Bach, Schubert e Fauré são evocados no álbum `First Falls`, tal
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Bach, Schubert e Fauré são evocados no álbum `First Falls`, tal
Bach, Schubert e Fauré são evocados no álbum ‘First Falls’, tal como os bombos de Lavacolhos ou as adufeiras de Monsanto. “Atribuo-lhes quase o mesmo nível de importância”, diz Filipe, para quem não há erudição sem tradição. Bach foi dos compositores mais importantes na sua aprendizagem, que ainda toca diariamente. No piano Yamaha C3 da sua sala de estar estavam partituras abertas com as Variações de Goldberg e os corais de Bach – peças que revisita com muita frequência 52 | &música | ‘12 FILIPE RAPOSO – FIRST FALLS A SÍNTESE ECLÉTICA DE FILIPE RAPOSO Por Hugo Simões | Fotografia: Alexandre Baptista Tem colaborado de perto como músico e arranjador junto de nomes como Amélia Muge, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias, Sérgio Godinho, Janita Salomé, Vitorino, João Afonso ou Yuri Daniel. Escreve música para teatro e cinema, destacando-se a experiência na Cinemateca Portuguesa, onde improvisa sobre clássicos do cinema mudo. O pianista e compositor Filipe Raposo, de 33 anos, é um músico realmente especial, intuitivamente ligado ao jazz, com percurso académico na música erudita e raízes na música tradicional. Formado em Composição pela Escola Superior de Música de Lisboa e em Piano pelo Conservatório, pode dizer-se que fez empiricamente um mestrado na música popular portuguesa. Do cruzamento de todas as lições encontrou com sucesso uma linguagem melancólica dominada pelo virtuosismo ao serviço da liberdade técnica, na qual o academismo não condiciona a expressividade. Fruto de tudo isto, nasceu o primeiro álbum em nome próprio, ‘First Falls’, que, após audição, assegura um lugar entre os discos mais substanciais produzidos em Portugal nos últimos tempos. U m dia tomou consciência de que era compositor. Por volta dos 14 anos, Filipe Raposo procurou desconstruir e interpretar o mistério enleante da música. Mas antes ter-se-á iniciado, ainda criança, a ouvir a Antena 2, esbracejando e imaginando-se maestro de orquestra. Não tinha pais músicos, embora a mãe o tenha muito provavelmente embalado no ventre durante os ensaios de um coro da Bobadela, no qual cantava. “O meu pré-nascimento foi esse coro. Essa deve ter sido a minha primeira experiência musical”, afirma. Paralelamente, os avós maternos tinham um piano em casa, comprado para que os filhos estudassem música. “Lembro-me dessas primeiras experiências sensoriais, que não eram musicais ainda, no sentido em que estava ainda a descobrir o som. A reacção tecla; movimento do martelo; corda e resultado sonoro passou a existir na minha vida através desse piano”, recorda o compositor e pianista, apontando para o piano de cauda Yamaha G3 que tem na sua actual sala de estar, mas referindo-se ao piano da avó. “Essa experiência ficou e, anos mais tarde, sempre que visitava a minha avó, o piano era uma das minhas brincadeiras preferidas”. A brincadeira tornou-se séria quando os pais o colocaram em aulas com o professor particular Celso Nogueira, tinha Filipe 11 anos. “A primeira vez que toquei Bach com o meu primeiro professor fiquei fascinado com a construção contrapontística; com aquelas linhas tão independentes, que formam um todo complementar quando juntas.” Por volta dos 12 ou 13 anos Filipe considera ter “despertado para o mundo” e para um “sensorialismo também presente na música, que estimula em nós uma sensação de prazer e bem-estar face a um todo que está bem construído, mas que não percebemos bem porquê”. O professor Celso, um autodidacta que dedicara parte da sua vida à aprendizagem de instrumentos musicais, era, recorda o pupilo, “uma pessoa com muita pedagogia, muito metódico, com quem a aula tinha de ter sempre a norma, a escala, o arpejo, o estudo, Bach...”