baixar anexo - Diocese de Campo Mourão
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CNBB – REGIONAL SUL 2 Boletim on line Ano VIII – Janeiro de 2014 Quatro orientações fundamentais Dom Orlando Brandes O ser humano é orientado espontaneamente por quatro direções básicas da vida que são: diálogo com Deus, fraternidade com os outros, aceitação de si e cuidado com as criaturas. Em outras palavras somos chamados a ser: filhos de Deus, irmãos entre nós, amigos de nós mesmos e cuidadores do planeta. Primeiro: a filiação divina Nascemos abertos à transcendência, com o desejo inato de Deus, sentindo fome, sede, saudade e aspiração pelo divino. Somos criaturas de Deus pelo dom da criação e filhos de Deus pelo dom da redenção em Cristo, “filhos no Filho”. Adorar, dialogar, relacionar-se com Deus, é um instinto, um anelo, uma atração que chamamos de lei natural. Nossa natureza espiritual é natural, é inata, é congênita. Nenhum povo do mundo é ateu radicalmente, pelo contrário todos os povos têm religiosidade. Portanto, procurar a Deus, estabelecer com ele amizade, aliança, obediência, filiação é um dado natural e um direito a ser respeitado. As religiões muito contribuíram para a elevação da humanidade. Ser filho de Deus é a mais alta condecoração que nos é dada. Reconhece ó cristão, a tua dignidade. 2 Segundo: a fraternidade humana Eis outra dimensão natural da vida. Encontrar o outro, relacionar-se, conviver, existir em interdependência mútua, é o que torna possível a vida e a sociedade humana. Somos seres sociais. Sem o outro, eu não vivo, não subsisto, não cresço, não amadureço. Somos interdependentes, e interativos, somos irmãos. O outro não é um inimigo, uma ameaça, um perigo. Pelo contrário, o outro é meu centro, meu sustento, meu companheiro, meu irmão. A fraternidade é uma dimensão social da lei natural. Tudo na vida é encontro, ajuda mútua, saída de si, comunicação, relacionamento. Quanto mais fraternidade, mais vida, mais paz, mais desenvolvimento, mais humanização haverá de acontecer. O outro é um dom, um amigo, um irmão, um presente de Deus. Terceiro: a aceitação de si Precisamos ser amigos de nós mesmos, termos auto-estima, autovalorização, autocompreensão, autoaceitação. Eu sou eu mesmo, sou único, sou original, sou digno pelo fato de ser humano. Sem aceitação de si, a pessoa sofre e faz sofrer. O primeiro passo para o amor a Deus e ao próximo é a autoestima, gostar de si mesmo. Quem acredita no amor de Deus, tem todas as condições para aceitação de si, não será vítima da auto-rejeição e da auto-condenação. Como é bom ouvir Deus dizer: tu és minha alegria, em ti coloco meu afeto; és meu; eu te acolho te aceito; te perdoo; te quero bem. Todas estas afirmações encontramos nas Escrituras. Quarto: o cuidado com as criaturas Quem ama cuida. Nosso relacionamento com a natureza, o meio ambiente deve ser como o do jardineiro. A terra é de todos, é nossa casa comum, não devemos depredá-la. Isso é contra a lei natural. Cultivar, guardar, cuidar da criação, exige uma mudança de mentalidade e de hábitos, comportamentos, atitudes. O cuidado com as criaturas é uma urgência urgentíssima, porque disso depende nosso futuro. , a convivência. Dom Orlando Brandes Arcebispo de Londrina 3 4 Juares Celso Krum (*) O Setor Casos Especiais da Pastoral Familiar tem realizado um trabalho intenso e prioritário com os casais em segunda união, com bons resultados. É preciso ficar claro, porém, que os Casos Especiais não se resumem em casais em segunda união. E que prioridade não significa exclusividade. A exortação apostólica Familiaris Consortio de João Paulo II, o Diretório da Pastoral Familiar e os subsídios da Comissão Nacional da Pastoral Familiar (CNPF): Guia de Orientação para os Casos Especiais e Setor Casos Especiais ― para citar apenas alguns documentos ― deixam claro a diversidade de casos nesse setor. Numa relação de vinte e seis casos aparecem os matrimônios mistos dentro das famílias em situações especiais, pois não se trata de famílias em situações irregulares ― por não estarem em discordância das normas ― nem de famílias em situações conflitivas ― por não se tratarem, exclusivamente, de situações de risco ou sofrimento temporário (Cf. Guia de Orientação para os Casos Especiais, p.25). Assim, algumas situações especiais merecem nossa atenção, com uma ação pastoral bem pensada, planejada e realizada com o conhecimento pleno dos agentes da Pastoral Familiar, sabendo distinguir os matrimônios mistos dos matrimônios com disparidade de culto. O Capítulo VI do Livro IV do Código de Direito Canônico trata dos matrimônios mistos, no sentido estrito, tendo como característica que ―as duas partes sejam batizadas, das quais uma tenha sido batizada na Igreja católica ou nela recebida depois do batismo, e que não tenha dela saído por ato formal, e outra pertencente a uma Igreja ou comunidade eclesial que não esteja em plena comunhão com a Igreja católica‖ (cân. 1124). Por sua vez, o cânon 1086 § 1 dá o conceito e natureza do impedimento de disparidade de culto: ―É inválido o matrimônio entre duas pessoas, das quais uma foi batizada na Igreja católica ou nela recebida e não a abandonou por ato formal, e a outra não é batizada‖. Processo de habilitação O Ordinário local pode conceder LICENÇA expressa, para a celebração do matrimônio misto, se houver causa justa e razoável e se forem atendidas as condições seguintes: 1ª) a parte católica declare estar preparada para afastar os perigos de defecção da fé, e promova sinceramente fazer todo o possível a fim de que toda a prole seja batizada e educada na Igreja católica; 2ª) informe-se, tempestivamente, desses compromissos da parte católica à outra parte, de tal modo que conste estar esta verdadeiramente consciente do compromisso e da obrigação da parte católica; 3ª) ambas as partes sejam instruídas a respeito dos fins e propriedades essenciais do matrimônio, que nenhum dos contraentes pode excluir. Ao preparar o processo de habilitação de matrimônios mistos, o pároco pedirá e receberá as declarações e compromissos, preferivelmente por escrito e assinados pelo nubente católico. A diocese adotará um formulário especial, em que conste expressamente a disposição do nubente de afastar o perigo de vir a perder a fé, bem como a promessa de fazer o possível para que a prole seja batizada e educada na Igreja católica. Tais declarações e compromissos constarão pela anexação ao pro- 5 cesso matrimonial do formulário especial, assinado pelo nubente, ou, quando feitos oralmente, pelo atestado escrito do pároco no mesmo processo. Ao preparar o processo de habilitação matrimonial, o pároco cientificará, oralmente, a parte não-católica dos compromissos da parte católica e disso fará anotação no próprio processo. Forma