BIOLOGIA E CONTROLE DE Cochliomyia Hominivorax

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BIOLOGIA E CONTROLE DE Cochliomyia Hominivorax
XIII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária & I Simpósio Latino-Americano de Ricketisioses, Ouro Preto, MG, 2004.
BIOLOGIA E CONTROLE DE Cochliomyia Hominivorax (DIPTERA: CALLIPHORIDAE)
A. C. R. Leite
Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq e FAPEMIG.
Departamento de Parasitologia, ICB, UFMG. Caixa Postal 486, 31290-901, Belo Horizonte, MG., Brasil
Correspondência: fone +55-31-34992837, fax +55-31-34992970, e-mail: [email protected]
ABSTRACT
Cochliomyia hominivora is an autochthonous New World fly,
whose larvae or screwworm cause cutaneous obligatory myiasis in distinct
mammals, including men. Although the myiasis is zoonosis in several
countries, it is more important in veterinary medicine, particularly to cause
economic losses to livestock. The biology and control of C. hominivorax
is reviewed, with enfaces to the insect eradication in USA and Mexico,
and American outside, Libya.
Keywords: Cochliomyia
screwworm.
hominivorax,
biology,
control,
myiasis,
RESUMO
Cochliomyia hominivorax é uma mosca nativa do Novo Mundo, cujas larvas são parasitos obrigatórios de vários mamíferos, inclusive
humanos, e que determinam enfermidade cutânea denominada de miíase
ou bicheira. Embora zoonótica, a miíase é de maior interesse em veterinária, pois sua morbidade e mortalidade em animais domésticos causam
grandes prejuízos econômicos, em particular à pecuária bovina. Uma
abordagem revisada sobre a biologia e o controle da espécie é apresentada,
com ênfase para a erradicação do inseto dos Estados Unidos, México e,
recentemente, da Líbia.
Palavras-chave: Cochliomyia hominivorax, biologia, controle, miíase,
bicheira.
INTRODUÇÃO
Cochliomyia hominivorax (Diptera: Calliphoridae) é uma mosca autóctone (nativo) da América Neotropical, com marcante presença no
Brasil (Guimarães & Papavaro, 1999). O inseto, cognome varejeira, é um
dos mais importante, dentre cerca de 1000 espécies da família Calliphori1
dae, porque suas larvas exercem parasitismo obrigatório ou miíase , enfermidade vulgarmente denominada de bicheira, em mamíferos domésticos e silvestres, incluindo indivíduos humanos. Nos hospedeiros, a miíase
ocorre nos tecidos cutâneos e, menos freqüentemente, em mucosas de
orifícios naturais. Embora a infestação por larvas de C. hominivorax
assuma caráter zoonótico, a miíase é de maior interesse em veterinária,
pois causa morbidade e mortalidade, sobretudo em animais domésticos
(ex: bovinos, ovinos e caninos) e, especialmente, em bovina acarretando
grandes prejuízos econômicos ao agronegócio. Para o Brasil foram estimadas perdas de 150 milhões de dólares/ano, em decorrência da miíase
em bovinos, principalmente por diminuição de peso, depreciação do couro
e tratamento dos animais (Horn,1987, Grise, 2002 e Moya-Borja, 2003).
A biologia de C. hominivorax teve parcial esclarecimento desde a descrição original, feita de um adulto da espécie obtido de larvas que
2
exerciam parasitismo em um indivíduo humano (Coquerel , 1858). Subseqüentemente, e até os dias atuais vários autores têm contribuído para um
melhor entendimento sobre a biologia de C. hominivorax e, conseqüentemente, induzir a novas e alternativas medidas de controle (Snow et alli.,
1981, National Library of Medicine, 2004 e Scientific Eletronic Library
Online - Scielo, 2004).
1
Infestação de vertebrados por larvas de diptera que se alimentam de
tecido vivo ou morto (ZUMPT, 1965).
2
Chales Coquerel, de origem holandesa, era médico da esquadra real
francesa e renomado entomologista, quando denominou de Lucilia hominivorax um espécime adulto do inseto que havia obtido a partir de larvas
colhidas dos seis frontais de um presidiário, de Cayena (Guiana), cujo
óbito foi decorrente das lesões causadas pelas larvas (Coquerel, 1858 e
Papavaro, 1971).
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O sucesso no combate a C. hominivorrax já alcançou o mais alto nível de controle, isto é, a erradicação, ou extinção da espécie, de alguns países da América e, mais recentemente, do Norte da África, Líbia,
onde o inseto foi introduzido em 1988 (FAO, 1991, Krafsur & LINDQUIST, 1996 e WYSS, 2000).
