Antibióticos a longo prazo na DPOC: mais benefícios do que danos?

Transcrição

Antibióticos a longo prazo na DPOC: mais benefícios do que danos?
Copyright PCRS-UK - reproduction prohibited
Prim Care Respir J 2013; 22(3): 261-270
EDITORIAIS
Antibióticos a longo prazo na DPOC: mais benefícios do que danos?
*Marc Miravitlles1
1
Departamento de Pneumologia, Hospital Universitari Vall d’Hebron,
Barcelona, Espanha; CIBER de Doenças Respiratórias (CIBERES),
Barcelona, Espanha.
*Correspondência: Dr Marc Miravitlles, Servei de Pneumologia,
Hospital Vall d’Hebron, P. Vall d’Hebron 119-129, 08035.
Barcelona, Spain.
Tel: +34932746083 Fax: +34932746157.
E-mail: [email protected]
Veja artigo relacionado, de James et al., Prim Care
Respir J 2013; 22(3) página 271
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é caracterizada por
episódios recorrentes de exacerbações, definidas por um aumento
agudo dos sintomas respiratórios. Essas exacerbações são a principal causa de consultas médicas e de mortalidade, particularmente
na DPOC grave, portanto, a prevenção desses episódios constitui
um dos objetivos mais importantes no manejo da DPOC.1
Com esse objetivo em mente, no início da década de 1970
foram conduzidos alguns estudos sobre o uso de antibióticos a
longo prazo em pacientes com bronquite crônica e frequentes
exacerbações infecciosas. A maioria desses estudos se caracterizou
por amostras pequenas e falhas importantes em seu desenho.2
Embora tenham mostrado uma pequena redução das exacerbações em geral, evidenciou-se uma preocupação crescente quanto
ao desenvolvimento da resistência bacteriana. Com o desenvolvimento de novas medicações inalatórias mais efetivas para a DPOC,
essa estratégia terapêutica em geral foi abandonada e não se conduziram novos estudos sobre a sua utilização até recentemente.
As atuais diretrizes recomendam o uso de broncodilatadores
de longa ação e anti-inflamatórios (corticosteroides), somados
a medidas não farmacológicas, como a reabilitação pulmonar,
para prevenção das exacerbações da DPOC.1 Entretanto, algumas
(ou a maioria) dessas exacerbações têm origem infecciosa, e os
broncodilatadores e anti-inflamatórios não chegam a prevenir
completamente esses episódios em pacientes com DPOC cronicamente infectados, que podem apresentar uma bronquiectasia
associada. Na verdade, algumas evidências sugerem que o uso de
corticosteroides inalatórios (CSI) poderia até representar um fator
de risco para aumento da carga bacteriana nas vias aéreas de tais
pacientes,3 e que essa condição estaria relacionada ao aumento
observado no risco de pneumonia.4
Os pacientes com DPOC podem apresentar diferentes fenótipos
clínicos e, portanto, não apenas o tratamento5 mas também a prevenção das exacerbações6 podem ser diferentes, de acordo com
o fenótipo. Os pacientes com exacerbações bacterianas frequentes, caracterizadas por escarro escurecido e com bronquiectasia ao
exame de tomografia computadorizada (TC), constituem um fePRIMARY CARE RESPIRATORY JOURNAL
www.thepcrj.org
nótipo em particular – o “fenótipo infeccioso”.7 Aqueles pacientes
que, apesar do manejo ideal, continuam a apresentar exacerbações infecciosas bacterianas podem necessitar de um tratamento
complementar, com o objetivo de controlar e (se possível) erradicar
a infecção bacteriana das vias aéreas.
Não se sabe qual a frequência atual do uso de antibióticos a
longo prazo para prevenção de exacerbações da DPOC na prática
clínica. Nesta edição do PCRJ, James et al. investigaram o uso desse tratamento no Reino Unido, por meio de um estudo de coorte
retrospectivo, utilizando um grande banco de dados do atendimento primário de saúde, entre 2000 e 2009.8 Os resultados
demonstram que os antibióticos a longo prazo raramente foram
utilizados (somente 567 pacientes de um total de 92.576, o que
equivale a 0,61%) e foi interessante observar que as tetraciclinas
e a penicilina foram os antibióticos mais amplamente escolhidos,
seguidos dos macrolídeos. Esses resultados sugerem que a escolha