de Celebração De uma forma geral, os matrimônios mistos devem ser celebrados de acordo com a forma canônica, mas permite exceções (cân. 1127). Se a parte não católica é de rito oriental, a forma canônica deve ser observada apenas para a liceidade do ato. Para a validade requerse a intervenção de um ministro sagrado ― bispo, presbítero ou diácono (cân. 1127, § 1). Ou seja, é necessária a intervenção – a presença não necessariamente ativa ― desse ministro, que não deve solicitar e receber o consentimento, como é prescrito na forma canônica ordinária. A forma canônica pode ser dispensada, caso houver dificuldades para a sua observância, visto que ela se origina de uma lei puramente eclesiástica. Nesse caso exigese, porém, para a validade, de uma forma pública de celebração, que deve ser apta a provar juridicamente a realização da celebração do matrimônio. Para ficar bem claro, transcrevo a Legislação Complementar ao Código de Direito Canônico da CNBB (cân. 1127, § 2): Para se obter uma atuação concorde quanto à forma canônica dos matrimônios, observe-se o seguinte: 1. A celebração dos matrimônios mistos se faça na forma canônica, segundo as prescrições do cân. 1108. 2. Se surgirem graves dificuldades para sua observância, pode o Ordinário do lugar da parte católica, em cada caso, dispensar da forma canônica, consultando o Ordinário local de onde se celebrará o matrimônio. 3. Consideram-se dificuldades graves: a) Sério conflito de consciência em algum dos nubentes; b) Perigo próximo de grave dano material ou moral; c) Oposição irredutível da parte não-católica, ou de seus familiares, ou de seu ambiente mais próximo. 4. Atenda-se também, na concessão da dispensa, à repercussão dos nubentes junto à família e comunidade da parte católica. 5. Em substituição da forma canônica dispensada, exigir-se-á dos nubentes – para a validade do matrimônio – alguma forma pública de celebração. 6. Quanto à anotação dos matrimônios celebrados com dispensa da forma canônica, observese o procedimento prescrito no cân. 1121, § 3. Um presbítero ou um diácono católico, com autorização do ordinário local, pode estar presente à celebração do matrimônio com dispensa da forma canônica, e pode fazer orações suplementares, ler as Escrituras, fazer uma exortação e abençoar o casal. Contudo, se o matrimônio misto foi celebrado com a forma canônica – é proibida – antes ou depois dessa celebração, outra celebração religiosa para dar ou renovar o consentimento matrimonial. Proíbe-se, portanto, a expressão dupla do consentimento, com a intervenção ativa no momento da troca do consentimento por parte do padre ou diácono e o pastor, mas não a participação de ministros de diversas confissões na mesma cerimônia religiosa, mediante a recitação de preces, leituras, homilias ou bênçãos. Por isso, na prática, o impropriamente chamado casamento ecumênico deverá ser realizado pedindo e recebendo o consentimento um único ministro: o católico, se for celebrado na forma canônica ordinária; o não-católico, se for celebrado num rito não católico, com dispensa da forma. Mas o outro ministro poderá participar ativamente – com o consentimento do Ordinário local – em todo o resto da cerimônia. Dificuldades práticas1 No espírito de sinceridade que deve nortear todo diálogo ecumênico, não podemos esquecer as dificuldades que se apresentam normalmente, na vida de um casal interconfessional, já desde o momento em que começa a preparação para a celebração do matrimônio. Distingamos, porém, três casos diferentes: a) Casamentos nos quais nenhum dos noivos é cristão praticante convicto, mas que pedem uma cerimônia religiosa mais por motivos de conveniência social. Nesses casos, os ministros das Igrejas deveriam esforçar-se para 1 Item constante do Documento da Comissão Teológica do CONIC: Os Casamentos Interconfessionais de 03/jun/1986. 6 reavivar a brasa que parece estar para se extinguir. Como disse o exArcebispo de Cantuária, Michael Ramsey: enquanto houver algum sentimento religioso rudimentar — mesmo que seja apenas uma fé rudimentar em Deus — dêem-lhes as boas-vindas, pois existe alguma coisa sobre a qual é possível construir. Não exercemos o nosso ministério em favor do povo porque ele seja forte, mas para tentar ajudá-lo a que seja forte (Canadian Churchman, nov. 1971, p. 17). b) Casamentos nos quais um dos noivos é membro fervoroso de sua Igreja e o outro é indiferente ou não-praticante. Nesses casos, devemos dar todo o apoio, se o não-praticante se esforça para conhecer, enquanto possível, a fé do seu parceiro e se, ficando convencido, aderir à Igreja correspondente. Contudo, isso não deveria ser feito simplesmente para agradar o parceiro, mas como um ato que deveria basear-se em escolha pessoal e esclarecida da fé. c) Casamentos nos quais ambos os noivos são verdadeiramente conscientes de sua fé e procuram vivê-la, com todo o empenho, como uma resposta de fidelidade ao apelo de Cristo. A primeira atitude a ser tomada, nesses casos, é a de procurar um conhecimento mútuo, em atitude o mais aberta possível, da fé e da prática da Igreja à qual pertence o parceiro. Ambos ganharão assim em compreensão e simpatia, ambos se acostumarão a dialogar, com vistas ao futuro, sobre essas questões. Mesmo assim, porém, haverá pontos em que não lhes será possível compartilhar a mesma crença. E acabarão por consta- tar que a comunhão de vida, que constitui o ser mais íntimo de todo matrimônio, encontra aí um limite dolorosamente intransponível. Além disso, é também necessário que esses casais tomem consciência das dificuldades que poderão surgir em torno dos futuros filhos. Quem procura viver cada dia a sua fé, percebe a grandeza do dom que recebeu e procura naturalmente transmiti-lo a seus filhos. Pais, no sentido autêntico da palavra, são não só os que transmitem inicialmente a vida, mas os que cuidam dela, a alimentam e a fazem crescer até a sua plenitude. Por isso, consciente ou inconscientemente, os pais estão sempre transmitindo valores, participando da formação do caráter e da consciência dos filhos. Algo semelhante acontece no campo religioso, mais especificamente em relação à vida cristã. Pelo batismo somos sepultados com Cristo, para vivermos uma vida nova (cf. Rm 6,4). Mas essa vida nasce frágil e ameaçada. Os pais que apresentam seus filhos para serem batizados desejam, certamente, que essa vida cresça na fé. Ora, as divisões existentes entre as diversas confissões cristãs repercutem dramaticamente na educação dos filhos na fé. Ambos os pais têm responsabilidade na formação cristã da criança e, como nos casais interconfessionais a compreensão desta fé não é exatamente igual, é possível que surjam problemas e dificuldades que afetam de modo angustioso a consciência dos esposos. Os