COMO O REGISTRO ESCRITO E O REGISTRO ORAL SE
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COMO O REGISTRO ESCRITO E O REGISTRO ORAL SE
ILICEIA IRENE KREFER MICHALZECHEN COMO O REGISTRO ESCRITO E O REGISTRO ORAL SE APRESENTAM NA OBRA NINETEEN EIGHTY-FOUR E SUA IMPORTÂNCIA PARA O RESGATE DA MEMÓRIA CULTURAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de especialista em Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas, pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – CEFET. Orientadora: Professora Claudia Beatriz Monte Jorge Martins CURITIBA 2005 A todos os literatos dedico o meu maior apreço pelo interesse e dedicação com que tratam das questões literárias. ii Preciso agradecer: a Deus; a João e a João Luis; e às zelosas professoras Claudia e Regina. iii SUMÁRIO RESUMO v ABSTRACT vi 1 INTRODUÇÃO 1 2 REVISÃO DA LITERATURA 5 2.1 RESUMO DA OBRA NINETEEN EIGHTY-FOUR 5 2.2 O REGISTRO ESCRITO E O REGISTRO ORAL 7 2.3 A IMPORTÂNCIA DO LIVRO PARA A MEMÓRIA CULTURAL DA HUMANIDADE 12 3 ANÁLISE TEÓRICA DA OBRA 16 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 25 REFERÊNCIAS 29 iv RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar a obra de George ORWELL (1955) Nineteen Eighty-Four para constatar como o registro escrito e o registro oral se apresentam. Também será verificada a importância do livro para o resgate da memória cultural da humanidade. Pretende-se com esta análise mostrar como a veracidade dos registros é importante e como estes podem ser adulterados trazendo prejuízos à humanidade. O trabalho tem por base estudos feitos por autores e críticos do tema em questão. Alguns desses autores consideram o registro escrito mais importante que o oral, enquanto outros consideram o registro oral mais importante que o escrito. Conclui-se, todavia, que os dois registros são importantes para o desenvolvimento do gênero humano, assim como é de extrema importância a sua preservação. A veracidade dos registros pode influir diretamente no futuro das pessoas. A sua adulteração pode provocar sérios danos à natureza humana. No referente à questão do livro e de sua importância para o resgate da memória cultural, Nineteen Eighty-Four mostra que ele desempenha o papel de auxiliador na construção do saber de um indivíduo e na sua capacidade de formar opiniões críticas. Palavras-chave: registro escrito; registro oral; memória cultural; veracidade dos registros; a importância do livro. v ABSTRACT The objective of the present work is to analyse George ORWELL’s (1955) work, Nineteen Eighty-Four, to verify how the written and oral registers are presented in it. It also verifies the importance of the book for the recovery of the cultural heritage of humanity. This analysis intends to show how important the veracity of registers is and how they can be adulterated and cause damage to society. This work is based on studies conducted by authors and critics of the topic in question. Some of these authors consider the written register more important than the oral register while others consider the oral register more important than the written register. The conclusion reached is that both kinds of register are important for the development and preservation of humankind. The veracity of registers can have a significant influence on people’s future and their adulteration can cause serious damage to human nature. As to the question of the book, Nineteen Eighty-Four shows that it performs the role of auxiliary in the construction of a person’s knowledge and in his ability to form a critical point of view. Key-words: written register; oral register; cultural heritage; veracity of register; the importance of books. vi 1 INTRODUÇÃO Antes de iniciar este trabalho, será feita uma breve apresentação do termo literatura e de sua definição, para então entrar no mérito da questão à que a presente monografia se destina. Este termo será definido de acordo com Roland BARTHES (1974) que afirma que a palavra ‘literatura’ é bastante recente, existindo no plano terminológico apenas a partir do final do século XVIII, pois antes desta época falavase de “letras”, ou seja, de “belas artes”, sendo assim, prefere situá-la “no quadro da socialidade”. O autor considera que isso é muito importante porque “a literatura não é um objecto intemporal, um valor intemporal, mas um conjunto de práticas e de valores situados numa dada sociedade.” BARTHES (1974, p. 13) ainda acrescenta que: O que há de interessante na literatura não é propriamente o facto de um romance reflectir uma realidade social; o carácter específico de uma obra literária, de um romance, por exemplo, é praticar aquilo a que se podia chamar uma mímesis das linguagens, uma espécie de imitação geral das linguagens. O que faz com que, quando a literatura, o romance, se apresentam como escrita literária, é finalmente a escrita literária anterior que copiam. Estar ciente da importância da literatura e de sua significação para a memória cultural da sociedade viabiliza a apresentação desta monografia. O objetivo geral deste trabalho é fazer uma análise da obra Nineteen Eighty-Four (1984), de George ORWELL (1955), para verificar como a questão do registro oral e escrito se apresenta. Para que este objetivo seja atingido será definido o que é o registro escrito e o registro oral. Também será verificada a questão do livro em si e de sua importância para o desenvolvimento da sociedade e sua vital importância para a memória cultural da humanidade, apontando como sua ausência pode influir no desenvolver do pensamento da sociedade, tendo-se em vista que um livro não precisa necessariamente ser impresso, ele pode estar registrado na memória das pessoas e, assim, ser passado de geração a geração através da oralidade (CHEVALIER & GEERBRANT, 2002). Além disso, será mostrada a importância da veracidade dos registros em Nineteen EightyFour e quais os prejuízos que a adulteração destes registros ocasionam nesta obra. O tema será embasado em obras de autores e críticos de literatura em geral. Haverá uma 2 seleção de citações, acompanhada de embasamento teórico de obras de outros autores condizentes com o tema a ser trabalhado. Os aspectos do tema em questão serão apontados fazendo-se ver que a obra não é apenas uma mera ficção. Nineteen EightyFour, ao ser analisada por autores como CARTER e MCRAE (2001), SILVINO (2002) e SENA (1963), não têm por menção a questão a que o tema da presente monografia se propõe, mas os referidos autores fornecem embasamento teórico a respeito do que a obra trata. Em Nineteen Eighty-Four, os livros, assim como tudo o que se refere ao registro escrito (documentos, revistas etc) são adulterados. O passado é mudado constantemente, de acordo com o que mais aprouver, em defesa do Partido do “Grande Irmão” (Big Brother, como era chamado). Confissões são forjadas para incriminar pessoas que tentam se rebelar contra o modo de procedência do governo, livros literários, porta de entrada da cultura, são destruídos para que as pessoas não tenham acesso a eles. Após o processo de reescritura, os originais são colocados em um tubo pneumático para serem destruídos através do fogo. Quanto ao registro oral, este se apresenta nos momentos em que o protagonista Winston narra para sua namorada Júlia, fatos e acontecimentos originais relatados em um livro que ele está lendo, e que fazem parte de um passado que ele já tinha conhecimento, mas que é reforçado em sua mente através de sua leitura e de sua transposição pela oralidade. Há também momentos em que Winston conta a Júlia fatos que recorda de seu passado, comparando-os com a época atual vivida por eles. Apesar de Júlia não parecer muito interessada no que Winston conta sobre o livro, ela também conta fatos de seu passado. Ela deixa claro que não se importa muito com o passado, pois é de uma geração mais nova que a de Winston, mesmo assim está engajada na campanha