. Celso estimulou Filipe para ingressar no Conservatório, e assim foi, aos 14 anos, corria o ano de 1994. Um pouco antes, ainda à beira da adolescência, intrigou-o o jazz quando viu na televisão o filme ‘Round Midnight’, que aborda a vida dos músicos de jazz nos anos 40 e 50 do século passado. Herbie Hancock ficou-lhe na retina e no ouvido. “Fiquei a pensar no que é que ele estaria ali a fazer; que harmonizações eram aquelas; como é que aquilo soava daquela forma. Então, gravei o filme em vídeo e arrastei o piano para a sala. Fiquei horas a tentar descobrir aquelas harmonias”. Introduzido por si mesmo ao jazz e à música improvisada, cumpriu anos mais “COSTUMO DIZER QUE A MÚSICA IMPROVISADA É UMA ESPÉCIE DE COLA QUE AJUDA A UNIFICAR DIFERENTES UNIVERSOS”, REFERE O COMPOSITOR, PARA QUEM AS RECOLHAS MUSICAIS DE GIACOMETTI E LOPES GRAÇA FORAM “MUITO IMPORTANTES”. A MÚSICA TRADICIONAL SURGIU QUANDO TINHA 22 ANOS E COMEÇOU A FAZER ORQUESTRAÇÕES PARA A EMPRESA CLAVE DE SOFT. “PERCEBI QUE A MÚSICA TRADICIONAL FOI AGRUPADA POR TEMAS – TRABALHO, AMOR, MORTE, RELIGIÃO – E TENTEI INCLUÍ-LA NA MINHA MÚSICA IMPROVISADA.” MAIS TARDE, A TRABALHAR COM FAUSTO, FEZ UMA ESPÉCIE DE SÍNTESE MUSICAL DE EXPERIÊNCIAS E CONHECIMENTOS ‘12 | &música | 53 FACE A FACE “HÁ MAIS RESPONSABILIDADE QUANDO SE É CABEÇA DE CARTAZ, MAS A POSTURA ACABA POR SER A MESMA NO SENTIDO EM QUE A MINHA FORMA DE ESTAR CONTINUA A MESMA. A MINHA VIDA É MÚSICA” tarde o enlace quando começou a frequentar workshops de jazz, nomeadamente com João Paulo Esteves da Silva. De volta a 1994, no Conservatório de Lisboa, Filipe encontra “uma figura essencial, transversal a várias idades: o professor Eurico Carrapatoso”. “Ele tem cativado e motivado várias gerações. Quando falo com colegas de vários anos a palavra que surge sempre para o definir é ‘mestre’. Ele foi, de facto, um grande pedagogo, um amigo e um excelente compositor que influenciou uma série de músicos”, sublinha Filipe, lembrando ainda que Eurico Carrapatoso iniciou no MySpace o prolífico movimento ‘Segunda Renascença de Compositores Portugueses’. “Um país com dez milhões de habitantes apresenta uma taxa elevadíssima de compositores por metro quadrado”, lança o pianista, que no Conservatório tinha por hobby improvisar sobre bases harmónicas de Bach ou Beethoven “para desconstruir e reler”, numa “espécie de refúgio” que o descontraía. Aos 21 anos forma-se em Piano pelo Conservatório. “NÃO HÁ ERUDIÇÃO SEM TRADIÇÃO” Chegado à maioridade, com os seus 18 anos, portanto, Filipe Raposo assistiu a um workshop de música improvisada que foi para si “importantíssimo”. Nesse workshop, Carlos Bica e o pianista alemão Jans Thomas deixaram marcas. Foi fazendo workshops de jazz, mas nunca estudou numa escola de jazz. “Comecei como autodidacta a comprar livros e a estudar e como eu tinha treinado o meu ouvido musical, a improvisação também esteve sempre presente na minha aprendizagem, de forma mais ou menos consciente”, relembra o compositor. Entretanto, Filipe ia tendo as primeiras experiências de palco como aluno do Conservatório, por exemplo no Teatro Maria Matos, e com grupos de jazz e acid jazz a tocar standards em bares. Os Groove Brothers, em parceria com Ricardo Afonso, e os Influência foram dois grupos que integrou. Passou depois pela pop juntamente com Mafalda Veiga, por volta dos 22 anos, o que lhe trouxe algum mediatismo. Foi tendo aulas com João Paulo Esteves da Silva e incorre no universo da composição procurando “enquadrar diferentes linguagens da música erudita e contemporânea, nomeadamente do jazz, e, mais tarde, a linguagem da música tradicional”. Os contactos foram-se expandindo pelos meandros de diferentes universos musicais. Tinha Filipe 23 anos quando começou a tocar com nomes como José Mário Branco, Fausto, Amélia Muge, Janita Salomé ou Vitorino. “Foram pessoas ligadas a esse universo que, de certa forma, contribuíram para o desenvolvimento desse meu gosto por compreender a música tradicional. A teoria na qual me fundamento é de que não pode existir erudição sem tradição, e a tradição é um pilar essencial de um grande edifício que é a música contemporânea na globalidade.” Desse ‘melting pot’ de aprendizagens resultou o seu primeiro disco, ‘First Falls’, no qual demonstra a mestria inquestionável de uma execução que é fruto de um intenso percurso académico associado à música erudita, mas onde também enquadra e reúne universos musicais da música tradicional, do jazz, da música improvisada, do fado, da pop ou mesmo do rock. Por falar em tradição, a mãe de Filipe ouvia muito fado em casa, especialmente Amália, e talvez por isso o