4 – Filhos da Viúva – A Maçonaria e o Sagrado Feminino

Transcrição

4 – Filhos da Viúva – A Maçonaria e o Sagrado Feminino
JB News – Informativo nr. 1.302
4
Florianópolis (SC) – quarta-feira, 26 de março de 2014.
Pág. 12/32
– Filhos da Viúva – A Maçonaria e o Sagrado Feminino
Filhos Da Viúva-­
A Maçonaria E O Sagrado Feminino
João Anatalino
www.joaoanatalino.recantodasletras.com.br
[email protected]
O culto do “sagrado feminino”
A express(o “Filhos da Vi2va” 5 bastante antiga e parece
estar conectada com antigos cultos matriarcais, no qual
se cultuava um princípio feminino, ligado principalmente á
questão da fertilidade da terra. Ela aparece,
originalmente, no antigo Egito, onde os iniciados nos
Mistérios de Ísis e Osíris recebiam esse apelido. É sabido
que os antigos rituais praticados nos templos egípcios,
dedicados á Ísis, tinham um duplo propósito: de um lado
honrar a deusa, para que esta promovesse a fertilidade da
terra, fazendo com que o país obtivesse boas colheitas, e
de outro lado despertar nos praticantes desse ritual uma
espécie de iluminação espiritual, semelhante a um
renascimento em outro estado de consciência.
Com o tempo esse ritual adquiriu uma conotação política e social, pois os chamados
“iniciados” nesses Mist5rios passaram a constituir uma classe de elite na sociedade eg>pcia,
concentradora do “poder que vinha dos deuses”. Essa mesma conformação pode ser
encontrada entre outros povos antigos que praticavam ritos semelhantes. Em especial as
variantes gregas dos Mistérios de Elêusis e os Mistérios da Samotrácia, nos quais se
buscava honrar esse “princ>pio feminino” que identifica a fertilidade, tanto em relação á
terra, quanto á própria vida humana.
JB News – Informativo nr. 1.302
Florianópolis (SC) – quarta-feira, 26 de março de 2014.
Pág. 13/32
Ísis, como sabe, ficou viúva em face do assassinato de seu irmão e consorte, Osíris. Daí os
iniciados nos Mist5rios de Csis e Os>ris serem chamados de “Filhos da Vi2va.” Ela
simbolizava o “sagrado feminino” em toda sua integridade.
Os TemplHrios e o “sagrado feminino”
Esse título também foi aplicado aos cavaleiros da Ordem do Templo, face ás indicações,
bastante prováveis, de que eles praticassem algum tipo de ritual consagrado ao chamado
“principio feminino”. Esse princ>pio foi identificado em s>mbolos que reproduziam o
crescente lunar, representando a deusa egípcia Ísis. Esse culto, supostamente praticado
em capítulos avançados da ritualística templária, era simbolizado pelo desenho de uma lua
crescente, com estrelas nas duas pontas, e em cima um sol chamado de Abraxas (variante
gnóstica para o deus Osíris). Essa iconografia simbolizava o processo segundo o qual a
fertilidade da terra era promovida, e também representada a elevação da própria alma,
conforme representada nos Mistérios Egípcios e em cultos gnósticos adotados pelos
Templários.1
Essa hipótese deriva do fato de os senescais de Filipe, o Belo, terem encontrado entre os
pertences templários sequestrados na preceptoria de Paris uma cabeça de prata, que
continha, dentro dela, ossos de uma cabeça menor, supostamente de uma mulher,
envolvida em linho e púrpura. Essa cabeça tinha um título escrito em baixo que dizia: Caput
LVIII e um signo misterioso ( ) que foi interpretado como sendo o signo da virgem (Virgo).
Além disso, sabe-­se que o próprio São Bernardo de Clervaux, inspirador e organizador da
Ordem do Templo, era um devoto da Virgem. Consta que ele a cultuava de uma forma
mística e bastante heterodoxa. Segundo uma tradição muito divulgada na Idade Média, ele
teria sido alimentado pelo leite que brotara dos seios da estátua de uma Virgem Negra.2
Que havia um culto á Virgem entre os Templários (a viúva Maria, mãe de Jesus, ou Maria
Madalena, suposta esposa de Jesus, ou a própria deusa Ísis) é inegável, porquanto as
últimas palavras de Tiago de Molay, grão-­mestre do Templo, antes de ser amarrado no poste
para ser queimado na fogueira, foram um pedido ao carrasco para fazer uma oração á
Virgem.
