fundamentos de geofisica
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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Capítulo 1 – O SISTEMA SOLAR 1.1 INTRODUÇÃO Para se imaginar como os primeiros homens observavam, impressionados, o céu durante a noite, é necessário estar num sítio remoto, longe das luzes e da poluição dos centros urbanos. Visto do campo, o firmamento parece, a olho nu, uma cúpula de pontos no espaço uns em relação aos outros. Os primeiros observadores notaram que o padrão das estrelas se movia regularmente e utilizaram este movimento para a determinação de eventos astronómicos, em particular a cadência das estações do ano. Há mais de 3000 anos, cerca do século XIII AC, o ano e o mês foram combinados num calendário chinês e, cerca de 350 AC o astrónomo chinês Shih Shen preparou um catálogo com a posição de 800 estrelas. Os Gregos antigos observaram que vários corpos celestiais se moviam para a frente e para trás ao longo do padrão fixo e chamaram-lhes planetes, que quer dizer “viajantes”. Além do Sol e da Lua é possível distinguir a olho nu os planetas Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno. A geometria foi introduzida na Astronomia pelo filósofo grego Thales, no século VI AC. Aristóteles (384-322 AC) resumiu o trabalho dos gregos efectuado até à sua época e propôs um modelo do universo com a Terra no seu centro. Este modelo geocêntrico estava estreitamente ligado à convicção religiosa e permaneceu válido até finais da Idade Média. Contudo ele foi discutido: Aristarchus de Samos (310-230 AC) determinou os tamanhos e as distâncias do Sol e da Lua em relação à Terra e propôs um modelo heliocêntrico (centrado no Sol). Os métodos trigonométricos desenvolvidos por Hipparchus (190-120 AC) permitiram a determinação de distâncias astronómicas através das posições angulares dos corpos celestes. Ptolomeu, um astrónomo greco-egípcio do século II AC, aplicou estes métodos aos planetas conhecidos e foi capaz de prever os seus movimentos com uma precisão admirável. Figura 1.1 - Da esquerda para a direita: Ptolomeu, modelo geocêntrico, Copérnico, modelo heliocêntrico. Nicolaus Copernicus (1473-1543) foi um astrónomo do Renascimento que apresentou e defendeu na sua obra "De revolutionibus orbium coelestium", publicado pouco antes da sua morte, o modelo heliocêntrico baseado em observações astronómicas. _____________________________________________________________________________________________ Pag 1 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Até à invenção do telescópio, no início do sec. XVII, o principal instrumento utilizado pelos astrónomos para determinar distâncias e posições dos corpos celestes foi o astrolábio. Este instrumento consistia num disco de madeira ou metal com a circunferência marcada em graus. No seu centro estava um ponteiro móvel (alidade). As distâncias angulares podiam ser determinadas apontando para um corpo o alidade e lendo a sua elevação na escala graduada. Não se conhece o inventor do astrolábio, se bem que seja frequentemente atribuído a Hipparchus. O astrolábio permaneceu uma importante ferramenta para os navegadores até à invenção do sextante no séc. XVIII. Durante muitos séculos os únicos dados disponíveis sobre o Sistema Solar foram os esboços desenhados por observadores: Galileu (1564-1642) viu as crateras da Lua no instante em que virou o seu primeiro telescópio nessa direcção, em 1609 e, nos séculos que se seguiram, as crateras foram minuciosamente medidas e fotografadas, foilhes atribuido um nome e foram registadas em mapas. As observações dos restantes planetas (e do Sol) permaneceram escassas e limitadas pelos meios existentes. A construção de grandes telescópios, no final do século XIX e no início do século XX, transformou o nosso conhecimento sobre as dimensões, a evolução do Universo e a estrutura do Sistema Solar. No entanto, a atmosfera terrestre impõe limites ao que podemos observar por meios ópticos, e a visão obtida por um telescópio modesto é quase tão boa como a que nos providencia um instrumento maior. A construção de grandes telescópios permitiu o aparecimento de muitos novos dados mas, subsequentemente, não permitiu avançar muito nos estudos sobre o Sistema Solar, e os nossos conhecimentos sobre a Lua e os outros planetas mantiveram-se estacionários durante um período prolongado. Uma das primeiras conclusões obtidas da observação do movimento dos planetas do sistema solar diz respeito ao facto de, com excepção de Plutão1, as órbitas dos planetas se aproximarem significativamente do plano de eclíptica, que é o plano que contém a órbita da Terra em torno do Sol). Plutão apresenta 17 % de inclinação e, dos restantes planetas, o maior afastamento da eclipitica é o de Mercúrio, com 7 % de inclinação. Os dados relativos à cinemática do movimento dos planetas do sistema solar – aqui se incluindo a distância ao Sol, o período de translação, o período de rotação axial, a inclinação do respectivo eixo (em relação ao plano da órbita) e a inclinação da órbita (em relação ao plano da ecliptica) estão contidos nas tabelas da página seguinte. Incluem-se também os dados relativos a Plutão (apesar de ser apenas um planetoide) e à Lua. 1 Plutão é um planeta muito semelhante a um dos satélites de Neptuno, Triton, e é muito mais pequeno que a Lua, o que o torna um caso específico dentro do sistema solar. Depois de muita controvérsia, a União Internacional de Astronomia decidiu em 24 de Agosto de 2006 que Plutão não deveria ser mais chamado de planeta, devido à sua órbita e tamanho, sendo suas características mais próximas das de um asteróide. Desde então ele é classificado como um planetoide e deixou de fazer parte dos planetas do sistema solar. _____________________________________________________________________________________________ Pag 2 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Tabela 1.I - Alguns parâmetros geométricos de planetas do sistema solar Planeta Distância Período Período Inclinação Inclinação ao Sol Translação Rotação axial da órbita Mercúrio 57.9 87.969 d 58.785 d ~0º 7.005º Vénus 108.2 224.701 d 243.686 d (r) 177.36º 3.3947º Terra 149.6 365.256 d 23.9345 h 23º 27' 0.000º Marte 227.9 686.98 d 24.6229 h 25º 12' 1.851º Júpiter 778.3 11.862 a 9.9250 h 3º 5' 1.305º Saturno 1427 29.457 a 10.656 h 26º 44' 2.484º Urano 2870 84.011 a 17.24 h (r) 97º 55' 0.770º Neptuno 4497 164.79 a 16.11 h 28º 48' 1.769º Plutão* 5900 247.68 a 6.405d (r) 122.53º 17.142º 384 400 km+ 27.3 d 27.3 d - 5º Lua** A distância ao Sol é indicada em 106 km e representa o comprimento do semi-eixo maior da trajectória elíptica (ver explicação mais abaixo). A indicação (r) na coluna do período orbital indica que a rotação é realizada no sentido retrógrado. A inclinação da órbita é medida em relação ao plano da eclíptica. Os períodos estão indicados em, horas (h), dias (d) ou anos (a). +Distância da Lua à Terra representada pelo comprimento do semi-eixo maior da sua trajectória elíptica. Tabela 1.II - Alguns parâmetros característicos de planetas do sistema solar Planeta Diâmetro Massa Equatorial Mercúrio Vénus Terra Marte Júpiter Massa Atmosfera Satélites Anéis Volúmica 4880 0.33 1024 5.4 103 Inexistente 0 0 12110 4.9 1024 5.2 103 CO2 0 0 6.0 1024 5.5 103 N2, O2 1 0 6.5 1023 3.9 103 CO2 2 0 1.9 1027 1.3 103 H, He 16+ 2 1026 0.7 103 H, He 17+ 1000 ? 