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INTERVENÇÕES EM TEORIA DA MENTE EM CRIANCAS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
DA LITERATURA
Maria Suely Rodrigues de Faria
Lídia de Lima Prata Cruz
RESUMO
A Teoria da Mente (TOM) é a capacidade que as pessoas possuem de atribuir estados mentais
como emoções pensamentos e desejos, em si mesmo e no outro, norteando seu comportamento a
partir destas atribuições. A TOM é um dos principais modelos cognitivos responsáveis pelos
prejuízos na comunicação social dos indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Estudos têm demonstrado ser possível estimular o desenvolvimento desta habilidade cognitiva,
melhorando consequentemente, os prejuízos nas interações sociais. Este artigo tem como objetivo
avaliar a produção bibliográfica constituída por estudos realizados entre 2009 e 2013, sobre
intervenções em TOM em crianças com TEA, totalizando um período de cinco anos, conforme
exigência da Universidade FUMEC para elaboração de trabalho de conclusão de curso de
especialização em Avaliação Neuropsicológica. A busca foi realizada nas principais bases de
dados em ciências da saúde MedLine, Lilacs – Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde e SciELO – Scientific Electronic Library Online, indexados até o dia 22 de
fevereiro de 2014, utilizando as palavras-chave Autismo Infantil, Cognição Social e Teoria da
Mente. Foram localizados 44 artigos na base de dados MedLine e 1 artigo na Lilacs; nenhum
artigo foi encontrado na SciELO. A partir daí, foi feita uma seleção que se restringiu a estudos de
intervenção na Teoria da Mente em crianças com diagnóstico clínico de Transtorno do Espectro
do Autismo.
Palavras-chave: autismo Infantil, cognição Social, Teoria da Mente.
INTERVENTIONS OF THE THEORY OF MIND IN CHILDREN’S AUTISM
SPECTRUM DISORDERS: A SYSTEMATIC REVIEW OF LITERATURE
ABSTRACT
Theory of Mind (ToM) is the ability people have to attribute mental states, such as
emotions, thoughts and wishes, to themselves and others, guiding their own behavior from these
attributions. ToM is one of the main cognitive models responsible for social communication
disorders in individuals with Autism Spectrum Disorders (ASD). Studies have demonstrated the
possibility of training this cognitive ability thus improving social communication behavior
This article aims to evaluate the bibliographical production of studies carried out between
2009 and 2013 related to interventions of ToM in children with ASD. It is in compliance with
FUMEC University system, which requires a concluding scientific article to those finishing the
specialization course in Neuropsychological Evaluation.
The search was centered in the main data bases of Health Sciences, namely MedLine,
Lilacs – Latin and Caribbean American Literature in Health Sciences and SciELO – Scientific
Electronic Library Online, having all the data been indexed until February, 22nd, 2014, based on
the key words Child Autism, Social Cognition and Theory of Mind. Forty- four articles were
2
located in MedLine data base, only one article in Lilacs and none was found in SciELO. After this
first selection, another one was made focusing only articles that presented intervention studies in
Theory of Mind made with children who had been clinically diagnosed with Autism Spectrum
Disorders.
Key words: autism in children, social cognition, Theory of Mind.
INTRODUÇÃO
De acordo com a última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico – DSM-V (APA,
2013), o Transtorno do Espectro do Autismo – TEA é caracterizado por déficits na
comunicação e interação social, bem como pela presença de comportamentos estereotipados e
interesses rígidos, restritos e intensos. Dentre as dificuldades relacionadas ao transtorno,
destacam-se os prejuízos na Teoria da Mente (TOM), termo utilizado para nomear a
habilidade automática e espontânea de reconhecer emoções, pensamentos e intenções, em si
mesmo e nos outros. (CAIXETA, 2005).
Os problemas ligados a TOM têm sido frequentemente usados para explicar os
sintomas comportamentais em indivíduos portadores de Transtorno do Espectro do Autismo.
