Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São

Transcrição

Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São
Do Tratado sobre a Oração do
Senhor, de São Cipriano, bispo e
mártir
(Nn. 4´6: CSEL 3, 268´270)
(Séc.III)
Brote a oração do coração humilde
Nossa oração é pública e universal
Antes do mais, o Doutor da paz e Mestre da unidade não quis que cada um orasse sozinho e
em particular, como rezando para si só. De fato, não dizemos: Meu Pai que estais no céu; nem:
Meu pão daí´me hoje. Do mesmo modo não se pede só si para si o perdão da dívida de cada
um ou que não caia em tentação e seja livre do mal, rogando cada um para si. Nossa oração é
pública e universal e quando oramos não o fazemos para um só, mas para o povo todo, já que
todo o povo forma uma só coisa. O Deus da paz e Mestre da concórdia, que ensinou a unidade,
quis que assim orássemos, um por todos, como ele em si mesmo carregou a todos. Os três
jovens, lançados na fornalha ardente, observaram esta lei da oração, harmoniosos na prece e
concordes pela união dos espíritos. A firmeza da Sagrada Escritura o declara e, narrando de
que maneira eles oravam, apresenta´os como exemplo a ser imitado em nossas prece, a fim de
nos tronarmos semelhantes a eles. Então, diz ela, os três jovens, como por uma só boca,
cantavam um hino e bendiziam a Deus. Falavam como se tivessem uma só boca e Cristo ainda
não lhes havia ensinado a orar. Por isto a palavra foi favorável e eficaz para os orantes. De
fato, a oração pacífica, simples e espiritual, mereceu a graça do Senhor. Do mesmo modo
vemos orar os apóstolos e os discípulos, depois da ascensão do Senhor. Eram perseverantes,
todos unânimes na oração com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos.
Perseveravam unânimes na oração, manifestando tanto pela persistência como pela concórdia
de sua oração, que Deus que os faz habitar unânimes na casa, só admite na eterna e divina
casa aqueles cuja oração é unânime. De alcance prodigioso, irmãos diletíssimos, são os
mistérios da oração dominical! Mistérios numerosos, profundos, enfeixados em poucas
palavras, porém, ricas em força espiritual, encerrando tudo o que nos importa alcançar! Rezai
assim, diz ele: Pai nosso, que estais no céus. O homem novo, renascido e, por graça, restituído
a seu Deus, diz, em primeiro lugar, Pai! , porque já começou a ser filho. Veio ao que era seu em
os seus não o receberam. A todos aqueles que o receberam, deu´lhes o poder de se tornarem
filhos de Deus, aqueles que crêem em seu nome. Quem, portanto, crê em seu nome e se fez
filho de Deus, deve começar por aqui, isto é, por dar graças e por confessar´se filho de Deus ao
declarar ser Deus o seu Pai nos céus.
(Nn. 11´12: CSEL 3,274´275) (Séc.III)
Santificado seja o vosso nome
Quanta indulgência do Senhor, quanta consideração por nós e quanta riqueza de bondade em
querer que realizássemos na oração, na presença de Deus, chamando´o de Pai, e que, da
mesma forma que Cristo é Filho de Deus, também nós recebemos o nome de filhos de Deus.
Nenhum de nós ousaria chamá´lo de Pai na oração, se ele próprio não nos permitisse orar
assim. Irmãos diletíssimos, cumpre´nos Ter sempre em mente e saber que, quando damos a
Deus o nome de Pai, temos de agir como filhos: como a nossa alegria está em Deus Pai,
também ele encontre sua alegria em nós. Vivamos quais templos de Deus, para que se veja
que em nós habita o Senhor. Não seja a nossa ação indigna do Espírito, pois se já começamos
a ser espirituais e celestes, pensemos e façamos somente coisas celestes, pensemos e
façamos somente coisas celestes e espirituais, conforme disse o próprio Senhor Deus: Àqueles
que me glorificam, eu os glorificarei e àqueles que me desprezam, os desprezarei. Também o
santo Apóstolo escreveu em uma epístola: Não vos possuís, pois fostes comprados por alto
preço. Glorificarei e levai a Deus em vosso corpo. Em seguida dizemos: Santificado seja o
vosso nome, não que desejemos ser Deus santificado por nossas orações, mas que peçamos
ao Senhor seja seu nome santificado em nós. Aliás, por quem seria Deus santificado, ele que
santifica? Mas já que disse: Sede santos porque eu sou santo, pedimos e rogamos que nós,
santificados pelo batismo perseveremos no que começamos a ser. Cada dia pedimos o mesmo.
