Medidas de eficiência/desempenho em

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Medidas de eficiência/desempenho em
Programa
Institucional
de
Bolsas
de
Iniciação
Científica
–
PIBIC/CNPq/IBMEC-RJ
Relatório Final
2013/2014
Título do Projeto:
Desagregando a agregação – A crise econômica na periferia da Zona do Euro e
suas respostas políticas
Aluno: Bruno Pantaleão de Oliveira
Curso: Relações Internacionais
Orientador responsável (seguido da maior titulação): Ricardo Basílio Weber, PhD
Três palavras-chave:
Gourevitch ; Europa ; Crise
1-Introdução
A crise financeira global que atingiu o mundo em 2008 produziu uma sequência
de crises que atingiram os diferentes países de maneiras diferentes. No caso espanhol, a
economia estava muito ligada ao crescimento imobiliário, o que gerou especulação.
Quando os mercados de capitais mundiais secaram e a capacidade de financiamento se
estingue, a demanda por imóveis despenca o que gera uma crise econômica. No caso
irlandês, uma economia chamada de “tigre celta”, que crescera muito na década de
1990, vê chegar ao fim um ciclo de prosperidade, principalmente por conta da alta dos
custos de produção industrial no país, em razão de um mercado imobiliário
superaquecido por uma oferta de crédito muito abundante. Já no caso Islandês, o país
nórdico com alguns dos melhores índices de qualidade de vida do mundo se converteu
num hub de serviços financeiros, tendo um sistema bancário extremamente alavancado.
Com a crise americana, contudo, os mercados de capitais fizeram com que o castelo de
cartas despencasse, provocando uma grande crise financeira no país.
A partir daí busca-se compreender quais as consequências dessas crises
econômicas, que, de certa forma, aconteceram em escala global e eram alheias ao
controle do planejamento macroeconômico desses países, para os governos desses
países. De que maneira, portanto, uma crise que reduz o bem-estar das populações vai
se refletir nas eleições e vai rearranjar as coalizões de forças na política interna daquele
país? O objetivo do meu artigo é, avaliar nesses três casos expostos o impacto da crise
econômica em rearranjos políticos.
2-Objetivos
Em seu livro “Políticas em tempos difíceis”, Peter Gourevitch explica que, em
sociedades democráticas, crises econômicas produzem rearranjos nas coalizões, e nas
equações de forças, políticas e sociais. O objetivo deste artigo é compreender, entre os
grupos que se beneficiaram do momento de crescimento que precedeu a crise, quais
foram capazes de manter-se no poder e por meio de que rearranjos de coalizões e de
grupos políticos de forma geral, como sindicatos, partidos menores etc.
3-Metodologia utilizada
Utilizando dados de fontes oficiais e de organizações internacionais, como o
FMI, busquei entender a crise que atingiu esses países em termos econômicos. Dessa
maneira, se torna mais fácil perceber quais grupos foram mais profundamente afetados.
Junto a isso, utilizei muitas reportagens dos principais jornais locais, que buscavam
compreender e explicar os rearranjos políticos que foram ocorrendo dentro desses países
– nos três casos, por exemplo, houve troca do partido no poder após a crise – no período
que seguiu o impacto econômico.
4-Desenvolvimento da pesquisa
O caso espanhol.
Situação política anterior
O período entre 1997 e 2007 é chamado, na Espanha, de década milagrosa. Este
nome foi atribuído graças ao crescimento ininterrupto, à atração demográfica, à
reestruturação de serviço de segurança social, de pensão e de saúde nacionais. Todo
esse crescimento só foi possível graças ao ingresso do país na Comunidade Econômica
Europeia, em 1986 (Royo, 2009).
Para se juntar ao bloco, o país recém democratizado teve que seguir a cartilha
das instituições europeias, assim como cumprir metas econômicas e em termos de
políticas sociais. A Espanha já vinha se liberalizando desde as décadas de 1950 e 1960
(Royo, 2009) o que fez com que o país ficasse cada vez mais próspero. O ingresso ao
bloco possibilitou um grande aporte de capital em investimentos produtivos privados,
assim como investimentos feitos pelo fundo da União Europeia, que permitiu o
desenvolvimento da infraestrutura e da seguridade social do país, permitindo que o país
crescesse num ritmo acelerado(Royo e Manuel, 2003).
