reflexões sobre a produção do clube da madrugada através dos
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reflexões sobre a produção do clube da madrugada através dos
Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO DO CLUBE DA MADRUGADA ATRAVÉS DOS SUPLEMENTOS LITERÁRIOS E ARTÍSTICOS DO AMAZONAS: O CASO DO CADERNO MADRUGADA EM O JORNAL (1967-1972) . Pablo Edgardo Monteiro Santos1 Luciane Viana Barros Páscoa2 Resumo: Este artigo é destinado à exposição dos resultados obtidos da segunda etapa do projeto de iniciação científica que abordou a produção do Clube da Madrugada no período de 1967 a 1972. O objetivo geral deste projeto foi sistematizar e refletir sobre as informações artístico-culturais publicadas no suplemento artístico e literário Caderno Madrugada do periódico O Jornal, além de estabelecer um contato com as questões de identidade cultural amazonense e com os métodos e as teorias do estudo da História da Arte e da Cultura. Foram aprimoradas as fichas de catalogação e inventário de dados histórico-críticos de modo que possibilitassem o desenvolvimento de uma reflexão acerca do conteúdo artístico-cultural contido no suplemento literário no período mencionado. Procurou-se aqui trazer aos olhares aspectos como o do contexto histórico, artístico-literário e político em que se inseria o Movimento Madrugada, alvo de nossas reflexões. Palavras-chave: Manaus; Movimentos Artísticos; Clube da Madrugada. Introdução A década de 60, como um tempo de intenso crescimento das forças progressistas, deixou de maneira visível, na política externa independente, nas reformas estruturais, na libertação nacional e no combate ao imperialismo e ao latifúndio, o seu amplo alcance. Era um novo vocabulário, que, vindo à luz, expressava um momento de diversificada participação e movimentação na vida brasileira (HOLLANDA, 1982). 1 Aluno do curso de música da UEA e bolsista da FAPEAM-AM. Doutora em História Cultural pela Universidade do Porto. É professora de Estética e História da Arte I e II e Filosofia da Arte no curso de música da UEA. 2 1 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 O movimento operário então crescia na sua força, levando adiante um vigoroso processo de lutas, articulando-se em pactos sindicais, erigindo organizações como o CGT (Central Geral dos Trabalhadores). No campo, o movimento das Ligas Camponesas avançava, notadamente nos estados de Pernambuco e da Paraíba, atingindo repercussão em todo o país. A classe média, igualmente participativa, atuava com amplos setores junto ao movimento sindical. Estudantes e intelectuais tomavam posições favoráveis às reformas estruturais, dando razão a uma intensa atividade de militância política e cultural. A União Nacional dos Estudantes (UNE), em plena legalidade, com trânsito livre e franco acesso às instâncias legítimas do poder, discutia calorosamente as questões nacionais e as perspectivas de transformação que mobilizavam o país. Fizeram época, ligados a UNE, os CPCs, (Centros Populares de Cultura), divulgando uma produção artística comprometida com o aspecto nacional e popular no cinema (Glauber Rocha Deus e o Diabo na Terra do Sol), na música (Subdesenvolvido, de Carlos Lyra) e no teatro (Brasil, Versão Brasileira, de Millôr Fernandes). O Movimento de Cultura Popular, de modo semelhante, propiciava uma produção musical, teatral e literária voltada para um público que se reunia em comícios, passeatas e assembléias. Era uma produção esquerdizante , cujo projeto ideológico-político trazia para a literatura a discussão de temas como a fome, o imperialismo, as melhores condições de vida. Livros pequenos e baratos as antologias Violão de Rua chegavam mais facilmente ao público, rompendo o circuito dos livreiros, que encareciam o livro. (CAMPEDELLI, 1994) Na política, a atuação de poderes nacionalistas filiados à tradição de Vargas favorecia o surgimento de esquerdas. Além do que, belamente aspiravam à a identidade real do povo, como criação de um novo de artista, revolucionário e conseqüente , como diz-nos Frederico Morais (1957). Aqui via-se uma nação ainda imersa substancialmente no imaginário do desenvolvimentismo da era JK: Brasília surge como o primeiro esforço coletivo de profundas implicações psicossociais, para não dizer políticas, de uma vontade criadora, de uma vontade de ordem e de construção. Brasília é a idéia mais cara, mais bonita e rica de conotações como reflexo de uma vontade construtiva brasileira (...) Se arte é verdadeiramente construção da realidade, então, Brasília surge, na época, como o maior momento da arte, da cultura brasileira (MORAIS, 1975). 