(Sem) Notícias do Front Ocidental

Transcrição

(Sem) Notícias do Front Ocidental
Revista do
Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográf ico
Pernambucano
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 1
12/05/2016 09:50:50
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano - IAHGP
Número 68. Recife, 2015. ISSN 0103-1945.
CAPA: Cônego Lino do Monte Carmelo Luna (1821-1874). Oléo sobre
doação de José Antônio do Monte. Foto George Félix Cabral de Souza
tela,
Editores
Bruno Romero Ferreira Miranda (UFRPE/IAHGP)
Dirceu Salviano Marques Marroquim (IAHGP)
Assistente de edição
Larissa Rodrigues
de
Menezes (DPPC/UFPE)
Conselho Editorial
Antônio Jorge de Siqueira (UFPE/IAHGP)
Bruno Augusto Dornelas Câmara (UPE/IAHGP)
Ernst van den Boogaart (IAHGP – Países Baixos)
José Luiz Mota Menezes (UFPE/IAHGP)
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho (UFPE/IAHGP)
Onésimo Jerônimo Santos (IAHGP)
Yony de Sá Barreto Sampaio (UFPE/IAHGP)
Conselho Consultivo
Acácio Catarino (UFPB)
Ana Lúcia do Nascimento Oliveira (UFRPE)
Antônio Paulo Rezende (UFPE)
Carla Mary da Silva Oliveira (UFPB)
Daniel de Souza Leão Vieira (UFPE)
Giselda Brito Silva (UFRPE)
José Manuel Santos Pérez (Universidade de Salamanca – Espanha)
Maria Ângela de Faria Grillo (UFRPE)
Mariana de Campos Françozo (Universidade de Leiden – Países Baixos)
Rômulo Luiz Xavier do Nascimento (UFPE/IAHGP)
Scott Joseph Allen (UFPE)
Severino Vicente da Silva (UFPE)
Suely Creusa Cordeiro de Almeida (UFRPE)
Wellington Barbosa da Silva (UFRPE)
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP
Fundado em 1862
 Rua do Hospício, 130, Boa Vista, Recife-PE, Brasil. CEP 50.080-060
 55 81 3222-4952
@ [email protected]
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 2
12/05/2016 09:50:50
DIRETORIA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
PERNAMBUCANO – IAHGP PARA O TRIÊNIO 2014-2017
Presidente: José Luiz Mota Menezes
1º Vice-Presidente: Isnard Penha Brasil Júnior
2º Vice-Presidente: Ramires Cotias Teixeira
3º Vice-Presidente: Gilda Maria Whitaker Verri
1º Secretário: Reinaldo José Carneiro Leão
2º Secretário: Rafael Henrique Pimentel de Paula
1º Tesoureiro: Silvio Tavares de Amorim
2º Tesoureiro: Francisco Bonato Pereira da Silva
Diretoria de patrimônio: Reinaldo José Carneiro Leão
Comissão de Admissão de Associados:
Antônio Corrêa de Oliveira (in memoriam)
Maria Cristina Cavalcanti Albuquerque
Ramires Cotias Teixeira
Comissão de História e Geografia:
Carlos Bezerra Cavalcanti
Gilvan de Almeida Maciel (in memoriam)
Maria José Borges Lins e Silva
Comissão de Arqueologia e Etnografia:
Fernando Guerra de Souza
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho
Roberto Mauro Cortez Motta
Comissão de Genealogia e Heráldica:
Reinaldo José Carneiro Leão
Tácito Luiz Cordeiro Galvão
Yony de Sá Barreto Sampaio
Comissão de Divulgação e Informática:
Bruno Augusto Dornelas Câmara
Bruno Romero Ferreira Miranda
Jacques Alberto Ribemboim
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 3
12/05/2016 09:50:50
Conselho Fiscal:
Paulo Frederico Lobo Maranhão
Roque de Brito Alves
Tácito Augusto de Medeiros
Suplentes:
Geraldo José Marques Pereira (in memoriam)
Luiz Jorge Lira Neto
Yony de Sá Barreto Sampaio
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 4
12/05/2016 09:50:50
Revista do
Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográf ico
Pernambucano
Número 68
Recife, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 5
12/05/2016 09:50:50
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 6
12/05/2016 09:50:50
Sumário
Nota
dos
Editores. ............................................................................... 09
ARTIGOS
(sem) Notícias
do front ocidental: o
Brasil Neerlandês,
o mundo atlântico e os jornais impressos dos países baixos
Michiel van Groesen............................................................................... 13
Formação territorial do nordeste – muitos mitos e poucos estudos
Yony de Sá Barreto Sampaio............................................................... 49
O escravismo e o sertão de Pernambuco
Caetano De Carli................................................................................... 77
A
desordem como missão: urbanidade e poder no brasil
entre os séculos xvi e xviii
Paulo Souto Maior...........................................................................123
Da
estatística ao texto: entre o turismo
e a literatura de viagem (recife,
1939-1944)
Dirceu Salviano Marques Marroquim.................................................... 159
Nordeste
e ilhas do caribe: uma ligação possível durante
a presença holandesa no
Brasil
em observações pontuais
Rômulo Luiz Xavier do Nascimento. ....................................................183
A
zona da mata sul de
Pernambuco
e o mundo do trabalho
nos engenhos nos anos finais da escravidão e na abolição
Maria Emília Vasconcelos dos Santos..................................................207
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 7
12/05/2016 09:50:50
Arqueologia de uma fortificação: o Forte Orange
e a Fortaleza de Santa cruz, em Itamaracá, Pernambuco
Stela Gláucia Alves Barthel. .............................................................241
DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL
O Inventário Post-Mortem de Gaspar Carneiro,
senhor do engenho Tibiri de Baixo (1624)
Fábio Arruda de Lima
Reinaldo Carneiro Leão.....................................................................263
PALAVRA DO SÓCIO
Algumas literalidades artísticas na formação da cidade barroca
Fernando Guerra de Souza................................................................... 307
ENSAIO
O Recife - diretrizes para uma organização urbana da cidade
José Luiz Mota Menezes.....................................................................319
RESENHA
A Recife
de Josué: resenha do livro “a cidade do
Recife:
ensaio de geografia urbana”
Mariana Zerbone Alves de Albuquerque. ............................................... 351
Política
editorial e normas gerais para a apresentação de textos......... 357
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 8
12/05/2016 09:50:50
NOTA DOS EDITORES
Um dos principais compromissos do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP, desde as suas origens, é
levar a cabo esforços para a divulgação das pesquisas sobre a história
e a cultura de Pernambuco. Esse objetivo continua guiando todas
as ações realizadas por este mais que sesquicentenário sodalício. A
Revista que o leitor tem em mãos nasceu com o Arqueológico no
século XIX. Seu primeiro número viu a luz em 1863. Desde então,
colaboradores e editores trabalharam para manter vivo o periódico
que é um marco incontornável da produção historiográfica brasileira.
Períodos de grandes dificuldades resultaram em longas pausas na
publicação da Revista, mas, ela jamais deixou de circular, sendo por
isso, um dos mais antigos periódicos de história em funcionamento
no mundo. É com muita alegria que chegamos ao ano 152 de existência do Arqueológico e que podemos anunciar a publicação de mais
um número da Revista.
Este é o sétimo número consecutivo publicado desde a retomada da
periodicidade em 2009. Esta conquista não seria possível sem a colaboração dos associados do IAHGP e de pesquisadores de diversas instituições que gentilmente submeteram seus trabalhos aos pareceristas
do nosso periódico. Desde já, registramos nossos mais sinceros agradecimentos. A circulação de um periódico não-comercial como é o nosso
depende, obviamente, de apoio material. Esta nova fase da Revista do
IAHGP jamais ocorreria não fosse o apoio incondicional e constante
da Companhia Editora de Pernambuco - CEPE. Devemos um pleito
de gratidão aos quadros dirigentes da CEPE que nunca hesitaram em
fazer valer o dispositivo constitucional estadual que delega à imprensa
oficial de Pernambuco o dever de produzir a Revista do IAHGP. Agradecemos ainda aos quadros técnicos que realizam de forma primorosa
a confecção deste periódico.
Este número mais uma vez combina as colaborações de pesquisadores de diversas instituições e com perfis de atuação bastante
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 9
12/05/2016 09:50:50
variados. O período holandês, tema rotineiro na RIAHGP, se faz presente mais uma vez em dois artigos. O primeiro deles é de autoria
do pesquisador e professor da Universidade de Leiden, Países Baixos,
Michiel van Groesen. Ele nos oferece um fascinante texto sobre a
circulação e a construção de notícias no Mundo Atlântico em duas
gazetas dos Países Baixos. Especificamente, o autor vai mostrar as
estratégias editoriais adotadas para a disseminação de informes sobre
as idas e vindas da guerra entre neerlandeses, portugueses e espanhóis no Brasil e no Caribe. O outro artigo é uma contribuição do
professor na Universidade Federal de Pernambuco, Rômulo Luiz Xavier do Nascimento. Em “Nordeste e ilhas do Caribe”, ele nos mostra
que a ocupação do Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais não
foi apenas um capítulo da história local. O autor buscou conectar a
história do “Brasil holandês” à história do Atlântico Sul, vinculando o
Nordeste do Brasil ao Caribe.
O leitor também vai encontrar conexões entre esses textos e aqueles feitos por José Luiz Mota Menezes e Stela Barthel. Menezes, que
nos brinda com um ensaio no qual discute a forma de assentamento
urbano das cidades de Olinda e do Recife e estabelece as linhas fundamentais do circular – da gente e dos veículos das duas localidades.
Ele propõe ainda as diretrizes necessárias para uma organização urbana da cidade. Por sua vez, Barthel oferece um estudo de caso na
área de Arqueologia Histórica sobre o forte Orange, construído pelos
neerlandeses na Ilha de Itamaracá em 1631.
Do litoral segue-se para o sertão com os artigos de Yony Sampaio e
Caetano De Carli. O primeiro vai fazer uma análise da formação territorial a partir da concessão original de sesmarias para as famílias Vieira
de Mello e da Casa da Torre, em Pernambuco, bem como discute a
formação territorial da Barbalha, no Ceará. De Carli fará, por sua vez,
um debate sobre o escravismo no Sertão de Pernambuco nos oitocentos, tema negligenciado pela historiografia. Ainda sobre o escravismo,
temos o texto de Maria Emília Vasconcelos dos Santos, que nos leva
para a Zona da Mata Sul Pernambucana, nos estertores do século XIX.
A autora busca fazer um panorama social e econômico para expor as
mudanças na organização do cotidiano laboral nos engenhos.
Dentro da discussão sobre o mundo colonial, Paulo Souto Maior
colabora com uma análise, num cenário de fragmentações espaciais
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 10
12/05/2016 09:50:50
e ações dos poderes locais, sobre o caráter da ocupação urbana
portuguesa. Especificamente, Souto Maior fez o estudo de caso de
três cidades: Olinda, Salvador e São Sebastião.
Já Dirceu Salviano Marques Marroquim, se propõe a demonstrar
como a estatística foi utilizada, das décadas de 1930 e 1940, como
ferramenta argumentativa para a construção de uma ideia de cidade turística. O autor percorreu os escritos lançados pela Diretoria
de Estatística Propaganda e Turismo (DEPT), propagandas e outros
textos para mostrar a constituição da cidade do Recife como centro
turístico. Ainda sobre a cidade do Recife, temos a contribuição de
Mariana Zerbone Alves de Albuquerque, com a resenha do clássico,
recém editado pela Editora Massangana, de Josué de Castro, “A cidade do Recife: Ensaio de Geografia Urbana”. Por fim, os associados
do IAHGP Fernando Guerra, Fábio Arruda de Lima e Reinaldo Carneiro Leão trazem importantes contribuições para este periódico.