Além disso, a institucionalização do país ibérico na União Monetária Europeia
permitiu uma estabilização macroeconômica, já que demandou dos governantes um
pacto de estabilidade. O fato do país só ter tido dois ministros das finanças no intervalo
entre 1993 e 2008 possibilitou uma política macroeconômica contínua e nos moldes
sugeridos pelas instituições europeias1. A estabilidade no crescimento produziu uma
estabilidade política, fazendo com que todos os principais partidos – de esquerda e
direita - concordassem com o modelo de desenvolvimento e a política de consolidação
fiscais adotados.
Na década e meia de crescimento, a Espanha transformou um déficit de 68% do
PIB, em 1993, em 37% do PIB, em 2007(Royo, 2009). O país passou por uma
consolidação fiscal que permitiu superávits primários, agradando a cartilha ortodoxa.
As taxas de juros caíram de 15% a.a à 4% a.a(Royo, 2009), enquanto a credibilidade
internacional do país crescia. O PIB do país cresceu 3,7% em 2007, fechando uma série
de 14 anos de crescimento contínuo(Royo, 2009). O desemprego, historicamente alto
dada uma tradição de trabalho informal, caiu de 20% no meio da década de 1990 para
7,9% em 2007(Royo, 2009). O país criava 600.000 empregos por ano, o que atraiu um
total de 5 milhões de imigrantes, que foram extremamente importantes para manter o
custo da mão de obra no país estável, assim como para aumentar a demanda (Financial
Times, 2007). Eles permitiram o crescimento do setor de serviços e de construção civil,
aceitando empregos que não interessavam aos espanhóis (Financial Times, 2007).
As bases do crescimento, contudo, não eram sólidas. Em primeiro lugar o
investimento em educação espanhol estava deixando a desejar, o que fazia com que a
produtividade do país no setor industrial respondesse por apenas 0,5% do crescimento
do PIB (Royo, 2009)– a produtividade média de um trabalhador espanhol era ¾ a de um
trabalhador estadunidense –, que era puxado, principalmente, por setores de baixa
intensidade, como serviços e construção civil. O crescimento do setor de construção na
Espanha acompanhou a alta de preços durante a bolha imobiliária norteamericana. Entre
1998 e 2006 o valor médio dos imóveis no país cresceu 150%, com o setor de
construção chegando a responder por 16,5% do PIB (Royo, 2009).
A inflação, que sempre fora um problema na Espanha, não se comportou durante
a década de crescimento, sendo em média 1% maior do que no resto da zona do euro.
Sem a possibilidade de controle monetário e desvalorização de seu câmbio, a Espanha
foi se tornando cada vez menos competitiva, importando 25% mais do que exportando,
1
Segundo Royo e Manuel, no período posterior à entrado do país nas instituições
europeias – o que em 1993 significava a Comunidade Econômica Europeia – apenas
dois partidos se alternaram no poder, e existia um certo consenso em termos de
política econômica, o que possibilitou uma estabilidade e uniformidade nas decisões
tomadas.
o que produziu um rombo nas contas externas, que só era menor do que o
estadunidense, em 2008.
Isso ocorreu pois o país cresceu economicamente, gerando empregos e
aumentando a população, com a integração de imigrantes na economia, o que aumentou
muito a demanda por bens. Contudo, o crescimento era movido pela produção de ativos
não comerciáveis – Non tradeable assets, em inglês -, como casas, e não por um
crescimento da produção ou da produtividade industrial. A demanda crescente por bens
e as taxas de juros em recordes históricos estimularam o endividamento das famílias, o
que causou um desequilíbrio na economia. O outro lado da moeda, foi a queda na
poupança interna do país, que impossibilitou os investimentos adequados em bens de
capital, que no médio prazo sabotou as contas externas do país.
Por ter como principais bens de exportação intensivos em mão de obra, o país
fica extremamente vulnerável à competição internacional. O crescimento da produção,
nos países asiáticos, deste tipo de produto, delegou aos países europeus, onde a mão de
obra era mais cara, a posição de produzir bens intensivos em capital. Contudo, a falta de
investimento em educação e produtividade, assim como a ausência de poupança e
condições de investimento na Espanha impediram que ela se adequasse às mudanças
que passavam pela economia global.
