A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA E A NOVAS
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA E A NOVAS
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA E A NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO George Leonardo Seabra Coelho, Universidade Federal do Tocantins (UFT) Eixo 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica E-mail: [email protected] 1.Introdução Vemos nos últimos anos a popularização de equipamentos eletroeletrônicos de vários modelos, como por exemplo, notebook, netbook, I-pod, tablet, I-phone, celular, Video Game entre outros. Até a década de 1980, tais equipamentos eram possíveis de serem imaginados apenas em filmes futuristas como 2001: A Odisseia no Espaço (1968), Tron: Uma Odisseia Eletrônica (1982) ou De Volta para o Futuro 2 (1989), assim como, em desenhos animados como Os Jetsons (1962). Esses equipamentos imaginados pelas indústrias cinematográficas e agora comercializados em lojas de departamentos criam novas necessidades, despersonalizam e, ao mesmo tempo, reformulam as relações sociais. Para além das preocupações das variedades de equipamentos produzidos, das formas como foram inseridos nos imaginários sociais e de como vêm modificando as relações sociais, a utilização desses eletroeletrônicos em ambientes escolares tem provocado debates por parte de estudiosos no campo da educação. Esses debates, segundo Carlos A. L. Ferreira (2004) podem ser divididos em duas vertentes: uma que afirma que o ensino aprendizagem se abriu para as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), possibilitando novas formas de ensino para além da sala de aula, novas formas de divulgação de conteúdos e da apreensão de fenômenos impossíveis de serem observados a olho nu; do outro lado, encontramos os que denunciam que as NTIC podem distanciar os indivíduos das relações interpessoais, da leitura do livro, da experimentação em laboratórios, das bibliotecas, dos museus, assim como, podem reproduzir a exclusão socioeconômica. Não temos o interesse de realizar uma investigação retrospectiva do desenvolvimento desses equipamentos eletroeletrônicos, visto aqui como NTIC, e menos ainda, travar um debate sobre suas vantagens ou desvantagens segundo cada uma dessas vertentes. Nosso intuito é avaliar como esses eletroeletrônicos podem ser inseridos como recurso didático no ensino de História e como fica a formação do professor para lidar com esses recursos. Este texto em um primeiro momento abordará a definição sobre as NTICs, a importância da formação de professores para a sociedade da informação e a compreensão dos games como produto cultural. Após o esclarecimento destes pontos, nosso objetivo é fazer uma leitura de um jogo específico – Spartan: Total Warrior – e destacar suas vantagens e desvantagens para sua utilização como recurso didático no 541 campo do ensino de História. A proposta expressa neste artigo poderá lançar um olhar sobre as possibilidades de apropriação didática dos games, pois acreditamos que esse recurso midiático compõe o horizonte de experiência dos sujeitos, assim como, podem contribuir para a formação da Educação Histórica na sociedade da informação. 2.As NTIC e a disciplina escolar no século XXI Antes de debater sobre as questões referentes aos usos das tecnologias que, aliás, são de suma importância, é necessário, em um primeiro momento, aceitar que as NTICs estão presentes em vários espaços sociais, inclusive na escola. Qual professor não se deparou em salas de aula com alunos portando diversos eletroeletrônicos? Às vezes tocando para que alguém atenda uma chamada ou uma mensagem instantânea, “dialogando” pelo teclado, ou até jogando paciência devido a impaciência em relação às aulas de História. Em um primeiro momento, o leitor poderá achar que esse texto baseiase em um relato de experiência, mas esse não é o objetivo. O que apresentarei nas próximas linhas é apenas uma situação que me levou ao interesse em estudar as possibilidades das NTICs como campo do ensino de História. Antes de dar continuidade a essa investigação é importante deixar claro o que são as