Guerra faz uma reflexão sobre a cidade barroca e Lima e Carneiro
Leão trazem a transcrição e análise do raro inventário post-mortem
de Gaspar Carneiro, senhor do engenho na Paraíba entre fins do
século XVI e início do século XVII.
Desejamos que os textos aqui apresentados possam suscitar novas pesquisas e novas perguntas sobre a história de Pernambuco.
Recife, dezembro de 2015.
Os editores.
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 11
12/05/2016 09:50:50
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 12
12/05/2016 09:50:50
(SEM) NOTÍCIAS DO FRONT
OCIDENTAL: O BRASIL
NEERLANDÊS, O MUNDO
ATLÂNTICO E OS JORNAIS
IMPRESSOS DOS PAÍSES BAIXOS1
Michiel van Groesen2
Resumo: As notícias do mundo atlântico constituíam um ingrediente chave da imprensa escrita na Europa da idade moderna. Este artigo investiga o
ritmo dos relatos sobre o Atlântico em duas gazetas dos Países Baixos, um
produzido em Amsterdã, outro na Antuérpia. Estuda a produção periódica,
disseminação e recepção de notícias vindas do “Front Ocidental” no ano
de 1630, quando tanto a Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais,
como a monarquia dos Habsburgo experimentaram uma combinação de
vitórias e desapontamentos. Parcialidades e concepções distintas de credibilidade determinaram como os eventos foram cobertos em lados opostos
da fronteira. Através da análise cuidadosa dos dois jornais e da avaliação
de seus boletins por um bem informado leitor, este artigo defende que
uma cultura de expectativa moldou a circulação de notícias vindas do Brasil e do Caribe. Isso explica porque a imprensa dos Países Baixos produzia
1
Nota do tradutor: Uma versão deste artigo foi publicada no Sixteenth Century
Journal (XLIV/3, 2013, pp. 739-760), com o título: (No) News from the Western
Front: The Weekly Press of the Low Countries and the Making of Atlantic News
[(Sem) Notícias do front ocidental: A imprensa Semanal dos Países Baixos e
a construção de notícias do Atlântico]. A pedido do autor e por causa de reformulações, o título foi refeito. Traduzido por Ana Margarida Santos Pereira
e Bruno Romero Ferreira Miranda para a Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano. Artigo recebido e aprovado para publicação em julho de 2014.
PhD em História pela Universidade de Amsterdã (2007) e Professor de História
Marítima da Faculdade de Humanidades da Universidade de Leiden, Países Baixos. Organizador do livro The Legacy of Dutch Brazil (2014) e autor do livro
The Representations of the Overseas World in the De Bry Collection of Voyages,
1590-1634 (2008).
2
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 13
12/05/2016 09:50:50
14
Michiel van Groesen
boletins regulares, mesmo quando não existiam notícias, e que poucas
histórias fossem objeto de cobertura tão extensiva como aquelas sobre o
Mundo Atlântico.
Palavras-Chave: Mundo Atlântico. Brazil-Neerlandês. Jornais.
(No) News from the Western Front: The Weekly Press of the Low Countries
and the Making of Atlantic News
Abstract: News from the Atlantic world was a key ingredient in early printed European newspapers. This article investigates the rhythm of Atlantic
reporting in two weekly corantos from the Low Countries, one produced in
Amsterdam, the other in Antwerp. It studies the serial production, dissemination, and reception of news from the “Western front” in the year 1630,
when both the Dutch West India Company and the Habsburg monarchy experienced a blend of victories and disappointments. Partiality and different
conceptions of credibility determined how events were covered on opposite
sides of the border. Through careful analysis of two newspapers, and the
assessment of their Atlantic bulletins by a well-informed reader, this article
will argue that a culture of anticipation shaped the circulation of news from
Brazil and the Caribbean. This explains why the press in the Netherlands
produced regular bulletins even when there was no news, and why few stories were covered so extensively as those from the Atlantic world.
Keywords: Atlantic World. Dutch-Brazil. Newspapers.
Introdução
Em 5 de janeiro de 1630, um sábado, o editor amsterdamês
Jan van Hilten lançou o primeiro número de seu jornal do ano.
O Courante uyt Italien ende Duytschlandt (“Gazeta da Itália e
Alemanha”), uma simples folha de papel com ambas as páginas
densamente preenchidas, era publicado a cada sábado. Costumeiramente, o folhetim divulgava rumores e notícias de todos
os campos de batalha na Europa e no mundo atlântico, onde
a Companhia das Índias Ocidentais tinha aberto um segundo
front na guerra contra a Espanha dos Habsburgo. Courante
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 14
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
15
número 1, o primeiro número do novo ano, continha três breves notícias sobre o espaço atlântico. Primeiramente, Van Hilten
relatava como duas esquadras neerlandesas haviam disparado
contra a fortificação espanhola de Havana. Em seguida, narrava
que Don Fadrique de Toledo, capitão-general da frota real das
Índias, havia enviado 12 vasos de guerra para as Ilhas Virgens,
de maneira a limpar a área da presença neerlandesa. No número seguinte, prometia Van Hilten aos seus leitores, seriam
dados mais detalhes a respeito do episódio. O terceiro informe
era a respeito de um barco da Companhia das Índias Ocidentais
que tinha ancorado na Inglaterra com um enorme butim obtido
no Brasil, incluindo-se entre o espólio 400 caixas de açúcar.
Na viagem de retorno, a embarcação encontrou-se com a frota
neerlandesa que foi às Ilhas Canárias. Apesar de ter se dispersado por conta de uma tempestade, a frota iria se reagrupar próximo a Cabo Verde e, como planejado, continuar sua missão.3
Nenhuma destas estórias poderia ser classificada como “notícia de última hora”, mas Van Hilten deve ter ficado satisfeito
por dispor de informações sobre o espaço atlântico para poder publicar. Durante o Século de Ouro, o mercado de notícias
nas Províncias Unidas era extremamente competitivo: jornais
semanais surgiram em várias cidades e Amsterdã possuía dois
periódicos havia mais de dez anos. A outra gazeta local local, Tijdingen uyt verscheyden Quartieren (“Notícias de diversos lugares”), publicada pelo maior rival de Van Hilten, Broer
Jansz, não apresentava qualquer informação sobre a área do
Atlântico na primeira semana de 1630, o que tornava as notícias de Van Hilten infinitamente mais valiosas.4 Mas vencer a
concorrência era apenas parte do desafio semanal de Van Hilten. Seus leitores eram bem informados a respeito de questões
marítimas e não seriam facilmente enganados com notícias
deturpadas. Os marujos espalhavam todo o tipo de rumores
3
Jan van Hilten, Courante uyt Italien ende Duytschlandt &c., no. 1 (Amsterdã, 5 de
janeiro de 1630).
Broer Jansz, Tijdingen uyt verscheyden Quartieren, no. 1 (Amsterdã, 5 de janeiro
de 1630).
4
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 15
12/05/2016 09:50:50
16
Michiel van Groesen
na área portuária da cidade e a elite governante era incapaz
de impedir o vazamento de informações sensíveis. Nessa atmosfera de grande abertura, estórias de jornais podiam ser
contraditas e postas em dúvida poucas horas após serem publicadas. Informações contraditórias podiam chegar até mesmo do exterior, a exemplo dos Países Baixos do Sul, onde
outro jornal, o Wekelijcke Tijdinghe (“Notícias Semanais”), foi
lançado na Antuérpia pelo editor Abraham Verhoeven. Esta
gazeta, de meia folha de papel dobrada de maneira a compor
um panfleto de quatro páginas, noticiava os mesmos eventos
a partir da perspectiva espanhola. Previsivelmente, as notícias
veiculadas em lados opostos da fronteira cobriam a guerra no
Atlântico de maneira muito diversa.
Nos outros 51 panfletos que seriam publicados naquele ano,
Jan van Hilten monitorou atentamente a evolução dos acontecimentos no mundo atlântico. Quase toda a semana, ele fornecia
informação fresca, um feito extraordinário considerando-se a
chegada irregular de notícias do front ocidental. Graças a uma
incomum boa sorte, todos os 52 números do ano de 1630 sobreviveram ao tempo e estão preservados juntos na Biblioteca
Real, na Haia.5 Ainda mais surpreendentemente, a Biblioteca
Real de Bruxelas possui uma série completa do ano de 1630 do
jornal produzido por Abraham Verhoeven, “Notícias Semanais”.6
Verhoeven costumava imprimir um número novo tão logo tivesse material suficiente para preencher quatro páginas, mas em
1629 adotou também um ritmo semanal. Como ele imprimia
5
Koninklijk Bibliotheek, Den Haag, 341 A1. O anônimo proprietário escreveu na
página inicial a seguinte informação: “Nieuws Tijdingen gedrukt te Amsterdam
voor Jan van Hilten in de Beursstraat en bij Jan Frederik Stam in de Drukkerij van
Vezelaer aan of bij de Zuijderkerk in de Hoope Van Jan 1630-28 Dec 1630”. (N.
T.: Novas Notícias impressas em Amsterdã por Jan van Hilten na Rua da Bolsa e
por Jan Frederik Stam na editora Vezelaer próxima à Igreja do Sul, na Esperança.
De 5 de janeiro de 1630 a 28 de dezembro de 1630).
6
Apenas cinco números de 1630 remanesceram. Quatro deles estão na Biblioteca
Real da Haia, C 1103 (no. 1, 5 de janeiro; no. 21, 25 de maio; no. 24, 14 de junho;
no. 34, 24 de agosto), e um na Biblioteca Universitária de Ghent (no. 14, 6 de
abril). Agradeço a Rik Declercq (Ghent) por me enviar uma cópia escaneada desse número. Cinco de 52 representa uma taxa típica para os jornais remanescentes
do início do século XVII.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 16
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
17
vários números no mesmo dia, há nada menos que 122 impressos do jornal da Antuérpia para o ano de 1630. Novas gazetas
surgiram em 54 dias diferentes do ano, usualmente na sextafeira, e o “Notícias Semanais” teve, portanto, uma periodicidade
comparável aos jornais de Amsterdã.7
Baseado nestas duas coleções de gazetas, complementadas
por alguns dos poucos números remanescentes do “Notícias de
diversos lugares”, de Broer Jansz, este artigo irá tratar da produção em série, disseminação e recepção de notícias do Atlântico
nos Países Baixos no crucial ano de 1630, quando as Províncias
Unidas e a Coroa espanhola experimentavam uma mistura de
vitórias e desapontamentos.8 A Companhia das Índias Ocidentais conquistou Olinda e Recife no Nordeste do Brasil; Madri
celebrou a chegada segura, pela primeira vez em quase três
anos, de um carregamento completo de prata proveniente da
América, um grande alívio depois da captura da frota da prata da Nova Espanha feita por Piet Heyn na Baía de Matanzas.