A santificação cotidiana é necessária para nós pois, cada dia, falhamos e temos de purificar
nossos delitos por assídua santificação. O Apóstolo descreve qual seja a santificação que, pela
condescendência de Deus, nos é dada: Nem fornicadores nem idólatras, adúlteros, nem
efeminados, sodomitas, nem ladrões nem fraudulentos, nem ébrios, maldizentes, nem
usurpadores alcançarão o reino de Deus. Na verdade fostes tudo isto, mas fostes lavados,
fostes justificados, santificados, em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus.
Diz´nos santificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus. Oramos
para que esta santificação permaneça em nós. Se o Senhor e nosso juiz advertiu aquele que
curava e vivificara de não mais pecar, para que não lhe adviesse coisa pior, fazemos este
pedido por contínuas orações, suplicamos dia e noite a fim de que, por sua proteção, nos seja
guardada a santificação vivificante que procede da graça de Deus.
Venha a nós o vosso reino.
Seja feita a vossa vontade
A oração continua. Venha a nós o vosso reino. Pedimos que o reino de Deus se torne presente
a nós, da mesma forma que solicitamos seja em nós santificado o seu nome. Porque, quando é
que Deus não reina? Ou quando para ele começou o reino que sempre existiu e nunca deixará
de ser? Pedimos a vida de nosso reino, prometido por Deus e adquirido pelo sangue e paixão
de Cristo, a fim de que nós que fomos, outrora, escravos do mundo, reinemos depois, conforme
ele nos anunciou, pelo Cristo glorioso, ao dizer: Vinde, bendito de meu Pai, tomai posse do
reino que vos está preparado desde a origem do mundo. Pode´se igualmente, irmãos
diletíssimos, entender que o próprio Cristo é o reino de Deus, cuja vinda pedimos todos os dias.
Estamos ansiosos por ver esta vinda o mais depressa possível. Sendo ele a ressurreição, pois
nele ressurgimos, assim também se pode pensar que ele é o reino de Deus, pois nele
reinaremos. Pedimos, é claro, o reino de Deus, o reino celeste, já que há um reino terrestre.
Mas quem já renunciou ao mundo esta acima desse reino terrestre e de suas honrarias.
Acrescentamos ainda: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. Não para que
Deus faça o que quer, mas para que possamos fazer o que Deus quer. Pois quem impedirá a
Deus de fazer tudo quanto quiser? Mas porque o diabo se opõe a que nossa vontade e ações
em tudo obedeçam a Deus, oramos e pedimos que se faça em nós a vontade de Deus. Que se
faça em nós é obra da vontade de Deus, isto é, resultado de seu auxílio e proteção, porque
ninguém é forte por suas próprias forças. Com efeito, é a indulgência e a misericórdia de Deus
que o protegem. Finalmente, manifestando a fraqueza de homem, diz o Senhor: pai, se
possível, afaste´se de mim este cálice e, dando aos discípulos o exemplo de renunciar à própria
vontade e de aceitar a de Deus, acrescentou: contudo não que eu quero, mas o que tu queres.
A vida humilde, a fidelidade inabalável, a modéstia nas palavras, a justiça nas ações, a
misericórdia nas obras, a disciplina nos costumes; o não fazer injúrias; o tolerar as recebidas; o
manter a paz com os irmãos; o amar a Deus de todo o coração; o amá´lo por ser Pai; o temê´lo
por ser Deus; o nada absolutamente antepor a Cristo, pois também ele não antepôs coisa
alguma a nós; o aderir inseparavelmente à sua caridade: o estar ao pé de sua cruz com
coragem e confiança, quando se tratar de luta por seu nome e sua honra, o mostrar firmeza ao
confessá´lo por palavras, e, no interrogatório, o manter a confiança naquele por quem
combatemos, e, na morte, o conservar a paciência que nos coroará, tudo isto é querer ser
co´herdeiro de Cristo, é cumprir o preceito de Deus. É realizar a vontade do Pai.