Segundo Fiaes; Bichara (2009), falhas no estabelecimento de relacionamentos emocionais, a
evitação do contato visual e corporal e o uso de recursos linguísticos de modo atípico sugerem
um empobrecimento na apreciação de estados mentais em outros indivíduos, mesmo que
outras capacidades cognitivas estejam intactas.
De acordo com pesquisas Begeer; et al (2010), as habilidades relacionadas à Teoria da
Mente podem ser treinadas. Desta forma, têm surgido intervenções específicas com o objetivo
de melhorar os sintomas comportamentais relacionados à comunicação social neste grupo de
indivíduos.
O presente estudo propõe-se a avaliar sistematicamente a literatura científica da área,
através da pesquisa bibliográfica, com o objetivo de investigar a eficácia dos programas de
treinamento da Teoria da Mente no Transtorno do Espectro do Autismo em crianças.
1 MÉTODO
A pesquisa bibliográfica foi realizada mediante a busca eletrônica de artigos indexados
nas principais bases de dados em ciências da saúde: MedLine, LILACS e SciELO, até o dia
22 de fevereiro de 2014, utilizando os descritores: Autismo Infantil, Teoria da Mente e
Cognição Social.
3
Foram selecionadas publicações entre 2009 e 2013, totalizando um período de cinco
anos, conforme exigência da Universidade FUMEC para elaboração de trabalho de conclusão
de curso de especialização em Avaliação Neuropsicológica.
A amostra compreendeu artigos selecionados de acordo com os seguintes critérios: I veículo de publicação – optamos por periódicos indexados, por possuírem maior divulgação e
serem de fácil acesso para os pesquisadores; II - idioma de publicação – artigos publicados na
íntegra em língua inglesa, portuguesa e espanhola; III - modalidade de produção científica –
foram incluídos apenas trabalhos originais, relacionados a técnicas de intervenções em Teoria
da Mente em crianças autistas.
2 RESULTADOS
Foram encontrados 45 artigos indexados nas bases de dados citadas, sendo 44 na base
de dados MedLine, 1 na Lilacs e nenhum na SciELO. Após serem lidos os resumos concluiuse que, apesar de os estudos estarem relacionados ao Transtorno do Espectro do Autismo em
crianças, apenas 5 atendiam aos requisitos fixados anteriormente, ou seja, tratavam-se de
programas de intervenções em Teoria da Mente.
Os artigos incluídos e excluídos e suas especificidades podem ser observados no
diagrama de fluxo abaixo. Os cinco artigos incluídos pertenciam à MedLine.
Figura 1 - Diagrama de Fluxo
Total de artigos analisados (n = 45)
Artigos encontrados via MedLine 44
Artigos encontrados via LiLacs
1
Artigos encontrados via SciELO
0
Artigos excluídos durante a leitura dos resumos (n = 40)
Motivos:
- Estudos sobre outros temas da TOM (n = 2)
- Artigos de opinião (n = 11)
- Estudos sobre avaliação (n = 27).
Total de Artigos incluídos (intervenção na TOM)
n=5
Fonte: Elaborado pelas autoras.
4
Para melhor organização e compreensão, os artigos selecionados estão discriminados
nos quadros 1, 2 e 3, a saber: 1) Título, autor, objetivo e data da publicação do estudo; 2)
Número de participantes, idades, duração do treinamento; e 3) Instrumentos utilizados no
estudo.
Quadro 1 – Artigos selecionados (Título, autor, objetivo e data da publicação)
Nº
Título
Autor
Objetivo
Data da
Publicação
1 Social Competence intervention for
youth with Asperger Syndrome and
High-functioning Autism: an initial
investigation.
Janine P. Stichter, Karen
Visovsky, Melissa J.
Herzog, Carla Schmidt, Jena
Randolph, Tia Schultz,
Nicholas Gage.
Avaliar eficácia de
treinamento em
competência social em
crianças de 11 a 14 anos.
2010
2 Theory of mind training in children
with Autism: A randomized controlled
trial.
Sander Begeer, Carolien
Gevers, Pamela Clifford,
Manja Vershoeve, Kirstin
Kat, Elske Hoddenbach,
Frits Boer.
