proposta e resultados preliminares do plano de ao de arqueografia

Transcrição

proposta e resultados preliminares do plano de ao de arqueografia
TOPOGRAFIA APLICADA A ARQUEOLOGIA
FUNERÁRIA
Levantamento Topográfico no Mosteiro da Luz – SP
Décio Moreira 1 , Leila Meneghetti 2 , Arisol Sayuri Tsuda Yamamoto 3 , Maurício Gino Menduni Grossmann 4 , Bruno
Pereira Toniolo 5
1
Prof. Me. do Curso Transportes e Obras de Terra da FATEC-SP.
2
Profa. do Curso Transportes e Obras de Terra da FATEC-SP
3
Tecnóloga, Auxiliar de Docente do Laboratório de CAD do Curso Edifícios da FATEC-SP.
4
Técnico em Agrimensura, Auxiliar de Docente da disciplina de Topografia do Curso Transportes e Obras de Terra da
FATEC-SP.
5
Aluno do Curso Edifícios da FATEC-SP.
[email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]
Resumo
O levantamento topográfico apresentado faz parte
do plano de ação de Arqueografia das deposições
funerárias do Mosteiro da Luz, vinculado ao Projeto
Programa Arqueologia Funerária, Processo IPHAN nº
01506000416-08-65, cujo objetivo geral é o
conhecimento das práticas funerárias da Ordem das
Concepcionistas do Mosteiro da Luz, fundado em 1774
por Antonio de Sant`Anna Galvão, e sobre a história e
a memória dos espaços sagrados de São Paulo. O
Projeto está sob a coordenação do Prof. Dr. José Luiz
de Morais, MAE-USP, em parceria com o Museu de
Arte Sacra de São Paulo e este trabalho é coordenado
pelo Prof. Dr. Sérgio F. S. M. Silva, Arqueólogo,
Professor de Arqueologia Forense e Metodologia da
Pesquisa Científica da Academia de Polícia de São
Paulo, componente da equipe do Plano de
Arqueografia das Deposições Funerárias do Mosteiro
da Luz.
O levantamento topográfico realizado compreende
o túmulo ou carneiro de número 5 e os indivíduos nele
inumados, localizado na Capela Mortuária do Mosteiro
da Luz.
1. Introdução
O termo Arqueologia Funerária ou Arqueologia da
Morte ou Arqueologia das Práticas Funerárias indica e
define, uma vertente de pesquisa adotada para analisar
e interpretar problemas relativos ao fenômeno da morte
através de dados mortuários com informações
encontradas nos rituais funerários no contexto
arqueológico, antropológico ou histórico.
Para análises dos corpos com emprego de
Tomografia Computadorizada, fotografias digitais,
mensuração com scanner 3D, análises osteoscópicas e
osteométricas manuais necessárias ao cálculo da idade,
sexo, estatura, ancestralidade e sinais de patologias
ósseas, dentárias e observáveis nos tecidos orgânicos
preservados e de causa da morte, raios X, análise e
identificação de agentes patogênicos, craniometria,
osteometria, cranioscopia, análise biomolecular
objetivando diagnose sexual precisa por DNA nuclear,
análises previstas no plano de ação de Medicina Legal
e Antropologia Forense, será preciso retirar os
indivíduos e isso só deve acontecer após a
determinação da posição original dos corpos
possibilitando a reconstituição destes no interior do
carneiro, objetivando propiciar a integração
interdisciplinar com o Projeto Museológico do MAS
[1].
Os pontos que garantem essa reconstituição são os
antropométricos (parte da antropologia que trata da
mensuração do corpo humano), que devem ter
conhecidos as coordenadas X, Y e cota, cuja
determinação utiliza os métodos topográficos.
Desta forma, o levantamento topográfico teve como
objetivo a determinação das coordenadas cartesianas
dos pontos antropométricos dos indivíduos do
carneiro 6 de número 5 e reconstituição dos indivíduos
na posição original no caso de retirada para estudos.