O desequilíbrio no setor privado e nas contas públicas tornou extremamente
difícil uma ajuste fiscal, e no momento em que a economia do país já balançava, o crash
no mercado financeiro estadunidense fez com que o mercado para títulos de crédito
público ficasse acuado, o que fez com que países vistos com mais receio pelo mercado
ficassem sem formas de financiar sua dívida pública – e, por conseguinte, seu
crescimento. Essa situação foi particularmente alarmante na Espanha, por não ser uma
economia de menor porte – como Irlanda, Grécia ou Portugal.
Durante todo o período do crescimento espanhol, apenas dois partidos se
alternaram governando o país. O Partido Popular (PP), de direita, e o Partido Socialista
Operário Espanhol (PSOE), que costuma ser situado na centro-esquerda. O PP, liderado
por José Maria Aznar, chegou ao poder em 1996, ficando até 2004, quando foi
derrotado pelo PSOE, liderado por Jose Luiz Roriguez Zapatero, que permaneceu no
poder até 2011, quando seu governo estava muito abalado pela crise financeira e o PP
volta a ser eleito.
A crise econômica e os reajustes políticos
Nos dois anos que seguiram a crise de 2008 a Espanha viu seu PIB encolher 4%
e o desemprego pular de 8% para próximo de 20% (Oreiro, 2011). Sem poder financiar
algum crescimento econômico via política fiscal, restava ao país o mercado externo. O
mundo, contudo, continuava em crise. A Espanha começou a ser pressionada pelos
credores a fazer uma política radical de ajuste fiscal, o que despertou críticas entre
grupos que viam um ajuste para agradar os credores e as agências de rating como uma
má decisão, pois impediria o crescimento do país via geração de demanda interna. Por
outro lado, o endividamento privado espanhol em 2008 era cerca de três vezes o PIB do
país – muito por conta do aumento exponencial nos preços de ativos como imóveis – o
que indicava que uma aceleração do crescimento por geração de demanda interna era
uma alternativa pouco viável.
Em termos de política econômica, não se nota grandes diferenças entre a forma
de condução dos dois partidos que se alternaram no poder, no período pré-crise havia
um consenso na sociedade espanhola que o modelo de crescimento adotado era o ideal
(Royo, 2009). Nas políticas sociais nota-se mais o peso ideológico dos partidos, como a
legalização do casamento homossexual, promovida pelo PSOE, em 2005, ou a mais
recente tentativa de criminalização do aborto, promovida pelo PP – agora liderado por
Mariano Rajoy – em 2013.
Além dos atores principais, surgiram, na política espanhola, duas hipóteses
radicais – além das típicas hipóteses radicais da extrema esquerda e direita – que
deveriam ser evitadas para a manutenção da estabilidade política no país. A primeira era
a saída do país do Euro, o que permitiria que o Banco Central Espanhol recobrasse
controle sobre a taxa de câmbio, desvalorizando-a e tornando o país competitivo
novamente. A segunda, era uma redução drástica dos salários dos trabalhadores,
permanecendo na zona do euro, portanto, gozando de tarifas especiais, o que aumentaria
a competitividade do país, ao mesmo tempo que reduziria muito o padrão de vida da
população.
Nenhuma dessas hipóteses foi adotada e a política institucional espanhola
prosseguiu relativamente em ordem. Houve eleições em 2011 e uma alternância de
poder no país não trouxe grandes novidades para a política econômica. Os empréstimos
do FMI foram recebidos e a Espanha começou a realizar diversos ajustes, ao longo de
2009 e 2010. No ápice da crise os dois partidos principais, PP e PSOE, tinham
dificuldades em se acertar e formar uma nova política econômica, de forma coesa.
Portanto, muitos se surpreenderam quando, dois meses antes das eleições parlamentares
que dariam o poder ao PP, Zapatero, líder do PSOE, muda a histórica postura do partido
– que sempre se colocou contra um tento constitucional para o déficit e a dívida pública
– e convida partido opositor a passar a reforma constitucional no parlamento. Essa
medida foi recebida muito bem pela Troika, e usada como arma de campanha do PP
contra o PSOE.