pianista tenha também escrito fados para poemas de Amélia Muge, Pedro Tamen e Drummond de Andrade, gravados por Ana Lains e Joana Amendoeira. Impulsos criativos Filipe Raposo trabalha sempre com o piano no processo criativo. Vai explorando e escrevendo, numa “relação de causa-efeito” que dá sequências óbvias às primeiras ideias. As ideias e as escolhas concretizam-se a partir de frases literárias, ideias poéticas e abstractas; uma imagem ou uma pessoa. As ideias surgem, por exemplo, ao imaginar a vida do realizador Tarkovsky depois de ler a sua biografia. “Isso leva-me a um impulso criativo que começa pela imagem, mas também pela música, numa célula rítmica que vai dar origem a um movimento melódico, uma harmonia”, explica Filipe, que entretanto se vai apoiando em “vários pontos de apoio, ou ganchos”. No processo de criação escreve frequentemente no software Finale, evitando manuscrever. Para isso, usa um computador Mac para onde por vezes grava as ideias com recurso a um microfone M-Audio com o qual capta o piano. 54 | &música | ‘12 Nas prateleiras de livros que tem na sala de sua casa, Filipe dedica uma secção a temas que versam sobre religião, nomeadamente sobre a ausência de Deus... “A religião não me preocupa. Apesar de ter tido uma educação protestante na primeira fase da minha juventude, a religião acaba por WIVYQEXIQjXMGEMQTSVXERXIRSWIRXMHSHINYWXMÁGEVQIHSW e ausências, e problemáticas existencialistas transversais na cultura humana. Há um lado ateu e um lado que me faz tentar perceber o Homem. Para percebê-lo na sua plenitude, tenho de perceber também o que é o Homem religioso”, revela Filipe, considerando-se “muito pragmático” FACE A FACE De facto, Filipe toca com muita gente da esquerda ideológica; parceiros e filhos legítimos de Zeca Afonso. Serão estes os humanistas de que se acompanha? “Privilegio referências de esquerda e percebo a importância de alguns valores que a esquerda consegue dar. Mas, acima de relações partidárias, pouco falámos sobre esta esquerda. O que mais importa são os valores humanistas deles. De facto, após muitas partilhas de estrada com José Mário, Fausto ou Amélia Muge, observei muitas vezes essa prática. Eles são também desconstrutores da realidade, sendo isso que também fazem com a sua música e poesia, que é despertar-nos; incomodar-nos quando estamos sentados no sofá da nossa vida, em rotinas diárias.” Há uma componente imagética, poética e narrativa na música de Filipe Raposo, que aos 24 anos ingressa no curso de Composição da Escola Superior de Música e, tendo experiências na música contemporânea, destila “o sumo das várias áreas”, dando assim origem às primeiras experiências com o seu trio, inicialmente formado com os músicos Yuri Daniel (baixo) e André Sousa Machado (bateria). O Filipe Raposo Trio teve posteriormente outras formações, sempre integrando músicos de primeira linha como Carlos Bica (contrabaixo) ou José Salgueiro (bateria e percussão). Note-se que, antes de ‘First Falls’, o trio já tinha gravado com a editora Orfeu para um álbum de homenagem a Zeca Afonso e surgiu em vários outros registos. Mas na sua relação musical com a imagem, importa referir que o pianista começou, no mesmo período em que entra para a Escola Superior, a acompanhar filmes mudos na Cinemateca por convite de Neva Cerantola, a propósito de vários ciclos de cinema dedicados a autores do cinema primitivo como Murnau, Griffith, Sjostrom, Chaplin ou Buster Keaton, juntando-se a pianistas como Mário Laginha, João Paulo Esteves da Silva ou Nicholas McNair. “Essa foi uma experiência importantíssima porque ajudou-me também a perceber o lugar da música em cinema – a música no papel de participante do filme”, observa, considerando trazer filmes com décadas para o momento actual através da sua leitura. “Posso trazer contemporaneidade a um filme que já foi feito há muito tempo”. Criou e continua a criar muita música inédita para filmes, sempre com uma componente improvisada. No caso do trabalho realizado na Cinemateca, as composições apenas estão escritas e nunca foram gravadas. A técnica que aplica sustenta-se no desmembramento do filme por partes, atribuindo leitmotivs a determinadas personagens, “de forma a que o motivo musical seja identificável com determinado