Avaliar a eficácia de
treinamento em TOM, em
crianças com ASD e
inteligência normal.
2011
3 Teaching emotion recognition skills to
young children with Autism: a
randomized controlled trial of an
emotion training programme.
Beth T. Willians, Kylie M.
Gray, Bruce J. Tonge.
Avaliar se melhorias no
reconhecimento de
emoções generalizam para
melhorias na TOM.
2012
4 Theory of mind in a child with Autism: María Jesús Martín Garcia, Avaliar a eficácia de
how to train her?
Inmaculada Gómez Becerra, treinamento em provas de
María José Garro Espín.
falsas crenças.
2012
5 Social Competence intervention for
elementary students with Aspergers
Syndrome and High Functioning
Autism.
2012
Janine P. Stichter, Karen V.
O'Connor, Melissa J.
Herzog, Kristin Lierheimer,
Stephanie D. McGhee.
Avaliar a eficácia de
treinamento em
competência social em
crianças de 6 a 10 anos.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Quadro 2 – Número de participantes, idade e duração do treinamento
Nº
Amostra
Idade
Duração
1
27 crianças
10 semanas.
2
40 crianças
3
55 crianças
4
1 criança
Entre 11 e 14 anos.
Entre 8 e 13 anos.
Entre 4 e 7 anos
5 anos (*)
Entre 6 e 10 anos.
5
20 crianças
Fonte: Elaborado pelas autoras.
16 semanas.
4 semanas.
28 semanas.
10 semanas.
(*) A criança tinha 5 anos no início, e 7 anos e 10 meses ao final da intervenção, devido a interrupção
realizada durante o treinamento.
5
Quadro 3 – Instrumentos utilizados nos diagnósticos e nos treinamentos
Nº Título
1 Social Competence
intervention for youth with
Asperger Syndrome and Highfunctioning Autism: an initial
investigation.
Instrumentos Utilizados
Autism Diagnostic Observation Schedule – ADOS (Lord et al. ,
2003) / Autism Diagnostic Interview-Revised – ADI-R (Lord et al./,
2003) / Social Responsiveness Scale – SRS (Constantino e Gruber
– 2005) / Sally e Anne False Belief Task (Baron Cohen et al. , 1985)
/ Smarties False Belief Task (Perner et al., 1989) / Friends ABC
Story / Faux Pas Stories (Baron Cohen, 1999) / Diagnostic
Analysis of Non-Verbal Accuracy - DANVA 2-CF (Nowicki and
Carton, 1993) / Reading the Mind Eyes Test (Baron Cohen et al. ,
2001) / Behavior Rating Inventory of Executive Function – BRIEF
(Gioia et al. , 2000) / Test of Problem Solving – TOPS-3:
Elementary (Bowers et al. , 2005)
2 Theory of mind traning in
children with Autism:
A
randomized controlled trial.
Wechsler Intelligence Scale for Children – WISC III / Social
Responsiveness Scale – SRS (Constantino et al. , 2003) / Autism
Spectrum Quotient (Baron Cohen et al. , 2001, 2006) / Theory of
Mind Test (Muris et al. , 1990 and Gevers et al. , 2006) / Theory of
Mind Training (Gevers et al. , 2006 and Steerneman et al. , 1996) /
Levels of Emotional Awareness Scale for Children LEAS-C /
Children’s Social Behavior Questionnaire – CSBQ
3 Teaching emotion recognition
skills to young children with
Autism: a randomized
controlled trial of an emotion
training programme.
Vídeo "The Transporters" (Changing Media Development, 2006 /
Thomas the Tank Engine series five (Gullane Limited, 1998) /
WPPSI-III (Wechsler, 2002) / Socialization Domain of Vineland-II
(Sparrow, Cicchetti, Balla, 2005) / Autism Diagnostic Observation
Schedule – ADOS (Lord et al. , 2000) / Pictures of Facial Affect
(Ekman e Friesen, 1976) / Affect Recognition Task – NEPSY II
(Kork-man et.al., 2007) / TOM Tasks – NEPSY II (tarefa de TOM
Contextual/TOM Verbal) / Mindreading Tasks (Howlin, Baron
Cohen, Hadwin, 1999)
4 Theory of mind in a child with Provas Peabody (Cappovilla et al .,1997) /Tarefa Anne e Sally
Autism: how to train her?