Analisando o Plano Nacional de Reforma (Spain National Reform Program)
podemos notar alguns rearranjos buscados pelo governo ainda em 2008, na expectativa
de agradar os credores do FMI e o eleitorado, entre eles:
1. Reforma no mercado de trabalho. Segundo o FMI, a Espanha nunca criara
empregos em momentos em que crescera abaixo de 1,5% - 2% ao ano, e
como esse crescimento é improvável de ocorrer até, pelo menos, o fim da
década de 2010, o mais indicado era que se criassem mais empregos
ganhando menos. Os impactos sociais são descartados sob o argumento de
competitividade internacional, exportações, aumento da demanda externa,
etc. O Plano de Recuperação Espanhol envolvia, portanto, diversos pontos
que flexibilizavam o mercado de trabalho. Entre eles podemos citar: a
redução das indenizações pagas a trabalhadores demitidos; reduz o poder
de sindicatos, concedendo à empresa o direito de negociar com o
funcionário, oferecendo menos horas e menores salários; a possibilidade de
empresas demitirem funcionários em tempos de dificuldades e os
recontratarem posteriormente. Algumas dessas reformas foram passadas,
posteriormente, por Zapatero. Para isso, ele precisou abdicar do apoio de
grupos de esquerda – como sindicatos – que o apoiava, e se alias a grupos
de direita pró-empresariado, tradicionais apoiadores do PP.
2. Reformas ligadas à produtividade e ao capital humano. Com um plano de
reformas que demonstrava o interesse do país pela retomada do
crescimento de forma sustentável, e não uma saída rápida da crise, o plano
incluía diversas medidas para aumentar o desempenho dos alunos –
inclusive para integrar mais os filhos de imigrantes nas escolas – e garantir a
melhoria do padrão universitário acima. O crescimento espanhol nunca foi
puxado principalmente por ganho de produtividade na indústria, e a
escolha de investir nesse aspecto e não em medidas de aumento de
demanda agregada no curto prazo refletem o compromisso político dos
governante.
3. Infraestrutura. Para tornar o país mais atrativo a investimentos produtivos
o plano prevê diversos investimentos governamentais na área de
infraestrutura. O plano menciona o aumento de linhas ferroviárias,
aumentando a possibilidade de fretes por locomotivas; a promoção do
transporte marítimo, visando reduzir o transporte de mercadorias por terra;
além da promoção do transporte público urbano.
4. Reforma tributária. O plano de restruturação reduziu os impostos sobre as
companhia, assim como aumentou a flexibilidade para o pagamento. Os
impostos sobre a renda foram reduzidos para empregados e autônomos. O
imposto sobre a riqueza foi eliminado, o que resultou numa perda de quase
2 bilhões de euros no orçamento de 2009, com o objetivo de orientar
investimentos para o crescimento.
5. Reestruturação financeira. Foi criado um fundo de reestruturação bancário
(Fondo de Restruturación Ordenada Bancária – FROB) com injeção de 5
bilhões de euros por parte do Estado espanhol – e, posteriormente, mais 10
bilhões por parte das organizações europeias – com o objetivo de garantir a
segurança do sistema financeiro espanhol, o que inclui o resgate de bancos
falidos. O fundo possuía, no momento de criação, o objetivo expresso de
promover fusões entre entidades financeiras de menor porte, para que o
mercado ficasse mais seguro.
Sob tutela do FMI e de outros países da zona do euro, o governo espanhol teve que
achar uma forma de recuperar a confiança perdida pelo mercado. Uma reorientação na
forma de lidar com a população e de pensar a economia do país teve que ser executada
de forma urgente, e a população não teve a oportunidade de participar ativamente do
debate. A política em tempos difíceis requer verdadeiros líderes, e no longo prazo será
possível visualizar quais medidas foram acertadas e quais não foram.
O caso irlandês.
Antecedentes
A história do desenvolvimento Irlandês anda de mãos dadas com a história da
unificação política que ocorreu na Europa a partir da CECA, sendo intensificado com a
fundação da Comunidade Econômica Europeia (CEE). Em primeiro lugar, a política
Irlandesa deu uma guinada com o fim da conservadora dominação política de Eamon
De Valera, líder da independência, que manteve o país fechado, econômica e
culturalmente. Com a troca de poder, a adesão à área de livre comércio, somado à língua
em comum, o país se tornou o maior receptor de investimentos norte-americanos na
Europa. Excluído o período de 1980-85 a Irlanda cresceu em média 7% ao ano entre a
década de 1960 e o fim da década de 1990 (atingindo um pico de quase 10% a.a. entre
1993 e 2000), quando o crescimento desacelerou, embora o país tenha crescido até a
crise de 2008. Enquanto isso, a média no aumento dos preços era de 1,5% a.a., o que
chocava muitos analistas. O mercado imobiliário, em Dublin, contudo, já preocupada
muitos em 2007 – 10 anos antes do estouro da bolha.
