o arquipelago de cabo verde - insularidade e integrao

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o arquipelago de cabo verde - insularidade e integrao
FUNDAÇÃO AMILCAR CABRAL
ATELIER
“ ESTADO NAÇÃO E OS DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL: O CASO
DE CABO VERDE”
A Especificidade de um Estado Insular e diasporizado
“Esta terra é tão abundante de tudo que nada
lhe falta, abundante de mantimentos, muito fresco de
ribeiras de água, laranjeiras, cidreiras, limoeiros, canasde-açúcar, muitos palmares, muita madeira excelente.
Está hoje esta terra tão à porta, onde não falta
nada, …
Uma coisa só me dá pena. Tendo nós isto à
porta o deixamos para irmos buscar empresas
duvidosas.” André Álvares de Almada 1 (1594)
Enquadramento
Constitui o propósito de presente texto fazer uma reflexão sobre a integração
regional do arquipélago de Cabo Verde na Africa Ocidental, mormente na Comunidade
Económica dos Estados da Africa do Oeste CEDEAO. País insular, arquipelágico
distante do continente, Cabo Verde vem enfrentando os grandes constrangimentos de
territórios insulares e pequenos que ascenderam à independência: os custos da
insularidade, a descontinuidade territorial, a carência de recursos naturais básicos como
a água, o solo, a biodiversidade, os minérios; a reduzida capacidade de carga territorial,
a dependência externa, a grande vulnerabilidade em relação às conjunturas mundiais.
Povoado nos meados do século XV por colonos europeus e escravos trazidos da
vizinha costa africana, Cabo Verde conseguiu consolidar, num quadro de cruzamento de
gentes e culturas, uma nação com características muito próprias, alicerçada nos
contributos de cada elemento em presença e ao longo do tempo. Hoje o Pais pode gabarse de uma relativa uniformidade cultural e estabilidade política, não obstante as
especificidades insulares nos domínios das manifestações culturais e uma comunidade
de diáspora que poderá superar os residentes no território de origem.
Apesar do seu difícil ambiente ecológico e ter enfrentado décadas seguidas de seca e
manter a grande vulnerabilidade, Cabo Verde conseguiu traçar um quadro de uma ténue
sustentabilidade, mas suficiente para a sua elevação à categoria de Estado de
1
Branco da terra natural da ilha de Santiago – in Tratado Breve dos Rios de Guiné de Cabo Verde
desenvolvimento médio e transformar-se num foco de acolhimento de migrantes
provenientes da vizinha costa ocidental africana.
Nação diasporizada com uma elevada percentagem dos seus descendentes em terras
alheias, em universos linguísticos e económicos diversos. Apesar desta dispersão
populacional, mantém-se uma expressiva continuidade cultural como elemento de
identificação e canal de difusão da crioulidade num mundo em globalização e forte
ligação à terra de origem.
O País vive uma premente necessidade de integração numa “Grande Região”, seja
de âmbito Cultural, seja de âmbito territorial ou económico. O estatuto de micro estado
limita seriamente as aspirações de afirmação, as dimensões de mercado e as
reivindicações de espaço próprio na cena internacional. O Estado de Cabo Verde tem-se
associado a várias instituições internacionais de carácter político, económico e cultural,
cite-se inter alia que o País é membro da CPLP, da Francofonia, do CILSS, da
CEDEAO, da ACP-EU e vem buscando uma parceria especial com a União Europeia.
Perante esta multiplicidade de espaços de integração grandes questões podem ser
levantadas. Qual o papel do arquipélago em cada domínio de integração regional e/ ou
cultural? Quais as vantagens das integrações e especialmente a função das ilhas no
grande espaço? Como maximizar de modo sustentável cada uma das integrações?
1. Localização e inserção – O quadro natural de uma insularidade longínqua – na
encruzilhada da Macaronésia e do Sahel
Localizado a meio milhar de quilómetros ao poente do promontório mais a ocidente
do continente africano 2 e no pleno domínio dos ventos alísios que varem o atlântico
oriental, o quadro natural do arquipélago de Cabo Verde bem pode ser inserido no
universo das ilhas da Macaronésia 3 como na extensão atlântica da zona árida do Sahel 4 .