12756 6794 143200 Saturno 120000 5.7 Urano 51800 8.7 1025 1.2 103 H, He, CH4 5 10 Neptuno 49500 1.0 1026 1.7 103 H, He 2 ? Plutão* 2300 1.3 1022 2.0 103 CH4, N2 1 0 Lua** 3476 7.4 1022 3.3 103 Inexistente - - O diâmetro equatorial encontra-se expresso em km, a massa em kg e a massa volúmica em kg m -3. Apenas se indicam os componentes principais da atmosfera. 1.2 AS LEIS DE KEPLER 1.2.1 Primeira Lei de Kepler Tycho Brahe (1546-1601) dedicou toda a sua vida à observação meticulosa dos planetas do sistema solar. Ele pretendia provar que a hipótese heliocêntrica de Copérnico estava errada. A melhoria introduzida nos meios e, essencialmente, nos métodos de observação permitiu-lhe obter uma precisão avaliada em meio minuto de arco. Depois da sua morte, um dos seus assistentes, Johannes Kepler, recuperou as suas observações procurando testar _____________________________________________________________________________________________ Pag 3 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa a hipótese heliocêntrica e, em particular, o modelo de Copérnico, pois Kepler, ao contrário de Brahe, achava que Copérnico estava certo. Contudo, no que dizia respeito ao planeta Marte, os dados observados não se ajustavam de forma satisfatória a um círculo, sendo o desvio (8 minutos de arco) considerado por Kepler como não justificável pela precisão das observações. A figura matemática descrita por Marte na sua órbita em torno do Sol assemelhava-se, muito mais correctamente, à de uma elipse em que o Sol ocupa um dos focos. Se bem que Kepler não possuísse qualquer teoria fisica que justificasse a forma eliptica da orbita – que só viria a ser estabelecida cerca de 80 anos mais tarde por Newton – o ajuste obtido foi tão satisfatório que esta conclusão se tornou conhecida como a Primeira Lei de Kepler: Os planetas percorrem órbitas elipticas ocupando o Sol um dos focos. No caso de terem uma órbita circular (caso particular de uma elipse) o Sol ocupará o centro da circunferência. Desta lei podemos ainda deduzir um corolário importante: as órbitas dos planetas são planas e o plano da órbita contém o Sol. A equação da elipse em coordenadas rectangulares é x2 y2 1 a2 b2 (1.1) em que a e b representam os eixos maior e menor respectivamente. Esta geometria pode ser descrita por dois parâmetros, que podem ser os dois semi-eixos maior e menor (a e b na figura anterior) ou um destes e uma quantidade chamada excentricidade e, definida como: e 1 b2 a2 (1.2) Figura 1.2 - Parâmetros descritores da órbita elíptica. Ilustração para o caso da Terra com indicação dos principais eventos astronómicos do seu movimento em torno do Sol. 1.2.2 Segunda Lei de Kepler A 1ª Lei de Kepler fixa a forma da órbita do planeta. Contudo, ela não permite determinar a posição de um planeta num instante determinado a partir do conhecimento da posição num instante anterior. Para isso é necessário conhecer a sua velocidade. _____________________________________________________________________________________________ Pag 4 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Se bem que Kepler desconhecesse em absoluto o princípio físico que rege a interacção entre o Sol e cada planeta, propôs uma Segunda Lei, onde admite que a linha que une o centro de cada planeta ao Sol percorre (varre) áreas iguais em intervalos de tempo iguais. Desta lei podemos igualmente deduzir um corolário importante: quando um planeta se afasta do Sol a sua velocidade diminui e vice-versa. O facto de a Terra se mover mais rapidamente no Inverno do que no Verão era já conhecido dos astrónomos e, aliás, não explicada no quadro do modelo de Copérnico. Figura 1.3 - Representação esquemática da segunda lei de Kepler. Considerando as áreas varridas entre 1 e 2 e entre 3 e 4 como iguais, os tempos necessários serão iguais, pelo que o planeta apresentará uma velocidade superior quando se aproxima do Sol. Note que a excentricidade está muito exagerada para ilustrar melhor este conceito. 1.2.3 Terceira Lei de Kepler As (actualmente designadas) primeira e segunda leis de Kepler foram publicadas em 1609 no livro “Nova Astronomia”. Contudo, Kepler estava persuadido da possibilidade de encontrar uma relação simples que explicasse a diversidade de trajectórias dos diferentes planetas do sistema solar. Na sua última grande obra “As harmonias do mundo”, Kepler enuncia a relação entre a órbita de um planeta e o seu período de translação. Terceira Lei de Kepler: O quadrado do período sideral de um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da órbita, em que a constante de proporcionalidade é a mesma para todos os planetas do sistema solar, no seu movimento à volta do sol. a3 T2 cte (1.3) 1.2.4 A Lei de Newton do Momento Angular As leis de Kepler estão formalmente contidas na Lei da Atracção Universal de Newton, da qual podem ser deduzidas. Para verificarmos esta relação comecemos por recordar o que se entende por momento angular. O momento angular de uma partícula material é definido por: L mr v (1.4) em que v é a velocidade instantânea da particula, m a sua massa e r o vector posição. O momento angular exprime-se, no Sistema Internacional, em Js. O seu valor depende da origem em relação à qual é definido. Segundo Newton, a taxa de variação do momento angular de uma particula medido em relação a uma origem determinada, iguala o momento da força que actua o corpo, medido em relação à mesma origem: dL (1.5) dt em que o momento da força aplicada F é definido por: _____________________________________________________________________________________________ Pag 5 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa r F (1.6) Qual a força que provoca o movimento dos planetas? As 3 leis de Kepler baseiam-se unicamente na compatibilidade com os dados experimentais e não pressupõem um modelo explicativo da realidade. Newton, pelo contrário, compreendeu que o movimento dos planetas e a queda dos corpos sobre a Terra eram manifestações de uma mesma interacção, e