Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica Ano I n.1

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A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO
UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA
Marina Francói¹
Marcia Cristina Sampaio Mendes²
1. Introdução
O reconhecimento universal de que os
seres humanos merecem igual respeito, independentemente de suas diferenças biológicas
e culturais não é fruto do mundo moderno.
A noção de direitos humanos, sendo aqueles
inalienáveis e intrínsecos à pessoa e exigíveis
em todo lugar e tempo, acompanhou a evolução da humanidade nos seus vários estágios
até a hodierna civilização.
Direitos fundamentais, direitos do
homem, direitos naturais, direitos básicos,
garantias individuais dentre outros são algumas desinências as quais designam o assunto
em questão. Observa-se que qualquer definição a ser usada corresponderá, de uma forma
simplificada, a um mínimo ético relacionado
às necessidades fundamentais do homem
que são iguais a toda pessoa e devem ser respeitadas para que o homem não se reduza a
esse mínimo, perdendo a sua dignidade. Miguel Reale (1991, p.210) enunciou que o ser
humano é “o valor fundamental, um valorfonte” que está acima de todo o ordenamento
jurídico, um ser que vale por si só, um postulado que reflete em um princípio basilar, a
dignidade da pessoa humana.
2. Os Direitos Humanos
A idéia de direitos humanos esteve ligada a diversos momentos históricos em que
se buscava uma afirmação dessa dignidade.
Para alguns autores, esses direitos surgiram
de lutas e conquistas de cada povo, manifestando-se assim, em diferentes textos e declarações que eram o resultado de uma tentativa
de resgate de qualquer opressão, exploração
e preconceito. Enquanto para outros, os direitos humanos eram direitos naturais dos
homens, devendo ser entendidos como um
conjunto de normas eternas, universais e superiores ao direito positivo.
Dessa forma, o conceito dos direitos
humanos é adaptável conforme a concepção
político-ideológica da organização da vida
social. Posto isto, tem-se que desde a Antiguidade certos valores humanos eram protegidos por meio de leituras religiosas tanto
pelo humanismo oriental, por intermédio das
tradições hindus, chinesas e islâmicas, quanto pelo humanismo ocidental judaico-cristão
e greco-romano. (DORMELLES, 1997).
Segundo João Ricardo W. Dormelles
(1997, p.16) há três concepções filosóficas
que possibilitaram o desenvolvimento conceitual dos direitos humanos, quais sejam:
concepção idealista, concepção positivista e
concepção crítico-materialista.
A primeira concepção surge com a Escola do Direito Natural no século XVII, em
que os direitos humanos eram entendidos
como valores divinos, advindos de uma ordem supra-estatal. Portanto, os direitos humanos existiriam independentemente de um
reconhecimento do Estado, posto que eram
ideais.
A concepção positivista transfere os
direitos humanos para o campo do positivismo jurídico. A partir dessa concepção os
direitos humanos não eram tidos como um
produto ideal de uma força divina, pois para
garantir a sua existência e eficácia era preciso
que cada direito estivesse positivado em lei.
Por último, a terceira concepção se
passa durante o século XIX e traz em seu
bojo os ideais de Karl Marx, sendo uma con-
¹Bacharelada em Direito pelas Faculdades COC
²Profa. Orientadora- docente das Faculdades COC na área de Direito do Trabalho.
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cepção de perfil histórico que defende serem
os direitos humanos normas decorrentes de
lutas sociais travadas em prol de um mínimo
ético de convivência humana.
Note-se que os direitos humanos são
um conjunto de normas e valores que expressam a essência do ser humano sendo um sustentáculo do princípio da dignidade humana.
É nítido o caráter de não concorrência desses
direitos em relação a outros, o que garante
sua supremacia em detrimento ao Estado e
a sociedade.
No que tange, contudo, ao fundamento dos direitos humanos, Norberto Bobbio (1992, p.46) afirma que a busca por um
fundamento absoluto de tais direitos perdeu
o seu campo, vez que não se pode atribuir
esse fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. Todavia, algumas teses
atuais refutam esse pensamento no sentido
de que a justificativa principal dos direitos
humanos reside no princípio guia da dignidade da pessoa humana. Essa dignidade está
intimamente relacionada as condições materiais e espirituais que consintam com o desenvolvimento do homem.
Vieira de Andrade (1983, p.94-95) estabeleceu pela primeira vez uma correlação
entre os direitos humanos e o princípio da
dignidade da pessoa humana, quando declarou em sua tese que:
(...) direitos fundamentais têm de
ser os direitos básicos, essenciais,
principais, mesmo que fora do
catálogo ou da Constituição. E, o
elemento intencional do critério
proposto, a referência ao princípio
da dignidade humana, deve ser
enriquecido com esta nota, para
afastar direitos individuais que
não mereçam aquele significativo.
(ANDRADE, p.94-95)
Neste sentido, podemos concluir que
o fundamento dos direitos humanos repousa na luta por uma vida digna, uma batalha
histórica a qual resultou na evolução das três
gerações dos direitos fundamentais. Tais direitos visam garantir e preservar a dignidade
da pessoa humana, a qual resulta de condições que viabilizam o pleno desenvolvimento
do ser humano. Essa possibilidade de desenvolvimento pleno (material, espiritual e intelectual) se faz acerca da igualdade de oportunidade que é fruto da igualdade humana, um
fundamento absoluto.
2.2.As Gerações dos Direitos Humanos
A evolução dos direitos humanos é
tratada pela doutrina clássica de forma fracionada numa tríade conhecida como as três
gerações dos direitos humanos. Essa divisão
não indica que os direitos humanos são divisíveis e, por isso, foram implantados de maneira sucessiva e fragmentada; apenas nos
traz a idéia de que os direitos foram conquistados por povos diferentes em momentos
históricos diversos.
O reconhecimento dos valores humanos foi gradativamente positivado a partir
dos direitos de liberdades, dos direitos sociais e por último dos direitos dos povos.
Sendo assim, primeiramente tem-se
os direitos de primeira geração que são chamados de direitos civis e políticos, os quais se
consolidaram com as reinvidicações da classe
burguesa no século XVIII em torno do direito à liberdade, como o direito à liberdade de
pensamento, de locomoção, de propriedade,
de voto, de expressão etc. Esse movimento
teve início na Inglaterra com a Carta Magna
de 1215, em seguida com um documento chamado Bill of Rights em 1689. Posteriormente,
na América surge a Constituição da Filadélfia
em 1787 que viabilizou a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na
época da Revolução Francesa em 1789.
Karl Marx criticava os direitos da primeira geração, a qual dizia ter caráter retórico.
Neste diapasão, os direitos conquistados pela
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segunda geração são indispensáveis para o
gozo das liberdades obtidas por meio da primeira geração. A segunda geração possui seu
cerne no valor da igualdade que é produto de
várias lutas proletárias no século XIX, que
tinham como finalidade adquirir condições
essenciais para os trabalhadores, surgindo
dessa forma, os direitos sócio-econômicos e
culturais, tais como o direito ao trabalho, à
moradia, à saúde, à educação, ao lazer dentre
inúmeros direitos da classe trabalhadora.
Por se tratar justamente de direitos
proletários, que esses direitos foram proclamados pela primeira vez no Manifesto Comunista em 1848, fortalecendo-se na Constituição Francesa de 1864 e, ganhando status
de direitos e garantias fundamentais do indivíduo na Constituição Mexicana de 1917³ e
também na Constituição de Weimar em 1919
na Alemanha.
Já os direitos humanos da terceira
geração, alcunhados também de direitos dos
povos, que têm como valor a solidariedade,
advêm de lutas e protestos sociais do século
XX, principalmente a partir da situação catastrófica deixada pelas duas grandes guerras
(COMPARATO, 2003). Os direitos avocados
nessa geração são direitos transindividuais,
como por exemplo, o direito ao patrimônio
genético intocável, o direito ao meio ambiente sadio, o direito à autonomia dos povos, o
direito ao desenvolvimento, o direito à paz
enfim, direitos transnacionais que trazem
uma noção ampliada e indivisível dos direitos humanos. Constam tais direitos em
diversos tratados de direitos humanos, em
cartas constitucionais como a Carta Africana
dos direitos humanos e dos povos (1981), em
convenções como a Convenção sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), bem como na
Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (1992) e na
Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (1997).
Paulo Bonavides (2006, p.525) defen-
de a existência de uma quarta geração dos direitos humanos, que está ligada aos direitos
surgidos com a globalização, como o direito
à informação, à democracia e ao pluralismo.
Destarte, acreditamos que essas categorias
enunciadas pelo renomado constitucionalista brasileiro se enquadram na terceira geração, posto que os direitos dos povos têm
como eixo o valor solidariedade que abarca
uma dimensão transindividual e planetária.
Pode-se dizer que a concepção que
traduz os direitos humanos como indivisíveis
e universais tem sua origem na modernidade,
quando partimos do pressuposto Renascentista de que o homem e seus direitos individuais estão no centro do universo; Portanto,
segundo Flávia Piovesan (2007, p.135) “uma
geração de direitos não substitui a outra”,
ademais a idéia de tais direitos serem universais não esbarra nas “particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais
e religiosas”, pois os direitos humanos devem ser considerados globalmente exigíveis,
cabendo a cada Estado aplicá-los de forma
“justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase”.
2.3. A Normatização Hodierna
Como leciona Norberto Bobbio (1992,
p.24), “o problema fundamental em relação
aos direitos do homem, hoje, não é tanto o
de justificá-los, mas o de protegê-los”. O Direito Internacional dos Direitos Humanos se
consolidou no século XX, a partir da Segunda
Guerra Mundial como um movimento capaz
de responder a todas as atrocidades causadas pelas duas grandes guerras. Segundo
Flávia Piovesan (2007, p.117), “se a Segunda
Guerra significou a ruptura com os direitos
humanos, o pós-guerra deveria significar sua
reconstrução”.
A certeza de que era necessária uma
delimitação da soberania estatal por meio
de uma sistematização normativa interna-
³ Segundo Fábio Konder Comparato, a Constituição Mexicana de 1917 foi “a primeira a atribuir aos direitos
trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos
políticos”. A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 174.
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cional, a qual garantisse eficácia e proteção
aos direitos humanos, impulsionou numa
preocupação em positivar todos os direitos
humanos surgidos durante a história.
Assim, os direitos humanos contemporâneos possuem como base normativa
internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1948, a qual deu início, juntamente com a
Organização das Nações Unidas, a um desencadeamento de elaborações de leis globais
capazes de proporcionar validade e solidez à
todas as gerações dos direitos humanos antes
vistos apenas em lutas sociais.
Observa-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos uma expansão aos
direitos sociais, alguns salientamos: o direito
à seguridade social e à saúde5 (arts. XXII e
XXV); o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego (art. XXIII, “1”); os direitos
mínimos dos trabalhadores (arts. XXIII, “2”
e “3”, e XXIV); o direito à educação gratuita
(art. XXVI) entre outros. Fortificou-se também com a Declaração Universal a indivisibilidade dos direitos do homem, ao passo que
se convergiram os direitos civis e políticos
com os direitos econômicos, sociais e culturais, refutando o legado nazista de que cabia
à determinada raça uma titularidade de direitos.
Dessa forma, começa-se a perceber
que o fundamento dos direitos humanos –
a dignidade humana – passou a ser o ponto de partida na criação das legislações no
pós-guerra, uma vez que “a sobrevivência da
humanidade exigia a colaboração de todos os
povos, na reorganização das relações internacionais com base no respeito incondicional à
dignidade humana” (COMPARATO, p.210).
Dentre os mais relevantes documentos jurídicos-políticos promulgados no âmbito da ONU em 1966 e ratificados pelo Brasil
em 1991, podemos mencionar o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Enquanto o primeiro
abordava questões relacionadas à liberdade
das pessoas como um direito protegido contra os abusos do poder estatal; o segundo
pacto preconizava os direitos de igualdade
àqueles grupos sociais menos favorecidos
que sofriam com a segregação econômica
imposta por uma minoria dominadora.
Ainda na seara da internacionalização
dos direitos humanos, tem-se pela primeira
vez a cautela em criar tratados e declarações
que protegiam os direitos de terceira geração, como o direito ao meio ambiente salubre do trabalho, à paz, à biodiversidade, ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado,
à independência, ao desenvolvimento e autonomia dos povos etc.
2.4. A Constituição Brasileira de 1988
Com vistas ao direito interno, foi por
meio do processo de democratização no Brasil que houve a possibilidade de se elaborar
uma nova Carta Constitucional, a qual foi
promulgada em outubro de 1988 e levou o
nome de Constituição-cidadã. A partir do advento desta os direitos humanos ganharam
status constitucional, expandindo assim,
o rol de direitos e garantias fundamentais,
tendo como alicerce do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana
(WEIS, 2006).
Diante do que estabelece o art. 5º, §2º
da Constituição Federal de 88, “os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, José Afonso da
Silva (2007, p.178) alega que em nosso ordenamento jurídico os direitos fundamentais
possuem três fontes: a Constituição Federal;
princípios e regimes legitimados por esta;
bem como os tratados e convenções inter-
Art. XXV: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e à sua família, saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (...)”.
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nacionais que são adotados pelo Brasil. A
celeuma neste caso se instaurava sobre a incorporação no sistema jurídico brasileiro dos
tratados e convenções internacionais de direitos humanos, que teve uma solução com o
advento da Emenda Constitucional 45/2004
que acrescentou o §3º ao art. 5º da Magna
Carta. Posto isto, a recepção deste parágrafo garantiu status de norma constitucional
formal a todos os tratados e convenções internacionais de direitos humanos que forem
ratificados segundo o procedimento legal
inserto no art. 60 da Constituição, o qual é
destinado para as aprovações das emendas
constitucionais pelo Congresso.
Neste sentido, José Afonso da Silva
(2007, p.179) declara que aquelas normas
infraconstitucionais que violarem as normas
internacionais incorporadas pela Constituição na forma do §3º, serão inconstitucionais
e sujeitas ao controle de constitucionalidade.
Por meio de uma interpretação sistemática da Constituição de 88, conclui-se
que há uma rede normativa de interdependência entre os direitos de primeira, segunda e terceira geração, não podendo afirmar
que existe uma hierarquia entre as mesmas,
ou que há uma primazia entre os direitos à
vida, à saúde e ao meio ambiente. Cançado
Trindade (1993, p.191-192) critica a teoria
geracional dos direitos humanos ao passo
que sustenta que essas três gerações não se
sucedem ou se substituem; Para arrematar,
as lições do magistrado José Antônio Ribeiro
de Oliveira Silva, que em sua obra “A saúde
do trabalhador como um direito humano –
conteúdo essencial da dignidade humana”,
aduz que:
O fim último de se proteger a saúde do trabalhador é o de preservar
sua integridade física e moral, vale
dizer, sua própria vida. Para tanto,
a prevenção do meio ambiente do
trabalho, local em que aquele passa grande parte de sua vida, tornase condição sine qua non para o
sucesso da referida tutela. (SILVA,
2007, p.59 )
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3. O Direito à Saúde do Trabalhador como
um Direito Fundamental
O direito à saúde é um direito natural quando analisado sob o prisma de ser um
direito inalienável, imprescindível e inato ao
homem. Não podia ser tratado de maneira
diferente o direito à saúde do trabalhador,
um direito fundamental que está intimamente relacionado a uma vida digna e, na esfera
trabalhista a uma boa prestação laboral ao
empregador.
Esse direito contém um valor essencial para o ordenamento jurídico, vez que
sem ele a dignidade da pessoa humana ficaria comprometida. Nesse sentido, observase que o direito à saúde, e de igual modo o
direito à saúde do trabalhador têm natureza
jurídica de direito humano, estando ele positivado ou não, é um direito que deve ser
respeito e cumprido, afinal se refere ao pleno
bem estar físico e psíquico do ser humano.
O Estado, por sua vez, deve proporcionar a
sua população serviços públicos de saúde
que ofereçam condições favoráveis tanto de
prevenção quanto de tratamento de doenças.
É direito de qualquer cidadão brasileiro exigir prestações positivas ao Estado, posto que
nosso sistema jurídico é dotado de diversas
normas de ordem pública e documentos internacionais que aclamam o direito à saúde.
A própria Organização Internacional
do Trabalho (1919) exerceu significativas
contribuições aos seus Estados signatários
no que toca à criação de recomendações e
convenções relativas ao direito à saúde do
trabalhador. Há em seus textos uma idéia
de interdependência entre o direito à vida, o
direito à saúde e o direito ao meio ambiente
sadio. Embora no Brasil a doutrina trabalhista seja considerada uma ciência jurídica
autônoma, é fundamental que haja um tratamento sistematizado dessa matéria, inviabilizando assim, uma dissolução entre o Direito do Trabalho, o Direito Constitucional e os
Direitos Humanos.
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3.1. Conceito de saúde – clássico e moderno
O conceito de saúde por muito tempo
foi tido como um conceito negativo em que se
levava em consideração apenas a inexistência
de doenças. Ainda nos dias atuais, observa-se
que esse conceito clássico exerce influência
no pensamento das pessoas, bem como na
prática médica, visto que a preocupação em
relação à saúde não é maior em prevenção,
mas na cura de doenças (OLIVEIRA SILVA,
2008).
O artigo 196 da Constituição Federal
de 1988 enuncia que:
A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantindo mediante
políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A leitura desse dispositivo nos mostra
que a Carta Magna adotou uma concepção de
saúde que não é simplesmente curativa, ou
seja, aquela que tem como escopo restabelecer um estado saudável após a enfermidade,
mas também como sendo uma prestação social que se volta aos aspectos da prevenção
em especial (SILVA, 2007).
Percebe-se então, que não há dúvidas
de que o moderno conceito de saúde compreende tanto a definição negativa quanto
a positiva e que o direito à saúde engloba o
bem-estar físico e funcional, sendo indispensável um meio ambiente social que ofereça
boa qualidade de vida.
3.2. Direito à saúde e à vida
É remota a preocupação com a saúde
pública. Os romanos, após terem assumido
o legado da cultura grega, deixaram importantes contribuições como a construção de
sistemas de esgotos e de banhos, suprimentos de água e outras instalações sanitárias,
tornando-se conhecidos na História como
engenheiros. Ademais, não se encontra estudos referentes à saúde do trabalhador antes
do período romano, em que foi estabelecida
pela primeira vez uma relação entre as doenças e o trabalho (ROSEN, 1994).
Diga-se de passagem, o desenvolvimento do sistema capitalista de produção
trouxe um significativo avanço tecnológico
e científico incontestável para a história. Todavia, paralelamente a todo esse progresso
nascia outra história, que segundo João L.
G. Medeiros (apud OLIVEIRA SILVA, 2008)
era tida como epidemia da pobreza. O aumento da jornada de trabalho, a exigência da
força de trabalho de mulheres e crianças nas
indústrias, o êxodo rural, a degradação do
ambiente urbano foram alguns dos desastres
que contradiziam o novo sistema (OLIVEIRA
SILVA, 2008).
A época da Miséria Operária no século XIX relacionava o direito à saúde do trabalhador como uma luta pela sobrevivência,
viver era para aquele tempo um não morrer.
Pode-se falar que eram dois os objetivos facilmente encontrados pelas lutas operárias
nessa “pré-história da saúde dos trabalhadores”: o direito à vida (ou a sobrevivência) e
a liberdade de organização. “Salvar o corpo
dos acidentes, prevenir as doenças profissionais e as intoxicações por produtos industriais, assegurar aos trabalhadores cuidados
e tratamentos convenientes” era o guia das
reinvidicações dos trabalhadores pela frente
à saúde. Nesse sentido, a palavra que norteou todo o século XIX é a redução da jornada de trabalho. Surge pois, no fim desse
século, algumas leis sociais que colocavam a
saúde em um plano mais acessível, como a
lei sobre a higiene e a segurança dos trabalhadores da indústria (1893) e a lei sobre acidentes de trabalho e sua indenização (1898).
Insta salientar que a aplicação dos benefícios
alcançados pelo movimento operário não foi
capaz de abranger todas as esferas trabalhistas, visto que a evolução dessa relação saúdetrabalho era mais rápida nos pólos onde os
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trabalhadores eram mais numerosos (grandes empresas) e o trabalho possuía valor econômico estratégico (DEJOURS, 1992).
Com efeito, no período das duas
Grandes Guerras Mundiais intensificou-se o
saldo qualitativo na produção industrial; os
esforços de produção para poder atender as
demandas necessárias da guerra, as experiências infrutíferas de redução da duração da
jornada de trabalho, além da falta de mãode-obra pelos altos números de mortos e feridos decorrentes das guerras contribuíram
para uma reviravolta na relação homem-trabalho. Cresciam-se assim, novas reinvidicações operárias na busca de melhorias dessa
condição. Nesse diapasão, as iniciativas de
proteção daqueles trabalhadores feridos e da
mão-de-obra desfalcada obtiveram avanço
em torno da jornada de trabalho, da medicina do trabalho e da indenização das doenças
adquiridas nesse âmbito (DEJOURS, 1992).
Por meio da criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 1919,
houve um marco em relação à consagração
do direito trabalhista no plano universal, inclusive no tocante à saúde do trabalhador.
Essa etapa de internacionalização da tutela
aos direitos trabalhistas buscava uma maior
eficácia na proteção dos mesmos. Outras
batalhas foram vencidas como a redução da
jornada de trabalho para 8 horas diárias feita
por Albert Thomas em 1916, a institucionalização da medicina do trabalho e da Previdência Social, entre outras. (DEJOURS, 1992)
Cristophe Dejours (1992) sustenta
ainda que durante o período de 1914 a 1968
houve um significativo progresso advindo
das lutas trabalhistas em relação às condições de trabalho, viabilizando assim que a
luta pela sobrevivência cedesse lugar à luta
pela saúde do corpo. A palavra de ordem então era melhoria das condições de trabalho,
pela segurança, pela higiene e pela prevenção
de doenças.
Segundo o autor, após 1968 reconhece-se que a organização do modo trabalhista
(a divisão do trabalho, o sistema hierárquico,
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as modalidades de comando, as relações de
poder etc) resultou em outra lesão à saúde do
trabalhador, qual seja, o sofrimento mental.
Inicia-se assim, uma nova frente de luta operária – a saúde mental – que devido ao seu
grau de complexidade é até hoje posta em
discussão.
Destarte, é sob essa perspectiva histórica que o direito à saúde no trabalho ganhou
força atualmente. De acordo com a premissa
de que a saúde é o mais completo bem-estar
físico, mental e social que o Estado deve proporcionar às pessoas, chegamos à conclusão
de que o ser humano tem como direito humano fundamental o gozo no grau máximo
da saúde adquirida tanto pelas prestações
positivas do Estado e de terceiros quanto
pelas abstenções de certas práticas lesivas a
mesma.
Converge com a saúde do trabalhador
também seu direito à vida, o que torna clara a
interdependência entre os direitos humanos
liberais e sociais, vez que o trabalhador não
terá uma vida digna se sua saúde estiver debilitada, não havendo sentido em proteger os
direitos materiais dos trabalhadores caso estes não tenham saúde para continuar a prestar serviços (OLIVEIRA SILVA, 2008).
O direito à vida digna sedia todos os
demais direitos fundamentais à pessoa humana. José Afonso da Silva leciona que o direito à vida
é um fator preponderante, que há
de estar acima de quaisquer outras
considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito
ao direito de propriedade, como
as da iniciativa privada. Também
estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência,
não podem primar sobre o direito
fundamental à vida, que está em
jogo quando se discute a tutela da
qualidade do meio ambiente. É que
a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de
que, através dela, o que se protege é
um valor maior: a qualidade de vida
(SILVA 2004, p. 70).
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Portanto, também nesta ótica aduz
José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva
(2008) que o Estado Democrático de Direito
em que se constitui a República Federativa
do Brasil tem como um de seus fundamentos
a dignidade da pessoa humana (art.1º, III),
sendo inviolável o direito à vida (art.5º, caput), encontrando-se dentre os direitos e garantias fundamentais o direito social à saúde
(art.6º).
3.4. Natureza jurídica do art. 7º, XXII
da Constituição Federal de 1988
Promover o bem de todos (art. 3º, IV,
CF) é um dos objetivos traçados pela Constituição pátria de 1988 que garante em seu art.
6º, dentro do Título dos direitos e garantias
fundamentais e no art. 196 do Título da ordem social, o direito à saúde a todos.
Para definir a natureza jurídica de
uma norma é preciso delimitar seu conteúdo. Quando a saúde é vista como um direito,
esta deve ser entendida sob um ângulo universal, posto que sua importância é essencial
ao homem. Segundo esse entendimento, temos que alguns direitos como o de liberdade, igualdade, propriedade dentre outros
perdem seu relevante papel caso o direito à
saúde não seja respeitado. Cabe observar,
portanto, a complementaridade dos direitos
fundamentais do ser humano. É, portanto,
diante do prisma de direito humano que o
direito à saúde tem sua natureza jurídica definida.
Cumpre notar que as Constituições
anteriores não positivaram o direito à saúde
como um direito fundamental. Foi apenas
com a criação da Constituição Federal de
1988 que se inovou o ordenamento jurídico
brasileiro por meio dos direitos e garantias
fundamentais do homem, tratando a partir
dessa ótica o direito à saúde como um direito
humano fundamental. Assim também é interpretado o direito à saúde do trabalhador
no ambiente laboral.
No Direito do Trabalho a dimensão
da proteção jurídica à saúde do trabalhador
cresceu devido a sua maior importância dada
pela Carta Magna de 1988. Percebeu-se que
a qualidade de vida do trabalhador está intimamente lincada à sua integridade física e
bem-estar, ressaltando com veemência Sebastião Geraldo de Oliveira que é impossível
ter qualidade de vida sem ter qualidade de
trabalho, pois o homem passa grande parte
da sua vida no ambiente laboral. Nesse sentido, o constitucionalista José Afonso da Silva
leciona que:
é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida
humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do
homem. E há de informa-se pelo
princípio de que o direito igual à
vida de todos os seres humanos
significa também que, nos casos
de doença, cada um tem o direito a
um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência
médica, independentemente de
sua situação econômica, sob pena
de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais
(SILVA, 2006, p.308)
3.5. O princípio da prevenção no meio
ambiente do trabalho
O direito ao trabalho é disciplinado
pela Carta Magna de 1988 como um alicerce
da ordem econômica, sendo fonte de dignidade e meio que possibilita o alcance do bemestar e da justiça sociais (ROSSIT, 2001).
Vale observar que o trabalho é uma
condição imprescindível para que haja dignidade efetiva da pessoa humana, pode-se
pois afirmar que a boa condição social do
trabalhador está intimamente relacionada à
existência de condições dignas de trabalho.
Verifica-se então um liame entre o trabalho
e a saúde, estabelecendo a necessidade de
proteger o meio ambiente do trabalho para
se obter uma melhor qualidade de vida e, por
conseqüência, preservar a saúde do trabalhador.
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Augusto Cançado Trindade (1993)
sustenta que apenas em 1970 a internacionalização da luta por uma proteção ao meio
ambiente equilibrado ganhou seu espaço
por meio do advento da Declaração de Estocolmo sobre o Meio-Ambiente Humano de
1972, havendo uma evolução paralela com
a proteção dos direitos humanos. No Brasil
em 1981 foi promulgada a Lei n. 6.938 que
instituiu no país a Política Nacional do Meio
Ambiente, a qual tinha como objetivo principal preservar a qualidade do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, sem desfavorecer o desenvolvimento econômico e social. A
referida lei encontra-se em harmonia com a
atual Constituição Federal que trata em seu
art. 225, sobre a tutela de todos os aspectos
do meio ambiente, seja este natural, artificial, cultural ou do trabalho.
José Afonso da Silva (2008) aduz que
o ambiente do trabalho é um complexo de
bens imóveis e móveis de uma empresa ou de
uma sociedade, objeto de direitos subjetivos
privados e de direitos invioláveis da saúde e
da integridade física dos trabalhadores que
o frequentam. Prossegue o jurista afirmando que embora o meio ambiente do trabalho
esteja inserido no meio ambiente artificial,
aquele é digno de tratamento especial, pois
se refere ao local o qual o trabalhador passa
boa parte da sua vida, sendo que a qualidade de vida do mesmo depende, portanto, da
qualidade do ambiente onde labora.
Neste diapasão, o dever jurídico de
evitar a consumação de danos no meio ambiente do trabalho encontra-se em normatizações internacionais e legislações nacionais,
inclusive na Carta Política vigente, como
anteriormente explanado. Esses arcabouços
jurídicos têm como denominador comum
a necessidade de prever, prevenir e evitar
transformações prejudiciais à saúde humana
e ao meio ambiente. Surge assim, o princípio
da prevenção que significa agir antecipadamente, de maneira que para se ter ação é preciso que haja um conhecimento formado, ou
seja, um estudo daquilo que irá se prevenir.
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Sem informação organizada e sem pesquisa
não há prevenção (MACHADO, 2004).
Raimundo Simão de Melo (2004)
aponta o princípio da prevenção como um
princípio-mãe da ciência ambiental, o qual
está consagrado no art. 225 da Constituição
Federal, bem como encontra seu fundamento no princípio n.15 da Declaração do Rio de
Janeiro de 1992, sobre meio ambiente e desenvolvimento. Por fim, declara que referido
princípio “deve ser o norte para a apreciação
das liminares e tutelas antecipadas nas ações
que visem à tutela do meio ambiente do trabalho e a preservação da saúde dos trabalhadores, considerando-se mera probabilidade
de dano” (MELO, 2004).
A crescente preocupação com o ambiente do trabalho culminou numa ampliação do campo da tutela à saúde do trabalhador; não basta que o ambiente de trabalho
seja apenas salubre, uma vez que deve propiciar ao trabalhador tanto saúde física como
mental. Portanto, dada a importância do trabalhador estar inserido num âmbito laboral
que lhe garanta uma boa qualidade de vida,
pode-se utilizar como inspiração a denominação meio ambiente ecologicamente equilibrado para criar um novo termo chamado
meio ambiente do trabalho socialmente equilibrado, o qual exprime o verdadeiro intuito
de toda essa prevenção.
3.6. As normas pertinentes ao meio
ambiente do trabalho
A classificação da saúde dada pela
Lei Magna de 1988 como um direito social,
possibilitou que o empregador recebesse a
incumbência de diminuir a incidência de
condições e fatores danosos à saúde; ademais, garantiu a redução dos riscos inerentes
ao trabalho por meio de normas de saúde,
higiene e segurança, dentre outros direitos
que foram elaborados com o escopo de proteger todos aqueles que trabalham (ROSSIT,
2001). No que tange ao direito ao meio ambiente equilibrado tem-se como classificação
| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |
um direito difuso, sendo um bem comum
do povo e, portanto, indivisível e essencial
à qualidade de vida (MACHADO, 2004).
Trata-se também de um direito social que
exige prestações positivas por parte do Estado, assim como pela sociedade, sendo ambos
os responsáveis pela prevenção e defesa do
meio ambiente. Pode-se verificar um vínculo
do direito à saúde com o direito ao meio ambiente saudável, uma vez que sem a existência deste, o direito à vida estaria inviabilizado
em seu exercício e gozo pleno.
No tocante ao meio ambiente este é
dividido em: meio ambiente natural; meio
ambiente cultural; meio ambiente artificial
e meio ambiente do trabalho. O primeiro é
constituído por meio de recursos naturais,
como a água, o ar, o solo, a fauna e a flora.
Em contrapartida, o meio ambiente artificial
é o espaço físico transformado pela ação do
homem de forma contínua, tendo em mira
a vida em sociedade. Subdivide-se em meio
ambiente urbano, periférico e rural. Já o
meio ambiente cultural constitui-se por bens,
valores e tradições que fazem parte da identidade e formação de uma sociedade. Por fim,
o meio ambiente do trabalho – objeto desse estudo – entende-se como o local onde é
desenvolvida a prestação de serviço, ou seja,
onde o homem obtém os meios para prover
a sua subsistência, podendo ser o estabelecimento empresarial, o ambiente urbano, no
caso dos que executam atividades externas
e até mesmo o domicílio do trabalhador, no
caso de empregado a domicílio.
Em relação ao meio ambiente do trabalho tem-se como bem jurídico tutelado a
saúde e a segurança do trabalhador. Nesse
sentido, observa-se que o direito ao meio
ambiente do trabalho equilibrado significa
um direito ao exercício de atividades laborais
em condições dignas, sem insalubridade ou
periculosidade, isto é, com qualidade de vida.
Portanto, quando se fala em direito à saúde a
Carta Magna remete ao Título VIII, que dispõe sobre a Ordem Social, capítulo II, seção
II, estabelecendo que se trata de um direito
de todos, isto é, difusamente encontrado na
sociedade. Da mesma forma também é tratado no título da Ordem Social, no capítulo
VI, o direito ao meio ambiente equilibrado.
Sendo assim, vê-se que a Constituição Federal pátria incorporou, em todos os aspectos,
a tendência moderna de assegurar o direito
de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (art. 225), incumbindo ao Poder
Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo, inclusive no que tange ao ambiente do
trabalho, manifestamente expresso em seu
art. 200, VIII.
No âmbito infraconstitucional tem-se
a Lei n. 6.938/81 (LPNMA) que juntamente
com outros dispositivos legais como a CLT
e a Portaria n. 3.214/1997 do MTE, formam
o controle jurídico de proteção ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador
(MELO, 2009). A Organização Internacional
do Trabalho criou também uma significativa
normatização sobre segurança e saúde do
trabalhador em suas convenções de n. 148,
155 e 161 que foram aprovadas e ratificadas
pelo Brasil. De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira (2002) tais convenções são
consideradas por ele como as de mais importância nesta seara, pelo fato de se aplicarem
a uma generalidade dos trabalhadores. Outra
relevante convenção é a de n. 187 de 2006,
que embora não tenha entrado ainda em vigor traz consigo uma vasta proteção a saúde
do trabalhador.
Sobre a Convenção n. 148 da OIT
tem-se como foco o meio ambiente do trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações)
e responsabiliza o Estado na elaboração da
legislação nacional sobre medidas de prevenção, os empregadores pela aplicação das
medidas definidas e os empregados pela observância das normas, apresentação de propostas, recebimento de informações, e orientação. Quanto à Convenção n. 155 o tema
abordado é segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente, estabelecendo a competência do Estado na elaboração e execução
de políticas nacionais de saúde, segurança e
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |
meio ambiente do trabalho, instituindo um
sistema de inspeção, para controle e aplicação da legislação, com reexame periódico das
leis e políticas adotadas; aos empregados foi
assegurado o direito de deixar o local de trabalho, sem aplicação de sanção, sempre que
houver motivo razoável que traga perigo grave para a vida ou saúde; e aos empregadores,
estes devem zelar pela eliminação de riscos
e fornecer vestimentas e equipamentos de
proteção, além de prover os estabelecimentos de meios para situações de urgência e acidentes. Por último, a Convenção n. 161 trata
de serviços de saúde do trabalho que designa
um serviço investido de funções essencialmente preventivas, destinado a aconselhar o
empregador, o empregado e seus representantes sobre requisitos que são necessários
à manutenção de um ambiente de trabalho
seguro e salubre; ademais, determina que os
trabalhadores devem ser informados dos riscos para a saúde inerente ao seu trabalho.