NTICs. De acordo com Carlos A. L. Ferreira (2004), as NTICs vão desde os recursos mais antigos como jornais, rádio, televisão, cinema, vídeo, fotografia, até os mais recentes, como a informática, internet, lista de discussões, hipertexto, eletroeletrônicos, CD-ROM, DVD e Blu-ray. Thálita M. F. da Silva (2014, p. 18) considera que essas tecnologias nos obrigam a propor inovações tanto dos conteúdos quanto na forma ensiná-los. Partindo dessa premissa, a autora considera que “a incorporação das tecnologias de informação e comunicação têm consequências tanto para a prática docente como para os processos de aprendizagem”. Para realizarmos a transposição do campo teórico para o campo prático, compartilharei com o leitor algumas experiências profissionais. Em uma aula ministrada para o 9º ano do ensino fundamental na Escola Municipal Renascer em Goiânia-Goiás, vinha trabalhando o tema da 2ª Guerra Mundial. Durante as aulas, nas quais eram trabalhadas com o apoio do livro didático e alguns documentários, citei uma música para que os alunos pudessem ampliar o horizonte de experiência sobre a variedade de circunstâncias que envolvem um conflito armado, assim como, as diferentes formas de relacionar fontes e fatos. A música citada foi A Canção do Senhor da Guerra (1992) do grupo de rock nacional Legião Urbana. Alguns minutos depois, uma aluna levanta o braço, e lhe dou a palavra: “Professor acabei de escutar a música!”. Logo perguntei: “Onde?”. Sua resposta foi rápida: “Ora professor, no meu celular. Eu ‘baixei’ da internet!”. Logo pedi para que ela socializasse a música com o restante da turma. Essa 542 situação provocou em mim a necessidade de rever as concepções sobre a utilização das NTICs no ensino. Na atualidade, grande parte dos docentes depara com o problema dos eletroeletrônicos dentro da escola, no entanto, essa situação pode levar o professor lançar outro olhar sobre essa realidade. Antes de negar ou excluir esses equipamentos dos ambientes tradicionais de ensino, seria melhor dar a eles uma utilidade didática no processo de ensino aprendizagem de História enquanto disciplina escolar 1. Interessandome pela inserção de novas tecnologias nas aulas de História, passei a dialogar com os alunos sobre o que chamava a atenção deles nesse “mundo eletrônico e virtual”. Entre os meninos, ouvia-se falar muito em “jogar Video Game”. Antes de me ater nesse interesse por parte dos alunos, durante os filmes e documentários sobre episódios históricos reproduzidos em sala de aula, muitos deles comentavam: “Professor é igual o jogo de Video Game lá de casa!”. Mas, depois do caso da música, comecei a ter interesse por esse divertimento eletrônico muito popular. Eles me listaram os jogos para Vídeo Game que mais gostavam, a partir daí foi possível perceber a proximidade entre os temas que inspiram esses jogos e muitos conteúdos ensinados na disciplina de História. Agora, sairemos do campo do relato de experiência para ir para o campo da pesquisa histórica sobre como os games podem ser tratados no campo da didática da História. Neste sentido, este artigo se insere na aproximação entre a pesquisa histórica, o ensino de História e a formação do professor para o século XXI. Frente à regulamentação das leis educacionais na década de 1990, da criação de órgãos responsáveis pela fiscalização do cumprimento destas legislações e da nova sociedade que vem se organizando, a partir do fim do regime militar, surge a questão: até que ponto o professor tem a liberdade de criar novas práticas de ensino para uma sociedade cada vez mais inserida no mundo tecnológico? Circe M. F. Bittencourt (2009) considera que a informática e os computadores revolucionaram ou estão revolucionando, mais do que a televisão, as formas de conhecimento escolar. A autora considera que esse “processo revolucionário” se deve a sua capacidade de estabelecer comunicações mais interativas. Corroborando com a autora citada, Silvia Figueirôa (2010) alerta que repetidas vezes se afirma que a sociedade contemporânea se apoia no binômio “Ciência e Tecnologia”, mesmo assim, nota-se a escassa presença desta temática nos