(Nn. 18.22: CSEL 3, 280´281, 283´284) (Séc.III)
Depois do pão, pedimos o perdão dos pecados
Continuando a oração, fazemos o pedido: O pão nosso de cada dia nos daí hoje. Pode´se
entendê´lo tanto espiritual como naturalmente. De ambos os modos Deus se serve para nossa
salvação. Cristo é o pão da vida e este pão não é de todos, é nosso. Assim como dizemos Pai
nosso, por ser Pai dos que entendem e crêem, assim dizemos pão nosso, porque Cristo é o
pão dos que comem o seu corpo. Pedimos a dádiva deste pão, todos os dias; não aconteça
que nós, que estamos em Cristo e diariamente recebemos sua eucaristia como alimento de
salvação, sobrevindo alguma falta mais grave, nos abstenhamos e sejamos privados de
comungar o pão celeste e venhamos a nos separar do corpo de Cristo, porque são suas as
palavras: Eu sou o pão da vida, que desci do céu. Se alguém comer deste pão que eu darei é a
minha carne para a vida do mundo. Assim, dizendo ele que viverá eternamente quem comer
deste pão, como é evidente que vivem aqueles que pertencem ao seu corpo e recebem a
eucaristia nas devidas disposições, é de se temer, pelo contrário, que se afaste da salvação
aquele que se abstém do corpo de Cristo, conforme a advertência do Senhor: Se não comerdes
da carne do Filho do homem e não beberdes de seu sangue, não tereis a vida em vós. Por este
motivo, pedimos que nos seja dado diariamente nosso pão, o Cristo, para que não nos
apartemos de sua santificação e de seu corpo, nós os que permanecemos e vivemos em
Cristo. Em seguida, também suplicamos pelos nossos pecados: E perdoai as nossas dívidas,
assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Depois do pão, pedimos o perdão dos
pecados. Quão necessária, providencial e salvadora a advertência de sermos pecadores, e
obrigados a rogar a Deus pelos pecados ! Porque, quando recorre à indulgência de Deus, a
alma se lembra de sua condição. Para que ninguém esteja contente consigo, como se fosse
inocente e pela soberba se perca mais completamente, quando se lhe ordena pedir todos os
dias perdão pelos pecados, cada um toma consciência de que diariamente peca. Assim
também João, em sua carta, nos adverte: Se dissermos que não temos pecados,
enganamo´nos a nós mesmos e a verdade não estará em nós. Se porém confessarmos nossas
culpas, o Senhor, justo e fiel, perdoar – nos ´ á os pecados. Em sua carta reuniu as duas
coisas: o dever de rogar pelos pecados e, rogando, suplicar a indulgência. Por isso diz que o
Senhor é fiel, mantendo a sua promessa de perdoar as culpas, pois quem nos ensinou a orar
por nossas dívidas e pecados também prometeu, logo em seguida, a misericórdia paterna e o
perdão.
(Nn. 28´30: CSEL. 3, 287´2890 (Séc. III)
Não apenas com palavras, mais ainda com atos se deve orar Não é de admirar, irmãos
caríssimos, que a oração, tal como Deus a ensinou, enfeixe, por seu ensinamento, toda a
nossa prece numa breve palavra de salvação. Já pelo profeta Isaías isto tinha sido predito,
cheio do Espírito Santo, falava da majestade e bondade de Deus: Verbo que completa e
abrevia na justiça, porque Deus fará uma palavra abreviada em todo o orbe da terra. Pois a
palavra de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, veio para todos e, reunindo doutos e ignorantes,
sexos e idades, lhes deu preceitos salutares, resumindo de tão maneira seus mandamentos,
que a memória dos discípulos não sentisse dificuldade com o ensinamento celeste, mas
rapidamente aprendesse o que era necessário à simples fé. Do mesmo modo, ao ensinar´nos o
que seja a vida eterna, condensou o mistério da vida com grande e divina brevidade, dizendo:
Esta é a vida eterna, que te conheçam a ti, único e verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus
Cristo. E ainda, querendo salientar os primeiros e maiores preceitos da lei e dos profetas, diz:
Ouve, Israel. O Senhor, teu Deus, é um só Senhor; e Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o
teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é o primeiro; e o segundo é
semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Deste dois mandamentos
dependem toda a lei e os profetas. E de novo: Tudo quanto quiserdes que vos façam os
homens, fazei´o a eles. Isto é a lei e os profetas. Deus não nos ensinou a orar apenas com
palavras, mas também com atos. Ele próprio com frequência orou e suplicou, mostrando´nos
com seu exemplo o que temos de fazer. Está escrito: Ele se afastava para os lugares solitários
e adorava. E ainda: Saiu para o monte a fim de orar e passou a noite inteira em oração a Deus.
O Senhor orava e pedia não para si – que pediria, o inocente, para si? – mas por nossos
delitos, como ele mesmo o declarou ao dizer a Pedro: Eis que Satanás procurava joeirar´vos
como trigo. Mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça. E pouco depois rogou ao Pai
por todos, dizendo: Não rogo apenas por este, mas também por aqueles que irão crer em mim
pelas palavras deles, a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para
que também eles estejam em nós. Imensa benignidade e piedade de Deus para nossa
salvação ! Não contente de redimir´nos com seu sangue, ainda quis com tanta generosidade
rogar por nós. Considerai o desejo daquele que do mesmo modo como o Pai e o Filho são um,
assim também nós permaneçamos na mesma unidade.

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