porque mexe com a
Comemorava o título e paixão. Justamente por
já imaginava como seria isso, Lucas não entrou
a grande matéria sobre nesse meio pensando em
a medalha de ouro. Mas trabalhar com futebol.
Segundo ele, o esporte
mais querido do brasileiro
não seria um esporte e sim
“uma paixão”. “Trabalhar
com futebol é complicado
porque você precisa ter
isenção com uma coisa
que mexe com seu coração, com seus nervos e
que você aprendeu desde
criança que não deve assistir calado”, explica Lucas. “Isso resulta em três
coisas: maus profissionais,
jornalistas decepcionados
com a profissão e os que
deixam de ser apaixonados pelo esporte. São
três fins muito tristes.”
Apesar de não se ver
trabalhando com futebol,
Lucas já teve algumas
experiências com a paixão nacional. “Não gosto
muito de cobrir times.
Tenho medo de fazer
mais do mesmo e sempre
me cobro para buscar
algo diferente. Com os
esportes olímpicos eu sei
que sempre vou fazer algo
diferente, mas no futebol
não tenha essa segurança.
É como dirigir o mesmo
carro durante cinco anos
e, uma vez outra outra,
ter que pegar um veículo
totalmente diferente do
ivo pessoal
Diego Sousa
seu. Você até sabe como
dirigir, mas vai ter medo
de sair do feijão com
arroz”, explica. Após
uma imersão no sertão
brasileiro durante a Copa
do Nordeste, ele só voltou
a se sentir em casa nas
finais da Superliga de Vôlei. “Ali era o meu lugar e
eu sabia exatamente o que
deveria fazer”, se diverte.
Lucas já cobriu eventos
semiamadores como uma
competição de ciclismo
no interior de São Paulo,
mas foi numa viagem a
Madri para acompanhar
a final da Copa do Rei da
Espanha que ele passou
o maior problema da sua
curta carreira. “Esqueci
o tripé da câmera no táxi
e sem ele teríamos que
gravar tudo com a câmera
na mão e provavelmente
as imagens sairiam todas
tremidas. Acho que o
nervosismo ajudou no
esquecimento,
minha
sorte foi que consegui
encontrar o motorista
através do recibo do táxi.”
A Copa do Mundo foi
um dos temas mais questionados durante as manifestações que tomaram
conta do Brasil em 2013.
Os gastos excessivos nas
construções dos estádios,
a falta de infraestrutura para a competição e
os desmandos da Fifa
no Brasil deixaram boa
parte da população indignada e muitas pessoas
passaram a ser contra a
realização da Copa em
2014. No entanto, poucos
lembram que, dois anos
depois, o Rio de Janeiro
vai sediar os Jogos Olímpicos e tudo indica que
as coisas não serão muito diferentes no que diz
respeito à organização.
Para Lucas, o povo
não se posiciona tanto
contra as Olimpíadas porque vê no atleta olímpico
um guerreiro, enquanto o
jogador de futebol é um
astro com salários astronômicos. “Mesmo que o
público não acompanhe
um esporte como judô,
por exemplo, ele sabe
que o atleta passou por
muitas dificuldades para
estar na Olimpíada e vai
torcer por ele independente dos problemas de
organização da competição. A torcida é mais pela
pessoa do que pelo país.”
u
Fotos: A rq
Lucas em Londres, durante a cobertura dos Jogos Olímpicos pela TV Esporte Interativo. Ele considera este o momento mais feliz de sua vida profissional
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- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Lucas em três momentos: durante uma transmissão nas Olimpíadas,
com o ídolo Roger Federer em São Paulo e em Guadalajara, nos Jogos Pan-Americanos.
Os Estados Unidos dá as cartas
O futebol americano pode ser a próxima febre no Brasil
Trabalhar com esportes
olímpicos, muitos deles
amadores, já é uma tarefa
difícil no Brasil. O que
dizer então de ter que
trabalhar com esportes
ainda menos populares no
país do futebol? Gustavo
Coelho é especialista em
automobilismo e admite
que, apesar da Fórmula 1
ser tradicional no Brasil,
a falta de um brasileiro
campeão
pode
acabar
com o esporte por aqui.
“Eu vivo o automobilismo
diariamente
e,
exceto
pela F-1, vejo o esporte
cada vez menos popular
no Brasil. As pessoas não
se interessam por outras
categorias, por moto GP e
Fórmula Truck”, lamenta.
Além do automobilismo
Gustavo coordena equipes
que trabalham com MMA
e futebol americano no
Esporte Interativo. “Ao
mesmo tempo em que
vejo
o
automobilismo
decadente no Brasil, fico
feliz pelo crescimento das
artes marciais mistas. As
grandes ligas americanas,
como a NFL - liga de
futebol americano - e a
NBA - liga de basquete
dos EUA - também estão
se tornando cada vez mais
populares no Brasil”, fala.
A verdade é que a
NBA sempre teve um
grande público por aqui,
impulsionado pela entrada de
jogadores brasileiros na liga.
Mas Gustavo não acredita
que seja necessário que
jogadores do Brasil entrem
no futebol americano para
popularizar o esporte no país.
“A NFL vai ganhar espaço
em outros países fazendo
negócios.
A
televisão
será um grande agente da
popularização do esporte
com as transmissões didáticas
para que o telespectador
entenda todas as regras”,
argumenta o jornalista.
O futebol americano é
uma indústria milionária e
não quer viver somente do
público nativo. Ainda mais
agora que o soccer (como
eles chamam o “nosso”
futebol) está ressurgindo
nos Estados Unidos com
investimentos milionários
e ganhando cada vez mais
adeptos que vão aos estádios
para ver craques como David
Beckham e Thiery Henry.
“Os
managers
do
futebol americano ainda
não estão preocupado
com o futebol tradicional
ganhando espaço, mas
eles estão de olho. Ao
invés de tentar esmagar
o concorrente nos EUA,
eles vão tentar levar
o esporte para outras
culturas da mesma forma
que o soccer penetrou na
América do Norte através
dos latinos”, explica;
Em 2016 o rúgbi será
uma das modalidades
das Olimpíadas do Rio
de Janeiro. O esporte
que originou o futebol
americano pode ser uma
chave para que a maior
paixão dos Estados Unidos
aterrisse no Brasil e não
vá embora nunca mais.
8
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
“O jeitinho brasileiro não
funciona no Japão”
Jornalista que cobriu a tsunami e o acidente nuclear de Fukushima fala
das barreiras de ser correspondente em um país tão distante do Brasil
Claudia em um passeio ao Monte Fuji. O trabalho como editora do caderno de internacional trouxe o know-how para a cobertura no exterior
Fernanda Prestes
Não é a primeira vez que Claudia
Sarmento trabalha como
correspondente internacional. Quando estava no
início da carreira de jornalista, o marido, diretor
de uma empresa multinacional, foi transferido
para Moscou. Em 2010, a
proposta veio do Japão e
para não deixar o trabalho
que ama, propôs ao jornal
O Globo, onde ela já tinha
uma história de mais de
15 anos, que fizesse a cobertura da Ásia - na época
o jornal havia fechado a
vaga de correspondente
em Pequim e estava sem
um profissional na área. E
assim ela começou mais
uma aventura no exterior.
No Japão, as dificuldades foram maiores do que
em Moscou, principalmente por causa da língua.
O curso de japonês ainda
não trouxe a fluência necessária para o trabalho
profissional e os japoneses
evitam ao máximo falar
em inglês. “O país é muito menos globalizado do
que se imagina”, revela
Claudia. Para lidar com a
barreira da comunicação,
é comum a contratação
de intérpretes, embora os
custos e a intermediação
de outra pessoa façam
com que ela prefira tentar
sempre as entrevistas em
inglês. Além disso, a dificuldade de ler a imprensa
japonesa é um desafio
diário, pois, apesar dos
maiores jornais publicarem também em inglês, o
acesso às publicações nacionais fica limitado.
Diante dessas dificuldades, Claudia resolveu
seguir o caminho da maioria dos jornalistas que
começam um trabalho no
exterior e entrou para o
Foreign Correspondent’s
Club do Japão, um clube
de correspondentes. “Você
paga uma mensalidade
para ser sócio e estabelece seus contatos. O Clube
realiza entrevistas, chama
palestrantes e ministros”,
explica Claudia. Além disso, os clubes promovem
a interação com outros
profissionais da imprensa,
inclusive de grandes organizações como Dow Jones,
Financial Times, New
York Times etc. Quando lado na caixa de e-mail. “O
se faz cobertura de países que emplaca são as coisas
com cultura e processos mais curiosas, as histórias
burocráticos rígidos como que as pessoas não coo Japão, marcar uma nhecem. É preciso ter um
simples entrevista, por olhar global.” E não é só
exemplo, se torna um teste para o jornal impresso.
de paciência para os brasi- Como correspondente, ela
leiros. “O mais engraçado também escreve matérias
é esse choque de cultura. de moda e comportamento
Brasileiro acha que vai li- para o caderno Ela Digital
gar e já vai falar. Aqui não e para as revistas Marie
tem isso. Tem que mandar Claire, Vogue e Época.
Enquanto o mundo
as perguntas por fax. Fax?
Como assim fax? É tudo parou diante da sucessão
muito burocrático, muito de tragédias que assolou
lento. O jeitinho brasileiro o Japão em 2011, Claudia estava trabalhando.
não funciona aqui.”
Mas a adaptação não A cobertura da tsunami
tardou e Claudia logo causada por um forte terremoto que
se adequou
à rotina de “O país ficou também trouxe
graves
trabalho. A
às
escuras,
danos à usiex p e r iê ncia
como editora sem comida, na nuclear de
Fu k ushima
do caderno ine as pessoas foi, sem dúternacional do
a mais
jornal O Glorespeitavam vida,
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Claudia
como
coro
trabalho
Sarmento
respondente.
de repórter.
“Foi um moClaudia sabe
absolutamente
o tipo de pauta que “ven- mento
de” sobre o Japão e aquilo dramático para o país e
que o editor vai deixar de para todo mundo que mo-
rava aqui. Uma cobertura
muito difícil mesmo. Porque foi difícil chegar até
o lugar da usina e porque
meu marido e minha filha estavam aqui”, conta
Claudia. “Chega uma hora
que você pensa: e agora?
Eu trabalho ou tiro minha
filha desse país?” Junto
com a dificuldade da situação veio o aprendizado.
Não só da jornalista, que
viveu pessoalmente essa
experiência com os japoneses, mas do mundo
inteiro, que pode conhecer
a força e a organização deles para reagir a tragédias.
Mesmo vindo todo
ano para o Rio, não é só
o clima da cidade que
deixa saudade, mas o da
redação. “Trabalhei a minha vida inteira cercada
por centenas de pessoas
naquela confusão de fotógrafo, repórter e editores. É
complicado trabalhar sozinha.” Apesar de ser muitas
vezes solitário, o trabalho
do correspondente é sem
duvida enriquecedor; principalmente em um país
que lança as tecnologias
mais avançadas no mercado e, ainda assim, usa fax.
9
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
“Eu não queria fazer jornalismo
em outro país além do Brasil”
A paixão pela língua portuguesa determinou a carreira do russo Alexander
Krasnov, que logo arranjou um bom motivo para morar no Rio
É difícil reconhecer a
nacionalidade do jornalista. Se alguém o ouve
falando, pode jurar que é
brasileiro, até mesmo carioca. E foi com os ´ésses’
chiados e comendo um
pão de queijo que Alexander contou sua história.
Formado em Tradução e
Interpretação Português–
Russo pela Universidade
Linguística de Moscou,
o jornalista achava que
o destino estava sendo
cruel com ele ao ter sido
sorteado para a turma de
Português e não de Espanhol, como desejava
estudar. No entanto, foi
necessário apenas um
semestre para mudar de
ideia. “Eu me inscrevi
na turma do Espanhol,
comecei a frequentar as
aulas, mas não gostei
mais. Alguma coisa do
Português já estava em
mim” , conta Alexander.
Depois da aceitação,
veio a paixão. Para melhorar o português, Alexander
ouvia música popular brasileira em discos de vinil
que conseguia com excorrespondentes russos
que trabalharam nas décadas de 60 e 70 no Brasil.
“Vinicius de Morais e
Chico Buarque foram para
mim inspirações musicais
e meus professores de sotaque.” Toda a dedicação
serviu para a profissão que
ele iria escolher e seguir
até hoje. A experiência
com o jornalismo começou ainda na faculdade,
quando Alexander trabalhava como locutor de
notícias em português da
rádio Voz da Rússia. Em
2007, veio definitivamente
para o Brasil como correspondente da agência de
notícias RIA Novosti e já
não possuía a barreira da
língua, uma das maiores
dificuldades para a maioria dos correspondentes
internacionais. Aliás, a
única dificuldade do russo
é listar as dificuldades de
adaptação no Rio. A cultura, o clima, a comida,
o povo brasileiro: nada se
tornou um problema.
Durante os cinco anos
que trabalhou para a
agência russa, Alexander
cobriu os mais diversos
tipos de matérias e acontecimentos. Alguns ficaram
marcados, como a queda
do avião da Air France em
2009 e uma reportagem
especial que produziu
sobre a Escola de Teatro
Bolshoi em Joinville, a
única filial da companhia
fora de Moscou. A variedade de temas é o que
mais apetece o jornalista como correspondente
internacional. “Quando
você tem como responsabilidade um país, um dia
você cobre um congresso
de computadores, no outro você precisa explicar o
que é a taxa Selic, depois
você conta a história de
um pinguim salvo na praia
de Niterói. Não tem monotonia.”, explica Alexander.
E muito menos descanso.
O fechamento da redação
da RIA Novosti no Rio
em 2002 fez com que o
jornalista fosse o único
correspondente responsável pelo abastecimento de
matérias de todo o Brasil.
O trabalho era constante e
feito de casa: “Você está
sempre oficialmente ativo
e não sabe a hora que vai
trabalhar. Às vezes às oito
da manhã, às onze da noite, de madrugada...”
Mas apesar de escrever
sobre tudo, ele encontra
um empecilho fundamental para o jornalismo, que
é a falta de conhecimento
tanto dos russos em relação ao Brasil, quanto dos
brasileiros em relação a
Rússia. Segundo Alexander, ainda existem muitos
estereótipos antigos que
precisam ser quebrados
para que as matérias sejam entendidas e aceitas.
Normalmente as notícias
que mais veiculam são as
relacionadas a esporte,
violência, acontecimentos
inusitados e política, como
matérias sobre os BRICS.
Quanto a corrupção, ele
explica que a Rússia também sofre desse problema
em sua política interna
e que portanto não é tão
interessante para eles ler
sobre roubos e desvios
de recursos no Brasil e
até cita uma frase de Gilberto Freyre para falar da
proximidade entre os dois
países: “o Brasil é a Rússia dos trópicos.”
De 2012 para cá, a vida
de Alexander deu uma
reviravolta. Hoje, ele continua trabalhando como
jornalista, mas dessa vez
trazendo notícias da Rússia para o Brasil na filial
carioca da rádio Voz da
Rússia. Uma nova polaridade, mas que esbarra
nos mesmos desafios que
é tentar mostrar o Brasil
para o seu país de origem.
No entanto, durante os
eventos que o Rio está
para receber, como Jorna-
Acima, Alexander em frente
ao Pão de Açúcar, e abaixo
com o astronauta brasileiro
Marcos Pontes, que já voou
em uma nave espacial russa.
O jornalista sempre encontra familiaridades entre os
dois países
da Mundial da Juventude,
Copa do Mundo e Olimpíadas, ele acredita que
voltará a mandar matérias
daqui para lá. Independente da pauta ou do país
que se escreve, uma coisa é certa: Alexander não
se muda mais do Brasil.
“Não é só o jornalismo.
Eu não queria fazer jornalismo em outro país além
do Brasil. É a minha especialidade, minha paixão...
o país e a cultura. Tem
gente que vai (ser correspondente) sem gostar (do
país), mas tem que trabalhar. Felizmente não foi o
meu caso.”
Fernanda Prestes
Clube dos Correspondentes
Diversas associações, que podem estar ligadas ou não ao
governo, são criadas em todo o mundo para auxiliar os profissionais da imprensa. Aqui no Brasil, a ACIE (Associação
dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil),
criada em 1962, tem filiais no Rio de Janeiro, em São Paulo
e no Distrito Federal e atende um total de 250 jornalistas
estrangeiros. Segundo a associação, o Brasil é o país da
América Latina que mais recebe correspondentes dos grandes veículos internacionais e eles vêm majoritariamente da
Europa, Estados Unidos, Japão e China.