(Baron Cohen et al. , 1985) /Tarefa de Smarties (Perner et al., 1987)
/Tarefa de Maxi (Wimmer e Perner, 1983) /Tarefa de "Kinder Ovo"
(equivalente a Smarties) /Tarefa de "Pitu" (Gómez et al. , 2007)
5 Social Competence
intervention for elementary
students with Aspergers
Syndrome and High
Functioning Autism.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Autism Diagnostic Observation Schedule – ADOS (Lord et al. ,
2003) / Autism Diagnostic Interview-Revised – ADI-R (Lord et al. ,
2003) / Social Responsiveness Scale – SRS (Constantino and
Gruber – 2005) / Sally-Ann False Belief Task (Baron Cohen et al. ,
1985 / Smarties / Friends ABC Story False Belief Task (Perner et
al. , 1989) / Faux-Pas Stories (Baron Cohen, 1999) / Diagnostic
Analysis of Non-Verbal Accuracy-2, Child Facial Expressions /
(DANVA-2- (Nowick e Carton, 1993) / Reading the Mind in The
Eyes Test (Baron Cohen et al. , 2001) / Behavior Rating Inventory
of Executive Funcion – BRIEF (Gioia et.al , 2000) / Test of Problem
Solving – TOPS-3: Elementary (Bowers et al. , 2005)
6
Stichter; et al (2010), desenvolveram um protocolo de treinamento em cognição social
incluindo o treinamento em reconhecimento de emoções, Teoria da Mente e Funções
Executivas chamado Programa de Intervenção na Competência Social para adolescentes (ICSA). A estratégia utilizada foi denominada de scaffolded activity (aprendizagem por andaimes).
O termo se refere a qualquer tipo de performance assistida entre adulto e criança, na qual uma
pessoa mais experiente (colega, professor, terapeuta) fornece pistas para facilitar o
desenvolvimento do aprendiz, de forma tal que, ao longo desse processo, ele vai gradualmente
conseguindo realizar as tarefas com assistência. Os conceitos e habilidades aprendidas nas
unidades anteriores são incorporados em unidades posteriores. A intervenção proposta no
estudo foi projetada para ensinar, de forma sistemática, as habilidades como parte de um todo,
interconectadas de forma que emergissem como competência social.
A amostra constou de 27 crianças do sexo masculino, com idades entre 11 e 14 anos,
que apresentavam diagnóstico de Autismo de Alto Funcionamento – em particular, a
síndrome de Asperger. Foram almejadas as seguintes unidades curriculares específicas:
reconhecimento de expressões faciais, compartilhamento de ideias, alternância de turno nas
conversas, reconhecimento de sentimentos e emoções do outro e de si próprio, e resolução de
problemas. O programa foi dividido em cinco unidades, sendo que cada unidade teve duração
de duas semanas, compreendendo quatro sessões de uma hora.
Os resultados indicaram que o projeto foi eficaz no aumento da competência social. Os
participantes demonstraram melhorias nas medidas padronizadas das habilidades sociais
relatadas pelos pais e nas medidas de reconhecimento de emoções por meio de expressões
faciais. Além disso, os participantes utilizaram no dia a dia, habilidades de
automonitoramento e outras estratégias aprendidas durante o programa. A pontuação total do
Social Responsiveness Scale, Constantino; Gruber (2005), respondido pelos pais, mudou de
“prejuízo severo” para prejuízo “moderado” o que foi uma indicação da redução geral nas
características do espectro do autismo relativas às disfunções sociais.