materiais didáticos e paradidáticos disponíveis para o professor de História. Considerando as observações acima, podemos apontar como elas se relacionam com a questão da formação de professores aptos à apropriação das NTICs no ensino. Nesse sentido, acreditamos que a formação de profissionais do ensino de História capazes de apropriar dessas ferramentas no ensino é de suma importância para uma melhor inserção destes recursos na escola. Concordamos com Carlos A. L. Ferreira 543 (2004, p. 41) ao afirmar que a formação de professores deve desenvolver as habilidades nos docentes para a correta utilização didática das NTICs. Segundo o autor, os educadores enfrentam um desafio muito grande, pois lidam com “alunos que tem contato cada vez maior com os meios de comunicação” e sofrem, mais do que antes, a influência da televisão, do videogame, “computadores, rede de informações e outros”. Nessas circunstâncias, o autor considera que a formação de professor de História deve estar atento para as mudanças advindas dessas novas realidade, possibilitando ao graduando ser capaz de compreender, de ser crítico, de poder ler o que se pensa no mundo, qualificando-o para ser, dentro deste processo, um professor e cidadão pleno, consciente e preparado para as novas relações trabalhistas (FERREIRA, 2004, p. 137). Completando essa afirmação sobre a formação de professores para a geração nascida na sociedade da informação, podemos trazer para o debate as considerações de Circe M. F. Bittencourt (2009, p.50). Para a autora o papel do professor na constituição das disciplinas merece atenção, pois esse profissional é quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido. Seguindo a mesma linha, Luis F. Cerri (2011) afirma que a mudança de paradigma da didática da História nos anos 1960 – no qual o foco da disciplina passa do ensino para a aprendizagem histórica – propõe a mudança no modo do “fazer” da disciplina escolar. O autor considera que se o ensino implica o gerenciamento dos objetivos curriculares e das concepções de tempo e de História, o professor não é um simples tradutor de conhecimento erudito para o conhecimento escolar. O professor, segundo essa concepção, seria um intelectual capaz de identificar os quadros de consciência histórica subjacente aos sujeitos e, com isso, assessorar a comunidade na compreensão crítica do tempo, da identidade e da ação na História. Mesmo com a preocupação por parte de estudiosos com a formação de professores e o novo papel do professor no século XXI, sabemos que é comum que a maioria dos docentes, após a conclusão dos cursos de licenciatura, não tem acesso a formação continuada, tanto no que se refere ao conteúdo, quanto às inovações didáticometodológicas no ensino de sua disciplina. Muitos destes, contam apenas com o manual do professor como suporte auxiliar em sua prática diária de ensino. No que refere à inserção das NTICs no cotidiano do professor, ao estudar os manuais de professores aprovados para o ano 2014, concordamos com Silvia Figueirôa (2010), pois percebemos a ausência dos temas referentes a utilização de recursos tecnológicos no ensino. Para exemplificar, no ano de 2014, a Secretaria de Educação do Município de Goiânia-Goiás recebeu nove livros aprovados pelo PNLD, destes exemplares, somente dois deles – Projeto Araribá2 e Radix3 – trazem material de apoio para orientar o professor no trato das 544 NTICs e dos dois manuais, apenas o Projeto Araribá aborda a relação entre o ensino de História e as NTICs. Nestes dois manuais são defendidas as potencialidades das NTIC, a linguagem utilizada nos ambientes virtuais, os caminhos pelos quais se organiza a pesquisa pela internet, os perigos dos crimes sexuais e bullying nos ambientes virtuais e, uma pequena parte comentando as redes sociais como caminhos possíveis de aprendizagem. Também são encontradas algumas considerações sobre a sociedade da informação, a rapidez, as possibilidades de armazenamento, entretanto, poucas informações sobre o papel do professor como mediador entre o aluno e o conhecimento na sociedade da informação. Infelizmente, esses manuais não apontam