2 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 Tristemente nossos próximos anos ali não seriam tão promissores quanto almejávamos! O enredo progride: a partir do golpe de 1964, a circulação cultural esteve sob os olhares da polícia e da política. A censura tornou-se especificamente temida em 1968, e daí em diante, com o AI5 (Ato Institucional nº5), reprimindo a sua frente todo e qualquer tom de esquerda, considerada subversiva. A censura federal passou a cortar produções artísticas de todos os tipos. Lembramo-nos do atraso intelectual de anos, quase que irreversível, ou, como poderíamos tristemente rememorar, talvez um ano que nunca acabou . (VENTURA, 1988) Por vezes a censura pagava por ser o que foi. Os tropeçados Cavalos do Despotismo Redondo exalavam o torpor característico de uma era de insalubre gestão política. Esse tempo, como diz-nos Heloísa Buarque de Hollanda, era o tempo do antológico FEBEAPÁ Festival de besteira que assola o país de Stanislaw Ponte Preta, documento raro do clima e dos eventos que nos assolaram depois do 1º de abril: Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 a.C. (HOLLADA, 1982) No entanto, em que lugar fora se esconder o progresso ? De fato, se o movimento militar viera para colocar nos eixos um processo de modernização, seus efeitos ideológicos imediatos encenavam um espetáculo tragicômico de provincialismo. Repentinamente o ´´Brasil inteligente´´ aparecia tomado por um turbihão de preciosidades do pensamento doméstico: o zelo cívicoreligioso a ver por todos os cantos a ameaça de padres comunistas e professores ateus; a vigilância moral contra o indecoroso comportamento ´´moderno´´ que, certamente incentivado por comunistas, corrompia a família ´.(Op.Cit.) De uma hora para outra o discurso progressista e revolucionário ficava emudecido pelo alarido conservador. A diversidade, em toda participação, era contínua. Em dezembro de 1964 estreava no teatro da rua Siqueira Campos, em Copacabana, o musical Opinião, lançando mão da sua harmonia puramente brasileira para resvalar o autoritarismo que subia ao palco, tentando enfrentá-lo. Era a primeira reação da juventude ao golpe. Agora eram estudantes e intelectuais que os assistiam e que se mobilizavam. Mais do que nunca, é 3 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 preciso cantar, sugeria a voz de Nara Leão entoando a Marcha da Quarta-feira de Cinzas. Nesse momento havia toda investida em favor da resistência (HOLLANDA, 1982). Numa época em que a cultura assistia-se numa intensa produção ideológica vinculada à problemática do desenvolvimento e do nacionalismo, a juventude alimentava um interesse pelo cinema cada vez maior. Nasceu, na passagem da década de 50 para 60, o Cinema Novo, que encontrou neste período um ambiente favorável ao seu florescimento. Diz-se novo porque é novo, inovado, não em edição mas em essência. Desvencilhado de qualquer modelo hollyoodiano, mas bem brasileiro, sua essência era mostrar a verdade, era contestar a mentira, o comercialismo, além de falar das realidades povo. Pode-se falar da Companhia Vera Cruz, dos anos 50, ou O cangaceiro, de Lima Barreto. Em 1960, acontecia em São Paulo a primeira Convenção da Crítica Cinematográfica. Houve a exibição de Aruanda em condições precárias. Houve também participações em termos musicais, advindos da MPB e mais precisamente a bossa nova. O teatro também teve sua importância em termos de manifestação, com