2. Materiais e Método
O trabalho envolve um conjunto de métodos e
processos, através de medições de ângulos e distâncias
horizontais e verticais, com instrumental adequado a
exatidão pretendida.
6
Para Reis (1991, p. 179) apud Silva [1], carneiro ou charneira
deriva do termo latino carnarium, ou depósito de carne, ou, ainda, do
termo francês charnier e do espanhol carneros. O conjunto de
sepulturas pode ser designado de carneiro, bem como cada sepultura.
Esse mesmo conjunto é, também, denominado catacumba. Os
recintos dos carneiros poderiam apresentar covas de chão (pavimento
dos carneiros). Em todos os casos, constituem locais de sepultura.
Cada carneiro pode ser emoldurado e encimado por arco.
Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 26 – pág. 42 a 45 – Maio / 2009
42
Inicialmente implantou-se uma base de apoio com 2
pontos materializados com pino de aço cravado no piso
da Capela Funerária (fotografia ilustrada na Figura 1)
em frente aos carneiros, um no lado direito,
identificado como “A1”, onde está localizado o
carneiro objeto deste estudo e outro no lado esquerdo,
identificado como “A2”, de quem entra na Capela
Funerária.
A1
A2
Figura 1 – Capela funerária (Foto de Bruno Pereira
Toniolo)
A esta base de apoio são relacionados os pontos
notáveis do carneiro e dos indivíduos visando a sua
exata representação planimétrica e altimétrica. Segundo
a ABNT [2] este procedimento é denominado de
Levantamento Topográfico Planialtimétrico Cadastral.
Para o ponto “A1” foram atribuídas as coordenadas
cartesianas X = 10,000 m; Y = 20,000 m e Cota =
10,00 m.
2.1 Características do túmulo
Conforme dados obtidos de Silva [1], o carneiro de
número 5, com base de deposição dos corpos
retangular, mede 83x190,3cm, com altura máxima de
93,9cm e mínima nas laterais de 27cm. Apresenta a
parede superior, trilobada, recoberta com massa de cal
e areia e a parede posterior caiada. A abertura externa
está emoldurada, com acabamento em relevo.
A base do carneiro de número 5 é formada de
tijolos quadrangulares, em argila cozida clara. Um
suporte de cabeça em massa, caiado, individual,
apresenta a forma de travesseiro. A área central da base
apresenta uma depressão retangular, preenchida com
sedimento argiloso e cal.
2.2 Trabalho de campo
Para o controle angular e linear o recomendado é
materializar poligonais fechadas, mas como neste
trabalho existe limitação de espaço, esse procedimento
não foi possível de ser adotado. Por outro lado, como
as distâncias envolvidas são curtas é possível garantir
uma precisão adequada aos objetivos utilizando-se
instrumento que permita resultados mais precisos e
equipe qualificada.
Segundo McCormac [3], a precisão possível com a
utilização de Medidor Eletrônico de Distância é de
1/20.000 a ±1/300.000, portanto no desenvolvimento
do trabalho a equipe deve concentrar a atenção para
serem evitados os erros grosseiros.
O instrumento utilizado é uma Estação Total
classificada como de precisão alta com acurácia
angular de 02” e linear de ± (2 mm + 2ppm.D), pois
segundo a NBR 13.133 / 94 [2] a classe alta tem desvio
padrão angular ≤ ± 02” e linear ± (3 mm + 3ppm.D).
Com esse instrumento é possível medir os ângulos
verticais e horizontais e as medidas lineares que são
obtidas com o medidor eletrônico de distância, parte
integrante do instrumento, que utiliza emissão de laser,
dispensando o uso de trena.
Como acessório para essas medições são usadas
uma fita reflexiva, o “metro de pedreiro” e uma régua,
estes com resolução de 1 mm, melhorando a qualidade
da observação.
A origem para os ângulos horizontais é a base
implantada “A1 – A2”.