ministros das Igrejas envolvidas poderão ajudar a resolver esses conflitos, mas sempre serão os próprios esposos que deverão dizer a última palavra. Não podemos considerar uma solução o adiamento da educação religiosa até a adolescência, sob o pretexto de que o próprio filho haverá de decidir, no momento oportuno, a fé que deve abraçar. Na realidade, o problema se apresenta já antes, pois todas as Igrejas que atualmente são membros do CONIC praticam o batismo de crianças. Além disso, valores não suficientemente transmitidos durante a infância dificilmente serão assimilados depois. Por outro lado, a criança não deve crescer sem render explicitamente culto a Deus. E esse culto, gostemos ou não, tem sempre uma certa conotação confessional. Quando as crianças começam a perguntar, é necessário dar uma resposta. E elas também vão perguntar sobre questões religiosas. Talvez sem conseguir entender a profundidade do problema, elas constatam, nos lares interconfessionais, que o modo de expressar o reconhecimento devido a Deus não é igual do pai para a mãe. E, ainda por cima, as próprias Igrejas insistem na necessidade da preparação de crianças e adolescentes para uma inserção mais profunda na comunidade eclesial, através de atos como primeira Eucaristia, profissão de fé, confirmação ou crisma. O problema é tanto mais sério quanto a vida da criança é indivisível. Os cônjuges, num espírito de tolerância e compreensão, poderão conviver harmoniosamente, mesmo que existam entre eles certas diferenças no campo religioso, contanto que haja uma vontade autêntica de diálogo e de respeito mútuo. Mas o filho não pode ser dividido em duas partes, uma pertencente ao pai e a outra à mãe. Uma certa opção se impõe como necessária. E é aí que costumam surgir os maiores problemas. 7 A tomada de consciência das dificuldades apontadas não significa que não possam ser superadas. O que não se pode admitir é que os matrimônios interconfessionais sejam contraídos na inconsciência dos possíveis problemas futuros. Por isso, a questão da educação dos filhos é algo que, pelo próprio bem do casal, deveria ser resolvido antes de contrair matrimônio. Os noivos precisam refletir sobre essa realidade. A decisão a ser tomada não pode ser unilateral, é uma decisão em que a consciência dos dois cônjuges deve ser respeitada. Padres e pastores poderão ajudar nessa tomada de consciência e nessa procura de uma solução, mas não podem querer substituir os próprios envolvidos. Aqueles a quem as igrejas confiaram o ministério pastoral precisam, por isso, aprofundar seus conhecimentos acerca da doutrina das diversas tradições cristãs sobre o matrimônio e devem tomar uma atitude •de respeito e compreensão diante de uma escolha que pode trazer consequências dolorosas. Às vezes somente lhes será possível sofrer com os que sofrem. Mesmo assim, o seu apoio ao casal pode ser de grande valor. Os clérigos não deveriam colaborar com celebração de casamento interconfessional na inconsciência, porque isso seria, na maior parte dos casos, contribuir para um fracasso posterior e para muito sofrimento que poderia ser poupado. Não bastam todas as determinações e conselhos sobre a preparação e celebração dos casamentos interconfessionais. É necessário que a comunhão de vida, iniciada com a colocação da união matrimonial sob o sinal da Palavra e do Amor de Deus, se manifeste, cada vez mais profundamente, no dia-adia, numa dimensão de fé. O sucesso de um matrimônio depende, em grande parte, da sinceridade e honestidade dos cônjuges. Essa sinceridade e honestidade valem também para a vivência religiosa dos esposos. Os dois são responsáveis não só pelo testemunho pessoal que devem dar, mas também pela ajuda e encorajamento que devem prestar a seu parceiro, a fim de que ele pratique a sua fé. ajuda, mas não devem pretender interferir nas decisões pessoais dos primeiros interessados, que são os esposos. A participação, embora limitada, em atos de culto e em atividades das duas comunidades pode ajudar os esposos a crescer na unidade de um matrimônio que quis nascer sob o sinal do Amor de Deus. As nossas Igrejas são conscientes das suas responsabilidades neste campo. Por isso fazem um apelo a todos os que trabalham na pastoral familiar, para que procurem compreender a problemática especial dos lares interconfessionais e para que ajudem os esposos a alimentar, cada dia, a unidade de vida conjugal, na certeza de que a graça de Deus não lhes faltará. O exercício da paternidade responsável é um dever de todo cristão que vive a vida matrimonial. Mas as decisões a serem tomadas a esse respeito podem representar um problema real. É muito importante ficar bem informado antes de decidir, ou seja, é preciso tomar consciência das necessidades do casal, dos aspectos morais envolvidos na questão e das diversas alternativas possíveis. Pastores ou padres, médicos, conselheiros de diversos tipos poderão dar uma ajuda valiosa, mas a responsabilidade da decisão final, a ser tomada em consciência, é sempre dos próprios cônjuges, procurando honestamente realizar aquilo que acreditam ser moralmente certo. Este documento tenta dar algumas orientações a este respeito. Mas uma pastoral autenticamente ecumênica só será possível mediante contatos e entrosamentos em nível local ou de base. A atitude dos ministros das Igrejas em face dos lares interconfessionais poderia e deveria ser um tema a ser refletido nas conversações entre padres, diáconos e pastores. Em lugar de colocar ainda maiores dificuldades no caminho de cristãos que procuram ser sinceros na vida, os representantes das Igrejas deveriam ajudá-los a encontrar uma expressão de fé comum, no respeito mútuo como testemunho da caridade que nos une em Cristo. Testemunhar a fé na vida2 Para a realização plena de um matrimônio interconfessional, pode ajudar muito a oração em comum, Seria bom que casais que já têm essa experiência ajudassem aqueles que começam essa caminhada, nem sempre fácil, de compartilhar a vida. Também aqui, padres, diáconos e pastores poderão dar uma 2 Item constante do Documento da Comissão Teológica do CONIC: Os Casamentos Interconfessionais de 03/jun/1986. (*) Juares Celso Krum é Diácono Permanente, incardinado na Diocese de União da Vitória - PR, Bacharel e Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. 