Considerando as condições de propagação espontânea da flora e da fauna, o
arquipélago constitui uma insularidade longínqua, formando o mar uma barreira
importante na disseminação de espécies vegetais e animais que derivam dos continentes
e de outras ilhas oceânicas. Esta limitação natural de afastamento quando associada às
características de vulcanismo, circulação dos ventos e correntes marítimas, cenário de
2
Cabo Verde na costa ocidental do Senegal, nos finais do século XV Duarte Pacheco entendeu ser este
promontório o Asperido promontório citado na historia natural de Plínio.
3
No contexto da definição naturalista de Baker Webb, que abrange uma província biogeográfica que
inclui as ilhas do Açores, Madeira, Selvagens, Canárias, Cabo Verde e uma faixa costeira da Mauritana.
4
Ilídio do Amaral (1986) considera o arquipélago a fronteira atlântica do Sahel
aridez e ciclos de secas, explicam a paisagem natural das ilhas já nos finais do século
XV “ estéreis…pouco arvoredos …terras altas e fragosas 5 ”, conjuntura ecológica que
condicionou o percurso da ocupação das terras e o desenvolvimento das actividades de
suporte da população residente.
O estado das técnicas de navegação nos meados do século XV, tirando partido da
circulação dos ventos alísios, permitiu a inclusão das ilhas numa posição privilegiada no
comércio marítimo, beneficiando da sua localização em relação à África, à Europa, às
Américas, bem como todo o trânsito no Atlântico tropical. No entanto, à data do seu
achamento pelos marinheiros portugueses a referência ao cabo (promontório) da costa
foi importante para o seu acesso e daí a sua identificação e denominação.
2. Da inserção no património territorial Ibérico à génese de uma identidade.
As vantagens da sua localização numa zona privilegiada da rota de circulação, numa
altura em que a navegação à vela explorava a regularidade dos ventos alísios para a
conquista de caminhos marítimos para “os mundos cobiçados” justifica a rápida
incorporação da ilhas de Cabo Verde no património territorial ibérico como foram
agregadas todas as restantes ilhas da Macaronésia. As ilhas então desérticas tornaram-se
um lugar geoestratégico no âmbito o projecto de expansão europeia e importante escala
de navegação entre os continentes Europeu, Africano, Asiático e Americano.
A proximidade do continente africano e situação de ponta avançada no Atlântico e,
considerando o desnível dos equipamentos de navegação entre os parceiros comerciais,
permitiu a instalação de uma base longínqua de Portugal no comércio com os rios da
Guiné, frente avançada de gestão lusitana dos negócios dos Rios da Guiné, tão perto
para controlar os negócios da costa, mas suficientemente afastado para evitar eventuais
ataques provenientes dos reinos africanos.
É neste cenário de ponta avançada de interesses comerciais ibéricos que as ilhas são
povoadas com homens provenientes da Europa e trazidos da costa fronteiriça. Bem cedo
Cabo Verde assumiu o papel de local de experimentação de plantas 6 , animais, sistemas
de economias agrárias, convivência entre culturas, que circulavam entre os continentes.
A necessidade uma economia interna para alimentar a população residente e sustentar as
trocas com os reinos vizinhos, impôs aos moradores o amanho das terras e a
5
6
Duarte Pacheco – Esmeraldo do sito orbis
A este propósito recomendamos a leitura de Mendes Ferrão – A Rota das Plantas
convivência com o difícil quadro ecológico. Nem os modelos de vínculos combinados à
sociedade escravocrata, nem os sucessivos ciclos de culturas agrícolas evitaram a rápida
derrocada dos sistemas económicos introduzidos nas ilhas. A mudança das conjunturas
internacionais e os interesses dos destinos continentais levaram à perda da função de
escala e controlo do comércio na costa vizinha. Seguiu-se o abandono das ilhas pela
classe abastada e o progressivo domínio da sua gestão pelos naturais e uma viragem da
população e das actividades económicas para as “terras estéreis e fragosas” onde a
exploração até a exaustão dos solos conduziram o arquipélago para uma implacável
desertificação 7 .
