Comunicação

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Comunicação
Alvenarias e Argamassas anteriores ao Império Romano
José António Sequeira Alvarez
Secil Martingança, SA
[email protected]
Resumo: Muitos estudiosos preocupados com a História das Argamassas têm apresentado
trabalhos sobre a construção romana, já que esta atingiu enorme notoriedade e influenciou
outras. Porém, civilizações anteriores a Roma ou suas contemporâneas, porventura menos
conhecidas, desenvolveram alvenarias, argamassas de elevação e revestimentos, de um
modo notável. Nesta comunicação, para além de citarmos exemplos de construção dessas
civilizações surgidas em áreas afastadas de Roma, mostramos como é possível, através da
observação de processos actuais de fabrico de constituintes das alvenarias (tijolo), e da
produção de argamassas, compreender melhor o que se fazia na Antiguidade.
Palavras – chave: adobe, tijolo, pedra, construção ciclópica, argamassas hidráulicas.
1. INTRODUÇÃO
Desde sempre o Homem teve necessidade de isolar para si espaços privados. Nas suas
cavernas, por exemplo, o homem primitivo dificultou o acesso a inimigos, construindo
pequenas estruturas feitas de troncos de árvores, enterrados no chão, cobertos com
folhagem ou lama, constituindo-se como uma espécie de paliçada. Assim se protegeram
os humanos do clima e dos animais, encontrando condições para se multiplicarem.
Na ausência de cavernas, em zonas como a Sibéria e a Mongólia, foram descobertos restos
de habitações cuja estrutura se baseava em ossos de mamute, cobertos com ramagens de
pequenos arbustos, terra amassada e colmo. Desta maneira, o Homem iniciava um longo
processo construtivo, elevando, revestindo e cobrindo, de modo a individualizar
artificialmente, os seus próprios espaços.
Muito antes do apogeu de Roma, em vários pontos do globo, o Homem dominou
interessantes tecnologias que lhe permitiram construir (elevando paredes e revestindo-as
com materiais), usando técnicas que seriam, mais tarde, também utilizadas pelos
Romanos.
2. NA AUSÊNCIA DA PEDRA, O SURGIMENTO DAS
PRIMITIVAS ALVENARIAS DE ADOBE E TIJOLO E
RESPECTIVOS REVESTIMENTOS
Uma vez sedentário, o Homem desenvolveu a sua habitação na perspectiva do seu bemestar e da defesa dos seus bens. Tanto as alvenarias como o respectivo revestimento, quer
interior quer exterior, ganharam importância no contexto da construção.
A escolha dos materiais de construção sempre foi feita, tendo em conta a geologia do
terreno e os fins a que se destinavam. Em áreas com pedra, a construção utilizou
alvenarias de pedra. Na ausência desta, nomeadamente em países quentes e com pouca
madeira, como o Médio Oriente e a Mesopotâmia, utilizaram-se primeiramente lamas
argilosas, fáceis de transportar e de trabalhar, que secavam ao sol para erguer paredes,
apoiadas em tábuas e paus de madeira durante o processo de secagem, para, num segundo
passo, se fabricarem elementos de alvenaria, secando ao sol blocos de lama, os adobes,
frequentemente misturados com palha.
Conhecem-se exemplos de casas em Jericó, Israel e em Khirotikia, na ilha de Chipre,
datadas de 6500 AC, cujas alvenarias foram feitas com adobes, em forma de pão, obtidos
por raspagem de lama com um pau e, mais tarde, secos ao sol [1].
Este processo construtivo ainda hoje é praticado em muitas zonas do mundo, porque o
adobe continua a ser um material económico e de simples aplicação.
Figura 1- casa de adobe no Punjab, Índia, 2007
Por exemplo, no deserto da Namíbia, as tribos locais que vivem do pastorício e são
seminómadas, pelo facto de se deslocarem temporariamente na procura de renovadas
zonas de pastagem, usam as suas habitações, apenas durante alguns meses, fabricando-as
a partir de uma argamassa de areia e excremento de gado, enriquecida com palha. [figuras
2 e 3]
Para procederam às suas construções, estas tribos iniciam o seu período sedentário,
edificando no centro da aldeia e em forma de círculo, o redil que recolhe todo o gado e
gera, por consequência, os excrementos a usar como matéria-prima, na construção das
cabanas.