pró-liberdade fazendo parte dos proles, pessoas que vivem isoladas e se manifestam contra o Partido. Na obra também ocorre um processo de alienação das pessoas que se tornam mais vulneráveis à manipulação dos que detém o poder. As pessoas por não terem acesso à veracidade dos fatos, sofrem com a repressão a que são submetidas. Embora o 3 objetivo da obra de ORWELL (1955) não seja falar da importância do livro, isto surge com força no decorrer da estória, assim como acontece com os registros escrito e oral, que se fazem presentes na obra devido à sua adulteração e supressão dos originais. Este ato de destruição dos documentos originais feito pelo Partido do Big Brother, tem verossimilhança com atos ocorridos durante o regime totalitarista vigente no período de 1948, e se faz presente em toda a obra Nineteen Eighty-Four. O interesse por essa questão do registro surgiu após uma leitura mais detalhada da obra, na qual pode se verificar a grande predominância dos registros escrito e oral. Quanto ao aspecto referente ao livro e sua importância para a cultura da sociedade, este vem de encontro com o objetivo geral do trabalho, pois ao se tratar de registros não se poderia deixar de apontar um dos principais veículos que comportam o registro escrito. Em referência ao registro oral considera-se que este é essencial para a difusão da memória cultural, se não o fosse o que poderia se dizer a respeito das línguas ágrafas? As inquietações que moveram a pesquisa atravessam as inter-relações entre a literatura de ficção e a realidade cultural através de informações coletadas em livros especializados no tema da pesquisa, bem como trechos da obra a ser analisada. Neste estudo será feito uso de pesquisa descritiva, interagindo com obras críticas e literárias, a fim de buscar o tema em questão a que a presente monografia se destina. Considera-se importante a escolha deste tema por julgar relevante sua contribuição para o ensino de literatura estrangeira, bem como para o aproveitamento no meio acadêmico e científico. A pesquisa trará para as discussões da atualidade fenômenos ainda dispersos nas idéias de professores e alunos de literatura estrangeira e de outras áreas afins. Introduzir este enfoque no estudo de literatura estrangeira pode colaborar com o aprendizado dos alunos e pode convidar outros pesquisadores a desenvolverem futuras pesquisas para aprofundar o tema elaborado. O presente trabalho será organizado em três partes. Na primeira parte, Revisão da Literatura, será feito um resumo da obra seguido de comentários feitos pelos autores CARTER e MCRAE (2001), SILVINO (2002) e SENA (1963), que 4 expõe seu pensamento a respeito da obra de ORWELL (1955). Neste capítulo também será dada uma definição do que é o registro escrito e o registro oral através dos autores LANGACKER (1972), BARTHES (1971), CHEVALIER & GHEERBRANT (2002), BENJAMIN (1987) e CHARTIER (2001), e será apresentada a importância do livro para a cultura da sociedade em geral, de acordo com o pensamento de autores como CHEVALIER & GHEERBRANT (2002), ALMEIDA (2001), BORGES (1985), CALVINO (1993), SCHOPENHAUER (1993), PINTO (1998), ARROJO (1999), DEUTSCH (2000) e BUENO (2004). Na segunda parte, Análise da Obra, será feita a análise a que o presente tema desta monografia se destina. Ainda serão mostrados, através da obra, a importância da veracidade dos registros e os prejuízos que sua adulteração pode trazer à sociedade. O embasamento, neste capítulo, será dado através dos teóricos SILVINO (2002), CALVINO (1993), CHEVALIER & GHEERBRANT (2002), ARROJO (1999), PINTO (1998), CHARTIER (2001), DEUTSCH (2000) e LEOPARDI (apud ARROJO, 1999). Na terceira parte, Considerações Finais, será feita a conclusão do trabalho evidenciando a importância da pesquisa e da análise da obra em relação ao tema escolhido. Também serão dadas sugestões de novas pesquisas de trabalho visando a exploração do tema proposto. 5 2. REVISÃO DA LITERATURA Em princípio será feito um breve resumo da obra Nineteen Eighty-Four, para propiciar um melhor entendimento em relação ao tema abordado. O resumo virá seguido de breves comentários feitos por alguns autores que expõem seu pensamento a respeito desta obra. Ainda, neste capítulo primeiro, será definido o que é o registro escrito e o registro oral e será apresentada a importância do livro para a memória cultural da humanidade. 2.1 RESUMO DA OBRA NINETEEN EIGHTY-FOUR A obra de George ORWELL (1955) (pseudônimo de Eric Arthur Blair, segundo Jorge de SENA (1963)) Nineteen Eighty-Four, datada de 1955 e com sua primeira edição em 1949, traz uma história crítica com intenção política. Um novo idioma criado para substituir o inglês e denominado novilíngua é inserido pelo Partido que obriga os cidadãos a utilizá-lo. Este novo idioma tem seus vocábulos reduzidos fundindo idéias para formar palavras reduzidas e com vários significados. Não só as palavras são reduzidas, mas também a capacidade de questionamento das pessoas. Tanto os livros, quanto os jornais e todos os meios de informação são reescritos, de modo que o Partido seja sempre beneficiado. Este pretende inculcar na mente dos cidadãos só aquilo que é de seu próprio interesse. A população tem seu pensamento e todos seus atos controlados por um aparelho tecnológico chamado telescreen (teletela), tornando-se mais vulnerável. Winston, personagem principal da história, consegue burlar o controle da teletela e passa a anotar suas idéias em um livro em branco. Ele trabalha no Ministério da Verdade fazendo alterações nos registros escritos de acordo com as ordens do Partido. Não só o registro escrito é adulterado, mas também o registro oral quando as pessoas são proibidas de falar acerca de fatos reais ocorridos no passado e que no presente foram modificados em seu sentido. Além deste ministério há também o Ministério da Paz, encarregado de se ocupar da guerra; o da Fartura, 6 auxiliar das atividades econômicas; e o Ministério do Amor, cujo nome é um paradoxo, responsável em manter a lei e a ordem. Este é o mais temível de todos, pois além de ser um local intransponível pelos cidadãos comuns devido ao seu forte aparato de segurança, também é o local onde os que se rebelam contra o Partido são terrivelmente torturados. ORWELL (1955) expõe em sua obra um suposto futuro em que o estalinismo leva o mundo a uma evolução histórica distorcida. O Partido estabelece uma novíssima ordem mundial dividindo o mundo em três continentes auto-suficientes que estão em guerra permanente e estável. BUENO (2004) afirma que a obra é uma distopia1 em que se procura restabelecer uma sociedade com antagonismos de classes, como se fosse um socialismo às avessas, porém com uma classe dominante melhor preparada para se estabelecer permanentemente no poder (BUENO, 2004). A obra faz menções a Stalin e Trotsky, através de personagens como o “Grande Irmão” e Goldstein respectivamente. O Partido do “Grande Irmão” possui três slogans que são o seu lema: “war is peace; freedom is slavery; ignorance is strength.” (ORWELL, 1955, p. 8) CARTER e MCRAE (2001) descrevem a obra de ORWELL (1955) como futurista em que o sistema político tem controle total sobre as pessoas. O poder ameaçador deste sistema pode ser visto nesta frase que está exposta em todos os lugares públicos: “Big Brother is Watching You”. ORWELL (1955, p. 5) Escrito no pós-guerra, o livro de Orwell descreve uma visão pessimista de um futuro sombrio, como afirma Leonardo SILVINO (2002) em seu artigo “George Orwell e o mundo de 2084”. SILVINO (2002) ainda diz que o autor fez uma inversão na data de 1948 para 1984 no título da obra para não assustar os leitores, pois neste período vigorava um totalitarismo real e não imaginário como o da obra de ficção. Segundo SILVINO (2002), Winston é uma crítica à imprensa. Ao trabalhar para o 1 Segundo BUENO (2004), distopia é uma utopia às avessas. O indivíduo se encontra cada vez mais sufocado pelo sistema e anulado pela sua própria espécie. 