4. Considerações Finais
Embora haja um sistema jurídico dotado de avançadas normas de proteção ao
meio ambiente e a saúde do trabalhador, o
Brasil necessita de uma transformação na
mentalidade política e nos próprios valores
de sua sociedade para que se tenha eficiência
na prevenção e eliminação dos riscos à saúde
do trabalhador. É imprescindível que se assuma uma conscientização por um compromisso de adaptação do trabalho ao homem,
fazendo com que este não seja objeto daquele.
Enquanto a prevenção não atingir os
almejados fins, será preciso utilizar-se do instituto da responsabilização com o objetivo de
compensar as vítimas acidentárias pelos danos sofridos, servindo também como medida
punitiva, preventiva e pedagógica (MELO,
2009). Não se pode afirmar ainda que o reconhecimento dos direitos seja um progresso,
pois para sua existência efetiva é necessário
que a sociedade consinta e respeite as normas já conquistadas. Daí a necessidade de se
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
aprofundar a temática para melhor conhecer
e analisar elementos concretos que evidenciem a(s) forma(s) como estes direitos são
socialmente percebidos e efetivados.
| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |
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AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE
AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO
PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Ana Carolina Marconato¹
Fabiana Cristina Severi²
1. Introdução
As vivências das guerras mundiais
no século XX levaram os países ocidentais a
estabelecer uma nova ordem jurídica, em que
o foco era a universalização dos direitos fundamentais e a efetivação em todo o mundo
do ideal Iluminista da igualdade. De lá para
cá, acentuam-se os debates em torno, por
exemplo, da garantia de direitos especiais às
minorias e grupos sociais em situação de vulnerabilidade.
Ao mesmo tempo e paradoxalmente, também pode se verificar no século XX e
início do XXI o fortalecimento das discussões
a respeito da fundamentação de modelos jurídicos que permitam tratamentos diferenciados a determinados grupos e categorias
sociais não para minimizar as razões ligadas
à sua possível condição de vulnerabilidade
ou carência. Pelo contrário, o debate instalase na tentativa de privá-los de direitos e garantias mínimas em relação ao “cidadão de
bem”. O Ocidente passou a conviver com o
crescimento de, por exemplo, políticas criminais com fortes traços autoritários, persecutórios e totalitários, ao atuar de forma menos
garantista sob grupos considerados “inimigos do Estado” (ZAFFARONI, 2007).
As perspectivas teóricas ligadas à
idéia do Direito Penal do Inimigo, defendidas
no último século principalmente por Jakobs
(JAKOBS; MELIÁ, 2008) enquadram-se em
tal cenário. Buscam, contraditoriamente, encontrar legitimidade dentro de uma mesma
racionalidade que afirma o ideal de universalização da igualdade e de universalização
¹Bacharelada em Direito pelas Faculdades COC
²Profª. Dra. do curso de Direito das Faculdades COC.
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
da categoria genérica “sujeito de direito”,
constituído pela sua diferenciação. A perspectiva defendida por Jakobs ganhou força,
especialmente com os acontecimentos de 11
de setembro de 2001 nos Estados Unidos, em
razão das medidas adotadas contra os nomeados terroristas, os novos inimigos do Estado. No contexto da América Latina, o uso
cada vez mais acentuado dos mecanismos
do sistema penal cautelar revela-se uma das
formas mais importantes de manifestação do
Direito Penal do Inimigo e de atuação de exceção do Estado, mesmo nos marcos formais
de um Estado Democrático.
Nesse contexto, o presente texto
tem como objetivo analisar o perfil social da
população carcerária do Estado de São Paulo, com apoio no censo penitenciário do ano
2008, à luz das discussões formuladas por
Agambem (2002; 2004) e Zaffaroni (2007)
sobre as características do inimigo e de Estado de Exceção no Direito Penal brasileiro.
Por meio de tal análise, pretende-se identificar os espaços dentro dos territórios dos atuais Estados em que o direito e as garantias
fundamentais aparecem suspenso em razão
da configuração atual do poder punitivo do
Estado. Em outros termos, busca-se ilustrar
a forma atual como o poder punitivo do estado brasileiro tem atuado recentemente como
permanência da exceção. E isso de forma
mascarada por toda uma estrutura teórica
fundada fantasiosamente no “Estado Democrático de Direito”. Este último contém em
seu território campos demarcados em que o
direito e a condição política do sujeito suspendem-se. É o espaço de permanência do horror.
2. O Direito Penal brasileiro como paradigma de um direito penal de exceção
A maior parte dos Estados contemporâneos declararam, especialmente após o fim
dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, o
Estado Democrático de Direito como modelo de fato em suas constituições políticas. O
caminho, a partir daí, foi a criação e formalização legal de uma enormidade de direitos
que deveriam ser considerados por todos os
países democráticos como sendo fundamentais e universais.
Todavia, ficou claro para muitos teóricos (AGAMBEM, 2004), particularmente
após os ataques nos EUA em 11 de setembro
que, desde o surgimento dos Estados nazistas e fascistas que claramente promulgaram
normas consideradas de caráter excepcional
porque feriam frontalmente direitos universais, a exceção em termos de criminalização
seletiva tem sido a regra.
Nota-se que, apesar do horror que
traz a discussão sobre os campos de concentração do regime nazista, convive-se hoje
com a existência da prisão de Guantánamo,
mantida pelos Estados Unidos, país que se
consagra democrático, ou mesmo no Brasil, pode-se observar, como afirma Carvalho
(2007), tal sentido das leis, eis que policiais
chegam nas grandes favelas atirando contra as pessoas, sendo que nestes locais não
existem inocentes, pelo simples fato de suas
existências, mostrando que a vida humana é
descartável e que os princípios existentes nas
Constituições de nada servem atualmente.
Assim, convive-se hoje com a possibilidade
da “barbárie civilizada”, com um terrorismo
de Estado que não respeita as normas postas. Por meio de argumentos favoráveis à
manutenção da ordem pública e contenção
da criminalidade, quaisquer medidas podem
ser tomadas, deixando as pessoas sem proteção, em especial os que pertencem às classes
marginalizadas.
Nessa situação, pode-se observar que
as garantias trazidas pelo Direito Penal não
são efetivamente aplicadas, contrariando o
Estado democrático de Direito, que se encontra em crise devido aos efeitos negativos da
globalização econômica, afetando de forma
direta os direitos fundamentais. Os níveis de
poder social e econômico dos atores do cenário econômico são absurdos, controlando o
poder Estatal, deixando sem proteção os que
necessitam de ajuda (SARLET, 2005).
Agamben (2004) mostra as características dessa forma de política, que vem
cada vez mais sendo encontrada em Estados
que se intitulam de Direito, tornando-se um
problema mundial. Ele sugere que o estado
de exceção não mais deve ser compreendido
como uma situação extraordinária evocada
num momento de emergência, e sim, cada
vez mais, como uma técnica de governo que,
por ser aplicada normalmente à administração da vida, se elevara ao patamar de paradigma de governo nos atuais regimes democráticos.
Segundo Agamben (2004) o Estado
de exceção que existe dentro dos Estados
democráticos de direito são formas de ditaduras constitucionais. Existe uma normatização, um direito legitimamente posto, mas
que, em determinado caso e em certa situação, será suspenso, como se não existisse, e
quem está no poder é que vai tomar essa decisão. Conforme o autor, a exceção seria uma
espécie de exclusão; um caso singular, que é
excluído da norma geral.
Assim, não se pode falar, baseados nas perspectivas de Jakobs (JAKOBS;
MELIÀ, 2008), de um modelo de Estado de
exceção destinado a certos indivíduos considerados perigosos, mas sim em uma exceção
permanente dentro de um Estado democrático de direito, que não conseguiu nem mesmo
efetivar suas garantias. Há uma situação de
abandono e descaso com os direitos fundamentais, em que a violência sempre foi colo-
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| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULOA |
cada pelas agências do sistema penal como
a melhor solução para os conflitos sociais,
exterminando os excluídos.
Agamben (2004, p.11) afirma que a
situação excepcional é cada vez mais utilizada nos governos atuais e que “a implicação
da vida nua na esfera política constitui o vínculo originário – ainda que encoberto – do
poder do soberano”.
Em Roma o homo sacer (homo sacro)
era o individuo que cometia um delito e não
era possível retirar sua vida diante disso. Porém, caso alguém lhe matasse não cometeria
um homicídio. Sua vida não era importante.
Para Agamben (2002) a vida do homo sacer é
a vida sacra, seria a vida insacrificável e também matável. Segundo Carvalho (2007) ele
encontrava-se fora da jurisdição dos homens
e também não encontrava respaldo na legislação divina. Será acobertada sua vida nua no
interior da ordem jurídica, sem nenhuma proteção, de forma a lhe excluir, sendo que qualquer pessoa e o soberano podem matá-lo.
Agamben (2004) cita como principal
referencia na afirmação de um Estado de
exceção como paradigma de governo o autor Carl Schmitt. Para este, o soberano seria
quem decide sobre o Estado de exceção. Para
os que estão sob o poder do soberano, a vida
se encontra nua e quem está no poder vai decidir sobre o que deve ser feito com as pessoas, se serão excluídas ou não da sociedade
em que vivem.
Nota-se que em determinados casos a
lei ou os princípios jurídicos não serão aplicados, mesmo existentes não vão amparar
certos indivíduos, diante de um ordenamento jurídico, este estará suspenso por determinação de quem está no poder. Para Agamben
(2004, p. 12) quando ocorre o Estado de exceção há uma crise política, onde “medidas
excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem
ser compreendidas no plano do direito, e o
Estado de exceção se encontra como forma
legal daquilo que não é legal”. Através de
uma suspensão, no Estado de exceção, vai
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
acabar se abandonando o vivente do direito,
por isso o termo vita nua usado por Agamben
(2004).
Desta forma, Carvalho (2007) através
das postulações de Agamben aduz que o homem na atualidade tornou-se semelhante ao
homo sacer, encontrando-se privado do que
seria uma forma de governo autoritária, o
que lhe afasta tanto do ideal de lei positiva
quando dos direitos humanos. O homem vêse, então, diante da terrível diáspora de sua
vida matável e sacrificável. Com isso, mesmo
perante a inserção dos direitos humanos nas
constituições dos Estados de Direito há sempre uma exceção, de forma que perante qualquer perigo, alega-se a necessidade, podendo
facilmente desperdiçar uma vida humana.
Para Agamben (2004, p. 41): “A teoria da
necessidade não é aqui outra coisa que uma
teoria da exceção em virtude da qual um caso
particular escapa à obrigação da observância
da lei”.
Atualmente a vida política se mostra pela da cultura do individualismo, da
reificação do indivíduo, onde medidas excepcionais de violência e autoritarismo são
tomadas sob os argumentos de desenvolvimento e proteção. De acordo com Carvalho
(2007, p. 14): “No mundo contemporâneo,
porém, a biopolítica se caracteriza essencialmente como cultura do genocídio e do extermínio”. Demais disso, referido autor coloca
que os objetos do poder do soberano, que
são a igualdade e a dignidade, são usurpados pelo individualismo exacerbado, através
da expansão mundial, com formas cada vez
mais abusivas de poder, justificadas através
da expansão de mercado e de um discurso de
garantir a superioridade, através de racismo
étnico, cultural, religioso, global. Exemplo
de tais afirmações é trazido por Agamben
(2004, p. 14), onde informa que a military
order promulgada pelo Presidente dos EUA
em 13/11/2001 traz claramente um modelo
em que ocorre a suspensão de direitos de um
vivente, um verdadeiro Estado de exceção,
com relação aos não-cidadãos americanos
| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
suspeitos de atividades terroristas. A ordem
do presidente George Bush anula todo estatuto jurídico de um individuo, produzindo
um ser inominável e inclassificável. São apenas detainees, a eles não serão aplicadas leis
e nem mesmo um controle do judiciário.
A vida política atual remete seu
desenvolvimento na figura de um verdadeiro Império, existe uma nova ordem jurídica
planetária, através de um poder superior
que governa o mundo (CARVALHO, 2007).
A figura do Império corresponde a um poder
sem fronteiras e sem limites nenhum. Além
disso, para alcançar tal Império há sempre
uma luta. Para Negri e Hardt apud Carvalho
(2007, p. 14-15)
O Império não só administra um
território com sua população, mas
também cria o próprio mundo que
ele habita. Não apenas regula as
interações humanas como procura reger diretamente a natureza
humana. O objeto do seu governo
é a vida social como um todo, e assim o Império se apresenta como
forma paradigmática de biopoder.
Finalmente, apesar de a prática do
Império banhar-se continuamente em sangue, o conceito de Império é sempre dedicado à paz – uma
paz perpétua e universal fora da
história.
O biopoder mundial pretende, mais
do que por “fim a história”, reger a vida humana, através de suas indicações e pela visão
das classes que estão no poder do que seja
viável a alcançar a dignidade. Assim, usa de
mecanismos e formas de legitimação que levam a um “amplo e assombroso processo de
vitimação de abundantes contingentes populacionais e de degradação da dignidade humana” (CARVALHO, 2007, p. 15).
Essa nova ordem aparenta-se como
desumana e excludente, o que importa é somente as relações sociais relativas ao mercado, as pessoas se encontram vulneráveis
perante esta agressiva situação, sendo que as
agências tornam-se cada vez menos protetivas, caracterizando um verdadeiro retorno
ao estado de natureza. Diante disso, tem-se
a repressão como forma de controle as pessoas, tentando recompor as relações sociais
extremamente degradadas. Para Carvalho
(2007, p. 16): “são os fracassos da política e
da democracia como alternativa à violência
que determinam o uso da força e da repressão
como mecanismo de gestão dos conflitos”.
Por meio das exigências de regulação
e segurança, bem como de um maior controle, cada vez mais latentes em face das classes
sociais afastadas da aquisição de bens e consumo, tem-se um Estado de exceção como
forma política dos Estados constitucionais.
O subdesenvolvimento viria a ser uma forma
de exceção permanente do sistema capitalista
na sua periferia. Através da idéia de Império,
atualmente deve-se procurar a manutenção
da ordem, baseando-se na excepcionalidade
do que é urgente.
O Estado deixa de regular, como lhe
cabe, as relações sociais, com o capitalismo,
o mercado é quem define. Observa-se aí um
processo de desinstituição que leva a eliminação das relações sociais, bem como a violência, criando uma situação de anomia. Isso
porque há uma crescente marginalização
econômica de certas classes sociais, diante
da revolução tecnológica que vem eliminando postos de trabalho. Além disso, há a destruição das próprias instituições com o novo
modelo jurídico político, que busca o romper
as fronteiras através do capital e com as redes de comunicação.
Por certo a sociedade pós-moderna
não encontrou uma ordem necessária, para
se embasar na sociedade moderna, esta marcada pela reafirmação do Estado-nação e
pela pureza de seus indivíduos, que chegaram a casos extremos como o nazismo. Hoje
o que se tem é uma sociedade voltada exclusivamente ao mercado e os que não podem
participar deste novo modo de vida, movido
somente pelo consumo, são excluídos. Tais
pessoas, encaradas a partir da nova perspec-
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| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
tiva do mercado consumidor são redundantes, são objetos fora do lugar.
Existe, conforme Carvalho (2007),
uma decomposição do espaço público, diante da desregulamentação, deslegalização,
desconstituição e de um direito de exceção,
tornando as respostas buscadas privadas e
aleatórias. Têm-se apenas duas exigências:
que sejam concedidas liberdades para negociações sempre maiores, reduzindo desta
forma a intervenção coletiva em negócios
privados, e uma exigência de contenção das
conseqüências da última. È necessário uma
afirmação de um discurso de “lei e ordem”,
como afirma Zaffaroni (2007), para cuidar
das consequências sociais ocasionadas pelo
sistema capitalista. A sociabilidade centrada no trabalho não pôde resistir, e a vitória
ideológica do capital transformou-se numa
guerra de todos contra todos.
Diante disso, nos Estados contemporâneos a biopolítica se converteu em “Tânato
política”, eis que não há mais uma proteção
da vida humana, é a vida nua trazida por
Agamben (2004). Existe cada vez mais uma
forma repressiva de controle sobre as vidas
das pessoas, correspondendo a um Estado de
Exceção, demonstrando que retirar uma vida
é apenas uma decisão política. Por conseqüência, há um processo de vitimização, com a
retirada de direitos caracterizando uma vida
política discriminatória. Existem, de um lado,
os sujeitos que vivem com dignidade inquestionável e de outro, os que se encontram com
os direitos suspensos e degradados por corresponderem a seres perigosos para a visão
dominante da sociedade. A biopolítica, na
visão de Agamben (2002), seria o momento
em que a vida entra na história, isto é, tornase objeto e objetivo das técnicas políticas de
controle do saber e passa a ser concebida
como domínio de valor e utilidade.
Encontra-se aberta a possibilidade de uma nova “barbárie civilizada”, como
ocorreu nos campos de concentração alemães. O ser humano é cada vez mais individualista, a massa trabalhadora tornou-se
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
dispensável no sistema capitalista, deixando
trabalhadores sem trabalho. Se há permissão para que certas camadas da população
não tenham importância, pois não são úteis
para o consumo, para o senso comum da
hegemonia, concede-se que estes sejam exterminados. Comparato (2008), em relação
ao capitalismo e os direitos humanos coloca
que neste sistema há uma atribuição de valor
muito superior aos bens de capital do que as
pessoas. Leciona Carvalho (2007, p. 21) que
A justificação moral da “barbárie civilizada” torna-se a pedra
de toque para a pacificação das
consciências. O argumento é tanto simples quanto perverso: quem
não é sujeito moral não é humano;
quem não é humano carece de
direitos; suprimir a quem não é
humano e carece de direitos está
moralmente justificado e se faz
necessário se com isso se restitui
a ordem social e o próprio regime
de direitos.
Assim, pode-se identificar características de um Direito Penal do Inimigo, com
suas justificações filosóficas, em que aqueles
que não servem para o convívio em sociedade devem ser eliminados. Diversas vidas são
sacrificadas para manter a ordem dentro de
Estados democráticos que vivem sob o simulacro de um regime de direitos, o homo
sacer vive com a violência institucionalizada
(CARVALHO, 2007). Com a exceção permanente e a atuação das agências policiais, os
desnecessários a população são eliminados,
mesmo porque já não podem mais ser encarcerados como a maioria, devido a crescente
decadência desta medida.
Nesse sentido, para Agamben
(2004) há uma exclusão-inclusão, a política
existe porque o homem separa e opõe a si a
vida nua e, ao mesmo tempo, se mantém em
relação com ela numa exclusão inclusiva. Os
presídios, reservatórios de inimicus, de hostis, é a representação dos campos de concentração contemporâneos. A permanência, na
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América Latina do horror inaugurado nos
Estados modernos pelos fascismos do século XX. É o espaço da eliminação dos corpos,
da vida matável sem sacrifício, sem procedimento, sem regras, na suspensão do Direito.
3. Poder seletivo, Estado de Exceção e
o Direito Penal do Inimigo.
Historicamente, o poder punitivo
do Estado sempre atuou de forma a selecionar um número determinado de pessoas, sobre as quais exercerá todo o processo de criminalização. Muitas vezes, destes indivíduos,
retira-se o caráter de ser humano, tratandoos apenas como entes perigosos. Estes não
merecem a aplicação das garantias constitucionais de um Estado de direito. Tais pessoas
são tratadas como os inimigos da sociedade.
O tratamento diferenciado é observado tanto
doutrinariamente quanto legalmente (ZAFFARONI, 2007).
Zaffaroni (2007) considera que se
criou nas últimas décadas em todo o Ocidente um novo discurso de autoritarismo cool no
Direito Penal. Usado como propaganda, defende o que está na moda, o que é cool, não
há uma convicção profunda, apenas adere ao
que se diz para não ser estigmatizado ou visto
como antiquado, perdendo espaço na publicidade. O discurso autoritário cool carece de
embasamento acadêmico. Trata-se de simples propaganda, como se o poder punitivo
fosse uma mercadoria. Os que vão difundir
este discurso único são formadores de opinião, não possuem dados empíricos. Muitas
vezes o utilizam para manipular as opiniões
das vítimas ou de seus parentes, para realizarem uma campanha de “lei e ordem”, com
objetivo de vingança. Segundo Gomes (2009)
o discurso de lei e ordem trazido pela mídia
expõe a violência como um produto de mercado. Através desta manipulação, vão influir
nas condutas dos políticos e abalar os pilares
da democracia.
O autoritarismo é difundido no
mundo, através desse discurso populares-
co (volkish). Torna-se mais fácil alcançar as
pessoas, que pelo baixo grau de cultura aderem ao que lhe são postos. A polarização da
riqueza tornou a classe média anômica e a fez
reclamar por normas sem motivos. Existem
leis que se escondem atrás de um discurso
autoritário simplificado e popular, proveniente do modelo norte-americano, que serve na verdade como controle para a classe
que lhe reafirma.
Assim o poder legislativo aceita o
discurso, elaborando normais penais mais
rígidas, eis que segundo Carvalho (2007, p.
34): “leis penais são baratas, de propaganda
fácil e a opinião pública se engana com suficiente freqüência sobre sua eficácia”. Neste
sentido, afirma Gomes (2009) que o Direito
Penal serve como instrumento para soluções
de problemas, porém é certo que seu uso recorrente não soluciona os conflitos, sendo
que para tal autor isso reflete o simbolismo
do direito penal.
A essência do tratamento diferenciado de certos indivíduos está na negação
de ser considerado como pessoa, mas como
entes perigosos. Existe uma diferença entre
os cidadãos (pessoas) e os não cidadãos (inimigos) conforme expõe Martín (2007). Esta
aceitação confronta o Estado de direito. Não
será levado em conta se a “não pessoa” considerada perigosa possui certos direitos, mas
se algum deles lhe é privado por sua condição
de ente perigoso.
Na América Latina, o poder punitivo é exercido através de medidas de contenção provisórias. A liberdade é privada antes
de uma sentença definitiva, por uma medida
preventiva, apenas por presunção de periculosidade de um individuo. Em relação diversa ao que ocorre com o discurso norte americano nos Estados Unidos, nos países latinos,
o sistema penal pretende controlar os excluídos, como os desempregados, enquanto os
policiais controlam o poder político, sendo
estes independentes e corrompidos (ZAFFARONI, 2007). Nesta região, o discurso cool é
inserido em uma sociedade onde há a inver-
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
são do sistema penal. Existem prisões lotadas de pessoas sem condenação e o direito à
execução penal é quase impossível, tendo em
vista que é aplicado a um número reduzido
de detentos.
Cerca de três quartos dos presos da
América Latina encontram-se neste confinamento cautelar. A seletividade é praticada
através do processo de criminalização secundária, onde existe um tratamento diferenciado. Através de confinamentos de contenção,
prolongados ou indefinidos, todos são considerados inimigos. O instrumento do direito
penal liberal é o direito processual, o qual vai
legitimar os confinamentos cautelares, esgotando assim a maior parte do exercício do
poder punitivo. Nessa esteira, afirma Batista
sobre o sistema latino-americano (2003, p.
54)
O sistema penal está estruturalmente montado para que não opere a legalidade
processual e para exercer seu poder com o
máximo de arbitrariedade seletiva dirigida
aos setores vulneráveis. Na América Latina, a
própria lei se ocupa de renunciar à legalidade
concedendo ampla margem de arbitrariedade as suas agências.
Assim, existe na América Latina um
desdobramento do sistema penal em sistema
penal cautelar e sistema penal de condenação, sendo que o primeiro tornou-se mais
importante que o segundo, eis que corresponde ao maior número de criminalização,
produto de infrações de pouca gravidade.
Através de um direito penal autoritário, reconhecendo ou não sua natureza penal, nega-se
a vigência do principio da inocência, previsto
nas Constituições. O sistema penal cautelar,
como forma predominante no exercício do
poder punitivo implica em um grave defeito,
pois leva as agências executivas, em especial
a policial, a defenderem sua arbitrariedade
(ZAFFARONI, 2007).
Zaffaroni (2007) explica que o poder
punitivo contém a elevada seletividade como
uma característica estrutural, sendo assim
28
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
nunca será suprimida, apenas reduzida. Com
isso, a parte penal tornou-se o campo mais
afetado pelo Estado de policia, já que é o lado
mais vulnerável de um Estado de direito. Se
uma legislação faz mais concessões ao poder
punitivo, a seletividade arbitrária também
será expandida pelas agências de criminalização secundárias e menor será o exercício
do controle jurídico nestes casos.
A seletividade se desenvolve por
meio da criminalização primária e secundária. A primeira é elaborada pelas agências políticas, corresponde ao ato de elaborar uma lei
penal que incrimine um fato, e a conseqüente
punição de certas pessoas. Já a criminalização secundária será executado por meio de
outras agências em relação àquelas em que
a lei foi elaborada. Corresponde à ação exercida sobre pessoas em concreto. Inicia-se
nessa etapa o desencadeamento de uma série
de atos, que poderão chegar até a imposição
de pena a um indivíduo, restringindo-se sua
liberdade. Serão responsáveis durante todo o
procedimento as agências policiais, judiciais,
e por fim a agência penitenciária (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008).
A criminalização primária é extensa. Os conflitos criminalizados que existem
em uma sociedade são demasiadamente
mais altos que aqueles que chegam ao conhecimento das agências. Os números reais
são nomeados como cifras ocultas (BARATTA, 2002). As agências que vão exercer a criminalização secundária são deficientes e por
isso o sistema penal leva até o final da criminalização secundária uma pequena parte da
que foi prevista primariamente.
De acordo com Baratta (2002), na
criminalização primária há uma expressão
do sistema de valores nas leis. Dá-se preferência a cultura burguesa e individualista,
protegendo o patrimônio privado e se dirigindo às maneiras de desvios que são típicos
de grupos sociais mais baixos. Isto pode ser
observado no elevado número de delitos contra o patrimônio, conforme estatísticas judiciárias.
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Verifica-se que a criminalização primária atua com certa seleção, porém de certo
modo distante, já que não é possível identificar a quem serão aplicados de fato os preceitos legais. Todavia, devido aos seus defeitos
estruturais, sua pouca capacidade de operacionalização, as agências de criminalização
secundárias agem de forma manifestamente
selecionante. Com isso, definem quem são as
pessoas criminalizadas, bem como as vítimas
que merecem proteção. Com a pouca capacidade de atuação, resta a tais agências a inatividade ou a seleção, escolhendo por esta última, já que não é admissível a extinção destas
em um Estado. O poder de seleção é exercido de forma latente pelas agências policiais
como ensina Batista e Zaffaroni (2007).
È de se ressaltar que a seleção pelas
agências policiais é feita em conjunto com o
poder de outras agências, como as políticas e
de comunicação. Nesta última, os empresários morais vão orientar a empresa criminalizante, tanto as agências políticas na sanção
de uma lei penal nova, quanto na seleção das
agencias secundárias. Ensina Batista (2003,
p. 56) que “os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são hoje fundamentais para o exercício de todo sistema
penal [...]”.
Na criminalização secundária, segundo Baratta (2002), ocorre a acentuação
da seletividade do sistema penal. Os preconceitos e estereótipos guiam as ações dos órgãos investigadores e jurídicos, que levam a
procurar a criminalidade nos estratos sociais
onde esta é esperada. Ensina Shecaira (2004,
p. 352) que os operadores jurídicos, principalmente o magistrado pertence a um “mundo diferente ao do processado”. Desta forma,
indivíduos de classes marginalizadas são colocados de forma desfavoráveis no processo.
Assim, tem-se a impunidade como regra e
a criminalização secundária como exceção.
Neste sentido, Vasconcellos (2007) entende
que uma sociedade dividida preserva os valores que melhor atendem aos anseios dos
detentores do poder.
Cria-se através da seleção dos atos
mais grosseiros cometidos por pessoas sem
acesso à comunicação social, estereótipos
perante a coletividade. Assim, são determinados os inimigos da sociedade, através de
pessoas sem valor, aos quais são imputados
todos os problemas existentes na coletividade. A imagem do delinqüente é formada
através de sua classe social, etnia, idade e estética, através do preconceito que é gerado.
Segundo Batista e Zaffaroni (2007, p. 46) “o
estereótipo acaba sendo o principal critério
seletivo da criminalização secundária”. Diante de tal fato vai se encontrar uma população
carcerária relacionada a valores estéticos.
As escolas biológicas criminológicas traziam
como motivo para um crime o que na verdade trata-se de causa para a criminalização.
A seletividade operacional das
agências secundárias e sua orientação burocrática vai atingir apenas os que têm baixa
defesa perante o poder punitivo, os que são
mais vulneráveis a criminalização secundária. De acordo com Carvalho (2007, p. 35):
“o perfil da população carcerária termina de
corroborar os altos graus de seletividade e as
características precisas dos segmentos vulneráveis”. Noutro giro, podemos afirmar ainda,
segundo Batista (2003), que a etiquetagem
assume o papel do estereótipo, sendo que as
pessoas selecionadas acabam por assumir os
papéis que lhes são destinados.
O modo seletivo como operam as
agências secundárias busca sempre um falso
inimigo (BATISTA; ZAFFARONI, 2007), de
acordo com a classe social, etnia, religião etc.
É mais fácil identificar um inimigo fingindo
resolver os problemas reclamados pela coletividade, através dos discursos midiáticos,
viabilizando a atuação das agências, sem
grandes esforços. O sistema penal não atua
de forma harmônica, mas sim de modo dividido, onde cada agência vai possuir interesses próprios. Leciona Shecaira (2004, p.
349) que tais agências “atuam como agências
independentes, quando não inimigas”.
Dependendo da sociedade em foco
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a seletividade possui medidas diferentes.
Será mais latente em uma sociedade estratificada, com grande disparidade social, onde
as agências atuaram de forma mais violenta.
Entretanto, em outras sociedades, onde não
há o problema da polarização da riqueza, sua
seletividade se dará pelos preconceitos raciais e pela imigração (Shecaira, 2008). Para
Baratta (2002) o sistema penal mantém a estrutura vertical da sociedade, criando contraestímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados da população, ou ainda,
põe em ação mecanismos marginalizadores.
4. Breve análise do Relatório de Informações sobre a população do Sistema
Penitenciário do Estado de São Paulo.
Os novos campos de concentração
nos Estados contemporâneos não se revelam
facilmente enquanto tal. É preciso desnudálos, identificar os espaços dentro dos territórios dos atuais Estados em que o direito está
suspenso e a vida é considerada cindida da
sua condição política, é vida nua. Por isso,
importante se faz, a partir dos dados quantitativos oferecidos pelas próprias agências
estatais, evidenciar o horror.
Nesse sentido, após os dados teóricos levantados neste trabalho, pretende-se
fazer uma breve análise da situação carcerária atual, com ênfase no perfil das pessoas
que se encontram presas, e sua relação na
existência dos possíveis inimigos no direito
penal. Foi escolhido o relatório referente ao
ano de 2008, do Estado de São Paulo, encontrado no site do Departamento Penitenciário
Nacional, tendo em vista que se trata do local onde podemos observar a realidade, além
de seu notável desenvolvimento econômico
frente aos outros estados do Brasil. Ademais,
trata-se do Estado com maior quantidade
populacional em nosso país.
Observa-se que não se sabe quais
os métodos e precisões utilizados para colher
os números constantes no relatório. Porém,
o site pertencente ao Ministério da Justiça
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
afirma que se tratam de dados fidedignos da
atual realidade carcerária de São Paulo.
Inicialmente cumpre ressaltar que
a primeira parte dos dados é fornecida pela
Secretaria de Justiça. A população do Estado
corresponde a 41.585,931 milhões de pessoas. Neste relatório existem dados sobre a
população carcerária fornecidos tanto pela
Secretaria de Justiça quanto pelos Estabelecimentos penais.
Primeiramente observamos os dados referentes à quantidade de presos na polícia, cerca de 13.351 mil homens e mulheres.
Por certo se trata de uma quantidade considerável, confirmando a posição dos penalistas, em especial Batista e Zaffaroni (2007),
quanto à arbitrariedade das agências policiais em privar a liberdade de pessoas selecionadas, as quais estão distantes do devido
processo legal.
Em segundo lugar nos dados da categoria de população, fornecidos pela Secretaria de Justiça, encontram-se a quantidade
de presos existentes nos estabelecimentos
penais, sendo cerca de 145.096 mil pessoas.
A maioria cumpre pena em regime fechado
(80.654 mil), secundariamente estão os presos provisórios, grande problema da América
Latina, como já exposto, com cerca de 43.862
mil homens e mulheres. Neste item não houve a separação entre os valores referentes a
homens e mulheres. Um pequeno número de
homens (18.290 mil) e de mulheres (1.091
mil) cumprem pena em regime semi-aberto
(19.381 mil no total). As medidas de segurança de internação e tratamento ambulatorial
também possuem números ínfimos, sendo
934 homens e 82 mulheres internados e, 65
homens e 118 mulheres em tratamento ambulatorial.
Diante destas informações, um ponto que merece atento é a latente disparidade
entre a diferença do número de homens e
mulheres encarcerados. A quantidade de homens que estão detidos é infinitamente maior
do que mulheres. Com isso, relacionando-se
com a teoria estudada, podemos afirmar que
| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
a exclusão social que sofre um inimigo da sociedade, seja pela sua presunção de periculosidade, seja por seu status no atual desenvolvimento desenfreado do capitalismo, é maior
no caso dos homens, que geram mais insegurança a sociedade, eis que correspondem ao
estereótipo do delinquente que não merece
as garantias penais e processuais. Nesta esteira, outro apontamento que pode ser feito
se relaciona com o crescimento industrial e a
sobra da mão de obra dos trabalhadores, que
através de seu encarceramento desocupam
os grandes centros urbanos, deixando um
bom cenário para a classe hegemônica que se
encontra no poder, fingindo existir um Estado democrático de direito.