Constituindo um estudo de caso de como as notícias boas e
ruins do front ocidental circulavam nos Países Baixos, este artigo compara duas maneiras contrastantes de cobrir os mesmos
eventos ocorridos no mundo atlântico. Traça duas estratégias
diferentes para obter e apresentar informação, discute duas maneiras distintas de encarar a credibilidade e a parcialidade, e levanta a questão de como cada jornal articulava a irregularidade
do fluxo informativo com o prazo de impressão semanal, além
de questionar que tipo de retórica cada impressor usava para
alcançar seus respectivos leitores, quais assuntos eles enfatizavam ou censuravam e como leitores bem informados podiam
avaliar seus boletins semanais. Finalmente, num sentido mais
amplo, perguntarei o que tudo isso nos conta a respeito dos
7
Bibliothèque Royale de Belgique, Brussels, III 33.519 A. Esta é uma coleção contemporânea de “Notícias Semanais” que contém todos os 122 números de 1630.
Foi provavelmente reunida por jesuítas da Antuérpia, o que pode se inferir com
base nas marcas de proveniência na página de abertura do volume. Para datas
precisas da publicação de 1630, cf.: BRABANT (2009: 407-14).
8
GOSLINGA (1971: 218), diz que 1630 foi “um ano excepcional na história do
Caribe”, uma assertiva ecoada por Carla Rahn Phillips (1986: 188).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 17
12/05/2016 09:50:50
18
Michiel van Groesen
mecanismos de notícias seriais provenientes do mundo atlântico no início da modernidade.
A historiografia sobre a circulação de notícias e a opnião pública no Antigo Regime cresceu muito nas últimas duas décadas
e deverá ser o tema de muito mais pesquisas a realizar num futuro próximo. Os jornais, o funcionamento de suas comunicações
regulares e o interesse do público em notícias seriais receberam
atenção considerável, particularmente a respeito da Inglaterra
do século XVII no trabalho de Joad Raymond (2005; 2006).9
Raymond e outros demonstraram o vício em notícias dos leitores do início da idade moderna e revelaram o quão rápido os
periódicos evoluíram, tornando-se nos meios de comunicação
de mais larga circulação e mais amplamente lidos na primeira metade do século XVII. Todavia, estes estudos tiveram por
foco uma única cultura de noticiar, claramente delimitada por
fronteiras linguísticas e políticas. Comparações com periódicos
estrangeiros foram inseridas sobretudo para enfatizar a prática
diária dos jornalistas de traduzir e copiar boletins estrangeiros,
mas, de maneira geral, não se investigou a produção, disseminação e recepção das notícias em perspectiva comparada.
Uma excelente coleção recente de ensaios a respeito da disseminação de notícias no início da idade moderna na Europa
teve seu olhar direcionado para este aspecto: Bredan Dooley
reuniu um time de especialistas de várias culturas jornalísticas
para adicionar uma dimensão internacional ao estudo sobre circulação de informação política. Os autores direcionaram-se ao
conceito de contemporaneidade, um termo referente à percepção, compartilhada por um número de seres humanos, de viver
eventos políticos mais ou menos ao mesmo tempo. Argumentase no livro que os novos métodos de comunicação dos séculos XVI e XVII, incluindo jornais impressos de forma regular,
ajudaram a forjar um senso de contemporaneidade. Juntos, os
ensaios que o compõem oferecem uma visão geral a respeito
de como as notícias eram transmitidas de fonte a fonte e de país
a país. Em sua introdução, Dooley explica que para desvendar
9
Cf. também: BROWNLEES (1999); FOX (1997: 597-620); SOMMERVILLE (1996).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 18
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
19
os caminhos pelos quais as estórias percorriam a Europa do
início da idade moderna, se faz necessária uma abordagem de
pesquisa centrada na comparação entre diferentes boletins de
notícias. Ele aponta também a transmissão e a recepção de
notícias através das fronteiras como um caminho óbvio para a
pesquisa (DOOLEY, 2010: 2).
Este artigo se propõe dar outro passo na mesma direção ao
comparar duas maneiras de apresentar, difundir e consumir notícias do mundo atlântico, um assunto até agora pouco estudado, a despeito de sua ampla cobertura nos jornais europeus do
século XVII. Uma notável exceção é o artigo de Nicole Greenspan a respeito da importância das notícias no avanço da expansão inglesa no Caribe durante o governo de Oliver Cromwell.
Greenspan conclui que as notícias, ou a ausência delas, desempenharam um papel tão relevante no desenrolar do “projeto ocidental” como os comandantes, soldados, marinheiros e
oficiais governamentais envolvidos em seu planejamento, direção e execução. Ela demonstra como informações incompletas
e pouco confiáveis sobre o mundo atlântico promoviam uma
atmosfera de instabilidade política, econômica e diplomática.
Greenspan também mostra, o que é talvez mais pertinente no
contexto do presente artigo, como os meios de comunicação
da Inglaterra estavam longe de guardar o silêncio e que rumores e especulações corriam soltos meses antes da chegada de
informações comprovadas (GREENSPAN, 2010: 1-26).10
Qualquer notícia, como David Randall nos lembrou recentemente, deve levar em conta sua natureza essencialmente incerta, mas em nenhum outro contexto geográfico essa incerteza
foi mais evidente do que no mundo atlântico (RANDALL, 2010:
5). Fernand Braudel afirmou que a distância foi o inimigo principal da sociedade europeia do início da idade moderna: resultava em todo tipo de atraso e seria apenas no fim do século
XVIII que a situação melhoraria significativamente (BRAUDEL,
Para o século XVI e o papel dos informes escritos à mão na disseminação de
notícias sobre o mundo atlântico, cf. também: PIEPER (2000).
10
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 19
12/05/2016 09:50:50
20
Michiel van Groesen
1972: 358-69).11 A distância geográfica entre o Novo e o Velho
Mundo e, consequentemente, o espaço de semanas ou mesmo
meses entre a ocorrência dos eventos e o momento em que
eles eram noticiados com fiabilidade na Europa ampliavam a
incerteza. O lapso de tempo entre os eventos e seu informe e
a tensão entre o acesso irregular e infrequente à informação
e a rigidez do prazo de publicação semanal num período no
qual as notícias marítimas tinham elevada demanda resultaram
numa forma excepcional de comunicação. Não era incomum
que uma frota partisse da Europa para o Caribe e não retornasse antes de 18 meses, forçando os ávidos leitores a longos
períodos de espera, marcados por uma expectativa e ansiedade crescentes, ao mesmo tempo que os jornalistas se viam
em grandes dificuldades para acompanhar à distância desenvolvimentos que poderiam alterar o equilíbrio de poderes na
própria Europa. No entanto, a despeito dos obstáculos criados
ou potencializados pela distância geográfica, os leitores disseminados pelos Países Baixos permaneceram ávidos consumidores das novas do front ocidental.
Montando
o cenário: duas perspectivas
contrastantes
Para investigar a divulgação de ocorrências do mundo atlântico nos Países Baixos ao longo do ano de 1630, será útil tratar
brevemente do cenário político no hemisfério ocidental. A conquista de Salvador em 1624, a capital do Brasil português, abalou
o monopólio territorial dos Habsburgo na América do Sul. A
rápida campanha luso-espanhola de reconquista da Bahia forçou
os neerlandeses a regressar à pirataria e à guerra de corso, mas
o sucesso de Piet Heyn na Baía de Matanzas possibilitou que
a Companhia das Índias Ocidentais levasse adiante seu plano
11
Especificamente no trecho “Distance, the First Enemy,” no qual ele dedica subparágrafos tanto à dimensão do mar, como à velocidade das comunicações. Para o
efeito que a distância podia ter na natureza das notícias, ver o importante artigo
de Will Slauter (2009: 759-92).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 20
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
21
original de estabelecer uma cabeça de ponte na América dos
Habsburgo. No verão de 1629, o almirante Hendrick Lonck embarcou para Cabo Verde, onde a ele se reuniu, em dezembro,
com o coronel Diederick van Waerdenburgh. Embora o destino
da frota fosse oficialmente mantido em segredo, era do conhecimento público ser a costa brasileira vulnerável a ataques. Os
galeões espanhóis na área estavam ocupados com outra expedição neerlandesa sob o comando do almirante Adriaen Pater, que
invernou no Caribe em um esforço para capturar a frota da prata
seguinte. Após saquear e pilhar ilhas precariamente defendidas,
Pater preparava-se para infligir mais danos nos meses que se
aproximavam. Foi em uma atmosfera de otimismo desenfreado
que os neerlandeses receberam a chegada do novo ano.12
Para Felipe IV e o Conde-Duque de Olivares, a perda da frota
da Nova Espanha seria um fracasso retumbante com implicações
imediatas, uma vez que a satisfação de suas obrigações militares nos Países Baixos, no Norte da Itália, no Caribe e, em geral,
no império apenas poderia fazer-se com injeções recorrentes de
prata americana. O medo perante a possibilidade de um amplo
ataque às colônias causou pânico na Espanha. Felipe IV autorizou sua tia Isabel Clara Eugénia, governadora dos Países Baixos,
a negociar uma trégua que criasse restrições à Companhia das
Índias Ocidentais, mas após um aceso debate interno, os neerlandeses se negaram a sacrificar seu bom momento. Ao mesmo
tempo, problemas financeiros na Espanha atrasaram em muitos
meses o envio de uma nova frota para as Índias e quando Don
Fadrique de Toledo finalmente zarpou em agosto de 1629, estava
claro que não retornaria antes do inverno. O ano de 1630 seria
um verdadeiro teste à resiliência geopolítica da Espanha.13
12
Para detalhes sobre as expedições neerlandesas, cf.: GOSLINGA (206-17). Para
o frágil sistema defensivo do Brasil, cf.: DUTRA (1973: 117-66). O relato mais
detalhado do prólogo da captura de Pernambuco pelos neerlandeses continua
a ser: EDMUNDSON (1899: 676-99). Para um texto mais recente, cf.: GROESEN
(2011: 167-93).
Para a inquietação marítima espanhola de fins da década de 1620, cf.: PHILLIPS
(1986: 7-8, 90-118, 183-84). Para as negociações de trégua nos Países Baixos, que
continuaram na década de 1630, cf.: ISRAEL (1982: 223-49).
13
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 21
12/05/2016 09:50:50
22
Michiel van Groesen
Atendendo à disparidade dos pontos de partida, a expectativa em relação às notícias provenientes do espaço atlântico nas
Províncias Unidas era elevada, sendo que os jornais constituíam
a fonte de informações mais comum e regular. Tanto Broer Jansz
(1579-1652), como Jan van Hilten (ca. 1602-1655), vinham publicando jornais desde pelo menos 1618. Ambos produziam novos números de suas gazetas a cada sábado com a permissão
do conselho da cidade de Amsterdã, um privilégio que protegia
os editores de edições piratas e de competidores locais, dando, ainda, às autoridades um certo controle sobre a publicação.
Invariavelmente, os jornais abriam com uma seção de boletins
estrangeiros, em que a notícia mais antiga aparecia em primeiro
lugar e os informes eram precedidos das datas e locais das publicações. Esta seção era seguida por notícias produzidas com base
em informações fornecidas à gazeta por suas próprias fontes.
No geral, Van Hilten dava mais espaço para estórias exclusivas,
enquanto que Jansz privilegiava as notícias relacionadas com a
Europa, abrangendo uma área mais ampla.14 Seus primeiros boletins sobre o Brasil, de 1624, patenteiam algumas das dificuldades inerentes à produção de informação sobre o mundo atlântico, já que as notícias continham, por exemplo, erros geográficos
flagrantes. No entanto, os mesmos informes também apontam
para a independência dos periódicos em relação às autoridades.
Por duas vezes, no espaço de uma semana, Van Hilten publicou
notícias sobre a fraqueza das lideranças e o mau comportamento
de soldados neerlandeses que a Companhia das Índias Ocidentais teria querido encobrir (GROESEN, 2010: 29-36).