outras possibilidades de criação de novos usos desses recursos no ensino. Frente à inserção de novos recursos didáticos em sala de aula, a carência da abordagem destes temas em livros didáticos e as poucas ofertas de formação continuada de professores voltadas para a utilização das NTIC, esse artigo pretende contribuir com essas questões. Além dos eletroeletrônicos citados no início deste artigo, iremos abordar exclusivamente as possibilidades de utilização do Video Game no ensino e, como este eletroeletrônico pode contribuir para a ampliação do horizonte de experiências históricas do aluno. Nesse sentido, nossa proposta pretende abordar a apropriação dos jogos eletrônicos comerciais de cunho histórico na disciplina de História. Para diferenciar os termos Vídeo Game, games, jogos eletrônicos, virtuais e pedagógicos nos apoiaremos em alguns estudiosos preocupados com essas categorias. Segundo Helyom V. Telles e Lynn Alves (2015, p. 172) o termo videogame, em si, é “ambíguo, uma vez que pode ser utilizado tanto para designar um software, como o equipamento ou console que executa as instruções programadas no software”. Os autores entendem jogo digital ou jogo eletrônico como um software desenhado para fins de entretenimento em uma ou mais plataformas (console, computador, telefone móvel, etc.). Neste sentido, os autores consideram que jogar um videogame implica em interagir com esse software e/ou com outros jogadores através dele. Em se tratando da relação do software com a educação, os autores consideram a interação com esses softwares lúdicos de diferentes maneiras, ou seja, eles distinguem “a experiência de jogo jogado com o videogame, das experiências lúdicas alicerçadas em outros suportes, a exemplo dos jogos de tabuleiro” (TELLES; ALVES, 2015, p. 172-173). Nos limites deste artigo, não faremos distinção aprofundada entre jogos eletrônicos e jogos digitais, mas é importante ter em mente que, de acordo com Lynn Alves (2008) existe uma diferença entre essas modalidades de jogos. Segundo a autora, os jogos digitais apresentam ambientes em duas dimensões, com narrativas simples, com interação, jogabilidade e realismo menos significativo e imagético. Já os jogos eletrônicos, apresentam ambientes em três dimensões, narrativas complexas, com níveis 545 de interação, jogabilidade e realismo imagético mais significativo, permitindo ao jogador maior envolvimento no ambiente do jogo. Neste sentido, para nossa análise consideraremos como games apenas os jogos eletrônicos, pois eles representam com mais detalhes as narrativas propostas, não obstante, o game abordado se insere nessa modalidade de jogo. Segundo José L. Eguia-Gomes, Ruth S. Contreras-Espinosa e Luis SolanoAlbajes (2012), o uso de games digitais na aprendizagem permite novas possibilidades de interação com o ambiente, ao mesmo tempo, facilitam a introdução da tecnologia da informação, a comunicação e a experimentação. Para os autores, no game o indivíduo vive uma história, na qual a interação permite participar ativamente no desenvolvimento e na resolução da narrativa, o que aumenta seu potencial como recurso cognitivo focado na e para aprendizagem. Os autores defendem quatro razões fundamentais para o uso de games digitais educativos: promoverem uma aprendizagem contínua e fornecerem alternativas para se adequar as capacidades de aprendizagem individuais dos jogadores; conseguirem colocar o usuário no centro da experiência alcançando níveis diferenciados de concentração, imersão e isolamento; permitirem a construção da realidade através da narração de histórias, recursos cognitivos básicos pelos quais os seres humanos conhecem o mundo; e por fim, oferecerem a possibilidade de experimentar novas identidades, uma vez que nos games digitais podemos ter muitas identidades e nelas o indivíduo vive uma história própria cujo desenvolvimento e resultado permite experimentar o conteúdo e o contexto. Embora com algumas semelhanças com os jogos tradicionais, Filomena M. G. Moita (2010, p.116) considera que os games possibilitam ir além da “simulação, movimentos e efeitos sonoros” convencionais. Essa transposição