Ressalte-­se que o prIprio cristianismo n(o ficou imune H influJncia do “sagrado feminino”. A
Virgem Maria, nas mais variadas tradições marianas, é cultuada como um símbolo lunar.
Muitas tradições relativas a esse culto sobreviveram nas tradições da sociedade ocidental.
A lua de mel como símbolo do himeneu (a entrega da virgindade da noiva ao seu marido), a
mística da lua cheia, como fase propícia para mudanças de personalidade e início de
empreendimentos, a influência lunar na sexualidade das mulheres etc., são todos exemplos
conectados com o culto ao sagrado feminino.
O “sagrado feminino” na literatura
É revelador também o fato de os próprios franceses, como povo, já cultuarem, de longo
tempo, o “sagrado feminino”. HH registros de que nas proximidades da atual igreja de Saint-­
Germain-­des-­Prés, a mais antiga da capital francesa, os primitivos habitantes da cidade
(então chamado de Lutécia), haviam construído um templo dedicado a Ísis. Por isso os
moradores do lugar eram conhecidos pelos romanos como Para-­Ísis, ou seja “cultores de
Csis”, que resultou no nome “parísios”, pelo qual os habitantes da cidade ficaram
conhecidos. Deriva desse antigo culto a tradição dos franceses de honrar a Notre Dame,
que mais que uma reminiscência á Maria, mãe de Jesus, é uma tradição que já vem do
1
2
Veja-se Arthur Verluis- Os Mistérios Egípcios- São Paulo, 1978
Os Mistérios Templários- Louis Charpentier - Difel, Rio de Janeiro, 1970
JB News – Informativo nr. 1.302
Florianópolis (SC) – quarta-feira, 26 de março de 2014.
Pág. 14/32
tempo dos druidas, que cultuavam a Mãe Terra e a ela prestavam culto. Do termo (Para-­Ísis,
parísios) teria vindo o nome Paris.3
O culto á mulher, como símbolo do sagrado feminino, projetou-­se inclusive na literatura
medieval e tornou-­se um dos principais gêneros literários da época. É revelador que esse
tipo de literatura tenha nascido justamente na Provença, ou seja, no chamado território do
Languedoc. A poesia provençal parece ter tido origem nas tradições populares cantadas
em prosa e versos por artistas ambulantes, que iam de cidade em cidade e se apresentavam
em feiras e recitais organizados por nobres senhores, para distrair convidados em seus
serões. Desenvolveu-­se, nesse tipo de manifestação artística, uma forma de lirismo quase
religioso, no qual o amor do cavaleiro por sua dama afirmava-­se como um culto, quase uma
religião. O trovador, na Corte e na literatura, comportava-­se em relação à sua dama como
se fosse um vassalo em relação ao seu senhor, ao qual devia homenagem, fidelidade e
socorro em caso de perigo, combatendo e morrendo por ela, se necessário. Não se tratava
de uma relação sentimental de envolvimento físico, mas sim de uma relação de caráter
espiritual, na qual a dama escolhida era uma espécie de ídolo, um objeto de adoração, onde
o próprio nome da amada devia ser mantido em segredo. A este ideal romântico
correspondia um tipo idealizado de mulher que mais se assemelhava á uma deusa, uma
ninfa, uma fada, algo muito além de uma criatura de carne e osso. A Laura dos poemas de
Petrarca, a Beatriz de Dante, a Isolda de Tristão, a Guinevere dos contos da Távola
Redonda, a caricata Dulcin5ia do Dom Quixote, s(o exemplos dessa simbologia do “sagrado
feminino”, que a literatura provenPal imortalizou. Registre-­se que o declínio da literatura
provençal ocorreu principalmente em razão da repressão movida pela Igreja de Roma
contra os cátaros, que acabou envolvendo todo o povo do Languedoc e arruinou um grande
número de nobres dessa região. Ressalte-­se que tanto a literatura provençal, que idealizava
o valente cavaleiro e seu amor platônico, quanto a tradição cavalheiresca de honrar o
“sagrado feminino” nunca foi bem visto pela Igreja e sempre sofreu as mais Hcidas cr>ticas
do clero.4
O Sagrado feminino e a maçonaria
A maçonaria, como muitos dos símbolos que foram adotados pela sua tradição, acabou
adaptando o t>tulo “Filho da Vi2va” para representar diversos temas que s(o desenvolvidos
em seu ritual.