7 Ministério da Verdade, Winston desempenha a função de alterar o passado. Entretanto, ele passa a ter atitudes contrárias ao Partido e faz anotações de suas idéias em um diário. Este diário é um livro em branco, sem nenhum tipo de anotação, e que aos poucos vai sendo preenchido com frases que buscam o passado e a verdade dos fatos. Jorge de SENA (1963), entretanto, faz uma crítica à obra dizendo que esta foi recebida pelos leitores com os maiores equívocos. O autor ainda considera que Nineteen Eighty-Four é uma utopia alucinante e horrorosa que trata de um mundo futuro dominado pela tirania do Partido do Big Brother e pela técnica de suprimir fatos, documentos e idéias, que são adequados à nova realidade. SENA (1963, p. 419), embora já tenha feito críticas construtivas a respeito de outros trabalhos de Orwell, retrata Nineteen Eighty-Four como sendo um “livro volumoso, denso, asfixiante, inexorável, é uma obra terrível”. Considera-se que o julgamento de SENA (1963) em respeito à obra de Orwell seja um tanto exagerado. O autor de Nineteen Eighty-Four procurou deixar registrada em sua obra uma mensagem a leitores de várias épocas, alertando sobre os intensos problemas que as pessoas poderiam vir a sofrer, em um futuro próximo, ao se deixarem oprimir. A falta de vontade em lutar contra desvelos impostos por opressores (como a supressão de documentos, fatos e idéias) e a falta de esperança de um futuro mais promissor, torna as pessoas vulneráveis a manipulação por subordinantes dotados de poderio, além de causar a sua alienação. Durante a primeira e segunda guerras mundiais, as pessoas se preocupavam mais em viver o momento presente, elas não tinham perspectivas futuras devido ao momento conflitante pelo qual estavam passando. Como a obra foi escrita em época de pós-guerra, supõe-se que muitas pessoas deste período não se importavam em zelar pela liberdade de expressão e de opinião tornando-se submissas ao poderio do regime vigorante. 2.2 O REGISTRO ESCRITO E O REGISTRO ORAL Por volta do ano 3.000 a.C. e no Oriente Médio, desenvolveu-se a arte da 8 escrita. Ela possivelmente se originou com os sumérios, conforme afirma LANGACKER (1972), difundindo-se logo em seguida. Já o sistema de escrita egípcio teve influência do sumeriano para se desenvolver. Compunha-se em uma parte de escrita de palavras e outra de sílabas e, a partir deste sistema é que surgiram outros, usados pelos semíticos do ocidente. Tanto o hebraico, quanto o aramaico e o fenício usavam o sistema silábico, mas é através dos gregos antigos que surgiu a escrita alfabética, que se tornou mais precisa que a de sinais silábicos. Os sinais vocálicos foram acrescentados para eximir a ambigüidade que a escrita possuía quando era feita por meio de sinais silábicos (LANGACKER, 1972). Antes de a escrita ter sido inventada, a humanidade utilizava a linguagem oral para se comunicar, segundo afirma LANGACKER (1972). E como ela surgiu? De acordo com o autor, a técnica da escrita surgiu da arte pictórica, apesar de haver diferença entre as duas. A escrita é representada pela língua, ela faz uma combinação entre a representação gráfica e a fala, enquanto que a representação pictórica é direta e feita por meio de desenhos. Como a transmissão de mensagens por meio do sistema pictórico muitas vezes era complicada – em frases que contêm informações longas torna-se dificultoso conseguir expressar tudo apenas através de desenhos – a representação através da língua, ou seja, pela escrita, surge quando desenhos convencionais, ou sinais, passam a designar palavras e não apenas idéias. É claro que no sistema de escrita tudo o que é dito pode ser registrado, mas não há ainda nenhum sistema como este que possa apontar de maneira satisfatória a entonação, que só pode ser representada pela oralidade, nem mesmo os gestos podem ser representados pela escrita (LANGACKER, 1972). LANGACKER (1972, p. 66), ao discorrer sobre a escrita (registro escrito) diz que, “A língua é a fala e a competência lingüística subjacente à fala. A escrita não é mais do que uma representação gráfica secundária da fala, a qual goza de certos privilégios. Uma mensagem escrita é relativamente permanente, enquanto que a fala é totalmente efêmera. Uma vez emitida, uma mensagem oral se perde para sempre (embora as técnicas de gravação estejam até certo ponto modificando esta situação)” 9 (LANGACKER, 1972). Percebe-se que o autor dá mais crédito à escrita por esta ser mais duradoura do que a oralidade a qual, devido à sua transitoriedade, ele coloca em segundo plano. O autor ainda vai além no que diz respeito ao registro escrito ao acrescentar que “[...] uma mensagem escrita pode ser conservada e posteriormente consultada. Fatos e idéias transpostos para a escrita podem ser preservados sem tornar-se uma sobrecarga para a memória.” (p. 67) Ele ainda considera que um grande número de pessoas que vivam em lugares e épocas diferentes pode ter acesso às mensagens escritas, além de que o registro escrito facilita a distribuição de mensagens entre as pessoas e que essa distribuição feita através da oralidade seria um processo dificultoso, pois os mensageiros teriam de decorar mensagens longas e percorrer caminhos extensos, como viajar ao redor do mundo, para apresentá-las por meio da oralidade. LANGACKER (1972) ainda afirma que o registro escrito, além de facilitar a sua transmissão, é uma forma eficaz de se preservar mensagens, que oralmente poderiam vir a se perder com o passar do tempo. A mesma idéia em relação à escrita também é apresentada por BARTHES (1971, p. 26) ao afirmar que “as palavras têm uma memória segunda que se prolonga misteriosamente em meio às significações novas. A escritura é precisamente esse compromisso entre uma liberdade e uma lembrança.” O autor ainda faz mais acréscimos a respeito do registro escrito dizendo que este faz com que ocorra um surgimento do passado através de sua realização. BARTHES (1971) afirma que o registro escrito se assemelha a um elemento químico que se apresenta, em princípio, de maneira clara, inofensiva e indiferente, mas que pode mudar com o passar do tempo quando este passa a mostrar, aos poucos, todo um passado que estava suspenso e uma criptografia que vai se tornando cada vez mais densa. BARTHES (1971), ainda reforça seu posicionamento a respeito dos registros. O autor deixa evidente que a escritura é fechada e sólida, diversa da linguagem oral, que mesmo sendo formal ou coloquial, possui intervalos, sendo flexível e desordenada. BARTHES (1971, p. 31) considera que: 10 Todas as escrituras apresentam um caráter de fechamento que é estranho à linguagem falada. A escritura não é nenhum instrumento de comunicação, não é um caminho aberto por onde passaria uma só intenção de linguagem. Toda uma desordem se ecoa através da fala, dando-lhe o movimento devorado que mantém essa mesma desordem em estado de eterno adiamento. Inversamente, a escritura é uma linguagem endurecida que vive de si mesma e não tem em absoluto a missão de confiar à sua própria duração uma seqüência móvel de aproximações, mas, ao contrário, de impor, pela unidade e pela sombra de seus signos, a imagem de uma fala construída muito antes de ser inventada. Segundo BARTHES (1971, p. 31) “O que opõe a escritura à fala, é que a primeira parece [grifo do autor] sempre simbólica, introvertida, voltada ostensivamente para uma vertente secreta da linguagem, ao passo que a segunda não passa de uma duração de signos vazios, dos quais só o movimento é significativo.” Entretanto, no que concerne a importância do registro oral e do registro escrito, as palavras de CHEVALIER & GHEERBRANT (2002, p. 552) definem a linguagem como sendo “símbolo de um ser inteligente: indivíduo, etnia, nação.” Os autores consideram que a linguagem compreende “o sentido exato de língua falada ou escrita, idioma, que é uma das inumeráveis formas de linguagem e um dos componentes de uma estrutura mental e social” e ainda acrescentam que “o conhecimento de sua linguagem permite o acesso à intimidade de uma pessoa e de um grupo.” Para CHEVALIER & GHEERBRANT (2002) o importante é a linguagem, seja ela escrita ou oral. CHEVALIER & GHEERBRANT (2002), afirmam que os celtas possuíam escrita e isso é provado pelos documentos existentes e que falam sobre o mundo celta da Antiguidade. Mas, diferentemente do comportamento das sociedades modernas, os celtas não davam valor absoluto de arquivo para os documentos escritos, nem mesmo os valorizavam quanto ao ensino através destes. Eles consideravam que o registro escrito não é passível de alteração, ficando definitivamente fixado, todavia, o saber transmitido através da oralidade pode renovar-se a cada geração. A importância do registro oral também se faz presente através dos grandes mestres como Sócrates, Buda, Jesus Cristo estes, não deixaram escritos e mesmo assim se perpetuaram (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2002). 