é provocada devido ao fato de que os jogos eletrônicos necessitam de “uma interação com uma nova linguagem, oriunda do surgimento e do desenvolvimento das tecnologias digitais, da transformação do computador em aparato de comunicação e da convergência das mídias”. Por essa razão, a autora afirma que os jogos eletrônicos proporcionam “novas formas de sentir, pensar, agir e interagir”. Mesmo levando em consideração que os games provocam novas sensações, Eucidio P. Arruda (2011, p. 288) – inspirado em Marc Prenski – considera que o consumo do Video Game desconstruiu a ideia de lazer e de brinquedo, transformando-o cada vez mais em um elemento da cultura. Segundo o autor, os jogos digitais produzidos nos primeiros anos do século XXI “permitem não só uma representação da realidade rica em detalhes como também se configuram em tecnologias que exigem, dos jogadores, níveis de elaborações mentais bastante complexos”. 546 Juntamente com as possibilidades sobre sua utilização como recurso didático e as transformações culturais provocadas por eles, outras possibilidades sobre a produção, comercialização e usos dos games podem ampliar a investigação sobre esses recursos no campo da pesquisa histórica. Neste artigo iremos apenas abordar jogos encontrados para o Play Station 2 produzido pela Sony. Esse console foi a segunda geração que utilizou a mídia DVD para armazenamento de software. Várias empresas produzem games para serem “rodados” nestes consoles, sendo sua grande maioria, com escritórios nos EUA, Inglaterra e Japão e, por essa razão, existem poucos jogos traduzidos para o português. Esse é um dos primeiros desafios ao apropriar os games deste console no ensino de História nas escolas brasileiras, por outro lado, pode ser um primeiro contato dos estudantes com a sonoridade de outras línguas. Mesmo com as fronteiras linguísticas, os recursos imagéticos reproduzidos pelos games oferecem representações sobre a narrativa do jogo. Quando me referi aos comentários dos alunos a respeito dos games que eles mais gostavam de jogar e consecutivamente a análise deles, foi possível encontrar algumas possibilidades para a utilização desses recursos no campo da Educação Histórica. No que se refere a Educação Histórica, Luis F. Cerri (2011) considera que é o passado que constitui o presente, e esta relação está diretamente ligada ao tema da consciência histórica, pois suas conexões com o nosso cotidiano são mais frequentes e significativas do que se possa parecer. Nessa perspectiva, podemos compartilhar com o autor ao lançar os olhos sobre os usos que são feitos da História, não somente para significar o tempo vivido coletivamente e vincular projetos contemporâneos de sociedade, cultura e política, mas os usos difundidos pelos meios de comunicação. De acordo com o autor, “o ensino de história – escolar ou extraescolar, formal ou informal – é uma arena de combate em que lutam os diversos agentes sociais da atualidade” (CERRI: 2011, p.1516). E, por isso, o autor questiona até que ponto os saberes sobre o tempo adquiridos antes, durante e apesar da escolarização afetam o aprendizado, suas características e sua qualidade? A partir desse questionamento, consideramos que o problema do ensino de História não é somente de ordem cognitiva ou educacional, mas também sociológica e cultural. Nesse sentido, a rejeição do aluno pode não ser somente uma displicência com os estudos ou uma falta de habilidade com essa matéria, mas um confronto de concepções muito distintas sobre o tempo, que não encontram nenhum ponto de contato com o tempo histórico proposto pela disciplina escolar. No que se refere a narrativa expostas pelos games e sua apropriação como recurso didático em sala de aula, algumas questões são bastante importantes. Geralmente eles seguem um mesmo padrão: apresentação, desenvolvimento, a conclusão e a parte dedicada aos créditos aos produtores. Em jogos que abordam fatos 547 do século XX, algumas cenas das apresentações, do desenvolvimento e da conclusão são reproduções de imagens reais. Alguns games realizam uma mescla entre imagens reais com criações digitais e, outros