Na tradição gnóstica há uma curiosa lenda oriunda da seita cainita, segundo a qual a
famosa Rainha de Sabá, chamada Barcis, quando visitou o reino de Israel, na época de
Salomão, teria se apaixonado pelo arquiteto do Templo, o mestre Hiram Abiff (ou
Adonhiram). Do romance dos dois teria nascido um filho. Esse menino nasceu após o
assassinato do mestre pelos Jubelos, raz(o pela qual, esse filho do “maior maPom da terra”
era chamado de “filho da vi2va”. Essa lenda foi tema de uma Ipera composta pelo famoso
poeta e escritor francês Gerard de Nerval, que ao que parece, nunca foi encenada, mas
teve circulação bastante divulgada entre os maçons franceses no século XIX. 5
Destarte, viúva, no caso, seria a própria instituição da maçonaria, já que seu fundador,
Hiram Abiff, também foi assassinado. No caso, seus filhos, os maçons, seriam órfãos de pai.
Assim, na tradiP(o da maPonaria, a express(o “Filho da Vi2va” serve tanto para designar os
TemplHrios “Irf(os” em relaP(o H extinP(o de sua Ordem e a morte de seu “pai”, o gr(o-­
mestre Tiago de Molay, quanto aos partidários da família real inglesa, os Stuarts, em relação
3
Essa é uma das teses que busca explicar o nome da capital francesa. A outra é que o nome Paris foi dado á cidade em homenagem á
Paris, o principe troiano, já que a cidade de Lutécia (antigo nome de Paris) teria sido fundada por um sobrinho desse principe, que
escapara de Tróia após a sua queda para os gregos. Cf. Mémoires de la Société nationale des antiquaires de France, Paris, 1926
4
Decorrente, provavelmente da misoginia da igreja medieval, que ao mesmo tempo em que idealizava a mulher como símbolo da
fertilidade e da continuidade da exist/ncia humana, via nela um perigo para a alma humana, um “objeto de lux9ria e pecado”, que o
diabo constantemente eliciava para perder os homens. Ressalte-se que essa misoginia foi expressa pelo próprio São Bernardo nas
Regras que ele escreveu para os Templários, proibindo-os que eles “tocassem em mulher”.
5
Robert Ambelain- A Franco Maçonaria- São Paulo, 1986
JB News – Informativo nr. 1.302
Florianópolis (SC) – quarta-feira, 26 de março de 2014.
Pág. 15/32
á morte de seu rei Carlos I, decapitado por ordem do Parlamento inglês. A viúva daquele rei
teria organizado a resistência, sendo a maioria dos seus partidários constituída de maçons.
A propósito, foram os stuartistas refugiados na França que desenvolveram a maior parte
dos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, tal como o conhecemos hoje.
Historicamente, sabe-­se que esse título também era aplicado aos filhos das viúvas dos
pedreiros medievais, as quais a lei sálica proibia de receber as heranças de seus maridos
mortos. Assim os filhos dessas mulheres eram chamados de “Filhos da Vi2va”. Esses “filhos
das vi2vas”, que geralmente continuavam a profiss(o dos pais, foram os prIprios maPons
operativos, antecessores dos maçons atuais. A Igreja, mais tarde, os recompôs nesse
direito, mas o título, aplicado aos construtores das igrejas medievais, tornou-­se uma
tradição que acompanhou durante muito tempo esses profissionais.
Assim, embora a maçonaria também conserve uma tradição de misoginia (não admitindo
mulheres em seus quadros), não se pode negar que ela, em sua estrutura, está ligada, de
alguma forma, ao culto do “sagrado feminino”. Nesse sentido seria bom que as Lojas
olhassem com mais carinho e atenP(o para suas “fraternidades das acHcias”, no sentido de
integrá-­las ao movimento maçônico.

Documentos relacionados