10
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Repórter multimídia
Jornalistas explicam o desafio de trabalhar em mais de um emprego
Fotos: Gabriel Deslandes
Flávia Oliveira: além de trabalhar em três veículos midiáticos diferentes, ainda tenta conciliar a vida de mãe, esposa, terapia e ginãstica aeróbica
Gabriel Deslandes
Acordar às 4h30, tomar café, ler as notícias
nos jornais e na Internet,
partir para o estúdio, estar no camarim às 5h45,
participar do “Bom dia,
Rio” às 6h30, voltar para
casa, partir para a Redação de O Globo até às 14h
e trabalhar até 22h. Agora,
multiplique o trabalho tido
com essas ações corriqueiras por três, ao atender a
três veículos diferentes.
Pois esse é o desenrolar
de cada semana de Flávia Oliveira, colunista de
Economia em O Globo e
comentarista do “Estúdio
i”, na GloboNews, e “Bom
dia, Rio”, na Rede Globo.
Por ocupar todas essas
funções, Flávia se classifica como uma “jornalista
multimídia”, a superjornalista que tem domínio das
variadas formas de mídia
e é capaz de executar múltiplas tarefas – às vezes,
simultaneamente -, no decorrer do dia.
Criada em Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro,
Flávia pensou em cursar
Jornalismo quando, nos
anos 80, uma prima su-
geriu que ela trabalhasse
em televisão apenas por
ter reconhecido o poeta
Ferreira Gullar em uma
entrevista ao “Fantástico”.
Porém, antes de prestar
vestibular para a UFF,
onde se formou em 1992,
Flávia já se interessara
pela área econômica ao
fazer um curso técnico na
Escola Nacional de Ciências Estatísticas. “Entrei
na faculdade de Comunicação com um domínio
sobre interpretação de
números, que é muito raro
no jornalista”. Começou a
trabalhar na área de Comunicação em um jornal
de bairro de Duque de Caxias e foi convidada para
ser jornalista econômica
no Jornal do Comércio
até, em 1994, ser contratada por O Globo. Lá, foi
interina de Mirian Leitão
e, a partir dessa experiência, foi chamada para
organizar uma coluna própria chamada “Negócios
& Cia”, por ela dirigida já
há seis anos.
O dia de Flávia tem
início entre 9h e 9h30,
horário em que costuma
acordar na maior parte
da semana. Às terças e
quintas-feiras, participa um consolidado do que irá
como comentarista de apresentar no telejornal
Economia no “Estúdio i”, do dia seguinte a partir de
programa apresentado pro uma pré-pauta já planejada
Maria Beltrão desde 2008 desde a semana anterior.
na GloboNews, entre às Se fosse escolher um dia
14h e 15h30. Em torno da semana que considera
de 10h30 e 11h, envia as mais puxado, de longe,
sugestões de pautas para seria quinta-feira, tanto
seu editor-chefe, Fábio pela atuação no jornal e
Watson, e aguarda uma na GloboNews, como pela
prepararesposta
ção
da
para elapauta do
borar sua
“Bom dia,
fala.
Às
“Quando
você
Rio”.
13h30, ela
trabalha em um
M a s
tem que esnão
tar em seu
só jornal, acha oa cdia
abou
camarim
aí. Flávia
na
Cenque todos os
costuma
tral Globo
problemas
ali
são
chegar à
de Jornalismo, no
muito grandes” Re d a çã o,
no prédio
Jardim
Octávio Guedes
do InfoBot ânico,
Globo, no
para
se
centro
preparar
para a apresentação do do Rio, às 16h, onde fica
diariamente até quase às
programa.
Sexta-feira é o dia de 22h. Como sua coluna é
Flávia como comentarista publicada de terça-feira
sobre Finanças Pessoais e a sábado, Flávia escreve
Economia Doméstica no de segunda a sexta, além
“Bom Dia, Rio”, na Rede de assinar uma coluna em
Globo, que começa às vídeo, que ela chama de
6h30. Para isso, às quin- “Papo”, para o “iPad”, a
tas-feiras antes de 12h, edição de sexta-feira do
envia, para a produção, Globo a Mais. Trata-se
de um vídeo, gravado em
casa com o iPhone, sobre um tema econômico
específico, mas de forma
descompromissada.
Além de todas as
funções
profissionais,
somadas às terapias nas
quartas-feiras às 8h e
séries de aeróbica que
tenta fazer em casa – mas
nunca encontra tempo
-, Flávia ainda é mãe da
Isabela, que, até poucos
meses atrás, pensava em
cursar Medicina, porém
decidiu também prestar
vestibular para Comunicação. Apesar da vida
atarefada, Flávia afirma
que pode acompanhar todos os passos da filha sem
preocupação. “Eu não sou
mãe culpada. Quando ela
era menor, eu trabalhava
menos, agora eu trabalho
muito, mas a gente ainda
se fala bastante.”
Outro jornalista multitarefas, também de O
Globo, é o editor executivo
Pedro Dória. Pedro sempre
teve interesse específico
na área de informática,
sobre a qual lançou sua
primeira coluna, para a
revista Macworld Brasil,
em 1994. Até hoje escre-
ve sobre tecnologia em O
Globo desde 2011, além
de ser responsável pelas
editorias Internacional,
Ciências e Rio. Também
ex-colunista do Estado de
São Paulo e Folha de São
Paulo, Pedro vem tentando conciliar o trabalho no
jornal com a elaboração
do livro “1789”, sobre Inconfidência Mineira. Não
é sua primeira publicação,
já tendo lançado o livro
“1565 – Enquanto o Brasil
nascia”, sobre o processo
de fundação da cidade do
Rio de Janeiro.
Pedro
considera
História como um prolongamento da narrativa
política e se diz fascinado pelo tema por sempre
querer saber como viviam
e o que pensavam os personagens do passado. Ele
garante que, ao contrário
da produção de livros, o
papel de editor executivo
é uma posição estratégica,
distante da apuração jornalística. “Eu sinto falta
de pegar a mão na massa, e os livros viraram a
minha maneira de fazer
isso.” Ainda assim, não
vê tanta distinção entre
escrever um livro e uma
coluna. “É a mesma coisa. A diferença é que um
livro tem 250 páginas e
uma coluna 3.500 toques.”
O jornalista também é
pai de três filhos, de dois
casamentos, e afirma ser
difícil aliar a paternidade
com a vida de escritor, sobretudo nos três últimos
meses em que escreve o
livro. Diariamente, acorda às 6h, deixa os filhos
na escola às 7h30 e fica
até às 10h escrevendo os
capítulos do novo livro,
cada qual assegura demorar uma semana para
elaborar, enquanto acompanha um banco de dados
de anotações de obras
já pesquisadas. Chega à
Redação às 10h30, integra as reuniões de capa
do jornal do dia seguinte,
às 16h30, como todos os
editores, e costuma sair
às 20h30, com exceção
das segundas-feiras, dia
em que redige sua coluna.
Fora isso, alega que não
consegue fazer mais nada
em casa, tendo abandonado as corridas que fazia
matinalmente.
Aliar duas funções
jornalísticas
distintas
também faz parte da realidade de Octávio Guedes,
diretor de redação do
jornal Extra e âncora do
programa “CBN Rio”, na
rádio CBN. Octávio, que
sonhava em ser jornalista
desde a infância, começou
escrevendo uma coluna
de jovem em um jornal
gratuito de Niterói, enquanto estudava na UFF,
até ingressar no Jornal do
Brasil, em 1990. Iniciou
a carreira no rádio anunciando as manchetes do
Extra no “Show do Antônio Carlos”, na Rádio
Globo, e acabou sendo
convidado para âncora na
CBN em abril de 2013.
Diariamente, Octávio
acorda às 5h45, faz ginástica até às 7h e começa
ler os jornais para montar
o programa de rádio até
8h30, quando vai para o
estúdio. Depois, chega à
Redação do Extra ao meio
dia e meia, onde permanece até às 18h. Às 11h,
durante a apresentação do
programa, reúne-se virtualmente com os redatores
do jornal para debater o
roteiro da edição seguinte.
Octávio também é divorciado e pai de dois filhos,
ambos residentes em Niterói, atravessando de barca
duas vezes por semana
para passar a noite com
eles na casa de sua mãe.
Embora acredite que a
profissão atrapalhe a vida
de pai, os filhos sempre
admiraram sua trajetória
e considera que a rádio
encurta a distância entre
eles.
Ele afirma que a vantagem do impresso é
aprofundar mais os temas,
enquanto a rádio instiga
mais a instantaneidade.
“O rádio tem uma coisa
interessante: ao meio-dia,
você fecha e vai embora. No jornal, você tem
que preparar a primeira
página, que só vai estar
exposta no dia seguinte e a repercussão é só
depois.” Ainda assim, Octávio sente que ainda está
aprendendo a trabalhar
em dois locais diferentes.
“Quando você trabalha só
em um jornal, acha que
todos os problemas ali
são muito grandes. Quando você tem que dividir,
vê que precisa ser mais
pragmático para resolver
tudo.”
11
Pedro Dória (acima) escreve um livro e é editor-executivo e colunista em O Globo, enquanto
Octávio Guedes (abaixo) se divide entre os estúdios da CBN e a editoria do Extra
12
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
13
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornalismo de Celebridades
A correria da redação em busca da notícia exclusiva
Gabriela Cruz
Escândalos envolvendo namoradas de jogadores de futebol, o nascimento do herdeiro de uma
apresentadora da televisão ou uma simples corrida de uma atriz na praia.
Quem não se deparou
com algum deste temas
nas capas de revistas, jornais ou em destaque em
sites de todos os gêneros?
O Jornalismo de Celebridade, como os próprios
profissionais costumam
denominar, tem cada vez
mais espaço e audiência,
contando como grande
aliado, o dinamismo da
Internet.
Quem conhece um
pouco a profissão do jornalista sabe que a correria é uma constante.
Quando o assunto são as
celebridades, a correria
se multiplica. As notícias
chegam minuto a minuto,
pelas mais diversas fontes: e-mail, assessorias
de imprensa, telefonemas
anônimos e até mesmo
pela própria celebridade, ou subcelebridade. A
apuração deve acontecer
no menor tempo possível,
Página do jornalista Leo Dias hospedada pelo site do Jornal O Dia: para especialista, o Brasil não tem paparazzis que corram atrás da notícia
como conta Ligia Andrade, que já trabalhou na revista Quem e no site Ego.
Agilidade é fundamental,
afinal a exclusividade da
notícia vale ouro. Junto à
apuração são feitas ainda,
reuniões de pautas, entrevistas exclusivas e ensaios fotográficos. “Tudo
acontece ao mesmo tem-
Capa da revista que flagrou a traição de Kristen Stewart
po agora”, diz Ligia.
O nível de agitação da
redação se altera dependendo também do horário
e do dia da semana. As
noites e as madrugadas
rendem muitas informações por conta de festas,
premiações, eventos. Já os
finais de semana são um
prato cheio para flagras
nas praias e shoppings.
Além da pressão por
agilidade, os jornalistas
desta área também enfrentam outras dificuldades. Karen Fideles, que
trabalhou no site Ego,
acredita que o maior desafio da profissão é própria função de “invadir”
a vida do outro. “Tem que
ser cara de pau e saber lidar com os foras, com o
mau humor e com a falta
de educação de alguns
famosos”, diz Karen. Ela
ressalta uma peculiaridade do jornalismo de
celebridades na internet,
em que existe um pressão
muito grande para que
a notícia seja dada antes
da concorrência, praticamente em tempo real.
Na internet ou nas revistas, as fotografias têm
grande destaque, a própria foto pode ser a notícia, como no caso do flagrante da traição de atriz
Kristen Stewart a seu namorado Robert Pattinson.
“Tem que ser
cara de pau e
saber lidar com
os foras, com
o mau humor e
com a falta de
educação de
alguns famosos”
Karen Fideles
No Brasil, ou mais precisamente no Rio de Janeiro, cidade que concentra
grande quantidade de artistas, os paparazzi atuam
através das agências, que
enviam os flagras para os
grandes sites de entretenimento. A AG News é uma
das principais agências, e
tem clientes como a revista Contigo!, e os portais
Globo.com e R7. Os fotógrafos ficam em geral
em pontos específicos das
praias ou points da cidade, aguardando a passagem de algum famoso
com seu novo affair. Para
o jornalista Leo Dias, que
mantém coluna homônima no jornal O Dia, esta
conduta não caracteriza um bom paparazzi,
pois os famosos que não
querem ser flagrados começam a evitar determinados locais, e assim os
flagras mais interessantes
não são registrados.
“Paparazzo verdadeiro faz plantão na porta da
casa dos artistas, segue o
carro dele, faz ronda nos
restaurantes. Isto está
cada vez mais em extinção no Brasil. Uma pena.”,
lamenta o jornalista.
Para conseguir a melhor notícia, o contato
com o famoso, direta ou
indiretamente, é necessário. Mas nem sempre este
contato é facilitado. Ligia
Andrade comenta que o
jornalista deve saber bem
quem é a pessoa que está
entrevistando, e assim
traçar estratégias para
conseguir uma declaração que possa “abrir a matéria”. Quando o assunto
são as subcelebridades,
a procura inverte. Os assessores destes “candidatos a celebridades” ligam
para a redação, mandam
notas que em geral são
de pouca relevância, mas
que ainda assim encontram audiência.
O jornalista e blogueiro Leo Dias, do jornal O
Dia, é famoso pelas notícias exclusivas que publica e que nem sempre são
tão bem recebidas pelas
celebridades. Em entrevista por e-mail, ele conta
um pouco do início de sua
carreira, de algumas polêmicas e de suas impressões sobre a profissão.
Como você começou
sua carreira no jornalismo de celebridades?
Começou meio que
por acaso, em 1996, quando havia acabado de sair
da faculdade. Uma amiga
recebeu um convite para
trabalhar na Amiga (revista de fofoca da extinta
editora Bloch) e não quis,
acho que por vergonha.
E aí, ela me indicou para
o lugar dela. De lá para
cá, só parei um ano para
estudar inglês na Austrália, em 2001. Mas passei
pela Manchete, Chiques e
Famosos, Contigo, Extra,
Yahoo e, agora, O Dia.
Quais são as maiores
dificuldades deste tipo
de jornalismo?
A maior dificuldade
é a de não fazer um jornalismo chapa-branca. O
jornalismo para agradar
ao famoso é o mais fácil
para se fazer. O jornalis-
mo verdade incomoda, dá
mais trabalho, dá dor de
cabeça, pode virar processo, mas traz reconhecimento.
Como é em geral a
relação com os artistas?
Você já se declarou amigo e fala muito bem da
atriz Suzana Vieira em
seu blog, além dela quem
é um artista queridinho
seu? E qual é o seu maior
desafeto atual?
Gosto, sim, da Susana.
Admiro bastante como
atriz e como personalidade. Gosto de algumas
outras pessoas, mas acho
que não vale a pena aqui
listá-las... Meu maior desafeto no momento? Flavia Alessandra.
Você acaba ficando
envolvido com freqüência em muitas polêmicas. A mais recente, foi
com uma declaração do
humorista Vitor Sarro
sobre o motivo de sua
demissão do programa
Encontros. Você nem
fala mais do assunto,
mas o humorista continua falando no Twitter
sobre isso.
Victor Sarro veio tirar satisfação comigo por
conta de uma nota que
eu dei sobre a peça que
ele encenava em Niterói.
Nela, ela diz que a Fátima
Bernardes não ri de nenhuma piada, por isso ele
foi demitido, por ela não
achar graça das piadas
dele. Victor recebeu uma
chamada do Jornalismo
da Globo, por conta dessa
nota e veio descontar em
mim. Eu pelo menos me
responsabilizo pelas coisas que escrevo. Ele, pelo
visto, não.
“O paparazzo
verdadeiro faz
plantão na porta
da casa dos
artistas, segue
o carro dele,
faz ronda nos
restaurantes.
Isso está cada
vez mais em
extinção no
Brasil.
Uma pena”
de Adriane Galisteu, na
Band. Amo fazer entrevistas em vídeo, porque
só assim consigo levar
para o público a reação
dos famosos com as minhas perguntas “saiasjustas”.
Você já declarou que
o jornalista deve “saber
em quem bater”. Já bateu em alguém e apanhou? Pode falar em
quem?
Sim, várias vezes, inúmeras. Uma vez bati em
Giovanna Antonelli, sem
ela merecer. Tínhamos
uma boa relação, eu me
arrependi, mas ficamos
um tempão sem nos falar.
Agora, graças a Deus, a
paz voltou a reinar entre
nós.
Todos sabem que processos são comuns neste
meio. Você tem apoio
dos veículos em que trabalha nestas questões?
Todos os processos, inclusive aqueles direcionados à minha pessoa, são
respondidos pela Editora
O Dia.
Como foram suas exTudo pode ser notíperiências com o vídeo? cia quando se tratam de
pessoas famosas?
Fiz vídeos no Yahoo e
trabalhei como repórter
Nem tudo. Trabalho
do programa Muito Mais, com a Constituição ao
meu lado. O que a lei permite é notícia.