do antibiótico foi mais influenciada pelos antigos estudos sobre
bronquite crônica do que por novas evidências sobre a utilização
de macrolídeos na fibrose cística ou na bronquiectasia. Contudo, o
uso de macrolídeos aumentou após 2005, o que sugere a influência de estudos mais recentes envolvendo pacientes com doenças
respiratórias crônicas. É interessante observar que este foi o primeiro estudo a fornecer uma estimativa da prevalência do uso desse
tipo de tratamento para a DPOC na comunidade, e os resultados
indicam que o uso de antibióticos a longo prazo no Reino Unido,
até 2009, foi muito reduzido. Será interessante observar se houve algum aumento após a publicação de novos estudos sobre a
utilização do pulsado de moxifloxacina9 ou de macrolídeos nos últimos cinco anos.10,11 Esses estudos foram conduzidos em grandes
populações bem definidas e, em geral, apresentaram resultados
positivos na prevenção de exacerbações quando os antibióticos a
longo prazo foram acrescentados à medicação usual para a DPOC.
Apesar dos resultados positivos na prevenção de exacerbações
em pacientes com DPOC, é preciso lembrar que o tratamento a
longo prazo com antibióticos, particularmente com macrolídeos,
está associado a significativos efeitos colaterais e ao risco de desenvolvimento de resistência bacteriana,11,12 afetando não apenas
o paciente tratado, mas também impactando na resistência comunitária ao macrolídeo.13 Nesse contexto, há de se considerar
um resultado muito positivo o achado de apenas 0,61% dos pacientes com DPOC no Reino Unido que estavam recebendo essa
alternativa terapêutica.8 Ainda assim, está claro que uma pequena
subpopulação de pacientes com DPOC pode beneficiar-se dessa
abordagem. O verdadeiro desafio é oferecer esse tratamento ao
paciente certo e prevenir o uso excessivo de antibióticos a longo
prazo na comunidade. A maior parte das diretrizes não recomenda
o uso de antibióticos a longo prazo, com base na avaliação negativa da possível relação entre os benefícios e os malefícios, mas não
leva em consideração a população selecionada em que os benefícios
podem superar claramente os malefícios.1 As recentes diretrizes
espanholas para a DPOC sugerem que o tratamento a longo prazo
com macrolídeos pode ser levado em conta nos pacientes com DPOC
261
http://www.thepcrj.org
Copyright
Copyright PCRS-UK
PCRS-UK -- reproduction
reproduction prohibited
prohibited
Editorials
Editoriais
admissions,
despite optimal
pharmacologic
and apesar
non-pharmacologic
grave
e exacerbações
ou internações
frequentes,
do tratamento
farmacológico
e não farmacológico
em clinical
condições
e sempre
treatment,
and always
with an accurate
andideais,
bacteriological
14
com
umincontrole
clínico
e bacteriológico
acurado, em
centros
recontrol
reference
centers.
This recommendation
concurs
withdethat
14
ferência.
Essa
recomendação
coincide
com
a
de
outros
especialistas
12,15
expressed by other experts in recent reviews on this type of therapy.
12,15
em revisões
recentes
esse tipo
de tratamento.
Treatment
with sobre
long-term
antibiotics
is a clear example of a
O tratamento com antibióticos a longo prazo é um exemplo
necessary collaboration between primary and secondary care. Primary
claro da necessidade de colaboração entre os serviços primário e
care physicians
must be do
alert
to the
possibility
and identify
secundário.
Os médicos
serviço
primário
de saúde
devem those
estar
patients
who
could
potentially
benefit
from
this
therapy,
and
alertas para a possibilidade e identificar os pacientes que poderiam
secondary
care
must
assess
the
patients’
suitability,
optimising
baseline
beneficiar-se desse tratamento, enquanto os médicos do serviço setreatment,
investigating
presencedo
of paciente
bronchiectasis
possible
cundário
devem
avaliar athe
adequação
a esseand
tratamento,
otimizar
o tratamento
de base,
investigar
presençaofderesistance
bronquiecchronic bronchial
infection
– including
theapatterns
to
tasia
e de uma
infecção
brônquica–crônica
– inclusive
os
antibiotics
to thepossível
