TEATRO PLAYBACK - Dionisos Teatro
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TEATRO PLAYBACK - Dionisos Teatro
Comunicação (GT Ensino de arte: transdisciplinaridade, cidadania e inclusão) TEATRO PLAYBACK: MÚLTIPLAS APRENDIZAGENS EM CENA RELATO DE PESQUISA EM TEATRO Clarice Steil Siewert Universidade do Estado de Santa Catarina Palavras Chave: Teatro, Histórias pessoais, Teatro Playback O Teatro Playback (Playback Theatre) é uma forma teatral em que um grupo de atores, conduzido por um diretor1, encena histórias contadas por pessoas da platéia. Este formato foi idealizado por Jonathan Fox, em 1975, e desenvolvido junto com sua mulher, Jo Salas. Fox e Salas faziam parte de um grupo de improvisação chamado “It´s all Grace” em Connecticut, nos Estados Unidos. Foi nesse grupo que eles começaram a experimentar a idéia de fazer teatro a partir de histórias pessoais. Fox era um entusiasta pelo teatro experimental e artes de vanguarda. Na universidade, havia estudado a tradição épica (ancient epics) e contos de tradição oral (pre-literary tales). Viveu por dois anos em uma pequena vila no Nepal, onde aprendeu a lidar com o ritmo da natureza, tendo que se adaptar a situações diversas. Havia um festival onde os próprios moradores eram os atores das representações dramáticas. Diferentemente do ambiente artificial do teatro tradicional, nessa vila, Fox visualizou um teatro inserido no ambiente comunitário feito pelos próprios cidadãos. Essas experiências foram as bases para a formulação do Teatro Playback. No meu ponto de vista esse novo Teatro Playback, no qual as pessoas pudessem ver suas histórias representadas e compartilhar com seus vizinhos aspectos de seu cotidiano e preocupações profundas, era uma maneira de trazer formas antigas para o presente, apesar de que no lugar que sociedades tradicionais cantavam sobre Deuses e Heróis conhecidos e reverenciados por todo o clã, nós cantaríamos sobre nós mesmos, em toda a nossa ordinareidade. Minhas esperanças e convicções profundas eram de que nesse processo nós nos sentiríamos elevados, como se tivéssemos em contato com “os Deuses”, e no final uma comunidade dispare convergiria2. [Tradução nossa] (FOX, 2003, p. 2) 1 O termo utilizado em inglês é conductor, pois aponta para dois aspectos desta tarefa: o trabalho do maestro de uma orquestra, que deve conduzir harmonicamente um grupo de artistas; e também a necessidade de conduzir energia entre todos os participantes. Manteve-se o termo diretor para respeitar a terminologia já empregada em traduções anteriores. (SALAS, 2000). 2 In my eyes this new Playback Theatre, in which the people could see their stories acted out and share with their neighbors aspects of their daily lives and deeply felt concerns, was a way to bring an ancient way into the present, except that where traditional societies sang of Gods and Heroes known and revered by the entire clan, 1 Fox estava interessado, então, neste resgate de uma arte mais próxima da comunidade, tais como as histórias cantadas pelos poetas nas sociedades pré-literárias. Eram esses contos, que além de proporcionar entretenimento, tinham a principal função de manter e repassar os costumes e a história de um povo. Eram momentos em que a comunidade se reunia e construía seu saber coletivo. Na busca desses momentos de encontro comunitário através da arte, Fox encontrou a matéria-prima para o Teatro Playback: as histórias pessoais. Através delas, as pessoas poderiam se reunir e resgatar algumas funções antigas do teatro: a de preservar suas memórias e manter a comunidade unida. Por querer que uma apresentação de Playback fosse um espaço em que qualquer pessoa pudesse contar sua história, algumas peculiaridades começaram a aparecer. Entendendo que essas histórias poderiam conter elementos muito tristes ou dramáticos, Fox sentiu necessidade de aprender a lidar com as emoções que emergiam desses relatos, tanto por parte de quem contava, como de quem ouvia. Assim, iniciou sua formação em Psicodrama no Instituto Moreno. Foi nesse período, em 1975, que outras pessoas se aproximaram, principalmente psicodramatistas, para formar o primeiro grupo de Teatro Playback, intitulado posteriormente como The Original Playback Theatre Company, para se diferenciar dos grupos que surgiram depois. Zerka Moreno, viúva do fundador do psicodrama, J. L. Moreno, e líder do movimento psicodramático mundial, estava intrigada com nossas idéias e intenções e foi generosa a ponto de bancar o aluguel de um espaço para os ensaios naquele primeiro ano. Mesmo nos estágios iniciais, ela viu a afinidade que havia entre o nosso trabalho e o inspirador teatro da espontaneidade de Moreno, a partir do qual se desenvolveu o psicodrama clássico. (SALAS, 2000, p. 26) Por causa dessa aproximação inicial, o Teatro Playback é até hoje muito confundido com o Psicodrama. De fato, as duas práticas possuem muitas coisas em comum. A utilização da linguagem teatral para contar a história de uma pessoa é a primeira delas. Fox também se utiliza do conceito de espontaneidade de Moreno, colocando-o como aspecto fundamental para o Teatro Playback. Mas as duas abordagens têm objetivos diferentes. Ao contrário do Psicodrama, o Teatro Playback não é uma terapia e não faz um compartilhamento verbal da experiência. Vai-se de uma história a outra e as pessoas não conversam sobre suas emoções. we would sing about ourselves, in all our ordinariness. My hope and deep conviction was that in this process we would feel elevated, as if in contact with ‘the Gods,’ and at the end a disparate community would cohere. 