11 Entretanto, para complementar seu raciocínio sobre a importância da linguagem escrita, LANGACKER (1972) assegura que há uma enorme dívida da sociedade moderna para com a escrita, e a civilização tecnológica contemporânea só conseguiu ter uma existência semelhante à atual devido às suas habilidades em fazer a documentação e preservação de mensagens lingüísticas. Segundo o autor, se desaparecessem as representações escritas da língua (revistas, jornais, livros, etc.) tudo viraria um caos, pois o conhecimento e a cultura, preservados através do registro escrito, em grande parte seriam eliminados, haveria uma desorganização do pensamento devido ao fato de que nossa mente não comportaria todo esse conhecimento que teria de ser realizado nela. LANGACKER (1972) afirma que a tecnologia responsável pelos meios de comunicação eletrônica não existiria se o homem não tivesse antes aprendido a arte de escrever, para poder, através desta arte, acumular seus conhecimentos técnicos e científicos. BENJAMIN (1987) considera que o fim da narrativa oral ocorreu com o surgimento do romance. Ele afirma que o narrador representa a experiência própria de forma coletiva, enquanto que o romancista trabalha com o indivíduo isolado que é incapaz de falar de sua experiência de forma exemplar. Para BENJAMIN (1987) o livro, na modernidade, se transforma para muitas pessoas em veículo para troca de experiências, de contato com o mundo ou de fuga dele, embora atualmente este veículo, como afirma o autor, esteja perdendo pouco a pouco esse papel e forma tradicionais para os avanços tecnológicos. A escrita, portanto, exerce um forte poder sobre as pessoas. Roger CHARTIER (2001) faz um relato sobre as grandes escritas epigráficas, que se vêem na Roma antiga e que apesar de seu esquecimento durante a Idade Média, expressam claramente o poder nas monarquias da época moderna (século XVI a XVIII). Estas inscrições são muito interessantes pelo fato de não poderem ser lidas pela maioria do povo uma vez que estão inscritas em latim e também por se acharem colocadas a uma altura que o olhar normal não alcança. Para CHARTIER (2001, p. 24), o fato de que estas escritas epigráficas não possam ser decifradas não é importante e sim o poder que 12 elas exercem, ou seja, elas “tornam visível o poder e delimitam um território marcado, apropriado pelo poder por meio da escrita.” CHARTIER (2001) afirma que, de acordo com os produtores de texto, o texto é dotado de ordem, disciplina e coação, transmitidos no ato de sua leitura, enquanto que a escrita encontra uma forma de fuga da ordem patriarcal, matrimonial ou familiar. Alguns autores, portanto, como LANGACKER (1972), BARTHES (2001) e CHARTIER (2001) consideram que o registro escrito é mais importante que o registro oral, enquanto que para CHEVALIER & GHEERBRANT (2002) o registro oral é mais importante que o escrito. De qualquer forma, a relevância desses registros fica provada através dos referidos autores e também pelo fato de que os registros “oral e escrito” são formas complementares de comunicação e de preservação histórica e cultural. 2.3 A IMPORTÂNCIA DO LIVRO PARA A MEMÓRIA CULTURAL DA HUMANIDADE “Símbolo do conhecimento em geral, e da Literatura em particular, a imagem do livro é cara ao imaginário ocidental”, segundo Marco Antônio de ALMEIDA (2001, p. 05), que considera também que, além da simples manifestação do prazer e da estima pela vasta instrução que a leitura proporciona, existe algo mais importante que é a “tematização constante do livro” e que segundo o autor, essa tematização é tida como uma imitação das preocupações de cada época relacionada com a experiência humana e o conhecimento. CHEVALIER & GHEERBRANT (2002, p. 555) em sua definição sobre o livro dizem que, “O livro é sobretudo, se passamos a um grau mais elevado, o símbolo do universo [...] Se o universo é um livro, é que o livro é a Revelação e, portanto, por extensão, a manifestação.” Sobre esta questão não se pode deixar de mencionar a Bíblia, o Corão, os Vedas, livros que transmitem a palavra sagrada e que, para muitos, são a revelação da existência de um Ser Supremo (CHEVALIER & GHEERBRANT, 13 2002). BORGES (1985), ao considerar o livro como uma libertação das consciências de cada ser humano, afirma que para os povos antigos a oralidade era mais importante que a escrita devido ao caráter vivo e fugaz que aquela apresenta. Os povos antigos, portanto, não cultuavam o livro que, segundo eles, era apenas o substituto da palavra oral. Quanto à noção de livro sagrado, como a Bíblia, os Vedas, o Corão, esta foi introduzida pelos orientais segundo afirmação de BORGES (1985), o qual acredita que embora o conceito de livro sagrado tenha acabado, ele ainda é possuidor de uma certa santidade que deve ser mantida a todo custo. Durante a leitura de um livro, muitas vezes tem-se a sensação de já ter lido ou ouvido sobre o que o tema trata em algum momento da vida. O pensamento, de se saber de antemão o que os livros dizem, vai de encontro à afirmação de Ítalo CALVINO (1993, p. 12), quando este recomenda a leitura de livros clássicos, “o clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular).” Mesmo quando já se tem conhecimento do que um livro trata, a sensação de surpresa de se ler o que já se sabe é gratificante por se descobrir de onde este saber se originou, assim como a sua analogia e pertinência. Em continuidade ao pensamento de CALVINO (1993), em relação aos clássicos Arthur SCHOPENHAUER (1993, p. 45) conclui que: [...] Não há maior deleite para o espírito que a leitura dos antigos clássicos: tão logo tomamos um deles, nem que seja por meia hora, nos sentimos refrescados, aliviados, purificados, elevados e fortalecidos; exatamente como se tivéssemos bebido de uma fresca fonte. [...] Se algo sei é que se, tal como agora se ameaça, o estudo das línguas antigas fosse abandonado, surgiria uma literatura feita de escritos tão bárbaros, superficiais e sem valor, como nunca antes existiu. Considerando este posicionamento de SCHOPENHAUER (1993) a respeito dos clássicos, percebe-se o quanto o autor valoriza este tipo de literatura além de valorizar o estudo das línguas antigas, que segundo ele, permite que os escritos mantenham sua pureza e valor. 