É num quadro de ciclos de secas e uma escalada devastadora da desertificação,
perda de importância na cena das grandes rotas, abandono pela metrópole, refúgio na
emigração, que Cabo Verde conseguiu forjar uma nação com características próprias
que a diferenciam das bases culturais de origem, tanto as europeias como as africanas. A
necessidade de sobrevivência num universo insular e saheliano teve forte influência na
criação de uma estratégia comum de coabitação dos vários interesses em causa
traduzindo na génese de uma nova cultura. A estratégia da continuidade e da
sobrevivência da cultura cabo-verdiana nas ilhas foi o resultado do contributo de todas
as classes sociais em presença no arquipélago.
3. Das crises ecológicas à diasporização e a inserção na globalização
Constitui lugar comum o importante papel que Cabo Verde, mais precisamente a
ilha de Santiago, nos seus primórdios de ocupação, desempenhou no comércio
triangular entre a Europa, a Africa e a América. Esta função de escala de navegação
ganha maior dimensão se tivermos em conta que as ilhas viviam praticamente
dependentes dos rendimentos cobrados aos navios que faziam o tráfico na vizinha costa
e de actividades associadas a este comércio. Tanto a economia interna, como as
importações animavam uma economia grandemente relacionada com a função portuária
e os negócios dependentes da placa giratória.
A expansão da economia de plantações nas Américas e a consequente demanda de
grandes contingentes de escravos, a entrada em cena de outras nações na mira de tirar
fatias substanciais dos elevados rendimentos dos “tratos com os rios da Guiné”, a
insegurança geradas pelas cobiças dos produtos em circulação e a própria evolução da
7
Nos termos definidos pela Convenção internacional – “degradação das terras resultante do efeito
combinado das mudanças climáticas e da acção humana.
náutica com a introdução de navios com maior autonomia, ditaram a diminuição de
formalidades de portos de escala, mormente as paragens desnecessárias, o baptismo e a
ladinização de escravos. Em suma, Cabo Verde perde a sua importância
“geoestratégica” porque torna-se uma etapa de pouca utilidade para a nova conjuntura
de comércio e navegação. Este quadro vivido no século XVII justifica a diminuição da
presença de reinóis comerciantes, a quebra de investimentos em infra-estruturas de
escala náutica e a progressiva entrega da administração económica, militar e eclesiástica
das ilhas aos brancos da terra.
No entanto, a exclusão de Cabo Verde dos proventos gerados no circuito comercial
entre a costa africana, a Europa e a América impôs ao arquipélago o seu maior
isolamento e a necessidade da sua viragem para a exploração de recursos internos. As
limitações ecológicas, a reduzida capacidade de carga, em termos de disponibilidades de
solos, águas e biodiversidade, eram conhecidas nas primeiras décadas de povoamento 8 .
A viragem para a terra impunha aos moradores, na maioria nascidos nas ilhas um
domínio dos ecossistemas insular e saheliano, desconhecido tanto dos ascendentes
europeus como aos africanos, que não dominavam o amanho de terras insulares
montanhosas sujeitas a um estreito período húmido, ciclos de secas e chuvas torrenciais.
Nem as sucessivas incorporações das novas ilhas no património agrário 9 , nem a
dispersão interna dos moradores e a redistribuição das courelas evitaram o esgotamento
da capacidade de autoprodução agrícola. As sucessivas secas com estrondosas
mortandades precipitaram uma derrocada precoce da sociedade escravocrata mas
também estimularam a busca de outras paragens para a fuga à miséria vivida nas ilhas.
Houve casos de crises tão acentuadas como as registadas nos finais do século XVIII, em
que indivíduos livres aceitaram a condição de escravos e embarcaram para as Caraíbas
para não morrerem de fome 10 .