Begeer; et al (2011) realizaram um estudo randomizado controlado para avaliar a
eficácia de um treinamento em Teoria da Mente em 40 crianças de 8 a 13 anos de idade,
diagnosticadas como autistas e com inteligência preservada. O treinamento ocorreu durante
16 semanas, em encontros semanais de uma hora cada. Os participantes foram treinados nos
conceitos precursores da TOM (percepção, imitação, reconhecimento de emoções e
brincadeiras de faz de conta), na compreensão básica da TOM (compreensão de crenças falsas
7
e verdadeiras) e em TOM avançada (raciocínio de segunda ordem e uso de humor e ironia). O
grupo foi dividido em dois, sendo 20 crianças no grupo de treinamento e 20 no grupo de
controle. Os participantes preencheram questionários de empatia e os pais julgaram as
habilidades sociais dos filhos antes e depois do treinamento. Os pais participaram de cinco
sessões psicoeducativas e estiveram altamente envolvidos no treinamento. Para o programa de
intervenção, foi utilizado o Manualized Treatment de Gevers; et al (2006) e Steerneman; et al
(1996) e o treino de Teoria da Mente – Theory of Mind Training de Gevers; et al (2006) e
Steerneman; et al (1996).
Não se verificou nenhum efeito do tratamento em relação aos precursores da TOM
(incluindo percepção, imitação, reconhecimento de emoções) e TOM avançada (crenças de
segunda ordem e humor). O treinamento teve impacto maior nas habilidades conceituais do
que na vida diária, conforme relato dos pais das crianças. No domínio conceitual, os autores
não encontraram efeitos nos precursores da TOM e da compreensão de emoções básicas;
porém, a compreensão das crenças e falsas crenças (compreensão básica da TOM), que foi o
foco principal do treinamento, mostrou relativa melhora em relação ao grupo controle.
Outro estudo controlado e randomizado foi elaborado por Williams; Gray; Tonge
(2012), no qual o programa de DVD Transporters (Changing Media Development, 2006) foi
avaliado. Este programa foi desenvolvido para ensinar habilidades de reconhecimento das
emoções para crianças com autismo, na faixa de 3 a 8 anos. O objetivo do estudo foi comparar
o DVD Transporters com o programa de DVD controle, o Thomas the Tank (Thomas the
Tank Engine Series Five – Gullane Limited, 1998) por ser, este último, um desenho animado
parecido visualmente com o programa avaliado, mas sem focar nas emoções dos personagens.
Além disso, objetivou-se determinar se as melhorias nas habilidades de reconhecimento das
emoções generalizavam para melhorias na Teoria da Mente, assim como outras habilidades
sociais e, ainda, se tais habilidades se mantinham por três meses após a intervenção. Foi usada
uma amostra de 55 crianças, com idades entre 4 e 7 anos, que apresentavam o diagnóstico de
autismo.
O programa apresenta episódios de 15 minutos que retratam 15 emoções-chaves,
compreendendo seis básicas e nove emoções e estados mentais mais complexos, tais como:
excitado, orgulhoso, ciumento, retraído etc. Os participantes assistiram aos DVDs em casa,
por 15 minutos por dia, ao longo de quatro semanas. Foi realizada uma avaliação uma semana
após a intervenção, e outra, três meses depois.
Os resultados forneceram suporte limitado para a eficácia do programa Transporters
no ensino de habilidades básicas de reconhecimento de emoções para crianças com autismo
8
de baixo funcionamento. As crianças mostraram melhorias nas habilidades de identificar e
parear expressões de raiva em relação ao grupo controle, e apenas melhorias no pareamento
das expressões de raiva foram mantidas ao longo do tempo. No geral, melhorias nas
habilidades de reconhecimento das emoções não generalizaram para melhorias na Teoria da
Mente, ou para habilidades sociais mais amplas.
O estudo de Garcia; Becerra; Espín (2012), avaliou as intervenções realizadas em uma
única criança diagnosticada com autismo. No início da intervenção, a criança tinha cinco anos
de idade cronológica e três anos e dois meses de idade mental, segundo critérios da prova
Peabody, Capovilla; et al (1997). No final do estudo a criança contava com 7 anos e 10 meses
de idade cronológica e 5 anos e 6 meses de idade mental. O objetivo do estudo foi aplicar um
protocolo de treinamento das provas de falsas crenças e avaliar sua eficácia. O motivo da
interrupção não foi justificado pelos autores.