8 9 Tentações dos agentes pastorais Papa Francisco na Exortação apostólica Evangelii Gaudium Sinto uma enorme gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja. Não quero agora determe na exposição das atividades dos vários agentes pastorais, desde os Bispos até ao mais simples e ignorado dos serviços eclesiais. Prefiro refletir sobre os desafios que todos eles enfrentam no meio da cultura globalizada atual. Todavia, antes de tudo e como dever de justiça, tenho a dizer que é enorme a contribuição da Igreja no mundo atual. A nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam tantas pessoas seja a curar-se seja a morrer em paz em hospitais precários, acompanham as pessoas que caíram escravas de diversos vícios nos lugares mais pobres da terra, prodigalizam-se na educação de crianças e jovens, cuidam de idosos abandonados por todos, procuram comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se de muitas outras maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por Deus feito homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que oferecem a sua vida e o seu tempo com alegria. Este testemunho faz-me muito bem e me apoia na minha aspiração pessoal de superar o egoísmo para uma dedicação maior [76]. Apesar disso, como filhos desta época, todos estamos de algum modo sob o influxo da cultura globalizada atual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé em Jesus crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as próprias questões mais profundas e as preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objectivo de orientar para o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais». Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas tentações que afetam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais [77]. vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezem – uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si [78]. A cultura midiática e alguns ambientes intelectuais transmitem, às vezes, uma acentuada desconfiança quanto à mensagem da Igreja, e um certo desencanto. Em consequência disso, embora rezando, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade cristã e as suas convicções. Gera-se então um círculo vicioso, porque assim Sim ao desafio duma não se sentem felizes com o que espiritualidade são nem com o que fazem, não se sentem identificados com a missionária missão evangelizadora, e isto Hoje nota-se em muitos agentes debilita a entrega. Acabam pastorais, mesmo pessoas assim por sufocar a alegria da consagradas, uma preocupação missão numa espécie de exacerbada pelos espaços obsessão por serem como todos pessoais de autonomia e os outros e terem o que relaxamento, que leva a viver os possuem os demais. Deste próprios deveres como mero modo, a tarefa da evangelização apêndice da vida, como se não torna-se forçada e dedica-se-lhe fizessem parte da própria pouco esforço e um tempo identidade. Ao mesmo tempo, a muito limitado [79]. 10 Nos agentes pastorais, independentemente do estilo espiritual ou da linha de pensamento que possam ter, desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que o doutrinal. Tem a ver com as opções mais profundas e sinceras que determinam uma forma de vida concreta. Este relativismo prático é agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem. É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva a se agarrarem a seguranças econômicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário [80]! obsessivamente com o seu tempo pessoal. Isto, muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos. Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora [81]. com a própria marcha; outros ainda caem na acédia, por não saberem esperar e quererem dominar o ritmo da vida. A ânsia hodierna de chegar a resultados imediatos faz os agentes pastorais não tolerarem facilmente tudo o que signifique alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz [82]. Assim se gera a maior ameaça, que «é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, O problema não está sempre no mas na realidade a fé vai-se excesso de atividades, mas deteriorando e degenerando na sobretudo nas atividades mal mesquinhez». Desenvolve-se a vividas, sem as motivações psicologia do túmulo, que adequadas, sem uma pouco a pouco transforma os espiritualidade que impregne a cristãos em múmias de museu. ação e a torne desejável. Daí Desiludidos com a realidade, que as obrigações cansem mais com a Igreja ou consigo do que é razoável, e às vezes mesmos, vivem constantemente façam adoecer. Não se trata de tentados a apegar-se a uma uma fadiga feliz, mas tensa, tristeza melosa, sem esperança, gravosa, desagradável e, em que se apodera do coração como definitivo, não assumida. Esta «o mais precioso elixir do acédia pastoral pode ter origens demônio». Chamados para diversas: alguns caem nela por iluminar e comunicar vida, sustentarem projetos acabam por se deixar cativar por Não à acédia egoísta irrealizáveis e não viverem de coisas que só geram escuridão e Quando mais precisamos de um bom grado o que poderiam cansaço interior e corroem o dinamismo missionário que leve razoavelmente fazer; outros, por dinamismo apostólico. Por tudo sal e luz ao mundo, muitos não aceitarem a custosa isto, permiti que insista: Não leigos temem que alguém os evolução dos processos e deixemos que nos roubem a convide a realizar alguma tarefa querem que tudo caia do Céu; alegria da evangelização [83]! apostólica e procuram fugir de outros, por se apegarem a qualquer compromisso que lhes alguns projetos ou a sonhos de Não ao pessimismo estéril possa roubar o tempo livre. sucesso cultivados pela sua A alegria do Evangelho é tal Hoje, por exemplo, tornou-se vaidade; outros, por terem que nada e ninguém no-la muito difícil nas paróquias perdido o contato real com o poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Os conseguir catequistas que povo, numa despersonalização males do nosso mundo – e os da estejam preparados e da pastoral que leva a prestar Igreja – não deveriam servir perseverem no seu dever por mais atenção à organização do como desculpa para reduzir a vários anos. No entanto, algo que às pessoas, acabando assim nossa entrega e o nosso ardor. parecido acontece com os por se entusiasmarem mais com Vejamo-los como desafios para sacerdotes que se preocupam a «tabela de marcha» do que crescer. Além disso, o olhar 11 crente é capaz de reconhecer a luz que o Espírito Santo sempre irradia no meio da escuridão, sem esquecer que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). A nossa fé é desafiada a entrever o vinho em que a água pode ser transformada, e a descobrir o trigo que cresce no meio do joio. Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II, apesar de nos entristecerem as misérias do nosso tempo e estarmos longe de otimismos ingênuos, um maior realismo não deve significar menor confiança no Espírito nem menor generosidade. Neste sentido, podemos voltar a ouvir as palavras pronunciadas pelo Beato João XXIII naquele memorável 11 de Outubro de 1962: «Chegam-nos aos ouvidos insinuações de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, não veem senão prevaricações e ruínas. [...] Mas a nós parecenos que devemos discordar desses profetas de desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo. Na ordem presente das coisas, a misericordiosa Providência está-nos levantando para uma ordem de relações humanas que, por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados, e tudo, mesmo as adversidades humanas, converge para o bem da Igreja» [84]. Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara azeda. Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo. Quem começa sem confiança, perdeu de antemão metade da batalha e enterra os seus talentos. Embora com a dolorosa consciência das próprias fraquezas, há que seguir em frente, sem se dar por vencido, e recordar o que disse o Senhor a São Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza» (2 Cor 12, 9). O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal. O mau espírito da derrota é irmão da tentação de separar prematuramente o trigo do joio, resultado de uma desconfiança ansiosa e egocêntrica [85]. É verdade que, em alguns lugares, produziu-se uma «desertificação» espiritual, fruto do projeto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs. Lá, «o mundo cristão está a tornar-se estéril e se esgota como uma terra excessivamente desfrutada que se transforma em poeira». Em outros países, a resistência violenta ao cristianismo obriga os cristãos a viverem a sua fé às escondidas no país que amam. Esta é outra forma muito triste de deserto. E a própria família ou o lugar de trabalho podem ser também o tal ambiente árido, em que há que conservar a fé e procurar irradiá-la. Mas «é precisamente a partir da experiência desse deserto, desse vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós, homens e mulheres. No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E, no deserto, existe sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança». Em todo o caso, lá somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro transforma-se numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, Se nos entregou como fonte de água viva. Não deixemos que nos roubem a esperança [86]! Sim às relações novas geradas por Jesus Cristo Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, caravana solidária, 12 peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos. Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos [87]. outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura[88]. várias formas de «espiritualidade do bem-estar» sem comunidade, por uma «teologia da prosperidade» sem O isolamento, que é uma concretização do imanentismo, compromissos fraternos ou por experiências subjetivas sem pode exprimir-se numa falsa autonomia que exclui Deus, mas rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista [90]. pode também encontrar na religião uma forma de Um desafio importante é consumismo espiritual à medida mostrar que a solução nunca do próprio individualismo doentio. O regresso ao sagrado consistirá em escapar de uma relação pessoal e comprometida e a busca espiritual, que caracterizam a nossa época. são com Deus, que ao mesmo fenômenos ambíguos. Mais do tempo nos comprometa com os outros. Isto é o que se verifica O ideal cristão convidará que o ateísmo, o desafio que hoje quando os crentes sempre a superar a suspeita, a hoje se nos apresenta é procuram esconder-se e livrardesconfiança permanente, o responder adequadamente à medo de sermos invadidos, as sede de Deus de muitas pessoas, se dos outros, e quando sutilmente escapam de um lugar atitudes defensivas que nos para que não tenham de ir para outro ou de uma tarefa para impõe o mundo atual. Muitos apagá-la com propostas outra, sem criar vínculos tentam escapar dos outros alienantes ou com um Jesus profundos e estáveis: «A fechando-se na sua privacidade Cristo sem carne e sem imaginação e mudança de confortável ou no círculo compromisso com o outro. Se lugares enganou a muitos». É reduzido dos mais íntimos, e não encontram na Igreja uma um remédio falso que faz renunciam ao realismo da espiritualidade que os cure, dimensão social do Evangelho. liberte, encha de vida e de paz, adoecer o coração e, às vezes, o Porque, assim como alguns ao mesmo tempo que os chame corpo. Faz falta ajudar a reconhecer que o único caminho quiseram um Cristo puramente à comunhão solidária e à é aprender a encontrar os espiritual, sem carne nem cruz, fecundidade missionária, demais com a atitude adequada, também se pretendem relações acabarão enganados por que é valorizá-los e aceitá-los interpessoais mediadas apenas propostas que não humanizam como companheiros de estrada, por sofisticados aparatos, por nem dão glória a Deus [89]. sem resistências interiores. ecrãs e sistemas que se podem As formas próprias da Melhor ainda, trata-se de acender e apagar à vontade. religiosidade popular são aprender a descobrir Jesus no Entretanto o Evangelho encarnadas, porque brotaram da rosto dos outros, na sua voz, nas convida-nos sempre a abraçar o encarnação da fé cristã numa suas reivindicações; e aprender risco do encontro com o rosto cultura popular. Por isso também a sofrer, num abraço do outro, com a sua presença mesmo, incluem uma relação com Jesus crucificado, quando física que interpela, com os seus pessoal, não com energias recebemos agressões injustas ou sofrimentos e suas harmonizadoras, mas com Deus, ingratidões, sem nos cansarmos reivindicações, com a sua Jesus Cristo, Maria, um Santo. jamais de optar pela alegria contagiosa Têm carne, têm rostos. Estão fraternidade [91]. permanecendo lado a lado. A aptas para alimentar verdadeira fé no Filho de Deus potencialidades relacionais e Nisto está a verdadeira cura: de feito carne é inseparável do dom não tanto fugas individualistas. fato, o modo de nos de si mesmo, da pertença à relacionarmos com os outros Em outros setores da nossa comunidade, do serviço, da sociedade, cresce o apreço por que, em vez de nos adoecer, nos reconciliação com a carne dos cura é uma fraternidade mística, 13 contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom. Precisamente nesta época, inclusive onde são um «pequenino rebanho» (Lc 12, 32), os discípulos do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 1316). São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora. Não deixemos que nos roubem a comunidade![92] Não ao mundanismo espiritual O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal. É aquilo que o Senhor censurava aos fariseus: «Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo 5, 44). É uma maneira sutil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo» (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o tipo de pessoas e situações em que penetra. Por cultivar o cuidado da aparência, nem sempre suscita pecados de domínio público, pelo que externamente tudo parece correto. No entanto, se invadisse a Igreja, «seria infinitamente mais desastroso do que qualquer outro mundanismo meramente moral» [93]. Este mundanismo pode alimentar-se sobretudo de duas maneiras profundamente relacionadas. Uma delas é o fascínio do gnosticismo, uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. A outra maneira é o neopelagianismo autoreferencial e prometeuco de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, analisam-se e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente. São manifestações de um imanentismo antropocêntrico. Não é possível imaginar que, destas formas desvirtuadas do cristianismo, possa brotar um autêntico dinamismo evangelizador [94]. Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas mas com a mesma pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos. Em outros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização autorreferencial. Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções. Ou então desdobra-se num funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus mas a Igreja como organização. Em qualquer um dos casos, não traz o selo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite, não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio duma autocomplacência egocêntrica [95]. 14 Neste contexto, alimenta-se a vanglória de quantos se contentam com ter algum poder e preferem ser generais de exércitos derrotados antes que simples soldados dum batalhão que continua a lutar. Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados! Assim negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é «suor do nosso rosto». Em vez disso, entretemo-nos vaidosos a falar sobre «o que se deveria fazer» – o pecado do «deveriaqueísmo» – como mestres espirituais e peritos de pastoral que dão instruções ficando de fora. Cultivamos a nossa imaginação sem limites e perdemos o contato com a dolorosa realidade do nosso povo fiel [96]. Quem caiu neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos, desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e vive obcecado pela aparência. Circunscreveu os pontos de referência do coração ao horizonte fechado da sua imanência e dos seus interesses e, consequentemente, não aprende com os seus pecados nem está verdadeiramente aberto ao perdão. É uma tremenda corrupção, com aparências de bem. Devemos evitá-lo, pondo a Igreja em movimento de saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos pobres. Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais! Este mundanismo asfixiante cura-se saboreando o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos centrados em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus. Não deixemos que nos roubem o Evangelho [97]! e resplandecente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais animais e ajudais: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35). Foi o que Jesus, com uma intensa oração, Jesus pediu ao Pai: «Que todos sejam um só (…) em nós [para que] o mundo creia» (Jo 17, 21). Cuidado com Não à guerra entre nós a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas mesmo porto! Peçamos a graça guerras! No bairro, no local de de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos [99]. trabalho, quantas guerras por invejas e ciúmes, mesmo entre Para quantos estão feridos por cristãos! O mundanismo antigas divisões, resulta difícil espiritual leva alguns cristãos a aceitar que os exortemos ao estar em guerra com outros perdão e à reconciliação, porque cristãos que se interpõem na sua pensam que ignoramos a sua busca pelo poder, prestígio, dor ou pretendemos fazer-lhes prazer ou segurança econômica. perder a memória e os ideais. Além disso, alguns deixam de Mas, se virem o testemunho de viver uma adesão cordial à comunidades autenticamente Igreja por alimentar um espírito fraternas e reconciliadas, isso é de contenda. Mais do que sempre uma luz que atrai. Por pertencer à Igreja inteira, com a isso me dói muito comprovar sua rica diversidade, pertencem como em algumas comunidades a este ou àquele grupo que se cristãs, e mesmo entre pessoas sente diferente ou especial [98]. consagradas, se dá espaço a O mundo está dilacerado pelas guerras e a violência, ou ferido por um generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio bem-estar. Em vários países, ressurgem conflitos e antigas divisões que se pensavam em parte superados. Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos [100]? Peçamos ao Senhor que nos faça compreender a lei do amor. Que bom é termos esta lei! Como nos faz bem, apesar de tudo amar-nos uns aos outros! 15 Sim, apesar de tudo! A cada um de nós é dirigida a exortação de Paulo: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12, 21). E ainda: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gl 6, 9). Todos nós provamos simpatias e antipatias, e talvez neste momento estejamos chateados com alguém. Pelo menos digamos ao Senhor: «Senhor, estou chateado com este, com aquela. Peço-Vos por ele e por ela». Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor, e é um ato de evangelização. Façamo-lo hoje mesmo. Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno[101]! causa de um excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflecte na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral [102]. onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais [103]. As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a A Igreja reconhece a potestade sacramental com o indispensável contribuição da poder. Não se esqueça que, mulher na sociedade, com uma quando falamos da potestade Outros desafios eclesiais sensibilidade, uma intuição e sacerdotal, «estamos na esfera A imensa maioria do povo de certas capacidades peculiares, da função e não na da dignidade Deus é constituída por leigos. que habitualmente são mais e da santidade». O sacerdócio Ao seu serviço, está uma próprias das mulheres que dos ministerial é um dos meios que minoria: os ministros homens. Por exemplo, a Jesus utiliza ao serviço do seu ordenados. Cresceu a especial solicitude feminina povo, mas a grande dignidade consciência da identidade e da pelos outros, que se exprime de vem do Batismo, que é missão dos leigos na Igreja. modo particular, mas não acessível a todos. A Embora não suficiente, pode-se exclusivamente, na configuração do sacerdote com contar com um numeroso maternidade. Vejo, com prazer, Cristo Cabeça – isto é, como laicado, dotado de um arreigado como muitas mulheres fonte principal da graça – não sentido de comunidade e uma partilham responsabilidades comporta uma exaltação que o grande fidelidade ao pastorais juntamente com os coloque por cima dos demais. compromisso da caridade, da sacerdotes, contribuem