Os pontos notáveis do levantamento são os que
possibilitam a representação gráfica do carneiro e dos
indivíduos, bem como permitem sua reconstituição. Os
pontos notáveis dos indivíduos estão relacionados em
Ávilla (1958, p. 35-51) e Comas (1957, p. 300-304)
apud Silva [1].
Os pontos antropométricos evidenciados no
indivíduo 1 (deitado) são: Subnasale, Otobasion
inferius D, Suprasternale, Akromion D, Radiale D,
Iliocristale D, Iliospinale anterius D, Symphysion,
Trochanterion D, Stylion D, Metacarpale radiale D,
Tibiale externum D, Tibiale E, Humerale laterale D,
Metacarpale ulnare D, Sphyrion fibulare D, Glabella,
Gnathion, Vértex e Nasion.
Os pontos antropométricos evidenciados no
indivíduo 2 são: Akromion D, Infrasternale
(deslocado), Iliospinale anterius E, Trochanterion E,
Tibiale externum E, Humerale laterale E, Sphyrion
fibulare E, Glabella, Nasospinale (Subnasale) e Mento.
Nota-se que os corpos não estão totalmente
evidenciados. A argila presente garante a posição do
corpo colocado lateralmente.
2.3 Processamento dos dados
Neste trabalho, os 102 pontos levantados foram
anotados em planilha de campo e digitados em planilha
eletrônica do aplicativo para topografia DATAGEOSIS
2005 – versão educacional, pois o instrumento
utilizado - Estação Total que permite o armazenamento
dos dados observados - não é compatível com o
aplicativo disponível.
A partir de modelos matemáticos transformou-se os
dados de campo – ângulos horizontais, verticais e as
distâncias lineares em coordenadas cartesianas X, Y e
Cota, conforme Tabela 1 com alguns exemplos.
Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 26 – pág. 42 a 45 – Maio / 2009
43
Concluído os cálculos os pontos foram exportados
para o software AUTOCAD®. De acordo com Saad [4],
este programa utiliza um ambiente de trabalho baseado
em planos cartesianos, aceitando perfeitamente as
coordenadas calculadas dos pontos levantados e os
exibe de forma gráfica em um ambiente de fácil
visualização tridimensional.
Pto.Visado
PA2
PA3
PA4
PA5
PA6
1.2
1.33
1.5
Tabela I – Planilha
eletrônica
com as
coordenadas
calculadas
Atributos
PTO ALTIMÉTRICO
PTO ALTIMÉTRICO
AO LADO CABEÇA
PTO ALTIMÉTRICO
PTO ALTIMÉTRICO
TESTA
NÁSIO
SUB-NÁSALE
Ang.Horiz.
71°10" 45"
69°48' 09"
67°32' 46"
67°34' 27"
68°13' 25"
68°38' 37 "
69°01' 03"
69°54' 51"
Dist.Horiz.
2,928
2,772
2,717
2,558
2,310
2,646
2,640
2,623
X
12,771
12,602
12,511
12,365
12,145
12,464
12,465
12,463
Y
20,945
20,957
21,038
20,976
20,857
20,964
20,945
20,901
3. Resultados
Com os dados calculados e as coordenadas dos
pontos notáveis definidas foram produzidos:
a)
um desenho em planta do carneiro de número
5 e os pontos levantados dos indivíduos.
b) um desenho em perspectiva com todos os
pontos levantados.
c)
Com o auxílio dos diversos recursos do software os
pontos foram organizados em camadas e de acordo
com a sua classificação foram atribuídas cores para sua
fácil identificação visual.
As linhas de contorno do carneiro e as linhas entre
os pontos evidenciados nos indivíduos 1 e 2 também
foram geradas com cores distintas para facilitar a
visualização no espaço.
um desenho em perfil.
d) uma montagem fotográfica com os pontos
levantados
topograficamente
(fotografia
ilustrada na Figura 2).