Biologia:
Como um díptero muscoide, C. hominivorax apresenta metamorfose completa (holometabolia) durante seu desenvolvimento biológico,
3
passando pelos estádios de adulto, ovo, larva e pupa. Com exceção das
larvas, que são parasitas obrigatórios de mamíferos, os demais estádios
são inofensivos para os hospedeiros.
Os adultos, macho e fêmea, têm hábito diurno, podem voar
mais de 40 km de distância e sobreviver, em média 4 semanas, sob temperatura de 25 °C e cerca de 70% de umidade relativa do ar. Ambos os
sexos têm aparelho bucal lambedor e se alimentam de açucares vegetais
(nécta), podendo também a fêmea se alimentar de exsudado de lesão cutânea e secreções de mucosa de mamíferos. Os adultos (medem 8 a 10 mm)
têm maturidade sexual após 36-48 horas de nascidos. Embora o macho
exerça vários coitos, a fêmea só cópula uma vez (tempo médio de 2,60
min.) durante a vida. Temperaturas abaixo de 15 °C e superior a 43 °C
não são favoráveis para a inseminação da fêmea. Consumada a fertilização, a fêmea dá início a postura com quatro a cinco dias de nascida, fazendo a deposição de até 300 ovos durante a vida. Os ovos são postos
individualmente - uns sobre outros (aderidos, dorsalmente, por uma substância colante secretada pela fêmea) -, na margem de lesões cutânea (incluindo pós-picadas de insetos e carrapatos) ou de mucosas, quando a
fêmea visita (quatro vezes, em média) um mamífero para se alimenta de
exsudado ou muco-secreção. Odores provindo de exsudados ou de mucosas (ex: bactérias ou mal hálito) são atrativos para fêmeas, mais freqüentemente por aquelas fertilizada. Dezenas a centenas de ovos podem ser
sucessivamente postos, por diferentes moscas, próximos a uma mesma
lesão. Transcorridos 12 a 24 horas da oviparidade, de cada ovo eclode
uma larva de primeiro estádio (L1), a qual por movimentos próprios alcança o foco da lesão cutânea, iniciando o parasitismo, isto é, começando a se
alimenta vorazmente de tecidos vivo (não de tecido necrosado) do hospedeiro. Após mais dois dias a L1 muda para L2 e esta se transforma em L3
no transcurso de três dias. Á cerca de mais três dias a L3 cessa o parasitismo e migra da lesão, caindo no solo, onde se enterra (3 cm) e muda para
pupa.
Em bovinos, ovinos e canídeos o parasitismo pelos três estádios
larvais ocorre entre seis a nove dias. A pupa não se alimenta, respira O2, e
completa seu desenvolvimento em sete a 10 dias, período suficiente para a
formação e emergência do imago ou inseto adulto. Os adultos então formados estão aptos a iniciar cópula, após um dia de nascidos, para perpetuar a espécie. Os adultos, mesmo que possam migrar quilômetros, sua
dispersão usualmente ocorre por transporte de animais com miíase. Em
condições naturais como experimentais, o ciclo completo de C. hominivorax (ovo a ovo) pode ocorrer, no verão, em duas semanas. Embora o desenvolvimento larvar cause morbidade, usualmente há um equilíbrio entre
a relação parasito-hospedeiro, devendo a lesão cutânea cicatrizar em duas
a três semanas pós-emergência das larvas. Infecções secundárias podem
agravar o processo lesivo e levar o hospedeiro a morte, esta também tende
a ocorrer em função de um grande número de larvas, ou do local da miíase, idade e estado nutricional dos hospedeiros. Ainda que indivíduos humanos sejam susceptíveis ao desenvolvimento das larvas, e que destas
ascendam pupas e adultos férteis, a manutenção biológica de C. hominivorax, em natureza, não depende de tal hospedeiro. A miíase em bovino
3
O termo estádio é adotado no texto conforme define Mello-Leitão
(1946), todavia para a sociedade americana de entomologia a palavra
correta é estágio (Entomological Society of América, 1986).
Rev. Bras. Parasitol.Vet., v.13, suplemento 1, 2004
XIII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária & I Simpósio Latino-Americano de Ricketisioses, Ouro Preto, MG, 2004.
naturalmente parasitado (Figs. 1 e 2) e caracteres morfológicos morfológicos das larvas (Figs. 3-4) são apresentadas.
Controle:
A partir de estudos em condições naturais e experimentais sobre a biologia C. hominivorrax tem sido possível aplicar medidas de controle até ao nível de erradicação da espécie. Para este último, o desenvolvimento larvar do inseto em meio de cultura foi decisivo para o domínio
da criação em massa da mosca, em laboratório. No Brasil há um ensaio
sobre a criação de duas amostras de C. hominivorax submetidas ou não a
irradiação gama (Guevara, 1986).