identified
microorganisms
and evaluating
heart
padrões
resistência
antibióticos
dos microrganismos
identiand liver de
function
beforeaos
long-term
treatment
with macrolides can
be
ficados – e avaliar as funções cardíaca e hepática antes que um
indicated.
tratamento a longo prazo com macrolídeos possa ser indicado.
However, some questions must be addressed before a broader
Entretanto, algumas questões devem ser abordadas antes de
recommendation
on the
of long-term
in COPD can
be
uma recomendação
maisuse
ampla
sobre o antibiotics
uso de antibióticos
a lonmade.
It isnanot
clear which
is the
bestqual
antibiotic,
whether
it is bettersetoé
go
prazo
DPOC.
Não está
claro
é o melhor
antibiótico,
use theusar
sameo mesmo
drug or fármaco
rotate different
antibiotics,
which
the best
melhor
ou fazer
um rodízio
com isdiferentes
antibióticos,
qual seria
melhor
dosewhat
dos the
macrolídeos
uma vez
dose for macrolides
and,aonce
started,
duration ofe,treatment
iniciado,
qual
serreasons
a duração
Porantibiotics
todos esses
should be.
Fordeveria
all these
thedo
usetratamento.
of long-term
in
motivos,
o uso
antibióticos
a longo
prazo
na DPOC
restrinCOPD must
be de
restricted
to a very
selective
subgroup
(ordeve
phenotype)
gir-se
a um with
subgrupo
(ou fenótipo)
de pacientes,
of patients
close supervision
by muito
primaryseleto
and secondary
care.com
supervisão rigorosa pelos serviços primário e secundário de saúde.
Conflicts of interest Marc Miravitlles has received speaker fees from
Conflitos
de interesses:
Marc Miravitlles
já recebeu
remuneração
por proBoehringer Ingelheim,
Pfizer, AstraZeneca,
Bayer Schering,
Novartis,
Talecris-Grifols,
ferir
palestras paraMerck,
a Boehringer
AstraZeneca,
Bayer fees
Schering,
Takeda-Nycomed,
Sharp & Ingelheim,
Dohme andPfizer,
Novartis,
and consulting
from
Novartis, Talecris-Grifols, Takeda-Nycomed, Merck, Sharp & Dohme e Novartis, e por
Boehringer Ingelheim, Pfizer, GSK, AstraZeneca, Bayer Schering, Novartis, Almirall,
consultoria para a Boehringer Ingelheim, Pfizer, GSK, AstraZeneca, Bayer Schering,
Merck, Sharp
& Dohme,
and
Takeda-Nycomed.
Novartis,
Almirall,
Merck, Talecris-Grifols
Sharp & Dohme,
Talecris-Grifols
e Takeda-Nycomed.
Commissioned
article; not
peer-reviewed;
5th July
2013;
Artigo
comissionado;
nãoexternally
submetido
à revisão accepted
externa por
pares;
aceito em
5/07/2013;
on-line em 21/08/2013.
online 21st publicado
August 2013
©
os direitos
reservados.
©2013
2013Primary
PrimaryCare
CareRespiratory
RespiratorySociety
SocietyUK.
UK.Todos
All rights
reserved
http://dx.doi.org/10.4104/pcrj.2013.00074
http://dx.doi.org/10.4104/pcrj.2013.00074
Prim
PrimCare
CareRespir
RespirJ J2013;
2013;22(3):
22(3):261-262
261-262
Review.
Published
online:
21
Jan
2009.
3.
Garcha DS, Thurston SJ, Patel ARC, et al. Changes in prevalence and load of airway
bacteria using quantitative PCR in stable and exacerbated COPD. Thorax 2012;67:
1075-80. http://dx.doi.org/10.1136/thoraxjnl-2012-201924
4.
Singh S, Amin AV, Loke YK. Long-term use of inhaled corticosteroids and the risk
of pneumonia in chronic obstructive pulmonary disease. JAMA 2009;169:219-29.
5.
Bafadhel M, McKenna S, Terry S, et al. Blood eosinophils to direct corticosteroid
treatment of exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease a randomized
placebo-controlled trial. Am J Respir Crit Care Med 2012;186:48-55.
http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201108-1553OC
6.
Miravitlles M, Soler-Cataluña JJ, Calle M, Soriano J. Treatment of COPD by clinical
phenotypes. Putting old evidence into clinical practice. Eur Respir J 2013;41:12526. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00118912
7.
Matkovic Z, Miravitlles M. Chronic bronchial infection in COPD. Is there an infective
phenotype? Respir Med 2013;107:10-22.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2012.10.024
8.
James GD, Petersen I, Nazareth I, Wedzicha JA, Donaldson GC. Use of long-term
antibiotic treatment in COPD patients in the UK: a retrospective cohort study. Prim