a peça O Rei da Vela, de José Celso Martinez, por exemplo. Conflitos e contradições marcaram desde o início as relações entre o movimento estudantil e o regime. Mais tarde, a história seria marcada pela ascensão do movimento, ocasionando uma série de incidentes com a repressão policial. Na Praia Vermelha, a polícia invadiu o prédio da Universidade Federal onde se reuniam cerca de 2000 estudantes. Espancamentos e depredações. Mas foi o ano 68 que reservou grandes fatos. Com a morte do estudante Edson Luís, do movimento estudantil, o país ferveu em indignação e revolta, provocando uma gigantesca manifestação com a adesão de jornalistas, artistas, intelectuais, e setores do clero. Essa passeata ficou conhecida como a Passeata dos Cem Mil . O Ato Institucional nº 5 teve imediata repercussão sobre a vida do país. Os grupos guerrilheiros, passaram à ação armada, com iniciativas cada vez mais ousadas, entre elas, os seqüestros de embaixadores estrangeiros no país. Durante algum tempo o país viveu um clima de medo e violência (MORAIS, 1975). Em Manaus, em tal contexto inserido, afluiu um movimento cultural de caráter vanguardista, politicamente atuante e manifestado através das artes e da literatura: o Clube da Madrugada. Com as características de um movimento artístico libertário, tinha como objetivo atualizar esteticamente as artes e as letras no Amazonas e seus integrantes demonstravam uma preocupação em pesquisar e construir uma obra articulada com as 4 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 manifestações da arte no país. Buscando uma intervenção social mais eficaz, o Clube da Madrugada atuou na imprensa amazonense especificamente nas publicações dominicais do periódico O Jornal sob o título de Caderno Madrugada. Neste semanário eram noticiados os eventos artísticos e culturais da cidade, além da divulgação de obras literárias e visuais. Os membros mais ativos do Clube colaboravam com ensaios, poemas, contos, crônicas, ilustrações com desenhos e xilogravuras, crítica musical, teatral e cinematográfica, realizando muitos dos seus eventos ao ar livre porque os mesmos buscavam formas alternativas de promoção artística e cultural, que não dependessem de imposições institucionais . (PÁSCOA, 2004) Manaus deixou uma vasta memória na mente e nos corações daqueles que viveram os tempos de 50 e 60. Sua característica fundamental naquele tempo era de cidade com pouca movimentação urbana, com uma certa dose de harmonia social, de coletividade. Mas após a segunda metade da década de sessenta, foi agitada por grandes mudanças, deixando de ser morna e lenta, transformando-se. Os bondes já não funcionavam e em seu lugar novas máquinas mais velozes foram postas: O tempo começava a tornar-se escasso, ou o homem foi subordinado a ele, deixando de dominá-lo para ser dominado (AGUIAR, 2002). A cidade tornou-se agitada - do ponto de vista do aumento populacional e econômico relacionado à indústria - somente a partir dos últimos dois anos da década de sessenta, com a implantação da Zona Franca de Manaus. O tempo começou a trazer modificações significativas, enquanto aqui viviam, em um contexto de múltiplas mudanças, os integrantes do Clube da Madrugada. Jorge Tufic registrou o testemunho de reconhecimento da imprensa nacional como sendo este um surpreendente movimento de vanguarda artística do Amazonas. Assim se refere uma reportagem de Assis Brasil, sob o titulo Renovação Artística no Amazonas, no Jornal do Brasil, de 05.04.57, do Rio: Causou-nos forte impressão o movimento de renovação artística que encontramos na capital do Amazonas. Talvez seja Manaus a única grande cidade brasileira onde o movimento modernista de 22 só começou a ser estudado e debatido há coisa de dois anos. Reagindo (antes tarde do que nunca) contra o marasmo reinante nas artes ajuricabenses, surgiu em 1954 um grupo de jovens idealistas e talentosos, num movimento iconoclasta, à procura de não só ressuscitar as artes de seu Estado natal, como atualizar as suas diversas correntes de manifestação estética. Fundaram, assim, o Clube da Madrugada (...) um movimento renovador que merece o apoio e a 5 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 admiração de todos os intelectuais do país. O CM pode figurar ao lado dos mais destacados movimentos de jovens artistas, que estão sendo realizados em muitas de nossas províncias, como sinal de uma nova mentalidade e promessas de um melhor futuro para as letras e as artes brasileiras.