Abraham Verhoeven (1575-1652), na Antuérpia, não desfrutava da mesma liberdade editorial. Ao solicitar uma licença de
publicação aos arquiduques em Bruxelas, Verhoeven enfatizou
a utilidade propagandística de seu jornal, o Nieuwe Tijdinghen
(Novas Notícias), que era publicado duas ou três vezes por
semana. Quando lemos seus ocasionais boletins atlânticos, fica
14
O ponto de partida para a pesquisa sobre os jornais neerlandeses, em sua fase
inicial, é DAHL (1946), com biografias de Van Hilten (33-35) e Jansz (55056). Cf.
também: LANKHORST (2001: 151-59); COUVÉE (1962: 22-36).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 22
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
23
claro o que ele quis dizer. A conquista neerlandesa da Bahia,
segundo Verhoeven, se resumira a pouco mais que o saque de
um pequeno número de igrejas e quatro anos depois ele foi
igualmente ambíguo a respeito do que ocorrera em Matanzas.
Em 1629, o conselho do Brabante ordenou a ele que parasse de
produzir “notícias incorretas e sem se deslocar previamente aos
lugares, como deveria”. Mais tarde naquele ano, ele relançou
sua gazeta sob um título diferente, Wekelijcke Tijdinghe (Notícias Semanais). Verhoeven não fazia distinção clara entre as
notícias domésticas e do estrangeiro, referindo-se à Antuérpia
como um dos muitos lugares onde colhia informações. Assim,
era virtualmente impossível para os leitores descobrirem quais
notícias tinham sido copiadas e quais eram verdadeiramente
novas (ARBLASTER, 2001: 185).15
Sem
notícias: construindo algo a partir do nada
As notícias a respeito do mundo atlântico recebiam mais
atenção em Amsterdã do que na Antuérpia. Em 1630, Van Hilten incluiu atualizações em 49 números semanais, enquanto
que Verhoeven só o fez em 19 ocasiões. Mas ambos os jornais
dependiam da chegada usualmente imprevisível e, em todo
caso, infrequente de navios para a obtenção de notícias relevantes. Ademais, o ritmo das notícias provenientes das Índias
Ocidentais era, em grande medida, condicionado pela temporada de furacões, que durava três meses, do início de agosto
ao fim de outubro.16 As grandes expedições só poderiam ter
lugar após essa data, mas o início do inverno europeu ditava,
por vezes, novos atrasos. Depois que a frota atravessasse o
oceano, notícias de suas façanhas levariam em média de sete a
nove semanas para chegar aos Países Baixos. Tudo isto signifi Para uma extensa bibliografia a respeito das gazetas de Verhoeven, cf.: BRABANT
(1998: 1-22). Amsterdã efetivamente suplantou a Antuérpia como principal eixo
de informação do Norte da Europa; cf.: MCCUSKER (2005: 295-321).
15
Para uma análise recente do que ele chama de “a ecologia subjacente do Mundo
Atlântico”, cf.: BEHRENDT (2009:, 44-85, esp. 48).
16
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 23
12/05/2016 09:50:50
24
Michiel van Groesen
ca que, usualmente, as manchetes relativas ao espaço atlântico
não podiam ser esperadas antes de março ou, mesmo, abril. Então, a promessa feita por Van Hilten a seus leitores no número
inaugural de 1630, de dar seguimento aos seus informes na semana seguinte, sinalizava muito mais uma estratégia comercial
do que uma crença genuína de que notícias iriam chegar. No
Courante número 2, acrescentou pouco ou nada e optou por
encobrir essa falta de notícias fabricando, ele próprio, a sua:
Da Antuérpia, 6 de janeiro: há muitos anos que não
acontecia de, num período de 12 meses, nenhum
navio [espanhol] chegar das Índias Ocidentais com
mercadorias ou riquezas, seja para o rei ou para investidores privados. Pelo contrário, a regra era que
chegassem mais de mil navios ricamente carregados.
Todavia, tem-se lá a esperança de que isso ocorrerá
por volta de março.17
Tal texto servia dois propósitos: primeiramente, mantinha-se
o Atlântico no holofote e se estimulava a “expectativa coletiva”,
visto que Van Hilten julgava que os leitores queriam saber das
últimas, mesmo que não existisse nada a contar. Ao produzir
tais lembretes, ele assegurava a sua clientela que estava atento
aos desenvolvimentos no Atlântico, dando a entender que se
notícias sobre a região efetivamente chegassem, eles não precisariam buscá-las em outro jornal. Outros números de janeiro e
fevereiro revelam a mesma estratégia, enfatizando os esforços
rotineiros da Companhia das Índias Ocidentais em prover navios de apoio às duas frotas atlânticas e a chegada de comerciantes de açúcar em Lisboa que, de forma exageradamente
otimista, informavam que Pernambuco estava pronto para resistir a um ataque neerlandês.18 Em segundo lugar, o boletim
era suficientemente vago para não afetar a credibilidade do
Courante. Credibilidade era uma preocupação maior para Van
17
Courante, no. 2 (12 de janeiro).
18
Courante, no. 3 (19 de janeiro) e no. 5 (2 de janeiro).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 24
12/05/2016 09:50:50
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
25
Hilten, particularmente em uma época na qual as chances da
chegada de boas notícias dentro de pouco tempo resultavam
em rumores esperançosos relacionados com o Atlântico. Para
o editor, o desafio consistia em reproduzir eles no jornal sem
arriscar sua reputação de repórter cuidadoso. Van Hilten optou
por descrever meticulosamente os percursos de tais estórias,
adicionando datas e fontes para permitir que seus leitores julgassem, eles mesmos, a credibilidade das estórias. Em março,
quando nenhuma notícia havia chegado de Pernambuco e a
tensão começava a aumentar, a cobertura do Atlântico no Courante tornou-se extremamente conscienciosa:
Da Antuérpia, 3 de março: Desde o meu último [número], duas entregas de correio de Madri chegaram
em Bruxelas; a mais recente foi enviada de lá no dia
11 do último [mês] e não trouxe mais novidades das
Índias Ocidentais do que aquela do começo de fevereiro, sobre a chegada a Lisboa de cerca de 40 navios
vindos do Brasil, incluindo alguns que haviam deixado Pernambuco em 1.° de janeiro e até aquele tempo nada se ouvira ao longo da costa [a respeito] de
navios neerlandeses; então, relativamente às notícias
mencionadas antes, nada se sabe com certeza.19
Van Hilten sacrificou quaisquer ambições estilísticas que
dentro dele talvez persistissem para traçar a origem da informação até o dia de Ano Novo em Pernambuco. As notícias
provenientes do Brasil podiam chegar a Lisboa um mês antes
de chegarem a Amsterdã e, uma vez que nenhum navio havia
adentrado nos portos neerlandeses, Van Hilten tinha pouca
opção exceto descobrir se notícias provenientes da Espanha
haviam alcançado os Países Baixos do Sul (BOXER, 1957: 2324). Cerca de metade de seus boletins sobre o Atlântico teve
origem em notícias colhidas na Antuérpia. Por outro lado,
quando os navios ancoravam em Amsterdã, as comunicações
Courante, no. 10 (9 de março).
19
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 25
12/05/2016 09:50:51
26
Michiel van Groesen
seguiam a direção oposta. Apesar de seu especial foco em
notícias “espanholas”, um terço dos boletins publicados por
Abraham Verhoeven tinha, ainda assim, origem nas Províncias
Unidas. Portanto, as notícias do Atlântico nos Países Baixos,
sendo esporádicas e infrequentes, eram também, usualmente,
filtradas por um inimigo cujos relatórios não seriam necessariamente confiáveis. Confirmar tais informações tornava-se,
deste modo, uma prioridade imediata, já que a credibilidade
da história aumentava quando sua origem era atribuída a fontes múltiplas, potencialmente mais confiáveis. Para o número
seguinte do Courante, em março, Van Hilten obteve na Zelândia a confirmação de que nenhuma notícia do Atlântico havia
até então chegado, com efeito, a Lisboa. Convenientemente,
tal informação lhe deu matéria para mais um boletim.20
Nesta fase, a notícia mais importante sobre o Atlântico foi
a persistente falta delas. Mas enquanto Van Hilten produzia
relatórios em ritmo semanal, o Wekelijcke Tijdinghe (Notícias
Semanais) de Verhoeven emitiu apenas um único boletim entre
janeiro e abril. Ele alegou que suas “notícias” eram provenientes de Osuna, mas o que imprimiu poderia ter tido origem em
qualquer lugar da Espanha e ter sido escrito a qualquer momento durante o primeiro quartel do ano:
Sem dúvida se espera a frota do tesouro21 por volta
de abril, uma vez que de Havana já chegaram cartas
e navios de aviso. Como informado de Cádiz, estão
chegando notícias de que tudo está em absoluta paz
e quietude nas Índias e que 25 barcos neerlandeses,
que circulavam na área em busca de presas, partiram
sem obter qualquer tipo de resultado; se julga que
certamente alguns deles tenham afundado devido a
tempestades e tempo ruim.22
20
Courante, no. 11 (16 de março).
21
Nota dos tradutores: referência às frotas anuais da prata, que deixavam em comboios fortemente armados as colônias espanholas em direção à metrópole.
22
Wekelijcke Tijdinghe, no. 14 (20 de fevereiro).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 26
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
27
Ao invés de escrever que (ainda) não tinham chegado notícias e de apelar para a imaginação do que o futuro poderia
trazer, Verhoeven explicava que a razão de seu silêncio se devia
ao fato de que nada tinha ocorrido. A única história na qual ele
estava interessado, a chegada da prata americana, parecia ter
pouca probabilidade de se concretizar em breve. No entretanto,
os leitores de Wekelijcke Tijdinghe (Notícias Semanais) eram
convidados a meditar sobre “cartas e navios” incertos e “litorais
na área” não identificados de forma clara, sendo que Verhoeven
não recorreu a qualquer elemento convencional para aumentar
sua credibilidade. Contudo, em termos de informação real obtida, seus resultados não foram muito diferentes. Confrontados
com o mesmo oceano de incertezas, ambos periódicos procuravam atrair leitores mantendo um olho nos eventos que poderiam desembocar em vitórias. Potenciais reveses, cuja ocorrência era iminente, não foram antecipados na imprensa periódica:
Verhoeven não se referiu ao Brasil, tal como Van Hilten não fez
qualquer menção à aproximação da frota do tesouro.
NOTÍCIAS FIDEDIGNAS: A PARCIALIDADE
E A QUESTÃO DA CREDIBILIDADE
Na mesma semana em que Verhoeven assegurou a seus leitores que tudo estava em paz e quietude no Caribe, a Companhia
das Índias Ocidentais registrou suas duas principais vitórias do
ano. Adriaen Pater atacou e capturou a estratégica ilha de Santa
Marta, próximo de Cartagena, enquanto que Hendrick Lonck e
Diederick van Waerdenburgh subjugaram Olinda, a capital de
Pernambuco (GOSLINGA, 1971: 214; BOXER, 1957: 37-41). Poucos eventos geravam tanta cobertura jornalística quanto uma vitória no Atlântico. Em 1624, também depois de um longo período de expectativa, Jan van Hilten havia dado o passo inusual de
lançar um Courante Extraordinarij (Gazeta Extraordinária) para
divulgar rapidamente as novas chegadas da Bahia. Desta vez,
as boas notícias chegaram a Amsterdã em tempo para a edição
regular do sábado 27 de abril, na qual toda a segunda página era
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 27
12/05/2016 09:50:51
28
Michiel van Groesen
dedicada ao Brasil.23 O tratamento noticioso de Van Hilten foi
essencialmente factual, relatando cada etapa da invasão de forma
idêntica à versão oficial, que seria divulgada pela Companhia das
Índias Ocidentais vários dias depois. O triunfo motivou celebrações em toda a nação e os Estados Gerais decretaram um dia de
orações em agradecimento, ordenando que os soldados estacionados nas fronteiras disparassem seus canhões para comunicar
a vitória e desmoralizar as tropas inimigas. Detalhes dos eventos
no Brasil devem ter chegado a Antuérpia muito rapidamente,
mas ali Abraham Verhoeven não fez qualquer menção à derrota no seu Wekelijcke Tijdinghe de 26 de abril, nem no de 2 de
maio ou em nenhuma das semanas que se seguiram. Enquanto
Van Hilten reunia avidamente mais informação para apresentar
um quadro detalhado da campanha, Verhoeven relatou de Dordrecht, em maio, que “nada de especial estava acontecendo ali”.