A explicação recorrente para o acelerado crescimento é o investimento
estrangeiro direto (IED). A fonte desse investimento foi, principalmente, os EUA e os
fundos da União Europeia para que os países mais pobres do bloco se adequassem à
situação econômica e ao livre comércio. Mas o que fazia o país ser tão atrativo, e porque
ele deu mais certo que outros países que receberam investimentos, como Grécia,
Portugal e Espanha (Ver gráfico 1)? Um bom motivo, segundo os liberais, seria a baixa
carga tributária do país, que apelava a investidores estrangeiros interessados em
produzir no país. Um bom motivo, segundo os defensores do Estado, é a política
industrial planejada e executada de cima para baixo, a capacidade dos agentes do Estado
em atrair os possíveis investimentos e uma estratégia bem definida acerca de quais
investimentos seriam os mais interessantes – na década de 1990 a Irlanda produzia todo
tipo de tecnologia de ponta, como computadores, farmacêuticos, etc..
Em termos políticos, um consenso no país decidiu pela abertura econômica e
pela sua modernização, fez bom uso dos investimentos feitos pela União Europeia – que
não foram poucos (ver gráfico 2) – possibilitaram que a Irlanda crescesse em ritmo
apenas comparável aos tigres asiáticos no mesmo período. Esse tipo de consenso
político é mais facilmente alcançável em um país com um partido político tão forte
quanto o Fianna Fáil, que domina a política institucional irlandesa desde a
independência da Grã-Bretanha. Foi preciso, contudo, que diversos pactos fossem feitos
com os grupos da sociedade civil – que possuem muito peso – como os sindicatos e os
grupos religiosos, para que o modelo adotado fosse viabilizado. Um exemplo disso é a
questão migratória – por muito tempo a Irlanda foi um país que exportava mais capital
humano do que importava, com o sucesso econômico e a entrada na União Europeia, o
pequeno país, culturalmente homogêneo, se viu recebendo imigrantes dos países recém
egressos na União Europeia, que alteraram a forma de vida, influenciaram nos preços
dos imóveis e mantiveram a oferta de trabalhadores estável durante o período de
crescimento, evitando que houvesse inflação por custos com salários (The Economist,
2007). A integração desses indivíduos na sociedade e no sistema de bem-estar social é
uma evidência do pacto social que possibilitou uma política intensamente orientada para
o crescimento.
A crise
As bases para a crise foram lançadas, majoritariamente, durante a década de
2000. Com o crescimento econômico e o aumento dos preços de ativos, de forma geral,
uma bolha imobiliária começou a se formar, principalmente em Dublin, onde os preços
de imóveis subiram mais do que em qualquer outro país desenvolvido durante o período
(The Economist, 2011) – o fato da Irlanda ser um país pequeno distorce um pouco esta
estatística, mas ela é bem ilustrativa da situação – e, portanto, muitos bancos passaram a
emprestar grandes somas para os setores da construção civil, faltando todo tipo de fator
de produção para o setor de bens transacionáveis que, ao mesmo tempo, sofriam com a
competição asiática. O Estado, por sua vez, não foi eficaz na regulação do sistema
bancário (FitzGerald, 2012) e promovia políticas que barateavam as hipotecas, via
abatimento tributário, incentivando a aquisição de muitos imóveis por investidores.
Com a queda dos preços dos imóveis, em 2007-2008, o governo teve que intervir
em seis instituições financeiras, com um pacote de 400 bilhões de euros (esse foi apenas
o primeiro pacote, mais dinheiro foi necessário posteriormente). Um país tão pequeno
quanto a Irlanda não poderia lidar com esse tipo de gasto, portanto a crise do sistema
financeiro se converteu numa crise de dívida soberana, e o país que exibia um dos
menores déficits públicos da União Europeia passou a ter um dos maiores. Com a crise,
contudo, foi difícil achar credores em financiar a dívida pública de um país em meio a
um colapso financeiro, que via o setor de construção civil, que respondia por cerca de
30% de seu PIB (só o investimento em casas e prédios contavam cerca de 15% do PIB
irlandês, em 2006), se tornar inviável(FitzGerald, 2012).