Você já que hoje em
dia não existe mais paparazzi bom, que não
há mais perseguição de
artistas como acontecia
quando você trabalhava
na Contigo. As fotos ficaram banais?
É muito mais fácil fazer o jornalismo chapabranca. Da mesma maneira, para o paparazzi,
é muito mais cômodo
ficar parado numa praia
esperando a notícia (ou
o famoso) passar por ali.
Como o ponto dele é fixo,
o famoso que está pegando um nova namorada já
sabe que não pode passar por ali. O paparazzo
verdadeiro corre atrás da
notícia, não espera ela
vir até ele. O paparazzo
verdadeiro faz plantão na
porta da casa do artista,
segue o carro dele, faz
ronda nos restaurantes.
Isso está cada vez mais
em extinção no Brasil.
Uma pena.
O que você mais gosta
neste tipo de jornalismo?
O furo de reportagem.
Eu amo ver sites, programas de TV e jornais
repercutindo minhas notícias. Não tem preço que
pague tal prazer.
14
Moda Ponto Com Ponto Br
Lugar de mulher é na cozinha?
Internet hoje é um dos principais meios de informação do mundo fashion
o blog, que surgiu como
um diário digital, apresentou uma nova forma de interação, permitindo que o
leitor se aproximasse e dialogasse com o autor e outros visitantes. A principal
diferença com os impressos é que, além da velocidade da notícia, agora em
tempo real, o audiovisual
- fotografias e vídeos – se
tornou o principal atrativo
e meio de comunicação
com quem está do outro
lado do monitor.
Entre os pioneiros,
como “Moda pra Ler” e
“Oficina de Estilo”, está
o “Hoje Vou Assim”, que
nasceu de um processo de
luto da publicitária mineira Cris Guerra. Aos sete
meses de gravidez, Cris
perdeu o namorado, que
morreu subitamente. Abalada, e ao mesmo tempo
experimentando a maternidade, ela descobriu sua
vocação literária ao criar
o blog “Para Francisco”,
dedicado ao filho recémnascido. “Era um desabafo, uma forma de falar para
o Francisco sobre o pai. Eu
estava vivendo um momento muito antagônico”,
revela.
Logo depois, sem pretensão, ela criou o primeiro blog de looks diários do
país: “Eu sempre fui muito
ligada em moda, gostava
de me vestir e era muito
famosa no meu local de
trabalho. Um dia fiz uma
sobreposição que eu achei
bacana e resolvi abrir um
blog. Mas era pura brincadeira, nem sabia o que eu
estava fazendo”. O “Hoje
Vou Assim”, que atualmente alcança mais de 5
mil acessos diários, ganhou repercussão nacional, entrando como pauta
na grande imprensa. “Até
então eu achava que eu só
podia escrever para o meio
publicitário”, conta Cris
Guerra, que hoje é referência de estilo para muitas
consumidoras de moda e
divide seu tempo entre o
site, suas colunas na rádio
Band News e na revista
Veja, de Belo Horizonte.
Acompanhando o movimento, jornalistas também têm mergulhado no
universo virtual. “Abandonei o papel para nunca
mais voltar”, declara a jornalista Déborah Bresser
em sua biografia no site
“Petiscos”, outro pioneiro,
onde é hoje editora-executiva. Déborah passou por
jornais e revistas profissionais da área - como o falecido Jornal da Tarde, onde
ficou por 13 anos - até ser
fisgada pela internet. “Já
que alguém precisa falar do
lado bom da vida, que seja
eu”, brinca. O “Petiscos”,
comandado pela publicitária Julia Petit, nasceu blog
e cresceu site. Desde então,
Julia conquistou espaço na
mídia especializada e hoje
apresenta um programa
de moda e beleza no canal
GNT.
Blogueiros x Jornalistas
Uma das principais características da internet é
o seu caráter democrático.
Nem tanto quando o assunto é escrever sobre moda.
Polêmica, a rixa entre jornalistas de moda e blogueiros existe e vez ou outra
vem à tona. Deborah Bresser, apesar de não alimentar
a briga, admite que “houve,
sim, uma baderna no mercado, com gente levando a
sério algumas aventureiras
despreparadas”.
Cecília
Lima é direta: “O blogueiro não tem o compromisso
primeiro com a verdade, e
segundo com a imparcialidade. Numa mídia de moda,
padrão, eu tenho a obrigação de falar sobre tudo, do
que eu gosto e do que eu
não gosto, tentando ser o
mais imparcial possível”.
Para Cris Guerra, a rixa
existe, mas ambas têm sua
importância no meio. “O
blogueiro tem esse aspecto
autoral. Não adianta querer
competir com jornalista de
moda. O jornalista vai falar
mais tecnicamente, muitas
vezes vai fazer uma cobertura mais tradicional, mais
completa.”
Laura Barbosa
Ainda criança, a Copa
de 74 foi transmitida em
cores e a encantou. Três
anos mais tarde, a primeira ida ao Maracanã,
em um jogo do Flamengo,
mudou a vida de Martha
Esteves e despertou sua
paixão por esportes: ali
mesmo ela decidiu pela
profissão de repórter.
Atualmente editora esportiva no jornal O Dia,
Martha foi uma das primeiras mulheres na revista Placar. Aos 49 anos,
ela mostra com sua trajetória como uma mulher
lidou de igual para igual
com os homens enquanto
repórter de esportes.
Martha formou-se em
jornalismo pelas Faculdades Integradas Helio
Alonso (Facha) em 1984.
Assim que deixou a faculdade bateu na porta
da revista esportiva Placar pedindo uma chance.
Começou trabalhando de
graça, tamanha era sua
vontade de atuar onde
estavam os melhores profissionais da área naquele
momento. A tranquilidade financeira foi conquistada com o sucesso do
próprio trabalho e até hoje
Martha se mantém no esporte, mostrando que ser
mulher não é um impedimento.
Para ela isso ajudou
mais do que atrapalhou
sua carreira no jornalismo esportivo. Martha
conta que nunca sofreu
preconceito dos colegas
de profissão. Ao contrá-
“Eu era igual
a eles, me
sentia um dos
caras, falava
palavrão, não
tinha frescura
comigo”
Martha Esteves
Foto: Reprodução Facebook
Quem dita a moda?
O mundo fashion, historicamente dominado pelas revistas, tem ocupado
cada vez mais espaço na
web, com os sites e blogs
de moda disputando com
versões online de jornais,
revistas e emissoras, além
de portais especializados
e homepages de eventos.
Com a democratização
ao acesso à internet, os
fashionistas viram surgir
um grande fenômeno: os
blogueiros se tornaram tão
fundamentais quanto os
jornalistas na difusão de
informações sobre o assunto.
Primeiro vieram os sites. Com sede de ir além do
que já existia sobre moda
na internet, a designer Cecília Lima, pós-graduada
em jornalismo, inovou o
mercado especializado em
2006, ao criar o “Closet
On Line”, o primeiro site
de jornalismo de moda do
Brasil. “Eu escrevia muito
para revista na época, fazendo pauta, como convidada, e eu queria aprender
mais. O máximo que você
tinha eram as tendências.
Você não tinha cobertura
e bastidores, mercado, só
em agências muito especializadas ou site fechados.
Não se falava da própria
mídia, como nos Estados
Unidos e na Europa, onde
já se fazia há muito tempo”, conta.
O “Closet On Line”,
inicialmente uma Web
TV com entrevistas voltadas para o mercado, foi
lançado como site no final
de 2007 e ganhou grande
notoriedade desde então.
“Eu estava indo contra a
tendência. Os blogs estavam em alta. Hoje nosso
site é reconhecido, temos
uma estrutura de redação,
a própria mídia respeita”,
completa.
O boom dos blogs aconteceu mesmo em 2007. A
cultura blogueira deu voz a
pessoas comuns, que passaram a opinar e compartilhar informações sobre
diversos assuntos. Além de
uma manifestação autoral,
Além da moda propriamente dita, outros assuntos de seu universo, como
comportamento, consumo,
tendências, estilo, design,
beleza e coberturas de
eventos são pautas recorrentes nos veículos especializados. Para Cris, a
diferença em escrever para
a web está na tentativa
de “fazer uma coisa mais
palatável para todos, que
traduza melhor a moda
para o consumidor”. Cecília Lima chama a atenção
para a instantaneidade das
notícias: “Na web chega
um momento que não serve mais, se não é na hora
não adianta. Ou a gente
dá o desfile no dia ou não
adianta dar depois”.
A consolidação do calendário oficial de moda
brasileiro colocou o país
como tendência, principalmente na Europa, onde se
tornou pauta de reportagens e editoriais de moda.
Entre os principais eventos
de moda no Brasil, estão o
São Paulo Fashion Week,
seguido pelo Fashion Rio.
Enquanto Cris Guerra cobre sozinha as semanas
de moda no país, tentando
colocar sua opinião no que
foi relevante, o “Petiscos”
tem optado por balanços
diários sobre os desfiles
nacionais e internacionais.
Mas afinal, o que é preciso
para escrever sobre moda?
Cecília acredita que é necessário mais do que uma
faculdade ou saber nome
de estilista: “Cada coleção
pode ser uma referência
histórica, geográfica. Para
cada desfile você tem que
ter um conteúdo agregado
muito grande. Você precisa entender de tudo um
pouco, independente de ter
feito moda ou jornalismo”.
A imprensa tradicional
- revistas, jornais, programas de TV e rádio - ainda
está se adaptando a essa
nova arquitetura da informação, de produção
colaborativa. Sites, blogs e portais promovem a
aproximação do leitor com
conteúdos e linguagens antes direcionados para especialistas e entendedores do
assunto.
A jornalista Martha Esteves mostra que o preconceito contra o sexo
feminino na cobertura esportiva pode ser tirado de letra
Martha entre os colegas Alfredo Ogawa e Carlos Orletti: primeira mulher na revista Placar
rio, sendo repórter igual a
eles, ela se sentia um dos
“caras”: “Eu me comportava como eles, falava palavrão, não tinha frescura
comigo”.
Martha também soube
se impor com os jogadores e técnicos e sempre
foi tratada com respeito.
“Casei e tive filhos cedo.
Trabalhava grávida e isso
mantinha a distância também. A única dificuldade
era na hora de entrar no
vestiário, porque os caras
estavam pelados. Mas a
maioria se enrolava em
toalha e só aí eu entrava.
Depois veio uma geração
de bad boys que desfilava
nu para me afrontar, mas
eu não ligava e sempre
dizia: o que vocês tem aí
meus dois filhos também
têm.”
Hoje, com 29 anos
de profissão, Martha orgulha-se de sua carreira
bem-sucedida no esporte. “Tenho a honra de só
ouvir elogios e até uma
certa reverência sobre
meu trabalho, meu nome,
coisas que me enchem de
orgulho”, diz.
Apaixonada de carteirinha e tatuagem
O sentimento da jornalista Amanda Salles pelo esporte, e pelo time do coração, está marcado na própria pele
Foto: Amanda Salles
Karen Fideles
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- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Na infância, enquanto as amigas colecionavam álbuns
das Chiquititas ela trocava figurinhas do Campeonato
Brasileiro com os meninos. Frequentava o Maracanã e
guardava todos os ingressos dos jogos. Também muito
falante, uniu o útil ao agradável e fez vestibular para jornalismo já na intenção de seguir na área esportiva.
Amanda Salles é recém-formada em Jornalismo pela
Escola da Comunicação da UFRJ (ECO). Flamenguista
de carteirinha, cresceu numa família apaixonada por futebol e aprendeu com o avô materno tudo que sabe sobre
o esporte.
Na ECO foi repórter no projeto “Copa Campus” e,
mesmo buscando conhecer outras áreas, nunca abandonou o esporte. Logo que passou no vestibular, o falecimento de seu avô a motivou a tatuar no pé “Sempre
Flamengo” e a marca, que tem para ela um grande valor
afetivo, fortaleceu seus laços com o futebol.
Hoje Amanda está no SporTV como editora de esportes. Ela conta que a tatuagem nunca foi um impedimento
em sua carreira. Ao contrário, a marca no pé sempre foi
uma curiosidade que em entrevistas assume um caráter
bônus. “Quando as pessoas conseguem ver, porque é escondido, é no pé, me perguntam o porquê”, conta.
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Para essa equipe, Carnaval é assunto nos 365 dias do ano
Imagem: www.gambira.com
“Extra, Extra!”
Essa exclamação, tão
associada no imaginário
popular às informações
exclusivas - próprias do
universo do jornalismo já fez parte de título de
enredo de escola de samba. Foi na União da Ilha
do Governador. Em 1987,
a agremiação desfilou
pela Marquês de Sapucaí
representando, através de
suas alas, as páginas de
um imenso jornal, com
direito a todas as editorias mais comuns. Ainda
que não dessa forma tão
explícita, todo ano Carnaval e notícia se misturam. No calor do espetáculo, os repórteres se
esforçam por garantir as
imagens, as emissoras de
televisão discutem o desempenho das escolas e
repercutem os resultados
da apuração. Quando cessam as folias de Momo,
os grandes veículos não
acompanham o dia-a-dia
de quem constroi essa
festa, deixando órfãos de
novidades muitos sambistas apaixonados. Aproveitando esse espaço, a
equipe do Carnavalesco
entrou em cena, tornando
seu site referência no assunto.
Criado em 2007, o
Carnavalesco é um exemplo de empreendimento
nascido da pura paixão,
nutrida pelos jornalistas
Alberto João e Rafael Lemos. A trajetória dos dois
começou no jornal O Dia,
onde trabalharam juntos
na editoria online O Dia
na Folia. Já naquela época, Alberto, 32 anos, atual
editor-chefe do Carnavalesco, percebeu o potencial do tema. “Quando
entrei no O Dia, a editoria
lá já funcionava, mas apenas de janeiro até o fim do
Carnaval. Eu vi que era
possível funcionar o tempo inteiro.” Convencer as
pessoas de que isso era
verdade foi o grande desafio nos momentos iniciais da empreitada.
Mesmo mobilizando multidões de fãs e trabalhadores, preparação do Carnaval não é acompanhada pela imprensa
“Com o aval dos editores, depois de muita luta,
eu consegui, mas tinha
que fazer o meu trabalho
de sempre e depois fazer
a cobertura das escolas.
Entrei no jornalismo de
carnaval por ser apaixonado e por ver ali um vazio em que eu poderia me
destacar.”
Com o tempo, a equipe
foi se formando com amigos do jornal e sonhando
cada vez mais com voos
independentes. Também
se juntaram pessoas que
queriam aparecer mais e
exercitar certos aspectos
da profissão, pois no O
Dia quem trabalhava no
portal não fazia reportagens na rua. Com esse
“material humano” reunido, foi um passo para que
o Carnavalesco nascesse,
crescesse e atingisse as
marcas de popularidade
e audiência que tem hoje.
A página tem uma média
de 18 mil acessos por dia
de março a junho, 30 mil
nos ensaios técnicos (alcançando até os 50 nos
dias das escolas de maior
torcida), culminando nos
110 mil do período momesco.
Conseguir isso exige
muito trabalho. Para o espanto de quem não acompanha o mundo do samba,
não só existe vida de fevereiro a fevereiro, como
ela é muito agitada. Por
volta de abril, as escolas
já anunciam seus enredos, que imediatamente
começam a ser debatidos nas redes sociais. Há
sempre aquele torcedor
que acha que sua escola
já é campeã apenas pelo
tema escolhido, e aquele
que já prevê um suposto
desastre inevitável...
Para atender a ansiedade e o curioso prazer
dos sambistas de especular sobre a folia que virá,
o Carnavalesco precisa
se desdobrar e se fazer
presente em todas as quadras e eventos especiais.
Passando pela entrega
das sinopses entre maio
e junho, cujos textos são
publicados na íntegra
pelo Carnavalesco, os repórteres do site ainda têm
a missão de cobrir as eliminatórias e escolhas de
samba (entre julho e outubro) e as apresentações
dos protótipos das fantasias. Finalmente, vêm os
ensaios técnicos no Sambódromo, testes decisivos
para as escolas antes do
tão esperado momento do
desfile oficial.
Além de todo esse calendário, há as cerimônias
de premiação – nas quais
o próprio site já faturou
vários troféus, como o do
importante Prêmio Sambanet, em 2012. “Estamos
em todos os eventos com
a ideia de que o conteúdo
tem que estar no ar em
tempo real ou, na pior das
hipóteses, ainda na madrugada. Pensamos que
as pessoas, quando chegam ao trabalho pela manhã, já têm que ver no site
tudo que aconteceu no
evento em que estiveram,
ou que não viram porque
tiveram que dormir mais
cedo”, afirma Alberto.