Figuras 2 e 3 - Cabanas precárias da tribo seminómada Himbos (Namíbia), apoiadas numa
estrutura vertical de troncos vegetais, cobertas com um revestimento resultante da mistura
de areia, bosta de vaca e palha.
O aperfeiçoamento dos adobes surgiria com a uniformidade deste material, conseguida
através de moldes abertos, que conferiam aos elementos, volumes e formas idênticas,
dando consistência à respectiva alvenaria. As lamas argilosas eram então usadas para
colagem dos adobes, mas também para revestimento, às vezes misturadas com uma
pequena percentagem de areia, dado que os adobes são pouco permeáveis às águas
pluviais.
Figura 4 - adobes ligados com argamassa de lama,
construção no vale de Khatmandu, Nepal
Na Mesopotâmia, na ausência de pedra, o tijolo foi essencial na construção. As
argamassas para o seu assentamento foram desenvolvidas em função deste. Para a
colagem de tijolo, foi utilizada primeiramente lama argilosa, por vezes misturada com
excrementos de gado e ainda com palha. [ fig. 4]
As argamassas de elevação, utilizando lamas argilosas, eram usadas em regiões secas e
quentes, por oferecerem pouca resistência às águas da chuva. As habitações, simples e
rudimentares, eram erguidas sobre um soco, para reduzir o efeito das águas pluviais. [fig.
1]
É possível observar hoje este tipo de construção na região fronteiriça entre a Índia e o
Paquistão, onde o clima é muito semelhante a algumas regiões mesopotâmicas. As gentes
locais utilizam, nas suas construções de forma redonda, a colagem de adobes com lama
argilosa, misturada com palha ou com excremento de vaca/camelo, à semelhança do que
fora feito em tempos recuados, 5000 AC, na cidade de Uruk na Mesopotâmia [1].
Figuras 5 e 6 – detalhe do soco para redução dos efeitos pluviais (fig.5) e
pormenor da lama argilosa misturada com excremento de vaca e ramagens,
como revestimento de alvenaria, deserto do Thar, (fig. 6)
O processo de secagem ao sol dos blocos foi mais tarde substituído pela sua cozedura em
fornos. Assim, sabe-se que na Mesopotâmia, no vale do rio Indo, se utilizaram tijolos
cozidos desde 3500 AC. Esta técnica disseminou-se depois por outras regiões, no terceiro
milénio, chegando às grandes cidades de Harappa e Mohenjo Daro, situadas no planalto
de Mecão [1].
A cozedura dos tijolos permitiu melhorar a sua impermeabilização. A qualidade destes
dependia de vários factores como a qualidade da argila, a sua finura, a temperatura de
cozedura (próxima dos 1000 º C) e do respectivo arrefecimento, necessariamente lento,
para não fendilharem. Ora, os fornos antigos não conseguiam aquelas temperaturas, pelo
que se optava por uma cozedura lenta [1].
Estes povos usavam, como combustível, lenha e excrementos de animais, tal como ainda
hoje se pratica no deserto de Thar, junto da fronteira entre a Índia e o Paquistão.
Nesta região, descobrimos um forno rudimentar que trabalhava com combustível
resultante de uma mistura de ramagens de arbustos, acácias e árvores locais Khejari
“(Propesus Simreriya)” e com excremento de camelo.
Com um diâmetro de 10 metros, o forno compõe-se de camadas de tijolo a cozer, que
alternam com combustível vegetal. Uma chaminé ao centro permite a pega de fogo em
simultâneo com a periferia. A combustão e o respectivo arrefecimento duram cerca de três
meses, situação possível por não haver nenhuma pressão económica, já que os tijolos são
transaccionados em regime de permuta por outros bens essenciais à sobrevivência na
região
Figuras 7 e 8 - forno com um diâmetro de 10 metros, constituído por camadas alternadas
de tijolo a cozer e elementos vegetais, estes últimos misturados com excrementos de
animal (fig. 7); detalhe do forno com chaminé central (fig. 8), deserto do Thar, Índia
Obviamente que, ao longo do tempo, o processo de cozedura evoluiu no sentido de se
cozerem os tijolos a temperaturas mais elevadas, usando-se combustíveis com maior
poder calorífico, sendo os fornos tecnicamente mais elaborados.