enunciou a Lei da Gravitação Universal, segundo a qual a força F que actua cada planeta é dada por: GMm F 3 r r (1.7) em que M e m são as massas, respectivamente, do Sol e de cada planeta, e G é uma constante, denominada constante de gravitação. O seu valor é de G = 6.6742×10-11 m3kg-1s-2. O vector r representa o vector posição do planeta em relação ao Sol. Se considerarmos um sistema de eixos cuja origem coincida com o centro do Sol, a força gravitica com que o Sol atrai cada planeta é colinear com o raio vector, o seu momento – em relação à mesma origem – é nulo, pelo que o momento angular do planeta em relação ao centro do Sol se manterá constante (recordar que o produto externo de dois vectores paralelos é nulo). Uma das consequências deste facto é o de o movimento dos planetas se efectuar num mesmo plano: suponha que o movimento inicial do planeta é v 0 . O vector posição r define com v 0 um plano ao qual o momento angular L será perpendicular. Uma vez que este é constante, as variações de v 0 e r terão de ser de tal modo que o plano inicial se não altere. B A Figura 1.4: Representação esquemática das grandezas envolvidas na definição do momento angular. O vector L é perpendicular ao plano definido por r e v sendo o seu sentido tal que os três versores formam um triedro directo. Podemos decompor a velocidade do planeta em duas componentes, uma radial v r (que será nula no caso de a trajectória ser circular) e outra azimutal v . Da definição do momento angular, podemos concluir que2: L m r v (1.8) Uma vez que L e m são constantes, o produto r v também será constante. Nesse caso variações de distância traduzem-se em variações de velocidade azimutal, tal como tinhamos concluido da segunda lei de Kepler. Se considerarmos na figura anterior que o movimento entre os pontos A e B é realizado no intervalo de tempo t , a 2 Recordar que a componente radial é paralela ao vector posição e por isso a sua contribuição para o produto externo que define o momento angular é nula. _____________________________________________________________________________________________ Pag 6 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa área varrida pelo planeta será3: A 1 r v t 2 (1.9) pelo que substituindo de (1.8) e fazendo o limite quando t tende para 0, obtemos: dA L dt 2m (1.10) que é uma expressão que contém a segunda lei de Kepler. No caso da órbita circular é possível demonstrar de forma simples que as Leis de Newton contêm (e justificam as Leis de Kepler). Note que, neste caso, se verifica o equilíbrio entre a força de atracção gravitacional e a força centrífuga: mv 2 GMm 2 a a (1.11) O período T neste caso terá a expressão T 2 a v (1.12) elevando ao quadrado as expressões anteriores e igualando, teremos: T2 a3 4 2 GM (1.13) recuperando assim o enunciado da Terceira Lei de Kepler. A constante que aparece nesta equação, denominada constante de Kepler, apenas depende do astro atractor. 1.2.5 Atracção gravítica na superfície de um planeta Um corpo de massa m em repouso à superfície da Terra, de massa M, é actuado por uma força, o peso, que resulta da soma de duas componentes, gravitacional e centrífuga. A primeira tem a ver com uma interacção física fundamental descoberta por Newton enquanto a segunda com o movimento de rotação da Terra, e exprime o facto de o nosso referencial não ser inercial. A gravidade, g, que é num ponto determinado, a força que actua a unidade de massa é a soma vectorial destas duas componentes. O campo de atracção gravitacional é precisamente a força de atracção newtoniana por unidade de massa. Pela lei de Newton da atracção universal, a força de atracção gravitacional que actua sobre um corpo de massa m é dada em módulo por: FG = GMm r2 (1.14) GM r2 (1.15) Sendo assim, o módulo do campo gravitacional vale g A força centrífuga, que podemos calcular multiplicando a massa do corpo pela aceleração centrífuga actua perpendicularmente ao eixo de rotação da Terra, para fora. O seu módulo depende da latitude do ponto considerado, é máximo no equador e nulo nos pólos. No equador esse módulo vale 3 Para derivar esta expressão consideramos que a área varrida é aproximadamente um triângulo e desprezamos a variação do raio nesse intervalo de tempo. _____________________________________________________________________________________________ Pag 7 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa mv2 4 2 ma FC a T2 (1.16) (onde a é o raio equatorial). Na Terra o efeito centrífugo é inferior a 1% do efeito gravitacional pelo que o módulo da aceleração da gravidade é dado, em primeira aproximação, pelo valor do campo gravítico que no equador vale: g= GM a2 (1.17) Se quisermos considerar o efeito da força centrífuga, então ao valor anterior devemos subtrair a contribuição da aceleração centrífuga no equador gC 4 2 a T2 (1.18) Fora do equador as linhas de acção das duas forças são distintas pelo que é necessário fazer os cálculos de forma vectorial. As mesmas considerações se aplicam a qualquer planeta ou astro. 1.3 OS PLANETAS DO SISTEMA SOLAR 1.3.1 Os planetas terrestres As leis de Kepler, e de modo muito mais geral as leis de Newton, aplicam-se de forma simples quando consideramos os planetas como sistemas mecânicos simples (pontos materiais sem dimensões). Contudo, o estudo da estrutura interna e externa dos planetas é muito importante para as Ciências da Terra, por aquilo que nos pode ensinar sobre a formação e evolução do sistema solar, como um todo, fornecendo chaves fundamentais para a construção dos modelos de interior da Terra. Do ponto de vista da sua constituição, os planetas são normalmente divididos em dois grandes grupos: os planetas interiores, terrestres, ou rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra e Marte) e os planetas exteriores (Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno), podendo estes últimos ser ainda sub-divididos em gigantes gasosos (Júpiter e Saturno) e gigantes gelados (Urano e Neptuno). Os quatro planetas terrestres, que mais se assemelham geologicamente à Terra são diferentes entre si. Mercúrio é um planeta de pequenas dimensões, um pouco maior do que a Lua. O período de rotação de Mercúrio era desconhecido até cerca de 1960, quando estudos de radar permitiram concluir que o seu valor é 58.6 dias, exactamente 2/3 do seu período orbital (88 dias). Esta relação entre a rotação e a translação faz parte de um exemplo complexo de fenómenos gravitacionais, como o que é responsável por manter a Lua sempre com a mesma face voltada para a Terra. Fortes forças de maré, que actuam entre Mercúrio e a enorme massa do Sol próximo, mantêm o planeta de frente para o Sol enquanto está mais