Muitos colaboradores
do Carnavalesco são pessoas que não tinham um
envolvimento prévio com
o jornalismo, mas acabaram encarando a missão
de desenvolver, por sua
ligação afetiva com o
Carnaval, práticas profissionais de reportagem e
redação. Figura carimbada nos vídeos capturados
diretamente da Passarela
do Samba, Roberto Vilaronga, 26 anos, é formado em História. Entrou
na equipe a convite do
editor-chefe, que o conheceu quando ele era
da Diretoria de Carnaval
de sua escola de coração,
o Império Serrano. “As
pessoas que trabalham no
site têm uma forte ligação
com o Carnaval. Comecei
no Império com 12 anos
de idade” conta Roberto,
que vive em seu encargo
inusitado a experiência
de conviver com jornalistas profissionais.
Assim como o advogado Luis Carlos Magalhães, 65 anos, o colunista
mais conhecido do Carnavalesco, recentemente
escolhido para a função
de diretor-cultural de sua
querida Portela. Ligado
ao samba desde o berço,
Luis Carlos exerceu diversas funções no Governo do Estado, inclusive
a de chefe da Assessoria
Jurídica da Secretaria de
Planejamento. Militando pela causa cultural da
revitalização dos blocos
da Avenida Rio Branco, muito tradicionais no
Carnaval carioca, ele foi
convidado para participar da Rádio Roquette
Pinto, no programa “Vai
dar Samba” de Miro Ribeiro. Foi o começo de
uma pomposa trajetória
no campo da reportagem
e do jornalismo de carnaval que o levou, após também passar pelo O Dia na
Folia, ao Carnavalesco.
Isso tudo, apesar de Luis
Carlos curiosamente fazer questão de dizer que
não é um jornalista. “O
valor que os jornalistas
dão à notícia não se compara. Para mim, ela não
tem nenhuma importância. O que eu faço é tirar
pedra da notícia, fazer
uma análise até ideológica, cultural. Eu não daria
uma notícia que achasse
prejudicial e que pudesse
criar confusão, mas acho
que os jornalistas têm
mesmo que informar. O
público espera isso.”
A observação se justifica em um meio cada vez
mais atribulado. Alguém
pode pensar que viver o
tempo todo em ambientes
de festa, repletos de mulatas exuberantes e samba
no pé, deve ser um trabalho maravilhoso. Isso não
poderia estar mais longe da realidade. Em um
meio onde declarações
de mestres de bateria ou
intérpretes
demitidos,
por exemplo, causam
acaloradas tensões, que
envolvem tão fortemente
a emoção dos componentes e das comunidades, o
que menos há é sombra e
água fresca.
Diante das intensas
reformulações, com as
promessas de uma nova
Cidade do Samba, e das
denúncias sobre dívidas
e escândalos nas escolas
mais tradicionais, como
Portela e Mangueira,
cada palavra em uma reportagem se torna delicada.
O próprio Luis viveu
uma situação difícil em
2010, quando uma declaração repercutiu negativamente nas redes sociais. Ela foi feita durante
uma transmissão ao vivo
na rádio Tupi, que conta
com muitos jornalistas
do Carnavalesco em seus
quadros na cobertura do
Carnaval. Ele lembra em
tom divertido a curiosa
Imagens: www.carnavalesco.com.br
Samba no pé... E na pauta!
Lucas Berlanza
17
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Na internet, o site Carnavalesco atrai torcedores de todas as agremiações do carnaval carioca
enrascada: “Eu estava
cobrindo a comissão de
frente da Unidos da Tijuca, quando comentei,
impressionado, que iria
embora, que não precisava ver o resto. É claro que
eu fiquei, mas em questão de segundos já tinha
torcedor de tudo quanto
é escola falando mal de
mim na Internet”.
Alberto João, porém,
comenta que nem sempre
os problemas são tão engraçados. “Sabemos que
o Carnaval é acima de
tudo cultural, mas temos
que manter a competição
para gerar conteúdo e
atrair os leitores. Quando
ainda estava no O Dia, já
vi dirigentes de escolas
ameaçarem
jornalistas
com armas, mas sabia
que isso não passava de
jogo de intimidação.”
Embora hoje não cheguem a esses extremos, os
obstáculos continuam –
entre eles, o financiamento. Desde sua fundação,
o site é mantido pelos recursos do próprio editorchefe, e por colaborações
de amigos que apreciam
o trabalho e desejam vêlo continuar – sem fazer
uso de recursos de financiamento coletivo. Assim,
o Carnavalesco segue sua
caminhada, nos passos
do samba. Sem jamais
abandonar a paixão que
“Não vamos
vender nosso
Jornalismo
para manter o
site e por isso
enfrentamos
dificuldades,
mas sempre
conseguimos
superar”
lhe deu origem, e se sustentando na união de sua
“comunidade” e no espírito guerreiro que todo
sambista conhece bem,
ao participar do processo
duro e longo de preparação de um desfile. No fim
das contas, o Carnavalesco acaba sendo como
uma das várias escolas
que acompanha, correndo
contra o tempo e as limitações financeiras para
“botar o bloco na rua”.
Como resume Alberto:
“Muitas vezes o can-
saço bate e temos brigas,
discussões e depois no
outro dia todo mundo está
bem. Posso falar que, no
Carnavalesco, nós temos
amigos e loucos por Carnaval. É impossível trabalhar com Jornalismo de
Carnaval sem ser louco,
porque o retorno financeiro é mínimo e os elogios
são poucos. Não vamos
vender nosso Jornalismo
para manter o site e por
isso enfrentamos dificuldades, mas sempre conseguimos superar.”
A equipe do Carnavalesco recebeu o prêmio Sambanet e botou seu bloco na rua
18
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Na mira do conflito
Jornalistas participam de cursos para cobertura de conflitos armados
para evitar tragédias
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- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
A voz ativa da comunidade
O Jornalismo Comunitário se preocupa com a criação de uma rede
alternativa de informações para os moradores de favelas
“Olho olho
olhov olho
oolho ovvolho
oolho o volho
o olho oolho
ovvolho ovlho
DJ Marlboro
Legenda
Jornalistas em treinamento durante o curso promovido pelo Centro Conjunto de Operações de Paz no Brasil
Isadora Barros
Não se trata de Irã,
muito menos de Iraque.
A violência no Brasil fez
crescer a oferta de uma
recente – porém crescente
– modalidade de treinamento militar destinado
a jornalistas na cobertura
de conflitos armados.
Até pouco tempo, redações das mais diversas
publicações
brasileiras
deslocavam alguns jornalistas especiais para a
Argentina para realizar
o treinamento. A cidade
de Buenos Aires tem um
pólo importante de treinamento militar para jornalistas, que funciona através do Centro Argentino
de Treinamento Conjunto
para Operações de Paz
(CAECOPAZ). Mônica
Puga, jornalista conhecida pela qualidade de suas
matérias investigativas,
relatou sua experiência
vivida nesse curso em
Buenos Aires. “É pesado. Eles simulam um sequestro e praticam tortura
psicológica. É tudo muito
real”, revela a jornalista.
Para ela curso é importante porque ajuda a conhecer os limites da sua
curiosidade em terreno
desconhecido e em conflito iminente.
No Rio de Janeiro, um
curso promovido pelo
CCOPAB é um dos preferidos entre as redações
que enviam jornalistas
especiais para o trabalho
pesado. O QG da opção
carioca fica na Vila Militar, em Duque de Caxias,
e ensina, entre muitas
habilidades, a entrar em
uma favela em conflito. A
Rede Globo, os portais IG
e Terra e o jornal gaucho
Meia Hora já passaram
por lá. As simulações levam a sério a semelhança
com a realidade e consideram todos os cuidados
que um jornalista deve
ter para, antes de tudo,
garantir sua integridade.
Simulações de como lidar
com ambientes sujeitos a
ataques químicos, biológicos e nucleares também
são realizadas, de forma
que o curso se mostra,
dentro do limite de simulação, bem completo.
A última turma formada
nessa unidade realizou o
curso entre os dias 8 e 12
de julho.
Durante os dois primeiros dias do curso os
militares ministram palestras sobre mediação
de conflito, negociação
de refém, regras da ONU
para áreas de conflito e
outros temas relevantes
para quem vai passar por
território em guerra. Passada a teoria, a hora é de
colocar a mão na massa
“Eles simulam
um sequestro
e praticam
tortura
psicológica.
É tudo
muito real”
Mônica Puga
– ou de se jogar no meio
do conflito. Durante os
próximos três dias que
completam o curso, a
imersão nas situações de
risco torna-se quase tão
temível quanto a realidade. A busca pela maior
semelhança possível com
uma situação limite a que
um jornalista pode ser exposto nesses casos é um
ideal do curso. “Não há limites para a maldade humana”, justifica o Capitão
de Fragata Teotônio Toscano. Por isso, os alunos
enfrentam salas infestadas de gás lacrimogêneo,
incêndios, tiroteios e até
uma simulação surpresa
de sequestro, quando o
grupo se encaminha para
os alojamentos.
Nesse momento, os
jornalistas relatam que
são encapuzados e levados para um cativeiro sob
uma simulação de tortura
psicológica. Tudo isso, a
CCOPAB garante, controlado ao máximo para
conseguir a verossimilhança necessária e prometida pelo curso e orien-
tar como o jornalista deve
(e não deve) se comportar
nesses momentos.
Em 2011, o jornalista
Gerson Domingos, cinegrafista da Band, levou
um tiro mortal enquanto
cobria um conflito na favela de Antares, em Santa
Cruz, Zona Oeste do Rio.
Apesar de grande experiência na cobertura
desse tipo de conflito, os
conhecimentos adquiridos na prática, sem treinamento específico, de Gerson não foram capazes de
prevenir sua morte, que é
até hoje sentida e lembrada nas redações do país,
como o caso do ícone Tim
Lopes, assassinado em
2002 em represália a uma
matéria investigativa que
conduzia na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio de
Janeiro.
Além do tradicional
caderninho com garranchos ilegíveis, microfone e câmera, parece que
o colete a prova de balas
é candidato bem cotado
para fazer parte do kit tradicional do jornalista.
“Os grandes veículos
de comunicação falam o
que é interessante para
eles. O que a gente fala é
interessante para a própria
favela. Quando o povo se
escuta, o povo percebe que
é alguém.” O discurso do
Repper Fiell (com e), ao
ser questionado sobre a necessidade da voz ativa nas
favelas não deixa dúvidas
de sua crença na importância da disseminação da
informação.
Para tanto, Emerson
Cláudio Nascimento dos
Santos, morador do Morro
Santa Marta e responsável por um trabalho social
no local, não economiza
esforços para melhorar a
qualidade de vida das pessoas onde vive. Além dos
projetos ligados à música,
Fiell foi um dos percussores da rádio comunitária
no local e os motivos para
isso o mesmo sempre deixou claro: a desalienação.
O surgimento de um
discurso baseado no “agora
por nós mesmos”, utilizado não só por Repper Fiell
mas também por Renê
Silva, o menino que fez a
cobertura durante toda a
invasão do alemão na rede
social, está presente em
grande parte dos veículos
comunitários. Para o morador do Santa Marta, a
necessidade de criar uma
fonte alternativa de informação tem como objetivo
garantir que a comunidade
possua autonomia. “A nossa rádio é uma iniciativa
que contempla e que inclui para poder representar
o povo. Todas as favelas
tem que ter os seus meios
de comunicação, porque o
nosso Estado não nos representa, ele, na verdade,
nos reprime”, afirma Fiell.
Já a cobertura da invasão do Morro do Alemão
para a instauração das
Unidades de Polícia Pacificadora feita em 2010 por
Renê Silva em seu Twitter,
Voz da Comunidade, deu
visibilidade ao menino que
cinco anos antes já pos-
Foto de divulgação
Luiza Morena Pires
Repper Fiell encara o desafio de cuidar de um projeto de comunicação gerido pelos próprios moradores do Santa Marta
suia um jornal. O veículo,
homônimo ao Twitter,
teve como objetivo inicial relatar aos moradores
os problemas do Morro
do Adeus, local em que
vive. Segundo Renê, que
antes mesmo de cursar
Jornalismo já era repórter,
fotógrafo, redator, editor e
colunista, o crescimento
de seu jornal foi inesperado: “Quando comecei, a
minha ideia era falar dos
problemas sociais que atingiam o lugar onde moro e
nunca achei que fosse ganhar tanta repercussão.
No início falavamos sobre
o asfalto e o saneamento básico, mas depois de
relatarmos a invasão do
morro em tempo real no
Twitter, o Voz da Comunidade (Jornal) passou a ficar
conhecido.”
Com um total de
122.883 seguidores no
Twitter, Renê realiza um
trabalho que vai além de
informar ao mundo o que
ocorre na favela por um
olhar interno. Através de
uma educação informal
veiculada na rede social, o
jornalista comunitário ajuda a resgatar a cidadania
dos moradores. Fruto de
seu trabalho, o jornal que
começou como um projeto
escolar tem hoje uma tiragem médial mensal de 5
mil exemplares. “Se antes
nós só alertavamos sobre
os problemas da comunidade, hoje, cobramos das
autoridades soluções. O
que mais preocupa ainda é
a saúde e a educação. Precisamos urgentemente de
mais investimentos.”, alerta Renê.
No caso do Repper
Fiell, a repercussão de
seu trabalho garantiu que
escrevesse o livro Da favela para as favelas. O
livro conta a visão de um
morador da favela sobre
a educação, o tráfico, a
instauração da UPP e a
nessecidade de comunicar
e buscar uma voz ativa.
A rádio Santa Marta,
que foi fechada em maio
de 2011 por uma operação da Polícia Federal e
da Agência Nacional de
Telecomunicações - operação que além de apreender
o transmissor levou Fiell
a cadeia - foi reaberta em
2012. As dificuldades impostas para a legalização
da rádio continuam sendo
um problema enfrentado
por quem deseja fazer jornalismo comunitário. A
potência baixa, de no máximo 25 watts, a antena
que não pode ultrapassar mente o Dia Mundial da
30 metros e deve ter uma Liberdade de Imprensa.”
Apesar dos benefícios
fraquência única e a necessidade de
à cidadania
todos os loque a introcutores serem
dução das
“O que a
volu nt á r ios
Unidades de
gente
fala
é
são
alguns
Polícia Pados probleinteressante c i f i c a d o r a
mas
que
garantiram
d i f i c u l t a m para a própria às comuniesse tipo de
dades, são
favela.
jornalismo.
recorrentes
Quando
o
Durante
denúncias de
o tempo em
abusos de popovo
se
escuta,
que a rádio
der policial,
Santa Marta o povo percebe garante
o
ficou no ar
Fiell.
que é alguém” Repper
na FM foram
Motivado
r e c or r e nt e s
por
esses
debates sobre
problemas, o
Repper Fiel,
as favelas e
morador do
comunicador
sobre como
Santa Marcomunitário
os políticos
ta criou a
governam o
Cartilha de
Estado, o que para Fiell foi Abordagem Policial ,que
a causa do fechamento e de tem como objetivo garantir
sua prisão: “Foi uma prisão os direitos dos moradores
política. Isso mostra que o das favelas diante desEstado é repressor e não ses policiais. Movido por
quer que o povo se comu- um questionamento innique a não ser que aceite terno, Fiell desafia sua
o jornal ou a TV Globo. comunidade e o restante
Esses meios de comunica- da sociedade: “Vamos nos
ção ditam o que temos que organizar porque as remopensar e fazer enquanto as ções vão vir e toda nossa
rádios comunitárias são história irá virar mais um
marginalizadas e demoni- livro para sociólogos, que
zadas. A prisão aconteceu não moram em favelas.”
no dia 11 de maio, justa-
20
21
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Uma viagem pelos bastidores do Globo Repórter
Acervo Globo Repórter
Entre o documentário e o telejornal
Acervo Globo Repórter
bo Repórter era produzido
por cineastas e conduzido
pela voz do narrador
estático. Mas, na década
de 1980, o programa foi
integrado ao departamento de jornalismo da Rede
Globo. Nesse momento,
ganhou a presença da
figura do repórter, que
juntamente com o cinegrafista, assume a função
de testemunha dos fatos,
transmitindo ao telespectador toda a emoção
vivida na abordagem do
tema.
As mudanças também
ocorreram nas reportagens, que passaram a
ter duração de apenas
15 minutos, e na tecnologia usada na edição e
produção, que ganhou
agilidade.
Outra
mudança
significativa ocorreu na
década de 1990, quando
os aparelhos de televisão
se tornaram mais populares no Brasil. Como as
classes C e D começaram
a ter maior acesso à
TV, as demandas por
informação
também
foram reformuladas. Esse
Sérgio Chapelin e Glória Maria, apresentadores do programa, revisam o texto antes de gravação especial de final de ano
público começou a buscar
informação qualificada
sobre assuntos relacionados com seu cotidiano.
“Pensando nesse público,
que geralmente tem baixo
grau de instrução, o Globo Repórter se adequou
ao perfil de serviço. Os
temas mais comuns são
saúde, alimentação e economia doméstica”, explica
Francesca Terranova.