Nos três anos que seguiram o crash o PIB do país encolheu em 14%, os salários
caíram expressivamente e todas as políticas sociais foram revisadas para baixo, em
termos de investimento, para que o país atingisse as metas fiscais impostas pela troika,
ao emprestar 85 bilhões de euros. A Irlanda precisou elaborar rapidamente um plano de
recuperação, para que os credores públicos e privados acreditassem que receberiam o
dinheiro de volta. Na medida que o déficit público – que chegou a 32% se incluirmos o
dinheiro emprestado aos bancos falidos – crescia, os custos de empréstimos subiam e as
agências de risco desqualificavam mais e mais o país. A troika exigiu, em contrapartida,
que todas as decisões orçamentárias fossem revisadas por ela, o que feriu o orgulho
nacionalista irlandês.
Rearranjos políticos pós-crise
O rearranjo político mais óbvio, é a decadência do partido Fianna Fail. Tendo
dominado por anos a política irlandesa (The Economist, 2011), ficando em primeiro em
todas as eleições – exceto a de 1992 – desde o começo do ciclo de prosperidade
econômica, em meados da década de 1980, o partido foi visto como responsável pela
crise. As acusações de ausência de regulação dos bancos e de permitir que uma bolha de
ativos se formasse, fizeram com que o país perdesse as eleições gerais de 2011. Os
vencedores, Fine Gael e o Labour Party, não faziam parte de uma coalizão governista
desde 1992 – quando derrotaram o Fianna Fail, e formaram eles mesmos. Pela primeira
vez, desde 1927 o Fine Gael ocupou o posto de maior partido da República Irlandesa. O
Irish Times descreveu o rearranjo político como “uma derrota de escala histórica”. Não
apenas o Fianna Fail foi destronado, como os partidos que formaram coalizões com ele
– Green Party e Progressive Democrats – também foram jogados para escanteio (The
economist, 2011).
Nas eleições gerais de 2011, surgiram uma série de novos partidos e
agrupamentos. Enquanto os dois maiores partidos – Fionna Fail e Fine Gael – não tem
grandes diferenças ideológicas, estando localizados na centro-direita, uma coalizão de
partidos de esquerda se formou para tentar rearranjar as forças políticas do país (RTE,
2010). Provou-se, contudo, muito difícil para forças resistentes às forças que operam
tradicionalmente na política entrarem no jogo. A coalizão de esquerda, formada pelo
Socialist Party e por grupos sociais passou despercebida, enquanto um grupo intitulado
Democracy Now!, que buscava reformar o sistema político e refutar a influência do FMI
no país, não conseguiu abarcar grande apoio popular. O rearranjo da política se deu,
portanto, dentro das bases estabelecidas anteriormente à crise. É interessante notar,
contudo, que dos 166 assentos no parlamento, 76 passaram a ser ocupados por novatos
(Independent, 2011). Num país onde há voto distrital e a política é comumente vista
como provinciana – houve casos de políticos expulsos de pubs em Dublin após a crise
– o surgimento de novas figuras, mesmo que nos mesmos partidos, foi possível num
cenário de grande descontentamento com a classe política.
O caso islandês.
Os antecedentes
No começo da década de 1990, Davíð Oddsson foi eleito primeiro ministro.
Considerado hoje como o grande culpado pela crise no país, ele ocupou o cargo entre
1991 e 2004 liderando o Indenpendence Party, partido de centro-direita com viés
liberal-conservador.
Enquanto ocupava o cargo, Oddson privatizou os bancos,
desregulamentou o mercado financeiro e fez com que a economia, antes
primordialmente pesqueira, de um dos países mais pobres da Europa se transformasse
num hub de serviços financeiros e exportador de alumínio, produzido a baixo custo
graças às fontes de energia geotérmicas do país.
O sucesso econômico da Islândia foi marcado pelo Independence Party
liderando diferentes coalizões. Sendo um tradicional representante dos interesses dos
empresários e dos donos de barcos pesqueiros, o partido elegeu Davíð Oddsson em
1991, formando uma coalizão com o Partido Social Democrata, de centro-esquerda.