Há mais de um século o controle de C. hominivorax tem sido
praticado para minimizar os danos da miíase, sobretudo à agropecuária
bovina. Neste contexto, os resultados promissores, até então obtidos, advêm da aplicabilidade técnica dos conhecimentos sobre a interação do
inseto nos hospedeiros e fora deles. Dentre várias medidas contra os distintos estádios evolutivos da mosca, o de maior sucesso foi o uso de machos sexualmente estéreis (irradiação gama) os quais quando soltos no
campo efetuavam cópulas com fêmeas nativas que produziam ovos infecundos. Para tal prática, foi crucial a possibilidade de criação em massa
do inseto “in vitro”, iniciada no Texas e subseqüentemente no México. O
uso de machos estéreis, integrado com outras medidas, dentre algumas:
educação sanitária, época do ano, inspeção e tratamento da bicheira, armadilhas letais para insetos adultos e animais sentinelas, permitiu que a
espécie C. hominivorax fosse banida ou erradicada de vários estados do
sul dos Estados Unidos, México e, recentemente, da Líbia. Embora a
metodologia aplicada tenha tido um efetivo domínio desde 1954, quando
o inseto foi extinto da ilha de Curaçao (Caribe venezuelense), o programa
de erradicação, a exemplo da Flórida - em uma área de 130.000 km², onde
foram soltos 50 milhões de insetos estéreis por semana – permaneceu por
três anos (1957-1959), e do México foram necessários19 anos (19711990), havendo épocas do ano que mais de 500 milhões de insetos eram
produzidos por semana, e soltos em uma relação moscas nativas versos
irradiadas de 1:10.
Na Líbia, a introdução de C. hominivorax, em 1988, foi devido
a importação de animais com miíase oriundos da América. Com o passar
do tempo a bicheira atinge distintos hospedeiros mamíferos (bovinos,
ovinos, camelos, indivíduos humanos) e a ameaça do inseto exóticos, a
comunidade local e internacional, sob a coordenação da FAO começam a
implantar uma programa de controle para evitar a expansão da miíase para
outros países do Norte da África e Mediterrâneo. Utilizando a experiência
de controle da América, a FAO estimou ser de cinco dólares/bovino/ano
custo para inspeção e tratamento da bicheira, o que resultaria em um gasto
total de 250 milhões de dólares para a pecuária do Norte da África, sem
contar com o grande impacto sobre a vida de mamíferos silvestres. Em
dezembro de 1990, o programa de erradicação dar início à soltura de insetos estéreis: três e quinhentos a quarenta milhões de moscas/ semana,
cerca de 500-1000 insetos/km²/semana. Os insetos soltos na Líbia proviam
da criação do México. Em março de 1991 cessa a soltura de moscas estéreis, e em dezembro de 1992 foi declarada a erradicação de C. hominivorax do Norte da África. Apenas no período de agosto de 1990 a dezembro
de 1992 foram gastos 120 milhões de dólares no programa de erradicação,
cujos insetos estéreis foram soltos em uma área de apenas 40 Km.
É bem verdade que o modelo de erradicação de C. hominovorax representa um fato singular para a entomologia, com resultados efetivos,
de
custo-benefício,
para
a
pecuária
(4-10
domares/bovino/animal/ano), e conseqüentemente evitando a ocorrência da
miíase em outros mamíferos domésticos como silvestres, e inclusive em
indivíduos humanos. Não obstante, a aplicabilidade do modelo de erradicação, usando machos estéreis, envolve um complexo programa de preparação e execução que requer grandes somas de recursos financeiros e
ampla infra-estrutura física e de pessoal.
Mesmo considerando que várias medidas de controle, incluindo
erradicação, de C. hominivorax sejam conhecidas, a espécie permanece
enzoótica em vários países da América Latina e do Caribe. No Brasil, o
arsenal químico ainda prevalece em uso como larvicida, pois os adultos e
outras formas imaturas de C. hominivorax não tem sido alvo de combate
eficaz. Não obstante, em função das argumentações pré-ditas, quanto seria
necessário, em dinheiro e em período de tempo para que C. hominivorax
fosse banida do Brasil?
Estudos adicionais, na última década, tem se voltados para aspectos fisiológicos, bioquímicos e imunológicos de artrópodes de interesse
médico e veterinário, com ênfase para dípteros que causam miíases (Wikel, 1996; Inocentti et ali., 1997; Otranto, 2001; Tellan et alli., 2001). O
empenho em criar métodos alternativos de sensibilidade, especificidade,
praticidade e baixo custo deverão surgir para melhor viabilizar o controle
mais tolerável, ou a erradicação da miíase por C. hominivorax, minimizando gastos financeiros, principalmente, em prol do agronegócio, um dos
setores de maior rentabilidade para a economia de um país, a exemplo do
Brasil.
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