14 Clássicos ou não, BORGES (1985) faz algumas considerações a respeito do ato de ler, ao afirmar o envolvimento dos sentidos no desempenho da leitura acompanhado de uma intimidade com o livro. Essa relação íntima se dá através do tato ao folhear-se o livro, passar a mão sobre a encadernação e as figuras. Do olfato, no prazer de sentir o cheiro do papel, da cola, da tinta. Da audição, pelo gosto de ler em voz alta determinadas passagens da obra. Também do paladar quando se umedece a ponta dos dedos com a língua no intuito de facilitar o seu folhear. E, por último, da forma mais absoluta que é a da visão. Enquanto CALVINO (1993) e SCHOPENHAUER (1993) apontam a importância dos clássicos para a memória cultural, BORGES (1985) opera arranjos e investidas em seus textos com o intuito de melhorá-los, de acordo com a afirmação de Júlio Pimentel PINTO (1998, p. 182) e que diz o seguinte: “seus livros são continuamente reescritos [grifo do autor], visando a novas edições, justificadas pela vontade de excluir determinados trabalhos, julgados indesejáveis, ou incluir outros, produzindo uma nova versão essencialmente distinta das formas anteriores do livro.” BORGES (1985) busca a perfeição para suas obras, lapidando-as ele julga que a cada nova edição elas poderão passar ao leitor uma nova versão, mais elaborada que a anterior, portanto melhor. Esta afirmação de PINTO (1998) em referência à reescritura dos livros, a que Borges se submete com tanta precisão, é reafirmada por ARROJO (1999), quando a autora, ao se referir ao texto, opta por considerá-lo como um “palimpsesto”. Palimpsesto vem do grego palímpsestos (raspado novamente) e que se refere principalmente ao pergaminho, que devido à sua escassez, era raspado e reutilizado. O termo palimpsesto também se refere às muitas leituras e interpretações que um texto pode ter. Livros reescritos ou clássicos só terão sua devida importância se forem mantidos vivos para a preservação da memória cultural, afirma Hulton DEUTSCH (2000). Para o autor, a crença na superioridade genética das pessoas nórdicas, aliada a uma tradição de orgulho romanesco do racionalismo, liberalismo e democracia, 15 estimulou o nazismo alemão à queima de livros rotulados “judeu-marxistas” e “antigermânicos”, e que, em maio de 1933 e em Berlin, foram arremessados a uma enorme fogueira por estudantes alemães e nazistas. Ainda sobre a importância cultural que o livro apresenta, BORGES (1985, p. 11) deixa seu juízo definitivo a respeito do livro, “Se lemos um livro antigo é como se lêssemos durante todo o tempo que transcorreu entre o dia em que foi escrito e nós. Por isso convém manter o culto ao livro.” O autor afirma que mesmo que o livro contenha erros e não concordemos com as opiniões do autor em sua obra, ele conserva algo de sagrado e de divino pelo simples desejo de se encontrar nele a felicidade e a sabedoria que tanto o ser humano procura. Considera-se que o livro busca registrar a memória e o pensamento das pessoas, assim como os seus avanços. Embora nem tudo o que esteja escrito em um livro seja a mais pura verdade, a sua destruição ocasionará um rompimento com o passado e com tudo o que estava preso a ele. Mas a verdade não está escrita unicamente nos livros. O saber humano pode estar arquivado na memória das pessoas como se fosse um livro, para mais tarde ser transmitido via oral. Mas, o mais importante de tudo acerca dos livros é a preservação do saber humano e a condução deste saber em benefício das pessoas. 16 3. ANÁLISE TEÓRICA DA OBRA Neste capítulo será feita a análise teórica de Nineteen Eighty-Four. Tal análise pretende mostrar como a questão do registro escrito e do registro oral se apresentam na obra e como o livro é importante para a memória cultural. Além disso, será discutida a importância da veracidade dos registros e os prejuízos que sua adulteração pode trazer à sociedade. Nineteen Eighty-Four se apresenta em três partes, sendo elas divididas por capítulos e a questão dos registros escrito e oral é recorrente em toda a obra. Por exemplo, o personagem Winston, com seu diário em mãos, questiona-se sobre o fato de estar escrevendo. Para quem estaria escrevendo? Seria para o futuro ou para o passado? “How could you make appeal to the future when not a trace of you, not even an anonymous word scribbled on a piece of paper, could physically survive?” (ORWELL, 1955, p. 31) Valeria a pena todo esse esforço sendo que a qualquer momento poderia ser aniquilado, tanto ele próprio quanto os seus escritos? Winston vive em um regime totalitário, numa sociedade reprimida e, mesmo sabendo que isto não será nada fácil, ele tenta resistir à opressão deixando esta frase registrada em seu livro: “To the future or to the past, to a time when thought is free, when men are different from one another and do not live alone – to a time when truth exists and what is done cannot be undone: From the age of uniformity, from the age of solitude, from the age of Big Brother, from the age of doublethink – greetings!” (ORWELL, 1955, p. 31) Duplipensar (Doublethink), segundo SILVINO (2002), significa a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitar ambas. No primeiro fragmento da obra, ORWELL (1955) procura demonstrar que o ser humano precisa manter perspectivas em relação ao seu futuro e que isso só será possível quando as pessoas puderem deixar seus pensamentos registrados para a posteridade. Já no segundo fragmento, o autor deixa evidente sua preocupação com a veracidade dos registros e no quanto sua adulteração pode vir a prejudicar o futuro das pessoas; devido à poda da liberdade de pensamento e de expressão, as pessoas acabam 17 se isolando e se tornando muito parecidas umas às outras, pensando e agindo todas da mesma maneira. Isto está relacionado com um dos lemas do Partido do “Grande Irmão”, “ignorância é força”, em que se percebe a manipulação dos registros escritos e orais. O Partido busca omitir a verdade dos fatos, através de um lema invertido no qual seria mais acertado dizer “sabedoria é força”. A ignorância de um povo está aliada ao poder de repressão de uma minoria sobre uma maioria. SILVINO (2002) comenta a obra de ORWELL (1955) dizendo que o autor projeta o futuro numa crítica à falta de opção no presente. Na ficção o cidadão que reagisse cometia crimidéia, bastava apenas um pensamento ou um ato suspeito em frente à teletela ou em frente aos próprios filhos que, incentivados pelo Partido, denunciavam os pais suspeitos. O indivíduo que cometesse crimidéia passava a ser alvo fácil do Ministério do Amor e era vigiado pela Polícia do Pensamento. Este indivíduo tornava-se impessoa passando a não mais existir, por desaparecer e ter todos os seus registros apagados. Isso aconteceu com Winston, quando passou a ter atitudes contrárias ao Partido anotando em um livro suas idéias e que mais tarde, ao ser descoberto, sofreu vários tipos de tortura até se submeter totalmente ao Partido. Winston, apesar de sua situação de oprimido em relação ao poder do Partido, busca de alguma maneira a descoberta do passado para fazer uma conexão entre esse passado e o presente em que se encontra. Embora tenha algumas lembranças vagas de sua infância e de como aconteciam as coisas nesta época, sente que sua memória está debilitada devido às manipulações imputadas pelo Partido que está no poder. Mesmo diante de tantas dificuldades como, a vigilância da teletela, a falta de alguém em quem possa confiar suas idéias, o medo de ser traído, mesmo assim, ele procura de alguma forma transpor estes obstáculos passando a confiar em O’Brien que lhe empresta um livro, o qual é um registro original do passado. Winston ao ler a obra, passa por uma série de sensações que até então não havia sentido. As sensações pelas quais o personagem Winston passa a sentir quando está lendo o livro assemelham-se à afirmação que CALVINO (1993) faz a respeito da importância da leitura dos clássicos em referência ao prazer de ler uma obra e 18 descobrir que o que está registrado nela já seja do conhecimento de muitas pessoas, e mesmo assim essa leitura não deixa de ser uma surpresa agradável, pois se descobre como esse conhecimento que já se tinha de antemão se originou e isso reforça a importância de registro escrito na manutenção de sua autenticidade. A obra de ORWELL (1955, p. 205) apresenta este aspecto através do processo de leitura feito por Winston. O livro é um documento original, não sofreu o