(TUFIC, 1984) A intervenção na imprensa através de publicação em periódicos, a criação de uma revista literária, a amplitude e a diversidade de interesses culturais que envolviam exposições de artes plásticas, concertos, recitais de poesia, debates e conferências, revelação de novos talentos artísticos, além do acentuado caráter libertário, são algumas características que fazem do Clube da Madrugada um movimento artístico e literário típico do século XX. (PÁSCOA, 2004) Com relação à produção literária, uma ação de vanguarda proporcionada pelo Clube da Madrugada foi a proposta da Poesia de Muro. Marcando uma fase experimental entre alguns poetas, a Poesia de Muro foi lançada pela página artística Caderno Madrugada em O Jornal, entre 1965/66. Os ensaios teóricos sobre este movimento foram da autoria de Jorge Tufic, que chegou mesmo a elaborar um manifesto intitulado Murifesto. O objetivo era o mesmo das exposições de artes plásticas ao ar livre: levar a arte até o povo, e neste caso, a poesia até o povo. O processo experimental da poesia de muro envolvia um trabalho de equipe, onde participavam os poetas e os artistas plásticos. Entendido como uma obra coletiva, este trabalho por várias vezes foi exposto em stands e cartazes na Praça da Polícia, (como aconteceu na I Feira de Cultura, em 1970, com a participação do artista José Maciel, que também fez seus experimentos na poesia concreta) ou nos altos da Biblioteca Pública, onde funcionava a Pinacoteca do Estado (1971), com participação coletiva de poetas (Jorge Tufic, Alencar e Silva) e artistas plásticos (José Maciel e Van Pereira) tanto para a execução gráfica do poema quanto para a documentação visual do evento, com filmagem.(Op.Cit., 2004) Próxima da poesia concreta, onde o poeta é um configurador de mensagens preocupado com o desenvolvimento formal dinâmico dos signos, a poesia de muro teve uma relação mais estreita com o Poema/Processo, movimento idealizado pelo poeta Wladimir Dias Pino, que já havia participado das experiências concretistas na revista Noigrandes. A característica principal da poesia de muro era a sua grande aproximação com o povo. Poucos movimentos tiveram no seu conjunto tantos adeptos e leitores. Entende-se daí que se trata de uma arte cuja linguagem específica é a mesma do povo e que desperta no poeta uma consciência subjetiva brotada da convivência diária com os 6 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 homens. Ela difere dos muitos outros moldes em que, deixando esse ponto, divorciam-se do povo comum, e conseqüentemente, a divisão em classes, por injunção das diferenças econômicas e sociais impostas por impostas por minorias poderosas.(TUFIC, 1984,p.108) A poesia de muro fundamentava-se na desmistificação cultural. A cultura transformase em algo que não assusta mais as pessoas, algo tão elitizado, ´´mas lhes dá imensa alegria´´ (Alvin Toffler, citado por TUFIC). Ela é totalmente alienada do personalismo autoral de seus criadores, é uma fala constante que tira das mentes os moldes costumeiros. No seu contato tão próximo com o povo a poesia de muro era uma inquietação ideológica numa arte revolucionária. Os intelectuais, demonstrando a seriedade do movimento, editaram seu manifesto (Revista Madrugada), dando credenciais que faziam parte dos movimentos artísticos influentes do século XX. Nas páginas condenavam veementemente a produção artística e cultural locais escassas num atraso, aliás, de cerca de meio século em literatura, escultura, pintura, arquitetura, sociologia, economia e filosofia. E não deixaram por isso mesmo. Uma das categorias de contribuição mais significativas que se encontra nas páginas do Suplemento Literário como ilustração de textos é a xilogravura, especialmente no que se refere à nítida contribuição de Álvaro Páscoa (1920-1997), que já conhecia as tendências da vanguarda européia, influenciado sobretudo pelo Neo-Realismo e pelo Expressionismo. As artes plásticas em Manaus antes do advento do Clube da Madrugada eram dominadas por duas correntes estéticas: o academicismo e a arte naif.