perto deste, completando, ao afastar-se, duas rotações. Embora pequeno, Mercúrio tem uma densidade semelhante à da Terra. Vénus aparece brilhante no céu ao fim do dia ou logo de manhã. Quando observado pelo telescópio aparece como uma esfera branca, porque tudo o que observamos é a camada exterior da sua densa atmosfera, que esconde completamente a topografia da superfície. Vénus desloca-se muito lentamente em volta do seu eixo, no sentido oposto ao de todos os maiores corpos do Sistema Solar. O período de 243 dias revelou elegantes e enigmáticas estatísticas do Sistema Solar. O período de translação da Terra e o período axial de Vénus estão, exactamente, numa razão de 3:2. Vénus é diferente da Terra, possuindo bastante menos relevo topográfico. A maior parte da sua superfície está coberta por planícies de grandes dimensões, com raras elevações uniformes; no entanto, duas destas elevações (Ishtar Terra e Aphrodite Terra) têm sido comparadas com os continentes terrestres, embora sejam muito mais pequenas. Várias áreas elevadas mais pequenas, como Beta Régio, assemelham-se a grandes construções vulcânicas. Outras estruturas circulares têm sido interpretadas como caldeiras gigantes. Marte tem estruturas de superfície facilmente visíveis da Terra, pelo que os parâmetros básicos - dimensões e período de rotação axial - foram medidos por meios ópticos. Em 1666 Cassini descobriu que período de rotação de Marte é de 24 horas e 40 minutos, semelhante ao da Terra. As primeiras observações mostraram que Marte tem os pólos cobertos de gelo, tal como a Terra. As dimensões dos vulcões de Marte permitem-nos concluir algo sobre a sua litosfera: para que vulcões atinjam tais dimensões em posições fixas, a presente litosfera marciana tem de ser _____________________________________________________________________________________________ Pag 8 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa espessa e rígida, com pelo menos 200 km de espessura. Isto põe de parte todas as possibilidades de existência de tectónica de placas como a existente na Terra. 1.3.2 A cintura de Asteróides e os planetas exteriores Entre os planetas rochosos e os gigantes gasosos Júpiter e Saturno, localiza-se uma importante cintura de asteróides. Para lá desta entra-se num ambiente diferente: Júpiter e os outros planetas mais distantes do Sol, são enormes esferóides de baixa densidade, gasosos, constituidos essencialmente por Hidrogénio e Hélio. Em detalhe há dois pares: Júpiter e Saturno e, Urano e Neptuno. Júpiter e Saturno são verdadeiros gigantes gasosos e são compostos, respectivamente, por 97 % e 70 % de Hidrogénio e Hélio. Urano e Neptuno são compostos por apenas 10 % a 20 % de Hidrogénio e Hélio, sendo a maior parte da sua massa formada por material gelado e rochoso. As primeiras imagens de pormenor de Phobos e de Deimos, o par de pequenos satélites de Marte, foram obtidas nas missões Viking. A Viking 2 passou a apenas 26 km de Deimos. Phobos é um elipsóide, com um diâmetro máximo de 27 km, enquanto Deimos, mais esférico tem, aproximadamente, 15 km de diâmetro. Ambos possuem superfícies altamente cravadas de crateras, são muito escuros e têm densidades baixas, sugerindo que são constituidos por material semelhante ao dos meteoritos condríticos carbónicos. Estes satélites não possuem órbitas estáveis, pelo que se admite que eles não orbitam Marte desde a origem do Sistema Solar e são provavelmente asteróides, capturados de algum modo da cintura de asteróides entre Marte e Júpiter e que, como tal, providenciam as únicas observações de perto disponíveis, de asteróides. Estudos ópticos mostram que existe na cintura de asteróides uma grande variedade de corpos com dimensões que vão desde as centenas de quilómetros até corpos muito pequenos, de dimensões inferiores às de Phobos e Deimos. Estudos espectroscópios mostram que existem várias classes de asteróides, que têm sido interpretadas como correspondendo a tipos carbonáceos, metálicos e rochosos, semelhantes aos tipos de meteoritos, que veremos mais à frente. Há já bastante tempo que se tem conhecimento que, se um satélite se aproxima mais do que uma certa distância do seu planeta mãe - conhecido como limite de Roche - será desintegrado devido às enormes forças gravitacionais impostas por este. Para lá do limite de Roche, alguns satélites maiores parecem também ter sido desintegrados cedo na sua história, como resultado de massivos impactos, e os seus estilhaços voltaram posteriormente a agregar-se de novo. Os estilhaços também se poderão ter distribuído individualmente na forma de um anel em volta do planeta. Os anéis de Saturno são, com certeza, os mais bem conhecidos. As imagens da Voyager mostraram que são espantosamente complicados em detalhe, com muitos anéis individuais separados por falhas. O espaçamento das falhas é em alguns casos controlado por ressonâncias orbitais de pequenos satélites que agregam a si outros corpos. Talvez a característica mais extraordinária do sistema de anéis de Saturno seja a sua espessura. Embora tenham 27,000 km de comprimento os anéis não têm mais de 1 km de espessura. Consistem em muito pequenas miríades de pedaços de gelo com dimensões métricas, talvez impregnados de material carbonáceo ou silicatos. Os anéis podem representar estilhaços de satélites que foram desintegrados pelo gigantesco campo gravitacional de Saturno. 1.4 IDADES RADIOMÉTRICAS DAS ROCHAS 1.4.1 Geocronologia Há quanto tempo se formou a Terra? A primeira determinação da Idade da Terra, realizada por Lord Kelvin, procurou utilizar o processo físico do arrefecimento do planeta para estimar a sua idade absoluta. A partir da aplicação da 1ª e da 2ª Leis da Termodinâmica concluiu Kelvin que a idade da Terra se deveria situar entre 20 e 400 milhões de anos. Esta avaliação, que hoje sabemos ser francamente incorrecta, porque não considerou a contribuição da radioactividade (descoberta mais tarde) para o equilíbrio térmico da Terra, só pôde ser corrigida porque no princípio do século XX, Rutherford e Holmes concluíram que o decaimento dos isótopos radioactivos instáveis, descoberto por Henri Becquerel em 1896, podia ser utilizado para quantificar a idade das formações geológicas. Só na década de 50 do século XX é que a precisão dos métodos laboratoriais permitiu generalizar o uso das datações radiométricas. O princípio físico em que assenta estas medições é o seguinte: A lei de decaimento radioactivo indica que o número de átomos que se desintegra por unidade de tempo é proporcional ao número de átomos presentes no estado inicial, ou seja: _____________________________________________________________________________________________ Pag 9 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa (1.19) onde é a constante de decaimento, que pode ser interpretada como a probabilidade de que um determinado átomo decaia por intervalo de tempo. Ao produto λN chama-se actividade, A(t), que representa o número de desintegrações por unidade de tempo. Integrando a equação anterior podemos escrever: (1.20) onde N0 representa o número de átomos radioactivos no instante inicial e N é o número de átomos radioactivos no tempo presente. O número de átomos radiogénicos (gerados pelo processo de decaimento que estamos a estudar) designa-se por NR, sabendo-se que, (1.21) Pelo que podemos reescrever (1.20) em função de NR como: (1.22) Diversas formas destas expressões são utilizadas em geocronologia. É também vulgar a utilização do parâmetro “tempo de semi-vida” que é o período de tempo necessário para que uma dada quantidade de um radionuclídeo decaia para metade do seu valor inicial. A relação entre T1/2 e é dada por: (1.23) Por vezes também se utiliza a grandeza “vida média” que é, simplesmente, o inverso da constante de decaimento . 1.4.2 O método de Rubídio-Estrôncio Um dos métodos de datação de descrição simples baseia-se no decaimento radioactivo do Rubídio. O Rubídio é um elemento raro na natureza, que não forma qualquer mineral, mas que aparece a substituir o Potássio, dadas as similaridades entre ambos no que diz respeito ao raio iónico e à carga. Os dois isótopos naturais do Rubídio são o 85Rb e o 87Rb, cujas abundâncias atómicas são de 72.8% e 27.2%, respectivamente. O 87Rb é um isótopo radioactivo que decai da forma seguinte: (1.24) Neste caso, a formação de átomos radiogénicos de 87Sr pode ser explicitada da forma seguinte: (1.25) Uma vez que os espectrómetros de massa medem com maior precisão razões entre dois elementos do que valores absolutos e uma vez que o isótopo 86Sr não é radioactivo nem radiogénico - a sua quantidade pode ser considerada constante - é preferível escrever (1.25) sob a forma: (1.26) Um problema existe, no entanto, no que diz respeito à fracção de 87Sr formado antes da génese da amostra, que tem que ser adicionado ao 2º membro de (1.26): (1.27) A razão isotópica inicial varia com a história geológica da unidade em estudo. As rochas provenientes do manto _____________________________________________________________________________________________ Pag 10 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa superior, por exemplo, possuem razões isotópicas iniciais muito baixas uma vez que o manto superior possui razões Rb/Sr muito baixas. No extremo oposto temos a crusta continental caracterizada por razões Rb/Sr elevadas. A expressão anterior mostra que a razão 87Sr/86Sr depende linearmente da razão 87Rb/86Sr para um conjunto de amostras da mesma idade. Desde que se disponha de um conjunto de amostras com razões pai/filho diferentes pode representar-se graficamente essa relação: Figura 1.5 – Isócrona Rb/Sr de um granito (rocha total) e dos minerais separados. O declive da isócrona é proporcional à idade da rocha, enquanto o ponto de intersecção dá a razão isotópica 87Sr/86Sr do estrôncio no momento da cristalização da rocha. O declive da isócrona permite a determinação de t. Contudo, existem ainda duas condições para que a medição da idade radiométrica seja significativa: a primeira é a de que os processos de alteração ou de metamorfismo não tenham afectado as razões isotópicas do mecanismo de decaimento utilizado na datação; a segunda é a de que todas as amostras utilizadas possuam a mesma razão isotópica inicial. Esta última condição é de mais fácil realização nas rochas ígneas do que nas rochas metamórficas ou sedimentares, uma vez que muitas vezes se verifica que, num determinado maciço, aquelas cristalizam a partir de um magma único. No que diz respeito às rochas metamórficas esta condição pode também verificar-se desde que o metamorfismo tenha sido suficientemente intenso para homogeneizar as razões isotópicas. Nas rochas sedimentares, o facto de os seus elementos poderem provir de fontes distintas torna impossível a datação directa da idade da sedimentação. O método Rb/Sr é utilizado para quase todas as idades geológicas, se bem que a precisão das datações é reduzida no que diz respeito aos últimos 10 a 20 Ma. _____________________________________________________________________________________________ Pag 11 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Tabela 1.III – Constantes de decaimento (em ano-1) e tempos de semi-vida de um conjunto de pares de elementos utilizáveis em datação radiométrica Pai Filho 14C 14N 1.21 x 10-4 87Rb 87Sr 40K 40Ca 40K 40Ar 5.81 x 10-9 119 Ma 138La 138Ce 6.54 x 10-12 106 Ga 147Sm 143Nd 6.42 x 10-12 108 Ga 176Lu 176Hf 1.96 x 10-11 35.4 Ga 187Re 187Os 1.52 x 10-11 45.6 Ga 230Th 226Ra 9.217 x 10-6 75.2 ka 232Th 208Pb 4.9475 x 10-11 14 Ga 234U 230Th 235U 207Pb 238U 206Pb 1.42 x Semi-vida 10-11 4.962 x 2.794 x 10-10 10-6 9.8485 x 10-10 1.55125 x 10-10 5730 a 48.8 Ga 1.41 Ga 248 ka 704 Ma 4.47 Ga 1.4.3 A idade da Terra Onde se localizam as rochas mais antigas sobre a Terra? Rochas com mais de 3 000 Ma são raras na Terra, onde a parte dos registos geológicos mais familiares cobrem apenas os últimos 570 Ma. No fundo dos oceanos, a crusta terrestre é ainda mais nova. Como veremos mais à frente, isto é um resultado do processo de formação contínua de crusta nas dorsais oceânicas. Os cratões continentais estáveis da América do Norte, da África, da Europa do Norte da Austrália ou da Gronelândia possuem unidades com cerca de 2 500 Ma e, nalgumas formações específicas, 3 500 a 3 800 Ma. A datação mais antiga já realizada foi feita em zircões de quartzitos do Monte Narreyer, na Austrália Ocidental, tendo sido obtido o valor de 4 200 Ma com a utilização de técnicas de microsonda iónica. Os Zircões mais antigos são de Jake Hills (Austrália) e foram-lhe atribuídos 4.4 Ga. 1.4.4 A idade da Lua A idade da Lua foi essencialmente estabelecida a partir dos 381.69 kg de rochas trazidos da alunagem da sexta missão Apollo. Estas amostras foram datadas radiometricamente como 3 800 Ma. Se admitirmos que a idade mais antiga que se pode encontrar no sistema solar é de 4 600 Ma (como veremos mais à frente na análise dos meteoritos) podemos concluir que a Lua se manteve geologicamente activa durante um curto período de tempo após a sua formação. As terras altas de tons claros da Lua, são provavelmente mais antigas que os “mares”, porque os estudos fotogeológicos indicam que o material dos "mares" se sobrepõe ao material das Terras Altas. Quando foram obtidas amostras das Terras Altas descobriu-se que faziam parte de um grupo de