Nos finais do século XIX e o desenvolvimento do comércio a vapor trouxe ao
arquipélago uma curta “primavera” de escala de navegação centrada na recém povoada
ilha de São Vicente. Porém no não acompanhamento das inovações tecnológicas
levaram aos destinos continentais a utilizarem outras escalas. No entanto, este período
áureo do Porto Grande 11 animou o sonho da posição geoestratégica das ilhas no
8
Vide a descrição feita por Duarte Pacheco nos finais do século XV.
Em relação a esta material recomendamos a leitura de Correia e Silva.
10
Citado por Senna Barcelos.
11
A este propósito recomendamos a leitura de Correia e Silva – nos tempos do Porto Grande de São
Vicente.
9
Atlântico Médio e teve um grande impacto na renovação cultural e económica do
arquipélago no quadro do império colonial português.
O quadro saheliano de aridez e ciclos secas, a falta de uma alternativa autosustentável de abastecimento e garantia de sobrevivência de uma população crescente,
paradoxalmente as possibilidade de circulação para outras paragens, facilitaram a busca
de novos destinos tanto no vizinho continente africano como nas Américas e mais tarde
na Europa.
Esta estratégia de emigração foi consolidada entre os finais do século XIX e
primeira metade do século XX, tendo no seu percurso casos de migrações orientadas e
mesmo forçadas, mas muitas vezes por iniciativa dos migrantes. As condições de vida
bem com as actividades desenvolvidas nos destinos acolhedores não constituem objecto
do presente debate.
Na sua essência os migrantes levaram consigo a sua cultura e mantiveram a sua
identidade nas comunidades reunidas nas diversas paragens e mantiveram laços de
ligação à terra e aos familiares mesmo quando o regresso nunca foi possível. Na maioria
das parcelas da diáspora os cabo-verdianos reconstituíram autenticas ilhas novas
agregando patrícios de várias ilhas de origem a contribuem de forma activa na
consolidação e difusão da cabo-verdianidade além arquipélago.
O desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e informação e a
maior acessibilidade gerada pelos transportes aéreos criaram o advento de uma nova era
de um País arquipelágico onde as decisões internas exigem a opinião de uma vasta
percentagem de cidadão moradores além fronteiras que votam, pagam, produzem
cultura, difundem valores nacionais e contribuem para o bem estar de uma nação
diasporizada.
4. Uma posição geoestratégica conjuntural
Em vários momentos da sua história a localização do arquipélago, quer no contexto
da costa africana, como no Atlântico médio e no percurso dos ventos gerais ou alísios
tem sido apresentado como um recurso natural de grande valia no quadro mundial, ou
seja o arquipélago está localizado numa posição “geoestratégica”. No entanto, o valor
da sua localização tem oscilado em função dos destinos (origem e chegada) e das
conjunturas internacionais governadas pelos destinos, algo que sempre escapou ao
controlo do arquipélago. Tanto no comércio triangular nos séculos XV e XVI, como nas
rotas de navios a vapor e nos transportes marítimos transcontinentais (século
XIX/século XX), na estratégia de defesa global durante a guerra fria e nos transportes
aéreos intercontinentais a utilização das ilhas tem dependido de decisões tomadas nos
grandes destinos continentais. Nesta perspectiva, a gestão da sua posição, ou melhor do
seu quinhão, enquanto nó entres vários arcos, num espaço geométrico segundo a teoria
dos grafos, é de grande fragilidade. Na prática, o benefício desta posição deve tirar o
melhor partido nos anos de “vacas gordas” e deixar reservas em “tambores” para os
anos de “fome” que sempre aparecem quando mudam as conjunturas.
As condições de desenvolvimento tecnológico ou de segurança global têm reflectido
na valorização ou no abando das ilhas de Cabo Verde em função dos interesses dos
destinos continentais sendo as ilhas meras escala, na ponte de passagem.