personagem”. “É importante perceber os momentos de tensão dos filmes”, diz o músico, que muitas vezes chega a silenciar o piano e a deixar a imagem no pano fundo do silêncio, quando esta vale e vive por si. “É um papel de ilustrador das imagens aquele que tenho na Cinemateca”, refere, admitindo que lhe basta uma tarde para preparar um filme com música inédita. Primeiras chuvas Foi ‘First Falls’, disco de estreia em nome próprio do pianista e compositor Filipe Raposo, que nos levou até sua casa, em Lisboa. Estas “primeiras chuvas”, vertidas para os escaparates em final de 2011, traduzem-se na metáfora do ciclo da água como ideia transversal a todo o disco – o primeiro álbum do pianista enquanto líder de um trio de luxo, ora integrado por Carlos Bica (contrabaixo) e Vicky (bateria), ora por Yuri Daniel (baixo fretless) e Carlos Miguel (bateria). “Para que chova, existe antes todo o processo de evaporação e condensação. Quando comecei a juntar os temas percebi fazer sentido falar da água porque o que está ali é uma síntese de muitas influências minhas”, observa o músico. De facto, ‘First Falls’ é uma súmula de 20 anos de aprendizagem e experiências enquanto homem e músico. No ciclo de retorno, houve um tempo de colheita, amadurecimento musical e síntese que redundou num disco baseado nas composições de Filipe Raposo, combinando a matriz da música tradicional e da música contemporânea, num discurso improvisado. “Mas o processo de amadurecimento é contínuo. Achei que, a partir desta altura, já podia lançar material com conteúdo e ADN”, considera. Aos 33 anos toca com ‘la crème de la crème’ e justifica que “antes dos 20 anos não há obra”. “A obra surge com a experiência, com maturação. O palco é um sítio de dádiva e partilha, mas anteriormente tenho de passar por uma série de experiências e patamares, de forma a ir evoluindo até chegar àquilo que quero dizer e ao meu pensamento poético e musical”. Há em ‘First Falls’ um espaço de auto-análise que exige introspecção. “Já ouvi várias pessoas dizerem que é preciso ouvir o disco com tempo e espaço, fora da confusão”, acrescenta Filipe. ‘Closer’, o primeiro tema de ‘First Falls’, é uma improvisação contrapontística pura. Nada estava escrito ou preparado de antemão. Filipe não costuma tocar ‘Closer’ ao vivo por se tratar apenas de uma faixa introdutória de abertura do disco. “A improvisação é uma espécie de Alinhamento: Closer First Falls I Found an Icon As Guerras se Apregoam Sadie Donka Kind of Impatience Em Fado En Tu Puerta For Days Definition of Denial Just Before Leaving Departure 56 | &música | ‘12 labirinto com portas que, ao abrirmos, somos empurrados para seguir em frente. ‘Closer’ é um desses percursos em tempo real,” explica o artista, que fechou o disco com outro tema improvisado. O apelo do improviso, tão caro ao jazz, levou-o a improvisar sobre a base harmónica de uma sonata de Beethoven ou sobre o prelúdio de Bach, fugindo a regras rígidas e estanques. Bach, Schubert e Fauré são mesmo evocados no álbum, tal como os bombos de Lavacolhos ou as adufeiras de Monsanto. “Atribuo-lhes quase o mesmo nível de importância. Erudição e tradição. Bach, Schubert e Fauré são também bóias de sinalização num oceano imenso que é a música. Nos dias que correm, com o acesso que temos à informação, perdemos o sentido de orientação. Para mim, Bach foi um dos compositores mais importantes na minha aprendizagem, que ainda hoje toco diariamente”, diz Filipe. Além dos conteúdos musicais, há referências profundas ao cinema e a dois realizadores. Segundo Filipe, este disco “é uma mala de viagem com imagens de Stanley Kubrick e Andrei Tarkovsky”. Sendo a música uma arte abstracta por excelência, uma vez que “não é concreta nem palpável, não se vê”, Filipe deita mão a “várias ferramentas que permitem tornar a música concreta”, uma das quais a poesia. As palavras ajudam-no a perceber alguns conceitos, mas ‘First Falls’ não tem canções. A sua poesia surge de uma “visão abstracta” que se encontra também na imagem, por exemplo na cena do “adeus de Tarkovsky”. Filipe apreende muitas sensações a priori, sem ouvir a música em devir. É um compositor imagético para quem “a poesia pura tem a vantagem de, através de uma frase, conseguir sintetizar