(PÁSCOA, 2006, p.170) No período de meados de 40 até meados dos anos 50, o homem é o tema dos trabalhos dos principais autores das obras de arte, sejam pinturas, linoleogravuras, xilogravuras, etc. Aracy Amaral disserta sobre temas que norteiam uma análise ampla em Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira (1930-1970). Com respeito ao tema da arte daquele tempo, como mencionamos, Amaral afirma que, na tentativa sempre permanente de expressar sua preocupação social, tais artistas faziam do homem o escopo de suas obras, porém divido em sub-temas, como: cenas da vida urbana, a situação social do homem-trabalhador, cenas do trabalho urbano, o drama do homem contemporâneo em conseqüência de guerra e perseguição, mobilização do trabalhador nas lutas de classe, assembléias, associações de classes, greves, além de obras que enaltecem o trabalhador em si mesmo, como nos trabalhos de Portinari . (AMARAL, 1983) Aracy Amaral também menciona o com quem quero me comunicar? como a indagação máxima dos artistas a serviço de um ideário nesse período. A experiência com 7 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 gravuras remonta antes de tudo aos mexicanos, que utilizavam a imagem gravada para ilustrar panfletos e material para mobilizar os trabalhadores, de acordo com a luta iniciada pela revolução social no México. Inexistindo no Brasil uma revolução, as gravuras se limitavam ao tema rural ou urbano, no entanto sempre focalizando o trabalhador, seu ambiente de trabalho, seu entorno, e lutas reivindicatórias como classe. Mas quando se trata do passado que transcende essas vívidas experiências mexicanas, encontra-se a tradição da gravura até mesmo à época da Reforma, quando Amaral(1983, p.177) menciona Axel Leskoschek: As lutas espirituais, sociais ou políticas, da Renascença alemã exigiram um meio de propaganda, ao mesmo tempo emocionante e bem compreensível para o maior número possível de espectadores, bem diferentes quanto à sua cultura e posição social. (LSEKOSCHEK, 1946). Enquanto a gravura no México tinha aquele aspecto revolucionário, na China a arte era instrumento de guerra. A gravura chinesa é freqüentemente focalizada nas revistas culturais de esquerda como arma de combate . Israel Epstein, um autor americano citado por Amaral, afirma que não houve, nestes últimos tempos, tão estritamente ligada ao curso e aos objetivos da luta popular como a moderna arte da gravura em madeira desenvolvida pelos artistas da Nova China (1983, p.182). Mesmo assim, a influência da arte de gravura, depois dos trabalhos de Kaethe Kollwitz, caracterizados pela denúncia social, viria a se alastrar de Xangai para a França, em 1934, e mais tarde para o Brasil, precisamente em São Paulo, com trabalhos de Renina Katz. Um pouco adiante, já no que se refere à ilustração de livros, as primeiras tentativas dessa arte em 1944, com o envolvimento efetivo de artistas xilógrafos, cenógrafos, caricaturistas, etc. Embora no início desvalorizado, o trabalho de artistas-ilustradores mais tarde receberá incentivo, com a nova valorização da ilustração que então passou a merecer o carinho de uma obra de arte e não simplesmente relegada à condição fútil de vinheta pitoresca .(AMARAL,1983, p.179) Enquanto isso, o Clube da Madrugada, como o entendemos, buscava uma transformação social e estética, na sua luta contra o marasmo cultural local, com vistas a uma conexão com a contemporaneidade. E nesse intento não deixava a desejar nem mesmo no seu amplo espaço considerado às ilustrações de Álvaro Páscoa. 