Sobre a situação da mulher encarcerada, em 2007 a Centro Pela Justiça e pelo
Direito Internacional (CEJIL) e pelas entidades que constituem o Grupo de Estudos e
Trabalho Mulheres Encarceradas finalizaram
o Relatório sobre as mulheres encarceradas
no Brasil, realizando um levantamento a respeito dos números, do perfil e das condições
gerais da mulher encarcerada, em termos
de garantias ou não direitos (civis, políticos,
sociais, econômicos e culturais). Nesse relatório, em síntese, o que se constatou foi que
a situação das de violação dos direitos nas
unidades prisionais femininas no Brasil são
iguais aos homens. Tanto nas masculinas,
quanto nas femininas, são vários os direitos
violados, reproduzindo o mesmo desamparo
experimentado pelos homens presos.
Todavia, essa realidade que ultrapassa as condições inadequadas de habitabilidade e salubridade e a recorrência de tortura
e maus tratos no cotidiano do cumprimento
de penas, soma-se e se agravada por conta
das recorrentes violações de gênero praticadas contra as mulheres. Apesar de terem
recebido sentenças de restrição de liberdade,
o que se verifica na prática é que há uma extensão de privações nas unidades prisionais
femininas que se caracterizam violações aos
direitos humanos das mulheres presas. As
mulheres não são privadas só de seu direi-
to à liberdade, são privadas de seu direito à
intimidade, à privacidade, à saúde, inclusive
sexual e reprodutiva; à segurança pessoal. As
situações específicas que afetam as mulheres
em particular são potencializadas nos cárceres para as mulheres em situação de maior
vulnerabilidade como grávidas, doentes,
idosas, pessoas com deficiência mental, indígenas, vítimas de violência sexual e estrangeiras. Existe uma completa ausência de políticas penitenciárias específicas para mulher
presa.
Um indicador objetivo disso é a não
elaboração e publicização, de dados consistentes e suficientes para conhecer quantitativamente os problemas das mulheres. As
informações pontuais que se tem acesso não
recebem o tratamento qualitativo da perspectiva de gênero, nem descriminação nas análises quantitativas. Como conseqüência são
raras as políticas públicas com perspectiva de
gênero, que incluam ou considerem a compreensão sobre o problema com sensibilidade
para as peculiaridades da situação da mulher
encarcerada. De acordo com o relatório,
Para além das violações (...) referidas, as mulheres encarceradas são
objeto de violações geradas pela
discriminação de gênero, e pela
negligência do Estado quanto à
identificação e atenção às suas necessidades específicas. A Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará) como instrumento internacional específico de proteção
é, da mesma forma, severamente
violada. A mulher detida no sistema prisional brasileiro, nas condições descritas a seguir, sofre
violações decorrentes das características inerentes à qualidade de
pessoa do sexo feminino, quais sejam violência física, sexual e sofrimento psicológico” (2007, p. 57).
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Prosseguindo-se na análise, observamos que o número de vagas existentes nos
estabelecimentos penitenciários, cerca de
96.540, é bem menor do que o número de
detentos (145.096), demonstrando o problema do sistema carcerário que não atinge sua
intenção de ressocialização, apenas deixam
as pessoas que lá se encontram em precária
situação de subsistência, convivendo com diversos tipos de violência, retirando a dignidade daquele que cometeu um delito, a qual
é garantida a todas as pessoas conforme a
Carta Magna brasileira.
Em seqüência, são fornecidos os dados referentes ao número de estabelecimentos penais. Existem apenas 84 penitenciárias
masculinas e 10 femininas, mostrando certo
descaso com as mulheres que são ignoradas
pelo Estado, como colocado acima.
Retomando o número de estabelecimentos penais, observamos que existe
um número ínfimo de colônias agrícolas,
industriais ou similares, correspondendo a
12 masculinas e 01 feminina. Por certo isto
se mostra como um defeito, eis que nestes
estabelecimentos são cumpridas as penas
que possibilitam o regime semi-aberto. Na
maioria das vezes os presos chegam nestes
estabelecimentos através da progressão de
regime, benefício importante para a ressocialização dos detentos e são impedidos pela
falta de vagas. Cumpre analisar também que
no regime semi-aberto são dadas mais possibilidades aos detentos, estes podem estudar
e trabalhar fora do estabelecimento, sendo
uma medida adequada, devendo o Estado
aumentar o número de colônias agrícolas ou
industriais.
Em seguida cabe verificar que não
existem casas de albergados, destinadas ao
cumprimento de pena cujo regime seja o
aberto. Isto configura outro problema em
nosso sistema penal, eis que o próprio Código Penal Brasileiro prevê a existência de
tal estabelecimento. Contudo, o Estado abre
um espaço de exceção, não cumprindo o que
orienta a lei. Posteriormente, existem cerca
32
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
de 31 cadeias públicas masculinas, o que não
é permitido. Por fim, é de se ressaltar o pequeno número de hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, sendo 03 masculinos
e 01 feminino. Sendo assim, muitas pessoas
que necessitam de um tratamento diferenciado por problemas mentais, inclusive os
viciados em tóxicos, não recebem adequado
tratamento, sendo encarceradas como as demais.
Prosseguindo a análise do relatório encontram-se os dados relativos ao gasto
mensal com o Sistema Penitenciário, correspondendo a R$ 2.285.071.326 bilhões de
reais. Neste item verificamos que se tratam
de valores excessivos, que muitas vezes poderiam ser investidos em outras áreas, como
na educação e projetos sociais, prevenindo
que pessoas com baixa instrução e recursos
econômicos cometam delitos. Não existe
uma separação entre os gastos com os estabelecimentos femininos e masculinos, onde
provavelmente a maior parte é fornecida aos
detentos, deixando as mulheres em abandono, afinal estas não representam nada para a
atual sociedade.
Na segunda parte do relatório os
dados são fornecidos pelos estabelecimentos
penais, onde alguns deixaram de responder
determinadas informações. Encontram-se
cadastrados 143 estabelecimentos. O primeiro dado fornecido corresponde a quantidade
de presos internados, que possui mínima diferença com os dados fornecidos pela Secretaria de Justiça, dispensando nova análise.
Secundariamente existem os números relativos a quantidade de presos provenientes da
Justiça Federal, que consideramos sem relevância para esta pesquisa.
A segunda categoria respondida
pelos estabelecimentos relaciona-se com o
perfil do preso. Primeiramente observamos
os dados relativos a quantidade de presos
por grau de instrução. Analisando os números fornecidos vê-se que a gritante maioria,
tanto de homens (57.092 mil) como de mulheres (2.654 mil), estudaram apenas até o
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ensino fundamental incompleto. Em seguida
encontram-se os que cursaram até o ensino
fundamental completo: 20.290 mil homens
e 1.215 mil mulheres. Por certo na realidade
sócio-econômica em que vivemos o grau de
instrução das pessoas depende da classe social a que pertencem, eis que se fazem parte
de famílias com poucos recursos, terminam
por deixar os estudos para trabalhar.
Segundo Baratta (2002) a seletividade começa na escola. Isto ocasiona muitas vezes em fatores que auxiliam a pessoa
cometer um delito, como no caso de parcas
condições econômicas de sustentar a si e a
sua família. Demais disso, existe a questão
da vulnerabilidade de certas pessoas, que
são selecionadas pelas agências do sistema
penal, sendo vistas com preconceito. Com
certeza as pessoas com baixa instrução se
tornam vulneráveis, eis que não possuem
conhecimentos de seus direitos, tornando-se
um fácil alvo de arbitrariedades.
Em seguida, existe a quantidade de
presos conforme a nacionalidade, outro ponto que não parece oportuno analisar com base
na teoria levantada. Observa-se apenas que
a grande maioria se trata de brasileiro nato
(134.063 mil). O dado posterior relaciona-se
com a quantidade de presos por tempo total
das penas. A maioria das mulheres cumpre
pena de 04 anos. Por outro lado os homens
em sua maioria cumprem pena de 04 a 08
anos, dado que se relaciona com a quantidade de detentos cumprindo pena em regime
fechado.
O próximo dado fornecido que se
mostra importante para o presente trabalho,
ainda na categoria de perfil do preso, referese com o número de detentos por crimes consumados e tentados. Ressalta-se que alguns
estabelecimentos não forneceram tais dados.
Referente a quantidade de homens presos,
que são considerados mais importantes a este
trabalho por serem vistos como os estereótipos dos inimigos da sociedade, dos 135.725
mil presos no total, 93.954 mil se encontram
detidos pela prática de crimes contra o patri-
mônio, principalmente por furto e roubo. Verificamos nestes dados novamente a questão
da seletividade de certas pessoas frente ao
sistema penal. Na atual situação do mundo,
em que o controle sobre a vida dos homens é
feito pelas relações econômicas, não existem
empregos e oportunidades de uma vida digna para todos. Tal fato se relaciona com um
verdadeiro abismo econômico existente entre as classes sociais, onde algumas têm muito e outras nada, levando, por conseguinte, a
ocorrência dos crimes contra o patrimônio.
A classe hegemônica acha que resolverá os
problemas escondendo nas prisões aqueles
considerados inúteis, os que não fazem parte
do mercado de trabalho, não são consumidores, tornando-se vidas desnecessárias ao
atual sistema capitalista.
Continuando a análise, ainda sobre
o perfil do preso, encontram-se os números
totais de delitos tentados e consumados, que
não se entende importante a essa pesquisa.
Na sequência estão os números de presos primários e reincidentes. Aqui cumpre ressaltar
que no caso dos homens a maioria detida se
tratam de reincidentes (39.906 mil), confirmando a falha no sistema penitenciário atual, que apenas degrada um ser humano, sem
possibilidade de ressocialização e reeducação, impossibilitando que exista outro caminho a não ser o da criminalidade. Além disso,
o fato de ter sido encarcerado acaba gerando um preconceito contra aquele ind ividuo,
continuado a ser visto como um inimigo da
sociedade e esta, por sua vez, fecha as portas
para que o condenado se ressocialize, como
ensina Shecaira. Já no caso das mulheres a
maioria correspondente a 2.480 mil se trata
de presas não reincidentes.
Prosseguindo, observam-se os dados relativos à quantidade de presos por faixa etária. No caso dos homens (40.479 mil) e
também das mulheres (3.334 mil) são jovens,
possuem entre 18 a 24 anos e 25 a 29 anos.
Verifica-se que se tratam de pessoas que não
tiveram chances de acesso ao mercado de
trabalho, pois como já exposto possuem uma
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instrução baixa. Por certo tais pessoas dificilmente chegaram a uma idade mais avançada,
tendo em vista a elevada taxa de mortalidade
entre elas.
A informação seguinte corresponde a quantidade de presos por cor de pele/
etnia. A maioria dos homens e mulheres são
negros e pardos, sendo 68.134 mil e 3.198
mil respectivamente. Isto demonstra a existência ainda de um preconceito contra estas
pessoas, mantido ao longo dos séculos no direito penal. Devido a todo processo histórico, onde os negros sofreram atrocidades por
sua cor de pele, vemos que ainda permanece
a discriminação de tais pessoas e a sua presunção de periculosidade, sendo inimigos em
potenciais, mesmo não se encontrando em
situação delituosa, as autoridades policiais
sempre os colocam como suspeitos, sendo
um público permanente para as arbitrariedades dessas agências.
Mudando a categoria para o Tratamento Prisional, ainda com o preenchimento
pelo estabelecimento penal, encontram-se
a quantidade de presos que trabalham fora
dos estabelecimentos (8.307 mil homens e
458 mulheres) e no interior deste (29.934
homens e 2.240 mulheres). Podemos observar que os números são baixos, se relativos a
toda população carcerária. É certo que o trabalho serve como uma medida de ressocialização, além do benefício da remição. Sendo
assim, o sistema penitenciário de São Paulo
não está apto a promover uma melhoria na
vida do detento, para que volte ao convívio
da sociedade, deixando os encarcerados em
precárias situações e sem uma ocupação.
Ressalta-se que a maioria, correspondente a
14.657 homens e 1.172 mulheres, trabalham
ajudando no sistema penal, o que impossibilita a aprendizagem de uma profissão para
quando deixarem o cárcere e procurarem
uma vaga no mercado de trabalho.
Na quantidade de leitos, 598 masculinos e 22 femininos, verificamos o precário atendimento prestado aos encarcerados.
Caso adoeçam vemos por estes dados, rela-
34
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tivamente a grande quantidade de pessoas
presas, que não são fornecidos tratamentos
ambulatoriais adequados, assim como faltam leitos para gestantes no caso das mulheres, apenas 81, em locais onde há grande incidência de contaminações e violência
contra os que lá se encontram. Mais uma vez
ressalta-se o descaso do Estado, que tem o
dever de propiciar condições para que todos
vivam com dignidade, desrespeitando o que
determina nossa Constituição, configurando
novamente uma exceção.
Os próximos indicadores, relativos
a quantidade de fugas, de abandono, reinclusões, presos envolvidos em motins e rebeliões, quantidade de óbitos, procedimentos
disciplinares iniciados e concluídos não se
mostram relevantes neste trabalho, de acordo com a teoria levantada e o que se pretende
confirmar com esta sincrética análise.
Por fim, na categoria capacidade
de ocupação, observamos o número de vagas existentes nos estabelecimentos penais,
sendo certo que a capacidade existente para
os presos no cárcere é bem menor do que o
número real de presos. Fato considerado
importante a esta pesquisa é o número de
vagas disponíveis para presos provisórios,
correspondente a 16. 715 mil no total. Ocorre
que em todo o Estado de São Paulo existem
cerca de 42.168 mil presos provisórios. Isto
confirma o grave problema das prisões cautelares na América Latina, exposto por Zaffaroni (2007), sendo que além de superlotar
as prisões, há um desrespeito ao princípio da
inocência, também previsto na Constituição
Federal.
Diante disso, podemos notar, mesmo de forma superficial, a existência de um
inimigo no sistema penal brasileiro e em
decorrência a abertura de exceções, mesmo
estando em um Estado de direito. Observase a presença de características comuns a
quase toda população carcerária, o que vem
a confirmar a seletividade sofrida por algumas pessoas, conforme sua cor, sexo, grau de
instrução etc. Além disso, ressalta-se o pro-
| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
blema do cárcere em nossa sociedade, que se
mostra cada vez mais uma medida precária
para a reeducação de quem praticou um delito, atentando gravemente contra a dignidade
das pessoas.
5. Conclusão
No Brasil mesmo sob a égide de um
direito penal pertencente ao Estado democrático de direito, podemos ver que direitos e
garantias não são cumpridos, tornando com
que a exceção se torne a regra. O filosofo italiano Giorgio Agamben foi quem explicou a
situação de exceção dentro dos Estados atuais, intitulados como democráticos de direito, com maior precisão, alarmando para a
gravidade que isto pode ocasionar. Na exceção existe uma regra, uma lei, que em determinado caso não é aplicada. Assim, no Brasil
podemos observar tal situação constantemente, com a ação arbitraria das agências do
sistema penal, bem como em leis penais que
confrontam princípios constitucionais. Neste diapasão, a existência de um direito penal
do inimigo, em situações excepcionais, é algo
que no Brasil não pode existir, porque, em
regra, nos deparamos com um verdadeiro direito penal que trata de forma desigual determinadas pessoas, os inimigos. Diante disso,
a possibilidade da barbárie torna-se possível,
como já assistimos por diversas vezes, tornando-se a vida humana sem valor perante
o que determina o Estado e os detentores do
poder, se trata de uma vida nua.
Analisando um relatório do censo
penitenciário de São Paulo, pode-se confirmar, mesmo com dados obtidos sem muita
precisão, que a população carcerária confirma os estereótipos escolhidos pela coletividade. A maioria se trata de homens, com pouca
idade, baixa escolaridade e lá se encontram
devido à prática de crimes contra o patrimônio. Outro elevado número corresponde aos
presos provisórios, pela simples presunção
de periculosidade, como afirma Zaffaroni
(2007). Isso mostra que a situação brasilei-
ra confirma a exclusão causada pelo abismo
entre as classes sociais, advindo do sistema
capitalismo. A marginalização que sofrem
os pobres, na maioria das vezes privados de
quaisquer direitos e garantias, termina por
incentivar que certos indivíduos sejam mais
aptos a pratica de delitos, bem como são selecionados pelas agências policiais mais facilmente devido a sua vulnerabilidade.
No Direito Penal atual, construído ao longo dos anos por meio de batalhas
travadas com o autoritarismo do Estado e a
supressão de garantias, analisa-se que ainda não se pode afirmar a existência de um
modelo ideal de um Direito Penal do Estado
democrático de direito. Pela incapacidade do
Estado de resolver seus conflitos, pelo descomprometimento dos juristas, pela atuação
da mídia ou do poder legislativo nas elaborações das leis penais, vê-se que o poder punitivo só consegue se efetivar em relação àqueles
advindos das classes marginalizadas, os quais
são tratados de forma arbitrária, já que nem
mesmo conhecem os direitos que possuem.
Por certo os crimes praticados pelas classes
sociais mais elevadas, como crimes econômicos e tributários, poucas vezes são incriminados, sendo que causam muitas vezes ofensas
de maior grau à bens fundamentais do que os
pequenos delitos contra o patrimônio.
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| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
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A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE
LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS
EM TEMPOS DE CRISE
Michel Montefeltro¹
Laís Santos de Paula²
Denis Porto Renó³
1. Introdução
O mundo vive uma diversa abordagem sobre imigrantes, em especial na Europa, onde a xenofobia e os processos migratórios são intensificados devido às promessas
de qualidade de vida e oportunidades de trabalho. Tal processo xenófobo se agrava a partir do momento em que os países europeus
entram em crise econômica e os cidadãos
passam a disputar oportunidades de emprego com os estrangeiros.
A comunicação passa, em meio à crise, a discutir temas relacionados ao desemprego na Europa, com indícios de xenofobia.
Em diversas matérias, de distintos periódicos
europeus, a questão crise se misturou com a
imigração, o que provocou uma contextualização na mensagem que nos levou a crer que
o discurso destes poderia ser analisado como
preconceituoso e xenófobo. A opção desta
pesquisa foi o desenvolvimento de uma análise do discurso para confirmar as impressões
com relação às mensagens noticiosas produzidas pela imprensa européia.
Escolhemos, então, o jornal El País
como objeto de estudo, por ser o principal
periódico de um país que recebe um expressivo número de imigrantes latino-americanos. Para o desenvolvimento desta pesquisa,
definimos como recorte um período da coleta do material para análise, com os jornais
publicados entre 19 de abril e 17 de maio de
2009 na editoria internacional. Inicialmente,
realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre
o jornalismo internacional e o El País. Foram
adotados os conceitos dos estruturalistas
Teun van Dijk (2002) e Patrick Charaudeau
(2003).
O artigo justifica-se por ser um tema
atual e relevante, pois as discussões sobre
crise e xenofobia estão relacionadas com os
países considerados ricos e os que sobrevivem deste eixo econômico. Ao mesmo tempo,
a mídia tem adotado o assunto como pauta
principal, o que torna a discussão ainda mais
importante. Também foram discutidos durante o artigo conceitos sobre jornalismo internacional, o que serviu para contextualizar
e dar embasamento sobre a temática.
2. A Comunicação Internacional
De acordo com Traquina (2005,
p.20), o jornalismo é uma forma de responder às perguntas que as pessoas se fazem diariamente, “o que aconteceu?”, “como foi?”,
“onde foi?”, “quem foi?”, “o que está acontecendo no mundo?”, ou seja, o chamado lide.
Basta um olhar distraído aos diversos produtos jornalísticos para
confirmar que é uma atividade
criativa, plenamente demonstra-
¹Jornalista, graduado pela UNICOC, Ribeirão Preto. Prepara-se para cursar pós-graduação Lato Sensu sobre
Jornalismo Internacional. Atua como webjornalista. E-mail: [email protected]
²Jornalista, graduada pela UNICOC, Ribeirão Preto. Estudou seis meses na Universidad Rey Juan Carlos, como
complemento de sua formação. Atuou como jornalista na EPTV de Ribeirão Preto. E-mail: [email protected]
³Jornalista, doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Brasil), onde investiga sobre comunicação e novas tecnologias, em especial mobilidade e Internet. Foi orientador desta pesquisa, desenvolvida pelos alunos como trabalho de conclusão de curso. É professor visitante da Universidade Técnica Particular
de Loja (Loja, Equador), onde orienta estudos sobre a mesma temática. E-mail: [email protected]
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da, de forma periódica, pela invenção de novas palavras e pela
criação do mundo em notícias,
embora seja uma criatividade restringida pela tirania do tempo, dos
formatos e das hierarquias superiores, possivelmente do próprio
dono da empresa (TRAQUINA,
2005, p.22).
Em uma breve passagem pelos jornais
diários, segundo o autor, pode-se ver a vida
dividida em seções que vão da sociedade, à
economia, à ciência e ao ambiente, à educação, à cultura, à arte, aos livros e à televisão,
que cobre o planeta com a divisão do mundo
em regional, nacional e internacional. “Um
exame da maioria dos livros e manuais sobre
jornalismo define as notícias em última análise como tudo o que é importante” (Traquina,
2005, p.19). Para o autor, existe hierarquia
que pode definir a importância entre nacional e internacional. Por isso, se faz importante abordar o que é o jornalismo internacional
e como ele surgiu.
Segundo o Oxford English Dictionary 4,
foi na década de 1920 que as pessoas começaram a pensar e a falar sobre mídia. Uma
geração depois, na década de 1950, a população do mundo passou a mencionar uma “revolução na comunicação”. No entanto, para
Briggs & Burke (2004, p.13), o interesse pela
comunicação é muito mais antigo. A retórica,
estudo da arte de se comunicar oralmente e
por escrito era valorizada na Grécia e Roma
antigas.
Porém, o surgimento do que hoje é
conhecido como imprensa aconteceu, de
acordo com os autores (2004, p.25), no século XV, com a invenção de uma das máquinas
mais importantes para a comunicação até
hoje. A prensa gráfica foi construída na década de 1450 por Johann Gutenberg.
A prática da impressão gráfica se
espalhou pela Europa (...), Por
volta de 1.500, haviam sido instaladas máquinas de impressão em
mais de 250 lugares na Europa –
80 na Itália, 52 na Alemanha e 43
na França. As prensas chegaram
à Basiléia em 1466, a Roma em
1467, a Paris e Pilsen em 1486, à
Veneza em 1469, a Valência, Cracóvia e Buda em 1473 e a Praga em
1477. Todas essas gráficas produziam cerca de 27 mil edições até
o ano de 1500, o que significa que
– estimando-se uma média de 500
cópias por edição – cerca de 13 milhões de livros estavam circulando
na Europa com cem milhões de
habitantes (BRIGGS & BRUKE,
2004, p.26).
O surgimento dos jornais no século
XVII aumentou os rumores e a ansiedade sobre os efeitos da nova tecnologia. Ainda de
acordo com Briggs & Burke (2004, p. 29),
com a invenção da prensa gráfica, ou tipografia, houve um problema. No começo deste
período a dificuldade era a escassez de livros
e de informação. Já no século, XVI, o que
aconteceu foi o oposto. Segundo os autores,
“alguns escritores queixavam-se de que havia tantos livros que as pessoas não teriam
tempo para ler os títulos”. Para Briggs &
Burke, a invenção da prensa gráfica mudou a
estrutura ocupacional das cidades.
Uma das conseqüências mais importantes da invenção da prensa gráfica foi
o envolvimento intenso dos negociantes no
processo de difundir o conhecimento. Para
vender mais livros, e lucrar mais, os editores
publicavam catálogos e se envolviam com
outras formas de publicidade. Somente na
Grã-Bretanha estima-se que 15 milhões de
jornais tenham sido vendidos no ano de 1792.
E o jornal diário, semanal ou bissemanal era
complementado por publicações mensais ou
trimestrais, que foram chamadas, posteriormente, de periódicos ou revistas.
4
Disponível em http://www.oed.com/about/. Acessado em 05/10/2009. O Oxford English
Dictionary (OED) é um dicionário publicado pela Oxford University Press e é considerado um
dos mais conceituados da língua inglesa.
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Anos mais tarde, no final do século
XIX, começo do XX, as pessoas assistiram a
uma revolução nas tecnologias de comunicação e informação. O que levou a formação
dos meios de comunicação como instituições
privadas de alcance global, tanto para o jornalismo quanto para o entretenimento – cultura e diversão. Por causa disso, os meios
de comunicação foram se aperfeiçoando
cada vez mais para se adaptarem ao mundo
que estava se modernizando. Em 1980, por
exemplo, a rede de televisão CNN5, que hoje
é uma das referências em jornalismo internacional começou as transmissões de rede. O
fato que a fez ganhar notoriedade foi a cobertura da guerra do golfo, em janeiro de 1991.
3. Jornalismo Internacional
Segundo Natali (2004, p.19), jornalistas de todo o mundo dizem que o jornalismo
internacional nasceu em Londres, no século,
no século XIX, quando os periódicos impressos ampliavam a área geográfica de interesse
e de cobertura em razão da expansão do império colonial britânico. Levando as notícias
sobre Londres a outras partes da Inglaterra.
Mas de acordo com o autor (2004, p.19), esse
viés do jornalismo nasceu muito antes disso.
Ainda segundo Natali (2004, p. 20),
Jacob Függer, um dos banqueiros mais importantes da época (séculos XV e XVI) na
Europa, morava na cidade de Augsburgo, na
Alemanha. O banco dele controlava as jazidas de cobre da Hungria e possuía reservas
de 4,7 floris, o equivalente a 13 toneladas de
ouro. Com tamanha fortuna, ele financiou a
campanha de Carlos V para tornar-se imperador na época do Império Cristão do Ocidente. Függer tinha negócios com várias partes da Europa, e para se manter informado do
que acontecia em cada lugar, os agentes dele
5
mandavam para Augsburgo informações sobre a cotação de determinadas mercadorias
nas feiras, do câmbio e ainda dos conflitos
existentes nas mais diferentes regiões e que
podia prejudicar a economia e os negócios.
As notícias eram transmitidas dentro das
próprias casas bancárias.
De acordo com o autor, na época do
mercantilismo6 houve uma ascensão do jornalismo internacional. Folhas com notícias
de economia e política de toda a Europa
eram impressas e vendidas a quem quisesse
comprar e não mais circulavam dentro de
um mesmo aglomerado comercial e financeiro, como acontecia com a casa de Függer.
As informações impressas passaram a ser
compradas por grupos indistintos de pessoas
que mais tarde seriam chamadas de agentes
econômicos.
Pode-se falar quase que de uma
epidemia de publicações parecidas que floresceu sobre a Europa na primeira metade do século
XVII. Entre 1610 e 1645, esses
jornais baseados em informações
econômicas e políticas estrangeiras já circulavam a Suíça, Áustria,
Hungria, Inglaterra e França (NATALI, 2004, p. 23)
Na segunda metade do século XIX, de
1861 até 1865, a Guerra Civil Americana foi
acompanhada por 150 correspondentes de
guerra. Os jornais e revistas já estruturados
como empresas procuravam obter mais informações com menor custo. A idéia, então,
foi a de constituir um local, onde um mesmo
repórter ou uma equipe de repórteres pudessem produzir material para mais de um
órgão de imprensa. Surge então a agência de
notícias.
De acordo com Natali (2004, p. 31),
Disponível em http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=601301. Acessado em 25/11/2009. O site
é do jornal português “Diário de Notícias”. A matéria fala sobre o lançamento de um livro que traz a história
rede de TV CNN. Durante a reportagem o jornalista Miguel Gaspar faz um breve histórico sobre a CNN.
6Disponível em http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=746. Acessado em
06/10/2009. Pode-se dizer que o mercantilismo é um conjunto de práticas adotadas pelo Estado absolutista
na época moderna, com a finalidade de obter poder e riqueza. A concepção predominante parte do simples
fato de que a riqueza da nação é determinada pela quantidade de ouro e prata que ela [a nação] possui.
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| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |
em 1865, a agência Reuters, hoje uma das
mais respeitadas e conhecidas do mundo, foi
quem noticiou primeiro o assassinato do então presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln. A notícia vinha por
malotes transportados em navio. Mas como
a situação política em Washington estava
tensa, a própria agência interceptou a correspondência do correio, que ainda percorria
o litoral da Irlanda, de onde foi transmitida a
Londres por um telégrafo.
Para o autor, “as agências deram
viabilidade econômica ao noticiário internacional”. Um texto distribuído a centenas
de jornais que assinam os serviços de uma
agência sai mais barato que um texto produzido e enviado por um correspondente. Com
as notícias internacionais, a necessidade de
que o jornalista falasse cada vez mais línguas
se tornava maior. Atualmente, essa questão
não é mais de atualidade pela simples razão
de que agências de notícias internacionais
como a francesa AFP, a alemã DPA e a italiana ANSA, não dispõe mais de serviços em
português. Elas distribuem os telegramas em
espanhol. Segundo Natali (2004, p. 73):
Fluência não significa “entender mais
ou menos” ou “quebrar o galho”. É preciso
mergulhar a fundo no idioma para captar
certas mudanças que não permitirão apenas
uma tradução correta, mas também direcionarão nossa própria percepção sobre um
acontecimento.
Ainda de acordo com Natali (2004,
p. 95), o jornalismo internacional tem uma
característica que não é exclusiva dele. Boa
parte das pautas é previsível. Reuniões do
Conselho de Segurança da ONU e as negociações que as precedem, conferências temáticas ou regionais, viagens oficiais de governantes ou o jogo de pressões diplomáticas
para solucionar algum impasse. Porém, não
há previsibilidade quando há acidentes aéreos, agressões militares contra terroristas,
atentados, terremotos e crises.
4. Agências de Notícias
Uma forma comum entre os meios de
comunicação que noticiam os acontecimentos internacionais, e que não conseguem ter
uma equipe jornalística no local dos fatos,
é comprar a informação de uma agência de
notícias.
De acordo com a UNESCO7 (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura), as agências de notícias
ou da informação são uma empresa que tem
principalmente por objeto, qualquer que seja
a sua forma jurídica, obter notícias e documentação de atualidades, que sirvam para
exprimir ou representar os fatos, distribuindo-os a um conjunto de empresas da informação, e excepcionalmente, as particulares,
mediante o pagamento de determinada importância, de acordo com as leis e usos comerciais, sempre à base de um serviço o mais
completo e imparcial possível.
As agências de notícias surgiram no
século XIX. Período este, em que houve vários progressos técnicos e científicos na área
da impressão, como a invenção da máquina
rotativa, do linotipo e do telégrafo.
O surgimento das agências noticiosas
data exatamente do período citado acima caracterizado pela transformação da imprensa
de opinião em imprensa informativa, mais
acessível e generalista. Favorecidas com o
progresso tecnológico da comunicação, sobretudo a invenção do telégrafo, que tornou
possível a partir da primeira metade do século XIX, a transmissão rápida e a distância de
informações. As agências passaram assim a
encontrar o seu lugar no campo da mídia.
No nascimento desta nova atividade pode-se citar Charles-Louis Havas. Em
1835, em Paris, arruinado em decorrência
da derrota de Napoleão Bonaparte na batalha de Waterloo, partindo de uma premissa
de que nenhum jornal teria a possibilidades
financeiras para manter uma rede de correspondentes em todos os locais importantes
Disponível em: http://arturaraujo.blogspot.com/2008/04/o-que-agncia-hoyler-o-que-so-as-agncias.html.
Acessado em 13/11/2009. Artur Araujo é professor mestre em jornalismo e dá aulas na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas e possui um blog com os slides das aulas que ministra na universidade.
7
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| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |
sob o ponto de vista informativo. Ele então
transforma o estabelecimento de tradução
de correspondência estrangeira, que havia
adquirido em 1832, e cria um serviço de difusão de informações, conhecida como Agência Havas. Mais tarde a Havas deu origem a
uma das agências de notícias internacionais
mais importantes do mundo, a France Presse (AFP). A partir daí começa a história das
agências de notícias internacionais em todo
o mundo.
Havas marcou a evolução do campo
jornalístico. A fundação da agência dele inspirou a criação de outras, dois de seus antigos colaboradores, Wolff e Reuter, fundaram
a Agência Wolff na Alemanha (1848) e a
Agência Reuter na Inglaterra (1851), respectivamente. Em 1848, uma cooperativa de seis
jornais nova-iorquinos fundava a Associated
Press.
5. O jornal El Pais
O El País, propriedade do Grupo PRISA8, é o jornal diário de conteúdo geral com
maior difusão e influência na Espanha. O jornal se define como “um diário independente,
de qualidade, vocação européia e defensor da
democracia pluralista”9, de acordo com seus
primeiros editoriais.
Com sede em Madri, possui hoje oito
edições regionais na Espanha. Além de quatro edições internacionais, na Alemanha,
Bélgica, México e Argentina, onde se publica uma edição global que é distribuída pela
América Latina.
Ao longo de sua história, o El País
firmou vários acordos de colaboração inter8
nacional com jornais da Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Inovou
em vários aspectos jornalísticos, o que ajudou a construir sua imagem de credibilidade
e prestígio. Em 1980, foi o primeiro jornal da
Espanha a criar um Estatuto da Redação e a
figura do ombudsman10.
Fundado no dia 04 de maio de 1976,
por José Ortega, Jesús de Polanco e Juan
Luis Cebrián, o jornal nasceu num período
de transição política do regime ditatorial
para a democracia. Seis meses após a morte
do general Francisco Franco (1892 – 1975),
que liderou o período de ditadura na Espanha e presidiu o país por 34 anos. Em sua
linha editorial, o El País ressaltava defesa à
liberdade e apoio a essa mudança política e
social11.
Em 1977, o jornal cria e pública o “Livro de Estilo do El País”12. Referência ainda
hoje para jornalistas não só espanhóis, mas
de diferentes partes do mundo. Apesar de
publicado e comercializado, o Grupo PRISA
define o livro como um “código interno de redação que recorre além das regras formais de
expressão, mas cláusulas de conduta essenciais sobre como os profissionais do diário
devem realizar suas tarefas”13.
Em 1981, no dia 23 de fevereiro, o
jornal ganhou credibilidade após ao 23-F,
episódio em que um grupo de guardas civis
tentou dar um golpe de Estado contra o Parlamento. Antes mesmo que o Rei Juan Carlos I se pronunciasse na televisão espanhola
condenando o golpe, o El Pais publicou uma
edição especial do jornal intitulada “El Pais,
Con La Constituición”. Foi o primeiro diário
que saiu às ruas naquela noite posicionando-
Disponível em http://www.prisa.com/areas-actividad/elpais/. Acessado em 18/09/2009.
9 Idem.
10 Disponível
em http://www.elpais.com/fotogalerias/popup_aninacion.html?xref=20041011el
pepusoc_2&k=breve_historia_pais. Acessado em 18/09/09.