O desenvolvimento do comércio internacional, o aumento de fluxos de navios e de
mercadorias valorizam as ilhas num quadro de um mundo em globalização, no entanto
constitui factores de fragilidade para as ilhas o desenvolvimento das tecnologias e
aumento da autonomia dos navios. Salvo excepções, como nos grandes destinos
turísticos, as ilhas constituem mercados reduzidos, não sendo portanto destinos
terminais mas apenas escalas e bases estratégicas dependentes das conjunturas.
A década de setenta do século XX, ainda no apogeu da guerra-fria, foi marcada pela
proliferação de micro-estados insulares que ultrapassam actualmente as quatro dezenas.
Estes micro-estados reclamam no conjunto um vasto espaço marinho no âmbito das
zonas económicas exclusivas, espaços esses que podem ser negociados através de
alianças e valorização estratégica. Mas um elemento é comum aos micro-estados
insulares, a sua grande vulnerabilidade e dependência das grandes potências e dos
Grandes Espaços. A necessidade de aliança aos Grandes Espaços é incontornável pelos
micro-estados insulares, além da exiguidade de território o isolamento aumenta ainda
mais a vulnerabilidade numa luta de titãs.
As ilhas constituem espaços de ambiguidade tanto podem ser réplicas de territórios
vizinhos como reflexos de espaços longínquos a ilustrar este cenário, Michel Lesourd
(1992) considera o arquipélago de Cabo Verde uma insularidade latina num espaço
maioritariamente islâmica, numa perspectiva que demonstra a dupla insularidade do
arquipélago enquanto afastamento físico, linguístico e cultural. Orlando Ribeiro (1960)
considera as ilhas da Macaronésia, onde inclui Cabo Verde, réplicas do velho mundo
para quem atravessa o Atlântico o caminho para a América, mantendo hábitos e
costumes de mundos longínquos em territórios de passagem, veja-se ainda a presença
do Carnaval do Rio no Mindelo e importância do modernismo brasileiro no movimento
Claridade. Estas características não são exclusivas de Cabo Verde e podem ser
encontradas em todas as ilhas que serviram de escalas em mais diversas épocas.
O arquipélago de Cabo Verde apesar da sua ligação histórica aos Rios da Guiné,
onde alicerçou a sua primeira actividade comercial e a expressiva presença de
contingentes de diáspora em Países vizinhos como o Senegal e Guiné Bissau, mantém
um contacto reduzido com a Africa Ocidental. As trocas comerciais limitam-se
praticamente ao sector informal. A circulação de pessoas provenientes das ilhas é
dominada por “rabidantes”, diplomatas e técnicos que viajam sobretudo no âmbito do
CILSS. O conhecimento mútuo é fraco e ainda reserva uma certa desconfiança,
sobretudo se acrescentarmos o papel desempenhado pelos cabo-verdianos durante o
século XX no processo de consolidação do império colonial em África.
Apesar da grande estabilidade política no arquipélago, e de ser relativamente neutro
em relação aos muitos conflitos que afligem o continente é raro ser escolhido como
intermediário no diálogo entre os beligerantes da vizinha costa africana. Talvez isto seja
o resultado de um desconhecimento mútuo das potencialidades de cada um na matéria
de diálogo e conciliação na Africa Ocidental.
Beneficiando de uma invejável classe de burocratas com experiência na
administração durante o período colonial, o arquipélago conseguiu uma transição
política sem grandes sobressaltos e o novo estatuto político em 1975 conseguiu montar
uma máquina de administração no micro-estado que conseguiu não só uma estabilidade
administrativa como um crescimento económico sempre acima do demográfico e
projectar o arquipélago para um pais de desenvolvimento médio na primeira década do
século XXI.
A estabilidade política interna e a comparticipação da diáspora no debate político e
na gestão económica, ainda que em grandes linhas, nomeadamente nos investimentos
internos e na promoção cultural do pequeno estado permitiu a transformação de Cabo
Verde de um país emissor de emigrantes para a Africa em um pais receptor no limiar do
novo milénio. Estado charneira entre os continentes tanto no domínio do espaço insular
como contexto cultural Cabo Verde poderá desempenhar um papel importante na
consolidação da integração regional africana enquanto plataforma de diálogo como
ponte de passagem entre as margens.