As medas, em que os tijolos a cozer eram dispostos em camadas alternadas com
combustível vegetal, produziam, regra geral, tijolos pouco uniformes, devido à
heterogeneidade de temperaturas da meda, já que os que se situavam próximo do exterior
da meda eram cozidos a uma temperatura inferior aos do interior.
Ainda hoje, o processo de fabrico de tijolos em medas, persiste em grandes regiões do
Terceiro Mundo, com as inovações do envolvimento da meda com tijolos cozidos,
minorando-se assim, as deficiências das diferenças de temperatura na meda e da
substituição da lenha por carvão.
Figuras 9 e 10 - fornos de tijolo (medas), Índia
Em Pagan, na Birmânia (Myanmar), usou-se este processo de fabrico para os tijolos
utilizados no enorme complexo religioso, situado junto ao rio Irauadi, que alberga cerca
de 5000 edifícios em tijolo, entre templos e Stupas, do século II DC. Porque a argila
depositada pela água do rio assentou, deixando as partículas mais finas à superfície, foi
possível dispor de uma matéria-prima de grande qualidade. Assim, os tijolos constituintes
das alvenarias fabricados in situ, eram de grande precisão geométrica, permitindo o
assentamento com uma argamassa de granulometria fina, com juntas entre tijolos
inferiores a 5 mm! Um exemplo deste refinamento é o pagode de grandes dimensões
chamado Dhamna Yan Gyi, cuja argamassa de alvenaria foi realizada a partir de uma
mistura da citada areia do rio muito fina, cal, resinas naturais extraídas das árvores locais,
leite de noz, baga de arroz, mel e claras de ovo!
Os rebocos que revestiam a maioria destes templos provinham de argamassas elaboradas a
partir de uma mistura de gesso, cal e areia, com aditivos de produtos naturais, como
aqueles que referi para a argamassa de elevação.
Figuras 11 e 12 – templo em tijolo de Dhama Yan Gyi, em Pagan, Myanmar (fig. 11) e
fornos de cal viva, Karnataka, Índia (fig. 12)
3. ARGAMASSAS COM CARACTERÍSTICAS HIDRÁULICAS
É interessante verificar a existência de elaborados rebocos em civilizações anteriores à
romana. Na Índia, encontramos as primeiras argamassas hidráulicas no século II AC, ao
tempo do imperador Ashoka, na cidade de Vidisha. Muito perto desta região, em Madhya
Pradesh, encontramos a mais antiga stupa da India, encomendada por aquele imperador.
O edifício original era constituído por uma semiesfera em tijolo, coroada por um elemento
ornamental de pedra chamado chhatra.
Figuras 13 e 14 - Stupa Sanchi, Índia (fig. 13) e detalhe da espessura
do seu reboco (fig. 14)
A stupa foi vandalizada e reconstruída em pedra, no século II AC. Foi então coberta de
uma argamassa constituída por cal, areia, pó de tijolo, resina natural (retirada das árvores)
e açúcar, que resistiu, em parte, até aos nossos dias. A espessura deste revestimento era
inicialmente de um pé (30,48 cm); hoje, porém, encontra-se claramente reduzida pelo
efeito do tempo (cerca de 12 a 15 centímetros). [ Fig. 14 ]
Analisemos o estaleiro e o processo de fabricação de argamassas ainda hoje praticado
nesta região: abertura de um sulco no solo, forrado ou não de pedra, com uma
profundidade de cerca de meio metro e uma largura de cerca de 40 centímetros,
desenhando uma circunferência, cujo diâmetro pode variar de estaleiro para estaleiro;
neste sulco, em toda a extensão periférica, são colocados os materiais constituintes da
argamassa: areia, leitada de cal, pedaços de tijolo, frutos (resinas naturais), etc..
Uma mó de pedra, pronta a deslizar sobre a base daquele sulco, é presa a uma estaca
colocada no centro da circunferência. Uma vez accionada por tracção animal, a referida
mó vai procedendo lentamente, à mistura dos componentes previamente colocados no
sulco.