11 Disponível em http://www.revistalatinacs.org/09/art/05_804_03_Brasil/Denis_Porto_
Reno_e_Ingrid_Gomes.html. Acessado em 18/09/09
12 Disponível em http://www.prisa.com/responsabilidad-social/periodismo-haciendo-escuela/.
Acessado em 18/09/09.
13 Idem.
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se claramente contra a tentativa de golpe,
chamando aos cidadãos a manifestarem-se a
favor da democracia. Com a criação do Estatuto e a resposta do El Pais em relação ao
23-F, a audiência do jornal aumentou de 843
mil leitores em 1980 para 1,14 milhão de leitores em 198114.
Em 1992, o El País foi o primeiro jornal espanhol a imprimir exemplares no exterior, especificamente na França. No ano
seguinte, começa a sua publicação diária no
México15. Para conquistar o novo público latino, o jornal oferece um novo tratamento
aos temas de saúde, educação, ciência e comunicação em páginas especiais que se publicaram ao longo da semana.
Em 2000, o jornal inglês International Herald Tribune encomendou uma pesquisa feita em 17 países europeus que revelou
o El Pais como o nono jornal europeu com
maior credibilidade e o quinto em relação à
influência exercida nos principais diários do
continente16.
Em 2007 o jornal passa pela “maior
transformação de sua história”17, apostando
em novos temas, mais fotos e gráficos e uma
nova diagramação. O jornal coloca o acento
no logo e substitui o histórico slogan. “Diario
independiente de la mañana”, que o acompanhou desde sua fundação por “el periodico
global de noticias en español”.
A partir de 2009, o principal objetivo
do El País é a integração das redações. Segundo o grupo PRISA, a integração prevê promover convergência. Para o grupo, a idéia é tornar o El País um grande produtor de conteúdo,
tanto impresso quanto online. Mas o objetivo
de cortar custos se torna óbvio. Mesmo com
a crise, nos últimos três anos, o jornal apresentou um crescimento de 8%. Atualmente,
dirigido por Javier Moreno, o El País possui
cerca de 2,2 milhões de leitores.
6. Considerações finais
As análises das matérias foram feitas
separadamente seguindo o conceito de análise de discurso defendido por Morris (2003).
Foram analisadas todas as matérias
publicadas na editoria internacional do jornal El País por um mês. O El País é o jornal
de maior difusão na Espanha e um dos jornais mais influentes da Europa. A forma em
que este veículo se refere aos países latinoamericanos e os assuntos que ele aborda sobre essa região constroem a imagem da figura dos cidadãos da América Latina, inclusive
dos imigrantes.
Ao total foram publicadas 37 matérias
que abordavam o tema no período analisado. Apenas os discursos do tipo mítico e de
propaganda não foram utilizados. Todas possuíam o discurso político. Ou seja, todas de
alguma forma falavam sobre a política e os
líderes de governo da América Latina.
Problemas políticos internos ou externos no país foram tema de 30 matérias.
Crises entre países ou entre governo e oposição foram os temas mais freqüentes abordados pelo jornal.
Muitas vezes este discurso político foi
acompanhado pelo discurso crítico. O discurso crítico é aquele que agrega valores, positivos ou não, e por isso deve ser usado com
muito cuidado pelo jornalismo, que deve
aproximar-se da imparcialidade o máximo
possível.
O discurso crítico esteve presente em
23 matérias. Enquanto o discurso científico,
aquele que busca pesquisas, fontes e dados
confiáveis foi utilizado apenas em 20 matérias. Ou seja, conclui-se que a opinião do jornal, dos autores e dos entrevistados buscados
por eles prevaleceu sobre a essência jornalística que visa mostrar simplesmente os fatos
14 Disponível
em http://www.elpais.com/fotogalerias/popup_aninacion.html?xref=20041011
elpepusoc_2&k=breve_historia_pais. Acessado em 19/09/09.
15 Idem.
16 Ibidem.
17 Disponível em http://www.prisa.com/areas-actividad/elpais/. Acessado em 20/09/09.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
43
| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |
como aconteceram.
Também é possível concluir que o jornal constrói uma imagem de dependência da
América Latina em relação aos Estados Unidos, principalmente Cuba. Foram publicadas
13 matérias que citavam de alguma forma,
sutil ou não, essa relação de dependência.
Apenas de Cuba, foram sete matérias. O jornal se mostrou muitas vezes claramente contra os governos de Cuba e Venezuela, criticando Castro e Chávez.
Os governos das nações latino-americanas foram retratas como esquerdistas e
o Brasil como líder na região. Sobre o Brasil
houve ainda uma contradição em duas matérias. Uma delas publicou que com a doença
de Dilma Rousseff começou uma discussão
no Partido dos Trabalhadores e no país sobre
uma possível reforma na Constituição para
permitir o terceiro mandato do presidente
Lula. Já a outra, publicada poucos dias depois, disse que surgiu um boato e não uma
discussão oficial.
Foram abordados também temas
como a violência de presos políticos e o narcotráfico em diferentes países do continente.
Por esses motivos, conclui-se que
a imagem da população latino-americana
é construída sutilmente de forma negativa pelo El País. Abordando apenas temas
que mostram as fragilidades do continente,
aumenta-se no público espanhol a crença de
inferioridade e dependência destes povos em
relação às maiores potências mundiais.
44
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |
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Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
45
A IMPORTÂNCIA DOS FATORES
DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Adriana Antonia do Monte
Cristiane Botelho de Assis
Irma Alessandra Carvalho Pinto¹
1. Introdução
Produzir texto, seja ele falado ou
escrito, verbal ou não verbal é uma tarefa
complexa, pois tanto exige conhecimento de
mundo, como conhecimentos linguísticos e
gramaticais dos falantes. A organização da
linguagem escrita e a linguagem falada são
diferentes: as pausas, as interrupções, os
marcadores são típicos da modalidade da língua falada e decorrem de sua produção, que é
simultânea ao planejamento. Já a escrita, por
sua vez, por ter a possibilidade de ser planejada previamente, de correção dos erros, traz
mais frequentemente os padrões da norma
culta. Porém, a maioria dos discentes desconhece as diferenças entre as duas variedades e acaba fazendo da escrita uma simples
transcrição da fala, o que não é adequado,
principalmente quando se leva em conta que
a norma padrão não permite que a língua escrita seja um reflexo da língua falada. Essas
diferenças entre a linguagem oral e a escrita
podem gerar dificuldade para os alunos, podendo até comprometer a construção e/ou
compreensão do texto. A presente pesquisa
teve como objetivo analisar a eficiência da
coerência e coesão no entendimento da mensagem. A pesquisa consiste num estudo de
cunho bibliográfico sobre o assunto, fazendo
referências e citações de autores que investigaram o impacto desses elementos na composição textual,dentre os quais, destacamos
principalmente Ingedore Grunfeld Villaça KOCK, Luiz Carlos TRAVAGLIA (1993,
2002), e Sueli Cristina MARQUESI (2004).
Foi possível concluir que de fato a coesão e
coerência são elementos indispensáveis para
que a mensagem seja efetivamente compreendida e o texto corretamente escrito, uma
vez que estão relacionados com elementos
gramaticais, bem como a conexão entre as
sentenças.
Diante da necessidade do homem se
comunicar com os outros indivíduos, tornase primordial que ele se aproprie da linguagem oral e escrita para demonstrar sua
competência linguística. Contudo, muitas
vezes percebe-se a dificuldade de transportar para o papel o que se pretende escrever,
principalmente porque na fala podem estar
representadas diversidades, sejam de caráter
regional ou mesmo por conta do contexto em
que se encontra, entretanto, essa praticidade
não pode refletir na escrita, ou seja, muitas
pessoas costumam escrever da forma como
falam e a escrita não aceita tais transcrições
de fala.
No papel, a linguagem escrita deve
obedecer aos padrões da norma culta, o que
exigindo dos alunos a compreensão das estruturas do texto, incluindo os fatores de coesão e coerência, elementos importantes para
a construção geral do texto, a fim de possibilitar seu entendimento por parte do leitor.
Nesse sentido, percebe-se então a importância da coerência e coesão na formação
do texto, na organização das ideias nas frases,
como também a ligação por certos elementos,
facilitando a retomada de frases já mencionadas. Convém enfatizar que nenhum texto é
uma peça isolada e que o significado das par-
¹Alunas do curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês da Faculdade Interativa COC.
46
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
tes é sempre determinado pelo contexto ao
qual se encaixa numa dada situação.
Diante da necessidade de investigar
sobre até que ponto os fatores de coesão e coerência podem influenciar na interpretação
textual, a presente pesquisa objetivou identificar conceitos relevantes, tais como texto,
contexto, coesão e coerência, bem como de
que forma esses elementos se articulam para
a organização das idéias e entendimento da
mensagem.
2. Considerações sobre Texto e Contexto
2.1.Texto
Quando se fala em texto, não se trata apenas em reportar-se às letras impressas
em uma página, ou um conjunto de frases.
De acordo com Koch (2005), o texto além de
proferir um enunciado com contexto específico, também é considerado uma manifestação da linguagem:
Texto é uma manifestação verbal
constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenada
pelos co-enunciadores, durante a
atividade verbal, de modo a permitir-lhes na interação, não apenas a depreensão de conteúdos
semânticos, em decorrência da
ativação de processos e estratégias
de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de
acordo com práticas socioculturais (KOCH, 2005, p.27).
Nessa perspectiva, entende-se que o
texto se configura como um meio de comunicação expressa de forma ordenada, possibilitando aos indivíduos a compreensão
do conteúdo. Entre os elementos que fazem
parte do texto, destacam-se as frases, que
dependem diretamente do contexto no qual
estão incluídas para emitir mensagens compreensíveis.
Kaufman e Rodríguez (1995) também
apresentam uma definição para o texto:
Produto da atividade verbal humana é uma unidade semântica,
de caráter social, que se estrutura
mediante um conjunto de regras
combinatórias de elementos textuais e oracionais, para manifestar
a intenção comunicativa do emissor. Tem uma estrutura genérica,
uma coesão interna e funciona
como uma totalidade. Os componentes linguísticos do texto vinculam-se entre si através de distintas
estratégias de coesão e de coerência (KAUFMAN; RODRIGUEZ
(1995, p.146).
Nesse sentido, entende-se que texto é
uma ação entre os indivíduos e a sociedade,
o seu funcionamento se dá com a ligação dos
elementos de coesão e coerência, para uma
melhor compreensão.
Segundo Platão e Savioli (2005) o texto é composto por partes que são interdependentes, e para que seja concebido um texto,
é preciso que o sentido das frases esteja coerente e manifestem as diferentes intenções
do emissor, tais como informar, entreter,
convencer, seduzir, etc.
Para que se ampliem as possibilidades de o aluno desenvolver sua habilidade de
escrita, isto é, para que produza textos a partir de seu próprio entendimento e não como
repetição de ideias do autor, é preciso que ele
compreenda como funciona um texto. Para
isso, é imprescindível que ele tenha acesso
aos mais diversos gêneros textuais, conheçam sua estrutura, finalidade, suporte, o que
lhes possibilitará a construção de textos com
suas próprias ideias, ou seja, escritores autônomos.
2.2 Contexto
Para Rethinking (apud KOCH, 2003,
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
47
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
p.21) não existe uma definição única de contexto, ou seja, não há um conceito padrão
definido para determinar o significado de
contexto.
Com base em análises no contexto de
situações, Hyme (apud KOCH, 2003, p.22)
caracteriza contexto como um esquema que
contempla elementos diversos, tais como:
cenário e/ou lugar, falantes, propósitos e resultados, sequência de atos, normas de interação e interpretação e gêneros textuais.
Nessa perspectiva, entende-se que
para que um texto seja iniciado, é preciso
definir um lugar ou cenário onde os fatos
acontecerão, os participantes que dele farão
parte - distribuídos em falantes e ouvintes além do conteúdo ou mensagem que deseja
ser emitida, obedecendo a regras e a normas
para que seja possível que o ouvinte e/ou leitor compreenda. É necessário ainda a definição de finalidades e propósitos.
No entendimento de Platão e Savioli
(2005), contexto é definido da seguinte forma:
É a unidade maior em que a unidade menor está inserida. Assim,
a frase (unidade maior) serve de
contexto para a palavra; o texto,
para a frase, etc. O contexto pode
ser explicito, quando é expresso
com palavras, ou implícito, quando está embutido na situação em
que o texto é produzido (PLATÃO;
SAVIOLI, 2005, p.14-15).
Logo, é possível concluir que contexto
engloba um conjunto de conhecimentos linguísticos que possibilitam uma situação comunicativa. Ele adquire muita importância
na Lingüística Textual, que revolucionou a
maneira de analisar os textos. Antes, o texto
era considerado em si, como algo fechado,
atualmente, analisa-se todas as referências
extratextuais que possam auxiliar na compreensão.
3. Fatores de Coesão e Coerência e a Interpretação de Textos
48
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Embora muitos elementos interfiram
na interpretação de textos por parte dos alunos, a presente pesquisa aborda apenas aspectos relacionados aos fatores de coesão e
coerência, os principais podem comprometer
ou facilitar o entendimento do texto. Nesse
sentido, percebe-se a necessidade apresentar
os conceitos desses dois elementos, antes de
analisar sua influência na interpretação de
textos, a fim de que seja possível ampliar as
possibilidades de pesquisas, estudos e reestruturação de ideias.
3.1 Definição e relação entre coesão e
coerência
De acordo com Koch e Travaglia
(1993), a coesão é um fator que facilita a relação com a coerência, embora não seja um
fator indispensável para que exista a coerência. Na verdade, a coesão ajuda a perceber a
coerência na compreensão do texto. De acordo com os autores, “coesão é, então, a ligação
entre os elementos superficiais do texto, o
modo como eles se relacionam, o modo como
as frases ou partes delas se combinam para
assegurar um desenvolvimento proposicional” (KOCH; TRAVAGLIA (1993, p.13-14).
Para Halliday e Hansan (apud KOCH;
TRAVAGLIA, 1993, p.14) a coesão está relaciona às relações de significado que existem dentro do texto, ou seja, é o que faz dele um texto e
não uma sequência de frases sem sentido.
De acordo com Beaugrand e Dressler (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.16),
a coesão é o meio pelo qual os elementos do
texto se encontram relacionados entre si.
Com o objetivo de exemplificar como
a coesão pode estar presente em um texto,
Cabral (2009) menciona um trecho de Jordão e Bellezi (2007):
Os sem-terra fizeram um protesto
em Brasília contra a política agrária do país, porque consideram injusta a atual distribuição de terras.
Porém o ministro da Agricultura
considerou a manifestação um ato
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
de rebeldia, uma vez que o projeto de Reforma Agrária pretende
assentar milhares de sem-terra
(JORDÃO; BELLEZI, 2007 apud
CABRAL, 2009, p.1).
De acordo com a autora, os termos
destacados têm a função de unir as partes do
texto, ou seja, são responsáveis pela coesão
textual. Cabral (2009) esclarece que vários
recursos estão associados à coesão de textos,
entretanto, a autora destaca:
• Palavras de transição – trata-se de
palavras que estabelecem a inter-relação entre os enunciados, sejam frases, orações ou
parágrafos. Podem ser representadas por
preposições, conjunções, alguns advérbios e
locuções adverbiais e podem indicar uma introdução (inicialmente, primeiramente, antes
de tudo), uma continuação (além disso, bem
como), conclusão (afinal, portanto, enfim),
tempo (enquanto isso, ocasionalmente, atualmente), conformidade (conforme, de acordo com, igualmente), causa e conseqüência
(por isso, daí, assim), ou esclarecimento (isto
é, ou seja, quer dizer). Alguns exemplos são
mencionados a fim de ilustrar as possibilidades de coesão textual.
• Coesão por referência – diz respeito
às palavras que têm a função de fazer referência.
- pronomes pessoais: eu, tu, ele, me, te, os...
- pronomes possessivos: meu, teu, seu, nosso...
- pronomes demonstrativos: este, esse, aquele...
- pronomes indefinidos: algum, nenhum, todo...
- pronomes relativos: que, o qual, onde...
- advérbios de lugar: aqui, aí, lá...
(CABRAL, 2009, p.2).
• Coesão por substituição – ocorre
quando o nome (de pessoa, lugar, objeto,
etc), verbos, períodos ou trechos do texto
são substituídos por uma palavra ou expressão que se aproximem no sentido, evitando,
assim, a repetição do nome no decorrer do
texto. A palavra Brasília, por exemplo, em
outros momentos do texto pode ser substitu-
ída pela expressão “capital do Brasil”.
Diante da importância dos termos de
coesão para melhor compreensão da mensagem, também se torna necessário ressaltar o
valor da coerência. Na definição de Franck
(apud KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.15) coerência significa:
A conexão formal e de conteúdo
entre elementos seqüenciais (frases, enunciados, atos de fala etc.)
que coloca estes elementos em relação uns com os outros e o insere
numa forma de organização superior como, por exemplo, nomes
em uma lista, frases em um texto,
atos de fala numa sequencia (dialógica) etc.
A coerência trata da continuidade dos
sentidos, ou seja, trata-se da “configuração
de conceitos e relações subjacentes à superfície do texto e são mutuamente acessíveis e
relevantes” (p.16).
A coerência está intimamente ligada
com a boa formação do texto, numa situação
comunicativa entre os usuários, fazendo com
que o texto faça sentido para os mesmos.
Sendo assim, está direcionada à interpretabilidade do texto e à capacidade que cada receptor tem de entender e compreender o seu
sentido. Porém, faz-se necessário esclarecer
que a coerência é vista também como uma
continuidade de sentido perceptível no texto,
mas essa percepção não está ligada à gramaticalidade apenas, pois, enquanto a coesão é
explicitamente revelada por meio de marcas
linguísticas presentes na superfície textual,
a coerência é ao mesmo tempo semântica e
pragmática e, embora esses dois fatores predominem, ela possui dimensão sintática gramatical e linguística. Koch; Travaglia (2008)
afirmam que:
A coerência está diretamente ligada a possibilidade de estabelecer
um sentido para o texto, ou seja,
ela é o que faz com que um texto faça sentido para os usuários,
devendo, portanto ser entendido
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
49
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade
do texto numa situação de comunicação e a capacidade que o receptor tem para calcular o sentido
do texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois a
coerência é global (p. 21).
Dessa forma, a coerência tem a ver
com a formação do texto num sentido de comunicação, interação e interlocução numa situação comunicativa. Ao construir um texto,
é preciso que os elementos estejam ligados,
estabelecendo uma relação de sentido.
Independente da concepção teórica
apresentada, Koch e Travaglia (1993) afirmam que todos os estudiosos concordam
que a coesão e coerência “estão intimamente
relacionadas no processo de produção e compreensão do texto” (p.23).
3.2 A interpretação de textos relacionada com a coesão e coerência
Para que um texto seja compreendido
pelo leitor, é preciso que ele tenha sido construído de forma coerente. Bernárdez (apud
KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.36) cita três
importantes etapas para construção de um
texto coerente: a primeira diz respeito à intenção comunicativa do falante; a segunda se
refere ao planejamento que o falante desenvolve para conseguir que seu texto cumpra
sua intenção comunicativa, contemplando os
fatores situacionais, etc.; a terceira e última
fase trata das operações que o falante realiza
para expressar-se, possibilitando ao ouvinte
a identificação da intenção comunicativa.
Bortone (2008) alerta sobre a necessidade de estruturar os textos de acordo com
seu gênero. “Um poema, por exemplo, geralmente vem em versos, dispostos um abaixo
do outro, formando estrofes. Uma propaganda geralmente vem com gravuras e letras
grandes para chamar mais a atenção do leitor
etc.” (p.218).
Alguns fatores contribuem significa-
50
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
tivamente para que o texto seja construído
com coerência, possibilitando a compreensão da mensagem e, portanto, garantindo a
interpretação segura do texto. Koch e Travaglia (2002) se referem a esses elementos
como fatores de coerência, os quais serão
tratados a seguir.
3.1.1 Elementos linguísticos
Os elementos linguísticos têm grande
importância na determinação da coerência
de um texto. Koch e Travaglia (2002) reconhecem que as apenas as palavras não são
suficientes para garantir o sentido de um
texto, mas são importantes elementos para
o estabelecimento da coerência. De acordo
com os autores:
Esses elementos servem como
pistas para a ativação dos conhecimentos armazenados na memória, constituem o ponto de partida
para a elaboração de inferências,
ajudam a captar a orientação argumentativa dos enunciados que
compõem o texto, etc. (KOCH;
TRAVAGLIA, 2002, p.71).
Percebe-se que os elementos linguísticos são importantes em seu significado,
bem como na relação que estabelecem entre
eles, ou seja, na integração dos recursos que
fazem parte do contexto linguístico.
3.1.2 Conhecimento de mundo
Koch e Travaglia (2002) atribuem
grande importância ao conhecimento de
mundo, citando-o como importante elemento favorecedor da interpretação de um texto.
De acordo com as autoras, é difícil entender
o sentido de um texto se o conteúdo do qual
ele trata não for do conhecimento do leitor.
“É o que aconteceria a muitos de nós se nos
defrontássemos com um tratado de física
quântica!” (p.72).
Para Gonçalves e Dias (2003), o co-
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
nhecimento de mundo é muito importante
porque:
Favorece o processo de compreensão que se realiza por meio da
construção do mundo textual, da
articulação entre os elementos
do texto e do estabelecimento da
continuidade de sentido. Assim,
o conhecimento de mundo ou saber enciclopédico se constitui em
um dos fatores pela construção de
sentido e, consequentemente, pela
coerência textual (DIAS, GONÇALVES, 2003, p.2).
O conhecimento de mundo é ampliado a partir das experiências vividas pelo indivíduo, ou seja, quanto mais contato com o
mundo ele tiver e quanto mais experiências
ele viver, certamente esse conhecimento irá
aumentar e refletir positivamente na interpretação (e produção) de textos.
Bortone (2008) exemplifica a importância do conhecimento de mundo mencionando um pequeno trecho: “Era um típico
dia de verão em Salvador” (p.219). De acordo
com a autora, essa pequena frase possibilita
que vários esquemas mentais de conhecimento de mundo possam ser utilizados para
caracterizar um dia de verão em Salvador. A
autora explica:
Podemos entender esse este dia
como um dia de muito sol e calor,
muitas pessoas na praia, saboreando comidas típicas, como acarajé e camarão, tomando água de
coco, ouvindo música axé, vendo
as baianas com traje típico, apreciando os trios elétricos, entre outras (BORTONE, 2008, p.219).
3.1.3 Conhecimento Compartilhado
O conhecimento compartilhado se
refere ao grau de similaridade do conhecimento de mundo que emissor e receptor
apresentam, estabelecendo uma relação de
integração entre a informação dada e a nova
informação.
Para que um texto seja coerente e bem
interpretado, Koch e Travaglia (2002) orientam que é preciso equilibrar as informações
dadas com as novas. As autoras explicam que
se um texto apresenta apenas informação
nova, certamente ele se torna incompreensível. Em contrapartida, se ele apresenta apenas informação dada, ele se torna redundante e não alcança seu propósito comunicativo.
Para ilustrar a importância do conhecimento compartilhado, Koch e Travaglia (2002) apresentam o seguinte exemplo:
“Hoje é dia de pagar o carnê”. Neste caso, o
“carnê” deve ser de conhecimento comum do
produtor e do receptor da mensagem para que
a mesma tenha algum sentido, ou seja, o conhecimento deve ser compartilhado entre eles.
3.1.4 Inferências
Koch e Travaglia (2002) consideram
as inferências um fator importante para a
interpretação do texto e destacam que elas
estão diretamente ligadas ao conhecimento
de mundo. De acordo com os autores, a inferência estabelece uma relação implícita no
texto, entre dois elementos ou mais.
Exemplo:
Ana Maria viajou para Europa sozinha.
As inferências possíveis nessa frase são:
Ana Maria está de férias.
Ana Maria tem dinheiro.
Ana Maria é solteira.
Não significa que todas as inferências
são necessárias, principalmente porque algumas dependem do contexto e da sequência
do texto.
Nessa perspectiva, Bortone (2008)
destaca a importância de identificar o contexto em que o texto está inserido, afirmando que isso ajuda muito na compreensão do
mesmo. A autora explica que:
Quando nossos alunos percebem o
contexto da leitura, torna-se mais
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
51
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
fácil a compreensão do texto, porque esses indicadores facilitam a
percepção das inferências, uma
vez que o contexto situacional em
que está inserido o texto faz parte
do nosso conhecimento de mundo
(BORTONE, 2008, p.225).
A quantidade de informações explícitas é proporcional ao grau de familiaridade ou intimidade entre os interlocutores.
Para ilustrar esse conceito, Koch e Travaglia
(2002) apresentam como exemplo o seguinte
diálogo:
– A campainha!
– Estou de camisola.
– Tudo bem.
Percebe-se que não existe necessariamente uma relação entre as três falas. Contudo, não é difícil estabelecer uma relação
entre elas. O diálogo mencionado, para ser
completo, é apresentado pelas autoras da seguinte forma:
– A campainha está tocando, vá atender.
– Não posso, estou de camisola.
– Tudo bem, então eu atendo.
É muito comum alguns textos, principalmente aqueles que se configuram como
um diálogo ou que apresentam algum, terem
informações omitidas, mas que podem ser
facilmente inferidas, dependendo do grau de
conhecimento de mundo do leitor, bem como
da familiaridade entre emissor e receptor.
3.1.5 Situacionalidade
A situacionalidade, segundo Beaugrande e Dressler (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.76), “refere-se ao conjunto de
elementos que tornam um texto relevante
para dada situação de comunicação corrente
ou passível de ser reconstituída”.
Dessa forma, na intenção de construir um texto coerente, a situacionalidade é
relevante, na medida em que o texto pode ser
compreensível e coerente em dada situação e
pode não sê-lo em outra, indicando a neces-
52
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
sidade de adequação de cada texto à situação
comunicativa que se pretende alcançar.
3.1.6 Informatividade
A informatividade está relacionada ao
grau de previsão das informações contidas
no texto, ou seja, quanto mais previsível ou
esperada for a informação nele apresentada,
menos informativo ele será e vice-versa. Para
Koch e Travaglia (1993), “a informatividade
exerce, assim, importante papel na seleção
e arranjo de alternativas no texto, podendo
facilitar ou dificultar o estabelecimento da
coerência” (p.81). Para ilustrar esse conceito,
Bortone (2008, p.230) descreve o texto de
Parcelo Pacheco:
Arte
- Pai, você conhece o Miquelângelo?
- Miquelângelo? Conheço. Foi um
grande artista. Pintou a capela...
- A capela sistina, a casa do papa, as
paredes, o teto... pintava bem, NE,
pai? Foi o papa quem mandou pintar.
Pagava pro Michelangelo e dava ainda casa, comida e roupa lavada. Vida
boa, NE?
- E como você sabe disso tudo?
- Eu vi num filme. Legal esse negócio
de pintar parede, heim, pai?
- Hum, hum... legal, muito legal...
- Que bom que você acha legal, pai...
As paredes eu já pintei..., mas pra
pintar o teto eu vou precisar de uma
mãozinha sua.
Marcelo Pacheco (Paieê!) – Quinteto Editorial, São Paulo.
O texto amplia a possibilidade de
coerência na medida em que apresenta informações sobre Michelangelo, bem como o
trabalho artístico que produzia, ou seja, a informatividade do referido texto proporciona
maior coerência para o leitor.
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
3.1.7 Intertextualidade
dois textos para ilustrar esse conceito:
Bortone (2008) se refere à intertextualidade como o momento em que, quando
lemos um texto, percebemos marcas e/ou referências de textos anteriormente lidos.
É possível identificar elementos semelhantes nos dois textos que podem ser
associados pelo leitor em momentos diferenciados, ou seja, mesmo que os textos não tenham sido lidos no mesmo momento é possível identificar a intertextualidade.
Bortone (2008) afirma que a intertextualidade pode ocorrer de duas formas: por
meio da paráfrase e da paródia. Sobre a primeira, a autora afirma que ela pode ser construída com base em um texto inicial, mantendo as mesmas idéias. “A paráfrase retoma
o texto anterior, mas não altera suas ideias, e
sim as reitera” (p.266). Exemplo:
Texto original
Texto Original
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”).
Doze Anos
Chico Buarque
Paráfrase
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!
(Carlos Drummond de Andrade, “Europa,
França e Bahia”).
Fonte: INFOESCOLA, 2009, p.1).
Já sobre a Paródia, Bortone (2008)
esclarece que nela também há uma retomada
das idéias de um texto anterior, mas, ao contrário da paráfrase, corromper essas idéias.
“Rompe-se com a ideologia do texto anterior
por meio de recursos como o humor, a crítica
e a brincadeira” (p.266). A autora menciona
Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Ah que saudades que eu tenho
da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonho, que flores
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Como são belos os dias
Do despontar da existência! [...]
Texto Parodiado
Ai, que saudades que tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai que saudades que tenho [...]
Fonte: BORTONE, 2008, p.267-268.
3.1.8 Intencionalidade
Ao produzir um texto, é preciso determinar objetivos ou propósitos para que se
estabeleça estratégias de escrita que possibilitem a compreensão do mesmo. Para Koch e
Travaglia (2002), a intencionalidade se refe-
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
53
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
re “ao modo como os emissores usam textos
para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados (p.97). Bortone
(2008) cita como possibilidades de intenções
do produtor do texto: produzir emoções, persuadir o leitor e passar informações.
Para Gonçalves e Dias (2003), todos
esses elementos linguísticos mencionados
são importantes e funcionam como meios
para ativar o conhecimento de mundo e se
referem à relação entre texto e contexto. De
acordo com as autoras, esses elementos são
imprescindíveis para se alcançar a coerência
textual, mas não são os únicos responsáveis
pelo significado do texto.
4. Conclusão
Diante dos conceitos aqui apresentados, é possível concluir que os elementos de
coesão e coerência são importantes no processo cooperativo entre escritor e leitor, ou
seja, associados a outros elementos linguísticos eles contribuem para favorecer a compreensão e interpretação de textos. Por um lado,
a coesão está associada ao uso adequado de
alguns itens de ordem gramatical, enquanto
que a coerência se configura como uma ação
comunicativa entre emissor e receptor, ou
seja, trata-se no sentido que o texto produzido tem para o leitor.
Não basta apenas determinar a organização e estética textual para que o texto
se torne compreensível. É preciso que suas
idéias se fundamentem na construção de um
sentido, para que o leitor possa compreender
a mensagem, ou seja, faz-se necessário que
exista uma harmonia entre as idéias e uma
relação entre as sentenças tornando, assim,
o texto coerente.
A pesquisa também identificou os principais fatores de coerência, indispensáveis para
a produção e interpretação de textos, uma vez
que exercem grande influência nesses procedimentos, já que determina a conexão de ideias.
54
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |
Referências bibliográficas
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Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
55
ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E
PRÁTICA DOCENTE¹
Geisa Gabriela Flôres
Graziela Dias da Silva
Natália Cubianchi Furtado
É notável que a educação brasileira
encontra-se com dificuldades, dados do IBGE
e INEP confirmam essa afirmação ao indicar
que muitas crianças ainda estão fora da escola, mesmo no ensino fundamental, nível
que teoricamente seria obrigatório a todos, e
muitos que estão na escola não saem aptos
para a convivência nessa nova sociedade que
se baseia na leitura e escrita.
Também se observa fatores muito presentes na educação, tais como a evasão e a repetência, pois muitas crianças entram no sistema escolar, mas são obrigados a abandonar
o ensino, por diversos motivos, como ter que
contribuir para um aumento da renda familiar, desencadeando um trabalho precoce, ou
por se deparar com um sistema que valoriza
somente os costumes, valores e linguagem da
classe dominante, fazendo com que os dominados, sintam-se excluídos e marginalizados
do sistema escolar (SOARES, 2002).
Segundo Soares (2002) na sociedade
atual a necessidade da leitura e escrita se faz
cada vez mais presente, uma vez que, tudo
gira em torno desse mundo letrado, além da
grande era tecnológica que sofre constantes
mudanças e está alicerçada na escrita, consequentemente pessoas que apenas conseguem
decifrar o código escrito não conseguem se
inserir nessa nova sociedade. Portanto não
basta ser apenas alfabetizado, mas sim saber
utilizar as práticas de leitura e escrita nas diversas atividades cotidianas.
A democratização do ensino tem sido
defendida desde 1882, por Rui Barbosa, ao
analisar a educação e perceber grandes falhas
em seu sistema. Após esse momento e até
nos dias atuais a democratização do ensino
tem estado nos discursos políticos em busca
da igualdade social, porém mesmo com aumento na oferta de vagas ainda grande parte da classe popular continua fora da escola
ou não permanece nela, mesmo no ensino
fundamental, nível obrigatório assegurado
Constitucionalmente (SOARES, 2002).
Segundo Soares (2002), as classes
populares viveram e vivem até hoje uma luta
constante para acesso a escola pública: “Nesta luta, porém o povo ainda não é vencedor,
continua vencido: não há escola para todos, e
a escola que existe é antes contra o povo que
para o povo” (SOARES, 2002. p. 9).
Ainda Soares (2002) prova que não
há escola para todos ao mostrar dados do
censo realizado no ano de 1980, indicando
que cerca de 30% de crianças brasileiras de 7
a 14 anos, encontravam-se fora da escola e ao
fazer análise dos dados por Estado, é possível
notar que em muitos estados metade da população dessa mesma faixa etária encontrase fora da escola. E ainda mostra que a escola
é antes contra o povo que para o povo, ao evidenciar que estatisticamente de cada 1000
crianças que iniciam a 1ª série, menos da metade chega à 2ª, menos de um terço consegue
atingir a 4ª, e menos de um quinto conclui o
1º grau, mostrando assim, as elevadas taxas
de evasão e repetência.
Para uma possível transformação do
quadro educacional é necessário a mobilização e o investimento nos profissionais da
educação e na sua formação, é de extrema
¹Este artigo é fruto de pesquisa realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, para a Graduação em
Pedagogia – Licenciatura, das Faculdades COC, realizado sob orientação da Profa. Dra. Marina Caprio.
56
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
importância prepará-los para utilizar os diversos métodos existentes, de forma atender
todos os alunos, independentemente da classe social.
De acordo com Mortatti (2006), a
partir de 1980, os métodos deixaram de ser
enfatizados e começou uma reflexão a cerca
das salas homogeneizadas, surgindo assim, o
construtivismo, relacionado com os estudos
da psicogênese da língua escrita desenvolvidos pela autora Argentina Emília Ferreiro
dente outros autores. Neste caso o mais importante não é mais o método e sim o processo de aprendizagem dos alunos. O construtivismo surgiu não como um método, mas
como uma mudança de conceito. A principal
ênfase, para o processo de alfabetização é a
não utilização de cartilhas, pois esse material considera a todos como iguais e para o
construtivismo cada criança aprende de uma
forma única em um momento único.