A chefe de produção
lembra que todo programa jornalístico precisa se
renovar sempre e que o
Globo Repórter não foge
Sérgio Chapelin, apresentador desde o início do programa, em 1973, participa da gravação das chamadas no novo cenário digital do Globo Repórter
Mariana Martins
Um
programa
na
televisão aberta com
duração de 45 minutos,
sobre um único tema, com
tempo de produção longo
e com cara de produção
cinematográfica. Este é o
Globo Repórter, que completou 40 anos em 2013
e é o primeiro programa
jornalístico do gênero
documentário do Brasil.
Apesar da boa aceitação
do público, telejornais
nesse formato têm pouco
espaço nos canais da TV
aberta do Brasil e, por
isso, tendem a limitar suas
pautas a assuntos mais genéricos, voltados para um
público amplo e variado.
O formato que conhecemos hoje nasceu da ideia
de criar um programa
jornalístico semelhante ao
60 Minutes, da CBS News,
mas, por falta de estrutura
para gravações externas,
a Rede Globo preferiu
adotar o modelo do extinto
Globo Shell Especial e
produzir cinedocumentários com narração em off
do apresentador. Assim,
na década de 1970, o
Globo Repórter tornou-se
um veículo importante
para vários cineastas brasileiros, como Eduardo
Coutinho, Maurice Capovilla, Walter Lima Júnior,
Vladimir Carvalho e
Gregório Bacic.
Ainda assim, muitos
cineastas e documentaristas negam que o Globo
Repórter possa ser classificado como documentário.
Entre as principais razões
para isso, afirmam que
o documentário não tem
como objetivo traduzir
a informação, mas apenas reportar. Ou seja,
originalmente, o documentário não tem narrador
e muito menor repórter
conduzindo a informação.
Para a editora-chefe, Silvia
Sayão, o programa se enquadra no meio termo.
“É algo tão polêmico que desisti de
definir. Eu acho que o
Globo
Repórter
tem
muito do telejornal diário
e também do documentário. Quando precisamos
apresentar o programa lá
fora, costumamos defini-
lo como documentário
jornalístico, fica mais fácil
de entender.”
Nos anos 80, o programa passou a fazer
parte do departamento de
jornalismo da Rede Globo
e abriu as portas a equipes
de reportagem. Com
base nas estatísticas da
editora-chefe, a novidade
caiu no gosto do público.
“O brasileiro gosta muito
do formato, tanto que
outras emissoras têm se
aventurado na criação
de programas parecidos.
Normalmente, a cada duas
televisões ligadas na TV
aberta, uma está no Globo
Repórter.”
Notícia ou serviço
Mesmo o telespectador mais desavisado
percebe que o programa
se diferencia de outros telejornais. Segundo a chefe
de produção, Francesca
Terranova, a diferença
está justamente no fato
de o Globo Repórter não
tratar de notícias, mas
sim analisar determinados
temas. “Não é notícia, é
uma investigação jorna-
lística mais aprofundada”,
esclarece.
O processo investigativo envolve uma
grande demanda de tempo
e mão de obra. Por isso,
em média, 30 pessoas
trabalham fixamente na
apuração e produção.
Inclusive profissionais de
outros programas, especialmente os cinegrafistas,
auxiliam nas gravações.
“Não é
notícia, é uma
investigação
jornalística mais
aprofundada”
Francesca Terranova
Uma equipe padrão do
Globo Repórter conta com
um produtor, um editor de
texto, um repórter, um cinegrafista, um técnico, e,
mais adiante, um editor de
imagem. Todos trabalham
em conjunto na realização
das matérias especiais de
cada edição do programa.
Por se tratar de uma
análise mais profunda dos
fatos, cada equipe demora,
em média, dois meses
desde a escolha da pauta
e concepção à finalização
de um episódio. Francesca explica que, com
mais tempo, é possível
selecionar mais e buscar
os melhores especialistas
e personagens. Isso sem
mencionar o dispendioso
processo de edição das
dezenas de horas de
gravação.
“Nossa ideia é justamente se distinguir dos
outros telejornais e aprofundar a informação. É
natural do jornalista querer experimentar outros
formatos. O documentário
jornalístico é onde a
produção e a pesquisa são
mais densas. É óbvio que
temos exceções, como a
morte do Michael Jackson
ou o World Trade Center,
mas no geral temos 60 dias
para fechar uma edição”,
diz a diretora.
Formato camaleônico
Originalmente, o Glo-
O Globo Repórter através do tempo
1993
O programa
começa a
adotar um
único tema
por edição
1996
Assuntos
mais
abrangentes
para o
público das
classes C e D
2008
Comemoração
dos 35 anos do
programa com
novo cenário,
mais arrojado e
interativo
1983
Grande
transformação:
entrada de
repórteres
especiais
3/4/1973
Vai ao
ar pela
primeira
vez
10/6/1982
Gravado
e editado
em fita pela
primeira vez
com uma
reportagem
em Serra
Pelada
20/3/1986
Nova fase, com
reportagens
mais longas
1995
Jorge Pontual
deixa o Globo
Repórter e Silvia
Sayão, que fazia
parte da equipe
desde 1985, assume
a coordenação
editorial do
programa
2010
Glória Maria
estreia como
repórter
especial
do Globo
Repórter
à regra. O repórter também precisa se adequar a
esse processo cíclico e se
adaptar às mudanças do
formato e dos interesses
do público.
22
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Curso Abril de Jornalismo
por quem faz e por quem fez
Coordenador e alunos revelam os critérios da concorrida seleção
Rafaela Marinho
É bem mais difícil do
que passar no vestibular.
A disputa é grande para
entrar no Curso Abril de
Jornalismo: são 42 candidatos por vaga. Na edição
de janeiro de 2013, foram
2.500 os que tentaram e
apenas 60 os que conseguiram. Mas, sem pânico, leia algumas dicas de
quem irá selecionar você e
de quem já foi selecionado
– e o melhor, contratado.
“O que você está fazendo da sua vida para se
tornar uma pessoa interessante?” É com esta pergunta que Edward Pimenta responde a dúvida de
muitos candidatos sobre
qual é o perfil dos selecionados para o Curso Abril
de Jornalismo (CAJ) que
ele coordena. O disputado
curso fortalece o currículo
de quem está começando
a carreira e o melhor: é
porta de entrada para trabalhar na principal editora
do país. Nos últimos quatro anos de curso, 200 alunos foram contratados.
Mas, afinal, existe um
perfil?
Aparentemente
não. Existem características fundamentais somadas às experiências de
vida. Por isso, o importante é encontrar suas aptidões, exercitá-las e fazer
da sua vida uma história
interessante para contar.
Inclusive porque o processo seletivo começa com
uma redação em que o
candidato deve responder
outra pergunta desconcertante: “Quem é você
e porque você escolheu o
jornalismo?”
Se o que você responder chamar a atenção dos
examinadores, o próximo
passo é ser entrevistado
por Edward. Ele viaja pelo
país para fazer estas entrevistas e conta que isto é
o que torna o curso mais
rico. “Vivemos em uma
época onde atenção é o
que há de mais escasso.
Para ganhar a dos leito-
23
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Passei! E agora? O que vem pela frente?
Se entre todas as viagens que
Edward Pimenta fez pelo o país,
você foi um dos selecionados,
parabéns. No entanto, antes de
desembarcar na sede da Abril
em São Paulo, saiba onde está
pisando.
O CAJ foi criado em 1968
para montar a primeira redação
do projeto de Roberto Civita,
morto em maio de 2013. O filho
de Vitor Civita, fundador da
editora, sonhou fazer uma revista brasileira semanal inspirada
na americana Time. A Veja, hoje
a segunda principal revista de
semana no mu0ndo, nasceu com
o curso Abril.
Desde 1984, quando passou
por uma reestruturação, o curso abre todos os anos inscrições
em agosto para as modalidades
de texto, design, fotografia, ilustração/infografia, vídeo e mídias
digitais. Os candidatos selecionados foram os que escreveram
uma boa redação e mandaram
um currículo interessante. Depois, eles passam por uma entrevista em dezembro e, finalmente, começam as aulas em janeiro.
Uma redação experimental é
montada exclusivamente para o
curso. Durante 40 dias os alunos participam de palestras com
nomes importantes da empresa
e do mercado, inclusive internacional. Vale lembrar que o curso não oferece bolsa. Bancar-se
na capital paulista fica por conta
dos alunos.
Logo nos primeiros dias eles
são divididos em grupos para
desenvolver projetos práticos,
que surgem das necessidades
das redações reais. Durante o
processo, são coordenados por
editores das principais publicações. Um contato privilegiado
para quem está no início de carreira. Ao final, devem apresentar
estes projetos a uma plateia rigorosa: os próprios funcionários
da Abril.
Além disto, os ‘cajianos’ têm
a oportunidade de estagiar durante uma semana em alguma
das redações. Mais uma chance
para conhecer pessoas e áreas
novas.
Quem se destacar, mostrando
dedicação, talento e maturidade
para se entrosar com colegas tão
diferentes sem gerar conflitos,
pode conquistar uma contratação. O que depende também da
disponibilidade das redações.
Em geral, os alunos são selecionados tendo em vista as vagas livres das revistas ou que estejam
precisando de reforço, como é o
caso das novas mídias.
Pieter Zalis– Formado na ECO, foi contratado como repórter da Veja e está morando em São Paulo.
“Valorizam muito se você lê uma revista estrangeira, se você tem conhecimento de imprensa, consegue criar um certo perfil sobre as coisas.”
Helena Borges – Aluna formada pela ECO, foi contratada como
repórter da Veja na sucursal do Rio de Janeiro:
Edward Pimenta, coordenador do Curso Abril de Jornalismo: ele viaja pelo país para encontrar os melhores candidatos
res precisamos de pessoas
muito boas e diferentes”,
comenta.
Na entrevista, Edward
fará o que ele define como
seu principal trabalho:
“buscar pessoas interessantes” e também testar
aquelas
características
fundamentais para um
jornalista. “Você será instado a falar em inglês”,
revela Edward, provando
que ter domínio da língua é indispensável. “Não
dá para conceber alguém
que não consiga ler bem
inglês. Se você vai fazer
qualquer revista ou site, o
seu dia a dia vai ser lidar
com literatura e apuração
em inglês.”
Edward define o curso
como prático, sem ambições acadêmicas e um
“banho de cultura Abril”.
Mas, nem por isso é para
esperar que a empresa
seja apresentada. Você
precisa buscar conhecê-la
e, principalmente, querer
fazer parte dela: “Se quer
genuinamente trabalhar
na Abril, você já tem vários pontos a favor. Se não
quer muito, então é melhor não tentar.” Um desa-
fio atual da editora é que
a empresa tenha a mesma
relevância que sempre
teve nas revistas impressas também no mundo digital. Ter intimidade com
ferramentas para publicações na internet ou em
tablets, por exemplo, faz
a diferença para pegar carona nas mudanças deste
mercado.
Um pré-requisito para
concorrer é ser recémformado ou estar prestes a
se formar. Logo, se existe
uma coisa em comum entre a maioria dos candidatos, ainda pouco experientes na vida profissional, é
a insegurança sobre qual
caminho escolher no jornalismo. Política? Economia? Esporte? Moda?
Para Edward, não importa responder com tanta
convicção. Afinal, “não
existe perfil definido saindo da faculdade”, garante
Edward.
O que você precisa
é mostrar que entende
do que gosta sem fechar
oportunidades. A Editora Abril é um mundo de
publicações de segmentos variados e coisas in-
teressantes podem surgir
onde menos se imagina.
Ainda assim, dedique-se
a suas aptidões desde já.
E lembre-se: “O mais importante é estar disposto a
trabalhar”, avisa o coordenador.
Vale a pena preparar a
memória para falar sobre
as leituras que já fez e os
lugares que já conheceu.
Viagens e intercâmbios
são pontos a favor. Se
ainda não tem experiência
em estágio, corra atrás.
Faz toda a diferença mostrar o que você já produziu.
A melhor tática de
conquista é a formação
cultural. Para Edward
isso é um reflexo de um
traço determinante: ser
curioso. “Busco pessoas
que mesmo sendo jovens
foram atrás de ler as coisas certas, foram atrás de
viajar, de viver. E que no
momento em que são entrevistadas
conseguem
mostrar esta curiosidade
pela vida.”
Agora ficou mais fácil
encarar o desafio? Edward
garante: “É muito mais
simples do que parece”. E
os alunos que conseguiram (muitos deles egressos da ECO) dão mais
dicas, confira na próxima
página.
O QUE NÃO PODE FALTAR
• Uma graduação em faculdades renomadas: a maior parte é formada em jornalismo
• Uma história de vida interessante
• Curiosidade
• Boa escrita
• Bom domínio do inglês, tanto para falar
como para ler
• Dedicação e aptidões
• Querer trabalhar na Abril
• Maturidade para conviver em grupo
“Não queira parecer perfeito na entrevista. Não
adianta fingir, você vai passar um mês lá e eles vão perceber quem você é. Tenha noção de que existem muitos
testes psicológicos durante o curso.”
Lucas Varidel – Formado pela PUC-Rio, entrou para o curso na terceira tentativa. Foi contratado para trabalhar na área de mídias sociais da revista Placar em
São Paulo. Ele garante que antes lhe faltava experiência profissional.
“É um processo duro, não pelas etapas, mas sinto que é rigoroso com a qualidade das pessoas que entram.”
Saulo Guimarães – Formado na ECO, foi contratado para trabalhar no site da
revista EXAME e está morando em São Paulo.
“Se você mostrar que a empresa pode investir em você e
ter um retorno legal, por mais que não te chamem, vão prestar atenção. Se não for agora será lá na frente, não só na Abril
como em qualquer empresa.”
Daniel Barros – Formado na ECO, foi contratado como repórter da revista EXAME e
está morando em São Paulo.
“Você conhece pessoas incríveis. Eles fazem uma seleção em que há
uma nata dos jovens jornalistas brasileiros. Gente com quem você
vai se deparar ao longo da carreira. É uma rede de contatos muito
importante.”
24
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Loucos por ele
Quatro profissionais oriundos de outras áreas contam o
que os levou para o caminho do jornalismo
Alex Escobar, ex-comissário de bordo, largou a faculdade de Letras e agora é o atual apresentador do Globo Esporte Rio e do Cafezinho com Escobar
Nathalia Tourinho
O que um ex-comissário de bordo, uma excirurgiã-dentista, um estudante de Direito e um
engenheiro têm em comum? Quando você não
é mais feliz na sua profissão ou o destino modifica
os seus planos, como ter
certeza de estar fazendo a
coisa certa? Alex Escobar,
Carlos Noel da Silva, Luís
Gustavo Soares e Paola
Lima mudaram seus rumos profissionais e foram
parar na reportagem.
Luís Gustavo, 22 anos,
estudante de Direito e atual Parceiro do RJ da região Maracanã, no RJ TV,
da Rede Globo, ainda está
em dúvida de que caminho seguir. Após acompanhar a dupla da Cidade de
Deus do programa, gostou
do projeto e quis se inscrever. Seu interesse foi pela
oportunidade dos próprios
moradores do bairro poderem utilizar a TV para
solucionar um problema
da região.
Carlos, 57 anos, após
34 anos como engenheiro
na Petrobrás, ao ver seus
filhos na fase de prestar
vestibular, se empolgou
com a ideia. Primeiro, tentou Sistemas da Informação, pela Unirio. Porém,
não gostou e largou logo
no primeiro período. Em
2010, fez o Enem e passou
para Comunicação Social na UFRJ. Atualmente, continua trabalhando
como engenheiro na Petrobrás e seu plano para
migrar de área é apenas
quando se aposentar, que
ocorrerá simultaneamente
com a conclusão do curso.
Já Paola, na adolescência, quis fazer jornalismo.
Porém, por questões familiares, optou por fazer
Odontologia. Depois de
cinco anos de faculdade,
mais um ano de especialização, mais quatro anos
trabalhando, ela percebeu que não era isso que
“Acredita e
segue firme,
foco”
Alex Escobar
queria. Estudou mais três
anos para concurso público, enquanto dava aula de
biologia e química em um
cursinho de pré-vestibular. Então, percebeu que
passar em um concurso só
traria estabilidade financeira, mas não realização
profissional. Jogou tudo
para o alto e hoje, aos 31
anos, está no quarto período de Jornalismo, na Universidade Estácio de Sá.
Alex Escobar, 38 anos,
já cantou na noite carioca,
foi comissário de bordo,
cursou parte da faculdade
de Letras e hoje é comentarista e apresentador do
Globo Esporte. Escobar
sempre quis ser locutor
de rádio, porém, após não
ter passado em dois testes,
preferiu fazer o curso de
comissário de bordo e seguir na profissão. Lá, sempre fazia locuções, até que
um colega gostou e resolveu indicá-lo ao cunhado,
que era locutor da rádio
JB FM. Após orientações
dele, Alex passou no teste
e foi contratado.