para o Na Igreja, as funções «não dão catequese, da celebração da fé. acompanhamento de pessoas, justificação à superioridade de A tomada de consciência desta famílias ou grupos e prestam uns sobre os outros». Com responsabilidade laical que novas contribuições para a efeito, uma mulher, Maria, é nasce do Batismo e da reflexão teológica. Mas ainda é mais importante do que os Confirmação, contudo, não se preciso ampliar os espaços para Bispos. Mesmo quando a manifesta de igual modo em uma presença feminina mais função do sacerdócio ministerial toda a parte; em alguns casos, incisiva na Igreja. Porque «o é considerada «hierárquica», há porque não se formaram para gênio feminino é necessário em que ter bem presente que «se assumir responsabilidades todas as expressões da vida ordena integralmente à importantes, em outros por não social; por isso deve ser santidade dos membros do encontrar espaço nas suas garantida a presença das corpo místico de Cristo». A sua Igrejas particulares para mulheres também no âmbito do pedra de fecho e o seu fulcro poderem exprimir-se e agir por trabalho» e nos vários lugares não são o poder entendido como 16 domínio, mas a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja [104]. consciência de que toda a comunidade os evangeliza e educa, e a urgência de que eles tenham um protagonismo maior. Deve-se reconhecer que, no atual contexto de crise do compromisso e dos laços comunitários, são muitos os jovens que se solidarizam contra os males do mundo, aderindo a várias formas de militância e voluntariado. Alguns participam na vida da Igreja, integram grupos de serviço e diferentes iniciativas A pastoral juvenil, tal como missionárias nas suas próprias estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto dioceses ou noutros lugares. Como é bom que os jovens das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens sejam «caminheiros da fé», felizes por levarem Jesus Cristo habitualmente não encontram a cada esquina, a cada praça, a respostas para as suas cada canto da terra [106]! preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, Em muitos lugares, há escassez adultos, custa-nos ouvi-los com de vocações ao sacerdócio e à paciência, compreender as suas vida consagrada. preocupações ou as suas Frequentemente isso fica-se a reivindicações, e aprender a dever à falta de ardor apostólico falar-lhes na linguagem que eles contagioso nas comunidades, entendem. Pela mesma razão, as pelo que estas não entusiasmam propostas educacionais não nem fascinam. Onde há vida, produzem os frutos esperados. fervor, paixão de levar Cristo A proliferação e o crescimento aos outros, surgem vocações de associações e movimentos genuínas. Mesmo em paróquias predominantemente juvenis onde os sacerdotes não são podem ser interpretados como muito disponíveis nem alegres, uma ação do Espírito que abre é a vida fraterna e fervorosa da caminhos novos em sintonia comunidade que desperta o com as suas expectativas e a desejo de se consagrar busca de espiritualidade inteiramente a Deus e à profunda e dum sentido mais evangelização, especialmente se concreto de pertença. Todavia é essa comunidade vivente reza necessário tornar mais estável a insistentemente pelas vocações participação destas agregações e tem a coragem de propor aos no âmbito da pastoral de seus jovens um caminho de conjunto da Igreja [105]. especial consagração. Por outro lado, apesar da escassez Embora nem sempre seja fácil vocacional, hoje temos noção abordar os jovens, houve crescimento em dois aspectos: a mais clara da necessidade de melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão relacionadas com insegurança afetiva, busca de formas de poder, glória humana ou bemestar econômico [107]. Como já disse, não pretendi oferecer um diagnóstico completo, mas convido as comunidades a completarem e a enriquecerem estas perspectivas a partir da consciência dos desafios próprios e das comunidades vizinhas. Espero que, ao fazê-lo, tenham em conta que, todas as vezes que intentamos ler os sinais dos tempos na realidade atual, é conveniente ouvir os jovens e os idosos. Tanto uns como outros são a esperança dos povos. Os idosos fornecem a memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do passado. Os jovens chamam-nos a despertar e a aumentar a esperança, porque trazem consigo as novas tendências da humanidade e abrem-nos ao futuro, de modo que não fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo actual [108]. Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária [109]! 17 Amor conjugal? A reflexão sobre a natureza do amor conjugal nos últimos cem anos acompanha, passo a passo, a evolução da sociedade e da cultura. O Concílio Vaticano II representou um momento muito particular para a concepção do amor matrimonial, uma realidade natural vivida desde as origens da humanidade. Antes, a questão era posta nos termos de qual fosse o fim principal do matrimônio, se o amor conjugal (em contraste com o modo tradicional cristão de entender a procriação) ou a procriação (que era então interpretada como uma “instrumentalização” do amor conjugal). O Concílio superou esta apresentação inadequada do problema, pondo sobre o amor conjugal não a per- gunta “para que serve?”, mas refletindo sobre a essência do matrimônio e perguntando-se “que é o matrimônio?”. A unidade e indissolubilidade do matrimônio encontram alma e forma no amor conjugal e na instituição matrimonial. Isto não significa, porém, que o amor e o matrimônio sejam a mesma coisa. O amor conjugal é um elemento constitutivo do matrimônio, mas não é o único, porque a realidade do matrimônio é a de uma instituição. O matrimônio, portanto, é a instituição do amor conjugal. Amor conjugal e instituição matrimonial implicam-se mutuamente. O matrimônio pressupõe o amor, mas o amor deve também ser fruto do matrimônio. Isto significa que o amor conjugal é também uma tarefa que deve se realizada na vida dos esposos. A reflexão teológica nos mostra, então, que o amor conjugal está orientado a uma certa plenitude, a uma determinada vivificação por obra da graça que o eleva, o aperfeiçoa, o cura e o enriquece: a caridade conjugal. O amor conjugal, que se exprime na recíproca doação, e a orientação à procriação do matrimônio confluem na sexualidade matrimonial, que deve ser uma genuína manifestação da doação recíproca das pessoas casadas, reproduzindo em si a imagem da instituição matrimonial e do amor conjugal que a protege. (Leia o artigo completo às páginas 41 a 46 em Lexicom) 18 A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja veem nas famílias numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais (Cf. GS 50, 2). entre si pelo casamento. Elas traem «o direito exclusivo de se tornar