5. Uma premente necessidade de integração regional
Acompanhando as mudanças políticas a nível mundial e africana o arquipélago
reclama a sua independência na década de cinquenta no seguimento das grandes
mudanças que abalaram a Africa depois da Segunda Guerra Mundial. Um projecto de
independência é apresentado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC) que alicerça a sua base territorial no passado histórico das ilhas no
quadro das trocas comerciais entre Portugal e os Rios da Guiné e mais precisamente
num espaço residual oeste africano, de um território mais vasto que integrava a terra
firme e a sua continuidade nas ilhas de Cabo Verde 12 , que na altura (1956) se limitava
às colónias portuguesas do oeste africano.
O arquipélago ascendeu à independência a 5 de Julho de 1975 na sequência da
Revolução dos Cravos em Portugal e numa vaga de reformas políticas que conduziu à
independência de todas as colónias portuguesas em África.
Na sua condição de micro-estado o País logo buscou alicerçar alianças para a sua
maior integração na cena internacional. À data existia um projecto de unidade com a
Guiné-Bissau, projecto que constituía um dos grandes ideais do PAIGC, ainda que
rejeitada por alguns sectores tanto na Guiné como em Cabo Verde.
O Projecto da unidade não conseguiu o seu desiderato e foi abandonado após o
golpe de Estado na Guiné Bissau em 1980, mas Cabo Verde enquanto Estado entra na
Comunidade dos Estados da Africa do Oeste (CEDEAO), Comité Permanente InterEstados de Luta Contra e Seca no Sahel (CILSS), OUA/UA entre outras associações
políticas regionais.
A fragilidade do País resultante da sua reduzida dimensão demográfica e territorial
bem como da carências de recursos naturais e financeiros exigem a associação a
Grandes Espaços para a mobilização de recursos e de parcerias para a segurança e
viabilidade do desenvolvimento. No âmbito de busca e consolidação de espaços de
cooperação o Estado de Cabo Verde é membro da Francofonia, da CPLP e vislumbra
diálogos entre as ilhas da Macaronésia, etc. isto sem descuidar da necessidade de
assegurar a unidade da nação espalhada pelos continentes e que constitui um outro canal
para a promoção de um “Grande Espaço”.
12
Na prática a Guiné Portuguesa e o arquipélago constituíam a sobra da antiga capitania de Cabo Verde
no século XVIII, que abrangia as ilhas de Cabo Verde e a terra firme entre o rio Senegal e o cabo das
palmas na Serra Leoa.
6. Uma charneira entre a África e Europa
A ideia da inclusão de Cabo Verde no espaço periférico da Europa não é exclusiva
dos nossos dias. Já nos seus primórdios da ocupação do arquipélago os moradores de
Santiago representavam sobretudo uma comunidade portuguesa que fazia o comércio na
costa africana com autorização da coroa. É no processo da evolução história que os
moradores negros e seus descendentes mestiços se tornaram maioritários e também
surgiu a cultura cabo-verdiana distinta da cultura portuguesa de origem. Por ironia da
história Cabo Verde evoluiu e deixou de ser “Portugal distante” nas ilhas, essa não
identificação dos residentes como parcelas, partiu da metrópole que levou o arquipélago
ao estatuto de colónia ao pé de igualdade com as parcelas do continente vizinho.
Ainda no século XIX vários intelectuais cabo-verdianos e portugueses chegaram a
reclamar um estatuto especial semelhante aos arquipélagos dos Açores e da Madeira,
isto é, Portugal insular para Cabo Verde. Registe-se que em muitos aspectos os naturais
do arquipélago beneficiaram de regalias pertencentes aos moradores daquelas ilhas da
Macaronésia, sem que jamais a metrópole tenha aceitado a exclusão de Cabo Verde do
território ultramarino. Esta reivindicação praticamente só desapareceu nos meados da
década de sessenta do século XX.