Cota
11,5
11,5
11,4
11,3
11,3
11,5
11,5
11,5
A fotografia da figura 2 foi produzida com
câmera digital com lente de 17 mm apoiada em tripé
estacionado no ponto A1 a 1,455 m de altura em
posição paralela ao carneiro de número 5, resultando o
foco da câmera num ponto a 0,190 m da bacia em
direção ao fêmur do indivíduo deitado e distante 2,65m
da câmera. Estas informações métricas foram utilizadas
no software AUTOCAD® [5] para a compatibilização
da escala da foto.
A linha identificada com setas, (Figura 2) nas
laterais e ao fundo do carneiro, próximo ao corpo,
mostra a posição da argila, pois a evidenciação dos
corpos não estava completa quando o levantamento
topográfico foi realizado.
Figura 2 – Montagem fotográfica (Foto de
Luiz Roberto Fontes)
Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 26 – pág. 42 a 45 – Maio / 2009
44
4. Conclusões
Para Silva [1] a utilidade do levantamento
topográfico está em identificar pontos específicos do
corpo humano que possam ser localizados e a partir
destes realizar as distâncias, arcos e ângulos existentes
entre eles.
Com esse levantamento será possível descrever,
inicialmente pelas características morfométricas e, a
posteriori, pelas características morfoscópicas (a
posição e disposição dos corpos no carneiro, suas
orientações, os deslocamentos e os resultados, na
estrutura esqueletal, da sinergia entre os processos
conservativos e destrutivos.
Esses pontos auxiliares podem ser complementados
com outros a serem demarcados.
Mesmo os exames tomográficos e por
escaneamento e raios-x que serão realizados devem
considerar os pontos previamente demarcados.
O
levantamento
topográfico
dos
pontos
antropométricos, ainda que realizado por procedimento
topográfico convencional, mostrou-se adequado.
No levantamento foi encontrada dificuldade de
acesso aos restos humanos, pois ainda estavam
inseridos no substrato argiloso para preservar sua
integridade.
Quaisquer
deslocamentos
nos
remanescentes com presença de esqueletização e
desarticulação iminente resultariam na perda de dados
mortuários significativos para a pesquisa.
Os resultados preliminares de arqueografia das
deposições funerárias do Mosteiro da Luz no Projeto
de Musealização proposto pelo Museu de Arte Sacra de
São Paulo, com a precisa posição espacial dos pontos
levantados topograficamente nos remanescentes
humanos permitem a sua reconstituição para eventuais
fins museográficos.
Nas etapas seguintes, novos pontos serão
demarcados para fins de novo levantamento
topográfico, visando caracterizar e individualizar os
remanescentes
encontrados
bem
como
um
adensamento de pontos para viabilizar a construção de
um modelo digital, tanto do carneiro como dos corpos.
Referências Bibliográficas
[1] Silva, S.F.S.M.. Relatório preliminar do plano
de arqueografia das deposições funerárias do
Mosteiro da Luz. São Paulo, 2008.
[2] ABNT – Associação Brasileira de Normas
Técnicas. NBR 13 133: Execução de levantamento
topográfico – procedimento. Rio de Janeiro, 1994.
35 p.
[3] McComarc, Jack C. Topografia. Rio de Janeiro.
LTC, 2007.
[4] Saad, Ana Lúcia. AutoCAD 2004 2D e 3D. São
Paulo: Pearson Makron Books, 2004.
[5] AUTODESK Inc. AutoCAD 2007 Help – User´s
Guide. U.S., 2006.
Agradecimentos
À Professora Dra. Sonia Hatsue Tatumi pela
indicação.
Ao Professor Dr. Sérgio F. S. M. Silva pela
colaboração.
Ao Departamento de Transporte e Obras de Terra –
Disciplina de Topografia - da Faculdade de Tecnologia
de São Paulo, pelo empréstimo dos instrumentos de
topografia.
Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 26 – pág. 42 a 45 – Maio / 2009
45

Documentos relacionados