Os resultados apresentados mostraram que o treinamento formal e explícito das tarefas
de falsas crenças melhorou substancialmente a habilidade de reconhecer crenças que não
correspondem à realidade, mas isso não foi suficiente para alcançar acertos nas provas
padronizadas de falsas crenças. Garcia; Becerra; Espín (2012) constataram que nem todas as
provas de Teoria da Mente contam com o mesmo nível de dificuldade, ainda que pareçam na
literatura como equivalentes, já que requerem diferentes níveis de ajuda para treiná-las. Para
as autoras, as ajudas proporcionadas à criança foram eficazes. Além disso, observaram que a
criança generalizou a habilidade de tomar perspectiva do outro no seu contexto natural,
reafirmando, portanto, que tal habilidade é treinável.
Stichter; et al (2012), realizou um segundo estudo utilizando o mesmo protocolo de
intervenções denominado Programa de Intervenção na Competência Social para crianças
(ICS-E) e constou de uma amostra de 20 participantes, sendo 19 do sexo masculino, com
idade média de 8,7 anos, cursando o Ensino Fundamental, todos diagnosticadas como sendo
do Espectro do Autismo. Foram mantidos os mesmos princípios do programa anterior,
Stichter; et al (2010), incluindo o formato e a duração, porém alguns ajustes foram
necessários para atender as necessidades dos participantes mais novos. O programa almejou
as mesmas unidades curriculares específicas utilizadas no estudo com adolescentes, assim
como a estratégia de scaffolding.
Nos resultados das avaliações de Teoria da Mente os testes de falsa crença
apresentaram resultados inesperados visto que algumas crianças pioraram nas tarefas de
segunda ordem. Já nos testes Faux Pas as crianças tiveram resultados melhores na avaliação
pós-intervenção. Em relação ao reconhecimento de emoções não houve uma melhora
9
significativa. Já em relação às funções executivas, os participantes apresentaram melhoras nas
habilidades de regular seus próprios comportamentos e de utilizar habilidades de
metacognição. Já nas tarefas de resolução de problemas, as avaliações pré e pós-intervenção
não mostraram diferenças significativas. No geral, todas as habilidades do Social
Responsiveness Scale - SRS, Constantino; Gruber (2005), respondido pelos pais, tiveram uma
melhora de “prejuízo grave” para “prejuízo moderado”, assim como no estudo com
adolescentes. Já na opinião dos professores, houve uma melhora, mas menos intensa.
3 DISCUSSÃO
A intervenção em Teoria da Mente tem sido um grande desafio, tanto para os
pesquisadores da área, como para os clínicos que atendem indivíduos com TEA. Apesar do
aumento do interesse pelo tema nos últimos anos, algumas variáveis dificultam a elaboração
de um protocolo de intervenção que seja comprovadamente eficaz. Os autores pesquisados
compartilharam, nos seus trabalhos, a intenção de treinar a habilidade inter-relacional em
crianças do espectro do autismo; visando melhorar a capacidade destes indivíduos de atribuir
corretamente estados mentais subjetivos, a si próprios e aos outros, de maneira que pudessem
melhorar as suas habilidades sociais.
Levando-se em conta que o objetivo deste artigo foi avaliar a eficácia dos programas
de treinamento em Teoria da Mente, é possível realizar alguns apontamentos. Em todos os
estudos, os participantes foram submetidos a testes de cognição social antes e após as
intervenções. Desta forma, seria considerada “eficaz” a intervenção que obtivesse melhora
significativa nos resultados dos testes sobre cognição social após a intervenção em TOM. Nos
cinco trabalhos avaliados, somente os estudos de Sticher; et al (2010) e Sticher; et al (2012)
foram considerados eficazes na melhora da competência social avaliado pelo instrumento
Social Responsiveness Scale SRS, Constantino; Gruber (2005). A dificuldade em conseguir
resultados que comprovam a eficácia das intervenções, nos faz pensar nas inúmeras variáveis
que influenciam um estudo sobre intervenções em TOM.