mundos”. “Com a minha música procurei esta transição da palavra e da imagem para som”, refere, sem no entanto deixar de associar alguns ‘statements’ poéticos a cada tema, na brochura do disco: “São pequenos comentários poéticos que ajudam a ilustrar cada tema. A poesia escrita entra aqui desta forma.” A este respeito é curioso notar que os primeiros discos editados pela Orfeu eram de poesia, ditos pelos próprios poetas, e que Filipe musicou recentemente vários poemas num disco que estará prestes a ser lançado. Filipe Raposo, que já tem material para o próximo álbum, reflecte, por fim, no que pretendeu transmitir com ‘First Falls’, que denota grande mestria na execução e muita substância composicional: “O que tento fazer é ser eu e o mais honesto possível na minha música. A arte reflecte o artista e eu espero que a minha música reflicta a pessoa que sou.” ‘First Falls’ flui ao longo de 12 temas com diferentes formações musicais que vão desde o registo de piano solo ao dueto com Filipe e Carlos Bica, ou em trio e quarteto, com bateria e violoncelo, respectivamente. Há maioritariamente três áreas de influência – a tradicional, a erudita e a improvisada, sendo esta última o elemento unificador do discurso. O disco tem essencialmente composições de Filipe e arranjos sobre temas tradicionais, além de três citações a Bach, Fouré e Schubert. O álbum de estreia a solo do pianista foi gravado no estúdio Namouche em final de 2009 e 2010 por Joaquim Monte e masterizado por Tó Pinheiro. O design é de Eglé Bazaraité, namorada de Filipe. Inspira-se olhando à volta, reinterpretando pensamentos e actos, e fazendo interrogações que são “contos de um instantee”. Há quem diga, como Pacman, ex-Da Weasel, que a argúcia e a perspicácia são características UYISHIÁRIQµ...sim, procuro ser perspicaz e acho que sou um bom observador da espécie humana a” “AS MINHAS COMPOSIÇÕES TAMBÉM SÃO NARRATIVAS, UMA VEZ QUE CONTAM AS MINHAS EXPERIÊNCIAS E HISTÓRIAS. ACABAM POR SER UM ACOMPANHAMENTO DAS MINHAS IMAGENS POÉTICAS” Tira apontamentos, escreve e define os “pilares”, ou “bóias”, que são os leitmotivs, e navega de uma bóia à outra, onde encontra “espaço de improvisação”. Filipe é também responsável por muitas composições narrativas para peças de teatro. A sua última colaboração neste âmbito deu-se com o Teatro D. Maria II na peça ‘Quem Tem Medo de Virginia Woolf’, para a qual compôs a banda sonora. Recuando um pouco, a entrada na Escola Superior serviu-lhe para desenvolver o conhecimento absorvido no Conservatório e poder apoderar-se das ferramentas composicionais contemporâneas. Concluiu Composição em 2008 e, desde então, toca a solo o seu reportório. Actualmente, é ele o professor, especificamente de Análise e Técnicas de Composição no Conservatório de Coimbra e na Academia de Santa Cecília. A cadeira do professor Filipe Raposo é uma cátedra de dissecação anatómica da música e dos seus mistérios, mas Filipe não trata exclusivamente a música: “Seria mau professor se assim fosse. Enquanto professores temos de ser universalistas e saber unir diferentes áreas do conhecimento. As aulas mais importantes que tive como aluno foram dadas por professores humanistas, e não necessariamente numa sala de aula, mas numa mesa de café ou através de partilhas no espaço público”. Actualmente, mantém o Filipe Raposo Trio e integra o quarteto de Yuri Daniel; permanece na Cinemateca e está a desenvolver um projecto de curtas com Nuno Bouça em cinema documental, além de continuar a fazer orquestrações e direcção musical, nomeadamente para Vitorino. Encontrámo-lo a acabar um trabalho de orquestração sobre reportório de Zeca Afonso para uma série de concertos de Janita Salomé e Vitorino. “Uma empreitada!”, assegura. De futuro, o pianista Filipe Raposo, 33 anos, pretende expandir o seu mercado internacionalmente e fazer circular o substancial trabalho ‘First Falls’ em festivais de jazz internacionais, porque as “geografias de influência” de Filipe “são as do mundo das águas que, subindo de terrenos diversos, já viajam numa mesma nuvem, na consequência dos encontros do acaso, da vontade e da razão de ser”. O compositor acredita “em certas chuvas que só acontecem porque existe o desafio dos desertos”. www.myspace.com/filiperaposo