2 Outro fato que mescla as duas práticas, é que mais do que grupos de teatro, são os psicodramatistas que fazem Teatro Playback, utilizando-o muitas vezes como uma prática auxiliar de seus procedimentos terapêuticos. Com o tempo, o primeiro grupo de Teatro Playback começou a fazer apresentações formais com ingresso e platéia. Em 1979 um australiano viu uma apresentação e os levou para Austrália e Nova Zelândia. Então, desde 1980 essa prática começou a se difundir pelo mundo. Em 1993 já havia 17 países fazendo Teatro Playback (SALAS, 2000). Atualmente existem grupos de Teatro Playback em cerca de 30 países, inclusive no Brasil3. Existem duas instituições de grande importância: The Centre of Playback Theatre que oferece cursos de formação e suporte administrativo para companhias de Teatro Playback e o IPTN -International Playback Theatre Network – (Rede Internacional de Teatro Playback) que reúne grupos de todo o mundo para discussão e reflexão através da Internet e da publicação do Interplay – jornal com artigos e informações sobre a prática de Teatro Playback. De acordo com Fox (2003), desde o início as apresentações do Teatro Playback aconteciam em escolas, hospitais e centros comunitários. Foi a prática desde o início feitas em espaços diferentes do teatro, para pessoas diferentes das platéias convencionais do teatro que o diferenciou de outras formas teatrais. O fato de que essas audiências pertenciam a contextos específicos, como por exemplo educação/escola, reabilitação/ casa grupo, comunidade/vizinhança emergiu como um aspecto definidor do método de Teatro Playback4 [Tradução nossa] (DENNIS, 2004, p.28) Assim, com o foco voltado para espaços alternativos e platéias diversificadas, visando a criação de um momento íntimo e artístico entre os participantes, o Teatro Playback adquire um formato versátil e ritualístico. A versatilidade está no fato de que uma apresentação de Teatro Playback pode acontecer em espaços variados, pois seu formato exige poucos elementos. Um grupo, formado pelos atores, músicos e diretor, utiliza geralmente apenas instrumentos musicais, caixotes e panos coloridos (ou adereços, conforme a preferência do grupo) para a realização de uma apresentação. Isso não exclui a possibilidade de uma apresentação acontecer em um teatro convencional, utilizando-se de iluminação cênica, por exemplo. Porém, é necessário apenas 3 Disponível em: <http://playback.onlinegroups.net/members/> Acesso em: 24 set. 2007. It was the early application in places other than theatres, for people other than conventional theatre audiences that differentiated it from other forms of theatre. That these audiences were situated in specific contexts, e.g., education/school, rehabilitation/group home, community/neighbourhood, has emerged as a defining aspect of the Playback Theatre method. 4 3 um ambiente não muito grande, em que as pessoas sintam-se confortáveis e próximas ao local de representação. A montagem básica do espaço cênico é bastante simples. À esquerda da platéia – à direita do palco – são colocadas duas cadeiras lado a lado, voltadas em direção ao centro, para o diretor e para o narrador. [...] No outro lado do palco está o assento do músico e um conjunto de instrumentos espalhados sobre uma mesa baixa ou um pano aberto no chão. Na parte de trás estão alguns engradados ou caixotes de madeira para os atores se sentarem e, mais tarde, utilizarem como acessórios durante a encenação. (SALAS, 2000, p. 114) O ritual é um aspecto importante nesse tipo de teatro. Uma apresentação consiste num momento inicial em que o grupo se apresenta, assim como também muitas vezes as pessoas da platéia, e o diretor explica “as regras do jogo”, ou seja, fala como funciona o Teatro Playback. Após a apresentação inicial e antes da encenação de histórias, utiliza-se geralmente uma técnica denominada “escultura fluída”. Nela, os atores realizam uma cena abstrata de som e movimento que traduz a resposta de alguém da platéia quando o diretor faz perguntas, tais como o que as pessoas estão sentindo no momento. As esculturas fluídas servem como um tipo de aquecimento, para que as pessoas comecem a participar e se sentir dentro do processo. Sempre que uma escultura fluída é realizada, o diretor retorna à pessoa que deu a resposta para que esta dê um feedback a respeito da cena. Em seguida, iniciam-se as cenas propriamente ditas. O diretor verifica quem quer ser o primeiro a contar uma história. Assim, uma pessoa da platéia é convidada a sentar na