Foi apenas um mês mais tarde que Verhoeven reconheceu a derrota em letra de imprensa e não como um evento digno de nota,
mas como parte de um relato sobre os esforços espanhóis para
rapidamente “recapturar Pernambuco”.24
***
Numa sociedade mais autoritária como a promovida pelos
arquiduques nos Países Baixos do Sul, a credibilidade dependia, ao menos em parte, da exteriorização de um comprometimento com o interesse geral. O conflito religioso, abrangente,
havia crescido de intensidade em fins de 1620 na Alemanha e
no Norte da Itália, o que significa dizer que a oposição entre
protestantes e católicos tinha se tornado mais violenta, aumentando ao ponto de afetar a forma como os eventos eram repor23
Courante, no. 17 (27 de abril). Um fac-símile da edição especial da terça-feira
lançada em agosto de 1624 encontra-se em Dutch corantos, no. 35. Cf. também:
GROESEN (2010: 29-31). O furo das boas novas vindas do Brasil não foi conseguido por Van Hilten ou Jansz, mas pelo livreiro de Amsterdã e periodista
ocasional François Lieshout, cujo Seeckere tijdinghe Vlote... tem a data de 25 de
abril de 1630. Uma cópia desta folha de notícias está depositada na biblioteca da
Universidade de Ghent.
24
Wekelijcke Tijdinghe, no. 44 (24 de maio) e no. 45 (1 de junho).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 28
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
29
tados. Ambos partidos estavam engajados no que Steven Shapin
descreve como “a retirada pública de confiança no acesso do
outro ao mundo e em seu compromisso moral de falar a verdade sobre ele” (SHAPIN, 1994: 6).25 Enquanto Van Hilten tentou
construir um novo parâmetro de credibilidade baseado no fornecimento de detalhes, como fontes, datas e locais de envio das
correspondências, Verhoeven aplicou uma retórica partidária
mais tradicional, ainda considerada muito atraente como parte
da cultura de pertença na Europa pós-Reforma (PETTEGREE,
2005: 211-217). Tanto no Norte, como no Sul, as vitórias eram
noticiadas mais frequentemente e mais extensivamente do que
as derrotas, mas só Verhoeven omitia sistematicamente as notícias ruins, um claro exemplo da utilidade da propaganda que
ele tinha anunciado às autoridades no começo de sua carreira.
Uma comparação entre as gazetas de Amsterdã e da Antuérpia no que concerne um evento específico ocorrido no Atlântico
mostra como diferentes níveis de parcialidade podem também
ser aferidos das palavras usadas pelos editores na elaboração
de seus informes. Na primeira metade de junho, todos os três
jornais – incluindo o Tijdingen, de Jansz – fizeram menção ao
retorno de Adriaen Pater para as Províncias Unidas depois de
uma expedição ao Caribe de quase dois anos que não foi nem
um sucesso retumbante, nem um completo fracasso (GOSLINGA, 1971: 207-216). Pater não foi capaz de capturar a frota do
tesouro como os diretores da WIC esperavam, mas sua presença na área conseguiu adiar a partida da mesma. Ele desestabilizou os espanhóis forçando-os a se render em Santa Marta, mas
não juntou forças com Lonck para organizar um ataque combinado, algo que os diretores tinham dado ordens específicas
para ser feito. Van Hilten, antecipando o retorno do almirante,
narrou no dia 8 de junho como Pater conquistou Santa Marta,
mas teve que abandonar a ilha por falta de suprimentos. Na
semana seguinte, restringiu sua cobertura a uma seca sentença:
“O almirante Pater chegou aqui nesta semana com a maioria
Para uma discussão mais ampla a respeito do problema da credibilidade na Inglaterra do início da idade moderna, cf.: Randall (2010: 95-120).
25
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 29
12/05/2016 09:50:51
30
Michiel van Groesen
de seus navios”.26 No mesmo sábado, Broer Jansz apresentou
a campanha de Pater como um sucesso. Jansz tinha servido
como cronista do Príncipe de Orange e era notavelmente mais
patriota que Van Hilten. As notícias que ele imprimia eram rotineiramente consideradas suspeitas no Sul dos Países Baixos,
onde panfletistas satíricos o aconselharam certa vez a “mentir
um pouco mais sobre o Brasil, já que é longe daqui o suficiente” (BORST, 2009: 86). Jansz descreveu o retorno de Pater de
forma mais pormenorizada:
Várias vezes nesta semana soldados... marcharam inteiramente uniformizados e com garbo até a Casa da
Companhia das Índias Ocidentais, onde cada soldado
recebeu um tálere imperial como presente de boas-vindas, além de seu soldo, e cada oficial dois. Os diretores
da Companhia, ouvindo que o almirante viria de Edam
para Amsterdã, enviaram alguns dos seus para Nieuwendam a fim de receberem o almirante com pompas,
acompanharem ele até Amsterdã e o conduzirem até
a Casa da Companhia das Índias Ocidentais, onde à
noite todos eles desfrutaram de um alegre jantar.27
Ao menos, insistia Broer Jansz, havia razões para contentamento depois de tantos meses de expectativa. Duas semanas depois,
Abraham Verhoeven discordava veementemente, narrando o retorno de Pater em um tom que era tudo menos objetivo. Além
de ridicularizar o almirante por sua falta de sucesso, tratou logo
de lembrar aos leitores que tudo estava sendo feito para impedir
também que os neerlandeses fossem exitosos em Pernambuco:
Notícias de Amsterdã: o almirante Pater chegou aqui
com as meias em sua cabeça [i.e. com uma pulga atrás
da orelha], garantindo que a Companhia das Índias
Ocidentais não poderá jactar-se de sua campanha, uma
26
Courante, no. 24 (15 de junho).
27
Wekelijcke Tijdinghe, no. 24 (15 de junho).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 30
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
31
vez que ela custou muito e rendeu pouco ou nada. Se
o mesmo acontecer com Pernambuco, a Companhia
irá à ruína, porque aqui nos chegam informações de
que na Andaluzia, Biscaia, Portugal e em outros lugares da Espanha grandes preparações estão sendo feitas
para o envio de uma expedição marítima e que Don
Fadrique partirá imediatamente para Pernambuco uma
vez que sua frota tenha chegado na Espanha.28
Este boletim é indicativo da cobertura dispensada por
Verhoeven aos eventos ocorridos no Atlântico de duas maneiras. Ao longo do ano, ele ridicularizou os neerlandeses sempre
que eles não conseguiam o sucesso que esperavam, usando
uma retórica mordaz estranha às gazetas de Amsterdã. Depois,
passou rapidamente a dar atualizações otimistas da aproximação da frota do tesouro. Sob o comando de Don Fadrique de
Toledo e Antonio de Oquendo, as frotas combinadas da Nova
Espanha e da Terra Firme, que transportaram uma quantidade
de ouro e prata [do Novo Mundo] equivalente às cargas de dois
anos, tiveram extremo cuidado, passando meses primeiramente
em Cartagena e depois em Havana. Os comandantes consideraram o risco de atravessar o oceano tão grande que deixaram
para trás oito grandes navios com parte do tesouro. Mas a viagem de retorno acabou sendo tranquila e no começo de agosto a frota alcançou Cádiz, onde uma multidão entusiasmada
esperava, ajoelhando-se e rezando em sinal de agradecimento.
A chegada segura da frota até deu origem a uma relación de
sucesos, uma forma de notícia impressa na Espanha que era
usualmente reservada a vitórias militares e visitas régias, o que
enfatiza, portanto, a significância política do evento.29
Wekelijcke Tijdinghe, no. 24 (15 de junho).
28
O panfleto noticioso tem como título Relation verdadeira y certa de la desseada
y felize venida de la Flota de Nueva España, y galeones de Tierra Firme, y de la
Armada Real del Mar Occeano (Granada, 1630). Agradeço a Francesca Trivellato
por me fornecer uma cópia. Sobre notícias impressas na Era Dourada da Espanha, cf. ETTINGHAUSEN (1984: 1-20). Sobre a chegada da frota, cf. PHILLIPS
(1986: 186-187) e VILCHES (2010: 300-301).
29
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 31
12/05/2016 09:50:51
32
Michiel van Groesen
Na cultura de expectativa que caracterizou e moldou as notícias atlânticas, a frota do tesouro foi para Verhoeven o que o
Brasil tinha sido para seus pares em Amsterdã. Cada uma das
estórias sobre o Atlântico no Wekelijcke Tijdinghe era devotada parcialmente, ou mais frequentemente em exclusivo, a Don
Fadrique. No decurso do verão, quando a chegada da frota se
tornou uma questão de “quando” e não já de “se”, Verhorven
começou a especular sobre os proventos que dela resultariam.
No dia 17 de agosto, anunciou de forma confiante e com mais
precisão do que o habitual:
Notícias de Sevilha em julho: no dia 28 de junho chegou um navio de aviso de Don Fadrique de Toledo trazendo cartas do supracitado Don Fadrique [informando] que ele esperava que a frota chegasse a Espanha
no final de julho ou no começo de agosto, com a ajuda
de Deus, e que a mesma era composta de mais de 100
navios e carregava mais de 20 milhões [de reais].30
Finalmente, no penúltimo dia do mês, Verhoeven pôde dar
a conhecer a notícia oficial do retorno da frota. Um ano tinha
se passado desde que Don Fadrique partiu para as Índias e a
expectativa quanto ao retorno era grande desde o momento
de sua partida, um sentimento que foi ampliado pela memória
coletiva do desastre de Matanzas. Verhoeven celebrou a catártica ocasião com um número de quatro páginas completamente
dedicado às boas novas de Cádiz. Mas seu longo texto não conseguia ocultar que a notícia central, sobre a verdadeira quantidade de ouro e prata que tinha chegado, era decepcionante:
De Bruxelas, 24 de agosto: Senhor, aqui chegaram notícias vindas da Espanha de que a frota do ouro e da
prata chegou lá ricamente carregada no começo de
agosto, sem a perda de um navio, e se espera a chegada de outra frota em outubro ou novembro... A quan30
Wekelijcke Tijdinghe, no. 78 (17 de agosto).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 32
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
33
tidade total é de nove milhões, novecentos e quatro
mil, cento e noventa e quatro reais... Se esperam mais
notícias da frota deste ano no próximo correio.31
Verhoeven iniciava seu boletim com uma breve saudação
para simular a credibilidade de uma missiva corrente, mas os
leitores que tinham acompanhado a evolução da frota semana
a semana devem ter notado que o valor por ela transportado
era menos da metade da soma que o editor tinha previsto em
números anteriores. O que foi apresentado como um clímax
resultou num manifesto anticlímax. A espera pela frota seguinte
– e, com ela, um novo período de expectativa por notícias do
Atlântico – começava imediatamente.32
LENDO JORNAIS: O ATLÂNTICO EM CASA
Os editores procuravam manter seus leitores ávidos por mais
informação de maneira a garantir a consistência na aquisição de
suas edições semanais. Havia diversas maneiras de obter informação a respeito de assuntos estrangeiros – boatos e rumores,
sermões e canções, panfletos e impressos –, mas as gazetas
eram o único veículo regular de notícias sobre o Atlântico e,
também, o mais amplamente disponível. Nas Províncias Unidas,
editores de várias cidades forneciam informações locais para
os jornais de Amsterdã em troca de anúncios de seus livros
nos periódicos. Semanalmente, Van Hilten enviava 12 cópias
do Courante para um colega em Leeuwarden, por exemplo, e
26 cópias, em média, para outro livreiro de Nijmegen. Outros
canais de distribuição eram mais informais: o mestre-escola David Beck, na Haia, recebia a gazeta de Van Hilten de seu tio em
Amsterdã e se sentava com seus amigos “até que eles tivessem
Wekelijcke Tijdinghe, no. 83 (30 de agosto).