8 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 Na sua jornada, a década 60 tornou-se um campo de batalha do Clube da Madrugada. Decidiram conseguir uma sede, em seguida vinculando-se com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e com o Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA). Mesmo tendo passado por momentos difíceis, o movimento foi muito fecundo na década de 60, abrangendo larga gama de categorias de produção cultural, pois a partir de 1959, com a eleição de Aluísio Sampaio à presidência da entidade, vê-se uma dimensão maior do trabalho contínuo e objetivo. Gradativamente o Amazonas libertava-se da má influência do Estado Novo sobre os ares da cultura. Têm-se então uma série de publicações de várias obras, começando em 1956 e atravessando a década de 60, chegando a 30 publicações entre as cidades de Manaus e Rio de Janeiro. Duas páginas de literatura e arte foram dedicadas nos suplementos literários de O Jornal e Jornal do Comércio. Os pontos considerados culminantes no âmbito das artes plásticas foram as Feiras de Artes Plásticas. A I Feira de Artes Plásticas ocorreu em 24 de dezembro de 1963, na praça da Matriz (ou da Catedral). Além dos artistas que já faziam parte do Clube, foram revelados os jovens Gualter Batista, Simão Assayag, Jair Jacquemont, Paulo D Astuto e Getúlio Alho. Este evento foi documentado com uma filmagem feita por Ivens Lima. Com estas exposições coletivas, o Clube da Madrugada mostrava uma nova tendência, diferente da arte acadêmica de Branco e Silva e Antônio Rocha. A II Feira de Artes Plásticas ocorreu em 26 de dezembro de 1964, sob a gestão de Francisco Vasconcelos, que havia tomado posse no mês anterior. (PÁSCOA, 2004b) A II Feira foi montada no térreo do Palácio da Cultura, sendo que os trabalhos se estenderam pela Praça da Saudade. O grande êxito foi a revelação de novos artistas e a afirmação de artistas que já haviam participado da I Feira. O jovem de 16 anos Hahnemann Bacelar recebeu o primeiro lugar em Pintura, com a obra Cafuné revelando a sua tendência expressionista, ficando no segundo lugar José Maciel (Contrição) e no terceiro lugar Carlos Fonseca (Carro de Boi). Na modalidade de Desenho, foi premiado Jair Jacquemont e Gualter Batista recebeu uma menção honrosa. Os trabalhos premiados continuaram em exposição em janeiro de 1965 numa das vitrines da Casa Mattos Areosa & Cia. Ltda., em homenagem aos artistas. (Idem, 2004b) A III Feira de Artes Plásticas ocorreu em 21 de agosto de 1966, na praia da Ponta Negra. Em pleno verão amazonense, a III Feira expôs cerca de cem trabalhos de artistas locais, entre gravuras, pinturas, desenhos e esculturas. Como já tinha ocorrido na I Feira a 9 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 III Feira foi documentada com uma filmagem em cores por uma equipe de jovens cineastas amazonenses: Felipe Lindoso, Raimundo Feitosa e Roberto Kahané. Este documentário ganhou posteriormente o título de Plástica e Movimento, contando com a produção entusiasta de Aluísio Sampaio, que tinha em seus planos a exibição do documentário nos cinemas da cidade. Além de realizar os Salões Madrugada, manteve também uma galeria com exposições permanentes de artistas nacionais e estrangeiros, entre outras coisas. (Idem). Com relação ao cinema houve documentários de curta metragem, festivais e mostras cinematográficas em intercâmbio com o Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC) No campo das ciências sociais, conferências, como A Economia no Estado Moderno e Conceituação de Modernismo no Amazonas. Na Música houve várias audições no Teatro Amazonas, com apresentação de músicas folclóricas e eruditas de autores pertencentes ao Clube da Madrugada. Os integrantes procuraram sempre manter as razões postuladas no Manifesto. Estas foram algumas realizações pioneiras que abrangiam desde as artes plásticas, ensaios econômicos, poesia, crítica literária, etc. O grupo passou por mudanças, intrigas, embaraços do meio e como resultado das muitas inquietações políticas