rochas ígneas dominadas por plagioclase e feldspato, cujos parentes terrestres mais chegados são rochas vulgares no Arcaico e no Proterozóico conhecidas por anortositos. Os anortositos lunares tinham idades superiores a 4 000 Ma, algumas delas com idades perto dos 4 600 Ma. 1.5 OS METEORITOS Muito antes da missão Apollo fornecer as primeiras amostras de rochas lunares, havia uma só fonte directa para dados sobre a composição do Sistema Solar: rochas que literalmente caíam do céu. Os meteoritos são conhecidos desde a pré-história, mas são agora mais intensivamente estudados do que alguma vez o foram, por serem as _____________________________________________________________________________________________ Pag 12 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa únicas amostras palpáveis de material que remonta aos primeiros dias do sistema solar. Os meteoritos providenciaram as primeiras pistas sobre os planetas para além da Terra. Os condritos são o tipo de meteoritos mais representado. São siliciosos (por oposição a ferrosos), e caracterizam-se pela presença de côndrulos, glóbulos refractários de Cálcio e Alumínio (meteoritos de tipo CAl) com dimensões de milímetros a centímetros. Os côndrulos estão embebidos numa matriz formada habitualmente por uma mistura de silicatos cristalinos, por vezes incluindo grãos ou filamentos de níquel e ferro. Este tipo de constituição não foi nunca encontrado na Terra. A idade radiométrica dos meteoritos condríticos é estimada em 4.555 ± 4 Ma. Os condritos são classificados de acordo com a sua constituição química e o seu grau de metamorfismo. Os condritos que possuem menor grau de metamorfismo são aquelas que mais interessam ao estudo da composição primitiva da nébula. É esse o caso das Condritos Carbonáceos, assim designados pela presença de compostos de Carbono. São escuros e friáveis, mais ricos em voláteis, mas muito raros, devido provavelmente à dificuldade de atravessamento da atmosfera. O meteorito mais importante desta classe – Allende – atingiu o México, em 1969, sob a forma de milhares de pequenas pedras, dispersas por mais de 300 km 2. Cerca de 2000 kg de material foi recolhido, se bem que se pense que esta quantidade representa apenas uma pequena fracção do total. É habitual dividir os condritos carbonáceos em três sub-grupos, C1, C2 e C3, de acordo com o grau crescente de metamorfismo. Allende é do tipo C3. Uma percentagem significativa dos meteoritos encontrados é constituída por ferro metálico ou ligas de ferro e níquel. Uma vez que não existe ferro metálico na crusta terrestre, este tipo de meteorito é imediatamente reconhecido como extra-terrestre. Os meteoritos de ferro e níquel foram provavelmente dos últimos objectos a diferenciarem-se da nébula primitiva. A grande importância deste tipo de meteoritos prende-se com o facto de os elementos que os constituem – Ferro e Níquel – terem um papel muito importante no que diz respeito à composição actual do núcleo da Terra. Alguns meteoritos são formados por rochas ígneas com um grau de evolução superior às condritos, sendo a sua idade radiométrica média um pouco menor que a das condritos. Angra dos Reis, por exemplo, é um meteorito ígneo com idade de 4.551 ± 2 Ma. Os acondritos basálticos são verdadeiros basaltos semelhantes aos basaltos lunares. Têm, em média, idades de cristalização da ordem de 4.539 ± 4 Ma, notoriamente com 20 Ma a menos, relativamente ao material mais antigo datado do Allende. Para além destes tipos de meteoritos, é ainda importante considerar o tipo SNC (de shergottites, nakhlites e chassignites). A importância deste tipo provém do facto de as idades radiométricas respectivas serem muito inferiores aos dos outros tipos de metoritos (da ordem de 1000 Ma), pelo que se admite terem como origem um planeta evoluído do sistema solar. Uma vez que a composição química dos gases retidos nestes meteoritos correspondem à composição da atmosfera de Marte, como foi medido pela sonda Viking, é assumida a sua origem marciana. 1.6 COMPOSIÇÃO DO SOL E DOS PLANETAS O Sol constitui a maior parte da massa do sistema solar. Sendo assim, o estudo da sua composição dá-nos informações importantes sobre a composição química do sistema como um todo. Sabemos que o Sol é composto essencialmente por H, He e C, que são elementos muito voláteis mas contém também pequenas quantidades de Mg, Si, Ca, Al e O que são os principais constituintes dos meteoritos e dos planetas rochosos. Quando se compara a composição solar com a dos meteoritos de classe C1, verifica-se uma grande similaridade (ver Tabela 1.IV) Têm sido feitas várias tentativas de estimação da composição da nébula solar primitiva, combinando dados da composição química do sol e dos meteoritos. Estas são as chamadas “abundâncias cósmicas”, que são a composição de referência para planetas e outros meteoritos. Materiais que têm quase abundâncias cósmicas de um grupo de elementos, são chamados “primitivos” ou “indiferenciados”. Uma das observações geoquímicas mais significativas sobre os planetas terrestres, é a sua depleção em gases nobres e elementos voláteis relativamente aos planetas exteriores e mais ainda, relativamente aos meteoritos. _____________________________________________________________________________________________ Pag 13 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa Tabela 1.IV - Comparação de abundâncias atómicas entre o Sol e Condrites Carbonatadas de tipo C1 (de Breneman et al. 1985 e Anders et al, 1989, citados por Don Anderson em Understanding the Earth, 1992). Sol C1 Na 0.067 0.0574 Mg 1.089 1.074 Al 0.0837 0.0849 Si 1 1 P 0.0049 0.0010 S 0.242 0.0515. K 0.0039 0.00377 Ca 0.082 0.0611 Ti 0.0049 0.0024 Fe 1.270 0.900 Ni 0.0465 0.0493 1.7 MODELO DE FORMAÇÃO DOSISTEMA SOLAR 1.7.1 Fase de Nébula Estima-se que o sistema solar teve inicío há cerca de 4600 Ma. A nébula formou-se quando uma massa de gás e pó se libertou de uma muito maior nuvem molecular, num braço espiral da Via Láctea e colapsou num disco sobre a acção da atracção gravitacional. A massa deslocou-se para o interior do disco, o Sol formou-se no centro e o momento angular foi transferido para o exterior, de tal forma que agora reside principalmente nos planetas. Na nébula, pequenos corpos (de dimensão métrica), iniciaram o seu crescimento até atingirem dimensões quilómetricas. Mais tarde, na história recente do Sol, o fluxo de massa foi invertido, ventos violentos e descargas solares conduziram o Hidrogénio, o Hélio, gases nobres e muitos elementos voláteis para distâncias da ordem das 4-5 UA (1 unidade astronómica (UA) = distância Terra - Sol), onde estes acrecionaram, para formar os planetas gigantes. A