Goulart (2000) argumenta que os
métodos tradicionais buscam alfabetizar
partindo de uma unidade menor, podendo
ser um fonema, sílabas e palavras sempre
partindo de unidades mais simples até chegar às mais complexas, sendo assim, o trabalho de alfabetização de maneira geral não
tem sido satisfatório, pois ao utilizar o método tradicional nota-se que ele não torna os
alunos letrados e cria uma barreira entre o
aluno e o conhecimento, por ser um método
que não valoriza o que os alunos trazem de
bagagem e não trabalha através da realidade
de cada momento.
De acordo com Ferreiro e Teberosky
(1983, apud LUIZE, 2008) para a corrente construtivista um aluno alfabetizado não
é aquele que apenas conhece as letras, sabe
ler e escrever, o aluno alfabetizado é mais do
que isso, é aquele que conhece os diferentes
textos, os compreende e tem a capacidade
de realizar outros, assim para alfabetizar, o
texto deve ser a base e não palavras e sílabas
desconexas com a realidade.
Teóricos procuram defender a grande
eficiência do método fônico para o desenvolvimento dos processamentos fonológicos.
“Os trabalhos de pesquisa mais rigorosos são
unânimes em demonstrar que os métodos de
ensino que enfatizam a instrução direta e explícita do código alfabético são os que apresentam os melhores resultados”. (MORAIS
et al, 1995, apud CAPOVILLA e CAPOVILLA,
2000. p. 31).
Quando um aluno está no processo
inicial do desenvolvimento da leitura, é de
extrema importância a decodificação fonológica, pois esta coopera para o aprendizado
da ortografia das palavras, permitindo assim,
o desenvolvimento da rota lexical, porém a
rota fonológica continuará sendo essencial,
uma vez que, os alunos sempre terão contato
com novas palavras (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
Pesquisas tem comprovado a importância da consciência fonológica que se
refere tanto à consciência de que as frases
podem ser divididas em partes menores (palavras, rimas, aliterações e sílabas) quanto
a capacidade de trabalhar com essas divisões de forma eficaz. Bertelson et al (1989,
apud CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000) e
da Consciência fonêmica, que consiste na
habilidade de decodificação dos fonemas de
forma mais específica (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
Portanto através do estudo da abordagem fônica desenvolvido por Capovilla e
Capovilla (2000), fica evidente que além de
trabalhar a partir de textos vivenciados cotidianamente, é essencial práticas docente voltadas para o desenvolvimento da consciência
fonológica nos seus alunos, uma vez que, “O
procedimento para desenvolver consciência
fonológica é um importante instrumento que
os profissionais podem usar para melhorar as
habilidades de leitura e escrita de seus educandos e clientes” (LEYBAERT et al, 1997,
apud CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
57
| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |
De acordo com Goulart (2000), para
formar cidadãos capazes de ler e interpretar
o que lêem, o modo de se ensinar deve se modificar. Os educadores precisam levar textos
do cotidiano dos educandos para as salas de
aula, além de permitir que os alunos iniciem
sua escrita da maneira que consideram corretas, ou seja, inventada, para que no decorrer do processo cheguem próximos a escrita
convencional, além de respeitar a individualidade de cada aluno.
Estes métodos auxiliam no processo
de alfabetização, portanto não pode-se deixar
de lado o letramento, pois segundo Oliveira
(2005), mesmo o aluno dominando o código
escrito, ele ainda necessita desenvolver a fluência de leitura e escrita, pois sem esta fluência ele pode até compreender um texto, mas
não conseguirá redigir um texto.
De acordo com Soares (2000), letramento é a capacidade do aluno de saber ler e
escrever, mas não apenas ler, e sim interpretar os diversos textos que fazem parte do diaa dia, como jornais, cartas, bilhetes, receitas,
documentos pessoais, sem dificuldade.
E para Kleiman (2007) letramento
focaliza no ensino e na aprendizagem dos
aspectos sociais da língua escrita, portanto
assumir o letramento na aprendizagem dos
alunos implica em alfabetizar através de
práticas sociais trazidas de experiências dos
educandos, levando em conta a diversidade
existente nas salas de aula.
Novamente de acordo com Soares
(2000), o termo letramento ainda não está
presente nos dicionários, mesmo havendo
arquivos e documentos que venham com esta
palavra de título. O letramento não foi introduzido pela mídia nem pelas escolas e professores, estando presente apenas no espaço de
pesquisas. Portanto o conceito de letramento
surgiu quando a alfabetização tornou-se insatisfatória, desde que passaram a pensar
sobre analfabetismo funcional -UNESCO na
década de 70 - e perceberam que saber ler e
escrever sem saber fazer uso dessas habilidades eram insuficientes.
58
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
A autora diz que o letramento é decorrente das sociedades grafocêntricas, pois
tecnologia se desenvolve de maneira acelerada, utilizando-se primordialmente da escrita, por isso ser alfabetizado não basta para
acompanhar toda a evolução.
Ela explica que o surgimento do conceito de letramento no Brasil, ocorreu desde
os tempos de Brasil Colônia, pois até recentemente, o problema era o analfabetismo, e
ao ser parcialmente resolvido, abriu espaço
para o letramento.
De acordo com Soares (2000) alfabetização é um elemento indispensável do letramento e sendo assim, não se distinguem,
ou seja, deve-se alfabetizar letrando.
Alfabetizar letrando significa
orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a
conviver com práticas reais de
leitura e de escrita, substituindo
as tradicionais cartilhas por livros,
por revistas, por jornais, enfim,
pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e
criando situações que tornem necessárias e significativas práticas
de produção de textos. (SOARES,
2000, p.3)
Ainda do ponto de vista da autora supracitada durante o processo de escolarização o letramento deve ser responsabilidade
de todos os professores, pois, em todas as
disciplinas os educandos aprendem lendo e
escrevendo e ao escolher os gêneros para se
trabalhar em sala de aula os critérios devem
ser bem fundamentados, afastando assim, os
aspectos negativos e o exagero na utilização
de diferentes gêneros.
Já que o letramento é responsabilidade de todos os professores, sua formação
e sua prática deve sempre estar em questão,
refletindo o que deve ser melhorado, para
assim promover uma educação de qualidade
para todos.
Segundo Santos e Bernardes (2003),
os cursos de formação de professores estão
| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |
deixando a desejar, além de que, quando esses docentes chegam às escolas se deparam
com apego aos modelos tradicionais de gestão escolar, não permitindo mudanças, além
de se depararem com reivindicações pela valorização docente.
Para Kleiman (2008) há alguns anos
atrás o maior questionamento não era sobre
como o professor ensinava a ler e escrever,
mas sim sobre a sua própria competência de
conseguir fazer uso das práticas de leitura e
escrita, uma vez que, uns nem conheciam a
matéria que deviam ensinar, não liam e nem
escreviam corretamente.
A partir dos estudos de Santos e Bernardes (2003), embasados nos teóricos Magda Soares, Antônio Nóvoa e Sônia Kramer,
fica notável que a necessidade de alfabetizadores mais qualificados, não é atual e sim
desde as primeiras décadas do século XIX e
o que é nítido são cursos de licenciaturas superficiais que deixam grande lacuna, ao formar alfabetizadores despreparados.
Para Santos e Bernardes (2003) a formação de professores está longe da realidade,
ela necessitaria formar alfabetizadores que se
vêem como produtores de conhecimentos.
Santos e Bernardes (2003) defende
que se deve levar em consideração a história de vida de cada professor, considerando
que a maneira de viver dentro e fora da escola deve ser estudada e que sua identidade
e cultura oculta interferem no seu trabalho
diário.
“A formação dos alfabetizadores é um
processo longo e complexo. Longo porque
deverão estar sempre estudando. Complexo, porque não se tem um modelo pronto e
acabado, ideal para cuidar de sua formação”
(SANTOS e BERNARDES, 2003, p.10).
Santos e Bernardes (2003) a partir de
pesquisas notaram que os cursos de formação
de professores não conseguem articular teoria
e prática, não conseguem identificar os problemas mais comuns na busca de soluções.
E o que agrava ainda mais o problema é que com as novas tecnologias o docen-
te dono exclusivo do saber tem o seu papel
modificado, pois o acesso as informações se
tornam mais fáceis e rápidas, porém a escola
não conseguiu ainda se adaptar a essa nova
realidade, permitindo que o alfabetizador
passe a ser muito criticado. (SANTOS e BERNARDES, 2003).
Santos e Bernardes (2003), destacam
ainda que os cursos de formação inicial de
professores mantêm a dicotomia teoria/prática, pois acreditam que ao ensinar a técnica,
os professores se tornam aptos a desempenhar um papel profissional de qualidade. E
os cursos de formação continuam não apresentando resultados significantes.
Para Santos e Bernardes (2003) a
mudança da realidade educacional depende
da formação de professores, estes devem ser
vistos como agentes construtores de conhecimento.
Segundo Brito (2006) a formação
do profissional da educação para as séries
iniciais do ensino fundamental muitas vezes parece não ser tratada com seriedade e
compromisso, e ao longo dos anos o trabalho
docente passou por várias transformações,
pois o educador não é mais considerado apenas transmissor de conhecimentos, e sim um
profissional reflexivo, com capacidade de reformular e criar um novo sentido ao seu fazer
pedagógico.
Brito (2007) ressalta que para o processo de alfabetização ser de qualidade os
cursos de formação de professores devem
prepará-los para lidar com uma sala com diferentes níveis de desenvolvimento, uns em
processo de alfabetização, outros em desenvolvimento de suas habilidades de escrita, ou
ainda em diferentes níveis de letramento.
Gauthier et al (1998, apud CAMPELO, 2002.) mostra que um processo de ensino
aprendizagem eficaz exige que a formação do
professor seja adequada fazendo com que o educador tenha domínio de diversificados conhecimentos, sendo nas áreas disciplinares, curriculares, das ciências da educação, da tradição
pedagógica, experiências da ação pedagógica.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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Brito (2007) enfatiza que por muito
tempo o uso das cartilhas predominou e com
isso todos os alunos eram vistos como papéis
em branco que deviam ser moldados, como
também, vistos de forma homogênea, sem
considerar que cada um tem uma forma única de aprendizagem e cada um se encontra
em um nível de desenvolvimento.
Santos e Bernardes (2003) concorda
com a autora ressaltando que as práticas docentes tem se resumido ao ensino da leitura
e escrita totalmente desvinculado com a realidade, não trabalhando com textos da realidade social. Para Santos e Bernardes (2003,
p.9) “O ensino de leitura estaria calcado na
responsabilidade do alfabetizador de fazer
com que a criança seja leitora e não simplesmente alfabetizada”.
Com base nas pesquisas sobre letramento a criança está em constante contato
com a escrita em diversos momentos na sociedade letrada, entende suas funções e percebe que a escrita aparece de diversas maneiras como em um bilhete, jornal e revista,
dessa forma, a escola deve abrir espaço para
o letramento, levando para dentro das salas
de aula textos das práticas sociais (BRITO,
2007).
E ainda conforme Soares (1998, apud
BRITO 2007) existem diferentes níveis de
letramento dependendo da necessidade do
contexto e sendo assim a aprendizagem da
escrita não ocorre de forma linear é um complexo processo que se constrói em cada indivíduo de forma diferente.
Para Brito (2007) as crianças que
chegam as escolas públicas são capazes de
aprender ler e escrever, o que falta são os
professores identificarem os níveis de desenvolvimento de cada um, para que as atividades sejam pertinentes para que avancem ainda mais e compreendam a real função social
da língua.
O professor deve ser capaz de refletir
sobre sua prática e conhecer profundamente os conhecimentos lingüísticos (BRITO,
2007).
60
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Também para Brito (2007) é de extrema importância a valorização da língua oral e
suas diferentes formas de uso como ponto de
partida para a construção da escrita e também a compreensão de que a escrita infantil
é resultante de suas experimentações e hipóteses não devendo ser vista como erro.
Portanto os docentes devem ser melhores preparados para entender a dinâmica
da aprendizagem, para que deixe de cometer
sérios equívocos como o ensino da escrita
de forma mecânica e técnica, mas sim voltar
atenção para a formação de alunos reflexivos,
capazes de usar a leitura e escrita nas práticas cotidianas. E um passo para isso é transferir o enfoque do como ensinar para como o
aluno aprende (BRITO, 2007).
| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |
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Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
61
ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA
QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO
NO ENSINO À DISTÂNCIA
Ana Cláudia de Almeida Prado¹
Aparecida de Fátima Murdiga²
Gilvana Mara Boesso³
Luciani Marconi Caetano Martins Sgarbi4
Elizabete David Novaes5
1. Introdução
recer como se dá o processo de Ensino à Distância, utilizando para a análise dos dados,
alguns dos estudos teóricos realizados até o
momento como alicerce para tal investigação. O universo de pesquisa envolveu uma
pequena amostra, referente a nove alunos de
uma instituição de ensino que frequentam o
curso de jovens e adultos na modalidade a
Distância, no município de Jaú, interior de
São Paulo. Embora a amostra seja reduzida, permitiu um levantamento exploratório
acerca da problemática de pesquisa, clareando alguns aspectos significativos acerca
da questão da autonomia e aprendizagem a
distância.
O instrumento de coleta de dados foi a
entrevista semi-estrutura, definida em várias
dimensões, sendo que este trabalho buscou
centrar sua análise nas dimensões que dizem
respeito às dificuldades de aprendizagem e
freqüência às aulas. De acordo com a organização das dimensões do questionário aplicado, construímos categorias de análise. Estas
foram destacadas conforme fatores que consideramos importantes de serem relatados.
Tendo em vista a expansão dos cursos à distância no Brasil nos vários níveis
de ensino, é de suma importância ao aluno
desenvolver técnicas de aprendizado específicas para que possa alcançar a certificação e
garantir a aplicabilidade do conteúdo apreendido no seu cotidiano.
As ferramentas tradicionais, associadas às novas tecnologias somam-se como impulsionadores de auto-aprendizado, fazendo
com que o aluno não se limite ao aprendizado
do conteúdo formal, mas também desenvolva
habilidades em outros campos necessários à
demanda do mercado atual.
Com o intuito de compreender melhor a dinâmica desse modelo de ensino,
bem como as necessidades envolvidas nesse
processo, este artigo tem por objetivo geral,
verificar o desempenho de alunos ingressos
no curso Ensino à Distância de jovens e adultos de ensino fundamental e médio de uma
escola da cidade de Jaú. Além disto, busca
verificar nos alunos a sua percepção (e valorização) acerca dessa oportunidade de resgate do seu direito ao aprendizado e ampliação
dos seus estudos.
Ao pensar nessa problemática, buscamos esclarecer a seguinte questão: Quais as
dificuldades que o aluno enfrenta no curso
fundamental de jovens e adultos na modalidade de EaD?
Nesta investigação, buscamos escla-
2. Ensino à Distância
2.1 Conceitos
O Ensino à Distância no Brasil foi
estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB). O Decreto
¹ Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
² Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
³Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
4
*Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
5
Profª. Dra. em Sociologia. Docente das Faculdades COC e da Faculdade Interativa COC
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
nº 2.494/98, que regulamenta o Art. 80 da
LDB, define a EaD como sendo
... uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com
a mediação de recursos didáticos
sistematicamente
organizados,
apresentados em diferentes suporztes de informação, utilizados
isoladamente ou combinados, e
veiculados pelos diversos meios
de comunicação. (BRASIL, 1998;
p. 73)
Segundo Almeida (2003) o ensino a
distância é uma modalidade educacional cujo
desenvolvimento relaciona-se com a administração do tempo pelo aluno, o desenvolvimento da autonomia para realizar as atividades indicadas no momento em que considere
adequado, desde que respeitadas às limitações de tempo impostas pelo andamento das
atividades do curso, o diálogo com os pares
para a troca de informações e o desenvolvimento de produções em colaboração.
Para Oliveira (2009) normalmente a
EaD apresenta combinação de tecnologias
convencionais e modernas que possibilitam
o estudo individual ou em grupo, nos locais
de trabalho ou fora, por meio de métodos
de orientação e tutoria à distância. Assim,
as atividades individuais ou em grupos são
uma exigências da EaD como interação síncrona (ao mesmo tempo, como, por exemplo,
sala de bate-papo) e assíncronas (como, por
exemplo, fóruns de discussão).
Com isso, Almeida (2003) nos diz
que o ‘’estar junto virtual’’ o aluno tem o
professor como orientador que acompanha
seu desenvolvimento no curso, fazendo-o a
refletir, compreender os possíveis equívocos e depurar suas produções, não estando
de plantão no período integral. O professor
se faz presente em determinados momentos
para acompanhar o aluno, e tirar suas dúvidas, mas não nem tem o papel de controlar
seu desempenho. Pois, ao contrário, criaria
a dependência do aluno em relação às suas
considerações, perpetuando a hierarquia das
relações aluno–professor do EaD nos ambientes digitais de aprendizagem, para não
tornar situações tradicionais de sala de aula
presenciais.
De acordo com Landim (1997) a EaD
é o ensino/aprendizagem onde professores e
alunos normalmente não estão juntos, fisicamente, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as
telemáticas, como a Internet. Como também,
podem utilizar para isso, tecnologias semelhantes, o CD-ROM, o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o telefone, o fax.
Para Aretio (1994), a EaD tem como
característica a inexistência de distâncias
e fronteiras para o acesso à informação e à
cultura, propondo uma aprendizagem independente, tornando o aluno capaz de
aprender a aprender e aprender a fazer, de
forma flexível, respeitando sua autonomia
em relação ao tempo, estilo, ritmo e método
de aprendizagem, tornando-o consciente de
suas capacidades e possibilidades para sua
autoformação.
Litwin (2001) dá uma definição rápida sobre a Ensino a Distância (EaD), designando a um conjunto de métodos, técnicas e
recursos, postos à disposição de populações
estudantis dotadas de um mínimo de maturidade e de motivação suficiente para que,
em regime de auto-aprendizagem, possam
adquirir conhecimentos ou qualificações a
qualquer nível. Com isso, baseia-se na idéia
de que qualquer pessoa, pode aprender por
si próprio, sem se postular a existência de
uma relação direta professor/ aluno, desde
que lhe seja fornecido à totalidade dos elementos didáticos associados ao aprendizado de uma dada disciplina: textos de base e
complementares, indicações bibliográficas,
exercícios e trabalhos de aplicação, várias
formas de clarificação ou ilustração da maté-
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
63
| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
ria e, finalmente, elementos para avaliações
parciais e finais.
Assim, pode-se dizer que a característica básica da EaD é o estabelecimento de
um processo educativo que permita comunicação e interação entre professor e aluno,
que se encontram distantes no espaço e no
tempo.
2.2. Educação, Ensino e Aprendizagem
à Distância
Para Chaves (1999) não resta dúvida
de que a educação pode acontecer por meio
do ensino a distância. Porém, que a educação pode acontecer por meio da autoaprendizagem, que não é provocada por nenhum
processo formal de ensino, mas que acontece
por meio de interações com a natureza, com
outras pessoas e com o meio cultural em que
vive. Segundo o mesmo autor, a aprendizagem que assim ocorre é mais significativa
(acontece com mais facilidade, é retida por
mais tempo, é mais facilmente transferida
para outros domínios e contextos, entre outros) do que a aprendizagem que decorre de
processos formais e deliberados de ensino
(i.e., através da instrução).
De acordo com Chaves (1999) nas
novas tecnologias à nossa disposição, em especial na Internet, e dentro da Internet, na
Web, destaca-se não o fato de que podemos
ensinar a distância com o auxílio delas: é que
elas nos permitem criar ambientes ricos em
possibilidades de aprendizagem, nos quais
que pessoas interessadas e motivadas podem
aprender quase qualquer coisa sem precisar
de um processo de ensino formal e deliberado.
Entretanto, quando alguém usa os
recursos hoje disponíveis na Internet para
aprender de forma explorativa, automotivada, ele usa materiais de natureza diversa,
preparados e disponibilizados em momentos
e contextos os mais variados, não raro sem
nenhuma intenção didática, numa ordem totalmente imprevisível e, portanto, não plane-
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
jada, e num ritmo próprio, regulado apenas
pelo desejo de aprender e pela capacidade
de assimilar e digerir o que se encontra pela
frente, não é viável chamar essa experiência
de ensino a distância, como se fosse a Internet que ensinasse, ou como se fossem as
pessoas que estão por trás dos materiais que
ensinassem. Trata-se, outrossim, de aprendizagem mediada pela tecnologia, aprendizagem não decorrente do ensino, portanto,
uma autoaprendizagem.
As palavras de Moran (2006, p. 22)
sintetizam esta nova visão de educação, uma
educação inovadora, como no fragmento que
segue.
Aprendemos melhor quando vivenciamos,
experimentamos,
sentimos. Aprendemos quando
relacionamos, estabelecemos vínculos, laços entre o que estava solto, caótico, disperso, integrando-o
em um novo contexto, dando-lhe
significado, encontrando um novo
sentido. Aprendemos quando
descobrimos novas dimensões de
significação que antes se nos escapavam, quando vamos ampliando
o círculo de compreensão do que
nos rodeia, quando como numa
cebola, vamos descascando novas
camadas que antes permaneciam
ocultas à nossa percepção, o que
nos faz perceber de outra forma.
Aprendemos mais quando estabelecemos pontes entre a reflexão e
a ação, entre a experiência e a conceituação, entre a teoria e a prática; quando ambas se alimentam
mutuamente. Aprendemos quando equilibramos e integramos o
sensorial, o racional, o emocional,
o ético, o pessoal e o social. Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um assunto, de uma mídia,
de uma pessoa. O jogo, o ambiente agradável, o estímulo positivo
podem facilitar a aprendizagem.
“Aprendemos mais, quando conseguimos juntar todos os fatores:
temos interesse, motivação clara;
| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
desenvolvemos hábitos que facilitam o processo de aprendizagem;
e sentimos prazer no que estudamos e na forma de fazê-lo.
Aprende-se com a realidade e a mesma está em constante movimento, e cabe a
nós enquanto profissionais da área de educação criarmos situações que propiciem a nossos alunos o prazer em aprender.
Assim, a tecnologia, com seu leque de
informações, pode ser vista como ferramenta indispensável no processo ensino-aprendizagem.
2.3. Novo Paradigma Educacional e a
Educação a Distância
Segundo Lopes; Newman; Salvago (2003) um novo paradigma educacional
aflora, e as pessoas precisam estar preparadas para aprender ao longo da vida, podendo
intervir, adaptar-se e criar novos cenários.
Neste paradigma, a visão de fragmentação
e divisão vem sendo superada, marcando a
sociedade do conhecimento, propondo a totalidade, reassumindo o todo.
Essa conscientização levará o professor a questionar a didática do “ensino-aprendizagem” que prevê quem ensina (o professor) e quem aprende (o aluno). Demo (2001,
p. 15) efetivamente derrota essa prática como
“instrucionismo, pois este apenas ensina,
treina, inculca, domestica”. Demo refere-se à
alusão de Paulo Freire em falar da “politicidade da aprendizagem”, pois, para o autor,
“....aprender sempre acarreta a formação de
um sujeito capaz de construir sua própria autonomia crítica e participativa”.
Nesta perspectiva, o Ensino a Distância aparece como uma possibilidade, uma
alternativa pedagógica. As necessidades se
diferem em cada período da história da humanidade, pois surgem novas necessidades
na convivência social, e em especial no mercado de trabalho e consequentemente a educação precisa acompanhar esse processo.
Barreto (2006) apresenta a EAD
(Educação a Distância) como uma estraté-
gia dos sistemas educacionais para atender
a grupos heterogêneos da sociedade que por
inúmeras razões não tiveram acesso a serviços educativos regulares. Partindo desse
ponto podemos afirmar que essa modalidade de ensino evidencia-se como uma forma
de superar as dificuldades relacionadas a
situações geográficas, sociais, econômicas e
profissionais, visto que permite a democratização do acesso a cursos de formação em
diferentes áreas do conhecimento.
Assim, considerando o contexto mundial de mudanças aceleradas em todas as dimensões da vida social que exigem adaptações dos sistemas educacionais a educação
a distância vem adquirindo reconhecimento
como uma modalidade de educação apropriada para o alcance de metas de políticas
públicas, especialmente em países como o
Brasil, onde há grande dispersão geográfica
dos alunos. E embora ela seja relativamente
recente no país, devemos destacar iniciativas
ou movimentos que contribuíram de forma
significativa para que tal modalidade fosse
criando ao longo dos anos uma nova metodologia para a disseminação do conhecimento
(BELLONI, 2001).
Além disso, tal modalidade de ensino
evidencia que o ciberespaço será o principal
ponto de apoio de um processo ininterrupto
de aprendizagem e ensino da sociedade por
si mesma. E assim será possível confirmar as
perspectivas dos compromissos assumidos
em conferências internacionais de educação,
isto é, “o direito de aprender por toda vida”
(ROCHA; LIMA, 2008).
2.4. Autonomia do Aluno no Ensino a
Distância
Segundo Moore (1996), a “autonomia
do aluno”, é uma medida que permite que
seja o aluno e não o professor a determinar
os seus objetivos de aprendizagem. Tal comportamento para Malcolm Knowles deveria
ser natural para o adulto, que constitui, na
verdade, o tipo de pessoa, que já tem o seu
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
próprio conceito de independência. No entanto por norma, os adultos “não estão preparados para uma aprendizagem independente; precisam atravessar um processo de
reorientação para aprenderem como adultos”
(KNOWLES, 1970 apud MOORE, 1996).
Moore (1996) defende a necessidade
de os “alunos compartilharem a responsabilidade dos seus próprios processos de aprendizagem”. A autonomia do aluno tem a ver
com a capacidade que este tem, perante os
conteúdos programáticos do curso, de estabelecer os seus próprios objetivos, metodologias e materiais a utilizar, bem como etapas
e modos de avaliação da sua aprendizagem e
aquisição de conhecimentos/competências.
Assim, parece haver uma relação entre o aluno autônomo que prefere programas
bem estruturados, que depois irá gerir, e o
aluno que prefere programas menos estruturados e mais dialógicos ou dialogantes, em
que o professor vai adequando as metodologias e ritmos às necessidades do aluno (MOORE, 1996).
Nesse sentido, segundo Barreto
(2002) a autonomia do aluno é construída
muito mais em função da visão dos responsáveis pelo programa educativo sobre qual
o papel do aluno no processo de ensinoaprendizagem e que estratégias devem ser
pensadas para fomentar esse papel, do que
em função das características da tecnologia
mediadora, mesmo reconhecendo que algumas tecnologias possibilitam mais interação
que outras de acordo com a estruturação do
programa.
Sendo assim, a autonomia dada ao
aluno, pode ser entendida, também, como
uma forma de lhe possibilitar a construção
do conhecimento e da cidadania, individual
e coletivamente, determinando seu próprio
tempo e horário para a realização de suas atividades, conciliando com seu horário de trabalho e lazer. O seu espaço de estudo implica
na redução dos custos com transporte diário,
na diminuição do stress causado pela locomoção nas vias urbanas das grandes cidades,
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
na diminuição da probabilidade de acidentes
pessoais no trânsito e na escolha de um local
mais confortável, tranquilo e, portanto, mais
adequado para estudar, nem sempre, encontrado na maioria das escolas (MORAES FILHO, 2006).
Sendo assim, quando se fala em autonomia, deve-se pensar em uma formação
contínua, uma formação que exija do ser humano a capacidade de governar por si mesmo o seu desenvolvimento pessoal e profissional.
Uma primeira ligação entre autonomia e pesquisa é apresentada por Demo
(1988, apud LOPES; NEWMAN; SALVAGO,
2003), quando aponta o caminho para que o
conhecimento aconteça de uma maneira que
a informação possa ser distinguida, avaliada,
julgada, desdobrada e desenvolvida. Para ele,
a palavra chave é “pesquisa”; não no sentido
de produzir conhecimento científico, mas
como “princípio educativo”. É nesse conceito
que jaz o segredo da autonomia - a construção da “metodologia do aprender a aprender”. A mola mestra no processo é “a arte de
questionar de modo crítico e criativo”, assim
possibilitando a autonomia emancipatória
no caminho da aquisição efetiva e relevante
do conhecimento.
Para Mccarthy (1998) apesar de a
autonomia ser possível sem treinamento e
treinamento não pressupor autonomia, ambos estão relacionados de maneira dinâmica. O treinamento parece ser apropriado na
maioria das situações, porque pode oferecer
ao aprendiz ferramentas para aprender mais
eficazmente e, por meio dessas ferramentas,
pode se tornar autônomo.
De acordo com Daniel; Marquis (1979
apud LOPES; NEWMAN; SALVAGO, 2003),
a independência também aparece interligada
à autonomia. Ela vai além de uma visão simplista de liberdade de estudar quando e onde
o aluno desejar, desconsiderando a interação. A independência no paradigma emergente não se refere a um objetivo externo,
mas a uma função cognitiva; refere-se ao fato
| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
de o estudante assumir responsabilidade na
construção de significados em um ambiente
colaborativo e interativo.
Segundo Litwin (2001) a autonomia
não deve ser confundida com o autodidatismo. Pois o autodidata é o estudante que seleciona os conteúdos e não conta com uma
proposta pedagógica e didática para o estudo. Por exemplo, em uma modalidade à
distância, apesar de permitir-se uma organização autônoma dos estudantes em relação
à escolha de espaço e tempo para o estudo,
isso não significa que não haja uma proposta
didática, seleção de conteúdo, orientações de
prosseguimento dos estudos e propostas de
atividades.
Neste sentido, segundo as autoras
Lopes; Newman; Salvago (2003) a inovação
está no fato de que o papel da instituição passa por uma transformação, deixando de ser
o único centro de informações, tornando-se
espaço ideal para produção de conhecimento
e cultura, privilegiando valores humanos e a
afetividade, fornecendo contextos e saberes
para uma autonomia de sucesso no mundo da
diversidade. Hoje a tecnologia permite que se
tome contato com a realidade indiretamente.
Como Leite (1999) destaca, a relação do educando com a realidade não se limita mais à
sua experiência pessoal e ao que a escola e
a família lhe proporcionam, administrando a
informação e os modelos de interpretação da
realidade.
Para as autoras acima citadas as fontes de informação estão muito mais diversificadas, e a escola deveria estimular novas
formas de experimentação e criação dos educandos. Para que essa função seja cumprida,
os professores deveriam capacitar-se para
isso, principalmente quando esse ensino for
feito a distância, via rede de computadores,
porque suas características são diferentes
daquelas a que estamos acostumados no ensino presencial.
O professor, tanto no ambiente presencial como no ambiente online, sob a
perspectiva da autonomia, precisaria estar
disposto a ceder o controle e permitir que os
aprendizes também participassem nas decisões no processo ensino-aprendizagem, e
estes últimos precisariam estar dispostos a
engajar-se e a ter responsabilidades em sua
própria educação (LOPES; NEWMAN; SALVAGO, 2003).
Tanto professor como aluno trazem
consigo experiências educacionais prévias e
expectativas do ambiente presencial. Quando se faz a mudança para o virtual, os alunos,
muitas vezes, esperam ser ensinados, e professores esperam ensinar.
Com isso, ambos merecem orientações em relação ao ensino a distância, principalmente dentro deste paradigma vigente,
em que a autonomia parece ser prioridade
para se alcançar o aprendizado permanente,
aquele que acontece ao longo da vida.
2.5. Dificuldades da Ead
De acordo com Lopes; Newman; Salvago, (2003) a autonomia na relação pedagógica, significa, de um lado, reconhecer no
outro sua capacidade de ser, de participar, de
decidir, de ter o que oferecer e partilhar; de
outro lado, significa a capacidade que o sujeito tem de “tomar para si” sua própria formação, isto é, de tornar-se sujeito e objeto de
formação para si mesmo.
Para o professor acostumado a se colocar como dirigente da formação dos seus
alunos e para o aluno que não tem disciplina,
metas, limites, em seu processo de aprendizagem, isto não é fácil, pois no ambiente online, as dificuldades existentes na busca pela
autonomia podem ser elencadas como a falta
de suporte técnico, falta de competência técnica do aprendiz e do professor, falta de interesse do aluno em ser autônomo, responsabilizando-se em grande parte pelo seu próprio
desenvolvimento, falta de flexibilidade do
professor em adaptar-se à aplicação de novas
metodologias e estratégias de interação apropriadas ao contexto virtual, falta de atenção
ou sensibilidade para detectar os obstáculos
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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psicológicos, sociais e técnicos a serem enfrentados pelos participantes de um processo ensino/aprendizagem no contexto digital
(LOPES; NEWMAN; SALVAGO, 2003).
3. Resultados da Pesquisa Empírica
Para alcançarmos os objetivos propostos neste estudo, buscamos esclarecer
as dificuldades que os alunos encontram no
processo do Ensino à Distância em uma instituição de ensino na cidade de Jaú, interior
do Estado de São Paulo.
O instrumento de coleta de dados foi
uma entrevista semi-estrutura, definida em 5
dimensões, sendo que este trabalho centrou
sua análise nas dimensões 2 e 3, que dizem
respeito às dificuldades que os alunos encontra no estudo a distância.
Observou-se que quanto à classificação na faixa etária, 78% estão entre 15 a 20
anos. Constata-se que nesta faixa etária o individuo encontra-se no auge de suas funções
físicas, psíquicas e intelectuais. Sendo que
22% então acima de 45 anos.
Ao analisarmos cada uma das categorias, trazemos as falas dos alunos como evidências de poder argumentativo, como coloca Demo (1998), possibilitando-lhes assumir
o lugar que lhes deve ser atribuído, ou seja, o
lugar dos principais atores deste processo de
aprendizado.
Questionando-se quanto às dificuldades que eles encontram para desenvolver seu
conhecimento, 100% dos entrevistados disseram que é a falta de tempo para estudar sozinhos. A maioria é do sexo feminino, e, além
de trabalharem fora, também têm atividades
do lar, filhos para cuidar, ficando muito difícil para estudar, conforme apontaram.
Para um total de 80%, o tempo dedicado ao estudo é somente no horário escolar,
e tirar as dúvidas, somente no dia de aula.
Podemos conferir estas considerações em algumas falas:
“Eu estudo em casa também, não tenho horário certo para estudar. Um dia es-
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
tudo mais outro menos, tiro minhas dúvidas
com a tutora ou na internet”.
“Só no horário escolar, porque tenho
muito pouco tempo, então não dá pra estudar em casa e tirar as dúvidas só na escola
mesmo”.