apenas utilizam criações digitais. Seguindo o padrão de enredo cinematográfico e os três modelos de representação da narrativa – imagens reais, mescla entre reais e digitais e, somente imagens digitais – encontramos diferentes modalidades de games: esporte, aventura, terror, conflitos urbanos, míticos, históricos, lutas e guerras. Principalmente no que se referem a aventura, conflitos urbanos e guerras, a grande parte desses games abordam fatos históricos. Reduzindo nossa investigação aos games que são inspirados em acontecimentos históricos, foi possível perceber que eles geralmente abordam acontecimentos delimitados pela historiografia tradicional. 3.Estudo de caso através do game “Spartan: total warrior”: dos anacronismos a intervenção docente Em relação aos games com inspiração em acontecimentos históricos, percebemos que eles se encaixam na divisão histórica tradicional, sendo assim, muitos deles podem ser trabalhados no campo do ensino e pesquisa em História. No que concerne a História Antiga, encontramos jogos que abordam basicamente a História grega e romana. Dentre eles: God of War, Spartan: Total Warrior, Swadom of de Rome entre outros. No que se refere a História Medieval, encontramos: The King of Arthur, Knights of the Temple 1 e 2, Castlevania, entre outros. Jogos que abordam fatos da História Moderna não são encontrados para essa versão de Vídeo Game. Para o período Contemporâneo encontramos o maior número de games, a Primeira e a Segunda Guerra Mundial – Medal of Honror e Call of Duty – a crise de 29, a Guerra Fria, Guerra do Vietnã e outros. Mesmo não tendo o papel de reproduzir o passado, mas sim de divertimento, muitos são inspirados em acontecimentos consagrados pela historiografia, fato este que abre para o professor de História várias possibilidades para trabalhar em sala de aula. Para fins desse artigo iremos realizar uma “leitura” do jogo Spartan: Total Warrior. O jogo Spartan: Total Warrior com características de ação-aventura pertence a série Total War desenvolvido pela The Creative Assembly e distribuído pela Sega para vários consoles. O seu lançamento para a versão de Video Game da Sony, o Play Station 2, data de 25 de outubro de 2005. A narrativa deste game é inspirada em personagens históricos e míticos, acontecimentos e aspectos da cultura grega e romana. Como é de costume na elaboração destes jogos eletrônicos, o jogador controla um personagemherói que interage com o enredo elaborado. No caso do Spartan: Total Warrior o jogador é um guerreiro de Esparta que luta contra a conquista da Grécia pelo Império Romano. 548 A narrativa desse game é dividida em cinco atos, e sempre estruturada em três cenas que se passa durante o reinado do Imperador Tibério e a guerra entre os romanos e os gregos, mais precisamente entre Roma e a Esparta do rei Leônidas. Na constituição central da narrativa do game encontramos um dos maiores equívocos no campo da História: o anacronismo. O primeiro erro: o jogo se passa em 300 a. C. e o Imperador Tibério (42 a. C.-37 d. C.) somente reina entre 18 d. C. e 37 d. C. Segundo erro: as conquistas romanas na Grécia somente se iniciaram a partir de 200 a. C. quando os gregos estavam sob o domínio dos Macedônicos e do rei Felipe V (238 a. C.-179 a. C.) e não do rei Leônidas. Terceiro erro: o rei Leônidas (?-480 a.C.) lutou contra os persas e não contra os romanos. Outros equívocos são encontrados ao longo da aventura desenvolvida, mas por hora essa primeira constatação pode suscitar algumas problematizações sobre a utilização dos games no ensino de História. Após considerar os anacronismos encontrados no enredo central do jogo, vamos destacar alguns elementos da narrativa do Spartan: Total Warrior para perceber como os programadores se apropriam de espaços e personagens gregos e romanos. O herói do game, o qual é controlado pelo jogador – chamado de Spartano –, luta ao lado de outros espartanos. Nesta parte em diante, encontramos a inserção de elementos míticos na narrativa. Ares, uma divindade grega, filho de Zeus e Hera foi uma divindade muito cultuada na Grécia antiga, principalmente em Esparta, pois