Figuras 15 e 16 – estaleiros actuais de produção de argamassas na Índia
A periferia do estaleiro é reservada à instalação de tinas de apagamento da cal em pedra,
para ali transportada, e ao armazenamento de outras matérias-primas a utilizar na
argamassa. De um dos estaleiros retirou-se uma pequena amostra da argamassa ali
produzida que nos permitiu fazer a sua análise química, que se apresenta no quadro
seguinte:
Tabela 1 - Análise Química
Al2O3
SiO2
%
39,67
8,88
Perda ao fogo – 7,67%
Fe2O3
11,27
CaO
24,17
MgO
2,20
SO3
2,90
K 2O
0,60
Na2O
0,10
4. ALVENARIAS SECAS
Em sociedades com elevados índices civilizacionais e localizadas em regiões onde existia
pedra com abundância, utilizaram-se Alvenarias Secas nas obras mais notáveis. Este tipo
de alvenaria, muitas vezes denominada Ciclópica, desenvolveu-se na América Central, no
tempo da civilização Maia, notabilizada entre 200 AC e 900 DC, mas também na Europa,
com a civilização Micénica (1600-1100 AC). Tomemos esta última para análise.
Este tipo de alvenaria, denominada em grego por Moenia (Tεϊоς), é encontrada não só nas
muralhas que rodeavam as grandes cidades gregas do período Micénico, como Tirinto e
Micenas, mas também em vestígios de antigas fortificações na Etrúria, região dos
Apeninos. [2]
Estas muralhas mostram também uma evolução:
• elementos de alvenaria de formato irregular colocados, sem ligante e pedras de
menores dimensões no preenchimento dos interstícios (Tirinto);
• elementos de alvenaria trabalhados em formas poligonais posicionadas, com
encaixe praticamente perfeito (ainda Tirinto e as muralhas de Larissa, na
Argólia, Grécia).
• elementos de alvenaria colocados horizontalmente, mais ou menos de forma
regular, com juntas verticais ou obliquas (Porta dos Leões, muralhas de
Micenas).
Pensa-se que esta última fase se prende com a característica dos materiais usados na
alvenaria, nomeadamente, a sua natural clivagem [2]. A construção Ciclópica foi
regularmente usada na Grécia após as Guerras Pérsicas, como são o caso das muralhas de
Pireu [3] e do Parténon, em Atenas.
Figuras 17 e 18 - Evolução das alvenarias secas do tipo Ciclópico (Tirinto)
Os blocos constituintes da alvenaria eram preparados em cantarias e trazidos para os
locais, muitas vezes, de barco, quando as pedreiras se localizavam em ilhas. É interessante
recordar que, entre as grandes pedreiras gregas, se encontrava a do Monte Pentellicus, na
Ática, a cerca de 15 milhas de Atenas, fornecedora do mármore pentélico, e as dos
mármores, situadas nas ilhas Cíclades. Havia ainda, um pouco por todo o território,
calcários de cor castanha, designados por poros, que também eram utilizados na
construção.
Os blocos eram cortados de acordo com o plano global da obra, com tamanho superior ao
espaço que lhes estava destinado e com uma face tosca que era posteriormente acabada in
situ; aliás o bloco era aperfeiçoado, as arestas adoçadas, antes de serem colocadas na sua
posição definitiva. Para isso, eram usados aparelhos de elevação, engrenagens e sem-fins,
diversos utensílios como serras e escopros, o que pressupunha um grande conhecimento
de técnicas de construção por parte dos Gregos.
A Grécia devotou o melhor de si mesmo em termos de engenharia e arquitectura aos seus
templos. Aí usava as suas pedras decorativas, construindo-os segundo um projecto, onde
os blocos de pedra eram aperfeiçoados no que respeita à sua forma, nomeadamente as
arestas adoçadas, não sendo necessário nenhuma junta argamassada, usando-se apenas e
eventualmente grampos de ferro, para consolidar a união entre blocos. Os arcos não eram
contemplados nos templos Gregos. Assim, não vamos encontrar argamassas de alvenaria,
mas apenas argamassas de reboco com base em gesso, utilizadas para cobrir paredes das
cellas (santuários interiores), onde eventualmente se utilizava alvenaria de tijolo ou
alvenaria de poros. [3]
Fotos 19, 20 e 21- construções ciclópicas no Peru (fig. 19) e na Grécia, em Delfos
(fig.20) e em Tirinto (fig. 21)
5. ARGAMASSAS HIDRÁULICAS
Todavia, foi nas obras hidráulicas, nomeadamente em aquedutos, cisternas e portos, que
os Gregos foram exímios utilizadores das pozolanas naturais, no fabrico de argamassas
hidráulicas. Aliás, sabe-se hoje, que entre os Gregos existiram grandes engenheiros
hidráulicos como o grande mestre Arquimedes, construtor do aqueduto de Samos,
Eupalinus de Megara e Hero de Alexandria, inventor do sifão.