“Posso dizer que 90% sim (tem tempo). Uma média de 3 dias por semana. Tiro
minhas dúvidas em livros, tele curso e TV”.
Quando foi pedida uma comparação
com o ensino de hoje e o ensino que obtiveram no passado, a maioria respondeu que:
“o ensino de hoje está mais avançado, mais aproveitado de que no passado, só
deveria as aulas ser mais longas, e muita
pouca hora para as aulas”.
“ o ensino está mais atualizado, a leitura está mais presente no dia a dia”.
“O que antes era bom, agora melhorou bastante”.
“Hoje o ensino obtém mais dificuldade para mim na área de matemática, pois
ouve muitas mudanças em relação de letras,
e muitas contas em uma.”
Quando perguntados quanto ao tempo que voltou a estudar e quais as mudanças
observadas em relação ao seu aprendizado,
ou seja, o que as mudanças ocorridas acrescentaram em suas vidas, conferimos algumas
das respostas:
“Por enquanto não mudou nada em
minha vida, faz três meses que voltei a estudar, mas até lá (no final do curso) sei que
vai mudar.”.
“Voltei a estudar há oito meses. Vejo
que em termos de conhecimento melhorou
muito, abriu uma forma de enxergar outras
possibilidades”.
“A explicação é melhor com as aulas
de vídeo, você aprende mais e tudo o que é
passado e sempre bem explicado”.
“Voltei a estudar há três meses, estou
me sentindo mais segura, mais atualizada”.
“Voltei a estudar depois de 12 anos
| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
e as mudanças foram muitas em todas as
matérias. Agora... foi bom para eu ver que
apesar das dificuldades nunca é tarde para
aprender”.
“Voltei a estudar há nove meses, e em
relação ao aprendizado eu aprendi muitas
coisas: a história do Brasil, fazer as contas
de matemática, etc”.
Pode-se afirmar que na EAD o aluno
não pode ser um sujeito passivo, este tem
que desenvolver sua autonomia, administrar
suas prioridades e o tempo necessário para
desenvolver as tarefas. Nesta modalidade o
aluno deixa de ser um mero receptor de informações, como vemos em algumas situações do ensino presencial, pois o aluno é o
principal responsável por sua aprendizagem,
que só aprenderá se houver o envolvimento
deste sujeito.
Este aluno passa a ser responsável
pela sua aprendizagem e, principalmente desenvolver, com a ajuda do professor mediador, a “aprender a aprender”.
Conforme Masetto (2002, p.144):
Por Mediação Pedagógica entendemos a atitude, o comportamento do professor que se coloca como
um facilitador, incentivador ou
motivador da aprendizagem, que
se apresenta como a disposição de
ser uma ponte entre o aprendiz e
sua aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte “rolante”, que ativamente colabora para
que o aprendiz chegue aos seus
objetivos.
Assim entendemos que a EaD é uma
real possibilidade. Cabe ressaltar que sempre
será as pessoas o mais importante para que
o processo de ensino-aprendizagem ocorra,
portanto a aprendizagem se torna algo indispensável e de irrevogável investimento nas
IES.
4. Conclusão
Neste trabalho, pode-se concluir que
a EaD é uma modalidade de ensino que vem
se desenvolvendo consideravelmente e as novas tecnologias de informação e comunicação
ampliam as possibilidades nesta modalidade,
propiciando uma maior interatividade entre
os membros engajados neste processo.
Os resultados encontrados na pesquisa mostram que a maior dificuldade encontrada pelos alunos é a determinação do
tempo para realização das suas atividades
de estudo, dentre as quais, a possibilidade
de compatibilizar o horário de estudo com os
horários dedicados a outras atividades, como
trabalho, lazer, família.
Portanto, é fundamental compreender a flexibilização do espaço e do tempo na
modalidade de ensino EaD, como uma forma de conferir ao aluno, condições de acordo
com as suas necessidades e características
pessoais para imprimir o seu ritmo de estudo
e adquirir conhecimento formal no local e no
tempo que ele julgar mais adequado.
Assim, nos permitimos afirmar que a
autonomia não depende somente do aprendiz e de suas características individuais.
Muito mais complexa, a autonomia depende
além do aprendiz, também da metodologia
adotada, bem como do material utilizado e
dos professores e agentes envolvidos no processo.
Acreditamos que a partir deste trabalho poderão surgir novas pesquisas que possam contribuir para esclarecer pontos que
aqui não foram suficientemente aprofundados, indo além da restrita amostragem utilizada na pesquisa que realizamos.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |
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www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/.../visit.php?cid... Acesso em out./2009.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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REDES NEURAIS ARTIFICIAIS:
UMA PROPOSTA PARA O ENSINO
A DISTÂNCIA
José Waldik Ramon¹
Daniela Barbato Jacobovitz²
Jean-Jacques De Groote³
1. Introdução
Neste trabalho desenvolvemos instrumentos que buscam tornar eficiente o
aprendizado dos conceitos de redes neurais
por parte dos estudantes via web, por meio
de textos explicativos, imagens e softwares,
de forma a aproveitar os instrumentos do ensino de longa distância.
Redes Neurais Artificiais são abstrações do cérebro humano que permitem estudar e implementar conceitos do aprendizado
por meio de uma modelagem computacional. Dentre os diversos modelos existentes,
o perceptron mostra-se muito eficiente na
resolução de problemas de baixa complexidade, sendo muito utilizado por pesquisadores. Sua aplicação envolve a transformação
de sinais de entrada em uma saída mediada
por pesos associados às conexões sinápticas
do modelo. As redes neurais artificiais vêm
conseguindo cada vez mais espaço no mundo
computacional. Este é um tópico com mais
de meio século de idade (remonta à década
de 40), que atravessou um período de crise
onde pouco se falou sobre o assunto, após
a verificação de limitações dos modelos iniciais, até ressurgir na década de 80 e, desde então, vem experimentando um grande
crescimento e conquistando sua posição de
destaque. Com este longo histórico, encontramos na literatura vários tópicos sobre inteligência artificial, redes neurais artificiais e
perceptrons, dentre outros, com uma grande
disseminação das informações, especialmente após o advento da Internet.
Figura 1. a ciência de redes neurais utiliza
como modelo a estrutura do cérebro, buscando reproduzir conceitos como memória e aprendizado,
por meio de modelos matemáticos.
A busca por estes materiais seja em livros ou na Internet, e procurar interpretá-los
corretamente para obter uma compreensão
do tema, é um processo por vezes trabalhoso
e que consome muito tempo de alunos que
almejam desenvolver pesquisa na área de Inteligência Artificial, seja em processamento
de imagens, robótica, aprendizado computacional, dentre outros. Um outro problema relevante é que, por vezes, os textos são muito
densos e de difícil assimilação por parte dos
iniciantes na área, pois são, em sua maioria,
embasados por grande conteúdo matemático e teórico, fatores que podem gerar grande
desmotivação.
¹ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC
² Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC
³ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
No trabalho apresentado neste artigo desenvolveu-se instrumentos que visam
facilitar e tornar eficiente o aprendizado dos
conceitos de redes neurais por parte dos estudantes. Utilizando como meio de divulgação
a web, são apresentados textos explicativos,
imagens e softwares, de forma a aproveitar os
instrumentos do ensino de longa distância.
Nas próximas seções apresentamos
detalhes da elaboração do projeto na seção
II, e a seguir, na seção III mostramos os resultados obtidos. A seção IV é dedicada às
conclusões.
2. Metodologia
O trabalho foi elaborado de forma
simples e clara, procurando explicar os conceitos de redes neurais artificiais na forma
de exemplos e associando esses exemplos a
nossa realidade, de modo a permitir ao leitor
abstração suficiente para assimilar os conceitos de uma maneira eficiente.
A linha de conduta adotada no que diz
respeito à definição dos conceitos, inicia com
uma breve pesquisa de conteúdo histórico
das redes neurais artificiais, descrevendo as
motivações que levaram ao desenvolvimento
da inteligência artificial e das redes neurais
artificiais. A partir desse relato histórico, foi
iniciada uma descrição da relação do cérebro humano com as redes neurais artificiais,
sempre procurando associar cada uma de
suas partes constituintes, ou seja, o lado biológico e o artificial (Fig.1).
Perceptron
Figura 2: O neurônio recebe sinais pelos
dentritos, e passa um sinal para outros neurônios
pelas sinapses. O perceptron é um modelo onde os
sinais de entrada são somados, fornecendo ou não
uma saída de acordo com uma regra definida por
uma função de ativação.
Para demonstrar as propriedades
do modelo computacional utilizou-se como
base um perceptron de uma camada. Este é
um modelo neural simples que se baseia no
aprendizado supervisionado, e que utiliza o
cálculo diferencial para reduzir gradualmente o erro de suas respostas a padrões que lhe
são apresentados (convergência dos valores
em busca de uma saída desejada).
Apesar de ser limitado a soluções
particulares, conhecidas como linearmente
separáveis, permite simular características
importantes do cérebro como aprendizado,
plasticidade e generalização.
Neurônio
Figura 3. Perceptrons ligados formando
uma camada para entrada de sinais e uma única
para saída.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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| REDES NEURAIS ARTIFICIAIS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO A DISTÂNCIA |
3. Resultados
Textos explicativos e softwares em
JAVA foram desenvolvidos para mostrar via
web os algoritmos e conceitos envolvidos. A
abordagem visou uma linguagem clara e a
utilização de analogias e programas. Os algoritmos elaborados mostram etapas do aprendizado do perceptron linear e também de sua
versão com saídas binárias (portas lógicas),
além de permitirem verificar a rede neural
respondendo aos dados apresentados a ela.
Figura 4: janela desenvolvida para mostrar o funcionamento do perceptron linear
Foram elaborados três softwares para
demonstrar o comportamento do perceptron.
O primeiro exibe o erro de aprendizado (diferença entre a resposta gerada e a esperada)
diminuindo progressivamente com o ajuste
das conexões (sinapses). O segundo executa
o mesmo procedimento, porém de forma iterativa, sem o uso da função derivada clássica
utilizada no modelo. Esta versão permite ao
estudante visualizar, efetivamente, o ajuste
das conexões da rede, o que é feito pela função derivada quando aplicada ao perceptron.
O terceiro software é um aprimoramento do
primeiro, com a inclusão de uma função sigmóide para modular as saídas da rede. Com
essa versão, em especial, é possível demonstrar a utilização de uma rede neural artificial
para resolução das portas lógicas AND e OR.
O erro de generalização é focado na
seqüência. Trata-se de um fator que determina a capacidade de uma rede em apresentar
respostas corretas para padrões que não fo-
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
ram utilizados no conjunto de treinamento.
Para facilitar a compreensão deste tópico,
foi desenvolvido um software que executa o
treinamento de uma rede neural artificial e,
a partir da rede treinada, responde a padrões
aleatórios gerados no software. A exibição
da taxa de acerto da rede é exibida em forma
de gráfico, permitindo ao estudante verificar
como a relação entre a quantidade de padrões (entradas) apresentada à rede versus a
quantidade de neurônios desta, interfere na
qualidade das respostas.
Uma explicação detalhada, acompanhada de imagens, foi incluída para a discussão dos conceitos de separabilidade linear do
perceptron (também abordando o problema
do Ou-Exclusivo).
Finalizando, breves citações sobre
ruído e o modelo perceptron de múltiplas
camadas foram feitas. Ruído é considerado
na análise da capacidade de aprendizado da
rede estudante quando os padrões (dados)
lhe são apresentados com imperfeições.
Figura 5. Imagem do site desenvolvido com o conteúdo do trabalho. Através dele
alunos podem adquirir informações sobre o
funcionamento básico das redes neurais de
forma intuitiva, programas de demonstração
da teoria.
| REDES NEURAIS ARTIFICIAIS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO A DISTÂNCIA |
4. Conclusões
Referências bibliográficas
Um conteúdo teórico, aliado a explicações detalhadas dos códigos-fonte e a
interação com os softwares desenvolvidos,
fornecem uma base consistente para o entendimento das redes neurais artificiais. O
trabalho foi elaborado para permitir ao iniciante no assunto desenvolver uma seqüência crescente de seus conhecimentos. Para
reforçar esse objetivo, foram desenvolvidas
implementações que facilitam ao estudante
essa assimilação gradativa de conceitos sobre redes neurais artificiais.
Todo o material abordado neste trabalho está disponibilizado integralmente na
Internet, tanto os textos (com suas respectivas figuras, tabelas e equações) quanto os
softwares em Java©, na forma de applets,
no endereço http://redesneurais.insidesign.
com.br , permitindo que pessoas externas ao
grupo de trabalho também possam desenvolver e aprimorar seus conhecimentos. Os softwares foram alocados de forma a permitir a
execução e a interação do estudante com os
mesmos. Além disso, todo o código-fonte desenvolvido foi também disponibilizado para
download e devidamente explicado, permitindo análises e alterações por parte do usuário.
BITTENCOURT, G. Inteligência Artificial:
Ferramentas e Teorias. 2. ed. Florianópolis:
Editora da UFSC, 2001.
CARVALHO et al. Redes Neurais Artificiais:
Teoria e Aplicações. 1. ed. São Paulo: LTC,
2000.
HAYKIN, S. Redes Neurais: Princípios e
Prática. 2. ed. São Paulo: Bookman, 2001.
REZENDE, S. O. (Coord.). Sistemas Inteligentes: Fundamentos e Aplicações. 1. ed.
São Paulo: Manole Ltda, 2003.
RICH, E.; KNIGHT, K. Artificial Intelligence. International Edition.
Singapore:McGraw-Hill.
5. Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer C.
Ramon e insidesign por fornecer residência
em seu site para disponibilizar o trabalho durante o período de desenvolvimento. Gostariam também de agradecer Andréia Bonfante
por valiosas contribuições.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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SISTEMA AUTOMÁTICO PARA
A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS
DE VEÍCULOS
Ediel Wiezel da Silva¹
Jean Jacques de Groote²
1. Introdução
Esta pesquisa visa fornecer uma solução para o reconhecimento de caracteres
alfanuméricos, através do estudo de técnicas
de processamento digital de imagens e redes
neurais artificiais. O objetivo do trabalho é a
aplicação destas técnicas na identificação de
placas de veículos automotores.
Quando olhamos uma imagem, somos capazes de identificar características e
estabelecer uma finalidade para cada estrutura presente. Esta tarefa, aparentemente
trivial, é na verdade um processo de grande
complexidade do ponto de vista computacional. O desenvolvimento de programas capazes de extrair informações relevantes de imagens representa um desafio que tem atraído
a atenção de pesquisadores em áreas que vão
da digitalização de textos a sistemas de segurança. Porém, com o desenvolvimento atual
na área de processamento digital de imagens
e também de redes neurais, tornam-se possíveis avanços relevantes na identificação de
características presentes em uma imagem.
Através destas técnicas é possível desenvolver modelos computacionais que sejam capazes de identificar objetos em uma imagem de
forma automática, ou seja, sem a interferência de usuários.
A proposta deste trabalho é investigar técnicas de processamento digital de
imagens (PDI) e de redes neurais artificiais
(RNA) visando o desenvolvimento de um
sistema computacional capaz de reconhecer
automaticamente caracteres da placa de um
veículo. O processamento de imagens será
utilizado para remover ruído por meio de filtros passa-baixa. Para identificar a placa na
imagem, sua borda será realçada com filtros
passa-alta, buscando a seguir isolar os caracteres. Operações morfológicas de abertura e
fechamento também serão ser aplicadas no
caso de falhas nas imagens dos caracteres.
A seguir, diferentes formatos de redes neurais artificiais serão treinadas a partir de um
conjunto de exemplos. Para cada formato a
capacidade de generalização das redes serão testadas levando em conta efeitos como
translações, ruído, e diferença nas fontes dos
caracteres. A finalização do trabalho se dará
com união das técnicas em um único programa. O objetivo é que este programa seja
capaz de fornecer os caracteres da placa de
forma automática, e com pequena margem
de erro.
Na próxima seção mostramos o processo inicial adotado para tratar as imagens,
e a seguir a conclusão do trabalho que já foi
realizado até o momento.
2. Metodologia
O objetivo do processamento das
imagens neste trabalho é extrair apenas as
informações relevantes para o posterior treinamento e aplicação das redes neurais. O resultado do processamento deve restringir os
dados extraídos ao mínimo necessário, para
garantir a eficiência da rede neural com relação ao tempo de treinamento e a sua capacidade de generalização.
¹ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações Faculdades COC
² Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações Faculdades COC
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
2.a Pré-processamento
O processamento de uma imagem não
precisa, necessariamente, resultar em uma
imagem melhor do ponto de vista da interpretação humana e sim, para a aplicação que
irá utilizá-la. A melhor forma de transformar
a imagem por esse ponto de vista depende de
um amplo estudo. Neste trabalho partiremos
do pressuposto que uma forma adequada de
transformar as imagens para a rede neural
será fornecer a esta, apenas o esqueleto dos
caracteres da placa.
As etapas do processo que será desenvolvido são apresentadas na figura 1.
Figura 2: Exemplo em escala de cinza de
uma placa de carro que será utilizada nos testes.
Primeiramente fizemos a limiarização na imagem, limitando a intensidade de
pixels a apenas aos níveis, preto e branco (0 e
1). Podemos notar que a imagem resultante,
apresentada na figura 3a, contém alguns ruídos. Os pequenos detalhes da imagem digital
são elementos de alta freqüência, enquanto
que o fundo da imagem e os objetos grandes
são elementos de baixa-freqüência. Desta
forma utilizamos um filtro passa-baixa, para
eliminar os objetos de alta freqüência, como
visto na figura 3b.
Figura 1: processo adotado para o reconhecimento de caracteres
Após a aquisição da imagem o préprocessamento é realizado por meio de sua
transformação para escala de cinza, redução
do ruído por meio de filtros passa-baixa, limiarização para destacar os caracteres, e
operações morfológicas para remover o ruído
restante e completar falhas de segmentação.
A seguir um processo extrai os caracteres e
envia apenas o esqueleto para o treinamento
da rede neural. O mesmo processo é adotado
para o teste da rede neural que é realizado
após o treinamento. Durante a realização
das etapas anteriores, todas as informações
obtidas serão armazenadas em uma base de
dados.
Desta forma, buscamos uma estrutura de um sistema de visão artificial, que realiza as seguintes etapas: aquisição da imagem,
pré-processamento, segmentação, reconhecimento e interpretação. Para ilustrar os
processos envolvidos a placa da figura abaixo
será utilizada para demonstrarmos as técnicas básicas de processamento de imagem.
Fig. 3a
Fig. 3b
Fig. 3c
Figura 3. A imagem da figura 1 foi tratada
pelos processos, (a) binarização, (b) filtro passabaixa para reduzir o ruído e (c) passa-alta para
destacar as bordas.
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| SISTEMA AUTOMÁTICO PARA A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS DE VEÍCULOS |
2.b Redes Neurais Artificiais
Redes Neurais Artificiais são técnicas computacionais que propõem um modelo matemático baseado na estrutura neural de organismos inteligentes, mais especificamente
o cérebro humano [Tafner et al., 1995]. Segundo Haykin [Haykin, 1999], sua principal
característica é a capacidade de aprender a
partir de exemplos e, assim, classificar novos
padrões.
Inicialmente desenvolvemos um
protótipo, apresentado na figura 4, onde a
imagem de um caractere, ou um desenho
realizado pelo mouse é apresentado à janela
principal, e em seguida reduzido às dimensões desejadas pelo usuário. O objetivo desta
redução é diminuir o número de neurônios
de entrada da rede neural, aumentando a velocidade de treinamento. Neste caso utilizamos uma rede de múltiplas camadas (MLP)
que está sendo treinada por meio do algoritmo back-propagation. Os resultados obtidos
com a MLP serão comparados com aqueles
obtidos por redes de uma camada, os perceptrons simples. Como observado por Gray
et al [Gray, 1995], estas redes podem levar a
bons resultados, mesmo sendo limitadas a
problemas linearmente separáveis.
Figura 4. Protótipo desenvolvido para treinar uma rede
neural a reconhecer caracteres.
78
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
3. Conclusão
O projeto encontra-se na fase de
desenvolvimento em que investigamos a melhor forma de destacar os caracteres da placa,
enquanto analisamos em paralelo o treinamento da rede a partir de nosso protótipo. O
objetivo final será unificar todo procedimento em um programa de reconhecimento automático. A eficiência das redes neurais está
associada a sua capacidade de generalizar, ou
seja, a capacidade de identificar caracteres de
placas que não foram utilizadas no processo
de treinamento. Esta capacidade determinará a escolha do tipo de rede.
| SISTEMA AUTOMÁTICO PARA A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS DE VEÍCULOS |
Referências bibliográficas
GONZALEZ, R.C.; WOODS, R. E. Processamento de Imagens Digitais. SP: Edgard Blücher
Ltda, 1992.
GONZALEZ, R. C.; WOODS, R. E. Digital Image Processing. New Jersey: Prentice Hall,
2002.
HAYKIN, S. Neural Networks. New Jersey:. Prentice Hall. 1999.
GRAY, M. S., LAWRENCE, D. T., GOLOMB, B. A., SEJNOWSKI, T. J., A perceptron reveals
the face of sex. Neural Computation. San Diego: University of California, 1995.
MARQUES FILHO; VIEIRA NETO, Processamento Digital de Imagens. RJ: Brasport,
1999.
TAFNER, M. A.; XEREZ, M.; FILHO, I. W. R., Redes Neurais Artificiais: Introdução e Princípios de Neurocomputação. Blumenau: EKO: Editora da FURB, 1995.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
79
ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA
ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO
MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO
Alexandre de Castro Moura Duarte¹
Guilherme Vezzoni²
Ailton Luiz Banzi Junior³
1. Introdução
As organizações modernas, independentemente de seu tamanho, buscam a todo
instante serem eficazes visando sua perpetuação e crescimento. A maioria dos livros e
artigos sobre estratégia empresarial, escritos
ao longo dos tempos procuram, em versões
infinitas, cada um ao seu modo, cada um ao
seu tempo, responder a quatro questões fundamentais:
• Como criar valor para o cliente e ganhar dinheiro;
• Como melhorar a competitividade
diante dos atuais ou potenciais concorrentes;
• Como prever as mudanças no meio
ambiente que, favorável ou desfavoravelmente, causarão impacto no seu negócio;
• Como escolher o melhor caminho a
ser seguido no futuro e garantir o crescimento
a longo prazo.
Para responder a estas quatro questões, uma grande quantidade de pesquisadores, obras, e classificações surgiu no decorrer do tempo, na tentativa de explicar como
a estratégia é formada, quais os principais
parâmetros e variáveis e seus principais contextos.
Bateman & Snell (1998) afirmam
que, para sobreviver e prosperar, os administradores atuais têm de pensar e agir estrategicamente, utilizar-se dos quatro tipos
de desempenho que fornecem valor para o
consumidor e que devem ser superados pela
organização, que são: Qualidade, Custo, Velocidade e Inovação.
A importância da função planejamento, do pensamento estratégico e do estrategista no Brasil deve-se principalmente
ao fato de que, após 1994, com o processo
de abertura econômica, iniciado no governo Collor, que tem resultado num aumento
considerável da competição entre empresas,
tornou seu ambiente cada vez mais dinâmico
e hostil.
O modelo neo-liberal de economia
adotado pelo governo brasileiro obriga as organizações a projetarem mudanças em seus
mercados, técnicas de mercado, produção,
modus operandi da organização, estrutura
e crescimento, relações com fornecedores e
clientes, obtenção e capacitação de recursos
humanos e liderança.
Em função deste ritmo de mudanças
ser cada vez mais rápido, torna-se essencial
desenvolver na organização a capacidade de
elaboração de estratégias, com o sentido de
buscarem ser competitiva, zelando pela sua
permanência e fixação no mercado.
2. Metodologia
Visando atingir o objetivo proposto, foi realizado um estudo de campo junto
a cinco empresas de pequeno porte, compreendendo os setores da indústria e serviços. Como visto na fundamentação teórica,
um dos fatores de sucesso empresarial é a
estratégia, assim, na escolha das empresas
pesquisadas, foram procuradas aquelas reconhecidas por estarem entre as melhores de
seus respectivos segmentos. A identificação
¹ Prof. Ms. Coordenador do Curso de Engenharia de Produção das Faculdades COC
² Aluno do curso de Engenharia de produção das Faculdades COC
³ Aluno do curso de Engenharia de produção das Faculdades COC
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
das pequenas empresas bem sucedidas desta
região foi facilitada devido o autor ser consultor do SEBRAE-SP, entidade que mantém intenso contato com as mesmas.
A escolha destes segmentos se deve
a importância dos mesmos nas cidades de
Ribeirão Preto, Jardinópolis, Sertãozinho e
Cravinhos e também ao número expressivo
destes setores na quantidade de empresas
do Estado de São Paulo, conforme ilustra a
figura 1. O setor de comércio, apesar de ter
43% das empresas, não foi considerado, em
função de a grande maioria de estes estabelecimentos ter menos de 10 funcionários,
caracterizando-se como micro empresas e,
portanto, fugindo do escopo desse trabalho.
Figura 1 - Distribuição das micro e pequenas empresas do Estado de São Paulo por ramo
de atividade. Fonte: SEBRAE - SP
Em Ribeirão Preto, estes dois setores
estudados correspondem a 50% dos estabelecimentos empresariais, totalizando 5848
empresas, empregando cerca de 72.572 trabalhadores, 68% dos empregos formais, conforme mostram as figuras 2 e 3.
Figura 2 -Estabelecimentos empresariais
de Ribeirão Preto. Fonte: CODERP-RP
Figura 3 - Emprego formal em Ribeirão
Preto no ano de 2000. Fonte: CODERP-RP
2.1. Caracterização da Pesquisa
Conforme Gil (2002), de acordo com
os objetivos, a pesquisa pode ser classificada em três grupos: exploratória, descritiva
e explicativa. Neste trabalho foi utilizada a
pesquisa exploratória. As pesquisas exploratórias, na maioria das vezes, envolvem
levantamentos bibliográficos, entrevistas
com pessoas que tiveram experiência prática com o problema pesquisado e análise
de exemplos que ajudam a compreender o
problema pesquisado. Este tipo de pesquisa
quase sempre aparece na forma de uma pesquisa bibliográfica ou de um estudo de caso.
Ainda de acordo com o autor acima,
de acordo com os procedimentos técnicos, a
pesquisa pode ser classificada em: bibliográfica, documental, experimental, ex-post-facto, levantamento, estudo de caso, pesquisaação. Para Triviños (1987), o estudo de caso
é um tipo relevante de pesquisa qualitativa,
que possui como diferença fundamental em
relação a pesquisa tradicional o método, ou
mecanismo de determinação da amostra.
Enquanto que na pesquisa tradicional a estatística se transformou no meio principal
para determinação da amostra, na pesquisa
qualitativa não há, em geral, essa preocupação. Procura-se uma espécie de representatividade do grupo maior de sujeitos que farão
parte da pesquisa e, ao invés de aleatorie-
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| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
dade, a decisão dos sujeitos de pesquisa são
intencionais, em função de características
específicas.
Assim, este trabalho pode ser classificado como sendo um estudo exploratório e
multicaso observacional, pois, parte da análise do processo de formulação de estratégia de
cinco empresas da região de Ribeirão Preto,
tendo sua origem ao longo de processos de
reflexão, de consultorias em pequenas empresas e de leituras em bibliografias da área.
2.2. Escolha dos Casos de Estudo
Na definição da unidade caso, partiuse para a procura de pequenas empresas que
tivessem mais de 10 anos de existência, pois,
passaram pelos 5 anos mais difíceis decorrentes da abertura do negócio (segundo SEBRAE-SP (1999)) e que fossem reconhecidas
como empresas de sucesso em seu setor de
atuação, seja em nível regional ou nacional.
Tabela 1 - Empresas pesquisadas
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| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
As empresas pesquisadas têm como
uma característica comum o reconhecido
sucesso em seus setores, mais de 13 anos de
atividades, número de funcionários superior
ou igual a 30, atuam em setores altamente competitivos, estão divididas em setores
conforme mostra a tabela 1 e foram selecionadas em função do relacionamento do pesquisador com seus proprietários através do
SEBRAE-SP.
2.3. Instrumentos de Coleta de Dados
O processo utilizado para coleta de
dados foi o de entrevista semi-estruturada
realizada com o empresário. Esta entrevista
foi baseada em um roteiro pré-definido, dividido em 2 partes:
• Parte 1: referente aos dados gerais
da empresa e empresários, tem como objetivo conhecer a empresa quanto a sua estrutura organizacional, tamanho, mercado,
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
produtos/serviços e características do empresário.
• Parte 2: referente à formação da estratégia na empresa. Aqui foram analisadas
as principais características e variáveis citadas nas 10 escolas de pensamento estratégico
(MINTZBERG et al, 1998) com a finalidade
de comparar a teoria e prática.
Farah & Cavalcanti (1998) citam
que a entrevista é um dos instrumentos utilizados pelos analistas para levantamento de
dados e possui as seguintes vantagens:
• permite que o entrevistado se sinta
encorajado a apresentar críticas ou sugestões;
• permite ao analista uma visão genérica dos problemas e novas diretrizes, principalmente quando efetuada junto à alta administração;
• permite ao entrevistado exprimir
idéias, oralmente, em clima informal.
Como cuidados a serem tomados no
processo, tem-se:
• necessidade de ressaltar ao entrevistado a importância de sua contribuição;
• estabelecer um roteiro prévio da entrevista;
• abster-se de anotar diante do entrevistado, fazendo-o imediatamente após a
entrevista para que não se percam detalhes;
• comparecer pontualmente à entrevista;
• abster-se de fazer críticas à estrutura
existente, evitando julgamentos antecipados;
• abster-se de formular promessas de
benefícios pessoais ou financeiros à pessoa
do entrevistado;
• procurar não interromper o entrevistado quando não esteja de acordo com as
opiniões emitidas.
Foram necessárias várias horas de
entrevista com cada empresário, devido à extensão do roteiro e do pouco tempo do proprietário em respondê-lo de uma só vez. O
tempo médio de duração de cada entrevista
foi de 20 horas, divididas em várias sessões
de 2 a 3 horas. Para facilitar a compilação
dos dados e aumentar a velocidade do processo, alguns empresários permitiram que
fossem gravadas as entrevistas afirmando
que tal procedimento em nada atrapalharia
suas respostas, porém, alguns se opuseram
ao fato. Nenhum deles fez qualquer objeção
quanto à citação dos nomes de suas empresas
e, apesar do extenso processo de entrevista,
todos ajudaram e contribuíram para a realização da mesma, não se opondo a nenhuma
questão e também não tendo dificuldades em
respondê-las.
Os dados coletados nas entrevistas
estão reproduzidos de maneira que os comentários relevantes dos entrevistados estão
entre aspas e em itálico. Os entrevistados,
citados na tabela 1, são um dos sócios das
empresas.
Além disso, durante o processo de entrevista foram analisados dados numéricos,
normas e políticas das empresas e outros documentos internos. Outro fator importante
foi o prévio conhecimento que os empresários já tinham sobre o pesquisador, facilitando o diálogo e a transparência dos dados a
serem coletados.
3. Visões da Estratégia
Segundo Quinn (1980), estratégia é
um padrão ou plano que integra as principais
metas, as políticas e a seqüência de ações de
uma organização em um todo coerente. Metas ou objetivos dizem respeito à quantificação de resultados em um espaço de tempo,
mas, não dizem como serão alcançados. Políticas são regras ou diretrizes que expressam
o limite dentro dos quais a ação deve ocorrer,
e programas estabelecem a seqüência passo a passo das ações necessárias para que se
atinja os principais objetivos.
Andrews (1971) conceituou estratégia
como sendo um padrão de objetivos, propósitos ou metas e os principais planos e políticas para alcance dessas metas, colocadas
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| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
de tal forma, que definem em que negócio a
empresa está ou quer estar e que tipo de empresa ela é ou quer ser.
Para Chandler (1962), estratégia é a
determinação de objetivos e metas de longo
prazo de uma empresa, a adoção de cursos
de ação e a alocação de recursos necessários
para o alcance desses objetivos.
Henderson (1998) conceitua estratégia como a busca deliberada de um plano de
ação para desenvolver e ajustar a vantagem
competitiva de uma empresa.
Para Porter (1999), estratégia é criar
uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo
um diferente conjunto de atividades.
Whittington (2002) divide o estudo
de estratégia em quatro escolas, (abordagens) que respondem a duas questões fundamentais: para que serve a estratégia e como
ela é desenvolvida. Estas abordagens são
descritas como:
• Clássica - mais antiga e influente con-
tém os métodos de planejamento racional.
• Evolucionária – apóia-se na metáfora da evolução biológica, substituindo a
disciplina do mercado pela lei da selva.
• Processualista - ênfase na natureza
imperfeita da vida humana, estratégia emerge de um processo pragmático de aprendizado e comprometimento.
• Sistêmica - relativista, propõe que
os objetivos e práticas da estratégia dependem do sistema social específico no qual o
processo de desenvolvimento da mesma está
inserido.
A tabela 2 fornece uma visão sobre as
quatro perspectivas genéricas descritas por
Whittington (2002).
Tabela 2 - As Quatro Perspectivas da Estratégia
Fonte: Adaptado de Whittington (2002, p.46).
84
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
Mintzberg (1987, p.11) define estratégia
através dos “5 P(s)”:
• “Estratégia é um plano, algum tipo
de curso de ação conscientemente engendrado, uma diretriz (ou conjunto de diretrizes)
para lidar com uma determinada situação;
• Estratégia é um pretexto, apenas
uma manobra específica com a finalidade de
enganar o concorrente ou o competidor;
• Estratégia é um padrão, especificamente um padrão em um fluxo de ações, significando um comportamento consistente,
intencional ou não;
• Estratégia é uma posição, uma maneira de colocar a organização no ambiente;
• Estratégia é uma perspectiva, seu
conteúdo não apenas de uma posição escolhida, mas de uma maneira enraizada de ver
o mundo”.
Segundo Mintzberg et al (1998),
existem na literatura dez escolas distintas de
pensamento sobre a formação de estratégias,
cada uma com um foco e uma perspectiva,
todas importantes para o processo de formação da estratégia, porém todas também com
suas vantagens e desvantagens. São elas:
• A escola do Design - formulação de
estratégia como um processo de concepção;
• A escola do Planejamento - formulação de estratégia como um processo formal;
• A escola do posicionamento - formulação de estratégia como um processo
analítico;
• A escola empreendedora - formulação
de estratégia como um processo visionário;
• A escola cognitiva - formulação de
estratégia como um processo mental;
• A escola de Aprendizado - formulação de estratégia como um processo emergente;
• A escola do poder - formulação da
estratégia como um processo de negociação;
• A escola cultural - formulação da estratégia como um processo de coletivo;
• A escola ambiental - formulação de
estratégia como um processo reativo; e
• A escola de configuração - formulação de estratégia como um processo de transformação.”