processo de reescritura a que todas as outras obras e documentos sofrem quando passam pelo Ministério da Verdade e a sensação descrita pelo personagem ao ler é a seguinte: The book fascinated him, or more exactly it reassured him. In a sense it told him nothing that was new, but that was part of the attraction. It said what he would have said, if it had been possible for him to set his scattered thoughts in order. It was the product of a mind similar to his own, but enormously more powerful, more systematic, less fearridden. The best books, he perceived, are those that tell you what you know already. A preocupação de ORWELL (1955) não é somente com o registro escrito, mas também com o registro oral. Nineteen Eighty-Four trata da questão do registro oral em determinadas passagens da obra em que o protagonista Winston se pronuncia, em pensamento, sobre o fato de que ele mesmo poderia falar sobre o que estava escrito no livro que estava lendo, porém isto não seria possível devido à sua dificuldade de ordenar as idéias. Mas ele o faz em determinados momentos. Um deles acontece quando passa para Júlia, sua namorada, tudo o que lera no livro emprestado por O’Brien através da oralidade. Winston, ao relatar o livro, acaba por gravar em sua memória os acontecimentos da obra. Isso ocorre no momento em que Júlia pergunta se ele recebera o livro que estava esperando. Ele afirma que sim e diz em seguida: “‘You must read it’, he said. ‘You too. All members of the Brotherhood have to read it.’ ‘You read it’, she said with her eyes shut. ‘Read it aloud. That’s the best way. Then you can explain it to me as you go.’” (ORWELL, 1955, p. 206) A oralidade, defendida por CHEVALIER & GHEERBRANT (2002), de que através dela ocorre uma renovação do saber, pode estar relacionada ao desejo de Júlia em relação à leitura do livro. Ela prefere ter acesso à escrita do livro através da audição, possivelmente a transmissão oral feita por Winston facilitaria seu 19 entendimento sobre a mensagem a que o livro se destina a passar, além de que uma explicação seguida da leitura acaba por possibilitar a ambos uma interpretação restaurada da obra. Ler o livro e explicar em seguida faria com que Winston contasse a Júlia, com suas próprias palavras, o que entendera dos escritos. ORWELL (1955, p. 254) não faz distinção entre registro escrito e registro oral no que se refere à sua importância para o conhecimento e manutenção da memória cultural, em Nineteen Eighty-Four. O autor deixa evidente que os dois registros são importantes, desde que não sejam controlados. Observe-se como aparece o aspecto do poder de controle do Partido neste fragmento da obra: [...] Does the past exist concretely, in space? Is there somewhere or other a place, a world of solid objects, where the past is still happening? No. Then where does the past exist, if at all? In records. It is written down. In records. And - ? In the mind. In human memories. In memory. Very well, then. We the Party, control all records, and we control all memories. Then we control the past, do we not? Se o passado existe na memória das pessoas é porque ele não precisa necessariamente estar escrito, ele pode ser passado de geração a geração através da oralidade. Porém, na obra, o Partido controla o passado e, conseqüentemente, a memória das pessoas. Sendo assim, não há meios de se transmitir informações através da oralidade sem burlar as normas impostas pelo Big Brother e esta é uma empreitada praticamente impossível de ser realizada dentro das condições apresentadas. Winston, em um de seus momentos de reflexão sobre suas condições de vida, sem projetar 20 perspectivas para o futuro devido à falta de liberdade de expressão, pensa a respeito do que é um registro sem a prova concreta da escrita. Veja-se neste trecho o que ele pensa a respeito, “The past, he reflected, had not merely been altered, it had been actually destroyed. For how could you establish even the most obvious fact when there existed no record outside your own memory?” (ORWELL, 1955, p. 39) A destruição dos registros escritos, após terem sido reescritos de maneira a não comprometer o Partido, é feita pelo próprio Winston. Este trecho da obra apresenta o momento em que Winston procede de maneira a destruir provas originais: As soon as Winston had dealt with each of the messages, he clipped his speakwritten corrections to the appropriate copy of the Times [grifo do autor] and pushed them into the pneumatic tube. Then, with a movement which was as nearly as possible unconscious, he crumpled up the original message and any notes that he himself had made, and dropped them into the memory hole to be devoured by the flames. (ORWELL, 1955, p. 43) Embora Winston proceda desta maneira em relação aos registros, ele já está ciente de que seu modo de agir não é correto, porém necessário devido à sua situação de prostrado. Em Nineteen Eighty-Four a reescrita dos livros tem a intenção de evitar que as pessoas tenham acesso a fatos verídicos que venham a depor contra o Partido. Winston reunia e classificava as correções que eram consideradas necessárias a um determinado número do Times para em seguida reimprimir. O número original era destruído, sendo substituído pelo exemplar reescrito que era arquivado em seu lugar. O processo de alteração contínua era aplicado a jornais, livros, revistas, periódicos, folhetos, cartazes, filmes etc. enfim, a toda espécie de registro literário ou documentação dotada de significado político ou ideológico e que pusesse em risco a credibilidade do partido. Esse processo de atualização do passado se dava constantemente, minuto a minuto, não deixando vestígios de sua adulteração. Percebese neste fragmento da obra de ORWELL (1955) uma comparação com a reescrita de BORGES (1985), porém de forma diversa da que este autor se propõe fazer ao reescrever seus livros, “All history was a palimpsest, scraped clean and re-inscribed exactly as often as was necessary. In no case would it have been possible, once the 21 deed was done, to prove that any falsification had taken place. [...] Books, also, were recalled and rewritten again and again, and were invariably reissued without any admission that any alteration had been made.” (ORWELL, 1955, p. 43) Percebe-se que, além da reescrita dos livros, neste trecho de Nineteen EightyFour a destruição da memória cultural, que embora seja fictícia, e a forma como ela se apresenta, pode vir de encontro à realidade atual. O autor faz uma previsão para um futuro não muito distante do nosso, em que, língua e literatura passarão por um processo de transformação de modo a não deixar vestígios do passado. Observe-se: [...] But 2050 – earlier, probably – all real knowledge of Oldspeak will have disappeared. The whole literature of the past will have been destroyed. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron – they’ll exist only in Newspeak versions, not merely changed into something different, but actually changed into something contradictory of what they used to be. Even the literature of the Party will change. Even the slogans will change. How could you have a slogan like ‘freedom is slavery’ when the concept of freedom has been abolished? The whole climate of thought, will be different. In fact there will be [grifo do autor] no thought, as we understand it now. (ORWELL, 1955, p. 56) Entretanto, como dito anteriormente, ao comparar a técnica de reescrita a que BORGES (1985) se propõe com o que é apresentado em Nineteen Eighty-Four, percebe-se que nem sempre a reescrita de livros tem a intenção de destruir o passado. ARROJO (1999), ao tratar sobre a obra de Borges, afirma que o autor reescreve suas próprias obras de modo a que elas se tornem perfeitas. BORGES (1985) utiliza o processo de reescritura de suas obras, mas isto, diferentemente da forma como Winston era obrigado a proceder, não interfere no contexto geral a que as obras se propõem. Ele apenas faz isso com o intuito de aperfeiçoá-las, como afirma Júlio Pimentel PINTO (1998), enquanto que o personagem de Winston reescreve os documentos visando alterá-los, mudando completamente seu significado. Constata-se na obra de ORWELL (1955, p. 218) o quanto a alteração do passado pode influir na memória cultural: The aceleration of the past is necessary for two reasons, one of which is subsidiary and, so to speak, precautionary. The subsidiary reason is that the Party member, like the proletarian, tolerates present-day conditions partly because he has no standards of comparison. He must be cut off from the past, just as he must be cut off from foreign countries, because it is necessary for him to believe that he is better off than his ancestors 22 and that the average level of material comfort is constantly rising. But by far the more important reason for the readjustment of the past is the need to safeguard the infallibility of the Party. It is not merely that speechs, statistics and records of every kind must be constantly brought up to date in order to show that the predictions of the Party were in all cases right. It is also that no change in doctrine or in political alignment can ever be admitted. For to change one’s mind, or even one’s policy, is a confession of weakness. [...] Thus history is continously rewritten. This day-to-day falsifications of the past, carried out by the Ministry of Truth, is a necessary to the stability of the régime as the work of repression and espionage carried out by the Ministry of Love. Mas a questão da destruição da memória cultural em Nineteen Eighty-Four, está em conformidade com a afirmação de CHARTIER (2001), quando este fala sobre as grandes escritas epigráficas e do poder que elas exerciam sobre as pessoas. A falsificação do passado é feita no intuito de manter a segurança do Partido, o poder que ele exerce sobre as pessoas não pode, de forma alguma, ser destruído por erros cometidos no passado e que venham a comprometer sua estabilidade. Assim como as escritas epigráficas da Roma antiga expressavam o poder das monarquias, conforme CHARTIER (2001), as pessoas, mesmo não conseguindo ler os escritos por não terem acesso visual ou não entenderem mais o latim, respeitavam o poder emanado por estas escritas. Sendo assim, o Partido do Big Brother ao fazer alterações nos documentos da maneira que bem entender, demonstra seu poder de força sobre estas pessoas, que mesmo em dúvida em relação à sua idoneidade, acabam por aceitar o que está registrado. A memória cultural também é destruída através do fogo. DEUSTCH (2000) refere-se ao fato do nazismo alemão propiciar a queima de livros rotulados “judeumarxistas” e “anti-germânicos”. Quando um livro é queimado uma parte da história da humanidade queima junto com ele. BUENO (2004) refere-se à importância da cultura quando faz menção ao desaparecimento de algumas línguas e dialetos devido ao progresso da globalização. Em Nineteen Eighty-Four, além da queima de livros, tudo o que se refere a eles é eliminado, até mesmo o memorial. Não se deve ter recordações de nada. As memórias devem ser apagadas, as pessoas que morrem devem ser esquecidas. No trecho a seguir, percebe-se a destruição da memória cultural no momento em que Winston está conversando com O’Brien a respeito do dicionário de 23 Novilíngua (Newspeak) que este está ajudando a montar: The Eleventh Edition is the definitive edition, he said. We’re getting the language into its final shape – the shape it’s going to have when nobody speaks anything else. When we’ve finished with it, people like you will have to learn it all over again. You think, I dare say, that our chief job is inventing new words. But not a bit of it! We’re destroying words – scores of them, hundreds of them, every day. We’re cutting the language down to the bone. The Eleventh Edition won’t contain a single word that will become obsolete before the year 2050. (ORWELL, 1955, p. 54) Segundo SILVINO (2002), a novilíngua foi o idioma que substituiu o inglês. Esse novo idioma consiste em reduzir a quantidade de vocábulos fundindo idéias num conjunto reduzido de palavras. Imbom, por exemplo, substitui perfeitamente a palavra Mal. Logo, decora-se apenas as palavras e seus sufixos e prefixos. A capacidade de questionar diminui na mesma proporção da quantidade de palavras. A cada edição do dicionário, o número de vocábulos diminuía. E assim as pessoas ficavam mais vulneráveis. A destruição das palavras na versão novilíngua, além de fazer com que as pessoas falem o menos possível, faz com que elas pensem pouco também. Sendo assim elas passam a não ter mais capacidade de questionar devido ao seu vocabulário reduzido (SILVINO, 2002). Há ainda outro comentário em respeito a novilíngua apresentado por O’Brien em Nineteen Eighty-Four, e que define melhor a que ela se propõe em relação à falta de expressão das pessoas em um futuro próximo: It’s a beautiful thing, the destruction of words. [...] Don’t you see that the whole aim of Newspeak is to narrow the range of thought? In the end we shall make thoughtcrime literally impossible, because there will be no words in which to express it. Every concept that can ever be needed will be expressed by exactly one [grifo do autor] word, with its meaning rigidly defined and all its subsidiary meanings rubbed out and forgotten. (ORWELL, 1955, p. 55) Destruir palavras é destruir o pensamento das pessoas. A veracidade dos registros e sua manutenção possibilitam às pessoas diferenciarem o que está certo do que está errado. Quando não se possui acesso à informações verídicas ou estas informações são insuficientes para comprovar algo, os indivíduos tornam-se ignorantes e essa ignorância trará prejuízos ao seu desenvolvimento cognitivo e cultural, 24 alienando-os. A forma como Nineteen Eighty-Four apresenta esse aspecto da destruição da cultura das pessoas pode ser representado por Giacomo LEOPARDI (apud ARROJO, 1999, p. 29) quando este fala sobre a liberdade de pensamento. Ele diz que “as idéias estão contidas e praticamente engastadas nas palavras como pedras preciosas num anel. Elas se incorporam às palavras como a alma ao corpo, de tal modo que constituem um todo.” Para o autor, as idéias são inseparáveis das palavras, pois se elas se separarem delas não serão mais as mesmas. Ela ainda faz uma comparação entre palavras e idéias com o corpo e a alma dizendo que se as idéias se separarem das palavras elas simplesmente “escapam ao nosso intelecto e ao nosso poder de compreensão; tornando-se irreconhecíveis, exatamente o que aconteceria à nossa alma se se separasse de nosso corpo.” (LEOPARDI, apud ARROJO, 1999) A menção de LEOPARDI (apud ARROJO, 1999) a respeito da associação entre idéias e palavras e entre alma e corpo, pode ser aliada ao pensamento de BORGES (1985) sobre a importância que o livro tem para a preservação da memória e da imaginação das pessoas e que é feita com o registro das idéias através das palavras. Para BORGES (1985) o livro é um objeto de consideração, admiração e desejo, não só por parte dos literatos, mas também por parte dos simples leitores que, através da leitura, têm acesso à sua transcrição. A seguir serão feitas as considerações finais do trabalho, a fim de deixar evidente a importância da pesquisa visando projetar novos estudos, novas perspectivas de trabalho para as várias áreas do conhecimento. 