Começou fazendo a locução de algumas notícias
e das horas durante a madrugada. Então, a Rádio
Cidade, que era do mesmo
grupo, iniciou o projeto
do programa Rock Bola,
programa com quatro torcedores de times grandes
do Rio. Por ser torcedor
do América, foi chamado
para ser o apresentador
do programa, pois seria
imparcial. O programa
foi um sucesso e após três
anos, foi chamado para o
SporTV. Ficou comentando jogos e depois apresentou por seis meses o Bom
Dia Rio, quando substituiu
o Tadeu Schimit, no Bom
Dia Brasil. Em 2010, assumiu o Globo Esporte Rio.
Conhecimento extra
A ex-cirurgiã-dentista
afirma que a formação
ajuda de forma indireta,
pois um bom profissional
deve estar bem informado
sobre a situação real da
sociedade em que está inserido. “A saúde é uma das
áreas sociais com os maiores problemas estruturais,
de qualificação profissional, de investimento e de
pesquisa. Sempre é pauta
de reportagem de denúncia e escândalos. Minha
visão, obviamente, é diferente daquele que nunca
esteve do outro lado, que
nunca viveu o dia a dia de
um profissional da saúde.”
Luís Gustavo afirma
que o curso de Direito
dá uma possibilidade de
conhecer o ordenamento
jurídico e como acontece na sociedade. Ficou
surpreso pelo poder que
um meio de comunicação
tem. “O repórter tem um
papel fundamental na so-
25
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
ciedade, porque vai gerar
um debate e é como um
motor.”
Escobar afirma que ter
sido comissário o ajudou
muito. Por ser uma profissão que considera solitária, aprendeu a lidar com
as dificuldades e superálas sozinho. “Eu tive um
desprendimento
muito
grande sendo comissário.
Sinto-me muito capaz de
lidar com qualquer situação, me tornei mais independente. Um probleminha técnico no ar não
se compara com algumas
situações que eu passei no
avião.”
Carlos também acredita que poderá aproveitar
seus conhecimentos de
engenharia em comunicação e vice-versa. “Meus
conhecimentos e experiência com o trabalho na
área técnica permitiriam
tratar desses assuntos de
forma mais atraente para
ambos os públicos. Também poderia trabalhar na
área de comunicação da
Petrobrás.”
“Eu acho que a pessoa
que tem o interesse, que
tem o hábito, que é curiosa,
que está vivenciando
aquilo, acha que em si pode
desenvolver um perfil de
jornalista.” diz o Parceiro
do RJ, que não é a favor
da obrigatoriedade do
diploma para profissionais
da área de comunicação.
Paola vê as faculdades de comunicação sen-
Paola Lima, ex-cirurgiã-dentista e ex-estagiária de jornalismo na Band, fez teste de estúdio para TV
do muito tecnicistas e é a
favor de mais disciplinas
que incitem o senso crítico. “Eu sou a favor do
conteúdo. Não do diploma. Sou a favor que um
economista faça uma pós
em jornalismo econômico, me entende?”, diz a
estudante.
Já o apresentador do
Globo Esporte acha necessário o diploma. “Dentro da redação da TV Globo são centenas de pessoa
que trabalham com jornalismo, talvez 1% não
tenha, e eu estou nele”.
Ele conta que por não ter
cursado Jornalismo, algumas limitações são impostas, como não pode ser
editor-chefe do programa.
“Eu estou muito
mais feliz do
que quando
me chamavam
de doutora e
passava o dia
de branco,
trancafiada num
consultório”
Paola Lima
“Então vale sim, ninguém
está jogando o tempo no
lixo. Conhecimento nunca é perda de tempo e te
dará uma série de oportunidades dentro do jornalismo que eu não tenho”,
Luís Gustavo, estudante de Direito e Parceiro do RJ da região do Maracanã, do RJ TV
afirma.
“Ele permite o desenvolvimento acelerado dos
conhecimentos necessários ao desenvolvimento
da atividade de comunicador”, afirma o engenheiro, que também concorda
que o curso é importante.
Ele acredita que estudar
em uma universidade é
um momento de abertura
para o mundo. Aprendese equilíbrio entre razão e
emoção, como outros conhecimentos desprezados
na formação básica, como
Filosofia.
Paola não teve dificuldade ser de outra área e
sim para escrever textos
para TV. “A dificuldade
que eu tive foi por não
estar familiarizada em escrever para TV. Meu texto era mais parecido com
o formado de impresso”,
diz.
Luís Gustavo teve mais
dificuldade em se acostumar com rotina, jargões
jornalísticos e por não ter
nenhuma base do conteúdo que é dado nas faculdades. “Eu vou ter que correr muito mais por fora do
que quem já está fazendo
jornalismo.”
Já Escobar afirma não
ter tido dificuldades, principalmente por ter uma
função muito específica,
que exige mais a facilidade de comunicação, carisma e o conhecimento
na área de esportes. Ter
trabalhado no Rock Bola,
também como apresentador, aumentou ainda mais
sua bagagem de conhecimento esportivo. Porém,
destaca que quem quiser
trabalhar em uma área
mais ampla, escrever textos, fazer matéria, irá precisar de um diploma.
Paola Oliveira está
cursando Jornalismo e diz
que tenta estudar por fora
para compensar o excesso
de tecnicismo abordado
em seu curso. “Sou muito
mais feliz do que quando
me chamavam de doutora
e eu passava o dia de branco, trancafiada num consultório, o dia todo e com
musiquinha de elevador.”
Já Luís Gustavo prefere não pensar no assunto
agora. Primeiro quer acabar de cursar Direito. Porém, se surgir uma oportunidade na Rede Globo,
trancaria e daria uma
chance. “Ando na rua e
penso: será que isso vale
uma pauta? Já começo a
ficar sistemático, estou
pensando como um jornalista.” afirma.
Alex Escobar também
não planeja, por enquanto,
cursar uma faculdade. O
seu projeto é o Globo Esporte, o que já ocupa todo
o seu tempo. Ele destaca que o importante para
quem está se formando é
identificar o seu talento.
“Identificado, acredita e
segue firme, foco. Quem
tem competência, se estabelece em qualquer área.
Quem quiser esporte,
acompanhe a área de perto, sempre. Para, quando
a oportunidade chegar,
estar apto a pegar. Porque
oportunidade
aparece,
mas, às vezes, é a gente
que não está apto.”
26
Quem sabe faz ao vivo
Contando histórias com números
A economia está por todos os lados e atrai jornalistas que não se
assustam com gráficos, tabelas e números para fazer notícia
Produzir um programa de rádio é trabalhar em equipe com o ouvinte
O rádio é um meio de
comunicação companheiro, prático e rápido, seja
no radinho de pilha ou
no aplicativo do celular.
Longe dos seus anos dourados, a correria de quem
trabalha no meio continua
a mesma. Na verdade, o
repórter de rádio passou
a acumular mais funções
com o tempo. E a internet
não intimida esse veículo
de comunicação.
Na BandNews Fluminense, o jornalista não
fica restrito ao microfone. Ele recebe a notícia,
apura, entrevista, escreve, e até cuida da mesa
de operações. Todos são
multitarefa, inclusive os
estagiários. Polyana Bretas, chefe de reportagem
da BandNews, comenta:
“O repórter aqui tem que
prestar atenção em várias
coisas
simultaneamente, mas tem um controle
maior sobre o que vai ao
ar e não fica preso a um
padrão”.
A emissora tem quatro
principais jornais, dois no
período da manhã e outros dois a noite, além de
divulgar notícias minuto
a minuto. Os noticiários
são quase sempre ao vivo,
porque muitas informações são apuradas e disponibilizadas durante o
programa. As transmissões são no horário do
rush, quando um grande
número de pessoas está
indo ou saindo do trabalho.
O rádio é um meio de
comunicação de caráter
regional, tanto que uma
das maiores razões para
as pessoas sintonizarem
numa emissora é para saber do trânsito da sua cidade. Com o desenvolvimento tecnológico isso se
acentuou porque o número de rádios AM, que tem
maior alcance de transmissão, caiu fortemente enquanto as grandes
emissoras mudaram para
o formato FM, de menor
cobertura, mas com melhor qualidade do som.
“Ouvir rádio com ruído
na era da TV em alta definição é difícil”, relata Eugênio Leal, comentarista
esportivo e repórter da
Super Rádio Tupi.
Como trabalha somente com a voz, a linguagem
radiofônica é diferente de
outros meios de comunicação, como a televisão
ou o jornal, sendo mais
Programa Dário de Paula:
o amigo da cidade
Em Volta Redonda o
Programa Dário de Paula há mais de 20 anos
transmite notícias para
a região Sul fluminense.
Criado em 1990, antes
mesmo da CBN, e transferido para o modelo FM
em 1993, foi o primeiro
da região a investir nesse formato, sendo que a
maioria das rádios locais
tinham uma programação somente musical.
“Como estamos no interior, as pessoas não
reconhecem esse pioneirismo”, comenta Dário
de Paula. O programa vai
ao ar de segunda a sexta,
das 6h às 10h, e transmite
notícias locais – trânsito,
clima, polícia -, as manchetes dos jornais diários, tem uma parte dedicada ao esporte, e ainda
comunica aniversários,
pedidos dos ouvintes e
notas de falecimento.
“Um serviço de utilidade público que nenhum
outro programa faz”,
afirma Dário. “Até reclamam porque não sabem
quem morreu no final de
semana.” A equipe criou
também duas rádios no
site do programa e que já
tocam em algumas lojas
da cidade.
Foto: Patricia Machado
Patricia Machado
O programa Tupi na Rede na é transmitido online durante o horário da Voz do Brasil
“Muita gente
que escuta
rádio tem os
comunicadores
como
verdadeiros
amigos, nos
sentimos perto
mesmo não
cohecendo o
ouvinte”
Eugênio Leal
emotiva. “O que me fascina muito no rádio é que
tem a possibilidade de
construir a imagem na
mente do ouvinte sobre
o que você está relatando”, afirma Eugênio. “É
uma coisa meio lúdica,
romântica, mas é verdade.” Além disso, o rádio
é único meio de comunicação que não exige
toda a atenção da pessoa,
deixando-a livre para praticar outras atividades. O
acesso também é simples,
qualquer celular hoje em
dia é capaz de captar ondas de rádio, e pode ser
levado para qualquer lugar. O rádio pode virar
literalmente um companheiro do dia-a-dia das
pessoas. “Muita gente que
escuta rádio tem os locutores como verdadeiros
amigos, nós nos sentimos
perto mesmo não conhecendo o ouvinte” completa o comentarista.
O rádio valoriza e trabalha com a resposta de
quem está ouvindo. Seja
para fazer um comentário
ou uma denúncia, ele(a)
está sempre presente.
Na prática, o ouvinte é o
maior pauteiro do rádio.
“Eu acabo de dizer algo
e já tem resposta no Twitter, seja positiva, negativa
ou indicativo do que o público quer ouvir”, diz Eugênio Leal.
Talvez pela particularidade desse veículo,
que cria o clima de proximidade, o ouvinte não
se sinta intimidado a entrar em contato com os
repórteres. Um exemplo
disso seria nas notícias de
trânsito, caso ocorra um
acidente de carro que crie
uma congestionamento,
haverá ouvintes pedindo
informações – o motivo
do acidente, o tamanho
do engarrafamento - e
outros disponibilizando
informações – como rotas
alternativas de circulação.
Aliás, a web não assusta os jornalistas do rádio. A comunicação entre
os ouvintes e os repórteres foi complementada
com o auxílio das redes
sociais. “Eu não acho que
a internet seja um veícu-
27
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
lo concorrente, ela é uma
ferramenta que pode ser a
favor de qualquer meio de
comunicação desde que
saiba trabalhar com ela”,
afirma Fernando Mansur,
professor da Escola de
Comunicação da UFRJ e
locutor da MPB.FM. “A
internet é um instrumento de ampliação do rádio”,
completa. Para Eugênio
Leal, também responsável
pela cobertura do carnaval carioca na Rádio Tupi,
a internet amplia a cobertura dos acontecimentos
sem precisar interromper a programação. “Na
internet, se você quiser
transmitir 2 ou 3 acontecimentos ao mesmo tempo é possível. Nós nunca
teríamos o espaço para
cobrir o carnaval na rádio
como temos no site.”
Mesmo mais de um século depois da sua invenção, o rádio preserva sua
experiência com o ouvinte intacta. O trabalho do
jornalismo no rádio não
difere muito das outras
áreas de notícias diárias,
com sua rotina de correria. “Meu chefe brinca
que se você quer trabalhar
com rádio deve esquecer
o resto da sua vida. Realmente é cansativo e uma
loucura, mas nós amamos
fazer isso”, diz Eugênio
Leal. Parece que o repórter é mais um que foi fisgado pelo charme desse
veículo criado em 1893.
Patricia Valle
A maioria dos jornalistas responde a mesma
coisa sobre como escolheu
a profissão: facilidade de
comunicação,
interesse
por diferentes assuntos,
gostar de escrever e odiar
matemática. Mas alguns
tiveram a incrível surpresa
de entrar em um campo
bem específico, cheio de
números, gráficos e linguajar próprio, difícil de
entender: o economês do
jornalismo econômico.
Quem acabou entrando
nesse meio sem querer e
se apaixonou foi a repórter
especial Cássia Almeida
do jornal O Globo. Ela
veio ao Rio de Janeiro
para trabalhar no jornal
econômico e dois anos
depois foi chamada para
a editoria de economia no
Globo. Há 18 anos por lá,
ela não deseja outra coisa.
“O jornalismo econômico
te permite falar de qualquer assunto, desde saúde
à violência urbana, de
sustentabilidade à política,
de pobreza e desigualdade
a negócios milionários, do
comportamento do bairro
à situação econômica
internacional. A economia
engloba qualquer assunto,
é completamente fascinante”, afirma a repórter.
Uma das provas de que
a economia está em tudo
foi a série A terceirização
que mata, escrita por ela,
e que acabou ganhando o
prêmio Esso. A reportagem surgiu numa apuração
sobre as reivindicações
dos petroleiros e outras categorias durante uma campanha salarial. Três trabalhadores terceirizados da
Petrobras tinham morrido
em 15 dias. Assim ela,
com Ramona Ordoñez,
especialista na área de
petróleo, e Geralda Doca,
em Brasília, começou a
apuração.
Constatou-se
a falta de segurança para
os operários terceirizados
que faziam as atividades
mais perigosas. “Ficou
claro a invisibilidade dos
trabalhadores mortos no
Brasil”, afirma Cássia.
Cássia Almeida, Repórter do Globo, afirma que há um esforço em explicar de forma clara
O primeiro prêmio que
a matéria ganhou foi o
Vladimir Herzog. “Foi
uma honra muito grande
receber o prêmio das mãos
da viúva do jornalista,
Clarice Herzog”.
O que é preciso para
ser um bom jornalista
econômico? Sem dúvida
ter afinidade com os
números ajuda, mas não
é um pré-requisito. Exatamente porque a economia
se relaciona com qualquer
área, qualquer assunto
pode ser pauta. Mas analisar dados é uma rotina,
explica Cássia: “A pauta
está voltada para divulgação de relatórios, de
resultados de governo, de
pesquisas sobre atividade
econômica,
negócios”,
afirma a jornalista. Os
especialistas ajudam a
traduzir os números, mas
cursos de entidades que
divulgam com frequência
dados ajudam bastante o
jornalista a lidar com esse
noticiário.
Quem está começando
também percebe que é
preciso estar por dentro
desse universo. Daniel
Barros era estudante de
jornalismo da UFRJ e estagiário da EBX, mas não
estava contente com o trabalho de assessoria. Bateu
na porta da Revista Exame
e pediu uma chance. Atendida. Ele começou o estágio na revista e percebeu
“ A economia
costuma
estampar as
manchetes dos
grandes jornais
vários dias na
semana”
que era importante estar
por dentro da economia.
“Saber lidar com gráficos,
acho que pode ser um
diferencial. É possível ser
um repórter de economia
medíocre ou estudar e ser
minimamente conhecedor
do mundo econômico,
portanto mais capaz de fazer os raciocínios que uma
publicação analítica como
a Exame requer. Além,
claro, de estar mais preparado para as conversas
com economistas, empresários, investidores e administradores públicos.”,
analisa o jovem repórter,
que foi contratado no final
do ano.
Daniel percebe que
é preciso estudar e se
aprimorar para se destacar e pretende fazer um
mestrado de economia,
mas garante que ler muito
a respeito já é um grande
passo. “É essencial ter
curiosidade, como em
qualquer outra parte do
jornalismo. Mas é claro,
para avançar, tem que
se informar. Tem que ler
o Valor, tem que ler a
Economist, tem que ler
o caderno de economia
do Estadão... E a Exame
também, por que não?”,
brinca.