31
32
A segunda frota, sob comando de Don Tomás de Larráspuru, chegou na Espanha em dezembro, tarde demais para ser incluída nos jornais de 1630. Cf.
PHILLIPS (1986: 187).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 33
12/05/2016 09:50:51
34
Michiel van Groesen
lido o Courante de princípio ao fim” (BECK, 1993: 143).33 As
gazetas também eram lidas no exterior: tanto Van Hilten, como
Jansz, publicaram edições em francês e seus informes eram regularmente traduzidos para gazetas inglesas e alemãs. O fluxo
semanal de notícias era considerado de tal forma valioso que
podia ser vendido com lucro, como por exemplo pelo agente
político Michel le Blon, que enviava encomendas de Amsterdã
para o chanceler sueco Axel Oxenstierna todo sábado, incluindo as cópias daquele dia dos dois jornais (COUVEE, 1962: 2732; DAHL, 1946:34; LANKHORST, 2001; BROWNLEES, 2011: 2553; KEBLUSEK, 2003: 205-13). Nada se sabe da propagação das
notícias de Abraham Verhoeven no Sul dos Países Baixos, mas
para sua distribuição internacional ele contava com o confiável
sistema postal Tassis,34 que conectava o Sul dos Países Baixos a
praticamente todos os grandes eixos de notícias do continente.
Os periodistas ingleses, apesar de suas simpatias protestantes,
também copiavam seus relatos com regularidade (ARBLASTER,
2010: 202-3; DAMME, DEPLOIGE, 1998: 18-19).
Nos Países Baixos, com uma alta taxa de alfabetização, assim
como na Inglaterra, os periódicos se destinavam a leitores de todas as camadas sociais, mas também ali a leitura no início da idade
moderna permanece sendo um tema pouco conhecido (FREARSON, 1993: 1-23). Há apenas alguns anos atrás, David Randall
declarou que “nós nunca teremos mais do que uma vaga ideia de
quem lia notícias militares” (RANDAL, 2010: 14). Felizmente, há
um leitor nas Províncias Unidas que comentou com regularidade
o que os jornais noticiavam e como ele avaliava sua credibilidade.
Esse leitor é Pieter Corneliszoon Hooft (1581-1647), provavelmente o mais importante poeta, dramaturgo e historiador neerlandês
33
Cf. também: BLAAK (2009: 94).
34
Nota dos tradutores: criada pela família Tassis, de Bergamo, em fins do século
XV, constituiu uma das mais amplas redes postais a operar na Europa. Ampliou
suas atividades quando passou a prestar serviços ao Sacro Império, tendo antes
conectado os territórios dos Habsburgo aos burgúndios. Sua rede – dividida em
rotas primárias e secundárias – unia as principais cidades imperiais da Europa
ocidental e central. KNOX, Paul (ed.). 2014. Atlas of Cities. Princeton: Princeton
University Press, 43.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 34
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
35
de sua geração e, também, um conhecedor de assuntos políticos.
Seu pai, Cornelis, foi oito vezes burgomestre de Amsterdã e o próprio Pieter foi, em 1609, indicado como xerife (drost) de Muiden,
uma posição com um grau de exigência relativo que permitiu a
ele escrever suas peças e, posteriormente, a História Nerlandesa
(Neederlandsche Histoorien), uma monumentral descrição, em 27
volumes, da revolta neerlandesa contra o império espanhol. Uma
vez que o castelo de Muiden, onde Hooft residia, ficava mais de
10 milhas a Leste de Amsterdã, ele dependia de cartas e jornais
para seguir os assuntos estrangeiros. O mercador de Amsterdã
Joost Baek, cunhado de Pieter, enviava jornais para ele semanalmente e é em suas cartas para Baek que Hooft comenta a respeito
das notícias semanais (TRICHT, 1980: 155-65).35
Que tipo de jornal lia Pieter Hooft? Para alguém da estirpe de
Hooft, a essência da credibilidade era a confiança, que dependia
da autoridade social. Informes anônimos em jornais publicados
por editores voltados para o comércio eram vistos como claramente inferiores a cartas tradicionais escritas por pessoas cujo
status garantia sua credibilidade. Hooft era, pois, um leitor altamente crítico que repetidas vezes se queixava de que os jornais
noticiavam mentiras – um tropo comum – e sempre estavam
um passo atrás das notícias. Uma comparação de seu consumo
de notícias com o de Hugo Grotius, cujo interesse prioritário,
em 1630, eram as negociações secretas sobre a trégua entre
espanhóis e neerlandeses que ocuparam pouco espaço na imprensa (MEULENBROEK, 1964), mostra que Hooft dava muita
atenção aos incidentes políticos e militares que constituíam o
grosso das notícias surgidas nas gazetas. Analisando o panorama da mídia contemporânea, Hooft classificou o jornal de Jan
van Hilten como mais confiável do que aquele de Broer Jansz,
mas admitiu que “alguém sempre pode encontrar algo em um
jornal que não está disponível em outro”.36 Sua atitude crítica
A correspondência de Hooft foi editada e publicada de maneira exemplar por
Hendrik W. Van Tricht, et al. (1976-79).
35
Hooft para Baek, 25 de agosto de 1631 (TRICHT, Briefwisseling, no. 474). Cf.
também DAHL (1946, 17-18).
36
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 35
12/05/2016 09:50:51
36
Michiel van Groesen
em relação aos periódicos de Amsterdã não o impediu de ler
ambos. Ele também lia os jornais estrangeiros. Não surpreende,
portanto, que ele ocasionalmente confessasse a Baek que os
jornais o tinham mantido ocupado até tarde da noite.37
Hooft concentrava-se principalmente nos eventos que vinham se desenrolando na Europa, especialmente a guerra de
sucessão de Mântua. Ele não mencionou em suas cartas a vitória neerlandesa no Brasil e apenas uma vez, em 1630, comentou diretamente sobre as atividades da Companhia das Índias
Ocidentais, um dia antes de Jan van Hilten publicar um rumor
inglês – falso, como se verificou posteriormente – sobre o ataque do almirante Pater à ilha de Trinidade.38 “Eu escutei que a
Companhia das Índias Ocidentais capturou outra ilha”, Hooft
escreveu em tom indiferente. Ele não estava preocupado com
o ataque, mas antes com o fato de os jornais terem se limitado
a copiar de forma acrítica um relato infundado e, ademais, terem se atrasado (novamente) a fazê-lo. Hooft usou o rumor da
invasão de Pater como uma metáfora mordaz para denunciar o
jornalismo preguiçoso:
Não vejo nenhum uso para as gazetas neerlandesas.
As [da cidade] de Amsterdã são feitas por trapaceiros,
publicando notícias facilmente [vendáveis e] de interesse apenas dos investidores das companhias [de
comércio] que residem lá. Por mim, dispenso tais pasquins, se é que alguma vez os tomei [por fidedignos].
Com tais fontes, eu não ousaria empreender qualquer
debate que exigisse um esforço sério.39
Hooft, é claro, não parou de ler jornais como tão ameaçadoramente sugeriu. Várias cartas intrigantes de setembro e outubro de 1630 mostram exatamente porque ele continuava a lê37
Hooft para Baek, 18 de agosto de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 378).
38
Courante, no. 19 (11 de maio de 1630). Na realidade, Pater só passou por Trinidade quando a caminho de Santa Marta; Cf. GOSLINGA (1971: 214).
39
Hooft para Baek, 10 de maio de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 356).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 36
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
37
-los. Elas tratavam com uma perturbadora incerteza da quantia
exata de metais preciosos que Don Fadrique tinha trazido para
a Espanha. Como Verhoeven, Jansz e Van Hilten tinham seguido o progresso da frota ao longo do ano, então Hooft estava
bem informado a respeito de seu paradeiro (MORINEAU, 1985:
60-71).40 Em maio, Van Hilten relatou que o almirante tinha ancorado em Havana e em breve partiria para a Europa, “embora
muitos em Portugal e Espanha estejam tão abatidos pela perda
de Pernambuco que não podem acreditar nisso e tomem essa
informação como sendo mentira”. Em junho, ele deu voz a rumores vindos da Antuérpia – não mencionados por Verhoeven
– de que a frota ainda estava em Cartagena, que a notícia de
que ela já havia chegado a Havana tinha sido tornada pública
somente “em ordem a encorajar a população” na Espanha e
que Don Fadrique não chegaria até setembro ou outubro. Van
Hilten, ao contrário de seu colega da Antuérpia, não especulou
sobre os prováveis lucros da frota até fins de agosto, quando
rumores de sua iminente chegada intensificaram-se. Então, ele
começou por copiar a soma de 20 milhões de reais estimada
por Verhoeven, mas corrigiu a estória na semana seguinte com
um anúncio formal da quantia exata.41
Os relatos inconsistentes sobre a quantidade de metais preciosos intrigou Pieter Hooft. Em 10 de setembro, três dias depois
do anúncio de Van Hilten sobre a quantia correta ter aparecido,
ele expressou suas dúvidas em relação à cifra mencionada pelo
jornal. Para seu cunhado, ele escreveu:
Junto com esta carta, devolvo para você as gazetas,
que eu temo terem se acostumado tanto a mentir que
em suas estimativas sobre as riquezas vindas das Índias contaram para nós menos que a verdade. Por Uma comparação entre Courante no. 14 e Tijdingen no. 14 (ambos de 6 de abril)
indica que Jansz às vezes tinha mais notícias sobre o Atlântico que Van Hilten.
Aqui, também, a retórica de Jansz no que diz respeito à frota do tesouro era claramente mais partidária que aquela de seu colega.
40
Courante, no. 21 (25 de maio), no. 26 (29 de junho), no. 35 (31 de agosto) e no.
36 (7 de setembro).