O autor ainda divide as dez escolas em três
agrupamentos. As três primeiras são de natureza prescritiva, mais preocupadas em
como as estratégias devem ser formuladas
do que em como elas são formuladas. As seis
escolas seguintes consideram aspectos específicos do processo de formulação de estratégia, preocupando-se menos com a prescrição
do comportamento estratégico ideal do que
com a descrição de como as estratégias são,
de fato, formuladas. O último grupo contém
apenas uma escola, a da configuração, que
é uma combinação das outras escolas, onde
se busca a integração, agrupando o processo
de formulação de estratégias, o conteúdo das
mesmas, estruturas organizacionais e seus
contextos.
Como se pode observar, são várias as
definições e incertezas que cercam este campo do conhecimento, o que caracteriza estas
diversas escolas de estratégia e pensamento
estratégico. Outro fator interessante de se
observar é que, apesar de farta, a literatura
existente enfoca apenas trabalhos voltados
para as grandes empresas, que possuem características estruturais totalmente diferentes
das pequenas.
Após a revisão bibliográfica realizada neste
trabalho, e a constatação das diversas abordagens sobre o tema Estratégia, optou-se
pela abordagem e pela divisão feita por Mintzberg (1998) por ser ampla, rica em detalhes,
abrangendo todas as propostas apresentadas
por outros autores. Foram ainda pesquisados alguns trabalhos voltados para estratégia empresarial de pequenas empresas, importantes para a formulação do problema,
relativos à sobrevivência organizacional das
mesmas, materiais de treinamento utilizados
pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas de São Paulo - SEBRAE-SP (1999)
e reestruturação industrial de pequenas e
médias empresas.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
85
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
As tabelas 3 e 4 nos dão uma noção das dimensões - chave destas escola.
Tabela 3 -Dimensões Chave das Escolas do Design, Planejamento, Posicionamento, Empreendedora e Cognitiva
Design
Planejamento
Empreendedora
Cognitiva
Palavra
Chave
Congruência/
encaixe,
competência
distintiva,
SWOT, formulação/
Implementação
Programação,
orçamentação,
cenários.
Estratégia
genérica, grupo
estratégico, análise competitiva,
portifólio, curva
de experiência.
Golpe ousado,
visão, critério.
Mapa,
quadro,
conceito,
esquema,
percepção,
interpretação, racionalidade,
estilo.
Estratégia
Perspectiva
planejada,
única.
Planos decompostos em sub
estratégias e
programas.
Posições genéricas
planejadas
(econômicas e
competitivas),
também manobras
Perspectiva
(visão) pessoal e
única como nicho
Perspectiva
mental
(conceito
individual)
Processo
Básico
Cerebral,
simples e
informal,
arbitrário,
deliberado
(prescritivo)
Formal,
decomposto,
deliberativo
(prescritivo)
Analítico,
sistemático, deliberado (prescritivo)
Mudança
ocasional
Periódica, incremental
Aos poucos,
freqüente
Ocasional, oportunista, revolucionária
Enfrenta resistência ou
construída
mentalmente
Agente
Central
Executivo
principal
Planejadores
Analistas
Líder
Mente
Fonte: Adaptado de MINTZBERG et al (1998, p.356).
86
Posicionamento
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Visionário, intuitivo, em grande
parte deliberado
(como guarda
chuva, embora
específico emergente) (descritivo)
Mental,
emer-gente
(dominante
ou forçado
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
Tabela 4 - Dimensões - Chave das Escolas do Aprendizado, Poder, Cultural, Ambiental e Configuração
Aprendizado
Poder
Palavra
Chave
Incrementalismo, estratégia,
fazer sentido,
espírito empreendedor,
aventura,
defensor,
competência
essencial.
Cultural
Ambiental
Configuração
Barganha, conflito, coalizão,
interessados,
jogo político, estratégia coletiva,
rede, aliança.
Valores, crenças, mitos, cultura, ideologia,
simbolismo.
Adaptação,
evolução,
contingência, seleção,
complexidade,
nicho.
Configuração,
arquétipo,
período, estágio,
ciclo de vida,
transfor-mação,
revolução,
reformulação,
revitalização.
Estratégia
Padrões,
única.
Padrões e
posições políticos
e cooperativos
Perspectiva coletiva, única.
Nichos
Qualquer um à
esquerda
Processo
Básico
Emergente,
informal,
confuso (descritivo)
Conflitivo,
agressivo, confuso (descritivo)
Ideológico,
forçado, coletivo, deliberado
(descritivo)
Passivo, imposto e emergente
(descritivo)
Interativo, episódico
(descritivo e
prescritivo)
Mudança
Contínua,
incremental
Freqüente,
pouco a pouco.
Não freqüente
(enfrenta
resistência
ideológica)
Rara e quântica
Ocasional e
revolu-cionária
(outras vezes
incremental)
Agente
Central
Aprendizes
(quem puder)
Qualquer um
com poder,
organização
inteira
coletividade
“Ambiental”
Especialmente
o principal
executivo
Fonte: Adaptado de MINTZBERG et al. (1998, p.357).
4 - Análise Geral das Empresas Pesquisadas
A figura 4 resume e mostra as principais variáveis encontradas na pesquisa. Nela
podem ser comparadas as visões e demais aspectos ligados à estratégia empresarial.
As visões da estratégia mais percebida
nas entrevistas, de acordo com o pensamento dos empresários pesquisados, foram a da
escola do design e empreendedora, porém,
tanto a visão da escola do aprendizado e do
planejamento foram citadas.
Todos empresários pesquisados sentem falta de um ferramental e metodologia
simples, mas que apóiem no processo de elaboração e implementação da estratégia, pois,
existe uma forte necessidade de se formalizar
a visão. Talvez isso possa ser explicado pelo
fato destas empresas estarem em fase de
crescimento, serem referências em seus setores, e, portanto, terem necessidade de dar
passos mais seguros, apoiando-se não só na
intuição, mas também em dados quantitativos e ferramentas de gestão.
Verificou-se também que todas elas
passaram por programas de qualidade. Algumas sistematizaram-no na forma de normas
como a ISO 9000, e outras apenas implantaram sistemas de gestão com base na filosofia
da qualidade, fato este que explicaria a presença de ferramentas como SWOT, missão e
política da qualidade.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
87
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
Figura 4 - Principais variáveis encontradas nas entrevistas
DIMENSÕES
Giglio & Bonfante
Corrassol
Consinco
Estratégia
(principal
visão)
Perspectiva,
Planejada, Única.
Estratégia é um
comportamento
da organização
em relação ao
ambiente
Perspectiva,
Planejada,
Única. Estratégia é um comportamento da
organização
em relação ao
ambiente.
Perspectiva,
Planejada, Única.
Estratégia é um
comportamento
da organização
em relação ao
ambiente
Visão, intuição,
julgamento. A
estratégia existe
na mente do líder
como perspectiva, especificamente um senso
de direção a
longo prazo, uma
visão do futuro
da organização.
Visão, intuição,
julgamento A
estratégia existe
na mente do líder
como perspectiva,
especificamente
um senso de
direção a longo
prazo, uma visão
do futuro da organização.
Processo
Básico
Cerebral e
visionário
Cerebral e
visionário
Cerebral e
ideológico
Visionário e
cerebral
Visionário e
cerebral
Agente
Central
Executivo principal, líder
Executivo principal, líder
Executivo principal, líder
O estrategista,
planejador
Os planejadores
Liderança
Atenta para
procedimentos,
atenta para
análises, agente
de mudanças
Atenta para
procedimentos,
atenta para
aprendizagem,
agente de
mudanças
Atenta para
procedimentos,
atenta ao aprendizado, atenta para
análises
Atenta para
procedimentos,
atenta para
aprendizagem,
atenta para
análise, agente de
mudanças
Atenta para
procedimentos,
intuitiva e agente
de mudanças
Processo
decisório
Participativo,
mais descentralizado
Centralizado
nos sócios
Centralizado nos
sócios
Centralizado na
diretoria
Centralizado nos
sócios
Plano Estratégico formal,
escrito
Sim
Não
Não
Não
Sim
Maior dificuldade na
estratégia
Implementação
Implementação
Implementação
Implementação
Elaboração
Ferramentas
para planejamento
Swot, Porter,
orçamento,
custos
Pontos fortes e
fracos, custos,
faturamento.
Pesquisas, custos,
lucro e faturamento.
Orçamento,
custos, legislação
e políticas.
Análise de custo,
orçamento tendências, faturamento
bruto, lucro, clientes e concorrentes.
Estuda
ambiente
externo
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Estuda
ambiente
interno
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Horizonte
planejamento
2 a 4 anos
1 a 2 anos
1 ano
Acima de 4 anos
1 a 2 anos
Principal
dificuldade
da empresa
pessoas
pessoas
pessoas
pessoas
conhecimento
CHAVES
88
Frateschi
Apis Flora
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
As dificuldades enfrentadas pelas empresas em relação à formação de pessoal foi
um ponto comum que deve ser destacado.
O fato é que devido o processo decisório ser
centralizado, ele acarreta um grande desgaste no dia-a-dia do empresário. Isto pode sugerir uma necessidade de se incluir em um
possível modelo de formação do pensamento
estratégico, especificamente na implementação da estratégia, ferramentas, mecanismos
e processos de gestão de RH.
Acima de tudo, o pequeno empresário mostra-se um visionário. São necessários
para seu crescimento: bons recursos humanos, metodologias e recursos financeiros, as
três maiores necessidades citadas. A formação dos funcionários parece ser importante para a empresa e, quando se compara as
dificuldades apresentadas, percebe-se que a
empresa que mais utiliza mão de obra qualificada é a única que não coloca a variável
“pessoal” como a principal dificuldade.
As ferramentas de análise financeira,
como custos, lucro e orçamento, são bastante
utilizadas. Notou-se também uma forte tendência a não buscar financiamento externo; o
pequeno empresário prefere crescer mais lentamente a se endividar e pagar juros abusivos.
A competitividade do setor e a formação do empresário são fatores que influenciam
a formação da estratégia e o modo de dirigir a
empresa. As empresas industriais pesquisadas
mostraram-se mais maduras e preparadas que
as de serviço, isto poderia sugerir que a idade
do setor influencie no processo estratégico.
O processo estratégico é intuitivo na
maioria das empresas pesquisadas, há uma
forte preocupação em estar em consonância com o ambiente, o que demonstra que a
adaptabilidade e a flexibilidade são fatores
competitivos importantes para as pequenas
empresas.
O horizonte de planejamento é coerente com o tipo de desenvolvimento do produto
ou serviço e objetivo, a Frateschi e o Corassol
têm projetos de prazos mais longos e por isso
fazem análises de tempo maior.
5- Considerações Finais
O grande sucesso do Plano Real,
com a estabilização da economia, mudou
totalmente o cenário empresarial brasileiro,
passando rapidamente de um ambiente
estável para um ambiente dinâmico e de
forte concorrência.
Diante destas mudanças, as empresas
brasileiras se viram em um processo de luta
pela sobrevivência em um tempo muito curto, principalmente as pequenas, que, apesar
de serem mais flexíveis e velozes, dispunham
de menos recursos e políticas de incentivos.
Nesta época iniciou-se um trabalho
com o SEBRAE-SP, especificamente na região
de Ribeirão Preto, visando o treinamento em
implantação de sistemas de qualidade e técnicas de gestão. Em observações práticas, podese notar que planejamento e estratégia eram
fatores não muito relevantes na gestão empresarial, e raras as empresas onde se podia
encontrá-los, embora fosse uma característica
comum nas empresas de sucesso da região.
O que é estratégia, como ela é formulada, implementada e quais as principais variáveis e características deste processo foram
as indagações chaves dos trabalhos de campo. Encontrar uma maneira de ajudar um
empresário em sua busca de sobrevivência e
crescimento foi sempre uma grande procura.
Ao longo deste trabalho, foi possível
visualizar e levantar uma grande quantidade de informações e fatores relacionados
à formulação do pensamento estratégico.
Longe de esgotar este tema, e tão pouco
de generalizar as conclusões obtidas, ele
foi bastante útil no sentido de compreender aspectos da complexidade cognitiva do
pensamento estratégico e de possibilidades
de auxílio aos pequenos empresários brasileiros em sua luta diária pela manutenção
de sua organização.
Baseado nas pesquisas de campo, e
na experiência e conhecimento acumulados em trabalho com pequenas empresas,
pode-se verificar que o processo estratégico
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
89
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
é abstrato, complexo, baseado em análises
do ambiente, é dinâmico e fortemente amparado em razão e intuição conforme mostra a
figura 5.
delas bastante disseminadas nas escolas do
Design, Planejamento e Posicionamento,
pois auxiliam na análise sistematizada dos
problemas organizacionais.
fig. 5 – Processo de
formação da estratégia
Elaboração própria
Durante as entrevistas com os pequenos empresários, ficou evidente a diferença
entre planejamento e estratégia. Enquanto
o primeiro é tratado como um processo de
formalização das decisões, o segundo é visto
como um guia para o futuro, uma posição no
mercado, ou seja planejamento pode ter uma
forte relação com a estratégia, mas não com
a formação da mesma, conforme observado
nos escritos de Mintzberg (1994). A tomada
de decisões por parte do empresário significa
fazer escolhas sobre a direção, identidade e
ritmo que os negócios irão tomar e isto talvez sejam os propósitos do pensamento estratégico. Não se trata de generalização de
resultados, existem muitas diferenças entre
as empresas de pequeno porte, tratou-se com
empresários de sucesso, que possuem nível
de conhecimento e formação diferenciados.
Outro fator importante no grupo
pesquisado foi o peso da intuição, fato
este decorrente principalmente da vasta
experiência dos empresários no ramo de
negócio. Não se pode negar a importância
deste fator na formação da estratégia,
mas também ficou evidente que existe a
necessidade do uso de ferramentas de análise
e formalização do processo, sendo algumas
90
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Ao analisar o planejamento estratégico e compará-lo com o processo de estratégia
na pequena empresa, ficou claro que planejamento estratégico não é estratégia, todas
as pequenas empresas pesquisadas possuem
uma estratégia, nenhuma delas possui planejamento estratégico, e nenhum empresário
acredita que ele funcione. Ainda em relação
ao planejamento estratégico, pode-se verificar na prática o que Mintzberg (1994) chama
de falácias.
Quando perguntado sobre o horizonte de planejamento e previsibilidade do ambiente, os pequenos empresários foram quase unânimes em sua resposta: impossível.
Embora os resultados de suas ações tivessem
perspectiva de tempo diferente, a falácia da
predeterminação pode ser claramente vista
nas palavras do empresário e estrategista Sr.
Celso Frateschi, diretor e sócio proprietário
da Indústrias Reunidas Frateschi Ltda, “prever como as variáveis econômicas se comportarão em um ano é muito difícil, o próprio
passado nos ensina.”
Em relação a falácia do desligamento, pude verificar que a figura do estrategista sentado em sua escrivaninha elaborando
planos para serem implementados pelos fun-
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
cionários não existe, na pequena empresa o
proprietário está presente em todos os lugares, é ele quem implementa, quem assume a
dianteira de todos os processos.
Devido a centralização do poder no
pequeno empresário, estes além de estarem
mais em contato com as operações estão também ligados com as importantes informações
factuais, tendo assim autoridade para gerar
a estratégia. São homens de ação, práticos,
preferem o oral ao escrito, muito embora,
algumas vezes, sintam falta do processo de
formalização, acreditando que se os planos
estiverem no papel possam assegurar o sucesso de sua implementação.
Segundo Bennett et al (2001), o grande
vilão da área da estratégia é a implementação
e não o planejamento, mais ainda, o que
distingue as empresas bem sucedidas é a
forma como se organizam e operam para
concretizar suas aspirações. O autor cita
que em estudos recentes publicados pela
revista Fortune, cerca de 70% dos fracassos
dos presidentes não ocorrem por falha no
pensamento estratégico, mas por falha na
execução.
Formalizar o processo de pensamento
do estrategista parece se um grande dilema
e também a grande falácia da escola do planejamento. A idéia de que sistemas formais
podem substituir a criatividade e intuição é
no mínimo grosseira. As pequenas empresas
são em sua essência informais, e talvez esta
seja uma das principais características que
lhe provém velocidade e flexibilidade. O pequeno empresário sente falta de alguém ou
de alguma ferramenta que o auxilie na implementação, formalização, do pensamento
estratégico. Nenhuma das ferramentas de
análise propostas pelas escolas de estratégia pode prover criatividade e intuição, nada
pode substituir a cabeça do estrategista.
Para Mintzberg (2004) na organização empreendedora, tudo gira em torno do
executivo chefe, ele controla pessoalmente
todas as atividades por meio da supervisão
direta. O planejamento formal pode atrapa-
lhá-lo, impedindo sua livre movimentação.
Eles tem pouca necessidade de pessoas que
os ajudem na formação da estratégia, necessitam de contrabalançar suas intuições por
considerações mais sistemáticas das questões, sentindo falta de planejadores aptos a
isso.
Pode-se perceber que não existe uma
visão única do processo de formação de estratégia, ela reflete os anseios, modelos mentais, cultura, aprendizado e conhecimento do
proprietário ou estrategista, não havendo,
portanto, uma separação nítida, marcante,
entre as dez escolas de pensamento estratégico estudadas.
Bethlem (2003) afirma que em sua
experiência de consultoria, em mais de 300
casos descrevendo o processo estratégico em
empresas brasileiras, não ter encontrado nenhum representante típico de qualquer das
dez escolas.
Amoroso (2002) afirma que a arte de
criar, desenvolver, implementar e monitorar
estratégias competitivas vem sofrendo transformações profundas em razão das mudanças tecnológicas e da velocidade das informações, de maneira que modelos tradicionais de
planejamento como SWOT, Análise Estrutural da Indústria e da Concorrência e outras,
já não funcionam em muitas circunstâncias.
Existe uma grande necessidade de
aquisição de conhecimento pelo pequeno
empresário. A parceria com associações comerciais e industriais, institutos de pesquisa
e com as universidades podem auxiliar na
obtenção de dados mercadológicos setoriais,
na formação de pessoal e também na implementação da estratégia, o que vem a ratificar
a importância da formação de grupos de pesquisa com foco na pequena empresa, como é
o caso na EESC-USP do grupo dirigido pelo
Prof. Edmundo Escrivão Filho e da FEAUSP, Ribeirão Preto, com o grupo do Prof.
Dante Martineli. A realização de fóruns de
discussão sobre economia, política e tecnologias, que poderiam ser realizados por um
conjunto de universidades e pesquisadores
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
91
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
que, em parceria com as empresas juniores,
viabilizariam a ajuda tão necessária à pequena empresa, possibilitando uma diminuição
na taxa de mortalidade das mesmas.
A figura 6 ilustra o que poderia ser
um possível modelo do relacionamento entre
instituições e as pequenas empresas no processo de estratégia.
A
análise
estratégica,
papel
desempenhado hoje exclusivamente pelo
pequeno empresário passaria a contar com
o apoio de instituições governamentais
análise e formação da estratégia.
O uso da intuição agregado a treinamento, informações, políticas públicas favoráveis, principalmente no que diz respeito
ao financiamento a juros baixos de novas
tecnologias, e auxílio na implantação das
estratégias são fundamentais para o crescimento brasileiro, visto que as pequenas e micro empresas são 98% das empresas do país,
mantém 35 milhões de pessoas ocupadas, o
equivalente a 59% da população empregada
e respondem por 40% do produto interno
fig. 6 - Modelo de formulação de estratégia na pequena empresa - Elaboração própria
e particulares de fomento aos pequenos
negócios, através de análises ambientais
e uso ferramentas de sistematização. A
formação da estratégia ficaria a cargo
do pequeno empresário, devido a sua
experiência e conhecimento do ramo.
Posteriormente o empresário e seu pessoal
chave escolheriam estratégias possíveis
que seriam decodificadas em planos,
com o auxílio de empresas juniores, e
posteriormente comunicados a toda equipe
de pessoal da pequena empresa. Através dos
resultados obtidos teríamos um feedback
constante para retro-alimentar o processo de
92
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
nacional (SEBRAE-SP, 2000).
Neste trabalho pretendeu-se verificar como se dá processo de formação da
estratégia junto aos pequenos empresários.
Acredita-se serem importantes novas explorações não só do tema, mas também do
desenvolvimento de modelos de implantação
da estratégia, de novos grupos de pesquisa,
com foco em pequenas empresas, nas mais
diversas áreas de conhecimento, que possam
assessorar governos e instituições públicas e
privadas a desenvolver políticas que estimulem o crescimento e melhoria da gestão deste
grupo de empresas.
| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |
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Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
93
CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA
QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO
DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP
Rafael Baldini Teles¹
Alexandre Silveira2
1- Introdução
O crescimento populacional desacelerado, o desenvolvimento industrial e outras
atividades humanas exigem cada vez mais o
uso da água. É cada vez maior o consumo de
água e conseqüentemente, geração de resíduos líquidos que são muitas vezes lançados
in natura nos corpos hídricos, alterando assim suas características naturais.
O lançamento de um efluente em um
rio provoca um consumo de Oxigênio Dissolvido (OD). Teores mínimos de OD nos rios
são necessários para a existência da biodiversidade do corpo hídrico.
Após o lançamento de efluentes em
um corpo hídrico, ocorre um processo natural de degradação da matéria orgânica
denominado de autodepuração. Essa autodepuração é um fenômeno que consiste em
um restabelecimento do equilíbrio do meio
aquático através de mecanismos naturais,
após alterações induzidas por lançamento de
efluentes. A autodepuração converte os compostos orgânicos em compostos inertes não
prejudiciais na visão ecológica.
Antes do lançamento de uma carga poluidora, o corpo d’água, inicialmente,
apresenta uma característica quanto ao seu
ecossistema e após o descarte do efluente,
essa característica é afetada, desequilibrando o ecossistema que, posteriormente tende
a se reorganizar.
A autodepuração é um processo
natural que ocorre ao longo do espaço e do
tempo e, considerando que o curso d’água
Figura 1.1 – Perfil das
zonas de autodepuração ao longo do curso
d’água. (Von Sperling)
¹ Aluno do curso de Engenharia Ambiental – Faculdades COC
² Professor - Faculdades COC/Ribeirão Preto-SP
[email protected]
94
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
se restabelece ao longo de um certo trecho,
pode-se desmembrar esse reequilíbrio em
diferentes zonas de autodepuração. O rio, em
condições normais, apresenta-se em na zona
de águas limpas, e logo após o descarte da
carga orgânica, inicia-se o processo das zonas
de degradação, zona de decomposição ativa
e zona de recuperação, respectivamente,
atingindo após, novamente a zona de águas
limpas (Figura 1.1).
2- Objetivos
O objetivo geral deste trabalho é
caracterizar qualitativamente um trecho do
Ribeirão Preto após lançamento de efluentes,
através de medidas das concentrações de
oxigênio dissolvido (OD) e da demanda
bioquímica de oxigênio (DBO). A partir desta
caracterização, os dados serão utilizados para
determinar a capacidade de autodepuração
do curso d’água, utilizando o modelo de
Streeter-Phelps.
Os objetivos específicos estão
relacionados com a aplicação do modelo de
Streeter-Phelps que necessita de parâmetros
empíricos como dados de entrada. De uma
maneira resumida, os objetivos específicos
são:
1 Determinar
os
parâmetros
necessários para a utilização do modelo:
K1 – Coeficiente de desoxigenação e K2 –
Coeficiente de Reaeração
2Realizar medidas de OD e de DBO
para auxílio da determinação dos parâmetros
necessários.
3Modelagem e simulação de cenários
possíveis para a melhoria da qualidade de
água do trecho em questão.
3- Metodologia
3.1- Caracterização da Área em Estudo
O Ribeirão Preto nasce na cidade de
Cravinhos-SP, passa pelo distrito de Bonfim
Paulista e encerra em Ribeirão Preto-SP,
onde deságua no rio Pardo.
O projeto em estudo é realizado em
um trecho do Ribeirão Preto (figura 3.1), que
apresenta uma extensão de aproximadamente
300 metros e uma largura média de 10
metros. A primeira etapa consistiu na
localização dos pontos de interesse: pontes
para monitoramento e coleta de amostras,
lançamento de efluente, galeria de água
pluvial e outros.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
95
| CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP |
O trecho em estudo é circundado pela
urbanização, mais especificamente entre os
bairros Vila Tibério (jusante à esquerda),
Vila Virgínia (ao lado esquerdo), Jardim Maria Goreti (montante à esquerda), Vila Santa
Terezinha (montante à direita), Jardim Sumaré (ao lado direito) e o Centro da cidade
(jusante à direita).
3.2- Análise das Coletas
4- Resultados e conclusão
O trabalho está em andamento e
atualmente passa pela etapa de coletas e
análises de amostras de águas do trecho
em estudo. Deste modo, não foi possível de
incluir os dados. Conseqüentemente, esse
resumo expandido não contém os resultados
e conclusões, que constarão no trabalho
completo que será enviado dentro do prazo
determinado.
A análise dos resultados será feita
abordando os seguintes aspectos:
1. Concentração de OD e DBO do rio
(pontos 1, 3, 4, 5, 6 e 7) – enquadramento do
corpo de água segundo a resolução CONAMA
nº 357, de 17 de março de 2005
2. Concentração de DBO dos lançamentos de efluente (pontos 3 e 5) – caracterização do efluente: doméstico ou industrial
As coletas serão realizadas a fim de
se analisar as condições em que o trecho do
rio se encontra, mesmo sendo visível em um
primeiro instante que, o trecho em estudo se
encontra em condições deploráveis. Mesmo
assim, é comum encontrar moradores vizinhos pescando às margens do rio, entrando
em contato direto com a água, sem nenhum
tipo de precaução e consciência (figura 3.3).
No trecho em estudo foram localizados lançamentos pontuais de rede de esgoto
e de galeria de águas pluviais, além de uma
suposta mina d’água (segundo informação
de moradores), conforme já indicado na figura 3.1.
Serão realizadas 6 coletas nos pontos
1, 3, 4, 5, 6 e 7 (trecho a montante do ponto
6), conforme Figura 3.1. Após as coletas serem devidamente realizadas, serão efetuadas
análises de OD e DBO e determinadas as vazões dos lançamentos e do rio.
96
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
3.Determinação de K1 e K2
4. Medição da vazão do trecho do rio
5. Simulação dos níveis de OD e DBO
em função do tempo e do espaço a jusante dos lançamentos utilizando o modelo de
Streeter-Phelps para prever a distância necessária para que o Ribeirão Preto recupere
a carga assimilada
Portanto, cabe ao trabalho proposto,
determinar a distância necessária para a
autodepuração.
| CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP |
Referências bibliográficas
AGÊNCIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS – Resolução CONAMA 357/05. Disponível em: http://www.cprh.pe.gov.br/frme-index-secao.
asp?idsecao=36. Acesso em 24 de maio de 2005.
CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – Resolução 20/86. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res2086.html Acesso em 25 de abril
de 2005.
BRAGA, B.; et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo, Prentice Hall, 2003.
305p.
MOTA, S.; Introdução à Engenharia Ambiental. 1ª Edição. Rio de Janeiro: ABES, 1997.
280p.
NUVOLARI, A.: et al. Esgoto Sanitário: Coleta, Transporte, Tratamento e Reuso Agrícola.
FATEC-SP, CEETEPS. 2003. 520p.
VON SPERLING, M.; Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias: Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos - Volume 1. 2ª Edição revisada.
DESA – UFMG. 243p.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
97
ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À
EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP ATRAVÉS
DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA
AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING
Marcelo Abraão Figueiredo¹
Ricardo Adriano Martoni Pereira Gomes²
1. Introdução
As atuais discussões sobre os
problemas relacionados ao meio ambiente e
seus reflexos na qualidade de vida de diversas
comunidades e sobre o futuro do planeta têm
levado em conta, cada vez mais, o papel dos
recursos geológicos, pedológicos, hídricos,
atmosféricos e biológicos, nos quais ocorrem
as maiores agressões e impactos ao meio
ambiente (WHITE et al, 1992).
Uma bacia hidrográfica deve ser
entendida como sistema geomorfológico
drenado por cursos de água, ou por um sistema
de canais conectados, que convergem, direta
ou indiretamente, para um rio principal ou
para um espelho de água, constituindo-se,
assim, em uma unidade sistêmica ideal para
o planejamento do manejo integrado dos
recursos naturais (BERTONI & LOMBARDI
NETO, 1990). A idéia de bacia hidrográfica
está associada à noção da existência de
nascentes, divisores de águas e características
dos cursos de água, principais e secundários,
denominados afluentes e subafluentes.
Os cursos de água transportam detritos
(sólidos) que têm origem principalmente
na erosão superficial do solo, ou também
chamada de erosão laminar. Nesse tipo de
erosão as partículas do solo desprotegidas, são
desagregadas pelo pisoteio, pelo vento e pelo
impacto da chuva. O fenômeno denominado
“splash” (erosão por impacto das gotas de
chuva) é responsável pela desagregação das
partículas de solo pela chuva. O efeito do
“splash” no solo é potencializado quando a
cobertura vegetal é escassa e a intensidade de
chuva é alta, aumentando a susceptibilidade
do solo à erosão. O papel do “splash”
varia não só com a resistência do solo ao
impacto das gotas de chuva, mas também
com a própria energia cinética das gotas de
chuva. Dependendo da energia aplicada à
superfície do solo, ocorrerá, com maior ou
menor facilidade, a ruptura dos agregados
e o espalhamento de pequenas partículas,
formando crostas que provocam a selagem
do solo (GUERRA et al., 1999).
Os sedimentos removidos de uma
bacia durante chuva intensa podem ser
transportados e ficar depositados em um
curso de água e, ali, permanecerem até
outra precipitação, quando serão novamente
transportados para jusante (LOPES, 1980).
A principal causadora desse problema é a
erosão hídrica, processo no qual ocorre o
desprendimento e transporte de partículas
do solo causado pela água. Constitui-se em
uma das principais causas de deterioração
acelerada das terras utilizadas na agricultura.
Segundo LE BISSONNAIS & SINGER (1988),
a erosão hídrica resulta da interação de forças
ativas como: as características da chuva, a
declividade do terreno e a capacidade do
solo em absorver água; e de forças passivas,
como: a resistência do solo à ação erosiva da
água, os métodos de cultivo e a densidade
da cobertura vegetal. A resistência do solo
determina a sua erodibilidade, que é a
tendência inerente do solo de erodir-se em
¹ Aluno do do Curso de Engenharia Ambiental - Faculdades COC - [email protected]
² Orientador e Professor Doutor, docente das Faculdades COC - [email protected]
98
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
diferentes proporções, devido unicamente às
diferenças peculiares de cada classe de solo.
A segunda fase da erosão hídrica
é caracterizada pela remoção da camada
superficial do solo. Esse tipo de erosão
está associado ao escoamento superficial,
que muitas vezes é referenciado como
escoamento laminar. Em contraste com o
impacto das gotas, o escoamento laminar
tem pequena capacidade de desestruturação
e alta capacidade de transporte. (BRADFORD
et al., 1987; GROSH & JARRETT, 1994). O
impacto das gotas sobre o solo abre pequenas
crateras e partículas são desprendidas e
lançadas a 1,0 m de altura e 1,5 m de raio de
distância. BERTONI & LOMBARDI NETO
(2005) comentam que pesquisadores têm
constatado que em uma única chuva ocorre
o desprendimento de mais de 200 toneladas
de partículas de solo por hectare.
Nesse contexto, a utilização de
modelos matemáticos para avaliar a perda
de solo de uma área cultivada vem se
tornando uma prática de grande utilidade
para o planejador conservacionista e para
os estudos ambientais (GAMEIRO, 1997). O
desenvolvimento de equações para calcular a
perda de solos iniciou-se por volta de 1940 no
Corn Belt, Estados Unidos. O processo para
estimar a perda de solo nessa região entre
1940 e 1956 era conhecido como o método
do plantio em declives (GAMEIRO, 1997).
Durante anos, diversas tentativas foram
realizadas com a finalidade de se quantificar
o efeito da erosão em conjunção com as
práticas de plantio (HUDSON, 1981).
BERTONI & LOMBARDI NETO
(2005), descrevem a evolução dos modelos
matemáticos para avaliação de perdas de solo
e a introdução de outras variáveis tais como:
práticas conservacionistas, erodibilidade
do solo, precipitação. Estas variáveis foram
sendo estudadas e introduzidas visando
adaptar o modelo do Corn Belt a outras áreas
cultivadas. Somente a partir da criação, em
1954, do Runoff and Soil – Loss Data Center,
pelo Agricultural Research Service dos
Estados Unidos da América, em cooperação
com a Universidade de Purdue, é que foram
compilados novos dados e acrescentados
aos já obtidos em épocas anteriores, para
posteriormente ser desenvolvida a equação
mais difundida atualmente, a Equação
Universal de Perdas de Solo (EUPS)
(CAVALIERI, 1994).
A Equação Universal de Perdas de
Solo (Universal Soil Loss Equation - USLE) é
um modelo elaborado para predizer a perda
de solo por erosão em culturas específicas
com diferentes gerenciamentos de sistemas
agrários. De acordo com WISCHMEIER &
SMITH (1978), o modelo proposto pela EUPS
superou muitas das limitações encontradas
nas equações anteriormente propostas.
Segundo GAMEIRO (1997), a
sensibilidade de modelos desse tipo é definida
como uma medida dos efeitos da variação
de um determinado fator no resultado final
do modelo, e é uma importante ferramenta
na formulação, calibração e verificação de
modelos matemáticos. Ainda GAMEIRO
(1997), a forma como os fatores comprimento
e declividade de rampa são introduzidos
no modelo assumem grande importância
quando o assunto é a sua sensibilidade.
Em frente a essa realidade o presente
trabalho tem a finalidade de realizar um
estudo para avaliar a suscetibilidade à
perda de solo por erosão laminar na Bacia
do Córrego São Simão, integrando-o com
diagnóstico ambiental da microbacia do
córrego em estudo, visando subsidiar o
planejamento e fornecimento de diretrizes
ao gerenciamento da bacia, utilizando como
ferramenta o geoprocessamento.