Apesar de não saber se
ficará na área de economia
ou se irá para a política, o
jovem jornalista está muito feliz com o que faz: “Eu
quero fazer um jornalismo
relevante. Quero falar
sobre os grandes temas,
discutir o que importa
para o Brasil, as grandes
questões do Brasil. Eu
sou um pouco Policarpo
Quaresma nesse sentido.
A economia, em boa medida, permite isso”.
Com o tempo, a tendência é a especialização em
um setor da economia. Em
todos os jornais existem
repórteres especializados
e cada repórter é responsável por um setor. “É importante porque, ao cobrir
sempre um determinado
tema, ele passa a entender
mais do assunto e, sobretudo, fazer fontes. Ele [o
repórter] vai aumentando
seu conhecimento ao
longo do tempo”, explica
Liane Thedim, que edita
o site de economia do O
Globo. “É claro que numa
situação de crise todo
mundo vai fazer aquilo, ou
seja, vamos concentrar esforços e puxar repórteres
de outras áreas”, completa.
Portanto, é preciso sempre
acompanhar o que acontece ao redor, fora o seu
próprio setor.
A internet tem trazido
novas oportunidades para
trabalho nessa área, que
assim como as demais
áreas do jornalismo está
sofrendo com demissões
e a incerteza da continuidade do jornal em papel.
Mas ainda é um setor
com uma média salarial
um pouco maior, porque
exige
especializações.
Cássia investiu em suas
especializações e alcançou
o sucesso: “Quanto mais
especializado o trabalho,
mas bem pago ele é. Ainda
mais porque, no jornalismo, com o aumento da
oferta de mão de obra,
os salários estão ficando
menores”. Universidades,
públicas e privadas, dão
cursos de economia para
jornalistas, ensinando os
conceitos e história econômica. A Bolsa de Valores
também oferece cursos
rápidos sobre o funcionamento do mercado
financeiro. IBGE também
faz seminários sobre os
indicadores econômicos
calculados pelo instituto,
principalmente sobre o
cálculo do PIB e sobre as
pesquisas
domiciliares.
“Eu já fiz todas essas
especializações e cursos”,
conta Cássia.
Qualquer
veículo
precisa ter a sua versão
on-line hoje em dia, e isso
abre um pouco o mercado,
mas diminui as redações
convencionais. As publicações de peso nessa área
têm investido em sites e
mesmo nas redes sociais,
como a Exame, O Globo e
o Estadão. O público desse
tipo de jornalismo precisa
de uma análise mais profunda, mas também de notícias rápidas para acompanhar o pregão da bolsa,
por exemplo, ou para ter
uma informação que vale
investimento antes dos
outros. A economia está
de fato em todos os cantos
e tem especializações para
todos os gostos.
28
Envelhecer nas redações
Os degraus da reportagem
Repórteres costumam ter vida curta nos principais jornais do país
Vivianne Tufani
Olga segura laudas de texto na redação de O Globo antes da chegada dos computadores
graça”, conta Olga.
Na hora de renovar seus
quadros de empregados, as
empresas também levam
em conta o fraco poder
de mobilização dos jornalistas recém-formados.
Ávidos por conseguir uma
posição no mercado, os
focas costumam protestar
menos contra uma rotina
de trabalho mais intensa.
“Os focas aceitam
jornadas de trabalho mais
duras e menos benefícios,
que muitas vezes foram
conquistados pelos mais
experientes à custa de
muita batalha com a empresa. Contribui para isso
um certo mito de que o
jornalismo é uma missão
e não uma profissão, e que
o profissional deve se submeter à vida dura se quiser
obter sucesso”, observa
Consuelo Sanchez.
Atualmente com 50
anos, ela pisou pela primeira vez na redação de
um grande jornal em 1989;
dez anos depois, optou
por seguir carreira como
assessora de imprensa.
Hoje, Consuelo trabalha
no departamento de comunicação da Petrobras.
Oportunidades na crise
Para piorar, os jornais
ainda batem cabeça na hora
de lidar com a famigerada
era da informação, em que
o imediatismo da notícia,
potencializado pela internet, mudou completamente
a lógica de produção. Os
anunciantes, que bancam
toda a indústria jornalística, mínguam no papel, o
que leva à redução de custos e, consequentemente, à
contratação de repórteres
mais jovens - e mais baratos. Essa política, dizem
alguns, diminui a qualidade dos jornais, o que leva
à queda das vendas e só
aumenta a bola de neve.
O fenômeno, no entanto, não é uma exclusividade dos veículos brasileiros.
Sofrendo com a queda
na receita publicitária, os
jornais americanos reduziram em 26% suas redações
desde 2007. Apesar do
cenário sugerir um colapso
do mercado, essas reestruturações funcionam como
Hoje pouco mais da metade dos jornalistas trabalha na imprensa tradicional
uma porta de entrada para
os novatos nos grandes
jornais.
“Comecei na profissão
depois de um passaralho.
O problema atual é que os
jornalistas demitidos não
são repostos. Isso deixa
os mais jovens sobrecarregados, o que se reflete
na queda de qualidade dos
jornais”, pontua Olga de
Mello.
O momento de incertezas no jornalismo divide
opiniões entre aqueles que
estão começando agora a
escrever suas primeiras
matérias. Num ramo em
que a vocação é essencial
para uma carreira longeva,
há quem coloque em dúvida as convicções que levaram à escolha pelo curso
de comunicação social.
Luiz Carlos Ferreira,
por exemplo, já pensa em
alternativas para quando
chegar aos 50 anos.
“Espero estar num setor
administrativo, de gestão.
Caso continue como repórter, pretendo ocupar
uma área mais flexível, que
me permita ter uma rotina
menos estressante”, diz o
repórter do Diário Lance!,
hoje com 23 anos.
Projetando a carreira no
ano de 2041, o brasiliense
Eric Zambon, de 22 anos,
espera ocupar um cargo de
chefia. “Quando completar
50 anos quero ser editorchefe de uma revista - digital ou em papel, se ainda
existir - especializada em
música e esportes. Nas
horas vagas, gostaria de
praticar meu hobby, que é
compor músicas”, afirma.
O papel de um bom
repórter vai muito além
de fazer uma simples matéria. Apurar bem, ter um
bom relacionamento com
as fontes e os companheiros de trabalho e dominar
o idioma são algumas
das funções essenciais
para uma carreira de sucesso. Alguns repórteres
acabam se destacando
nesses quesitos pelo bom
desempenho e alcançando andares mais altos na
carreira de jornalista. Se
tornar editor ou diretor
FM, e eu fui para lá, como
produtor e repórter”. Trabalhar em rádio nunca foi
um desejo, mas ele conta
que se descobriu e ficou
um ano como âncora do
jornal da manhã. “Depois
de pouco mais de um ano
eu fui chamado para voltar para a televisão, como
repórter. Foi um período
muito importante para a
minha carreira, eu aprendi
bastante.”
Mas Rodolfo não ficou
muito tempo nessa função
e logo foi chamado para
voltar à rádio Band News,
onde ficou por três anos e
Imagem: Projetteria.com
Não é fácil encontrar
repórteres acima dos 50
anos nas redações dos
principais jornais e revistas nacionais. Segundo a
pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro?”, realizada
pelo Programa de PósGraduação em Sociologia
Política da Universidade
Federal de Santa Catarina
(UFSC) em convênio com
a Federação Nacional dos
Jornalistas (FENAJ), apenas 8% dos profissionais
da área têm mais de 51
anos - e apenas 55% dos
entrevistados atuam em
veículos de comunicação.
Ainda de acordo com
o levantamento da UFSC,
praticamente metade dos
jornalistas ativos no país
têm entre 23 e 30 anos,
números que conduzem a
uma pergunta inevitável:
por que o mercado vem
abrindo mão de jornalistas
mais experientes?
Um caminho para chegar à resposta é analisar
os sinais emitidos pelo
próprio mercado. No primeiro semestre de 2013,
uma onda de cortes - o
temido passaralho, jargão
jornalístico para demissões em massa - atingiu
algumas das principais
redações brasileiras.
Na Folha de S. Paulo,
entre 30 e 40 vagas foram
extintas, assim como o
caderno “Equilíbrio”; no
concorrente O Estado de
S. Paulo, o enxugamento
foi praticamente o mesmo,
com 40 vagas a menos na
redação e cadernos mais
enxutos. Outra gigante do
mercado nacional, a Editora Abril anunciou em 2013
uma reestruturação que
afastou de seus quadros
cerca de 70 funcionários
de vários setores, entre
eles sete executivos.
Nesse processo de
reformas internas, as
empresas
jornalísticas
tendem a se livrar de seus
empregados mais antigos
em benefício daqueles que
estão saindo agora da faculdade de comunicação.
O que pode soar como
uma política discrimi-
natória, na verdade, tem
uma explicação econômica: profissionais mais
experientes custam mais
caro. Além disso, o desgaste do dia-a-dia tende a
levá-los para outras áreas
de atuação.
“A migração voluntária dos profissionais
para outras áreas, como
as assessorias, é uma
realidade. Em razão dos
baixos salários pagos pela
grande maioria dos veículos de comunicação e
das condições de trabalho,
que incluem desrespeito
à carga horária e pressão
contínua, os profissionais
que têm outras oportunidades acabam optando por
se desligar das redações”,
analisa Maria José Braga,
vice-presidente da Fenaj.
No caso de Olga de
Mello, de 52 anos, o primeiro passo para deixar
o trabalho na redação foi
a maternidade. Trinta e
dois dias após descobrir
que estava grávida, ela
largou o cargo de repórter
no Globo. Um ano depois,
tentou voltar à velha rotina
como redatora do Jornal
do Brasil, no qual permaneceu pouco mais de um
ano. Ainda teve uma passagem de 10 meses pelo O
Dia antes de, finalmente,
migrar para a assessoria.
“Além da vantagem
financeira, o horário de
trabalho foi determinante.
Sem contar que você
chega num ponto que não
aguenta mais. Na minha
última matéria eu sabia as
respostas de antemão, de
tanto que já tinha entrevistado aquelas pessoas. A
reportagem vai perdendo a
Jornalistas que chegaram a cargos de chefia contam suas experiências
Rodolfo Schneider: um dos mais jovens diretores do mercado
pode ser um sonho, mas
só com muito empenho é
possível chegar lá.
Gerenciar pessoas é
muito diferente de ir às
ruas atrás de furos jornalísticos. É preciso estar
atento ao processo como
um todo, trabalhando para
que tudo corra da melhor
maneira possível. É o caso
de Rodolfo Schneider,
diretor de jornalismo da
Band Rio. Em sua sala,
dentro da movimentada
redação da emissora, ele
conta que passar de repórter para diretor foi uma
grande mudança.
Formado em jornalismo pela PUC-Rio,
Rodolfo começou na Band
como estagiário, no setor
de apuração, e quando estava se formando acabou
indo para outra área: “No
meio de 2005, quando eu
estava acabando a faculdade, surgiu a Band News
meio como chefe de redação. Ele gostava tanto do
trabalho que acabou se
destacando e, em agosto
de 2011, recebeu a tarefa
de assumir a direção de
jornalismo na Band, formada pela televisão e
pelas rádios Band News
FM e Bradesco Esporte
FM, além do jornal Metro,
que também faz parte do
grupo. “Quando comecei
minha carreira no jornalismo eu sequer pensei
que fosse ser repórter de
televisão, ainda mais diretor de jornalismo. Tudo
aconteceu muito rápido na
minha vida, as oportunidades surgiram sem que
eu buscasse”, afirma.
Mas quem já foi repórter um dia nunca perde
o gosto pela adrenalina
de conseguir furos jornalísticos, tentar achar a
melhor fonte e publicar
uma matéria que dê ale-
gria de escrever. Por isso
Rodolfo conta que mata a
vontade de fazer as reportagens e conseguir boas
pautas sendo curioso. “Às
vezes eu pego o meu almoço e vou para o centro,
ando pela Rua da Carioca,
buscando respirar o Rio
de Janeiro. Quando não
tenho reunião eu sempre
tento sair pela cidade.”
Para ele, não é errado
estipular um cargo de chefia como meta. Quando se
tem um objetivo é comum
se dedicar mais, e com
isso, ambos saem ganhando, tanto o profissional,
quanto o jornalismo. “O
mais importante é trabalhar o seu dia-a-dia,
fazendo a melhor matéria que puder, contando a
melhor história. Mostrando que tem algo a mais, o
repórter ganha confiança,
ganha voz, e com isso surgem as oportunidades”,
diz.
Para aqueles que pensam que um cargo mais
alto é sinônimo de tranquilidade na profissão,
Schneider explica que não
é bem assim, e que, mesmo estando na chefia, tem
sempre alguém de olho no
seu trabalho: “A empresa
me avalia. Se algo desandar, for em outra direção,
eles vão fazer uma escolha melhor. Por isso eu
preciso estar sempre mostrando qualidade naquilo
que faço”.
Outro caso de sucesso no jornalismo é o de
Aydano Motta, editor do
jornal O Globo. Formado
pela UFF, ele diz que seu
pai não era a favor da sua
escolha, e preferia que ele
seguisse uma “profissão
de gente”. Por isso, Aydano acabou passando em
Direito para a PUC-Rio,
mas não chegou a completar mais de um semestre.
Ele diz que se sente realizado. Não pretende ir
além e chegar ao cargo de
diretor de redação: “Eu
acho ser chefe mais chato
do que ser repórter”, diz.
Filho de um comerciante e de uma psicóloga,
Aydano começou sua car-
Foto: acervo pessoal
Tiago Nicacio
29
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
Aydano Motta: “O bom jornalista está sempre se informando”
reira no jornal O Dia, e
não recebia salário para
trabalhar. No entanto, sua
vontade era tanta que ele
ia para a redação até nos
finais de semana. Logo
depois, surgiu uma vaga
no jornal O Fluminense,
em Niterói e, como ele era
morador da cidade, uniu o
útil ao agradável.
O jornalista cobria
a área de esportes, algo
bem diferente do que ele
imaginou quando decidiu
seguir a carreira. Sua escolha foi feita após assistir
ao filme “Todos os homens do presidente”, que
conta a história de dois
repórteres, que, através de
uma investigação, acabam
descobrindo o escândalo
Watergate,
responsável
pela queda do presidente
americano Richard Nixon.
Aydano diz que descobriu o poder da profissão
e gostou daquele tipo de
jornalismo investigativo,
mas não seguiu por esse
caminho.
Sempre pensando em
novas pautas, ele encontrou um universo com
muitas histórias curiosas e
divertidas: “Eu acabei me
especializando no carnaval carioca. Descobri um
monte de histórias interessantes que ninguém tinha
contado e que eu queria
contar”, declara Aydano,
que já está escrevendo o
seu quarto livro sobre o
tema.
Com 27 anos de profissão, ele diz que não
chegou ao cargo de editor
porque alguém o protegeu,
mas sim porque trabalhou
muito e foi reconhecido.
O jornalista, que sempre
gostou de escrever, acabou se destacando pela
qualidade dos seus textos:
“Eu rapidamente me inseri
pela valorização do texto,
e sempre era puxado para
o fechamento do jornal.
Acabei me descolando da
reportagem e fiquei com o
cargo de editor”.
Para ele, não há mistério no jornalismo, e o
importante é sempre se
informar e praticar. “Eu
me informo obsessivamente e fico redigindo
textos na minha cabeça
o tempo todo, porque daí
vem a facilidade com as
palavras e o domínio do
texto”. O mercado é muito concorrido e é preciso
se diferenciar da maioria
para garantir um lugar
na profissão. O repórter
tem que se esforçar: “Para
você virar editor ou diretor, o caminho é trabalhar
direito. Foi o que eu fiz”.
30
Liberdade de expressão
Repórteres relatam as vantagens de trabalhar duro na redação da Playboy
Vinícius Vieira
Fotos: Vinícius Vieira
Vários mitos cercam a
revista Playboy. Cachês
astronômicos para mulheres famosas e observação
privilegiada das sessões
de fotos pelos repórteres
são os mais comentados.
A maioria dessas especulações, porém, é falsa. Mas
uma palavra que pode descrever a publicação é liberdade. Antes que pensem
besteira: essa liberdade
traduz-se, principalmente,
no processo de elaboração das matérias. Nathan
Fernandes, repórter que
já trabalha há três anos
na revista, revela: “Você
pode ser estagiário, editor,
o que for, se você sugerir a
pauta, é você quem vai fazer. Então, mesmo sendo
estagiário é possível, por
exemplo, fazer uma grande entrevista”. Ele acrescenta que várias pautas sugeridas por Luan Freires,
o mais novo estagiário de
Playboy, viraram matérias
e entrevistas, o que é ótimo para quem está no começo da carreira, uma vez
que possibilita a criação
de um “puta” portfolio.