pai e mãe somente um por meio do outro» (CDF, instr. Donum vitae, 2,1). É grande o sofrimento dos casais que descobrem que são estéreis. «Que me darás, Senhor Deus?» – pergunta Abraão a Deus. «Continuo sem filhos...» (Gn 15, 2). – «Faze-me ter filhos também, ou eu morro!» – disse Raquel a seu marido Jacob (Gn 30, 1). Praticadas entre o casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais homólogas) são talvez claras a um juízo imediato, mas continuam moralmente inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador. O ato fundante da existência dos filhos já não é um ato pelo qual duas pessoas se doam uma à outra, mas um ato que «remete a vida e a identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos, e instaura um domínio da técnica sobre a origem e a destinação da pessoa humana. Tal relação de dominação é por si contrária à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos» (CDF, inst. Donum vitae, II, 741,5). «A procriação é moralmente privada de sua perfeição própria quando não é querida como o fruto do ato conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos... [...] Somente o respeito ao vínculo que existe entre os significados do ato conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite As pesquisas que se destinam a reduzir a esterilidade humana devem ser estimuladas, sob a condição de serem postas «a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus» (CDF, instr. Donum vitae, intr. 2). As técnicas que provocam a dissociação do parentesco, pela intervenção duma pessoa estranha ao casal (doação de esperma ou de óvulo, empréstimo de útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais heterólogas) lesam o direito da criança de nascer de um pai e de uma mãe conhecidos dela e ligados uma procriação de acordo com a dignidade da pessoa» (CDF, instr. Donum vitae, II, 4). O filho não é algo devido, mas um dom. O «dom mais excelente do matrimônio» é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado como objeto de propriedade, a que conduziria o reconhecimento de um pretenso «direito ao filho». Nesse campo, somente o filho possui verdadeiros direitos: o de «ser fruto do ato específico do amor conjugal de seus pais, e também o direito de ser respeitado como pessoa desde o momento de sua concepção» (CDF, instr. Donum vitae, II, 8). O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade unirse-ão à cruz do Senhor, fonte de toda a fecundidade espiritual. Podem mostrar sua generosidade adotando crianças desamparadas ou prestando serviços em favor do próximo. (Catecismo da Igreja Católica, nº 2373 a 2379) 19 Pai e mãe: presenças insubstituíveis na educação e formação de filhos! Postado em 3 de janeiro de 2014 por Carmadélio - As funções do pai e da mãe são totalmente diferentes, e o filho precisa dos dois para o seu equilíbrio: ela introduz o filho no mundo dos afetos, na esfera íntima; ele proporciona independência, abrindo-o ao mundo exterior. destronados. La importancia de la paternidad“. Quem explica isso nesta entrevista é María Calvo, presidente, na Espanha, da Associação de Centros de Educação Diferenciada e autora do livro “Padres As funções do pai e da mãe são totalmente diferentes; não se pode pensar que são iguais. Em alguns âmbitos, ao invés de falar de “pai” e “mãe”, opta-se por “progenitor 1″ e “progenitor 2″. Isso quer dizer que não há diferenças entre o que cada um deles oferece ao seu filho? A diferença entre o pai e a mãe são percebidas in- clusive pelo bebê. Um experimento em Israel mostrou que os bebês prematuros ganhavam peso mais rapidamente quando eram visitados pelo pai. O pai confere um estímulo psicológico ao filho, que ele percebe. Em outra pesquisa, psiquiatras mostraram que as crianças, quando percebem a presença do pai, inclinam as costas e mexem as sobrancelhas de forma especial, porque intuem que ele os pegará 20 no colo, e percebem que ele os pega de maneira diferente à da mãe. Isso ocorre em diversas culturas e níveis sociais, é algo biológico. Concretamente, qual é a contribuição da mãe e qual é a do pai? Também é interessante saber que o pai aproxima o filho da realidade, da realidade autêntica, não da virtual, na qual a mãe o coloca para que não tenha sofrimento e dor. Muito simples: quando a mãe está sozinha com o filho, tende-se a criar uma relação quase de casal entre mãe e filho. Seu amor e sua neuroquímica são tão fortes, que são capazes de dar tudo. Esta relação não é saudável para os filhos, que precisam de autonomia. O pai entra em jogo para separar este binômio (não me refiro ao pai que se identifica com um modelo patriarcal, que é o contrário). O pai, ao romper a relação tão íntima, confere liberdade. Esta liberdade ajuda o filho a identificar-se como ser independente e autônomo, já que a relação só com a mãe pode ser limitadora para o filho; a mãe parece tentar prolongar a relação uterina para sempre e, por isso, vemos adultos com relacionamentos doentios. O pai dá liberdade também à mãe, que, de outra forma, poderia acabar sendo escravizada. Por outro lado, o pai não costuma dar ao filho o que ele precisa imediatamente Assim, o filho aprende o autocontrole, aprende que nem tudo se consegue na hora em que se quer. E aprende a empatia: se sente fome, frio etc., pode compreender quem passa por isso também. A natureza nos deu este equilíbrio: a mãe oferece intimidade (o mundo dos afetos, o íntimo) e o pai, a independência (o mundo exterior, o público). Quando falta algum dos pais, isso afeta o equilíbrio do filho. Quais são as consequências da ausência do pai na educação dos filhos? As diferenças se referem a uma herança vital de valores, ao equilíbrio psíquico e pessoal. A situação atual é provocada, em grande medida, pela ideologia de gênero; é um momento único na história da humanidade. Em países anglosaxônicos, foram realizados diversos estudos que estabelecem uma relação de causa-efeito entre ausência paterna e violência nos filhos, fracasso escolar e drogas. Atualmente, quase 25 milhões de crianças estão crescendo sem seu pai biológico. Isso provoca um desequilíbrio social. Como é possível potencializar a paternidade? É verdade que antes havia um modelo machista, no qual o homem só controlava a parte econômica e os resultados acadêmicos, mas não podemos esquecer o lado positivo da paternidade, como a capacidade de estabelecer normas, impor disciplina e limites. Ao mesmo tempo, é preciso aproveitar os traços mais atuais da paternidade, como um maior envolvimento emocional do pai. É preciso respeitar o estilo de atuação do homem, que é masculino, e que complemente o da mulher. Quando a mulher percebe isso, ela ganha liberdade, os filhos ganham um pai e o casal ganha confiança, diálogo. Os pais não são mães defeituosas: são pais.