Care Respir J 2013;22(3):271-7. http://dx.doi.org/10.4104/pcrj.2013.00061
9.
Sethi S, Jones PW, Theron MS, et al. for the PULSE Study group. Pulsed moxifloxacin
for the prevention of exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease: a
randomized controlled trial. Respir Res 2010;11:10.
http://dx.doi.org/10.1186/1465-9921-11-10
10. Seemungal TA, Wilkinson TM, Hurst JR, Perera WR, Sapsford RJ, Wedzicha JA.
Long-term erythromycin therapy is associated with decreased chronic obstructive
pulmonary disease exacerbations. Am J Respir Crit Care Med 2008;178:1139-47.
http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200801-145OC
11. Albert RK, Connett J, Bailey WC, et al. Azithromycin for prevention of
exacerbations of COPD. N Engl J Med 2011;365:689-98.
http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1104623
12. Ray WA, Murray KT, Hall K, Arbogast PG, Stein CM. Azithromycin and the risk of
cardiovascular detah. N Engl J Med 2012;366:1881-90.
http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1003833
13. Serisier DJ. Risks of population antimicrobial resistance associated with chronic
macrolide use for inflammatory airway diseases. Lancet Respir Med 2013;1:262-74.
14. Miravitlles M, Soler-Cataluña JJ, Calle M, et al. Spanish COPD guidelines
Vestbo J, Hurd SS, Agusti AG, Jones PW, Vogelmeier C, Anzueto A. Global Strategy
for the Diagnosis, Management and Prevention of Chronic Obstructive Pulmonary
Disease, GOLD Executive Summary. Am J Respir Crit Care Med 2013;187:347-65.
2.
Cochrane
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD004105
http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(13)70038-9
Referências
References
1.
bronchitis.
(GesEPOC). Pharmacological treatment of stable COPD. Arch Bronconeumol 2012;
48:247-57. http://dx.doi.org/10.1016/j.arbres.2012.04.001
15. Spagnolo P, Fabbri LM, Bush A. Long-term macrolide treatment for chronic
http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201204-0596PP
respiratory disease. Eur Respir J 2013;42:239-51.
Staykova T, Black PN, Chacko EE, Poole P. Prophylactic antibiotic therapy for chronic
http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00136712
on-line no website http://www.thepcrj.org
Asthma prevalenceDisponível
and humoral
immune response in Somali
immigrants in the US: implications for the hygiene hypothesis
See linked article by Patel et al. on pg 278
*Christopher C Butler1, Nicholas A Francis1
1
Institute of Primary Care and Public Health, Cardiff University,
Cardiff, UK
*Correspondence: Professor Chris Butler, Professor of Primary
Care Medicine, Director of Institute of Primary Care and Public
Health, Cardiff University, School of Medicine, 5th Floor, Neuadd
Meirionnydd, Heath Park, Cardiff CF14 4XN, UK
Tel: +44 (0)29 2068 7168 Fax: +44 (0)29 2068 7219
E-mail: [email protected]
PRIMARY CARE RESPIRATORY JOURNAL
PRIMARY
CARE RESPIRATORY JOURNAL
www.thepcrj.org
www.thepcrj.org
As the social determinants of health improved,1,2 so exposure to
microbiological diversity reduced3 and asthma prevalence
increased.4,5 The Hygiene Hypothesis suggests a causal relationship
between these trends, through an effect of exposure of
environmental factors (including invasive and non-invasive
infections) on T-helper cells.4,6 Children with greater exposure to
infections and a wider array of microbes early on in life, according to
the hypothesis, can expect to have lower rates of asthma and better
262
262
http://www.thepcrj.org
http://www.thepcrj.org

Documentos relacionados

OBJETIVOS DA APRESENTAÇÃO

OBJETIVOS DA APRESENTAÇÃO *One subject had a confirmed diagnosis of COPD but could not be assigned to a GOLD Category

Leia mais

Relação risco-benefício dos corticosteroides inalatórios

Relação risco-benefício dos corticosteroides inalatórios exigiram o uso de antibióticos. O estudo Optimal, um ensaio menor de um ano, que envolveu 449 pacientes com DPOC moderada ou grave e comparou o tiotrópio, sendo a combinação de tiotrópio e salmeter...

Leia mais