41
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 37
12/05/2016 09:50:51
38
Michiel van Groesen
que 9 milhões e 900 mil reais é muito menos que
18 milhões, que foi a quantia indicada para você da
Antuérpia. De fato, outros contaram-me, com expressões sérias, que seriam 20. Quando você tiver informações mais precisas, eu gostaria de saber.42
Está claro o que aconteceu aqui. Baek e Hooft, sempre ansiosos por notícias, tinham lido sobre os 20 milhões de reais
nos relatos que foram impressos por Verhoeven quase semanalmente por mais de um mês. Se a fonte deles foi ou não o Wekelijcke Tijdinghe é incerto, mas o surgimento repentino de uma
grande disparidade nos valores perturbou Hooft. Além disso, o
rendimento final acabou sendo muito inferior ao de frotas do
tesouro anteriores.43 Hooft, como era hábito, culpou os jornais
de Amsterdã pela confusão, mas cinco dias depois já sabia que,
por uma vez, suas informações eram precisas:
Quem sabe o que esperar para futuro, agora que os
jornais aprenderam a falar a verdade sobre a carga da
frota da Índia? Porque certamente os rumores vindos
do lado espanhol têm sido divulgados para fazer suas
riquezas parecerem maiores e não poderiam estar
mais errados.44
A surpresa de Hooft, ao reconhecer com relutância que os jornais tinham mencionado a verdadeira quantia, rapidamente deu
lugar ao deleite quando soube que a Coroa espanhola não tinha
recebido a injeção financeira de grandes proporções que ele tinha
inicialmente temido. Duas semanas depois, ele reconheceu que
ocasionalmente os jornais deveriam ser tidos como confiáveis:
42
Hooft para Baek, 10 de setembro de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 388).
43
Morineau (1985: 61) menciona as seguintes quantias, de acordo com jornais de
Amsterdã: novembro de 1626, 17.217, 686 reais; novembro de 1627, 13.300,806
reais; setembro de 1628, 0 reais e abril de 1629, 12.488,000 reais.
44
Hooft para Baek, 15 de setembro de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 390). O
número de oito milhões constitui a diferença entre o tesouro real e a quantia
relatada nas gazetas.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 38
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
39
[Os jornais] sustentaram [um armistício na Guerra de
Mântua] para alimentar a imaginação dos austríacos
e dar ânimo àqueles do seu lado, tal como fizeram
quando fabricaram as riquezas da frota das Índias.45
Nesse momento, Hooft inequivocadamente culpava a propaganda dos Habsburgo – e não os jornais de Amsterdã – pela
manipulação dos números. Em outubro, em outra diatribe contra os periódicos não confiáveis, ele abriu uma exceção para
as notícias que tinham acabado de chegar da Antuérpia – e
que tinham chegado a ele pelo Courante de Van Hilten cinco
dias antes –, dizendo que a Coroa espanhola estava temporariamente retendo em sua posse as quotas do tesouro que cabiam
aos investidores privados: “Há certeza na Antuérpia de que o
mercador na Espanha terá de perder algumas de suas penas
prateadas”.46 Em pouco mais de um mês de leituras sobre a
frota do tesouro, Hooft deixou de acusar as gazetas de Amsterdã de mentir para aceitar o que elas tinham relatado como
confiável. Episódios como este recompensavam os esforços de
Van Hilten para checar suas fontes, identificando a origem dos
boletins que publicava sobre o Atlântico, e provavelmente são
importantes para explicar porque até mesmo leitores bem informados continuavam a ler os jornais semanais.
O QUE ESTAVA POR VIR: DIGERINDO AS
NOTÍCIAS SOBRE O ATLÂNTICO
Com a chegada do outono na Europa, os grandes eventos
atlânticos desse ano já tinham se dado. Tanto Van Hilten, como
Verhoeven, voltaram a publicar relatos corriqueiros como os
que tinham marcado os primeiros três meses do ano, mas com
uma notável diferença: a captura de Pernambuco pelos neer Hooft para Baek, 29 de setembro de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 398).
45
Hooft para Baek, 17 de outubro de 1630 (TRICHT, Briefwisseling, no. 413); Courante, no. 41 (12 de outubro).
46
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 39
12/05/2016 09:50:51
40
Michiel van Groesen
landeses modificou o balanço de poder ao ponto de Verhoeven
ter de reconhecer o Brasil como uma outra linha de frente. A
falta de parcialidade se manteve – em ambos os lados da fronteira – e os prognósticos costumeiros apontavam, mais uma
vez, em direções opostas. De acordo com Wekelijcke Tijdinghe,
os neerlandeses enfrentavam fome e sede em Pernambuco, enquanto no Courante essa situação era uma realidade enfrentada
pelos portugueses no interior da capitania. Neste caso, ambos
estavam corretos (BOXER, 1957: 41).47 E enquanto alguns conteúdos dos jornais eram diametralmente opostos, o contrário
também ocorria. Uma vez que tanto os periódicos de Amsterdã,
quanto os da Antuérpia, forneciam agora aos leitores uma dose
semanal de informação, tornou-se usual que uns copiassem os
relatos dos outros. Copiar era um dos mecanismos diários de
produção dos jornais na Europa do início da idade moderna e
a irregularidade no recebimento de notícias sobre o Atlântico
fazia que isso, às vezes, fosse inevitável. Van Hilten, no entanto, era suficientemente prudente para não confiar na gazeta
de Verhoeven. Dos seus 30 boletins sobre o Atlântico feitos na
Antuérpia, apenas a cifra errada no assunto da receita da frota
do tesouro pode ser identificada como tendo tido origem no
Wekelijcke Tijdinghe. Verhoeven era muito menos contido: ele
copiava literalmente as notícias de Van Hilten ou as modificava
para fazer que os reveses neerlandeses parecessem mais graves do que eram na realidade. Dois últimos exemplos serão
suficientes. No sábado, 16 de novembro, Van Hilten relatou:
“O vaso [neerlandês] Orangienboom, com 24 canhões, destinado a Pernambuco com vitualhas, naufragou dias atrás em
Dunquerque”.48 A notícia de Dunquerque já tinha chegado a
Antuérpia, onde Verhoeven a imprimiu e a interpretou como
um avanço para a causa dos Habsburgo no Brasil. O Courante, no entanto, foi o primeiro a mencionar o nome do navio e
suas dimensões, dando a Verhoeven a oportunidade de preen47
48
Courante, no. 51 (21 de dezembro); Wekelijcke Tijdinghe, no. 114 (29 de novembro).
Courante, no. 46 (16 de novembro).
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 40
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
41
cher os detalhes. No dia 29 de novembro, duas semanas após
ele mesmo dar o furo, Verhoeven transcreveu o relato de Van
Hilten, adicionando a data correta e o lugar de origem da correspondência, “afundando” o Orangienboom pela segunda vez.
Os leitores do Wekelijcke Tijdinghe ficariam com a impressão
de que a Companhia das Índias Ocidentais tinha perdido dois
navios com provisões em rápida sucessão.49 Além de manipulações como esta, Verhoeven também manteve-se altamente seletivo em sua cobertura dos eventos atlânticos. Mais tarde, em
novembro, Van Hilten deu conta de um novo desaire de gravidade relativa para os neerlandeses, o do almirante Pieter Ita
que, retornando do Brasil, “confirmou a perda de uma pequena
frota próximo a Honduras, e também trouxe novas de que, até
15 de setembro, a frota do tesouro não tinha chegado ainda em
Havana”.50 Verhoeven copiou a assertiva duas semanas depois:
“[Ita] cruzou a costa das Índias Ocidentais em direção a Havana
até 15 de setembro, quando uma tempestade e a falta de ganhos em perspectiva fizeram ele partir. Estes navios trouxeram
a confirmação da perda da frota anterior que estava indo para
Honduras”.51 Verhoeven indicava que tinha copiado a informação de periódicos neerlandeses. Ele usou as mesmas palavras
de Van Hilten, insinuando que Ita tinha de fato navegado ao
longo da costa cubana na data referida no boletim neerlandês, mas, depois, omitia deliberadamente a sentença final, que
aludia a novos atrasos na segunda frota de tesouro do ano. O
editor da Antuérpia claramente não estava interessado em toda
estória do front Ocidental. Ao contrário, ele manipulava o fluxo de notícias para construir um Atlântico imaginário que era
sistematicamente tendencioso a favor da monarquia espanhola.
Wekelijcke Tijdinghe, no. 109 (15 de novembro) e no. 115 (29 de novembro).
49
Courante, no. 48 (30 de novembro).
50
Wekelijcke Tijdinghe, no. 120 (13 de dezembro).
51
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 41
12/05/2016 09:50:51
42
Michiel van Groesen
Conclusão
Nos Países Baixos, os jornais semanais publicavam notícias
sobre o mundo atlântico com regularidade. Jan van Hilten e
Abraham Verhoeven tinham uma década de experiência em
noticiar assuntos estrangeiros através de periódicos impressos e
reconheciam a importância do mundo atlântico como cenário
de notícias. Seus jornais apresentavam variações significativas
na cobertura dos eventos, o que significa que a públicos distintos – ocasionalmente em momentos díspares – eram contadas
versões diversas dos mesmos eventos. Na Antuérpia, o Wekelijcke Tijdinghe exibia uma forma de jornalismo comprometido
inerente à tradicional cultura de pertencimento, na qual boas
novas eram avidamente antecipadas e notícias ruins eram descaradamente suprimidas. Os jornais de Amsterdã, embora longe de serem imparciais, não se mostravam tão rigorasamente
preconceituosos. A estratégia editorial do Courante, que informava sobre o front Ocidental mesmo quando havia pouco ou
nada para dizer, era alimentada por razões de ordem comercial. Aqui também, as boas notícias recebiam mais atenção do
que as ruins, mas de maneira a continuar vendendo jornais
para leitores bem informados, Van Hilten trabalhou duro para
estabelecer um novo padrão de credibilidade. Seus métodos
de atuação, meticulosos, incluíam fornecer os leitores com detalhes de quando e onde rumores e relatos circulavam e não
omitir notícias de derrotas.
Para compensar os intervalos na chegadas de notícias frescas
do Atlântico, muitos boletins nos Países Baixos originaram-se do
outro lado da fronteira. Copiar boletins de outra mídia, uma das
pedras angulares da produção de jornais no início da modernidade, era uma solução óbvia para uma falta crônica de notícias
impactantes. Comparar os métodos de dois agentes noticiosos
dos mais importantes da Europa é particularmente instrutivo.
Relatos do outro lado da fronteira ofereciam uma oportunidade
conveniente para Abraham Verhoeven manipular a situação dos
assuntos atlânticos. Jan van Hilten, em contraste com o que os
historiadores usualmente argumentam a respeito do jornalismo
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 42
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
43
no princípio da idade moderna, resistiu com sucesso à tentação
de tomar emprestados os relatos de seu parceiro na Antuérpia,
embora tivesse se apoiado nos Países Baixos do Sul para elaborar cerca de metade dos boletins atlânticos que produziu.
Quando possível, ele coletava suas notícias de múltiplas fontes
e tentava encontrar confirmação em Amsterdã para as informações que tinha recebido da Espanha através de Bruxelas ou da
Antuérpia. Os esforços de Van Hilten para garantir a precisão
das notícias compensaram. Até um leitor crítico como Pieter
Corneliszoon Hooft teve de admitir vez por outra que os jornais
de Asmterdã faziam um trabalho respeitável.
Apesas das estratégias contrastantes de editores ao Norte e
ao Sul da fronteira, havia similaridades também. Tanto em Amsterdã, como na Antuérpia, a divulgação de notícias sobre o
Atlântico era caracterizada por extraordinariamente longos períodos de expectativa. Esperanças para o futuro determinavam
as preocupações semanais do presente e desenvolvimentos que
podiam potencialmente levar a vitórias eram cobertos mais sistematicamente do que decepções que eram suscetíveis de se
materializar – uma idiossincrática forma da parcialidade que
caracterizou, no geral, a imprensa do início da modernidade,
embora em diferentes graus. Nas semanas que antecediam a
esperada confirmação de boas novas do Atlântico, os agentes
noticiosos freneticamente reuniam cada pedaço de informação
disponível e preparavam de semana para semana em letra de
imprensa a ocorrência de um evento longamente esperado.