vindas da ditadura militar, passou por momentos de censura. Porém sem desistir e sem ceder aos infortúnios, prosseguiam: Numa das Notas Literárias de A Gazeta , fazíamos já referência ao caráter passageiro dessas crises que, por outro lado, alimentavam, nos cérebros contrários ao movimento, o desejo de vê-lo morto. Escrevíamos então em data de 7.2.60, num tom quase profético: Não, amigos, o Clube da Madrugada não morreu. Houve um princípio de hibernação que toldou as manhãs com sua poeira cinzenta, seu ar nostálgico. A turma enganou-se, e desse engano resultara o intervalo malsão semeado pela descrença na luta, e as armas foram dependuradas, a tinta secou nos tinteiros, e as ruas escuras foram gravando estas sombras curvadas em cisma, caminhando cedo para casa. (Tufic, 1984) Ao abordar-se o fenômeno da repercussão causada pela atuação do Clube neste fim de década, especificamente no ano de 1968, admira-se a originalidade e posição dos clubistas em meio à conturbação política. Por um espaçoso lapso de tempo o Amazonas libertava-se da influência do Estado em todas as áreas da cultura. Grande foi o estrago produzido pelos censores do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), além das medidas impostas 10 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 por esse órgão sobre os livros considerados de teor duvidoso produzidos pelo Clube da Madrugada nessa época. Em um contexto em que muitos intelectuais eram lançados ao cárcere, via-se por conta disso as conseqüências refletidas em todas as partes da vida nacional, e não apenas na vida intelectual. Foi possível aqui realizar o levantamento e análise da produção do Clube da Madrugada nesse espaço de tempo, através do Suplemento Literário, sua publicação periódica mais importante naquele período. Embora tenha sido verificada a não publicação do Suplemento nos meses de fevereiro, novembro e dezembro de 1968, percebe-se que a produção é ainda superior àquela dos tempos mais críticos em termos de participação dos artistas do movimento, como os anos de 70 e 71, durante os quais houve diminuição da participação. Devido à conjuntura nacional e a censura política, especialmente a que veio à luz em dezembro de 1968 com o terrível Ato Institucional nº5, houve uma considerável emigração de artistas, o que resultava, a partir de outros fatores, em uma diluição do equilíbrio das contribuições para o Suplemento que até então permanecia balanceada. Embora a contribuição nesses anos na categoria de ilustração como xilogravuras tenha paulatinamente sido reduzida, a poesia permanecia em destaque, além das numerosas crônicas, ensaios, críticas e contos, como uma crônica do Padre Nonato Pinheiro intitulada Especial para a paz do Clube da Madrugada. Jorge Tufic, que era o presidente do Clube no ano de 1968, lamentava: Era um panorama sombrio: o pensamento nacional sob rigorosa fiscalização dipeana, a imprensa garroteada e a solidão geográfica das selvas produziram os intelectuais amazonenses durante esse longo estágio, no qual o menor frêmito de liberdade poderia redundar em perigo para o regime. (TUFIC, 1984, p. 38) Luciane Páscoa escreve que o termo vanguarda caracteriza-se pela incessante busca de novas metas para a arte, no seu dinamismo e velocidade (2006, p.178). E é precisamente aqui que encontramos o Clube da Madrugada. Mesmo diante de todas as tribulações passageiras, Jorge Tufic é feliz ao falar dos homens de todas as madrugadas do mundo , os clubistas que fizeram frente às intempéries da época sombria, a época dos desarranjos. Falava com orgulho de um movimento que, partindo do ideal da mudança, da constatação de problemas, não se restringia ao âmbito artístico, mas se expandia ao social, 11 Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007 ISSN 1980-6930 na lembrança de que, como diz Alfredo Bosi, arte é construção, conhecimento e expressão (BOSI,1986). BIBLIOGRAFIA: AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas, 2002. AMARAL, Aracy. 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