água foi capaz de condensar na nébula à temperatura de 160 K, como gelo, numa “linha de neve” a cerca de 4-5 UA, ficando retida nos satélites dos planetas gelados. Esta fase de nébula teve uma duração curta (105 a 106 anos). A nébula solar primitiva deverá ter sido constituída essencialmente por Hidrogénio e Hélio, que são os principais constituintes do Sol, Júpiter e Saturno. Assume-se, como vimos, que a composição, para elementos não gasosos, da primordial nébula solar é semelhante às condrites C1. Pode admitir-se que a nébula evoluiu com o tempo: durante a fase inicial de colapso, o material flutuou na direcção do interior para formar o Sol. As temperaturas na nébula eram altas, provavelmente da ordem dos 1,500 K nas regiões interiores (onde mais tarde se formariam os planetas rochosos), durante este curto estágio de influxo, que terá durado cerca de 105 anos. Nesta altura não deverá ter estado presente nenhum material sólido condensado. Quando o Sol em crescimento atingiu uma massa crítica e se deu início ao processo termonuclear, essa actividade acabou com o restante gás da nébula interior. Neste estágio, material condensado da nébula interior, planetesimais sobreviveram e subsequentemente acrecionaram nos planetas terrestres. 1.7.1 Deplecão de voláteis Os planetas terrestres são diferentes, em composição, da nébula primitiva pelo que terá ocorrido uma substancial fraccionação química da nébula primitiva, antes da acreção final dos planetas terrestres. Atribui-se este efeito à actividade solar inicial. Este processo parece ter demorado cerca de um milhão de anos. _____________________________________________________________________________________________ Pag 14 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa 1. Uma grande porção de nébula que roda lentamente começa a tornar-se uma nuvem predominantemente gasosa que colapsa por atracção gravitacional. 2. A rotação da nuvem impede o colapso do disco equatorial enquanto se forma uma densa massa central. 3. Forma-se uma protoestrela que aquece a parte interior da nébula, possivelmente vaporizando poeiras pré-existentes. À medida que a nébula arrefece, a condensação produz grãos sólidos que assentam na parte central da nébula. 4. A nébula de poeira esvazia-se, por agregação das poeiras em planetesimais, permanecendo uma estrela e um sistema de corpos frios. A agregação gravitacional destes pequenos corpos leva à formação de um pequeno número de grandes planetas. _____________________________________________________________________________________________ Figura 1.6 – A evolução de uma nébula de poeiras pode ter sido a origem da formação do sistema solar. 1.7.2 Fase planetesimal Admite-se que a agregação planetária terá sido gerada por colisões entre planetesimais, alguns dos quais atingindo as dimensões de Marte, para finalmente darem origem aos planetas Mercúrio, Vénus, Terra e Marte que conhecemos hoje; este processo terá levado cerca de 100 Ma. Que evidências temos nós destes planetesimais? Acredita-se que os asteróides são restos planetesimais; Phobos um dos satélites marcianos, aparenta ser um objecto primitivo, e pode muito bem, ser um asteróide capturado. A ausência de um planeta na cintura de asteróides, entre Marte e Júpiter, na qual mais de 4 000 corpos foram já numerados (não contando com outros muito mais pequenos), deve-se provavelmente à forte influência do massivo Júpiter, que capturou ou ejectou muitos dos corpos. Uma evidência indirecta, para os já existentes corpos com diâmetros superiores a 100 km, vem da observação de todas as mais antigas superfícies preservadas de planetas e satélites, que estão saturadas de crateras. A superfície da Lua é um exemplo clássico, mas fotografias, desde Mercúrio, perto do Sol, até satélites de Urano, mostram claramente que, planetas e satélites estiveram sujeitos a bombardeamentos massivos. Estão presentes crateras de todos os tamanhos, desde dimensões micrómetricas, causadas por impactos de pequenos grãos, até enormes bacias com mais de mil quilómetros de diâmetro. A maior evidência para a existência de objectos muito grandes (com massas de dimensões da Terra, Lua ou Marte) numa nébula inicial, vem da inclinação dos planetas relativamente ao seu eixo de rotação (ver tabela do capítulo anterior). Um dos maiores impactos foi o sofrido por Urano: mostra a simulação numérica que apenas um impactor com dimensões semelhantes à Terra, poderia colocá-lo com uma inclinação perto dos 90°. São necessárias colisões mais pequenas para justificar a inclinação dos outros planetas mas, no entanto alguns pelo menos tão grandes como Marte (com 1/10 da massa da Terra), teriam de ser responsáveis, já que impactores mais pequenos (semelhantes a Phobos, por exemplo), não seriam significativos. _____________________________________________________________________________________________ Pag 15 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa 1.8 BIBLIOGRAFIA Brown, G. C., C.J. Hawkesworth, R.C.L. Wilson (eds.), (1992). Understanding the Earth, Cambridge University Press, pp 551. Gartenhaus, S. Physics, Basic Principles, vol 1, Holt, Rinehart and Winston, Inc., New York. Hamblin, W.K. and E.H. Christiansen (1998). Earth’s Dynamic Systems, Prentice Hall, New Jersey, 8th Ed. Holton, G., Stephen, G. Brush. Introduction to Concepts and Theories in Physical Science, Princeton University Press, New Jersey. Lowrie, W. (1997): Fundamentals of Geophysics, Cambridge University Press, Cambridge, pp 354. Miranda, J.M., P. Teves Costa e L. Matias (2010). Introdução à Física da Terra. 1º módulo do curso moodle do Instituto de Meteorologia. Serway, R. (1996). Física 1 para Cientistas e Engenheiros, 3ª Edição, LTC. _____________________________________________________________________________________________ Pag 16 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa 1.9 EXERCÍCIOS RESOLVIDOS Exercício 1.1: Usando a 3ª lei de Kepler e os valores da Tabela 1.I, calcule a massa do Sol. Resolução: Consideremos o caso do movimento da Terra em volta do Sol. Podemos utilizar a equação (1.13) onde T é o período de translação da Terra (365 x 24 x 60 x 60 s), a é a distância média da Terra ao Sol (149.6 x 109 m) e G é constante de gravitação universal (6.6742×10-11 m3kg-1s-2). Substituindo teremos M = 1.99 x 1030 kg. Exercício 1.2: Determine o momento angular da Terra em relação ao centro do Sol, admitindo que a sua trajectória é circular e tem de raio 1.5108 km. Despreze o movimento de rotação e considere que a massa da Terra é de 6.0 x 1024 kg. Resolução: Utilizando a definição de momento angular, tal como está expressa na equação (1.8), e admitindo a aproximação