03.04.2015 às 12:43 O dia em que o Capibaribe e o
Transcrição
03.04.2015 às 12:43 O dia em que o Capibaribe e o
03.04.2015 às 12:43 O dia em que o Capibaribe e o Mississipi se misturaram Homero Fonseca Beto Figueiroa / SFO Spok e Marsalis tocaram junto para quatro mil pessoas como a noite que não tem luar, e mais uns poucos momentos inesquecíveis. Foi uma noite memorável. Um encontro histórico do frevo com o jazz. Aconteceu ontem (quartafeira, 01/04/2015), no Parque Dona Lindu, no Recife. A Spok Frevo Orquestra e a Jazz at Lincoln Center, com Wynton Marsalis, dividindo o mesmo palco. Não coloquei em vão o adjetivo “memorável” aí em cima. Esta apresentação vai dividir espaço em minha memória com umas poucas outras, contáveis nos dedos da mão: Astor Piazzola no Geraldão diante de um diminuto público, mas tão ligado que a interação público-músicos quase se podia tocar no ar ; Stanley Jordan tocando guitarra como se fosse um teclado de piano; a Orquestra Sinfônica do Recife, sob a regência de Eliazar de Carvalho, executando bravamente a 9ª Sinfonia; Dizzy Gillespie, no Michael Pub, em Manhattan, inflando as bochechas na interpretação de Round Midnight, de Thelonius Monk (e depois, desatarrachando o bocal do trompete para deixar escorrer a saliva acumulada num fio de baba brilhante sob os spots, o que me fez preferir mil vezes ouvi-lo em disco); Gil viajando no Expresso 2222, no primeiro show após o exílio; Gal, sentada num banco alto, cruelmente entreabrindo e entrefechando as pernas no embalo suave de Índia, teus cabelos nos ombros caídos / Negros O maestro Inaldo Cavalcante de Albuquerque, o Spok, responsável pela maior revolução no frevo desde que Felinho (Félix Lins de Albuquerque), sob os olhos atentos do maestro Nelson Ferreira, dedilhou no saxofone o célebre improviso da segunda parte de Vassourinhas (improviso que se cristalizou como fazendo parte da própria música), Spok, que em outubro passado se apresentou com sua orquestra no Lincoln Center diante do gigante Wynton Marsalis, estava agora no palco reversível do Teatro Luiz Mendonça, tocando com o próprio Marsalis perante umas quatro mil pessoas devotas do frevo e do jazz. O show se intitula “Do frevo ao jazz”, referindo-se às afinidades entre os dois gêneros musicais, ambos nascidos da miscigenação da música europeia e suas harmonias complexas com o ritmo sincopado e vibrante da música negra de origem africana. As duas orquestras tocaram de início separadamente, fundindo-se ao final num grande happening, numa bela confraternização universal de ritmos e sentimentos. Se Spok havia elevado o frevo instrumental a patamares nunca ouvidos, incorporando o sistema de improvisação do jazz sem perder jamais suas características essenciais, Marsalis e a turma da Jazz at Lincoln Center Orchestra demonstraram enorme facilidade em se incorporarem ao frevo jazzístico de Spok, numa fusão poderosa (ao contrário da relação jazzsamba, em que, apesar da interação propiciada pela bossa nova, há sempre uma dificuldade de os americanos acertarem o ritmo). Parecia que a gringalhada tocava frevo desde criancinha. Na véspera, em Olinda, Marsalis havia ido assistir a uma perfórmance da orquestra de frevos Henrique Dias, culminando com o costumeiro cortejo musical pelas ladeiras da cidade alta, e aderiu gostosamente à brincadeira, com seu maravilhoso trompete (mais uma afinidade entre o gênero norte-americano e o pernambucano, essa de circular pelas ruas executando peças vibrantes e arrastando a massa). Do ponto de vista técnico – para o qual me falta competência – eis aí um suculento filão de pesquisa musical: as relações frevo-jazz. Uma última observação: estou pasmo com a modéstia de Marsalis, talvez o maior nome do jazz contemporâneo. Embora diretor musical da orquestra, tocou o tempo todo sentado na terceira fileira (como um integrante qualquer do naipe de trompetes), somente levantando para executar seus solos e rapidamente sentar-se novamente. Para uma estrela da sua grandeza, nesse universo de opulentos egos, esse tipo de comportamento é um espanto.
Documentos relacionados
For Immediate Release - Jazz at Lincoln Center
A obra do memorável Moacir Santos iluminava a alma do Brasil, constituindo música verdadeiramente nacional que tem sido amplamente gravada por centenas de artistas. Combinando influências Afro-Lati...
Leia mais