sua divindade é associada a guerra selvagem. Percebemos claramente uma mescla de ficção com personagens históricos – Sejano, Leônidas – e míticos – Castor, Pólux, Elektra –, assim como, a inserção de lugares históricos – cidade de Tróia, Atenas, Roma e o Coliseu. A narrativa do game se encerra quando o Spartano conhece a própria história, pois ele nunca tinha conhecido sua identidade. Ele descobre que era filho de uma das servas de Afrodite, que revelou o caso de Ares com a deusa para Hefesto, marido de Afrodite. Ares matou a escrava e apagou as memórias e enviou o filho da escrava para viver em Esparta. Ao final da trama, Ares e o Spartano duelam, e o herói sai vitorioso. Com base na série de anacronismos encontrados no game, poderíamos considerar os prejuízos que esse jogo poderia causar para a formação de uma consciência histórica mais próxima da verossimilhança. Por essa razão, podemos realizar duas questões: qual a obrigação de um jogo produzido para divertimento reproduzir a datas, fatos e personagens conforme as pesquisas em História ditam? De outro lado, porque as empresas que produzem esses games não buscam ao menos fugir do anacronismo ao recorrer a historiadores profissionais? Longe de responder essas questões no momento, outros questionamentos podem conduzir nossa discussão, ou seja, como os games podem ser utilizados no ensino de História? Como o professor pode mediar a disciplina História com as narrativas históricas dos jogos eletrônicos, e assim, 549 corrigir os equívocos? E por fim, como os jogos eletrônicos podem produzir determinadas consciências históricas sobre o passado? Uma primeira constatação poderia ser o papel do professor em reorganizar essa narrativa ao esclarecer os equívocos históricos presentes no jogo. Outra proposta seria solicitar aos alunos a descrição dos locais e personagens, para em seguida realizar uma pesquisa complementar. Através desta “leitura” do game, não pretendemos propor que os jogos eletrônicos por si só tem possibilidades de ensinar História escolar. Essa afirmação seria um grande equivoco, pois imaginem a criança ou o jovem em casa – ficando horas e horas jogando seu Vídeo Game – e seus pais indagam: “Meu filho você não vai estudar?”. E o filho responde: “Estou estudando, porque o professor de História falou que vou aprender jogando”. Seria o caos nas coordenações pedagógicas das escolas. Não é isso que estamos dizendo, o que apresentamos ao leitor é que frente ao desinteresse dos estudantes com a disciplina de História e a popularização de games com fundo histórico, o professor pode demonstrar que o passado não está somente em acontecimentos que se desenrolaram há décadas ou mesmo séculos atrás, mas que essas experiências humanas estão presentes nas sociedades e nas produções culturais da contemporaneidade. Influência que não está apenas nos sistemas políticos, na religião, economia, relações sociais encontrados no livro didático ou nos filmes, mas inspiram também a produção de games que podem ser comprados nas lojas ou nos camelôs. E é nesta problemática que podemos inserir o debate entre a utilização dos games, formação de professores, a educação histórica e a didática da História. No que concerne aos games, os professor deve entender o universo ao qual o jovem está inserido para encontrar utilidades para esses recursos eletrônicos. Em se tratando da apropriação de narrativas históricas pelos jogos eletrônicos, as contribuições de Luis F. Cerri (2011) são pertinentes. Segundo o autor, na atualidade existe a mobilização de um complexo empresarial de distribuição do conhecimento histórico, que vai de editoras de livros acadêmicos a livros de divulgação para o grande público, além de conteúdos digitais nas mais diversas mídias. Diante dessa oferta e distribuição de conhecimento histórico, o autor considera que surgem novos problemas para a reflexão didática da história, visto que, a ideia de consciência histórica reforça a tese de que a História escolar e acadêmica são conhecimentos históricos diferentes daqueles conhecimentos produzidos fora da escola. Concordamos com o autor ao afirmar que o momento exige que se reconheça que o conhecimento acadêmico e escolar não são os únicos, sob pena de delimitar a percepção dos fenômenos que envolvem o surgimento, a circulação e o uso dos significados atribuídos ao grupo no tempo. 