Primeiramente a Teoria da Mente é um constructo amplo e que possui vários níveis de
complexidade, como foi possível observar no estudo de Begeer; et. al (2011). Desta forma, a
TOM pode ser dividida em níveis: pré-requisitos (ex: imitação, brincadeiras de faz de conta);
habilidades básicas (ex: compreensão de emoções e crenças de primeira ordem); e avançadas
(ex: compreensão de crenças de segunda ordem). Sobre a amplitude de constructos, a Teoria
da Mente engloba: inferência de sentimentos em si e nos outros, inferência de pensamentos,
10
compreensão de falsa crença, compreensão de metáforas, uso de sarcasmos e ironias, falas
subtendidas, entre outros. Desta forma, devido à complexidade do tema e da amplitude de
constructos, cada indivíduo apresenta déficits em Teoria da Mente de forma única. Sugere-se
elaborar grupos de pacientes com TEA da forma mais homogênea possível, visto que o nível
de prejuízo em TOM pode ser diferente mesmo entre aqueles com intelecto preservado.
Portanto, quanto mais específicas forem as intervenções para determinado indivíduo melhor.
Desta forma, grupos homogêneos obterão mais benefícios dos treinamentos e também os
resultados das pesquisas serão mais fidedignos. Além disso, consideramos que, na clínica, as
intervenções devem acontecer tanto a nível individual como em grupo, pois assim, o
treinamento abarcaria habilidades especificas para o paciente oferecendo também
possibilidades de intervenção em situações reais do dia a dia no relacionamento com outras
crianças.
Além da heterogeneidade de prejuízos em TOM, acreditamos que outras variáveis
dificultam a comprovação da eficácia dos estudos a nível estatístico, como a inteligência, o
nível de linguagem e a motivação dos participantes. Em relação à inteligência, sabe-se que
indivíduos com prejuízos intelectuais se beneficiam menos destas intervenções do que aqueles
indivíduos com intelecto preservado (KLIN, 2000). Naturalmente, os indivíduos com nível
intelectual superior tendem a aprender as habilidades com mais facilidade que aqueles que
possuem nível intelectual na media. Em relação à linguagem, sabe-se que indivíduos que
possuem uma maior capacidade simbólica terão mais facilidades em compreender a TOM do
que indivíduos com raciocínio literal. Desta forma, a intervenção em Teoria da Mente para
crianças mais novas, principalmente, deve conter brincadeira de faz de conta e a interpretação
de pequenas histórias.
Ainda em relação à linguagem, sabe-se que muitas crianças não acertam as tarefas de
falsa crença, que são as tarefas mais utilizadas para avaliar a TOM, por não compreenderem
ainda os verbos mentais, por exemplo, como distinguir “saber” de “acreditar”, o que dificulta
a diferenciação entre o déficit na TOM, déficit de linguagem (Domingos; Maluf, 2013) ou
imaturidade neuro-cognitiva. Foi possível observar no estudo de Stichter; et al (2010), que o
número de crianças que acertou as tarefas de falsa crença de primeira e de segunda ordem
diminuiu após as intervenções, o que não era esperado. Já no estudo de Begeer; et al (2011)
houve uma leve melhora na compreensão das tarefas de falsa crença em relação ao grupo
controle. Em nenhum dos estudos avaliados os autores refletiram sobre a interface
TOM/linguagem.
11
Outro fator que influencia na qualidade do estudo de intervenções em TOM, é a
motivação. Sabe-se que nem todas as crianças com TEA desejam ter amigos. Na nossa
experiência clínica, observamos que a faixa etária em que os pacientes com TEA mais se
interessam por participar de treinamentos em grupos é a adolescência.
Antes disso,
observamos que o interesse maior é dos pais. Como a motivação é muito individual,
acreditamos que esta variável também possa prejudicar a avaliação da eficácia das
intervenções em nível estatístico.