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, apesar de se tratar de uma obra de ficção, Nineteen EightyFour apresenta vários aspectos que condizem com a realidade. O livro assume o papel de apresentar ao leitor a forma como o totalitarismo, por exemplo, pode alterar e manipular o comportamento das pessoas. Dotado do poder de opressão que exerce sobre as pessoas, o Partido do “Grande Irmão” é o único a ter acesso à veracidade dos registros, os quais ele pode forjar da maneira como bem entender, fazendo com que os fatos registrados estejam sempre a seu favor, bem como os cidadãos sejam sempre aliados ao Partido, mesmo contra sua vontade. Considera-se que a obra de ORWELL (1955), embora ficcional, seja um alerta contra a força que os partidos políticos detém quando estão no poder. Os partidos políticos são capazes de manipular o povo que se torna vulnerável aos seus discursos persuasivos acreditando que tudo o que for prometido será cumprido. Embora muitos dos discursos sejam registrados pela televisão, os eleitores têm memória curta e elegem sempre os mesmos políticos que já passaram pelo poder e não fizeram nada em benefício do povo. O fato de que as pessoas devem ter acesso à educação é mais do que evidente, mas isso não é do interesse dos governantes. Um povo instruído é capaz de auxiliar na liderança de seu país para evitar abusos dos dirigentes políticos que queiram tirar proveito de determinadas situações em seu próprio benefício. Além disso, um povo dotado de educação intelectual torna-se mais crítico ao eleger seus representantes, buscando fazer melhores escolhas, assim como se torna mais apto para expurgar governantes que não estejam agindo em prol da sociedade. Em Nineteen Eighty-Four, ORWELL (1955) faz uma crítica ao poder de domínio que o Partido do Big Brother tem sobre as pessoas. Esta crítica não se reduz somente ao estado de opressão vivido por estas pessoas devido ao regime totalitarista, mas o autor também quer mostrar que uma das formas mais eficazes de se manipular o pensamento de um indivíduo é omitindo a verdade dos fatos. O lema do Partido 26 “ignorância é força” pode ter várias representações, dentre elas o fato de que as pessoas que não pensam trabalham mais e sem questionar; também pode se referir à força que o Partido vai conquistar cada vez mais através da ignorância de seu povo. Mas, considerando-se o aspecto da educação intelectual, os indivíduos que a detém estarão mais alertas em relação a tudo que os rodeia como, por exemplo, evitar a tirania de ditadores que desejem exercer suas funções de poder em prejuízo da humanidade. O ato de destruir documentos originais para evitar que as pessoas tenham acesso a provas concretas sobre procedimentos ilegais, assim como destruir a memória cultural de um povo, destrói também o pensamento do indivíduo tornando-o alienado a tudo o que diz respeito à sua cidadania e à sua liberdade. Considera-se que o livro é um aliado importante na construção do saber de um indivíduo. Através dele conseguese assegurar a memória cultural de um povo. Além disso, o livro auxilia no desenvolvimento da capacidade de formar opiniões críticas. Os livros sempre exerceram, além do fascínio, um poder muito forte sobre as pessoas. Essa força se dá devido ao fato de que um livro tem registrado em suas páginas todo um passado que ficou pendente, mas que se for consultado passa a ter vida novamente. Já a respeito do processo de reescritura, isto dependerá de como o procedimento ocorre. Para BORGES (1985) este processo se dá como um aperfeiçoamento da obra. É uma forma de incluir palavras melhor elaboradas para que haja um entendimento mais apropriado do leitor. Em Nineteen Eighty-Four, o procedimento se dá de maneira diversa, a reescritura é tida como uma adulteração dos registros com o propósito de modificar seu sentido. A intenção da reescritura, na obra, é evitar que as pessoas tenham acesso a erros cometidos no passado pelo Partido do “Grande Irmão” e que venham a trazer prejuízos à sua atuação de poder sobre os cidadãos. Além de o registro escrito ser importante, o registro oral também é dotado de extrema relevância. O aprendizado obtido por gerações anteriores à nossa é de inestimável valor. Pais, avós, tios, por muitas vezes deixam gravada sua mensagem 27 oral para filhos, netos, sobrinhos, que jamais a esquecem e que, possivelmente, passarão adiante para suas futuras gerações. Sócrates deixou-nos um legado de informações que atualmente são utilizadas de várias formas. Embora ele mesmo não tivesse nada registrado, pois sua palavra era oral, PLATÃO (1957), um de seus seguidores, deixou registrado, embora de maneira poética, tudo o que seu mestre havia lhe ensinando. Além de Sócrates há outras personalidades como Cristo, que transmitiu sua palavra oral e que mais tarde foi registrada por seus discípulos através da Bíblia. Não se pode deixar de considerar também os ensinamentos orais deixados pelos índios, principalmente sobre a utilização de várias ervas medicinais e de seu uso adequado para curar várias enfermidades. Embora o posicionamento de SENA (1963) a respeito da obra de ORWELL (1955) não tenha sido muito positivo, quando este retratou Nineteen Eighty-Four como um livro denso e volumoso, o que se deve levar em conta é que a contribuição dos teóricos consultados permitiu a elaboração da proposta de trabalho lançada nas considerações iniciais. Não se pode deixar também de dizer que a mensagem que ORWELL (1955) deixou em sua obra foi a de um futuro realmente sombrio. Certamente o autor teve o intuito de fazer com que os leitores pensem um pouco a respeito de como as pessoas se deixam manipular facilmente. Para evidenciar melhor a importância dos registros e de como este aspecto pode ser melhor explorado por futuros pesquisadores, sugere-se fazer um trabalho comparativo entre o livro de ORWELL (1955) e o filme de Michael Radford para verificar como o registro é trabalhado nestas duas formas de apresentação da obra Nineteen Eighty-Four, a escrita e a fílmica. Outra sugestão de trabalho seria a de comparar Nineteen Eighty-Four e Fahrenheit 451, obra de Ray BRADBURY (1997) a qual trata sobre a importância do livro que nesta obra aparece nas duas formas de registro, escrito ou oral. E, por fim, tomando-se por base a questão dos avanços tecnológicos que estão presentes na atualidade e no cotidiano das pessoas, propõe-se verificar a interferência destes avanços tecnológicos na escrita e na oralidade fazendo um paralelo com a obra de ORWELL (1955) para constatar o quanto isto pode afetar 28 na propagação da memória cultural dos povos. Considera-se, portanto, que a elaboração deste trabalho foi compensadora, pois além de propiciar à pesquisadora a oportunidade de buscar elementos que comprovem o tema a que se propôs analisar, também lhe proporcionou uma gama maior de conhecimento ampliando seu horizonte de informações. 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Marco Antônio de. O Personagem livro. Artigo, 2001. Disponível em: <http://www.escritoriodolivro.org.br/leitura/marco.html> Acesso em: 12 mar. 2005. ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução – A Teoria na Prática. São Paulo: Ática, 1999. BARTHES, Roland. O Grau Zero da Escritura. São Paulo: Cultrix, 1971. BENJAMIN, Walter. “Guarda-livros juramentado” In Obras Escolhidas vol. IIRua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987. BORGES, Jorge Luís. “O Livro”. In Cinco Visões Pessoais. Brasília: UNB, 1985. BUENO, Fernando Radin. Caos, complexidade e 1984. Artigo, 2004. Disponível em: <http://www.duplipensar.net/george-orwell/2004-09-caos-1984.html> Acesso em: 5 fev. 2005. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CARTER, Ronald; MCRAE, John. The Penguin Guide to Literature London: Penguin English, 2001. English. CHARTIER, Roger. Cultura escrita, Literatura e História. Porto Alegre: Artmed, 2001. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alan. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. DEUTSCH, Hulton. In Microsoft® Encarta® Encyclopedia 2000. © 1993-1999 Microsoft Corporation. All rights reserved. Artigo "Bonfire of "Anti-German" Books". LANGACKER, R. A linguagem e sua estrutura. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. ORWELL, George. Nineteen Eighty-Four. 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