de que o movimento é circular uniforme, vem L = (6.0x1024) x (1.5x1011) x (21.5x1011)/(365×24×60×60) = 2.66 x 1040 kg m2 s-1 (sabendo que v = 2πr /T). Exercício 1.3: Utilizar as Tabelas 1.I e 1.II para determinar (a) o valor do campo de atracção gravitacional (newtoniana) num ponto do equador de Marte, (b) o valor da força centrífuga por unidade de massa, no mesmo ponto. Comparar estes valores com os correspondentes para a Terra. Resolução: (a) A atracção newtoniana num ponto do equador do equador de Marte é a força que actua a unidade de massa (1 kg) aí localizada, que por sua vez é dada pela equação (1.7) onde consideramos M = 6.5 × 1023 kg, G = 6.6742×10-11 m3kg-1s-2, m = 1 kg, r = 6794000/2 m. O resultado é FG = 3.76 m/s2, que também se pode representar por FG = 3.76 N/kg. (b) A força centrífuga, calcula-se directamente pela equação (1.16). É necessário inserir nesta equação o período de rotação de Marte em segundo: 24.6229 h = 24.6229 x 60 x 60 = 88642 s. Logo, FC = 1.71 x 10-2 N/kg. Para a Terra, os resultados são: FG = 9.8 N/kg e FC = 3.38 x 10-2 N/kg. Vê-se assim que a força newtoniana da Terra é cerca de 2.5 vezes maior que a de Marte e que a força centrífuga devida à rotação da Terra é cerca do dobro da devida à rotação de Marte. Exercício 1.4: Sabendo que a excentricidade da órbita da Terra é 0.0167, calcule o semi-eixo menor da elipse que aproxima a sua órbita. Resolução: O semi-eixo maior da órbita da Terra é dado pela Tabela 1.I: a = 149.6 x 106 km. Aplicando a equação (1.2) vem: b2 =[a2 (1-e2)]. Fazendo os cálculos, b = 1.49579 x 1011 m. Vê-se assim que a diferença entre os dois semi-eixos é muito pequena. O que já era de esperar devido à pequena excentricidade da órbita. Exercício 1.5: O urânio 235U decai para 207Pb. (a) Sabendo que a constante de decaimento tem o valor λ = 9.8485 x 10-10 a-1, determine o tempo de semi-vida do urânio. (b) Quantas semi-vidas do 235U tiveram lugar desde a formação da Terra há 4.56 Ga? Resolução: (a) Aplicando a equação (1.23), vem T1/2 = 0.693/9.8485x10-10 = 703660456, i.e., T1/2 ≈ 704 Ma. (b) Tendo em conta o valor da semi-vida determinado na alínea (a), vem 4.56x109/704x106=6.48, pelo que já passaram 6 semi-vidas desde a formação da Terra. Exercício 1.6: Num organismo vivo, cada grama de carbono tem uma taxa de desintegração de 15 decaimentos por minuto devido à presença do 14C. Um osso com 200 g de carbono foi desenterrado e a taxa de desintegração total é de 400 decaimentos por minuto. Qual é a idade do osso? Resolução: O número de desintegrações por unidade de tempo é representado pela actividade A(t) = λN. Se for A0 (t ) a actividade inicial da amostra, então utilizando a equação (1.20) pode ver-se A(t ) N N0 et A0 (t )et t A(t ) / A0 (t ) e → 14 Tomando agora os dados do problema, se 1g de C tem 15 decaimentos por minuto, 220 g terão (15x200=) 3000 decaimentos por minuto. Depois do organismo morto, 200 g de carbono apresentam 400 decaimentos por minuto. Então, A(t) / A0 (t) = 0.133333. Logo, 0.133333 = e–λt, ou seja, –λt = ln (0.133333) = -2. Da Tabela 1.III podemos tirar o valor da constante de decaimento do 14C: λ = 1.21x10-4 a-1. Logo, t = 2/λ = 2/ 1.21x10-4 ≈ 16 530 a. _____________________________________________________________________________________________ Pag 17 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J. M. Miranda, P.T. Costa 1.10 EXERCÍCIOS PROPOSTOS 1. A partir dos valores dos períodos de translação da Lua em torno da Terra (ver Tabela 1.I deste capítulo) e da distância da Terra à Lua (3.84 x 108 m) estime a massa da Terra. Faça idêntico cálculo para Júpiter, sabendo que Io tem o período orbital de 1.77 dias, e que o raio da sua órbita é de 4.22 10 8 m. 2. A Terra tem um período sideral de 1 ano e o raio médio da sua órbita (supondo uma trajectória circular) é 149.6 x 106 km. Determine qual o valor do raio médio da órbita de Marte, sabendo que o seu período sideral é de 687 dias. 3. Calcule o peso um corpo de 100 kg de massa localizado num ponto no equador de Jupiter. (Nota: considere a força gravitacional e a força centrífuga e utilize os valores apresentados nas Tabelas 1.I e 1.II). 4. Admitindo que a trajectória da Lua à volta da Terra se assemelha a uma circunferência de raio 3.84 x 105 km, com um período de 27.3 dias, determine a que distância do centro da Terra se deve encontrar um satélite cujo período de translação seja de 3 h. 5. Determine a que altitude se deve colocar um satélite geo-estacionário sobre o equador. 6. Suponha que a Terra roda com velocidade crescente até que um observador localizado no equador observe gravidade nula. Qual será então a duração do dia? 7. A semi-vida do 14C é 5730 anos. Determine a constante de decaimento e a percentagem de 14C original que permanece ao fim de 20000 anos. 8. A semi-vida de um dado isótopo radioactivo é de 6.5 horas. Se existirem inicialmente 48x10 19 átomos deste isótopo, quantos átomos deste isótopo restarão após 26 horas? Exprima o resultado em % do número inicial. 9. A semi-vida de um isótopo radioactivo é de 140 dias. Quantos dias seriam necessários para que a actividade de uma amostra deste isótopo caísse a um quarto da sua taxa inicial de decaimento? 10. Considere um conjunto de rochas graníticas aflorantes num mesmo maciço plutónico, denominadas de A, B, D e G. Foram retiradas amostras destas 4 rochas e feitas medições das respectivas concentrações em 87Rb e 87Sr. Em duas das amostras (B e G) os minerais foram separados e foram também medidas as concentrações de 87Rb e 87Sr bem como do isótopo de estrôncio 86Sr. Os resultados apresentam-se na tabela seguinte: 87Rb/86Sr Dados de Rocha Total 87Sr/86Sr Rocha A 0.25 0.710202 Rocha B 0.30 0.711642 Rocha D 0.50 0.717404 Rocha G 1.00 0.731807 Apatite 0.05 0.710931 K- Feldspato 0.60 0.712495 Muscovite 5.00 0.725009 Apatite 0.07 0.729162 K- Feldspato 1.30 0.732660 Muscovite 15.0 0.771624 Dados de Minerais Rocha B Rocha G a) Represente os dados num diagrama de isócronas (87Rb/86Sr em abcissas e 87Sr/86Sr em ordenadas). As três isócronas devem ser desenhadas no mesmo diagrama; b) Calcule a idade isócrona da rocha total (baseada no declive da recta) e o valor incial da razão 87Sr/86Sr (ordenada na origem); c) Calcule a isócrona interna e o valor incial da razão 87Sr/86Sr para a rocha B, a partir da composição dos minerais; d) Calcule a isócrona interna e o valor inicial da razão 87Sr/86Sr para a rocha G, a partir da composição dos minerais. Nota – A constante de decaimento do 87Rb é 1.42 x 10-11 a-1 _____________________________________________________________________________________________ Pag 18
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