4.Conclusões 550 Frente à leitura deste game, podemos considerar que o campo de investigação que busca incorporar outros conhecimentos históricos na relação ensino aprendizagem pode ser incluído no campo da didática da história. Essa perspectiva compreende que a aprendizagem não é um processo dominado pelo ensino escolar, mas ocorrem em relação dialética entre o ensino, a aprendizagem e o meio social. De acordo com essa concepção elaborada por Jörn Rüsen (2001), a didática da história considera que todos os estudos históricos e conhecimentos históricos sejam submetidos a uma reflexão didática. Deve-se realizar uma reflexão sobre o que é ensinado, sobre as lógicas internas, condições, interesses e necessidades sociais que envolvam o ensino e a aprendizagem de conhecimentos históricos na atualidade e, por fim, sobre o que e como se deveria ser ensinado. Nesse sentido, a educação histórica é um processo que não pode ser encarado como dentro de uma redoma da sala de aula. Desta forma, os problemas e as potencialidades do ensino aprendizagem de História não estão restritos à relação professor-aluno na classe, mas envolvem o meio em que circulam em suas famílias, na igreja e nos meios de comunicação em massa. Por essa razão, concordamos com essa concepção ao afirmar que a História que o aluno usa é diferente daquele que o professor ensina e, que por sua vez, é diferente da História que os funcionários do Ministério da Educação e acadêmicos formadores de professores apregoam. Da mesma forma, são diferentes as percepções históricas difundidas através de jogos eletrônicos. A partir dessas considerações e da “leitura” do jogo eletrônico Spartan: Total Warior podemos compreender que: mesmo antes do conteúdo ser ministrado em sala de aula, os jovens em contato com os games já entram em contato com certo tipo de conhecimento histórico. Portanto, o jovem em contato com os games adquirem um conhecimento prévio, no caso analisado, um contato com os personagens, lugares e acontecimentos míticos e históricos da Roma e Grécia Antiga. O que não pode ser negado é que as apropriações da História pelas empresas que produzem esses jogos e a utilização deles pelos jovens como forma de divertimento acabam produzindo uma consciência histórica específica. Diante disso, cabe ao professor, desconstruir alguns equívocos históricos que esses jogos eletrônicos reproduzem e estar aberto para novas possibilidades. Referências Bibliográficas ALVES, L. Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. 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A disciplina escolar é parte da produção coletiva das instituições de ensino, e não uma simples “atividade limitada a produzir métodos para melhor ‘transpor’ conteúdos externos, simplificando da maneira mais adequada possível os saberes eruditos ou acadêmicos”. 2 O Projeto Araribá, obra coletiva desenvolvida e produzida pela Editora Moderna. Ao final do manual é apresento o tópico Educação e Tecnologia, onde se afirma que essa é uma verdadeira revolução no campo das comunicações, do processamento e armazenamento de informações, o uso de computadores pessoais e o acesso a internet. Esse manual transcreve um trecho de um texto do historiador Robert Darnton que aborda a polêmica da cibercultura e os problemas da linguagem digital. 3 O Projeto Radix organizado por Claudio Vicentino, publicado pela editora Scipione. Esse manual contém uma parte chamada “Dicas para o Aluno Navegador”. O manual apresenta as etapas da pesquisa, as dicas para navegar, como funciona as páginas da internet, dicas para organizar, armazenar e reescrever os dados da pesquisa, os suportes utilizados para armazenar, e a responsabilidade com a autoria do trabalho produzida pela pesquisa neste ambiente. Oferecem dicas para a Webgrafia, como se cita fontes da internet, e o final do verbete, os vocabulários comuns para o ambiente virtual. 553