2. Material e métodos
2.1. Caracterização da área
2.1.1. Aspectos geográficos gerais
A bacia do córrego São Simão está
totalmente inserida no município de São
Simão – SP, e apresenta uma área de 52,8
Km2, como pode ser visto nas Figuras 2.1
e 2.2.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
99
| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |
Figura 2.1. - Bacia Hidrográfica do Córrego
São Simão e a localização do Município de São
Simão (GONÇALVES E
DIBIAZI, 2006).
Figura 2.1. - Bacia Hidrográfica do Córrego São Simão e a localização do Município de São Simão (GONÇALVES E DIBIAZI, 2006).
A nascente do córrego está localizada na latitude 238467,3 UTM e longitude
7620130,9 UTM (fora da área urbana da cidade), no seu trajeto ele atravessa a área urbana, e recebe efluentes industriais e domésticos. Sua foz está na latitude 230037,5UTM
e longitude 7628438,5 UTM, na confluência
com o Ribeirão Tamanduá. O município está
localizado no nordeste do Estado de São
Paulo, e faz parte da região administrativa de
Ribeirão Preto, especificamente na área conhecida como Alta Mogiana. Possui cerca de
629 km2, e sua área urbana conta com aproximadamente 5,758 km2, e uma população
de 14400 habitantes (SEADE, 2004). Tem
como limite ao norte o município de Serra
Azul, a leste o município de Santa Rosa de
Viterbo, ao sul Santa Rita do Passa Quatro e
a oeste Luis Antonio (Figura 2.2). Está distante cerca de 300 km da capital e a 50 km de
Ribeirão Preto por via rodoviária. (GONÇALVES E DIBIAZI, 2005).
100
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
2.1.2.
Pedologia
Predominam os solos do tipo arenoso (cerca de 50,8% da área da bacia – Areia
Quartzosa Profunda), sendo o restante da
área ocupado por: Latossolo Roxo 23,5%, Solos Litólicos 15,3%, Latossolo Vermelho Escuro 7,8%, Tipos de terreno 1,7% e Latossolo
Vermelho Amarelo 0,9%.
Para essa determinação foram utilizadas as cartas pedológicas de Ribeirão Preto
e Descalvado, escala 1:100.000 (INSTITUTO
AGRONÔMICO DE CAMPINAS,1983).
2.1.3. Uso e Ocupação do Solo
Na bacia do córrego São Simão, grande
parte da área (69% da área total) é ocupada por
pastagem, silvicultura e atividades agrícolas.
Além disso, existe um distrito industrial, áreas
de várzea, e de vegetação nativa, e também
atividade de mineração no noroeste da bacia.
| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |
Figura 2.2. – Localização da Bacia Hidrográfica do Córrego São Simão e divisas
do Município de São Simão (GONÇALVES E DIBIAZI, 2006).
2.2. Material cartográfico
O material cartográfico de base utilizado na presente pesquisa corresponde
a mapas e levantamentos de procedências
variadas. Devido à diversidade de origens e
finalidades para as quais foram confeccionados, apresentam diferentes graus de detalhamento, levantado e publicado em várias escalas e em datas não coincidentes.
Foram utilizadas as seguintes cartas:
carta planialtimétrica Descalvado, escala
1:100.000, (IAC, 1983); Folha Ribeirão Preto
Escala 1:100.000 (IAC, 1983). Também foi
utilizada a Carta do Brasil, folha topográfica
de Cravinhos, Rio de Janeiro (IBGE, 1977),
escala 1:50.000 e Carta do Brasil, folha topográfica de Luiz Antonio, Rio de Janeiro,
(IBGE,1977), escala 1:50.000.
2.3. Material de sensoriamento remoto e softwares
Os softwares utilizados neste trabalho
foram: sistemas de informações geográficas
SPRING 4.3.3. e SCARTA 4.3.3..
O SPRING é um SIG (Sistema de Informações Geográficas) no estado-da-arte
com funções de processamento de imagens,
análise espacial, modelagem numérica de
terreno e consulta a bancos de dados espaciais.
O SCARTA nada mais é do que um
gerador de cartas que faz interligação com o
módulo principal SPRING. Esta interligação
é feita através do gerenciador de dados (banco de dados), portanto o gerador de cartas
não terá nenhuma função para reprocessar
e alterar os dados. A responsabilidade do
gerador de cartas será de edição e obtenção
de uma saída de apresentação gráfica de alta
qualidade.
Planilhas eletrônicas como o Microsoft® Office Excel 2003 para Windows, também tiveram sua utilidade durante a pesqui-
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
101
| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |
sa na execução de cálculos e manipulação de
arquivos numéricos segundo as exigências
do modelo USLE.
2.4. Obtenção dos parâmetros da EUPS
2.4.1. Obtenção do fator R
O fator R foi obtido a partir de dados
pluviométricos médios mensais da região de
estudo, os quais se encontram na Tabela 2.1 e
Tabela 2.2. Nestas mesmas tabelas apresentam-se os cálculos do EI30 mensais segundo
KUNTSCHIK (1996) Equação 2.1, e BERTONI & LOMBARDI NETO (1990) Equação 2.2,
encontradas abaixo, juntamente com o valor
do fator R anual considerado constante e não
em formas de isolinhas de precipitação dada
as dimensões da microbacia e, também a
quantidade reduzida de pontos de monitoramento nesta bacia. Apenas duas estações se
encontram no local.
EI = 89, 823 (r2/P)0, 759 (2.1)
Onde EI é a média mensal do índice
de erosão (MJ.mm/ha.L), r é a precipitação
média mensal em milímetros e P é a precipitação média anual em m ilímetros.
EI = 67, 355* (r2/P)0,85 (2.2)
Onde EI é a média mensal do índice
de erosão, MJ/ha mm; r é a precipitação média mensal em milímetro; P é a precipitação
média anual mm/ano.
Para um longo período de tempo
(geralmente utiliza-se 22 anos) essas duas
equações estimam com relativa precisão os
valores médios de EI de um local, usando somente totais de chuva, os quais são disponíveis para muitos locais.
Foram utilizados dados de precipitação media mensal de duas estações meteorológicas localizadas em diferentes pontos
da bacia. A primeira estação continha dados
de um período de 54 anos de medições, enquanto a segunda continha um período de 33
anos. Isso proporcionou maior confiabilidade aos resultados obtidos.
MESES
PRECIPITAÇÃO
(mm)
EI30 (MJ.mm/ha.L)
(KUNTSCHIK, 1996)
EI30 (MJ.mm/ha.L)
(BERTONI & LOMBARDI NETO, 1990)
Janeiro
269,3
1715,03
1831,58
Fevereiro
204,1
1125,81
1143,14
Março
163,8
806,43
786,73
Abril
78,7
264,98
226,21
Maio
59,2
171,90
139,33
Junho
31,1
64,82
46,74
Julho
25,1
46,81
32,47
Agosto
23,6
42,51
29,14
Setembro
60,9
179,67
146,40
Outubro
134,7
599,18
564,09
Novembro
173,9
882,73
870,56
Dezembro
264,6
1670,07
1777,89
TOTAL
1489,1
-
-
7569,93
7594,29
Fator R anual (soma dos EI30 mensais)
Tabela 2.1. - Distribuição da precipitação média mensal na área de estudo (SIGRH,
2004) e cálculo do EI30 para cada mês e valor do fator R anual (período de 54 anos).
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MESES
PRECIPITAÇÃO
(mm)
EI30 (MJ.mm/ha.L)
(KUNTSCHIK, 1996)
EI30 (MJ.mm/ha.L)
(BERTONI & LOMBARDI NETO, 1990)
Janeiro
273,4
1716,42
1833,24
Fevereiro
223,7
1265,63
1303,29
Março
160,6
765,17
741,80
Abril
80,7
269,41
230,45
118,39
Maio
54,6
148,63
Junho
35,2
76,41
56,20
Julho
25,8
47,62
33,09
Agosto
28,9
56,61
40,17
Setembro
68,4
209,49
173,88
Outubro
134,3
583,18
547,26
Novembro
178,0
895,07
884,19
Dezembro
269,5
1679,61
1789,27
TOTAL
1533,1
-
-
7713,25
7751,22
Fator R anual (soma dos EI30 mensais)
Tabela 2.2. - Distribuição da precipitação média mensal na área de estudo (SIGRH,
2004) e cálculo do EI30 para cada mês e valor do fator R anual (período de 33 anos).
2.4.2. Obtenção do fator K
Os valores do fator K para cada tipo
de solo da região de estudo foram obtidos do
livro Conservação do Solo (2005) de BERTONI e LOMBARDI NETO. Eles estudaram
66 perfis de solo, para dois grupamentos de
solo que ocorrem no estado de São Paulo, e
os analisaram de acordo com o método de
MIDDLETON com algumas modificações.
MIDDLETON, um dos primeiros a
tentar idealizar um índice de erodibilidade
do solo baseado em suas propriedades físicas, encontrou que a relação de dispersão, a
relação de colóide/umidade equivalente e a
relação de erosão foram os primeiros critérios que diferenciam os solos com respeito à
erosão. Estabeleceu um valor-limite para separar solos erosivos daqueles pouco erosivos.
Assim, solos que apresentassem a relação de
erosão menor que 10 e a relação de dispersão menor do que 15 eram considerados não
erosivos.
No caso de BERTONI & LOMBARDI
NETO (2005) foram consideradas, para cada
horizonte as seguintes propriedades: argila
natural, argila dispersa e umidade equivalente, tendo sido estudados somente os horizontes A e B de solos com B textural e B latossólico, estabelecendo-se as seguintes relações:
(a) relação de dispersão – definida como a
relação teor de argila natural/teor de argila
dispersa, (b) relação argila dispersa/umidade equivalente; (c) relação de erosão – razão
entre relação de dispersão e a relação argila
dispersa/umidade equivalente.
Verifica-se, por esses dados de BERTONI & LOMBARDI NETO (2005), o comportamento dos solos com B textural e B
latossólico, com relação à erosão, tanto nos
horizontes superficiais como nos subsuperficiais, indicando que, de maneira geral, os solos podzolizados são mais suscetíveis à erosão (BERTONI & LOMBARDI NETO, 2005).
O manejo do solo a ser adotado nos latossolos
deve ser diferente daquele dos podzolizados,
pois estes são mais facilmente erodíveis.
Os valores de K, para cada tipo de solo
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
103
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ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |
existente na área, foram obtidos por meio da
tabela definida a partir das classificações
sugeridas por SCOPEL & SILVA (2001) e
BERTONI & LOMBARDI NETO (2005), que
atribuem valores de erodibilidade correspondentes a cada classe de solo, levantados
a campo, por meio de amostras georreferenciadas, determinando-se de forma indireta
pelo do nomograma, desenvolvido por WISCHMEIER & SMITH (1965) APUD RESENDE & ALMEIDA (1985), cujos valores foram
adaptados para a microbacia do córrego São
Simão (Tabela 2.4.). Os valores de K utilizados na EUPS são do horizonte superficial do
solo, pois o objetivo desta é a quantificação
da erosão laminar presente na bacia.
A espacialização do fator K foi feita através da criação de um PI no SPRING
(INPE, 2007) denominado solo onde foram
digitalizadas as distintas manchas de solo
abrangidas pela área de estudo, sendo cada
uma delas vinculada ao valor correspondente
do fator K. O PI solo foi então convertido em
arquivo matricial para posterior cruzamento
com os outros fatores.
2.4.3. Obtenção dos fatores L e S
Para cálculos do LS utilizaram-se a
equação citada por BERTONI & LOMBARDI
NETO (2005).
LS = 0,00984 * L 0,63* S 1,18 (2.3)
Onde L é o comprimento de rampa
em m e S é o declive em %.
Para determinação do LS, primeiro
procedeu-se à identificação individual do L
(comprimento de rampa) e do S (declividade %). Para determinação do L, criou-se uma
categoria MNT, que recebesse as informações. Criou-se um PI dentro dessa categoria
e pela ferramenta Editar, comando Vetorial
do SPRING, no qual foram traçados manualmente todos os divisores de água principais e
secundários do retângulo do projeto (bacia e
em torno).
104
| Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
O valor de Z = 0m, previamente cotado, deu aos divisores principais e secundários o comprimento de rampa 0m, pois o
caminho percorrido pelas águas inicia-se no
divisor de água e vai até o rio. Pelo comando
mosaico, copiaram-se os rios para dentro do
plano de informação e foi atribuída a esses
vetores a função de linhas de quebras.
Utilizando a ferramenta MNT, comando mapa de distância, criou-se o PI na
forma de grade retangular, com resolução
em X(10m) e Y(10m). Essa grade de distância teve como ponto de partida os divisores
de água (0m) até as linhas de quebras caracterizadas pelas linhas da hidrografia.
Para geração do fator S, a partir das
amostras da altimetria, na categoria Relevo MNT, através do comando MNT - Geração de
grade triangular, criou-se a grade triangular
(TIN) usando os rios como linha de quebra.
A partir dessa grade, e com o comando MNT
- Geração de grade retangular, gerou-se uma
grade altimétrica com resolução X(10 m) e
Y(10 m). A partir dessa grade retangular altimétrica, usando o comando MNT - Declividade, com as opções de entrada grade, saída
declividade, unidade porcentagem, gerou-se
o PI Declividade, com resolução X(10 m) e
Y(10 m). O mapa de declividade foi obtido
através do “fatiamento” da grade numérica,
ou seja, da associação dos intervalos da grade
a classes temáticas.
As grades retangulares do comprimento de rampa e declividade foram introduzidas em um programa LEGAL. Esse programa gerou na categoria Fator LS - MNT, na
forma de grade retangular, com resolução de
X(10 m) e Y(10 m), o PI Fator LS.
Ressalta-se que, na determinação do
L, levou-se em conta a encosta natural, sem
considerar a quebra da circulação da água
por barreiras, como mata ou práticas conservacionistas.
2.5. Cálculo do potencial natural de
erosão
O potencial natural à erosão é defini-
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do pelas características pluviométricas, pedológicas e geomorfológicas combinadas. A
instabilidade emergente, definida pelos fatores antrópicos, combina o potencial natural
com o uso empregado ao solo.
Para estimar o Potencial Natural de
Erosão (PNE) na bacia foi utilizada a seguinte equação:
PNE= R . K . LS (2.4)
Onde R é a erosividade da chuva anual, K é a erodibilidade do solo e LS é uma variável calculada a partir do comprimento da
encosta L.
Neste trabalho o valor de R corresponde a 7569,93 MJ.mm/ha.L. A erodibilidade do solo (K), ou seja a resistência deste à
ação da chuva, depende diretamente do tipo
de solo em questão. Para cada tipo de solo há
um valor associado de acordo com a Tabela
2.4..
A partir do mapa de altimetria, gerouse um modelo numérico de terreno utilizando-se o interpolador TIN (grade triangular).
Desta grade, gerou-se outra grade de declividade e um mapa temático com classes de
declividade. O valor do comprimento da encosta (L), ou percurso da água, foi obtido a
partir de um mapa de distância entre o limite
da bacia e os níveis mais baixos de altimetria, resultando em um modelo numérico de
terreno.
A partir desta formulação metodológica, é apresentado a seguir um programa
em LEGAL que realiza este procedimento. O
LEGAL foi utilizado para:
• Converter o mapa de solos em uma
grade de valores de erodibilidade, utilizandose a função PONDERE;
• Converter o mapa de classes de declividade em uma grade de valores médios
de declividade, utilizando o valor central de
cada intervalo, também através da função
PONDERE;
• Aplicar a equação universal da perda de solos considerando todos os parâme-
tros acima, gerando uma grade onde cada
ponto da superfície está associado ao valor
potencial natural de erosão.
De posse do mapa resultante, em
modelo numérico de terreno, foi feito seu fatiamento, ou seja, foram definidas as classes
de potencial natural à erosão na microbacia,
possibilitando uma melhor visualização dos
locais onde a probabilidade de ocorrer erosão é maior.
3. Resultados e discussão
3.1. Fator Erosividade das chuvas (R)
BERTONI E LOMBARDI NETO
(1990) dizem que quando outros fatores,
exceto a chuva, são mantidos constantes, as
perdas de solos ocasionadas pelas chuvas em
terrenos cultivados são proporcionais ao valor do produto de sua energia cinética e intensidade máxima em 30 minutos. Esse efeito representa a interação que mede como a
erosão por impacto, o salpico e a turbulência
se combinam com a enxurrada para transportar as partículas de solo desprendidas
(RESENDE E ALMEIDA, 1985).
Este fator é dimensional e permite
a avaliação do potencial erosivo das precipitações de determinado local, além de ser
imprescindível aos cálculos dos fatores K
(erodibilidade dos solos) e C (manejo das
culturas) dessa equação. Com a determinação dos valores de erosividade ao longo do
ano, é possível identificar os meses nos quais
os riscos de perdas de solo são mais elevados, razão por que exerce relevante papel no
planejamento de práticas conservacionistas
fundamentadas na máxima cobertura do solo
(plantio direto) nas épocas críticas de maior
capacidade erosiva das chuvas.
Na presente microbacia existem
duas estações meteorológicas, o que é extremamente benéfico, pois oferece grande disponibilidade de dados para diversos estudos,
principalmente para este, que necessita de
dados com extrema segurança, possibilitan-
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do uma gestão mais adequada da bacia.
O valor de erosividade encontrado na
bacia do São Simão que foi utilizado é igual
a 7569,93 MJ.mm/ha.L. Este foi utilizado,
pois oferecia mais precisão na base de cálculos, devido ao período de medições de 54
anos, realizada em uma das estações meteorológicas encontrada na bacia. Esse valor está
dentro do intervalo encontrado para as condições brasileiras que vai de 5000 MJ.mm/
ha.L a 12000 MJ.mm/ha.L (COGO, 1988).
3.2. Fator Erodibilidade dos solos (K)
As propriedades físicas, químicas,
biológicas e mineralógicas dos solos influenciam no estado de agregação das partículas,
aumentando ou diminuindo a resistência do
solo à erosão. Com isso, cada tipo de solo
apresenta um valor erodibilidade diferente, pois mesmo que os fatores declividade,
precipitação, cobertura vegetal e práticas
conservacionistas fossem iguais em solos argilosos e arenosos, os últimos, devido às suas
características físicas e químicas, são mais
susceptíveis à erosão.
As propriedades do solo que influenciam na erodibilidade são as que afetam a
velocidade de infiltração, a permeabilidade,
a capacidade de armazenamento de água e
oferecem resistência às formas de dispersão,
salpico, abrasão, transporte e escoamento
pelas chuvas (LARIOS, 2003).
Os solos menos erodíveis são os Latossolos, que são solos maduros e profundos, isto é, mais intemperizados. À medida
que o grau de maturidade e profundidade vai
diminuindo, o grau de erodibilidade vai aumentando. Dessa forma, na seqüência aparecem as Areias Quartzosas e por último, com
maior grau de erodibilidade, estão os Solos
Litólicos.
O resultado da espacialização dos valores de K está diretamente relacionado ao
mapeamento dos tipos de solos presentes
na bacia, pois estes valores são diretamente
dependentes das propriedades intrínsecas de
106
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cada classe de solo.
O processo de classificação dos valores de erodibilidade para solos do Estado de
São Paulo está em expansão, porém de forma
demorada.
Não existem valores de erodibilidade
para os solos encontrados na microbacia do
São Simão. Devido a isso, os valores utilizados nesse trabalho foram extraídos de outros
trabalhos, de renomados autores como BERTONI E LOMBARDI NETO.
Esta falta de classificação faz com que
este trabalho não ofereça máxima segurança no tratamento de seus dados no software
SPRING, podendo fornecer um mapa de susceptibilidade à erosão com alguns erros.
No entanto, quando estes solos forem
estudados, seja pelo IAC ou algum outro pesquisador, seus valores de erodibilidade, não
devem sofrer grandes alterações comparados
com os utilizados neste trabalho.
3.3. Fator Comprimento de rampa e
grau de declive (LS)
3.3.1. Fator Comprimento de rampa (L)
O fator L é considerado como o mais
subjetivo, ou seja, de um intérprete para outro há uma variação nos valores de L. Como
este fator provoca uma alta sensibilidade no
modelo EUPS, isto indica que a proposta de
quantificar o volume de sedimentos é ainda
um objetivo a se aprimorar, principalmente
se automatizar a obtenção deste fator. Há algumas propostas neste sentido como a utilização de imagens aspectos e linearização dos
comprimentos de encostas (RISSO, 1993).
Este fator tem forte ligação com o aumento ou não da erosão. À medida que aumenta o comprimento da rampa, maior será
o volume de água, aumentando também a velocidade de escoamento. Em alguns casos o
comprimento da rampa diminui o efeito erosivo, considerando-se que a capacidade de
infiltração e a permealibidade do solo reduz
o efeito. Porém, em princípio, quanto maior
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o comprimento de rampa, mais enxurrada se
acumula, e a maior energia resultante se traduz por uma erosão maior.
A metodologia aplicada neste trabalho para cálculo do fator L não é a mais indicada, pois não considera o fluxo acumulado
de água. A metodologia mais correta é aquela
que emprega o conceito de contribuição de
área, contendo em sua formulação o fluxo
acumulado. Para isso, deve ser utilizado para
o cálculo do fator de comprimento de vertente (L) o algoritmo de DESMET & GOVERS
(1996), que determina, de maneira informatizada (automática), este fator.
O algoritmo de DESMET & GOVERS
(1996), que emprega o conceito de contribuição de área, requer a geração de um mapa de
fluxo acumulado. Para cada pixel, calculamse a declividade, a direção de fluxo e a quantidade de fluxo que se acumulou a montante
daquele pixel. Dessa maneira, o fator topográfico para vertentes complexas pode ser facilmente calculado. Assim, com base no MNT
e utilizando-se um software de geoprocessamento determina-se: o mapa de declividade;
o mapa de coeficiente da declividade; a direção de fluxo e o fluxo acumulado. A área de
contribuição é gerada pelo produto do fluxo
acumulado e pela área de cada célula. O fluxo
acumulado é obtido em função da direção do
fluxo, que, por sua vez, é obtido do MNT.
Quando comparado ao método tradicional de WISCHMEIER & SMITH (1978), o
fator LS obtido pelo algoritmo de DESMET &
GOVERS (1996) demonstra ter incorporado
de forma mais fidedigna os processos de variação de declividade e convergência/divergência de fluxo nas vertentes; isso permite
que a EUPS seja adequadamente aplicada na
predição de perda de solo em bacias complexas. Isso foi observado em trabalhos como o
de SILVA (2003).
No entanto, esta metodologia não
pôde ser utilizada neste trabalho, pois o software de geoprocessamento SPRING 4.3.3
não realiza a geração de um mapa de fluxo
acumulado de água. Isso fez com que outra
metodologia fosse escolhida e aplicada para
o cálculo do comprimento de rampa. A microbacia apresenta uma topografia média
entre 580 a 780 m. Apenas pontos isolados
da microbacia, como no seu sudeste, apresentam valores mais altos de topografia, variando entre 880 a 980 m.
3.3.2. Fator Declividade (S)
A declividade (fator S) é um dos fatores mais relacionados com o nível de suscetibilidade de risco. Quanto maior a declividade
de uma encosta, maior é o movimento de terra necessário para a ocupação, e esses cortes
e aterros realizados sem obras de estabilização geram níveis maiores de riscos associados a escorregamentos.
A declividade afeta diretamente o
tempo que a água da chuva leva para concentrar-se nos leitos fluviais que constituem a
rede drenagem das bacias.
A magnitude dos picos de enchente e
a maior ou menor oportunidade de infiltração e erodibilidade dos solos dependem da
rapidez com que ocorre o escoamento sobre
os terrenos da bacia.
A maior classe de declividade da microbacia é de 0 – 10%, esta considerada uma
declividade baixa. No entanto, no centro–
leste e no sudeste da bacia onde a topografia
é maior, os valores de declividade ultrapassam os 50%, mostrando que a microbacia
também apresenta encostas íngremes, o que
é bastante prejudicial, já que quanto maior a
declividade maior a velocidade de escoamento superficial da água, menor a infiltração e
conseqüentemente maior a capacidade de
arraste de partículas de solo, causando a erosão. Terrenos com altas declividades estão
mais suscetíveis a desabamentos e grandes
movimentações de terra. Além disso, devido
à declividade, terrenos podem oferecer baixa
nota no que diz respeito à recarga de aqüíferos e menor suscetibilidade de águas subterrâneas.
Os fatores L e S foram interligados,
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apresentando as áreas onde o relevo, ou seja,
o grau de declive, ou melhor, a inclinação do
terreno e o comprimento da encosta é que determinarão à velocidade de escoamento superficial, caracterizando o potencial de carregamento pela erosão em termos de tamanho
e quantidade de material e evidenciando que,
na bacia do Córrego São Simão, os valores de
LS de 0 a 1,2 abrangem maior quantidade de
área e em seguida estão as classes de 1,2 a 2,0
e 8,0 a 20,0.
Valores mais elevados se associam
à área com declividades mais acentuadas.
Tendo em vista a grande complexidade do
relevo em uma bacia hidrográfica, a estimativa automatizada dos comprimentos de
vertente dentro do SIG do tipo matricial, especialmente nas áreas com vegetação natural
ou em áreas de cultura sem terraceamento,
continua sendo um fator limitante da modelagem da erosão (WEILL, 2001).
Portanto, em grande parte da microbacia o fator LS exerce influência importante no processo erosivo, se tornando um dos
principais agentes causadores de erosão na
microbacia.
3.4. Carta de potencial natural à erosão
laminar
O potencial natural de erosão (PNE),
calculado para a microbacia do Córrego São
Simão - SP teve o objetivo principal de determinar a erosão laminar, desconsiderando-se
os aspectos de uso e cobertura vegetal. As
classes de perdas de solo são válidas somente
para áreas continuamente destituídas de cobertura vegetal e sem qualquer intervenção
antrópica.
Segundo STEIN et al., (1987) e SCOPEL (1988), estes valores não podem ser tomados como dados quantitativos de perdas
de terra por erosão, servindo assim, apenas
para categorizar qualitativamente as áreas
quanto à sua maior ou menor susceptibilidade à erosão laminar.
A Tabela 3.1 apresenta as classes de
108
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potencial de perdas de solo e seu respectivo potencial natural à erosão em ton. ha-1
ano-1. Os valores encontrados variam de 0
até mais de 4000, indicando diversas classes
de potencial natural à erosão, o que pode ser
verificado também na Figura 3.1, que apresenta também o mapa de susceptibilidade à
erosão na microbacia.
Classes de Potencial
de perdas de solo
Potencial Natural à
erosão (PNE) (ton.
ha-1 ano-1)
Baixa
0 - 100
Média baixa
100,1 - 200
Média
200,1 - 600
Média alta
600,1 - 1000
Alta
1000,1 - 4000
Muito alta
> 4000,1
Tabela 3.1. Classes de Potencial de perdas de solo e seu
respectivo potencial natural à erosão em ton. ha-1 ano-1
MACIEL (2000), em seu trabalho,
obteve valores de PNE muito altos e extremamente altos, com perdas da ordem de
900 a 8.898 ton. ha-1 ano-1. NASCIMENTO
(1998), encontrou valores do PNE alto e muito alto para a bacia do Rio João Leite, entre
388,33 ton.ha-1.ano-1 a 515,41 ton.ha-1.ano1, levando-se em consideração as perdas médias, acima do limite de tolerância. Por outro
lado, as perdas máximas de solos, atingiram
valores oscilando entre 1.574 ton.ha-1.ano-1
a 4.833 ton.ha-1.ano-1.
Na microbacia, os valores mais elevados do PNE aparecem entre as classes alta a
extremamente alta, podendo variar de 1000,1
a mais de 4.000 ton.ha-1.ano-1 (Tabela 3.1),
enquanto os menores valores mínimos (classe baixa) correspondem à classe de 0 a 100
ton.ha-1.ano-1.
Os maiores valores de PNE são encontrados no centro-oeste e sudeste da bacia, exatamente onde o fator LS exerce maior
influência, seguido também por uma menor
capacidade de suportar a erosão pelos so-
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los litólicos encontrados nesta região. Neste
local foram encontrados valores de PNE de
9716 ton.ha-1.ano-1 , o que indica alta susceptibilidade à erosão laminar. É de fato,
este local que deve sofrer maior vigília quando qualquer tipo de intervenção antrópica
(agricultura, construção civil, etc.) resolver
ser desenvolvida nesse local. Sem o total
cuidado, o seu potencial erosivo pode ser potencializado, causando prejuízo econômico e
ambiental à região da microbacia.
Na microbacia existem também pontos isolados onde o PNE apresenta valores
médios a altos, influenciados diretamente
pelo fator LS, já que nesses locais se encontram os solos com menores valores de erodibilidade, ou seja, os latossolos. Apesar de
grande parte da bacia ser formada por areia
quartzosa, neste local os valores de PNE não
ultrapassam 3000 ton.ha-1.ano-1, devido à
uma baixa influência do fator LS.
Apesar de suas limitações, a espacialização do potencial de perda de solo pode
ser utilizada em tomadas de decisão relativas
ao uso do solo, pois permite identificar áreas
que devem ser monitoradas principalmente
do ponto de vista dos processos erosivos. A
simulação do Potencial Natural de Erosão
por meio da USLE permitiu identificação de
regiões com alta susceptibilidade ao processo erosivo, como pode ser verificado em diversas áreas da microbacia, principalmente
em sua porção leste.
As estimativas de PNE podem contribuir ainda para restringir o uso e ocupação
de áreas potencialmente suscetíveis à erosão,
evitando assim onerar custos de infra-estrutura, patologias em obras da construção civil.
É importante trazer a atenção dos planejadores e autoridades locais para as regiões mais
frágeis, de relevo acidentado e com solos de
alta erodibilidade. Nestas áreas podem e de-
Figura 3.1 - Mapa do potencial natural de erosão laminar na microbacia.
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica |
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vem ser estabelecidos programas de combate, controle e prevenção da erosão, que não
descartassem a possibilidade de adoção de
novas alternativas de uso, menos intensivas.
4. CONCLUSÃO
Em bacias hidrográficas, os Sistemas
de Informação Geográfica são instrumentos
poderosos ao auxiliar no processo de modelagem espacial, pois este oferece a possibilidade de integrar dados obtidos por diferentes
fontes, o que permite sua aplicação nos mais
variados campos relacionados às ciências da
natureza. A ligação da informação espacial
com a informação alfanumérica facilita a
tomada de decisões e permitem a simulação
dos efeitos da introdução de novos tipos de
manejo, de diferentes tipos de cenário e de
políticas alternativas.
Neste caso específico, isso possibilitará a gestão mais adequada da Bacia do Córrego São Simão, restringindo determinados
usos do solo em áreas com maior fragilidade
ambiental, o que irá incentivar a utilização de
áreas com maior aptidão, tanto para agricultura, quanto para construção civil (rodovias,
aterros sanitários, expansão urbana, etc...).
O software SPRING, mostrou-se muito útil quanto à confecção do mapa de susceptibilidade a erosão laminar na microbacia. As consultas ao banco de dados (através
das linguagens próprias para esse fim) são
simples e de fácil execução, apenas sugere-se
que os novos softwares que lidam com banco
de dados venham permitir que várias consultas possam ser feitas ao mesmo tempo através de um arquivo de regras.
Foi verificado que ao trabalhar com
banco de dados, as informações devem ser
precisas e exatas, assim como os critérios
para confecção do mapa de susceptibilidade
à erosão. Portanto, existe a necessidade que
sejam estudados critérios mais objetivos e
menos subjetivos, facilitando o trabalho com
banco de dados. Foi notado também que o
mapa de solos necessita ter sua precisão me-
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lhorada, para que os valores de erodibilidade
associados a estes reflitam sua verdadeira localização no mapa da bacia, trazendo maior
segurança para quaisquer atividades que
possam ser realizadas, com base no mapa de
susceptibilidade à erosão, sejam estas ações
de manejo ou de construção civil.
A equação universal de perda de solo
(EUPS) pode ser empregada na estimativa
da quantidade de solo perdida por erosão e
o potencial natural de erosão em pequenas
bacias (como a bacia do Córrego São Simão),
quando adaptada a um SIG.
A metodologia utilizada para determinação dos fatores da EUPS se mostrou muito
útil para a identificação das áreas com riscos
de perda de solos por erosão laminar. No entanto, o modelo EUPS deixa muito a desejar
com respeito à qualidade e confiança nos
resultados obtidos, pois apresenta muitas limitações e erros quando utilizada em países
como o Brasil. Por ser uma fórmula empírica
desenvolvida nos Estados Unidos, que apresenta condições de solos totalmente diferentes das brasileiras, apresenta resultados que
demonstram a verdadeira situação do local,
principalmente, no tocante à quantidade de
solos perdida. Algumas correlações para o
fator K já foram propostas, mas sua precisão
esbarra sempre em muitas características regionais não levadas em conta. No Brasil, uma
das maneiras de se contornar este problema
seria repetir a metodologia desenvolvida pelo
Runoff and Soil – Loss Data Center só que
para uma maior gama de regiões e de solos
brasileiros.
A carta de susceptibilidade à erosão
tem por objetivo fornecer diretrizes à expansão urbana e de áreas cultiváveis, e ao
gerenciamento da bacia. Se utilizada corretamente, esta pode nortear um maior desenvolvimento econômico da cidade através da
construção civil, e no aumento de áreas agricultáveis, utilizando sempre as áreas com
menor susceptibilidade à erosão para a sua
realização.
No caso da Bacia do Córrego de São
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Simão, a carta de susceptibilidade à erosão
mostrou que o fator LS em conjunção ao
fator erodibilidade do solo são os que mais
exercem influência nos valores do potencial
natural à erosão, pois as áreas com maior
susceptibilidade à erosão laminar são respectivamente as que apresentam maiores valores de LS e de K. Dado que o fator R é praticamente constante ao longo de toda a bacia.
Os dados expostos evidenciam que,
para o controle do processo erosivo laminar,
será necessária a readequação do uso da terra, através de uma sistematização dentro de
suas potencialidades naturais. Esse procedimento pode ser realizado de duas formas
básicas: a primeira delas é pela readequação
do uso, adotando-se coberturas mais densas,
que sejam capazes de proteger adequadamente os solos mais susceptíveis à erosão; e
a outra é a adoção de práticas conservacionistas mecânicas, que fragmentem o comprimento de rampa e diminuam a declividade
do terreno, e, dessa forma, diminuindo o
espaço e a velocidade de escoamento superficial da água.
Portanto, esse trabalho traz uma contribuição na determinação das perdas de solo
por erosão laminar, através de uma metodologia sistematizada em SIG, que pode ser utilizada em todo o Nordeste do Estado de São
Paulo e com algumas adaptações, para o restante do Estado de São Paulo e outras regiões
do Brasil.
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