Essa opinião de liberdade editorial também é
compartilhada pelo editor
de redação, Jardel Sebba,
no que se refere à regulação do conteúdo internacional. “Nós podemos
fazer o que a gente quiser
com esse conteúdo. Podemos publicar praticamente
a revista americana inteira.” A Editora Abril paga
royalties à marca americana para ter acesso a um
sistema interno de comunicações no qual é possível
ver as revistas pelo mundo
publicam. Assim, Jardel
diz que aproveita algum
material externo quando
se publica conteúdo voltado ao público-alvo da
revista brasileira. “Já republicamos a 20P [seção com
20 perguntas direcionadas
a uma personalidade] com
o Tom Cruise e com o
Tarantino, por exemplo.”
Mesmo assim, Jardel não
descarta deixar em banhomaria algumas matérias da
Jardel Sebba, editor de redação: “Nós nunca fizemos pornografia. O que eu acho que ocorre é uma interseção de público”
playboy americana. “Nesse mês, a 20P que a gente
recebeu é do anão da série
Game of Thrones [Tyrion
Lannister,
interpretado
pelo ator Peter Dinklage].
Se precisar podemos usar,
se alguma coisa der errado, está lá.”, diz.
A liberdade editorial
da Playboy faz parte de
uma estratégia para manter bons jornalistas em
seu time. Mesmo sendo
homossexual, Nathan diz
que não trocaria a revista
masculina para trabalhar
numa voltada para o público gay. “Quer dizer, ganhando bem, eu iria, mas
se eu pudesse escolher entre a G Magazine e a Playboy eu ficaria com a última, sem dúvida, porque
é um lugar muito livre”,
brinca o foca. O repórter
já passou por várias redações do grupo Abril, como
a Veja, Women’s Health,
Mundo Estranho e Superinteressante, contudo ressalta a contradição entre a
seriedade desses lugares
e a liberdade no trabalho
atual. Mais uma vez, essa
liberdade não está associada às mulheres peladas.
“Na Playboy a gente fica
até tarde, mas fala besteira
e entra em site de putaria.
Não tem uma pressão para
você se comportar de ou-
tra forma, mesmo sendo
gay ou não, e acho que isso
não tem em outra revista.”
Se na redação de uma
revista cujo target é masculino heterossexual tem
um repórter gay na redação, por que também não
poderia ter uma mulher?
Uma curiosidade comprova a disposição da
Playboy para contratar
um bom profissional, independente de gênero ou
orientação sexual: a redação foi chefiada, durante
sete anos, pela jornalista
Adriana Negreiros. Desde
que a revista mantenha a
qualidade que adquiriu ao
longo dos quase 40 anos
de existência, mantendo
o foco no público-alvo,
Jardel acredita que não há
nenhum problema que tenha os mais diversos tipos
de jornalistas. “Temos que
olhar para quem estamos
escrevendo e por isso é
que nós temos um repórter homossexual e não há
problema nisso, não tem
problema ter uma repórter
mulher, porque não somos nós, é o produto que
estamos fazendo. Então,
esperamos que eles não se
amarrem a gênero, raça ou
questão pessoal”, pontua.
A Playboy também
ousa porque permite aos
seus jornalistas trazer as
curiosidades, angústias e
vontades pessoais como
inspiração para as pautas.
Segundo Jardel, quando
um repórter propõe uma
matéria sobre fetiches ou
turismo, por exemplo, é
porque esse jornalista tem
algum interesse. Pode ter
sido um fetiche que levou
Nathan a fazer uma matéria sobre um casal de Brasília para a edição de maio.
“A menina ficou toda pelada. Ele amarrou os braços
e as pernas dela, usou uma
mordaça, uma corrente,
uns brincos de pressão no
peito e a deixou lá na varanda, se exibindo. A cada
amarração, o homem me
explicava o que eles faziam. Foi bem divertido”,
lembra.
A revista dedica um
espaço para os leitores tirarem suas dúvidas sobre
qualquer assunto. Numa
revista como a Playboy, é
natural que grande parte
desse conteúdo seja preenchido com as mais pitorescas perguntas sobre sexo e
comportamento. Nathan,
responsável por editar
esse espaço, declarou que
a pergunta mais indiscreta
que a equipe recebeu veio
de uma garota cuja curiosidade era saber sobre anal
giratório (variante do sexo
anal na qual o coito acon-
31
- Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
tece com a mulher sentada
no seu parceiro, tentando
fazer um movimento de
360 graus). “A gente até
cogitou fazer um infográfico para mostrar o que era
um anal giratório, mas ficou só no escrito mesmo”,
diz Nathan. Embora as
respostas estejam recheadas de trechos bem-humorados, todas são respaldadas por especialistas. A
equipe já se surpreendeu
com as respostas obtidas
dos médicos, encontrando
lógica onde só pensavam
se tratar de uma dúvida
esquisita. “Nesse mês, a
gente recebeu uma pergunta de um cara dizendo
que gostava que a mulher
gozasse na boca dele, mas
que o esmalte do dente
estava saindo e o dente
estava ficando sensível.
Quando apuramos, descobrimos que tem a ver”.
Outro espaço da Playboy que merece destaque,
pela grande espaço dedicado à seção e – consequentemente – pela quantidade
de
polêmicas
reveladas é as entrevistas.
Constituindo-se como um
caso raríssimo diante de
uma imprensa cada vez
mais breve, Jardel destaca
que os principais critérios
para seleção dos entrevistados são a relevância, a
diversidade de assuntos e
importância, de alguma
maneira, para a história do
Brasil. Afinal, o escolhido
tem de dominar uma variedade de assuntos a fim
de ocupar a grande lacuna.
“A gente tem que ter tempo com as pessoas, elas
não podem dar uma entrevista com pressa e isso
resulta numa estratégia de
entrevista que permite que
elas digam coisas que elas
não dizem em outros lugares. Nós não podemos dar
uma entrevista de oito páginas para alguém que não
tenha muito a dizer. Então,
os critérios são relevância
e a longevidade”, pondera. Evidentemente, uma
personalidade pode se
tornar um entrevistado de
Playboy mais de uma vez.
Mas a publicação costuma
dar uma distância de até
10 anos de uma entrevista
para outra.
Àqueles que ainda não
foram entrevistados e sentiram sua importância diminuída, Jardel explica:
“Isso não quer dizer que
as pessoas tenham mais
ou menos qualidades. Sabemos da importância do
Criollo para o cenário musical atual, mas não faria
sentido para a gente entrevistá-lo, porque ele está no
primeiro disco mainstream, está começando uma
carreira”, afirma. Um famoso que tem sua importância costumeiramente
discutida é Neymar. Num
país campeão de cinco
copas do mundo e com o
futebol ocupando um espaço importante para o
target da revista, a presença do jogador nas páginas
é sempre revisitada: “Será
que não faz mais sentido
entrevistar o Neymar daqui a dois anos? Ou daqui
a três anos? Ou daqui a um
ano, no torneio de 2014? A
gente sempre tem medo
de queimar a largada porque a entrevista de Playboy tem que ser algo mais
substancioso”, argumenta
Jardel.
Como a Playboy, em
geral, tem três seções de
entrevistas (a principal, o
20P e a integrante do pôster), os critérios de seleção
acima não conseguem excluir aqueles famosos que
se destacam por seus ataques de estrelismos. Editor de algumas dessas en-
Reedição de um número com Marilyn Monroe. Abaixo, capas são afixadas na parede da redação
trevistas, Nathan pareceu
realmente incomodado ao
relatar a experiência de arrancar algumas respostas
de Bárbara Evans (filha
de Monique Evans). “Eu
a entrevistei duas vezes e
foi bem complicado porque, além de ter chegado
horas atrasada, ela achava
que era estrela. Tem coisas que eu acho que não
precisa. Por exemplo, ela
me fez esperar um champanhe gelar para poder
começar a falar comigo
porque queria fazer a entrevista gelando o champanhe”, desabafa.
O conteúdo obsceno
facilmente compartilhado
na Internet deveria deixar os responsáveis pela
Playboy
descabelados.
E, aqui, não se refere ao
termo “descabelar o palhaço”. De fato, conforme
Jardel, a diminuição e es-
pecialização do público
são observados com certa
apreensão, mas não atingem de maneira certeira a
revista. A começar porque
os dois veículos trazem
abordagens
diferentes
para atiçar a libido masculina, de acordo com a explicação dele. “Nós nunca
fizemos pornografia. O
que eu acho que ocorre é
uma interseção de público da abordagem erótica
disponibilizada por Playboy e a da pornografia.
Esta última sempre existiu, mas hoje talvez seja
de mais fácil acesso em
função da digitalização
das coisas.” Observando
o contexto numa escala
mais ampla, Jardel aponta
que todos os veículos impressos perderam público
com a formação da rede
mundial de computadores,
independente do conteú-
do. Mesmo assim, a marca
Playboy se diversifica para
encarar o novo cenário e o
redator-chefe garante que
este não é o fim da revista. “Uma revista como a
Playboy, com a marca e
a tradição que tem, nunca vai morrer. Poderá se
restringir, poderá se dirigir a um público menor,
poderá entrar em outros
formatos, tais como conteúdo para smartphones
e tablets, além das rádios
online, mas a pornografia
em si não nos atingia nos
anos 80, na época ds revistinhas de sacanagem,
da mesma forma que o
Redtube (site que exibe
vídeos gratuitos de sexo)
não nos atinge hoje. Acho
que a gente fala outra coisa”, opina.
Algumas pessoas preferem deixam o melhor
por último. O jornalista
que vos fala, também. Então, vamos passar a cereja
do bolo? No caso da Playboy, a cereja manifesta-se
na mulher da capa. Pelo
menos, é o que o Jardel, a
partir das várias passagens
por revistas masculinas,
diz. “A mulher da capa é o
símbolo mais forte do bem
viver, do prazer, da libido,
da celebração. A seleção
dessa mulher ocorre por
uma série de fatores, mas
sempre se deve observar o
histórico criado, que é o de
ter mulheres conhecidas.
Acabamos virando reféns
disso”, reconhece o redator-chefe. Ao contrário do
que acha o senso comum,
não são pagos valores monumentais para um cachê
de capa, uma vez que uma
revista também é um negócio e as “contas tem que
fechar todo o mês”, como
diz Jardel.
A dificuldade em equilibrar despesas e receitas
é uma dos fatores que levaram o recém-diretor de
redação, Thales Guaraci,
a dar um novo direcionamento à cereja do bolo de
Playboy: “Ele quer trabalhar com meninas bonitas
que não sejam necessariamente como as que foram
capa até agora. Ou seja,
não teremos mais nenhuma ex-BBB e nem panicat ao longo desse ano e
a gente vai partir de vez
para uma opção que Playboy fez muito ao longo do
tempo, que é de criar suas
musas, revelar novas belezas, novos rostos, ou seja,
fazer o caminho inverso.
Isso é um plano de trabalho”.
Seja qual for a estratégia adotada, uma coisa é
certa nos ensaios fotográficos: para a infelicidade
geral dos focas da ECO,
a entrada de repórteres é
controlada. “As meninas
querem ficar à vontade.
Então, geralmente os profissionais chamados para
o ensaio são o fotógrafo,
o produtor e o assistente.
Eu estive no estúdio duas
vezes, mas não cheguei a
vê-las abrindo as pernas”,
confidencia Nathan. Mesmo assim, acredito que até
aqui foram apresentados
motivos suficientes para
que enviem currículos
para Playboy assim que
terminarem de ler essa
matéria.
32
Jornal Laboratório da ECO/UFRJ - Edição nO 23 -
A nova era do Jornalismo
A tecnologia passou de recurso a editoria e mudou a rotina das redações
Marlon Câmara
O jornalismo trocou
as ruas pelo computador.
Se as principais atribuições da profissão sempre
foram sair à rua, caçar
furos e conseguir boas
aspas, hoje ficar sempre
ligado nas redes sociais,
escolher as palavras certas e pensar formas de
transformar o fato em
serviço está se tornando
algo cada vez mais essencial. O “jornalismo
virtual” ainda não tomou
conta de todos os veículos, mas vem se tornando
uma vertente cada vez
mais forte, principalmente em uma editoria que
vem ganhando muita importância nos dias atuais:
a da tecnologia.
O jornalista do ramo
da tecnologia precisa es- Para Allan Melo, editor de Celulares e Tablets do site TechTudo, o furo não é mais um grande diferencial entre os jornalistas
tar sempre atento às novidades e atualizações do ossos do ofício. E acho a popularização da web. Muitos blogs consegue “males” do jornalismo
mercado e da indústria e, que a tecnologia vem para Com o surgimento das dar um furo dias antes virtual, já que servem
por isso mesmo, não pode somar neste caso. Afinal, redes sociais, em especial dos grandes portais, mas constantemente de refedesgrudar da tela do com- facilita muito o acesso à do Twitter, em que as in- poucos conseguem a au- rência para grande parte
putador – e, aproveitando informação. É um modo formações são dadas em diência que aquela notícia dos veículos, deixando
a onda, do seu smartpho- prático de fazer jornalis- tempo real e com grandes merece. E quando a no- as notícias muitas vezes
ne ou tablet. A apuração mo”, opina o jornalista.
repercussões, as pessoas tícia ganha audiência, aí com a “mesma cara” e
acontece na própria rede,
passaram a se informar ganha quem deu mais in- sem abordagens diferenpor meio das páginas sosimultaneamente ou até formações e explicou me- ciadas entre os veículos.
ciais, de vídeos e de “vamais rápido do que os lhor. Quem transformou
De acordo com Thiago
zamentos” ou rumores.
próprios veículos de co- o fato em um serviço”, Barros, este é um dos
“É preciso
Por isso, com esta nova
municação.
conta Allan.
motivos pelos quais ele
rotina, sair à rua se torDesta forma, a simO jornalista, de 26 acredita que a nova forma
esquecer tudo
nou mais uma forma de
ples velocidade da notícia anos, continua saindo da de se fazer reportagens
sobre furo
perder do que de ganhar
deixou de ser uma arma redação com alguma fre- nunca se tornará definitioportunidades.
tão forte do “jornalismo quência, considera muito va: “O jornalismo virtual
jornalístico.
Para o freelancer de
virtual”, e o “furo”, outra mais produtivo ficar em é ótimo, mas tem coisas
Hoje, pouco
tecnologia e blogueicaracterística clássica da frente ao computador. que você só percebe
ro Thiago Barros, de 23
importa quem profissão, se tornou qua- “Não há necessidade de pessoalmente. Nessa
anos, que escreve para o
se obsoleto. Para Allan ir a outra cidade para entrevista, por exemplo,
deu
a
notícia
site de esportes UOL e
Melo, editor da área de descobrir que um plano certamente eu falaria
para a página de tecnoMobile do portal de tec- novo de Internet foi lan- com você de uma outra
primeiro”
logia TechTudo, além de
nologia TechTudo, da çado, mas se sentirmos maneira se estivéssemos
manter um blog pessoal Allan Mello, editor Globo.com, hoje existem que vale a pena ir até lá frente a frente. Além
sobre viagens, a chegada
do site TechTudo outras maneiras de conse- para perguntar diversos disso, nem sempre há
da tecnologia à profissão
guir que a matéria tenha detalhes sobre esse plano como sobreviver somente
ainda tem seus pontos
destaque que não envol- ou tentar arrancar outra de apuração virtual. Por
negativos, mas já mostra
vem tempo.
informação, nós vamos. conta desses fatos é que
Nos
últimos
anos,
a
um grande potencial:
“Antes de tudo, é pre- No final, as assessorias de eu não acredito nem que
“Este modelo tem suas internet se tornou uma ciso esquecer tudo sobre imprensa são as grandes o jornalismo impresso
fundamen- furo jornalístico. Isso fa- culpadas dessa nova era. vá acabar algum dia.
vantagens, como a prati- ferramenta
cidade e a facilidade de se tal para o repórter de zia sentido naquela época Eles estão sempre dispos- Todas as mídias tem sua
poder trabalhar de qual- qualquer área, que pode em que, para dar uma no- tos a dar informações por importância e suas caracquer lugar, sem a necessi- apurar fatos, aprofundar tícia, era preciso esperar telefone ou e-mail, muitas terísticas. A virtual, por
dade de uma redação para assuntos e até fazer en- a montagem da edição vezes com resultados me- mais que seja mais rápida
todos. No entanto, a falta trevistas de maneira mais seguinte do jornal. Hoje, lhores e com mais rapidez e mais prática, também é
de participação presen- rápida e simples. Porém, pouco importa quem deu do que presencialmente”, mais fria, mais impessocial em eventos e cober- o que parecia ser só uma a notícia primeiro. O que explica.
al”, conclui o freelancer,
vantagem
também
gaturas externas é um ponto
importa é quem informou
As assessorias, por si- que foi contatado para
negativo. Mas é aquilo: nhou um lado ruim com melhor e para mais gente. nal, são um dos grandes esta entrevista por e-mail.