Em 1500 AC, no mar Egeu, na ilha Santorini, ocorreu uma das maiores erupções
vulcânicas de sempre, com produção de pozolanas naturais em grande qualidade. Estas
pozolanas formaram-se quando o magma, rico em sílica, se encontrou com água, no
subsolo. Sob altas pressões e elevadas temperaturas, o vapor de água dissolveu-se no
magma, o qual se misturou com dióxido de carbono e gases sulfurosos.
A erupção de vulcão Thera, em Santorini, foi das mais violentas da história do
vulcanismo e calcula-se que tenha expelido cerca de 60 quilómetros cúbicos de cinzas!
No sul de Itália, as pozolanas abundavam em Pozuoli, devido à actividade do Vesúvio. Os
Gregos, que aí tinham estabelecido uma colónia, Dikearchia, conheciam aquele material
pozulânico e usaram-no nas suas obras hidráulicas. Usavam também pedra pomes,
oriunda da ilha de Rodes, no vale de Messara, como pozolana de baixa densidade.
Exemplos mais relevantes dessa utilização são por exemplo, a famosa cisterna de
Kamiros, em Rodes, situada nas ruínas daquela que foi uma das três maiores cidades
dóricas, construída em 500 AC, com capacidade para 600 metros cúbicos. Experiências
realizadas com amostras retiradas desta cisterna, revelaram argamassas com excelentes
resistências mecânicas, elevada flexibilidade e porosidade baixa. Foram usadas misturas
de agregados siliciosos e calcários de curvas granulométricas diferentes, misturadas com
cal e terras vulcânicas, como ligantes. Nesta região da ilha de Rodes, numa bacia
conhecida como a bacia de Gortys, abundava a pedra-pomes que era utilizada na
construção local. [4].
Notável também foi a cisterna de Epidauro, as construções do porto do Pireu, e ainda, o
famoso túnel de Samos, construído por escravos, sob a direcção de Eupalinus de Megara,
entre 529 e 524 AC. 5]. O túnel garantia o fornecimento de água à cidade de Samos,
quando esta era cercada por forças inimigas e funcionou até ao século passado...
Podemos dizer que os Gregos souberam habilmente utilizar as argamassas hidráulicas,
tendo em conta as suas propriedades inibidoras à passagem de água. Não admira pois, que
Vitrúvio recorde os cimentos feitos pelos Gregos como de superior qualidade, já que, nem
as ondas os quebravam, nem a água os dissolvia...
Encontramos de novo argamassas hidráulicas, no deserto Wadi Rum, hoje território
jordano.
Por volta do ano 1200 AC, uma tribo árabe, os Nabateus, desalojou os Edonistas, que
ocupavam um grande vale desértico entre Aqaba e o Mar Morto, obrigando-os a
deslocarem-se para sul. Por volta do século IV AC, os Nabateus formaram a sua capital
em Petra, organizando-se como nação próspera que floresceu com base em trocas
comerciais e culturais nas cidades de Jerash e Rabbath Amon, esta última a capital da
Jordânia, Amã.
Devido aos conflitos entre Selêucidas e Ptolomaicos, os Nabateus ganharam o controlo
das rotas de comércio entre a Arábia e a Síria. Sob o seu domínio, Petra converteu-se num
importante eixo de comércio de especiarias, servindo de ponto de encontro entre as
caravanas provenientes de Aqaba e as de cidades de Damasco e Palmira (Síria).
Figura 22 – entrada de Petra, vendo-se em baixo, do lado esquerdo, o aqueduto
Este desenvolvimento só foi possível graças à realização de sistemas hidráulicos, os quais
permitiram aos Nabateus conservarem a água em cisternas situadas em pontos estratégicos
para as suas caravanas e construírem canais para alimentação de Petra, ainda hoje
visíveis. As suas argamassas eram hidráulicas. Sucede que o deserto tem à superfície
enormes depósitos de sílica. Juntando essa sílica de grande finura, como inerte, a um
outro constituinte cal viva, queimada em pequenos fornos rudimentares, cujos vestígios
ainda hoje são visíveis em pleno deserto, os Nabateus obtiveram uma argamassa
hidráulica à prova de água. [6]
Nabateia
Sanchi
Pagan
Localização da Nabateia
(Jordânia), de Sanchi (Índia) e de
Pagan (Myanmar)
Roma
América do
Sul
Pireu
Kamiro
Cuzco
Figura 23 - Localização geográfica de algumas das ruínas citadas nesta
comunicação, onde são visíveis revestimentos hidráulicos
6. CONCLUSÃO
Nesta comunicação, pudemos ver, até que ponto, pela observação de materiais e técnicas
de construção ainda hoje usadas, em locais isolados, distantes dos pólos civilizacionais,
nos levam até ao que se passou na antiguidade.