Esse governo herdou um grande déficit orçamentário, assim como uma inflação
galopante. Por meio de um arranjo político com os sindicatos o Estado conseguiu frear a
política de aumentos salariais constantes – que, se por um lado compensavam as perdas
da inflação, por outro produziam mais. Em 1995, o país possuía uma inflação
controlada e superávit em seu orçamento.
Em 1995, o Independent Party formou outra coalizão, dessa vez com o Partido
Progressista, de direita. Se durante o governo em coalizão com os social-democratas,
houve privatização de algumas pequenas empresas, esse processo ganhou uma nova
escala sob a égide da nova coalizão. Negócios ligados à industria pesqueira foram
privatizados, assim como os dois bancos comerciais e um banco de investimento que
era parcialmente estatal. A economia Islandesa passou a ser considerada um exemplo de
livre comércio, garantindo liberdades econômicas e civis.
O país com tradição igualitária sempre adotara medidas fiscais para garantí-la,
tributando grandes fortunas, empresas e heranças. Sob o governo da coalizão liderada
por Oddson, a Islândia cortou os impostos para empresas – de 50% para 18% - e reduziu
drasticamente os outros impostos, criando estímulos ao empreendedorismo no país. A
mudança de comportamento – de defensores da igualdade para defensores do livre
mercado – seria revisto após a crise.
Em 2007, o país possuía o maior índice de desenvolvimento do mundo. O PIB
per capita da islândia, assim como o índice de Gini – que mede a desigualdade de
distribuição de renda dentro de um país – o apontavam não apenas como um país
extremamente rico, mas também igualitário. O histórico político de defesa da igualdade
e das condições mínimas de vida explicam a reviravolta política que ocorreu na ilha,
após o colapso dos bancos.
A crise e a reorganização política
Como na frase de Merek Belka, diretor geral do FMI para a Europa, que abre
este artigo, os países e suas populações gostam de aproveitar as boas fases enquanto
duram, não pensando que elas acabarão. Foi exatamente assim que procedeu-se na
Islândia, onde o crescimento econômico acelerado foi aceito de braços abertos. A
população comprava casas – que se valorizavam a níveis desproporcionais – e carros
financiados em moedas estrangeiras (The Economist, 2008), já que o sistema bancário
desenvolvido, em um país com moeda fraca e altas taxas de juros atraiam investimentos
especulativos de todas as partes do mundo. Quando o país quebrou – em uma semana os
três grandes bancos ficaram insolventes – todos se perguntaram o que acontecera.
Considerando o tamanho reduzido da economia, a crise na Islândia, iniciada em
2008, foi a maior crise pela qual qualquer país já passou (BBC, 2009). A dívida do país
era mais de cinco vezes superior ao PIB de 2007, sendo que 80% dessa dívida era dos
bancos (Financial Times, 2008), o que produziu a decisão política de não resgatá-los,
mas nacionaliza-los e desvincular os ativos dentro do país e fora, para que a população
não fosse afetada. Os três bancos islandeses tinham mais de dez vezes o PIB do país em
ativos, dentro e fora do país (Financial Times, 2008).
Com a desregulamentação os bancos cresceram de forma desproporcional à
economia do país. Quando, portanto, a quebra do Lehman Brothers, nos EUA, fez com
que bancos parassem de emprestar para outros bancos, os três principais bancos
islandeses quebraram dentro de uma semana (Financial Times, 2008). O governo
respondeu rapidamente, nacionalizando-os e resgatando os ativos dentro do país, para
que não houvesse uma quebra generalizada da economia. Foi necessário, contudo,
impor algumas restrições como controles de capitais e uma forte desvalorização da
moeda (The Economist, 2008).
Com a crise, os partidos tradicionais perderam força e foram rechaçados nas
eleições de 2009. Na virada de 2008 para 2009 a crise econômica em que o país
mergulhara alcançou os políticos, levando o governo a renunciar em Janeiro de 2009.
As eleições que seguiram tiraram do poder o Independent Party e seus aliados do
Partido Progressista e do Partido Liberal, elegendo os Social-Democratas e a Esquerda
Verde.
