Diário de um Pai - por Henrique Raposo

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Diário de um Pai - por Henrique Raposo
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Diário de um Pai - por Henrique Raposo
In Expresso
Esta semana, a pátria teve um leve sobressalto quando viu a taxa de natalidade, mas o assunto
voltou rapidamente à colecção de não-assuntos. Eu compreendo: se começassem a falar de
apoios à natalidade, políticos, jornalistas e comentadores ainda perdiam, coitadinhos, as
credenciais progressistas. Como se sabe, esses assuntos são coisas de fachos e reaças, e há que
manter a feira das vaidades moderninhas e pós-moderninhas até ao fim. Mas, se não se importam,
eu gostava muito de deixar um post-it reaça no frigorífico progressista da pátria: se nada for feito
ao nível das políticas de família, Portugal vai atravessar um inverno demográfico que criará a
tempestade perfeita. A actual crise é um pequeno aguaceiro ao pé do “Sandy” demográfico que
estamos a cozinhar.
Eu não exijo capas esvoaçantes e um S no peitoral, mas acho que ser pai nesta terra já deve dar
para entrar na escolinha dos super-heróis. Até porque o tal Estado social não existe neste campo.
Já sou pai, e continuo sem ver o Estado social. Começo a achar que este ser omnipresente mas
invisível é um daqueles clubes selectos que exigem sangue azul ou coisa parecida. É que
encontrar uma creche financeiramente acessível é como encontrar um homem honesto no
Parlamento. As IPSS de bairro são, sem dúvida, a melhor solução, mas repare-se na perversão do
sistema: se tiver um rendimento mensal de 2250 euros, o casal já paga a mensalidade máxima,
cerca de 400 euros. É outra renda, que se junta à renda da casa e à renda das fraldas,
medicamentos, pediatra, brinquedos, leite de transição, frutinha, sopinha, roupinha e o cartão de
sócio do Benfica. Como se tudo isto não fosse suficiente, os mais velhos dizem-me que o sistema
fiscal não valoriza os filhos na declaração de rendimentos.
Eu não sei onde é que anda o Estado social, mas sei que o dito não está no sítio que deveria ser a
sua primeira prioridade: as crianças, a formação da família, a saúde demográfica da sociedade. Há
muito Estado e pouco social no tal Estado social. Num país esmagado por impostos e pela
despesa pública, é incompreensível esta ausência do Leviatã no mundo fofo das babás. Mas,
afinal, para onde é que vai o dinheiro dos nossos impostos? 0 Estado fica com metade da nossa
riqueza e, mesmo assim, é incapaz de apoiar como deve ser a rede de creches já instalada.
Repare-se que não é preciso colocar a Mota-Engil a fazer uma rede de creches estatais. Basta
apoiar e expandir as IPSS que já estão no terreno. A fim de diminuir as mensalidades dos pais,
estas instituições deviam receber mais dinheiro dos nossos impostos. Se não serve para apoiar as
crianças e as famílias, se não serve para garantir o futuro, o Estado social serve exactamente
para quê?