Quando notícias impactantes finalmente chegavam – a da invasão bem sucedida de uma colônia do inimigo ou da chegada
da tão necessária prata americana –, os meses de ansiedade
davam lugar a um clímax noticioso. Poucos eventos geraram
o extensivo tratamento reservado às boas notícias oriundas do
front ocidental, na forma de números especiais ou de números
ordinários inteiramente dedicados a uma única estória. Terminada a celebração de uma vitória atlântica ou, alternativamente,
a digestão de uma derrota e da decepção que a acompanhava,
um novo período de antecipação, prolongado e comercialmente atrativo, poderia começar.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 43
12/05/2016 09:50:51
44
Michiel van Groesen
Referências
Fontes
impressas
Broer Jansz, Tijdingen uyt verscheyden Quartieren, no. 1 (Amsterdã, 5
de janeiro de 1630)
Courante, no. 2 (12 de janeiro), no. 3 (19 de janeiro), no. 5 (2 de janeiro),
no. 10 (9 de março), no. 11 (16 de março), no. 17 (27 de abril), no. 19 (11 de
maio de 1630), no. 21 (25 de maio), no. 24 (15 de junho), no. 26 (29 de junho), no. 35 (31 de agosto), no. 36 (7 de setembro), no. 41 (12 de outubro),
no. 46 (16 de novembro), no. 48 (30 de novembro), no. 51 (21 de dezembro)
Hooft para Baek, 10 de maio de 1630 (Van Tricht, Briefwisseling, no. 356).
In: TRICHT, Hendrik W. Van; et al. (eds.). 1976. De briefwisseling van
Pieter Corneliszoon Hooft, 3 vols. Culemborg: Tjeenk Willink.
Hooft para Baek, 10 de setembro de 1630 (no. 388). In: TRICHT, Op. Cit.
Hooft para Baek, 15 de setembro de 1630 (no. 390). In: TRICHT, Op. Cit.
Hooft para Baek, 17 de outubro de 1630 (no. 413). In: TRICHT, Op. Cit.
Hooft para Baek, 18 de agosto de 1630 (no. 378). In: TRICHT, Op. Cit.
Hooft para Baek, 25 de agosto de 1631 (no. 474). In: TRICHT, Op. Cit.
Hooft para Baek, 29 de setembro de 1630 (no. 398). In: TRICHT, Op. Cit.
Jan van Hilten, Courante uyt Italien ende Duytschlandt &c., no. 1 (Amsterdã, 5 de janeiro de 1630)
Nieuws Tijdingen gedrukt te Amsterdam voor Jan van Hilten in de
Beursstraat en bij Jan Frederik Stam in de Drukkerij van Vezelaer aan of bij
de Zuijderkerk in de Hoope Van Jan 1630-28 Dec 1630. Koninklijk Bibliotheek, Den Haag, 341 A1.
Relation verdadeira y certa de la desseada y felize venida de la Flota
de Nueva España, y galeones de Tierra Firme, y de la Armada Real del
Mar Occeano. Granada, 1630.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 44
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
45
Wekelijcke Tijdinghe. Bibliothèque Royale de Belgique, Brussels, III
33.519 A, no. 14 (20 de fevereiro), no. 24 (15 de junho), no. 44 (24 de maio),
no. 45 (1 de junho), no. 78 (17 de agosto), no. 83 (30 de agosto), no. 109
(15 de novembro), no. 114 (29 de novembro), no. 115 (29 de novembro),
no. 120 (13 de dezembro)
Bibliografia
ARBLASTER, Paul. 2001. Policy and Publishing in the Habsburg Netherlands,
1585-1690. In: DOOLEY, B; BARON, S. A. (eds.). The Politics of Information. London: Routledge.
ARBLASTER, Paul. 2010. Antwerp and Brussel as Inter-European Spaces in
News Exchange. In: DOOLEY, Brendan (ed.). The Dissemination of News
and the Emergence of Contemporaneity in Early Modern Europe.
Farnham: Ashgate.
BECK, David. 1993. Spiegel van mijn leven: Een Haags dagboek uit 1624.
Hilversum: Verloren.
BEHRENDT, Stephen D. 2009. Ecology, Seasonality, and the Transatlantic
Slave Trade. In: BAILYN, Bernard; DENAULT, Patricia L. (eds.). Soundings
in Atlantic History: Latent Structures and Intellectual Currents, 1500-1830.
Cambridge, MA: Harvard University Press.
BLAAK, Jeroen. 2009. Literacy in Everyday Life: Reading and Writing in
Early Modern Dutch Diaries. Leiden: Brill.
BORST, Henk. 2009. Broer Jansz in Antwerpse ogen: De Amsterdamse courantier na de slag bij Kallo in 1638 neergezet als propagandista. De zeventiende eeuw, 25, no. 1.
BOXER, Charles. 1957. The Dutch in Brazil, 1624-1654. Oxford: Claredon.
BRABANT, Stéphane. 2009. L’Imprimeur Abraham Verhoeven (15751652) et les débuts de la presse “belge”. Paris: Asia Europe Economic
Forum.
BRAUDEL, Fernand. 1972. The Mediterranean and the Mediterranean
World in the Age of Philip II. New York: Harper Collins, pt. 2.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 45
12/05/2016 09:50:51
46
Michiel van Groesen
BROWNLEES, Nicholas. 1999. Corantos and Newsbooks: Language and
Discourse in the first English Newspapers (1620-1641). Pisa: ETS.
BROWNLEES, Nicholas. 2011. The Language of Periodical News in Seventeenth-Century England. Newcastle: Cambridge Scholars.
COUVÉE, D. H. 1962. The First Coranteers – The Flow of the News in the
1620s. Gazette International Journal for Mass Communication Studies, 8.
DAHL, Folke (ed.). 1946. Dutch Corantos 1618-1650, a Bibliography Illustrated With 334 Facsimile Reproductions of Corantos Printed 1618-1625. The
Hague: Martinus Nijhoff.
DAMME, K. van; DEPLOIGE, J. 1998. Slecht nieuws, geen nieuws. Abraham
Verhoeven (1575-1652) en de Nieuwe Tijdinghen: Periodieke pers en propaganda in de Zuidelijke Nederlanden tijdens de vroege zeventiende eeuw.
Bijdragen en Mededelingen betreffende de Geschiedenis der Nederlanden, 113, no. 1.
DOOLEY, Brendan (ed.). 2010. The Dissemination of News and the
Emergence of Contemporaneity in Early Modern Europe. Farnham:
Ashgate.
DUTRA, Francis. 1973. Matias de Albuquerque and the Defense of Northeastern Brazil, 1620-1626. Studia, 36.
EDMUNDSON, George. 1899. The Dutch Power in Brazil. English Historical Review, 14.
ETTINGHAUSEN, Henry. 1984. The News in Spain: Relaciones de sucesos in
the Reigns of Philip III and IV. European History Quarterly, 14.
FOX, Adam. 1997. Rumour, News, and Popular Political Opinion in Elizabethan and Early Stuart Culture. Historical Journal, 40, no. 3.
FREARSON, Michael. 1993. The Distribution and Readership of London Corantos in the 1620s. In: MYERS, Robin; HARRIS, Michael (eds.). Serials and
Their Readers, 1620-1914. Winchester: St. Paul’s Bibliographies.
GOSLINGA, Cornelis. 1971. The Dutch in the Caribbean and on the Wild
Coast 1580-1680. Assen: Van Gorcum.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 46
12/05/2016 09:50:51
(Sem) Notícias do front ocidental: o Brasil Neerlandês, o mundo
Atlântico e os jornais impressos dos países baixos
47
GREENSPAN, Nicole. 2010. News and the Politics of Information in the Mid-Seventeenth Century: the Western Design and the Conquest of Jamaica.
History Workshop Journal, 69.
GROESEN, Michiel van. 2010. A Week to Remember: Dutch Publishers and
the Competition for News from Brazil, 26 August-2 September 1624. Quaerendo, 40, no. 1.
GROESEN, Michiel van. 2011. Lessons Learned: The Second Dutch Conquest
of Brazil and the Memory of the First. Colonial Latin American Review,
20, no. 2.
ISRAEL, Jonathan. 1982. The Dutch Republic and the Hispanic World,
1606-1661. Oxford: Oxford University Press.
KEBLUSEK, Marika. 2003. The Business of News: Michel le Blon and the
Transmission of Political Information to Sweden in the 1630s. Scandinavian
Journal of History, 28.
LANKHORST, Otto. 2001. Newspapers in the Netherlands in the Seventeenth
Century. In: DOOLEY, Brendan; BARON, Sabrina (eds.). The Politics of
Information in Early Modern Europe. London: Routledge.
MCCUSKER, John J. 2005. The Demise of Distance: The Business Press
and the Origins of the Information Revolution in the Early Modern Atlantic
World. American Historical Review, 110, no. 2.
MEULENBROEK, Bernard L. (ed.). 1964. Briefwisseling van Hugo Grotius, vol. 4, 1629-1630-1631. The Hague: Martinus Nijhoff.
MORINEAU, Michel. 1985. Incroyables gazettes et fabuleux métaux: Les
retours des trésors américains d’après les gazettes hollandaises (XVIe-XVIIIe
siècles). Cambrigde: Cambridge University Press/ Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme.
PETTEGREE, Andrew. 2005. Reformation and the Culture of Persuasion.
Cambridge: Cambridge University Press.
PHILLIPS, Carla Rahn. 1986. Six Galleons for the King of Spain: Imperial
Defense in the Early Seventeenth Century. Baltimore: Johns Hopkins University Press.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 47
12/05/2016 09:50:51
48
Michiel van Groesen
PIEPER, Renate. 2000. Die Vermittlung einer Neuen Welt: Amerika im
Nachrichttennetz des Habsburgischen Imperiums, 1493-1598. Mainz: Philipp
von Zabern.
RANDALL, David. 2010. Credibility in Elizabethan and Early Stuart Military News. London: Pickering & Chatto.
RAYMOND, Joad (ed.). 2006. News Networks in Seventeenth Century
Britain and Europe. London: Routledge.
RAYMOND, Joad. 2005. The Invention of the Newspaper: English Newsbooks 1641-1649. Oxford: Clarendon.
SHAPIN, Steven. 1994. A Social History of Truth: Civility and Science in
Seventeenth-Century England. Chicago: University of Chicago Press.
SLAUTER, Will. 2009. Forward-Looking Statements: News and Speculation in
the Age of the American Revolution. Journal of Modern History, 81, no. 4.
SOMMERVILLE, C. John. 1996. The News Revolution in England: Cultural
Dynamics of Daily Information. Oxford: Oxford University Press.
TRICHT, Hendrik W. van. 1980. Het leven van P. C. Hooft. The Hague:
Martinus Nijhoff.
TRICHT, Hendrik W. van; et al. (eds.). 1976-1979. De briefwisseling van
Pieter Corneliszoon Hooft. 3 vols. Culemborg: Tjeenk Willink.
VILCHES, Elvira. 2010. New World Gold: Cultural Anxiety and Monetary
Disorder in Early Modern Spain. Chicago: Univesity of Chicago Press.
Revista do IAHGP, Recife, n. 68, pp. 13-48, 2015
MIOLO Revista IAHGP n. 68.indd 48
12/05/2016 09:50:51