Uma reforma constitucional que vinha sendo adiada desde a década de 1930 foi
convocada pela nova coalizão. O modelo escolhido, contudo, passava ao largo da
política tradicional, já que os políticos eram vistos como os culpados pela crise
(Gylfason, 2013). 950 indivíduos foram selecionados aleatoriamente no registro
nacional de eleitores. Coube a eles decidir se deveria, ou não, haver uma nova
constituição para o país e que tópicos ela deveria abordar. Com a decisão tomada, o
governo organizou uma nova eleição para a assembléia constituinte, que elegeu 25
indivíduos que não eram envolvidos com a política institucional tradicional do país.
Esses indivíduos utilizaram diversos portais online para manter contato com a
população, inclusive redes sociais, como o Facebook, abrindo para que todos opinassem
acerca da nova constituição.
A oposição – liderada pelo Independent Party – foi contra esse modelo de
reforma constitucional desde o início. Os principais pontos em disputa eram: a
nacionalização das riquezas minerais, a equivalência de votos por distrito – já que na
prática os votos urbanos contavam mais do que os votos rurais -, e os interesses dos
proprietários de barcos pesqueiros.
Com a nova constituição redigida, um referendo foi convocado para validá-la. A
votação coincidiu com as eleições presidenciais, para garantir um grande número de
votantes. A votação perguntava acerca da constituição como um todo (aprovada com
67% dos votos) e acerca de artigos e assuntos individuais, dando espaço para que o
público expressasse suas discordâncias (Gylfason, 2013). Com a aprovação, portanto, a
constituição voltou para a assembléia para que algumas mudanças fossem feitas. Foi
exigido que as mudanças se dessem apenas na redação, sem mudança no sentido.
Contudo, o Independent Party fez uma manobra, tentando mudar o sentido de alguns
ítens no congresso. Ao mesmo tempo, especialistas que não haviam se manifestado
durante os meses de debate sobre a constituição começaram a se manifestar nos jornais.
O golpe, contudo, veio pela justiça, quando três pessoas ligadas ao Independent Party
pediram – e conseguiram - o cancelamento das eleições com base num detalhe técnico
(Gylfason, 2013).
Nas eleições parlamentares seguintes, já em 2011, uma nova coalizão foi eleita –
formada pelo Independent Party e pelo Partido Conservador – e engavetou de vez o
projeto de nova constituição. O retorno ao poder da coalizão que foi publicamente
responsabilizada mostrou como era frágil a posição política da nova coalizão, já que não
houve um rearranjo das forças sociais no país, apenas uma crise que produziu
insatisfação com os governantes.
5- Resultados alcançados
Foi possível, no tempo de pesquisa, compreender o funcionamento da economia
e da política dos países pesquisados. Compreender a convergência entre os dois
assuntos foi o principal resultado alcançado nessa pesquisa. As conclusões demonstram
como a crise balançou a política dos países e como, de certa forma, o modo de fazer
política tradicional já não é mais capaz de responder a crises econômicas em escala
global.
6- Conclusão
Nos três casos estudados, foi possível chegar a conclusões parecidas. Em
sociedades onde a democracia já está enraizada, a política está sujeita ao bem-estar da
população, fazendo com que crises econômicas, que prejudiquem sensivelmente os
eleitores, derrubem o partido no poder.
No caso espanhol e irlandês, os partidos que estavam no poder – no caso da
Irlanda, o Fianna Fail dominou a política por quase todo o período republicano – foram
derrotados nas eleições que seguiram o começo da crise. No caso islandês, a busca de
uma reforma na democracia do país, onde uma nova constituição foi escrita por pessoas
pouco ou nem um pouco ligadas à política tradicional, fez mais do que varrer o partido
principal do poder, reformando a forma como a população se relacionava com o Estado.
A sujeição, contudo, foi relativamente curta. Em todos os casos os partidos
dominantes acabaram sendo trazidos de volta ao poder, após uma longa crise que não
foi solucionada pelos opositores políticos.
As conclusões esbarram, portanto, em duas questões. A primeira é referente à
redução do poder do Estado nacional moderno para solucionar crises econômicas, frente
à situações que permeiam – como a seca no mercado de capitais mundiais que sucedeu a
crise financeira de 2008 – aspectos da economia global como um todo. A segunda, é
referente a hipertrofia do lado financeiro da economia, que cria bolhas – como a
imobiliária que ocorreu, em menor ou maior escala, nos três países – e distorções,
enquanto os partidos políticos tradicionais tem que participar do jogo para se manter
relevantes.
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