cadeira do narrador e a entrevista tem início. O diretor conduz as perguntas de modo que a história fique clara para os atores e para a platéia. O narrador também escolhe os atores que farão as personagens da história. Quando a entrevista é encerrada, os atores improvisam a história contada. O músico também participa, improvisando junto com os atores. Os panos (ou acessórios) e os caixotes podem ser utilizados ou não. Ao final da cena, os atores voltam-se para o narrador e o diretor pergunta se a cena contemplou a história. Às vezes, se o narrador não fica satisfeito com a cena, esta pode ser corrigida. Existem outras técnicas que são utilizadas entre uma história e outra ou ao final da apresentação. Por exemplo: pares, coro, história em quadros, etc. Essas técnicas irão variar conforme o grupo. Muitas vezes também, pessoas da platéia são convidadas a atuar, e nessas ocasiões, o diretor dá maiores dicas para a cena. O playback theatre é íntimo, informal, despretensioso e acessível. Mas é teatro. Estamos conscientemente entrando em uma arena que é diferente da realidade do 4 dia-a-dia. Para criar o clima elevado necessário para qualquer evento teatral, contamos com os recursos da presença (o comportamento e a atenção dos atores cuidadosamente focados); da apresentação (o cuidado tomado com os aspectos físicos, estruturais e visuais do espetáculo); e do ritual (os padrões que proporcionam uma estrutura consistente durante o espetáculo atual e de um espetáculo para outro). (SALAS, 2000, p. 111) O Teatro Playback possui então uma forma bem definida, que exige atenção não somente para os aspectos artísticos necessários aos atores e músicos, mas também para a relação com a platéia que deve ser bem estabelecida pelo diretor. O maior ou menor nível de ligação com a platéia passa pelo clima de confiança instaurado pelo grupo, pelo ritual da apresentação que estabelece as regras do jogo e pelo ambiente da representação. A proposta de Fox (apud DENNIS, 2004), consiste na interação de três esferas, que são consideradas os elementos essenciais do Teatro Playback: Arte – Senso de estética, expressividade, originalidade, versatilidade, trabalho em grupo, linguagem da narrativa. Interação Social – Gerenciamento de evento, atmosfera segura, conhecimento psicológico, inclusão, consciência dos temas sociais, linguagem da apresentação das questões. Ritual – Manutenção de regras, sentimento de entusiasmo, dimensão transpessoal, objetivo de transformação, linguagem que prenda a atenção.5 Assim, o Teatro Playback se constitui numa prática que pode abranger experiências artísticas, de socialização e de pertencimento, porque carrega em seu bojo a idéia de arte como necessidade humana de encontro e comunhão. Tanto do ponto de vista de quem faz, como de quem assiste, pode-se dar mais ênfase a cada um dos aspectos: artístico, social e ritualístico; porém os três devem sempre estar presentes para uma boa experiência de Teatro Playback. Experiência esta que mistura arte e relacionamento humano. Uma apresentação de Playback pode, então, ter objetivos diferenciados. Há grupos que têm apresentações regulares abertas ao público em geral, tal qual um grupo de teatro convencional. Há grupos que trabalham com um enfoque educativo, dentro de escolas. Outros, com objetivos terapêuticos, nos mais variados espaços. No Brasil, o grupo de Teatro 5 Art - Sense of aesthetic, Expressiveness, Originality, Versatility, Teamwork, Story language Social Interaction - Event management, Safe atmosphere, Psychological knowledge, Inclusivity, Awareness of social issues, Explanatory language Ritual - Keeping to rules, Ecstatic emotion, Transpersonal dimension, Goal of transformation, Spellbinding language 5 Playback mais atuante tem um enfoque de desenvolvimento organizacional, atuando dentro de empresas.6 O Teatro Playback é então uma arena aberta a aprendizagens e experiências diferenciadas. Há tempos terapeutas e educadores vêm utilizando o Teatro Playback. Nos cinco continentes, os grupos vêem fazendo apresentações em comunidades, hospitais, escolas, projetos sociais... e também no teatro. No Brasil, é preciso ainda que os artistas se apropriem dele, seja para ensinar arte ou apenas experiência-la. Bibliografia: DENNIS, Rea. Public Performance, Personal Story: A Study of Playback Theatre. Griffith University, 2004. Disponível em: <http://www.playbackschool.org/resources_longlist.htm> Acesso em: 05 out. 2007. FOX, Jonathan. Acts of Service: Spontaneity, Commitment, Tradition in the Nonscripted Theatre. New York : Tusitala, 2003. FRIEDLER, Rasia. El Teatro Playback: Una Pasion Vislumbrada en Nepal. Un Dialogo con Jonathan Fox. Disponível em: <http://www.playbackschool.org/resources_longlist.htm> Acesso em: 05 out. 2007. SALAS, Jo. Playback Theatre: uma nova forma de expressar ação e emoção. São Paulo : Agora, 2000. 6 A São Paulo Playback Theatre é associada ao IPTN. Disponível em: <http://www.playbacktheatre.com.br/index.html> Acesso em 13 out. 2007. 6
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