Além disso, consideramos ser de grande importância a participação dos pais nos
treinamentos, visto que estes passam muito mais tempo com a crianças do que os instrutores e
vivem mais situações cotidianas ricas de serem estimuladas. Somente o estudo de Beeger; et
al incluiu o treinamento para os pais. No estudo de Stichter; et al (2010), alguns pais
passaram por treinamentos, mas não todos.
A adequação da intervenção para a faixa etária e nível cognitivo também é de extrema
relevância. O estudo de Williams; Gray; Tonge (2012) forneceu suporte limitado para a
eficácia do programa Transporters no ensino de habilidades básicas de reconhecimento de
emoções. O fato de o programa ter se revelado ineficaz para crianças com autismo, em uma
faixa cognitiva mais baixa, levou os autores a sugerir que o Transporters talvez possa ser
eficaz para crianças mais velhas, com autismo de funcionamento mais alto.
Além da complexidade das intervenções, a literatura atual também é pouco clara no
que diz respeito às medidas de avaliação da TOM, e há inconsistência de como as tarefas de
falsa crença de primeira ordem se relacionam às habilidades de cognição social, (Bloom e
German, 2000). Concordamos com os apontamentos de Garcia; Becerra; Espín (2012) ao
dizerem que as tarefas de falsa crença como Sally e Anne (Cohen et al., 1985) e Smarties
(Perner; et al, 1989) não possuem o mesmo nível de dificuldade. Estas tarefas produzem
resultados variáveis nessa população, tornando-as ferramentas pouco confiáveis para esse
propósito. Observa-se, portanto, a necessidade de mais pesquisas para determinar os
instrumentos de medida do constructo que sejam mais fidedignos.
Além disso, consideramos necessária a inclusão de um grupo controle nas pesquisas
de intervenção em TOM. Neste estudo, dos 5 trabalhos avaliados apenas 2 tiveram resultados
positivos na avaliação da eficácia, sendo que não tiveram um grupo controle, Stichter; et al,
(2010) e Stichter; et al, (2012). Assim também, 2 dos 5 trabalhos avaliados foram estudos
randomizados controlados. Porém, estes não foram considerados eficazes, Begeer; et al,
(2011), sendo que ambos não tiveram um grupo controle.
12
Portanto, são necessários mais estudos na área que possam auxiliar os clínicos a
ajudarem seus pacientes a desenvolverem as habilidades de TOM, melhorando
consequentemente, as suas habilidades sociais. Apesar de sabermos que isto é possível, ainda
vivemos um momento de tentativa e erro, no qual não existem ainda protocolos padronizados
de intervenção que podem ser utilizados com segurança.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas limitações metodológicas dificultaram a análise das intervenções
apresentadas. Dentre elas, ressaltamos a ausência de critérios de inclusão comparáveis entre
os estudos, como nível intelectual e grau de comprometimento da Teoria da Mente dos
participantes, e também a variação dos instrumentos de medidas para avaliar a melhora na
cognição social após o treinamento. Além disso, o fato de haver um número reduzido de
estudos tornou difícil a comparação entre eles. Apesar de dois estudos terem melhoras
significativas nas avaliações pós-intervenção, Stichter; et al (2010) e Stichter; et al (2012),
estes estudos não foram randomizados controlados, o que dificulta a afirmação de que são
considerados eficazes.
Além das limitações metodológicas, ficou também evidente, a necessidade de mais
pesquisas envolvendo instrumentos que avaliam a Teoria da Mente, incluindo as tarefas de
falsa crença, visto serem estas últimas, as medidas mais utilizadas para a mensuração da
TOM. Há na literatura, inconsistência de como elas se relacionam às habilidades de Teoria da
Mente.
Consideramos as intervenções utilizadas nos estudos tanto de Stichter; et al (2010)
como de Begeer; et al (2011) muito promissoras, apesar destes estudos não terem encontrado
resultados estatísticos muito favoráveis. Do ponto de vista clínico, acreditamos que os
protocolos de intervenções utilizados nestes dois estudos serão de grande auxílio para os
profissionais que treinam a TOM em seus pacientes.
REFERÊNCIAS
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13
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