Vários cientistas têm-se debruçado sobre a qualidade excepcional de algumas destas
argamassas hidráulicas, datadas de antes de Cristo, nomeadamente em comparação com
os cimentos Portland actuais. Encontraram uma explicação para esse nível qualitativo,
quando se aperceberam que as cinzas pozolânicas, como as massas micro-cristalinas
oriundas de Santorini, tinham na sua composição zeólitos1, os quais, do ponto de vista de
constituição química, são alumino-silicatos hidratados, de estrutura cristalina microporosa. A sua composição aberta, em folhas tetraédricas de átomos de silício e alumínio,
permite-lhes alojar catiões químicos, como os alcalinos e o ião de cálcio, para uma
activação (reacção) que conduz à dissolução da sílica e alumina e à formação de silicatos
hidratados de cálcio e alumínio, como numa estrutura de tipo polimérico. [7]
Resumindo, os Gregos obtiveram àquela data, um ligante equivalente aos geopolímeros de
hoje, com excelentes resistências físicas e químicas (imunes à reacção alcali-sílica e com
grande resistência aos ácidos).
Os Romanos foram beber claramente à engenharia e arquitectura etrusca e grega os
processos, métodos e materiais, que usariam na sua construção, na certeza de que as
modificações entretanto ocorridas, se deveram a diferentes exigências da sociedade
patrícia romana e à postura religiosa, que sendo herdeira da grega, deixaria de ser menos
contemplativa e filosófica para se tornar mais prática, implicando assim, modificações nos
projectos dos monumentos religiosas Romanos e a construção de novos edifícios públicos
de razoáveis dimensões.
De facto, os Romanos, apercebendo-se das elevadas resistências das argamassas
hidráulicas, com a introdução de pozolanas naturais ou artificiais, usaram-nas tendo em
conta um novo processo construtivo, abandonando o sistema de fundações grego para
utilizarem fundações rectangulares de maior dimensão, feitas com uma mistura de
cascalho e ligante hidráulico.
Na obra, os Romanos introduziram o arco com a consequente diminuição de elementos
verticais de suportes, as colunas.
Estes processos construtivos permitiram aos Romanos construir edifícios de outra
dimensão, com grandes espaços e vãos interiores (Panteão, Termas de Caracala e Coliseu
de Roma são bons exemplos), desenvolvendo também obras hidráulicas, nomeadamente
em portos, aquedutos, banhos públicos, esgotos, canais de irrigação, pavimentos e pontes,
que sobreviveram ao rodar dos tempos, chegando aos nossos dias. São testemunhos disso
os esgotos de Roma (Cloacas), em Itália, Medina Sidónia, na Andaluzia, em Espanha, e o
aqueduto de Pont-du Gard, no sul de França.
1
Os zeólitos são minerais com estrutura cristalina, formados em ambiente intersticiais
alcalinos, quando cinzas vulcânicas se activaram com água, dando origem a compostos de
alumino-silicatos hidratados de metais alcalinos (Na e K) e alcalino-terrosos (Ca e Mg).
Esquema 1 – Mapa de Roma antiga onde se vê o trajecto dos grandes esgotos da cidade
Cloaca Máxima (a vermelho) e Acqua Claudia (a azul)
REFERÊNCIAS
[1] Campbell James; Pryce Will, Historia Universal do Tijolo, Caleidoscópio
[2] Schmitz Leonhard; Dictionary of Greek and Roman Antiquities. London 1875.
[3] www.ancientlibrary.com Julho 2007
[4] Hellenic Cement Industry Association. http://www.hcia.gr/3a.html
[5] Gregory Timothy E.. Ohio State University. History, 306.
[6] http://nabataea.net/cement.html Julho 2007
[7] Teixeira Pinto, Novos Sistemas Ligantes obtidos por Activação Alcalina. Construção
Magazine