À data da independência Cabo Verde reivindicou a sua integração africana em todos
os domínios tanto económico como cultural, mas as suas modestas dimensões e a forte
ligação comercial à antiga metrópole bem como a sua diáspora na Europa e na América
limitaram seriamente a influencia do arquipélago na cena de grandes decisões do
continente abalado pela instabilidade proveniente das mais diversas origens.
O quadro de estabilidade politica interna permitiu ao arquipélago um certo nível de
crescimento, atracção de financiamentos e ganho da confiança da sua diáspora. Apesar
de manter a as fragilidades estruturais.
A instabilidade que afectou vários países da Africa do Oeste nos finais do século
XX colocou o arquipélago numa situação de “cavaleiro solitário” pelo que atraiu um
contingente de migrantes para o qual não estava preparado, nem para a sua absorção
cultural, nem no mercado, nem na sua re-emissão para outros destinos. Paradoxalmente
o arquipélago volta a ser uma placa giratória de re-exportação da emigração, desta vez
clandestinos que aproveita o papel geoestratégico para o acesso à Europa ou à América.
O novo quadro da segurança, da circulação no Atlântico oriental e no sul da Europa
elevaram a importância estratégica da Macaronésia, conjunto que Cabo Verde passou a
reivindicar sem reclamações, aliás Orlando Ribeiro (1951) já tinha sugerido uma ideia
de Macaronésia de âmbito cultural e histórico diferente da ideia botânica de B. Webb,
onde o elemento dominante fosse a colonização ibérica, a navegação, os ciclos
económicos e a emigração para os novos mundos, de acordo com aquele autor a
exploração da navegação, o turismo e a integração da diáspora, seriam as grandes
oportunidades para este conjunto arquipelágico 13 .
Na sequência de algumas tímidas trocas entre os arquipélagos ultraperiféricos 14 da
união Europeia e o Estado de Cabo Verde esboçou-se a ideia de uma parceria especial
com a União Europeia, ideia que rapidamente assumiu o estatuto de compromisso
político interno pelas autoridades cabo-verdianas. Este estatuto político especial poderá
ser muito estratégico tanto para Cabo Verde como para as restantes ilhas da
Macaronésia que buscam espaço de consolidação das suas frágeis economias insulares.
A parceria especial poderá reforçar o papel de Cabo Verde na integração regional
oeste africana onde Cabo Verde constitui um Estado periférico pelas suas modestas
dimensões e limitados recursos financeiros. O reforço da parceria com a Europa e a sua
localização a meia distancia entre a Europa e Brasil, uma potencia emergente da
América Latina, além da parceria com os Estados Unidos poderá reforçar o papel de
Cabo Verde na Africa do Oeste – espaço que se espera consolidado e importante
mercado para uma potencia emergente como o Brasil.
7. Conclusão
Localizado numa zona de charneira entre o espaço da Macaronésia e o Sahel Cabo
Verde vem lutando para uma parceria especial com a União Europeia enquanto busca
consolidar a sua posição na CEDEAO.
Pais insular de dimensões modestas, Cabo Verde possui uma expressiva
comunidade na diáspora espalhada pelos continentes europeia, africano e América,
comunidade que vem ganhando importância económica e política com os progressos
nos meios de comunicação e de circulação.
13
Qualquer dos arquipélagos possuem grandes contingentes na diáspora. Canárias em Cuba, Venezuela,
Açores nos Estados Unidos e Canadá e Madeira na Africa do Sul.
14
Açores, Madeira (Portugal) e Canárias (Espanha).
A estabilidade política e os níveis de crescimento económico permitiram ao Pais
ganhar uma certa credibilidade internacional e facilitar a função de charneira entre
espaços económicos em cena, tanto na vizinhança como nos em regiões distantes que
utilizam o nosso espaço para a circulação.
A valorização do atlântico oriental num mundo em globalização poderá ser uma
grande oportunidade para o arquipélago que conseguir estabelecer parcerias com os
grandes destinos localizados na Africa, Europa e Américas.
José Maria Semedo

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